Você está na página 1de 22

0

INTRODUÇÃO

O corpo é uma máquina que possui uma demanda infinita por ATP, que é
atendida através da geração a partir de suas reservas energéticas e alimentação
por um processo denominado catabolismo – a degradação de tecidos e
moléculas que armazenam energia. Durante condições de repouso ou leve
atividade física, o corpo utiliza em grande parte seus estoques de gordura,
localizados no tecido adiposo, para satisfazer a demanda energética,
influenciada pelo metabolismo basal, ou seja, o custo para manter o corpo vivo,
e o nível de atividade física de um indivíduo, sendo composto pelos exercícios
que pratica e por sua rotina em geral.

Numa condição de exercício, a demanda energética, principalmente


através do ATP, é aumentada, pois não somente o indivíduo deve sustentar seu
corpo em maior movimento, mas também suportar cargas externas, como é o
caso da musculação. Logo, o organismo se adapta à essa condição para
mobilizar suas outras reservas a depender da celeridade da necessidade
momentânea.

Sendo assim, neste e-book iremos entender como os diferentes tipos de


exercício incorrem em adaptações metabólicas agudas e crônicas a fim de
garantir sobrevivência de curto e longo prazo.

OS COMBUSTÍVEIS ENERGÉTICOS

Como referido na introdução, o corpo possui algumas reservas


energéticas que são capazes de atender à necessidade momentânea de ATP,
sendo que elas podem ser “lentas” e prolongadas (comparada a outros
exercícios) ou pode ser rápida e intermitente.

O tecido de estoque energético mais abundante e eficiente é o tecido


adiposo. Em um clássico estudo (Starvation in man), Cahill (1970) pontua que
um homem saudável de 70kg possui em média 100.000kcal estocadas em seu

1
tecido adiposo, enquanto a proteína contribui com 24.000kcal, localizadas na
forma de proteínas fibrosas, especialmente no tecido músculo-esquelético.

No tecido adiposo, a molécula energética estocada é o triacilglicerol, a


combinação de três Acil-CoA com uma molécula de glicerol, responsável por
garantir a interação química e estabilidade ideal no tecido, por ser um álcool,
além de contribuir para a geração energética também. Cada molécula de
triacilglicerol é capaz de produzir aproximadamente 9.1kcal, algo muito superior
a outra reserva energética, o glicogênio, que consegue produzir
aproximadamente 4.7kcal a cada molécula.

Em termos de ATP – a moeda energética do corpo – o triacilglicerol é


capaz de gerar 131 ATP através do processo de beta-oxidação, enquanto a
glicose é capaz de gerar, em condições suficientes de oxigênio (fundamental
para o bom funcionamento das mitocôndrias, onde consegue ser completamente
oxidada), aproximadamente 32 ATP.

Logo, podemos perceber que o tecido adiposo é um tecido de combustível


energético muito eficiente, pois além de possuir alta capacidade de estocar
energia na forma de triacilglicerol em termos quantitativos (por ser um tecido
plástico e altamente hipertrofiável), cada molécula sua é capaz de produzir
substancialmente mais energia que o glicogênio, o próximo combustível
energético a ser explanado.

O glicogênio é a forma pela qual monômeros (células) homogêneos


(iguais) de glicose é estocado, especialmente no tecido muscular e hepático,
embora seja possível encontrar pequenas quantidades em outros órgãos, como
o cérebro. Comparado ao tecido adiposo, possui um estoque bem reduzido,
chegando a 300-700g no tecido muscular, e aproximadamente 150g no fígado.

2
Embora não seja tão eficiente quanto o tecido adiposo em produzir
energia (entenda-se eficiente em produzir a maior quantia energética com a
menor quantia de substrato possível), é mais eficaz que o mesmo. Em condições
de exercício, o glicogênio é um dos principais substratos utilizados, visto que já
está localizado no músculo sendo trabalho e possui uma rota bioquímica mais
encurtada que o tecido adiposo para ser oxidado, além de conseguir prover
energia em condições anaeróbicas.

O glicogênio localizado no tecido muscular é exclusivo para uso próprio


de cada grupamento, ou seja, será utilizado principalmente em condições de
contração sob sobrecarga, seja ela externa (treinamento resistido) ou a
necessidade de mover o corpo sob uma maior quantia de espaço mediante
velocidade (corrida, por exemplo). Ele não contribui para a manutenção da
glicemia devido à ausência da enzima glicose-6-fosfatase, responsável por
converter a glicose-6-fosfato para glicose, permitindo a saída da célula.

