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NEGOCIAR 1

Simões (2014, no prelo). Negociar. In Manual de competências pessoais, interpessoais e


instrumentais, 3ª Edição. Lisboa: Sílabo.

NOTA IMPORTANTE: a presente versão destina-se única e exclusivamente a uso pessoal dos
alunos de “Gestão de Conflitos e Negociação” da Licenciatura em Gestão de Recursos Humanos do
ISCTE-IUL.

CAPÍTULO 8

NEGOCIAR
Eduardo Simões

NOTA IMPORTANTE: a presente versão destina-se única e exclusivamente a uso pessoal dos alunos de “Gestão de Conflitos e Negociação” da Licenciatura em Gestão de Recursos

Humanos do ISCTE-IUL
NEGOCIAR 2

 Objectivos
Pretende-se que no final da leitura deste capítulo, o leitor, ou a leitora seja capaz de:
 Compreender a importância da negociação na vida quotidiana, em particular nas
organizações
 Conhecer os elementos essenciais de uma negociação e a sua dinâmica
 Conhecer os fundamentos e as práticas das escolhas estratégicas e tácticas nas
negociações

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NEGOCIAR 3

COMPREENDER A COMPETÊNCIA

Dificilmente passamos um dia sem negociar. Na família, negociamos para decidir quem vai levar
as crianças à escola, que programas de televisão queremos ver, como vão ser as férias. Com os
amigos, negociamos para escolher o restaurante a que vamos jantar.
Apesar da palavra «negociação» nos remeter quase automaticamente para o mundo das
empresas ou para a esfera diplomática, a negociação perpassa quotidianamente a vida das
pessoas. Por vezes, apenas se regateia, usando um modo de negociação simples à volta de um
preço no mercado, por exemplo. Noutras ocasiões, a negociação segue um processo mais formal,
com etapas e objectivos explícitos, como no caso de um divórcio mediado por advogados ou numa
negociação de contratação colectiva. Nas organizações, negoceia-se para vender e comprar,
colegas negoceiam a atribuição de tarefas e a distribuição de recursos num projecto, responsáveis
de equipa negoceiam objectivos a atingir.
Para quê negociar? Negoceia-se para conseguir algo que só a colaboração de, pelo menos,
duas partes pode permitir ou para resolver uma disputa entre elas. A negociação é uma das opções
(geralmente, a mais frutuosa) para a resolução de conflitos. Ainda que isto nem sempre seja claro
para as partes em oposição. Precisamente, uma das razões pelas quais uma negociação pode
falhar é o facto das pessoas não se darem conta de que estão em condições de negociar. Assim,
escolhem outras opções (imposição, ruptura, discussão anárquica) que desperdiçam o potencial
criativo da negociação. A negociação com método de resolução de conflitos relativos a crenças ou
opiniões é enquadrada noutro ponto deste volume (ver capítulo 7) pelo que, neste capítulo
abordamos a negociação enquanto «processo de tomada de decisão interpessoal no qual duas ou
mais pessoas chegam a acordo quanto a maneira de distribuir recursos escassos»
1
, p. 2. Isto é, embora os princípios fundamentais da negociação sejam aplicáveis num leque
amplo de situações e contextos, focamos essencialmente negociações mais comuns no contexto
organizacional como sejam as que decorrem da relação entre gestores de diferentes organizações,
as que ocorrem nas equipas de projectos ou ainda nas áreas das compras e da acção comercial em
geral.
Muitas pessoas encaram a negociação como uma espécie de luta em que se mede a força de
cada uma das partes ou ainda como uma batalha de vontades cujo resultado seria favorável ao mais
persistente dos intervenientes. Na verdade, o pano de fundo de qualquer negociação é o
reconhecimento implícito das partes de que precisam uma da outra e que, nesse sentido, estão
ligadas por uma relação de interdependência dado que as acções de uma afectam os resultados da
outra e vice-versa. Por exemplo, um gestor depende do seu colaborador o qual possui competências
especializadas necessárias aos objectivos da organização. Mas o colaborador depende igualmente
do gestor na medida em este garante as suas condições de trabalho. As relações de interdependên-
cia estão associadas à conjugação de objectivos: o comprador precisa do vendedor para atingir os
seus objectivos, mas como conceber um vendedor sem compradores? Numa equipa de projecto, os
objectivos individuais de cada membro só podem ser concretizados se os dos outros elementos
também o forem.
A estrutura das relações de interdependência afecta o tipo de comportamentos prováveis durante
a negociação. Por exemplo, se uma parte depende em maior grau da outra é provável que esta
procure usar essa dependência relativa como suporte para forçar a aceitação das suas propostas.

