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Doenças das Veias


Fabio Lemos Campedelli, Edvaldo de Paula e Silva, Yosio Nagato e Charles Esteves Pereira

INTRODUÇÃO
As doenças do segmento venoso do sistema cardiovascular, com destaque para as varizes de membros inferiores,
apresentam elevada prevalência na população, estando presentes em mais de 40% das mulheres com mais de 40 anos.
A trombose venosa profunda (TVP) e sua complicação mais temida, a embolia pulmonar, apresentam alta incidência,
com elevadas taxas de óbito.
As complicações tardias das varizes de membros inferiores, tais como eczema, tromboflebite, dermatofibrose,
anquilose tibiotársica, úlceras e a sequela tardia da trombose venosa profunda – síndrome pós-trombótica –, que produz as
mesmas complicações, mas com maior intensidade, provocam grande sofrimento e incapacidade para o trabalho,
constituindo importante problema social.
Varizes em outros territórios, como as da região pélvica, podem estar relacionadas a síndromes compressivas, fístulas
ou malformações venosas ou arteriovenosas.

VARIZES DOS MEMBROS INFERIORES


Varizes são veias permanentemente dilatadas, com alterações de suas paredes e válvulas, assim como de sua função
(Figura 57.1).
São classificadas em primárias e secundárias.
As varizes primárias, idiopáticas ou essenciais são de causa desconhecida; as secundárias ocorrem em razão de outras
afecções, dentre as quais as mais importantes são a trombose venosa profunda e as fístulas arteriovenosas.
A trombose venosa profunda ocasiona varizes por interromper o fluxo de sangue nas veias profundas, aumentando a
pressão na rede venosa da região, que leva a insuficiência das válvulas das veias perfurantes, fato que propicia refluxo
sanguíneo para as veias superficiais. A consequência final é a formação das varizes.
As fístulas arteriovenosas provocam varizes ao produzir aumento da pressão nas veias daquele território.
As varizes primárias são as mais frequentes e há vários fatores que predispõem ao seu aparecimento, salientando-se a
hereditariedade, a profissão e a ação de alguns hormônios.
Acredita-se que algumas pessoas apresentem uma anormalidade no tecido conjuntivo que seria responsável pelo
enfraquecimento das paredes venosas e pelas alterações valvulares. Fala a favor desta hipótese a associação de varizes com
hérnia, pé plano, estrias, condições que têm por base a fraqueza do tecido conjuntivo.
É frequente a ocorrência de varizes em várias pessoas de uma mesma família, o que indica a existência de um fator
genético.
Profissões que exigem a permanência na posição de pé por longos períodos de tempo (balconistas, barbeiros,
cabeleireiros, odontólogos, cirurgiões) acompanham-se de aumento da pressão venosa dos membros inferiores, o que pode
provocar insuficiência valvular e dilatação das veias.
A elevação da pressão intra-abdominal, nas pessoas que utilizam muito a prensa abdominal (estivadores, carregadores
de caminhão), pacientes obesos, portadores de ascite volumosa ou fecaloma, é condição que causa aumento da pressão nas
veias dos membros inferiores, dando origem a varizes.
Durante a gestação, as paredes das veias sofrem a ação da progesterona, que atua na musculatura lisa, relaxando-a.
Com isso, as veias dilatam, aparecendo insuficiência valvular e varizes. Parece ser este fator hormonal, associado ao
crescimento do útero, a causa principal de varizes durante a gravidez.
Os principais sintomas e sinais das varizes são dor, edema, manchas na pele, eczema, dermatofibrose, úlceras, celulite
e hemorragias.
O diagnóstico de varizes é feito pela história clínica e pelo exame físico, principalmente pela inspeção e palpação,
complementado pelas manobras de Brodie-Trendelenburg e de Perthés.
A manobra de Brodie-Trendelenburg é importante para o diagnóstico de varizes com insuficiência da válvula ostial da
safena interna e de perfurantes.
A manobra de Perthès auxilia diferenciar as varizes primárias das produzidas por obstrução do sistema venoso
profundo.
A comprovação destas alterações é feita com segurança pelo dúplex scan ou flebografia.

TROMBOSE VENOSA
A trombose venosa consiste na coagulação intravenosa do sangue com obstrução parcial ou total do lúmen de uma veia.

Figura 57.1 Varizes volumosas de membro inferior.