Já o glicogênio localizado no fígado consegue cumprir as duas funções:


manutenção da glicemia e prover energia para os outros tecidos, afinal, se a
glicose agora está na corrente sanguínea, ela poderá ser captada por aqueles
tecidos que estão demandando energia em determinado momento, o músculo,
no momento de exercício, por exemplo.

3
Isto se dá por dois mecanismos: o fígado, diferentemente do músculo,
possui a enzima glicose-6-fosfatase, além de possuir o transportador de glicose
GLUT2 que apresenta algumas particularidades. A primeira é que ele está
constantemente translocado, ou seja, está sempre disponível na periferia da
célula para captar e disponibilizar glicose pela corrente sanguínea; a segunda é
que ele tem uma baixa afinidade com a glicose, expressada através da variável
kM (constante de Michaelis), que determina afinidade de um substrato com uma
enzima – no caso, a glicoquinase, responsável por fosforilar a glicose,
“aprisionando-a” dentro da célula – por fins de comparação, o GLUT2, localizado
no fígado, possui um kM de 17 (alto, representando baixa afinidade com a
glicose), enquanto o GLUT4, localizado no músculo, possui um kM de 5,
aproximadamente. Isso torna o fígado muito mais um produtor de glicose do que
consumidor. Isso é ainda mais reforçado devido ao fato que a deleção do GLUT2
nos hepatócitos de ratos não impediu a secreção de glicose na corrente
sanguínea, mas a captação sim.

Outra reserva energética, entretanto, a menos preferencial, é a proteína,


localizada especialmente no tecido músculo-esquelético. Sua baixa eficiência e
eficácia em produzir energia é algo simples de ser entendido de certa forma.
4
As proteínas desempenham papel especialmente estrutural no corpo,
compondo tecidos, formando enzimas, hormônios e garantindo o bom
funcionamento orgânico, em geral. As proteínas dietéticas apresentam sua
cadeia de peptídeos com ligações covalentes (ligações fortes), que necessitam
de uma grande quantia de energia para serem quebradas e liberar aminoácidos
para a produção de ATP; enquanto aquelas que já estão nos tecidos,
como a actina e a miosina, precisam passar por processos de quebra que
demandam uma maior quantia de energia também, quando comparada ao
glicogênio e gordura, a exemplo do complexo ubiquitina-proteassoma 1, que
precisa de ATP para degradar a proteína. Veja, se o corpo necessita de energia
num estado de exercício, não é inteligente investir ainda mais energia num
composto estrutural do que priorizar aqueles que possuem exatamente esta
função, como o glicogênio e gordura. De qualquer maneira, como elucidado
acima, o corpo possui cerca de 24.000kcal estocadas na forma de proteína.

Por fim, o último sistema de produção energética no exercício é o sistema


ATP-CP, através da conhecida creatina-fosfato. Esse sistema é muito eficaz,
embora pouco eficiente em produzir energia comparado aos outros sistemas.
Sua reação bioquímica para produzir energia é simples e envolve apenas um
passo, catalisado pela enzima creatina-quinase, responsável por transferir o
grupamento fosfato da creatina-fosfato ao ADP, tornando-o ATP, enquanto a
creatina-fosfato se torna creatina, perdendo este grupamento, mas que pode ser
recuperado a partir da emissão do fosfato inorgânico, derivado da contração
muscular e captação de íons hidrogênio, “reciclando” a creatina. Perceba que
ela atua como tamponante também. Como foi possível perceber, há apenas a
produção de 1 ATP, mas que é extremamente rápida, reciclável e adaptável
conforme o volume muscular do indivíduo e a própria suplementação de creatina,
garantindo maiores estoques.

A INTENSIDADE DO EXERCÍCIO MODULA O SUBSTRATO

ENERGÉTICO

Como foi possível perceber, existem alguns sistemas de produção


energética, alguns mais eficientes, outros mais eficazes. É muito importante
entender essas terminologias, pois elas influenciam diretamente no

5
entendimento da requisição de energia. Um substrato eficiente é aquele que
produz sob a menor quantia de moléculas possíveis, enquanto o eficaz produz
na maior velocidade possível.

