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Cefaleia na Urgência

Incidência:
• Cerca de 50% da população teve algum episódio de cefaleia no último ano e mais
de 90% da população já apresentou esse quadro em algum momento da sua vida;
• Cerca de 18% da população possui enxaqueca, sendo que ela é 2 a 3 vezes mais
comum nas mulheres do que nos homens, mostrando que há um componente
hormonal associado. Ela é a causa mais comum de busca em pronto atendimento e
de impacto em rotina de trabalho e qualidade de vida;
• 52% da população possuem crises esporádicas de cefaleia tensional, sendo que a
incidência em homens e mulheres é igual. Ela é a principal causa de cefaleia
primária;
• 3% da população possui cefaleia crônica, ou seja, que está presente por mais de 15
dias em por mês.

Prevalência:
• É a terceira queixa mais frequente em ambulatórios de clínica médica (10,3%);
• É responsável por 9,3% das consultas não agendadas nas Unidades de Saúde;
• É o motivo mais frequente de consulta nos Ambulatórios de Neurologia;
• Representa 4,5% dos atendimento nas Unidades de Emergência, sendo o 4º motivo
mais frequente de consulta.

Por que sentimos dor?:


Dor é o principal mecanismo de alerta do seres vivos, possibilitando a
percepção de situações que coloquem em risco a nossa integridade física. É
importante ter em mente que, ao mascararmos a dor com o uso de analgésicos,
estamos deixando de identificar uma situação que pode ser potencialmente grave para
o paciente. Além disso, a não identificação da causa da dor, por mais que ela não
coloque a vida do indivíduo em risco, pode virar uma condição crônica e trazer outros
problemas.

Causas de Cefaleia:
• Condições infecciosas, como sinusite e meningite;
• Lesões expansivas;
• Hemorragias intracranianas;
• Trama;
• Crise hipertensiva, no qual há um quadro sistêmico associado.

Sinais de Alerta para Cefaleia Secundária:


Utilizamos o mnemônico SNOOP. É fundamental realizar o tronco
principal do exame neurológico, lembrando de pontos importantes como
o exame de fundo de olho para a detecção de edema de papila. Além
disso, em um atendimento de urgência, o paciente com uma queixa de
cefaleia só deve ser liberado após a resolução da dor, uma vez que a não
resposta à terapêutica feita é também um sinal de alerta.
Manejo clínico no pronto atendimento:
Nesse momento, os objetivos são:
• Alívio da dor: ela pode ser feita uma vez que estamos buscando a causa da dor, e
não apenas dando analgesia ao paciente;
• Excluir cefaleias secundárias;
• Orientar o tratamento em domicílio após a alta.

O fluxograma ao lado nos mostra as condutas a serem


tomadas diante de uma paciente com um queixa de cefaleia:
• O primeiro passo é avaliar os
sinais de alerta, por meio do
m n e m ô n i c o S N O O P, c o m o
destacado na imagem ao lado. A
partir disso, podemos ter as
seguintes situações:

1) Paciente não apresenta nenhum sinal de alerta:


Nesse caso, estamos diante de um quadro de Cefaleia Primária, sendo que as
suas principais causas são:

a) Enxaqueca ou Migrânea:
• Apresenta uma prevalência de 15,8% no Brasil;
• Acomete 22% das mulheres e 9% dos homens, sendo que o seu pico é entre 30 e 50
anos;
• A Enxaqueca sem aura representa 75% dos casos;
• A Enxaqueca com aura representa 25% dos casos.