Vale ressaltar que esta afecção vem recebendo, ao longo dos anos, inúmeras denominações – doença tromboembólica,
tromboflebite, flebotrombose, flebite, trombose venosa profunda, trombose venosa superficial – cada uma delas dando
ênfase a um dos aspectos da doença.
Os fatores mais importantes para o desenvolvimento de uma trombose venosa são aumento da coagulabilidade
sanguínea, diminuição do fluxo sanguíneo (estase) e lesão do endotélio vascular (tríade de Virchow).
Inúmeras são as condições clínicas nas quais está presente um ou mais desses fatores, destacando-se: traumatismos
(contusões, esmagamentos e fraturas); intervenções cirúrgicas (especialmente as de grande porte, nas quais se faz muita
manipulação dos órgãos e tecidos, como a pancreatoduodenectomia, colecistectomia, prostatectomia, aneurismectomia;
próteses da articulação coxofemoral); desidratação; insuficiência cardíaca; doença obstrutiva pulmonar crônica; acidente
vascular encefálico; neoplasias; trombocitose; disfibrinogenemias; deficiência de antitrombina III; proteínas C e S;
mutação do fator V de Leiden; lúpus eritematoso sistêmico; estado de choque; infecções sistêmicas; gravidez; uso de
anticoncepcional; hiperlipidemias; compressão venosa; tabagismo; viagens prolongadas.
A sintomatologia da trombose venosa aguda é variável, podendo-se distinguir duas formas clínicas, conforme a
localização da trombose e/ou desprendimento de fragmentos de trombo.
Na forma indeterminada, o paciente não apresenta qualquer sintoma indicativo, devendo-se pensar nesta enfermidade
em pacientes acamados por doença debilitante ou por cirurgia e que apresentem febrícula, taquicardia, taquipneia e mal-
estar geral.
Na forma localizada, além dos sintomas gerais, iguais aos da forma indeterminada, surgem, no local da trombose ou no
território drenado pela veia comprometida, dor, edema, alteração da temperatura e da cor da pele e ingurgitamento das
veias superficiais.
A dor é de intensidade variável, podendo, quando intensa, levar à impotência funcional. Geralmente, seu início é
súbito, piora com a movimentação e melhora com repouso e elevação do membro comprometido.
O edema é o sinal mais característico da trombose venosa aguda. Localiza-se na região imediatamente abaixo da
trombose, e, quando esta acomete ambas as veias ilíacas ou a veia cava inferior, o edema chega ao períneo, à região glútea
e aos membros inferiores.
Nas primeiras horas após a instalação da trombose, ocorre diminuição da temperatura da pele em virtude de
vasospasmo reflexo; no entanto, com o desaparecimento deste e o desenvolvimento de processo inflamatório no local do
trombo, há aumento da temperatura no membro ou no local comprometido.
A palidez no membro afetado perdura apenas durante a vasoconstrição reflexa.
A alteração de cor mais frequente é a cianose, em razão da estase venosa.
Quando a trombose se localiza em veia profunda, o retorno venoso passa a ser feito pelas veias superficiais, as quais
ficam ingurgitadas.
A trombose venosa superficial é caracterizada por dor intensa, principalmente à palpação, endurecimento da área
circunjacente, aumento da temperatura e eritema ao longo do trajeto da veia comprometida, caracterizando o quadro clínico
da flebite.

Phlegmasia alba dolens e phlegmasia cerulea dolens

Phlegmasia alba dolens é um quadro de trombose venosa da veia ilíaca e/ou femoral caracterizado por
edema desde a raiz da coxa, juntamente com dor, coloração esbranquiçada da pele e aumento da
temperatura no membro afetado (Figura 57.2).
Phlegmasia cerulea dolens é um quadro de trombose venosa profunda e superficial, com bloqueio
quase total do retorno venoso, que se manifesta por edema intenso a partir da raiz da coxa, cianose
intensa, diminuição da temperatura, flictenas e áreas de necrose que podem acometer todo o membro.

Na forma tromboembólica, fragmentos do trombo se desprendem e vão se alojar no pulmão (embolia pulmonar). Às
manifestações gerais e locais, juntam-se as pulmonares (ver Capítulo 38, Doenças dos Pulmões).
Êmbolos pequenos localizam-se nas artérias pulmonares mais periféricas, provocando dor do tipo pleurítico, ou seja,
em pontada, intensa e relacionada com os movimentos respiratórios, dispneia e tosse; se houver infarto pulmonar, aparece
escarro hemoptoico. Em decorrência do comprometimento da pleura, é possível ouvir atrito pleural.
Êmbolos maiores causam importante comprometimento da circulação pulmonar, surgindo então dor na região
precordial ou diafragmática, de caráter constritivo, semelhante à dor anginosa, taquicardia, taquipneia, cianose, agitação,
sudorese, choque e insuficiência ventricular direita aguda.
O diagnóstico de trombose venosa aguda é facilmente feito pela história clínica e exame físico, tendo valor
propedêutico as manobras de Homans, Olow e Denecker-Payr (ver Seção 3, Veias, Capítulo 55, Exame Clínico).
A comprovação diagnóstica pode ser feita pelos exames de imagem (dúplex scan, flebografia, flebotomografia e
fleborressonância).
Figura 57.2 Trombose venosa ileofemoral. Observa-se intenso edema do membro inferior esquerdo, desde a raiz da coxa.

A radiografia simples do tórax pode revelar área de condensação, principalmente nos lobos inferiores dos pulmões,
mas as alterações radiográficas são incaracterísticas
Os exames adequados para confirmação de embolia pulmonar são: cintilografia, angiotomografia, angiorressonância e
arteriografia pulmonar (ver Tromboembolia, Capítulo 38, Doenças dos Pulmões).