O corpo necessita de oxigênio para funcionar. Ele é responsável por


manter o pH adequado, garantir o bom funcionamento de enzimas, enfim,
permitir que o organismo sobreviva. A condição de hipóxia (sem oxigênio) pode
incorrer na necrose de um tecido ou na morte. Quando pensamos nos substratos
energéticos, portanto, percebemos que a eficiência de uma reserva necessita da
provisão suficiente de oxigênio. A gordura, ou triacilglicerol, necessita da
provisão de oxigênio para conseguir ser oxidada por alguns motivos.

Primeiramente, o triacilglicerol é estocado em quantias ínfimas no tecido


muscular – que é o órgão mais metabolicamente ativo durante esse momento –
embora atletas de endurance possuam “obesidade atlética”, ou seja, um estoque
aumentado no músculo. Se chama obesidade porque a deposição de gordura
fora do tecido adiposo em grandes quantias gera uma disfuncionalidade daquele
acometido.

De qualquer forma, o triacilglicerol precisará sofrer o processo de lipólise


(colocar figura abaixo), sair da célula adiposa, ser transportada pela proteína
albumina, chegar ao tecido muscular, sofrer interação com as proteínas
dissociadoras da albumina e do ácido graxo, sofrer transporte pela FAT/CD 36,
passar pelo sistema de lançadeira da carnitina, adentrar a mitocôndria, passar
pelo espaço intermembranas e finalmente chegar à matriz, onde sofrerá o
processo de beta-oxidação, responsável extrair os ATPs das moléculas de Acil-
CoA contidas no molécula quebrada na lipólise (Palmiltoil-CoA em maioria das
vezes).

Percebam que esse é um processo extenso e depende de alguns pontos


que serão prejudicados durante o exercício de alta intensidade: o fluxo
sanguíneo dividido entre o tecido adiposo e o musculo; o aporte de oxigênio
atendendo à demanda (em condições de repouso, o tecido muscular consome
aproximadamente 40% da ingestão de oxigênio, enquanto durante o exercício
pode chegar a 90-95%, porém esse consumo é insustentável, gerando hipóxia,
tanto no músculo quanto em outros), que influi também no bom funcionamento

6
das mitocôndrias. A atividade destas se torna diminuída no exercício de alta
intensidade, porque a demanda não consegue ser atendida pelo consumo, logo,
as próprias enzimas do Ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa não conseguem
ter bom funcionamento.

Sendo assim, a quebra de gordura e beta-oxidação, embora ocorra


durante o exercício de alta intensidade (afinal, não existe 8 ou 80 na bioquímica),
não é o substrato preferencial, modulado especialmente devido à ausência de
oxigênio em quantias suficientes. Em contra-partida, é um substrato muito
utilizado durante exercícios de baixa intensidade, como caminhadas, corridas
leves e outros exercícios mais prolongados, mesmo que intermitentes. Isso se
dá, pois, embora o consumo de oxigênio pelo musculoesquelético suba, não é
em uma proporção que não consiga ser atendido através de adaptações como
a aceleração da captação e dilatação das vias aéreas.

No meio termo, encontra-se o glicogênio como forma de fornecer energia


para os exercícios. Ele é utilizado em todos os exercícios, mas especialmente
naqueles de moderada-alta intensidade, como é o caso de corridas e o
treinamento resistido (musculação, por exemplo). Isso se dá, pois ele está
presente em condições de provisão de oxigênio suficiente ou na ausência,
incorrendo na glicólise anaeróbia.

O glicogênio, ao ser quebrado, é capaz de produzir glicose ou glicose-6-


fosfato, no fígado e músculo, respectivamente. Após, sofrerá o processo de
glicólise, uma cadeira de 10 reações, que levam à produção de piruvato. O
piruvato, por sua vez, pode seguir para o Ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa
na mitocôndria, caso haja provisão de oxigênio suficiente, produzindo 32 ou 33
ATP (33, caso seja quebrado e metabolizado no próprio músculo, já que não
haverá gasto de ATP para transformar a glicose em glicose-6-fosfato, um passo
fundamental na glicólise).