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Elementos da negociação
Cada negociação é um caso, nenhuma é exactamente igual a outra, quer no que respeita à
natureza dos recursos em jogo, quer na forma como se desenrola. Todavia, de entre essa
diversidade emergem alguns elementos que caracterizam de forma universal as situações de
negociação.
Os actores da negociação são designados partes e incluem indivíduos actuando em nome
próprio ou representando um grupo de pessoas com interesses comuns. Sobretudo em contexto
organizacional, os negociadores actuam em nome de outrem a quem têm de prestar contas. Neste
caso, pode dizer-se que estes constituintes, ainda que não estejam fisicamente presentes, são par-
tes negociais e por vezes fundamentais para o desenrolar da negociação.
Os itens negociais referem-se aos recursos que são objecto da negociação. Por exemplo, numa
negociação comercial os assuntos a tratar incluem geralmente o preço unitário, método e prazo de
pagamento, prazo de entrega, apoios promocionais, entre outros. Numa negociação laboral são
abordados aspectos como níveis salariais, regalias sociais, perfil de funções ou tarefas,
remuneração complementar por objectivos, etc. Para cada item existem diferentes alternativas de
escolha. Por exemplo, numa negociação comercial, no item «prazo de pagamento» podem existir
alternativas que vão de 15 a 90 dias.
Persiste em muitos negociadores a crença de que abordar um pequeno número de assuntos e
de alternativas ajuda a simplificar o desenrolar da negociação. Na verdade, passa-se o contrário:
quanto maior o número de itens negociais e mais amplo o leque de alternativas mais os
negociadores podem construir diferentes soluções de propostas assentes em diversas combinações
de valores.
À mesa de negociações, as pessoas tendem a exprimir mais facilmente as suas posições do que
os seus interesses2. As posições são as exigências explícitas relativas a um determinado assunto
(«quero um prazo de pagamento de 90 dias»), enquanto que os interesses se referem a
necessidades subjacentes às posições ainda que não sejam publicamente expressas («tenho
dificuldades de tesouraria e falta de liquidez» ou «realizei um investimento importante, preciso de
recompor a tesouraria»). Os interesses constituem a verdadeira «medida da negociação»3. Uma
negociação que se restringe a esgrimir posições dificilmente será compensadora para ambas as
partes. Dado que os interesses podem geralmente ser satisfeitos com propostas que representam
diferentes posições, um ponto-chave da negociação eficaz é conseguir que as partes conheçam e
discutam as necessidades e critérios de decisão que subjazem às posições.
O processo da negociação refere-se à forma como decorre a negociação. Inclui as incidências e
as formas de interacção verbal e não-verbal entre as partes, bem como o modo como as variáveis
da situação (antecedentes históricos da relação, relação de poder, etc.) afectam a relação entre as
partes. São igualmente elementos do processo o padrão e o grau de concessões de cada
interlocutor, as estratégias seguidas, a sequência de apresentação de propostas e os argumentos
utilizados para as apoiar. Um aspecto que ultimamente tem vindo a ganhar relevância é o meio de
comunicação utilizado pelos negociadores. Com a crescente popularidade dos meios de
comunicação à distância possibilitados pelas novas tecnologias, nomeadamente o e-mail e a
videoconferência, as escolhas dos negociadores a este respeito podem afectar, às vezes sig-
nificativamente como veremos adiante, o desenrolar da interacção entre eles.
O modo como os negociadores conduziram a negociação, combinado com a estrutura da
situação negocial, desemboca num resultado. Se este se traduz num acordo, a sua análise permite
verificar se o desempenho das partes optimizou a partilha de recursos ou, como muitas vezes
acontece, se o acordo não esgotou as possibilidades de combinação colaborativa potencial da
estrutura de itens e alternativas negociais. No caso de o resultado ser um impasse, a ruptura daí

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decorrente pode ser ultrapassada, em muitos casos, com a intervenção de uma terceira parte que
julga e impõe um novo acordo segundo regras aceites por todos (arbitragem) ou que negoceia com
ambas as partes em busca de um acordo alternativo (mediação).