A Enxaqueca é, de certa forma, um tipo de disautonomia, uma vez que há uma


falha em termos de neuromodulação, associada a um gatilho trigeminal que envia
informações de vasoconstrição para determinada região vascular no cérebro. Esse
estímulo também apresenta um componente inflamatório, que gera uma resposta
reversa de vasodilatação, que é o momento onde o paciente apresenta a dor, de
aspecto latejante, associada a náusea e fotofobia.
Normalmente, o momento da vasoconstrição não gera dor. Porém, quando ela
gera, estamos diante de um quadro de Enxaqueca com aura, que é um déficit focal
transitório. Nesse caso, o paciente chega a ter um comprometimento funcional clínico
da área acometida, sendo que a mais comum é Região Occipital, gerando,
principalmente, Auras visuais, onde ele vê manchas escuras ou pontos brilhantes. Ele
também pode apresentar outras auras, como a Motora e na Linguagem, que são
chamadas de Auras Complexas.
A Aura se diferencia de um quadro isquêmico (AVC) pela sua duração (menos
de 30min) e o seu início, uma vez que ela precisa aparecer antes ou junto da dor.
- Critérios diagnósticos da Enxaqueca:
Para confirmar o diagnóstico de Enxaqueca, é preciso que o paciente tenha tido
no mínimo 5 crises na vida (na prática clínica esse número pode ser menor, quando já
se descartou outras etiologias), com duração de 4 a 72h, sem tratamento. Essa dor
precisa:
• Ter pelo menos duas das seguintes características:
* Ser unilateral;
* Pulsátil;
* Moderada ou intensa;
* Piora com atividade física.

• Ter pelo menos uma das seguintes características:


* Náusea e/ou vômito;
* Fotofobia e fonofobia;
* Não atribuída a outra causa.

O paciente pode apresentar sintomas premonitórios, como irritabilidade,


raciocínio e memorização mais lentos, desânimo e avidez por alguns tipos de
alimentos. Esses sintomas mostram que, antes da dor, já existe uma cascata de
alterações vasculares e inflamatórias acontecendo no cérebro.
A Aura, quando presente, apresenta um desenvolvimento gradual ao longo de 5
minutos e duração de até 60 minutos. Tipicamente, ela se mostra como um distúrbio
visual, onde o paciente visualiza pontos fosfenos, com perda ou distorção de um dos
hemicampos visuais ou parte deles e, às vezes, associam-se a parestesia unilateral e/o
disfasia (dificuldade de expressão). Sensação de
Descoordenação da fala e incapacidade de dispor as palavras de forma compreensível formigamento

- Tratamento:
• Estratégia inicial:
* Antiemético: caso o paciente apresente vômito. O
mais utilizado é o Dimenidrato;
* Analgésico: o mais utilizado é a Dipirona, caso o
paciente não tenha alergia;

A melhor do quadro apenas com o uso desses dois


fármacos evita o uso de antiinflamatórios. Porém, na
maioria das vezes, essa estratégia inicial não é o suficiente,
principalmente se o paciente já tem crises com mais
frequência.

• Antiinflamatórios: o mais utilizado é o Cetoprofeno (precisa ser diluído em 100ml


de soro), que é um AINE.
• Triptanos: são fármacos específicos para enxaqueca, causando uma vasoconstrição
seletiva da circulação cerebral, melhorando a dor. O mais utilizado é o
Sumatriptana.
• Corticóides: o mais utilizado é a Dexametasona, que precisa ser diluída em soro
fisiológico e infundida de forma lenta, uma vez que a sua infusão abrupta pode
causar uma sensação incômoda de parestesia na região do períneo. É o fármaco de
primeira linha apenas em enxaquecas mais duradouras (>72h).
• Clorpromazina: é utilizado apenas em casos onde a enxaqueca não melhora com
nenhum dos fármacos descritos anteriormente. Ele não é utilizado como estratégia
inicial em decorrência dos seus efeitos colaterais, principalmente a hipotensão
postural e sintomas extrapiramidais. Ele é infundido com soro fisiológico, com o
paciente em decúbito dorsal, até a dor cessar. Após o término do seu uso, o paciente
deve permanecer em decúbito dorsal, por no mínimo duas horas, infundindo, caso
não haja contraindicação, pelo menos 1L de soro fisiológico.

OBS: caso a dor não melhore com nenhum desses fármacos, o paciente deve ser
encaminhado para hospital terciário, para uma avaliação com neurologista.