7
LEGENDA: O sarcolema separa o interior da célula muscular do líquido intersticial que envolve a
célula. Em repouso (lado esquerdo), o consumo de carboidratos estimula a liberação de insulina
pelo pâncreas. As moléculas de insulina se ligam aos receptores de insulina incorporados no
sarcolema. Essa ligação desencadeia uma cascata de respostas intracelulares que resultam no
movimento dos transportadores de glicose GLUT4 do interior da célula muscular para o
sarcolema, permitindo que a glicose entre na célula. Uma vez dentro da célula muscular, as
moléculas de glicose estão preparadas para inclusão no glicogênio. A glicogenina é uma enzima
que forma o centro das partículas de glicogênio, permitindo a formação inicial de filamentos de
glicogênio. Durante o exercício (lado direito), os transportadores de GLUT4 movem-se para o
sarcolema sem a ajuda da insulina, auxiliando na captação de glicose pela célula.
Simultaneamente, a degradação do glicogênio aumenta em resposta a mudanças na
concentração de metabólitos dentro da célula. As moléculas de glicose do sangue e aquelas
liberadas pelo glicogênio são oxidadas para produzir as moléculas de adenosina trifosfato (ATP)
necessárias para sustentar a contração muscular.

Caso não haja, num exercício de alta intensidade, a ausência de oxigênio


provocará a conversão de piruvato a lactato pela enzima lactato desidrogenase,
produzindo menos ATP, 3 ao total. Embora seja uma quantia menor, é muito mais
rápida e viável na condição de ausência de oxigênio, além do lactato ser um
tamponante (remove íons H+ do espaço intracelular). A proteína é quebrada para
ser convertida no Ciclo de Cori a glicose, processo que ocorre no fígado, e que
seguirá as vias da glicólise, elucidadas aqui. Por exemplo, o Succinil-CoA
(molécula participante do Ciclo de Krebs), é um ponto de ramificação, pois pode
8
ser formado a partir de alfa-cetoglutarato, proveniente das desaminações e
aminoácidos de cadeira ramificada, como a leucina e isoleucina.

Por último, a via ATP-CP é especialmente presente nos exercícios de


muita alta intensidade, devido a sua característica extremamente eficaz,
produzindo ATP numa quantia baixa, mas muto rápida, por possuir apenas uma
reação bioquímica.

Note, pela figura abaixo, que nenhuma via é exclusiva de uma modalidade
de exercício, mas sim é predominante. Embora a gordura não seja muito
presente na musculação, ela se torna mais abundante conforme a sessão ocorre,
afinal, nos tempos de descanso, o corpo possui captação de oxigênio suficiente
para realizar a lipólise, transporte e beta-oxidação e produzir energia. O mesmo
ocorre em situações de endurance, o glicogênio passa a ser mais utilizado

9
conforme a sessão ocorre, pois existem sinais intracelulares que regulam sua
mobilização, embora a utilização de ATP-CP seja menor, quando comparada
àqueles de maior intensidade.

Agora, vamos entender como o corpo regula esses processos através dos
sinais intra e extracelulares.

A REGULAÇÃO ENERGÉTICA ATRAVÉS DE SINALIZAÇÕES

Como referido anteriormente, o ATP é uma molécula que precisa estar


constantemente circulando no corpo humano, além de estar sendo
constantemente consumida também para fornecer energia. Dessa maneira, ele
atua como um próprio regulador das reações que medeiam a produção
energética.

O ATP é um nucleotídeo adenina ligado a uma D-Ribose por meio de uma


ligação glicosídica, que em sua posição 5` possui 3 moléculas fosforil com
ligações anidrofosfóricas, que ao serem quebradas, geram energia. Portanto,
essa molécula passa a ser degradada, gerando ADP e AMP.

O ADP e AMP (principalmente) são capazes de influir na atividade de


enzimas participantes da glicólise, especialmente a fosfofrutoquinase-1 e

10
piruvato-desidrogenase, em seu sub-complexo piruvato-desidrogenase-
fosfatase, tornando-a mais ativas, com o intuito de acelerar o processo de
geração energética. Isto se dá, pois, estas enzimas possuem resíduos (sítios de
ligação) que respondem à forma estrutural do AMP.

Da mesma maneira, o AMP é capaz de ativar uma proteína-chave


chamada AMPK (proteína quinase regulada por AMP), a qual é considerada uma
reguladora-mestre das enzimas catabólicas gerais de todas as vias metabólicas,
e esse processo ocorre da mesma maneira que elucidei no parágrafo anterior.