Negociação integrativa e negociação distributiva


Imagine-se uma situação de negociação em que os interesses de uma parte se opõem
directamente aos da outra: qualquer ganho de um dos intervenientes corresponde a uma perda
equivalente para o outro. Por exemplo, na compra de uma casa em que apenas se discute o preço,
o vendedor quer mais dinheiro e comprador quer pagar o menos possível. O que está em jogo é
apenas a divisão entre perdas e ganhos. Este conflito total de interesses à volta de um único item
negocial configura uma situação de negociação distributiva pura e termina forçosamente com um
«vencedor» e um «perdedor» ou, como acontece frequentemente, num impasse. Apesar de muitas
pessoas tenderem a ver esta situação como protótipo da negociação em geral, situações como a
descrita são relativamente raras. Como raras são igualmente aquelas em que os interesses de
ambas as partes aparecem como completamente compatíveis (coordenação pura de interesses).
A situação mais comum é aquela em que os interesses de ambas as partes não são
completamente opostos nem completamente compatíveis. Nesta negociação, as partes possuem
preferências e prioridades diferentes pelo que um ganho de uma parte não corresponde a uma
perda de igual montante para a outra. Existindo vários itens negociais, é possível a uma parte trocar
concessões num assunto pouco importante para ela, mas muito importante para a outra, por
contrapartidas noutro item em que as preferências sejam inversas. A essência da negociação
reside, portanto, na capitalização das diferenças em favor de benefícios mútuos.
A maioria das situações de negociação possui potencial integrativo, isto é, existe um conjunto de
possibilidades de combinação das preferências e interesses das partes que representam ganhos
optimizados para ambas. Para tirar partido de uma negociação integrativa é por isso necessário,
antes de mais, que os intervenientes se disponham a analisar as diferenças de interesses e prefe-
rências entre eles para poderem descobrir soluções de acordo que melhorem o ganho conjunto. Um
acordo que maximiza o potencial integrativo designa-se de óptimo de Pareto e ocorre quando, numa
situação negocial específica, não existe nenhum outro acordo que possa melhorar os resultados de
uma parte sem prejudicar os resultados da outra4.
Esta possibilidade de compatibilizar os interesses e maximizar o ganho conjunto nem sempre é
reconhecida pelos negociadores, conduzindo a acordos perder-perder, ou seja, traduz-se em
resultados para ambas as partes claramente inferiores aos que seriam possíveis em termos
objectivos. Uma análise meta-analítica de 32 estudos5 mostrou que os negociadores não detectam
os itens compatíveis em 50% das negociações. O que explica esta tendência para desaproveitar a
possibilidade de realizar o potencial integrativo? A resposta parece estar em dois enviesamentos de
julgamento muito comuns e persistentes no negociador. O primeiro, o mito da soma fixa6, refere-se à
crença de os recursos em jogo constituem uma espécie de «bolo» inalterável, sendo que qualquer
divisão resultaria numa de três possibilidades: uma parte ganha a maior «fatia», a sua oponente
ganha a maior «fatia» ou os ganhos são divididos rigorosamente ao meio (fifty-fifty). Na prática, os
negociadores tendem a assumir a priori que a estrutura da negociação impõe uma escolha entre
perder ou ganhar. Esta assunção é ampliada pela percepção de incompatibilidade7 ou seja, a crença
do negociador de que os interesses da outra parte são incompatíveis com seus pelo facto da
situação de negociação ser concebida como uma oposição diametral de interesses.
Estas distorções de julgamento reflectem-se negativamente na compreensão dos interesses das
partes e no modo como é gerido o uso das concessões. Quanto mais persistente é a percepção da
soma fixa, mais provável é a ocorrência de um de dois tipos de comportamento: confrontação e

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ataque às posições do oponente ou de capitulação e resignação perante as exigências da outra