OBS2: não se deve prescrever opióide para crise de enxaqueca, uma vez que ele não
melhora o quadro, aumenta o risco de dor rebote, aumenta o risco de dependência,
entre outras complicações.

- Orientações para o paciente:


É preciso orientar o paciente sobre as medidas que
ele pode tomar caso ele volte a ter dor, até que ele
consulte ambulatorialmente.
O melhor esquema de analgesia para esse quadro é
a associação entre Triptano (ex: Sumatriptana) e
Antiinflamatório (ex: Naproxeno). Para pacientes que
apresentam muita náusea e correm o risco de não
absorver o fármaco por via oral, existe no Brasil a
Sumatriptana nasal.

- Possíveis complicações:
• Estado Migranoso: é quando o paciente apresenta:
* Cefaleia intensa, com duração maior do que 72h ou com intervalos livres
inferiores a 12h;
* Náuseas e vômitos por horas seguidas, que pode gerar desidratação e
necessidade de internação.

• Infarto Migranoso: é uma situação rara, na qual existe um ataque idêntico aos
outros episódios, mas os sintomas de aura persistência por mais de 60min e são
associados a um infarto demonstrado por exames de imagem. É importante lembrar
de alguns fatores de risco, como: obesidade, tabagismo, uso de ACO com
estrógeno, sedentarismo, hipertensão, entre outros. Além disso, a presença de
enxaqueca com aura já é um fator para realizar um tratamento profilático mais
agressivo.
• Migrânea Crônica: é um aumento da frequência das crises até tornarem-se diárias
ou quase diárias (mais que 15 dias por mês, por mais de 3 meses). Os fatores de
risco para cronificação são: fatores emocionais, estresse, doenças psiquiátricas e
abuso de analgésicos (é a principal causa).

b) Cefaleia do tipo Tensional:


• É a cefaleia primária mais frequente;
• Seu pico de prevalência é na quarta década de vida;
• Relaciona-se com qualquer distúrbio que possa gerar um contexto de
hiperestimulação muscular, como estresse físico e emocional, sobrecarga muscular,
disfunção postural, insônia, ansiedade, depressão, entre outros.

- Critérios diagnósticos:
O paciente deve ter tipo pelo menos 10 crises durante a vida, com duração de
30min a 7 dias, sem tratamento. Além disso, a dor precisa apresentar pelo menos 2
das seguintes características:
* Bilateral;
* Em pressão ou aperto (não pulsátil);
* Leve a moderada;
* Não piora com atividade física.

O paciente precisa ter ambos os seguintes itens:


* Ausência de náusea e/ou vômito;
* Ausência de fotofobia e fonofobia;
* Dor não atribuível a outras causas.

- Tratamento:
É feito apenas com fármacos orais, começando com analgésicos não
antiinflamatórios, como Paracetamol e Dipirona. Caso o paciente não
obtenha melhora, usa-se AINE, como Ibuprofeno, Diclofenaco,
Cetoprofeno e Naproxeno. Na prática clínica, utiliza-se também relaxante
muscular e, em casos mais graves, baixas doses de benzodiazepínicos (ex:
Diazepan) associado a analgésico comum.
É preciso encaminhar esse paciente para um acompanhamento
ambulatório, para que os fatores causais sejam descobertos e tratados.

c) Cefaleia em Salvas:
• Acomete 1 a cada 1000 indivíduos, sendo que 85% dos casos são em homens;
• Sua maior frequência é entre os 30 e 50 anos de idade;
• É considerada uma das piores dores que o ser humano pode sentir.
- Critérios Diagnósticos:
O paciente deve ter tido pelo menos 5 crises na vida, de uma dor MUITO forte,
unilateral, orbitária, supraorbitária e/ou temporal e com duração de 15 a 180 minutos
se não tratada. O paciente precisa apresentar pelo menos 1 dos seguintes itens:
* Injeção conjuntival ipsilateral e/ou lacrimejamento;
* Congestão nasal e/ou rinorreia ipsilateral;
* Edema palpebra ipsilateral;
* Miose e/ou ptose ipsilateral;
* Sudorese frontal e facial ipsilateral;
* Sensação de inquietude ou agitação;
* Frequência de 1 crise a cada 2 dias, a 8 crises por dia, durante o período de
salvas;
* Não atribuída a outra causa.