LEGENDA: A AMPK é capaz de agir nas diversas vias energéticas, potencializando as


catabólicas e inibindo as anabólicas

Sendo assim, quando o exercício progride, no começo saindo de um


momento com maior quantia circulante de ATP pela ausência do exercício para
um momento com grande degradação deste e consumo energético aumentado,
o corpo se torna ainda mais eficiente em gerar mobilização e disponibilidade

11
energética devido ao rearranjo de suas maquinarias celulares voltadas para este
intuito.

Algo importante de ser citado é que esta modificação do metabolismo é


alostérica, ou seja, quando os processos catabólicos são priorizados, os
anabólicos são reduzidos. Por exemplo, uma reguladora-chave da glicólise é a
PFK-2 (fosfofrutoquinase 2), que, por sua vez, regula a atividade da frutose-2,6-
bifosfato e frutose-1,6-bifosfatase. Num momento alimento, a frutose-2,6-
bifosfato aumenta a sua atividade, acelerando a glicólise, afinal, entende-se que,
no momento de jejum, que precedia a alimentação, as quantias de ATP estavam
se tornando escassas. Em contrapartida, a frutose-1,6-bifosfatase estava mais
ativa, pois ela inibe a PFK-1 e fornece o repertório para a gliconeogênese estar
mais ativa, ou seja, está mais ativa no momento de exercício e
escassez/consumo energético exacerbado, inibindo as enzimas que degradam
a glicose e favorecendo aquelas que sintetizam a mesma a partir de compostos
não-glicídicos. Isso ocorre principalmente no fígado (lembre-se que este órgão é
muito mais um produtor do que consumidor de glicose).

Outra importante sinalização é aquela derivada da própria contração


muscular. Para entendermos como isto se dá, precisamos fazer um pequeno
passeio por este processo.

12
Para que a contração ocorra, é necessário o disparo neural para as fibras
musculares, governadas pelas unidades motoras, que podem ser de alto limiar
ou baixo limiar. As de alto limiar governam principalmente as fibras de tipo 2
(capazes de produzir mais força, mas a um custo energético maior), enquanto
as de baixo limiar governam principalmente fibras de tipo 1 (capazes de produzir
menos força, mas por mais tempo, a um custo energético menor considerando
o espaço-tempo).

Ao realizar o disparo neural, desempenhado pelo potencial de ação, este


percorrerá pelos neurônios até chegar à placa motora, onde realizará a
despolarização da fibra muscular. Isto ocorre, pois, o influxo de sódio e saída do
potássio neste local irá causar o influxo de cálcio concomitante, realizando a
secreção de Acetil-colina, que agora transmitirá o potencial de ação para a fibra.
Agora nesta, o potencial percorrerá os túbulos T, que terão locais de resposta

13
nos receptores de diidropiridina (que tem resposta à troca de voltagem),
localizando-se próximos aos canais de rianodina, que por sua vez, estão
próximos dos canais de calsequestrina e retículo sarcoplasmático.

Transmitido o potencial de ação até o retículo sarcoplasmático, isto


causará a secreção de cálcio para o citoplasma. No que tange a regulação
energética, o cálcio é capaz de aumentar a atividade da fosfofrutoquinase-1 e do
sub-complexo piruvato-desidrogenase-fosfatase, acelerando a produção de ATP.
Ao mesmo tempo, é capaz de aumentar a atividade da glicogênio fosforilase
(responsável por quebrar o glicogênio), através da ativação da fosforilase-cinase
B para A, que ativa a enzima citada. Logo, ao torná-la ativa, o glicogênio passa
a ser degradado, liberando glicose para percorrer a corrente sanguínea (fígado)
ou ser metabolizado no próprio músculo.

Outro fator sinalizador extremamente importante são os hormônios,


principalmente o glucagon, T3, cortisol e catecolaminas.

O glucagon é o hormônio antagônico à ação da insulina, e possui ação


alostérico em relação a esta, ou seja, quando o glucagon está elevado, a insulina
está baixa. Isso é algo fundamental durante o momento de exercício, caso

14
contrário, processos anabólicos e hipoglicemia aconteceriam. Isto se dá, pois, o
glucagon é secretado pelas células alfa-pancreáticas através dos receptores
beta, e o estímulo principal é a queda da glicemia. Estas células são capazes de
inibir as células beta-pancreáticas e os receptores alfa, ocasionando o bloqueio
da sua secreção.