SÍNDROME PÓS-TROMBÓTICA
A síndrome pós-trombótica é uma complicação tardia da trombose venosa em veias profundas dos membros inferiores.
A trombose venosa provoca aumento da pressão sanguínea distalmente ao local ocluído. Esta hipertensão leva a
dilatação das veias, provocando insuficiência valvular das veias distais, podendo comprometer as perfurantes. Com isso, o
fluxo do sangue sofre inversão, passando a fluir do sistema profundo para o superficial, o que eleva a pressão nas veias
superficiais, principal fator da progressiva dilatação das veias.
Com o passar do tempo, em decorrência da reabsorção do trombo, as veias ocluídas sofrem um processo de
recanalização, porém apresentam redução do calibre, fibrose da parede e destruição valvular, ocorrendo distúrbio do fluxo
do sangue com refluxo, alterando intensamente o funcionamento da bomba venosa periférica. Como consequência final,
desenvolve varizes e insuficiência venosa, com edema, dor, dermatite ocre (manchas hipercrômicas), eczema,
hipodermatoesclerose e ulcerações perimaleolares (Figura 57.3).
O diagnóstico da síndrome pós-trombótica é feito pela história clínica e exame físico, sendo necessário pesquisar
história de trombose venosa profunda anterior, traumatismo, cirurgia ortopédica, operações anteriores ou doenças que
necessitaram repouso prolongado, gestação e puerpério, com edema assimétrico em membros inferiores. Mas o exame
fundamental para o diagnóstico e acompanhamento da doença é o ecodoppler colorido com avaliação dos três sistemas
venosos dos membros inferiores (superficial, profundo e perfurantes).
A flebografia, atualmente, está limitada às intervenções, quando se deseja a remoção dos trombos, seja através de
trombólise, trombectomia ou trombectomia fármaco-mecânica.
INSUFICIÊNCIA VENOSA CRÔNICA
São diversas as causas de insuficiência venosa crônica nos membros inferiores.
As principais manifestações clínicas são dor ou sensação de repleção ou cansaço na(s) perna(s), que aparecem e/ou
pioram na posição de pé e são aliviadas por repouso, principalmente com os membros inferiores elevados.
Edema e dilatação das veias são os sinais clínicos mais importantes; com o passar do tempo, pode surgir pigmentação
da pele na face medial e, algumas vezes, na face lateral do tornozelo e na porção inferior da perna.
Pode complicar-se com dermatite de estase e ulceração.

VARIZES PÉLVICAS
As varizes pélvicas são representadas pela presença de veias tributárias dilatadas e tortuosas na região anexial pélvica,
que possuem fluxo bidirecional durante a manobra de Valsalva, identificada pela ultrassonografia endovaginal.

Figura 57.3 Síndrome pós-trombótica. Observar o aumento de volume do membro inferior direito, com varizes na face medial da
perna, hiperpigmentação da perna e do pé e úlcera.

A presença de varizes nesta localização pode levar à síndrome de congestão pélvica crônica, que se caracteriza por dor
pélvica crônica não cíclica, sensação de “peso” pélvico/perineal, dispareunia ou dor pós-coito, dor pélvica pré-menstrual
ou alterações menstruais.
A presença de varizes pélvicas pode ser decorrente de refluxo venoso, de compressão extrínseca venosa (síndrome
compressiva venosa), e/ou secundárias a processos oclusivos trombóticos.
O diagnóstico de varizes pélvicas pode ser realizado com ecodoppler venoso colorido abdominal/pélvico transparietal
(com avaliação do eixo ilíaco, cava e renal), e endovaginal para avaliação periuterina e anexial.
A angiorressonância ou angiotomografia podem ser utilizadas para avaliação da anatomia venosa abdominal e pélvica,
possibilitando a identificação de fatores causais passíveis de tratamento como a síndrome de quebra-nozes (compressão de
veia renal esquerda por posição anômala retroaórtica ou redução do ângulo formado pela aorta e artéria mesentérica
superior causando dilatação e refluxo de veia gonadal esquerda), e a síndrome de Cockett ou May-Turner (compressão de
veia ilíaca comum esquerda pela artéria ilíaca direita).
A realização de flebografia pélvica seletiva atualmente é reservada para casos de exceção ou mesmo para tratamento
endovascular.

BIBLIOGRAFIA
Brito CJ et al. Cirurgia endovascular – angiologia. In: Cirurgia vascular. 3a ed. Revinter; 2014.
Cronenwett J et al. In: Rutherford A. Cirurgia vascular. 8a ed. Elsevier; 2016.
Maffei FH et al. Diagnóstico clínico das doenças venosas periféricas. In: Doenças vasculares periféricas. 5a ed. 1o vol.
Guanabara Koogan; 2016.
Oliveira F, Amorelli C, Campedelli F et al. Tratamento da congestão pélvica associada a varizes dos membros inferiores: relato
de uma pequena série de casos. J. vasc. bras. [Internet]. 2012 Mar [cited 2018 Apr 05]; 11(1): 62-6.

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