Normalmente, essa dor vem em blocos, no qual o paciente apresenta várias crises em
um período de tempo, com sinais de disautonomia, e depois melhora, ficando um
período sem aparecer. Disfunção dos nervos que regulam as
funções corporais involuntárias (ex: FC)

- Tratamento:
• Administrar O2 a 100% em máscara sem recirculação, 10 a 12L/min, por 20min.
Nesse momento, o paciente precisa estar sentado, levemente debruçado para frente,
com o intuito de abrir o tórax, para que ele tenha uma melhor penetração do
oxigênio até a base do pulmão. Seu ponto negativo é que o tempo de proteção é
curto e, se nada além for feito, a crise do paciente volta em pouco tempo;
• Sumatriptana subcutânea. Seu uso deve ser evitado caso o paciente tenha usado
algum fármaco vasoconstritor previamente;
• Analgésicos comuns e opióides são ineficazes e NÃO devem ser utilizados.

2) Paciente apresenta sinais de alerta = Investigar a etiologia para descartar


um quadro de Cefaleia Secundária:
a) Cefaleia Aguda sem precedentes:
• Paciente SEM febre: ele precisa se uma avaliação neurológica, pois é muito
provável que ele esteja diante de um acometimento vascular ou de hipertensão
intracraniana aguda, como:
* AVE;
* Hemorragia intraparenquimatosa (HIP);
* Hemorragia subaracnóidea espontânea (HSAE): é a principal suspeita;
* Hidrocefalia aguda;
* Trombose venosa cerebral: importante a realização de fundo de olho para o
diagnóstico.
• Paciente COM febre:
* Com sinais de alerta: é preciso realizar uma avaliação neurológica, uma vez
que estamos pensando em um quadro de infecção do SNC, como: meningite, abcesso
cerebral, empiema e encefalite. É importante lembrar que, nessas situações, o
tratamento precisa ser iniciado o mais rápido possível, com o uso de antibióticos de
forma empírica;
* Sem sinais de alerta - paciente não apresenta nenhuma alteração do tronco
principal do exame neurológico, fundo de olho normal, sem rigidez de nuca e seu
Glasgow é 15: nesse caso, pensamos em infecção sistêmica, como resfriado, gripe,
dengue e sinusite. É feito o tratamento, avaliando se a cefaleia obteve melhora, antes
de liberar o paciente.

b) Cefaleia Crônica:
• Crônica Progressiva:
* Paciente SEM febre: pensamos em hematoma subdural crônico; cefaleia pós-
traumática; hipertensão intracraniana idiopática; distúrbio intracraniano não vascular
(hipertensão liquórica/ neoplasia intracraniana);
* Paciente COM febre: pensamos em abcesso cerebral e meningites crônicas
associadas ou não a HIV.

• Crônica Não Progressiva:


* Há abuso de analgésicos?
* Suspender o uso de analgésicos e avaliar o uso de Prednisona, sempre
associada ao uso de um fármaco profilático. A Prednisona atua como uma
desintoxicação do analgésico, pois ela permite um alívio da dor, mas sem gerar uma
modulação dessa dor, possibilitando a ação do profilático. É importante lembrar que o
corticóide deve ser utilizada por um curto período de tempo.

- Propedêutica:

OBS: angiografia dos vasos cervicais e OBS: cefaleia de início após os 50


cranianos. anos, com dor unilateral em região
temporal: lembrar do diagnóstico de
Arterite de Células Gigantes, sendo
importante realizar o exame de VHS.

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