Algo importante de ser citado é que o glucagon não tem ação no músculo,
pois ele não possui receptores para tal. Entretanto, o glucagon tem forte ação no
fígado através dos receptores alfa. O glucagon não mobiliza reservas de gordura,
mas, inibe a formação dela através da inibição da enzima Acetil-CoA carboxilase,
participante da lipogênese de novo. Essa adaptação é muito importante, pois,
durante o exercício há grande quantia de Acetil-CoA e citrato sendo produzidos,
e isto é um estímulo para a lipogênese de novo, mas, com a elevação de
glucagon, este processo é inibido.

O T3, por sua vez, é responsável por acelerar as reações metabólicas


catabólicas através da ligação em receptores intracelulares e ativando genes
responsáveis por tornar as enzimas que degradam substratos mais ativas, como
a FOXO1.

15
LEGENDA: O T3 sofre deiodinação dentro das células, o que eleva a atividade de determinadas
enzimas catabólicas e impede a atividade de enzimas catabólicas.

O cortisol é um suprarregulador da gliconeogênese – processo que


converte compostos não glicídicos, como os aminoácidos e o glicerol – em
glicose. Isto é um processo de especial importância durante o exercício para a
prevenção contra hipoglicemias e fornecimento energético constante. As
proteínas são as mais afetadas pelos níveis de cortisol, entretanto, a contribuição
delas para o exercício é pequeno, cerca de 5 a 15%, e quanto mais treinado é o
indivíduo naquele exercício, menos proteína como fonte energética ele utiliza.

Por fim, as catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) são as que mais


influenciam na mobilização dos estoques energéticos, podendo agir tanto no
músculo quanto no tecido adiposo por vias bioquímicas semelhantes.

O principal local de ligação delas é nos receptores beta-2 e beta-3


adrenérgicos. Ao se ligarem, ocorre um tipo de ligação de receptores acoplados
à proteína G, levando à dissociação das subunidades beta e gama da

16
subunidade alfa. Agora isolada, a subunidade alfa sinalizará o efetor do tipo S,
formando o complexo G-alfa-s, responsável por tornar a enzima adenilato-
ciclase ativa. Esta enzima, por sua vez, transformará o ATP em AMPcíclico
(AMPc), que tem a função de se ligar aos substratos da enzima PKA (proteína
quinase A), causando a repartição de suas subunidades C e R, formando um
dímero da subunidade R e dois monômeros da subunidade C. A subunidade C
tem a função de catalisar da transferência de gamafosfato do complexo Mg2+-
ATP para resíduos de serina e treonina de substratos proteicos específicos,
ativando outras proteínas.

Se pensarmos no tecido adiposo, a proteína-enzima que será ativada é a


lipase-hormônio sensível, a ATGL, a MGL e HSL, responsáveis pela lipólise,
tornando a gordura disponível para ser transportada. Se pensarmos no tecido
muscular, a proteína-enzima que será ativada é a glicogênio fosforilase, através
do mesmo mecanismo descritos em relação ao cálcio.

Portanto, podemos perceber que existem diversos sistemas redundantes


que causam e organizam a mobilização energética durante o exercício. Alguns
atuam a curto prazo, outros atuam a longo prazo. Alguns destes são
potencializados durante alguns tipos de exercício, como é o caso do cálcio ou a
rápida queda de ATP na musculação, devido à alta atividade das fibras de tipo 2,
que consomem ATP rapidamente devido à isoforma da ATPase localizada nas
cabeças pesadas da miosina.

ADAPTAÇÕES METABÓLICAS DERIVADAS DO EXERCÍCIO A

CURTO PRAZO

Durante o exercício, ocorrem algumas adaptações metabólicas, que são


mais voltadas para a captação de glicose, regulação da oxidação da gordura e
capacidade de entrega de nutrientes.

Em exercícios como o treinamento resistido, o cálcio é um forte


componente que desempenha a capacidade de captar mais glicose para o
músculo, isto se dá devido à ativação da proteína-quinase dependente de
calmodulina (CAMKK), que é ativada quando maiores quantias de cálcio estão
disponíveis no citoplasma. Esta proteína, por sua vez, é capaz de agir em dois

17
mecanismos, ativando a proteína quinase C atípica (aPKC) e a AS160. Estas
são capazes de recrutar as proteínas TBC1D1 e TBC1D4, que levam à
dissociação do RabGTP através da enzima RabGTPase, tornando o Rab capaz
de interagir com o GLUT4 armazenado dentro da célula e translocando-o para a
periferia. Outro mecanismo importante é a ativação da aPKC ativando a proteína
B de duplo domínio C2, que leva ao aumento da interação da sintaxina-4 com
seu receptor SNARE, reforçando a translocação do GLUT4.

Além desta modulação, o cálcio é um amplificador destes mesmos


mecanismos exercidos pela AMPK.

A oxidação de gordura em exercícios de alta intensidade é mitigada pelas


crescentes quantias de H+ intracelular, devido à rapidez na glicólise (produzida
especialmente na sexta reação) e pela quebra da creatina-fosfato. Veja, se
durante o exercício de alta intensidade as vias catabólicas são amplificadas,
consequentemente, seus produtos também. Isto ocorre porque o H+ diminui a
atividade da CPT1B, enzima fundamental na lançadeira de carnitina, embora a
FAT/CD36 sofra aumento devido à situação de exercício, tornando a recepção
de gordura mais direcionada ao próprio tecido adiposo.

Como adaptações do próprio H+ aumentado, que leva à acidose muscular


(não é o ácido lático), o piruvato passa a ser convertido mais proeminentemente
para lactato, que possui subunidades de ligação para o H+, e transporta-o para
fora da célula através dos transportadores de monocarboxilato 1 e 4 (MCT1 e 4).
Isso é um mecanismo de especial importância, já que durante os exercícios de
18
alta intensidade, a acidose muscular é prejudicial à performance e à integridade
da célula. Outro componente que atua nesse sentido é a carnosina, um
tamponante intracelular, que através do seu grupamento imidasol, se liga aos
H+, impedindo a acidificação do meio, e se direcionando ao fígado para a maior
produção de glicose através do Ciclo de Cori.

Como forma de aumentar a entrega de nutrientes e oxigênio, ocorre a


maior perfusão microvascular causada pela permeabilidade da membrana
aumentada. A força hemodinâmica é percebida pelos glicocálices (antenas que
percebem variações no meio extracelular), que por sua vez, aumenta a síntese
de endotelina-1. Por fim, isto aumenta a área de contato da célula muscular com
a corrente sanguínea, oxigênio e nutrientes, permitindo maior perfusão
microvascular mediada pela insulina.

CONCLUSÃO

Existem três estágios do metabolismo: alimentado, em jejum e em


exercício. Hoje focamos bastante em como ocorre a regulação e balanço
energético em exercício, entendo as vias prioritárias em cada tipo de exercício e
como os seus demais tipos desempenham diferentes efeitos metabólicos a fim

19
de entrar em estado estável – mesmo em meio a uma situação de estresse,
conseguir sobreviver.

Espero que esse e-book contribua grandemente para seu conhecimento


sobre a bioquímica do exercício!

20
REFERÊNCIAS

Murray B, Rosenbloom C. Fundamentals of glycogen metabolism for coaches


and athletes. Nutr Rev. 2018 Apr 1;76(4):243-259. doi: 10.1093/nutrit/nuy001.
PMID: 29444266; PMCID: PMC6019055.

Hargreaves M, Spriet LL. Skeletal muscle energy metabolism during exercise


[published correction appears in Nat Metab. 2020 Sep 10;:]. Nat Metab.
2020;2(9):817-828. doi:10.1038/s42255-020-0251-4

Tu Y, Chen C, Pan J, Xu J, Zhou ZG, Wang CY. The Ubiquitin Proteasome


Pathway (UPP) in the regulation of cell cycle control and DNA damage repair and
its implication in tumorigenesis. Int J Clin Exp Pathol. 2012;5(8):726-38. Epub
2012 Oct 1. PMID: 23071855; PMCID: PMC3466981.

Kitajima Y, Yoshioka K, Suzuki N. The ubiquitin-proteasome system in regulation


of the skeletal muscle homeostasis and atrophy: from basic science to
disorders. J Physiol Sci. 2020;70(1):40. Published 2020 Sep 16.
doi:10.1186/s12576-020-00768-9

FERRIER, Denise. Bioquímica Ilustrada. 7. ed. aum. [S. l.: s. n.], 2018.

GIANNINI ARTIOLI, G. et al. The Role of β-alanine Supplementation on Muscle


Carnosine and Exercise Performance. Medicine & Science in Sports &
Exercise, p. 1, dez. 2009. DOI 10.1249/MSS.0b013e3181c74e38. Disponível
em: https://sci-hub.se/10.1249/MSS.0b013e3181c74e38.

21

Você também pode gostar