parte.
Quando os negociadores partilham a percepção da soma fixa mas pretendem preservar a
satisfação mútua, o outro resultado possível é uma solução de compromisso que resulta do facto
das partes acordarem em fazer concessões iguais ou em «dividir a diferença». Ao contrário de uma
crença popular que leva a apelidar esta forma de negociar de «ganhar – ganhar», a solução de
compromisso constitui, na maior parte dos casos, uma «derrota» para ambas as partes já que não
assegura a exploração mutuamente benéfica dos recursos em jogo. De resto, a expressão «ganhar-
ganhar» pode ser equívoca e nem sempre constitui uma designação adequada para a negociação
integrativa. Na verdade, quando as pessoas se referem a negociações «ganhar-ganhar» têm em
mente vários significados8 que não se ajustam à busca da maximização dos ganhos conjuntos:
 Solução de compromisso – como vimos, a divisão igualitária de recursos não garante a
optimização dos acordos.
 Satisfação das partes – o facto das pessoas se sentirem satisfeitas com o acordo não
constitui um critério fiável de eficácia na negociação de recursos. Negociadores satisfeitos
após o acordo podem, de facto, ter desperdiçado possibilidades de alargar o «bolo» comum
de recursos9. O estudo do efeito designado por maldição do vencedor10 mostra,
paradoxalmente, que a insatisfação pode ocorrer quando os negociadores conseguem o
acordo que desejavam ao verem a sua primeira proposta aceite pela outra parte11.
 Assegurar uma boa relação – ainda que uma relação positiva entre as partes favoreça a troca
de informação sobre as preferências e prioridades de cada uma, esta parece não ser
explorada adequadamente com vista à maximização dos ganhos conjuntos. Provavelmente
porque estão preocupados em evitar danos à relação, os negociadores ligados por laços
afectivos tendem a anuir a acordos aparentemente satisfatórios mas que não maximizam o
potencial integrativo da negociação12.

Em suma, a negociação integrativa caracteriza-se mais pela busca criativa de configurações de


acordo que maximizam o ganho conjunto do que pela natureza das relações entre as partes. Neste
sentido, e em especial em negociações que envolvem muitos itens negociais, a negociação
integrativa é uma actividade cognitivamente exigente em termos de competências de análise de
informação e de resolução de problemas. Na medida em que favorece a abertura e a troca de
informação, a orientação cooperativa dos negociadores pode favorecer a construção de um acordo
integrativo mas apenas quando é combinada com elevado interesse pelos resultados próprios13.

QUADRO 8.1. CARACTERÍSTICA DAS DUAS FORMAS DE NEGOCIAÇÃO

Negociação Distributiva Negociação Integrativa

Destaque das posições. Destaque dos interesses

Os recursos a negociar são considerados Os recursos a negociar são variáveis


fixos, conduzindo e a sua divisão pode favorecer
a uma divisão assimétrica ambas as partes.
(uma parte ganha e a outra perde)

A preocupação dominante A preocupação dominante


é a de maximizar o ganho próprio. é a maximização do ganho conjunto.

As estratégias habituais são competitivas As estratégias habituais são cooperativas


e incluem persuasão, ameaças e incluem partilha de informação
e retenção de informação. e resolução de problemas com vista
a criar valor para ambas as partes.

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No Quadro 8.1, estão resumidas as principais características que distinguem os dois tipos de
negociação. Todavia, na maioria das situações quotidianas de negociação nas organizações,
dificilmente se pode falar de negociações puramente distributivas ou integrativas, mas antes de uma
maior ou menor predominância de elementos integrativos ou distributivos. Isto significa que, embora
a estrutura da negociação influencie o leque de soluções de acordo possíveis, são as escolhas dos
negociadores que determinam, em última instância, a forma como vai decorrer a interacção negocial
e esta irá, por sua vez, favorecer ou não a maximização dos ganhos conjuntos.

Preparação da negociação
Um mito popular sustenta que os bons negociadores se apoiam na intuição e na capacidade de
improviso. Por outro lado, muitos negociadores profissionais invocam a extensão da sua experiência
para justificarem a ausência de qualquer planeamento das negociações em que participam. Todavia,
a pesquisa mostra que negociadores experientes e negociadores novatos se assemelham nos erros
de julgamento sistemáticos que conduzem a resultados medíocres14. A acumulação de experiência
faz aumentar a confiança dos negociadores mas esta não garante a melhoria dos seus julgamentos
sobre os processos negociais. Sem feedback adequado sobre os seus resultados e processos de
actuação, o negociador dificilmente tira partido da experiência. A crença de que a experiência
melhora o desempenho negocial é, contudo, persistente porque se baseia tendencialmente nas
memórias selectivas dos sucessos, ignorando os insucessos.
A realidade é que uma das fases cruciais da negociação ocorre antes dos negociadores se
encontrarem. Apesar de negligenciada por muitos negociadores, a preparação sistemática é um
contributo essencial para a eficácia das negociações.
O processo de preparação é parte integrante da estratégia escolhida para abordar a negociação.
Por estratégia entende-se o plano global de objectivos negociais e sequências de acção previstas
para os atingir15. Nestas sequências de acções prospectivas incluem-
-se as tácticas. Apesar de serem frequentemente confundidas na literatura prescritiva, estratégias e
tácticas são processos diversos ainda que contíguos e interrelacionados. Enquanto a estratégia se
refere a um padrão global e relativamente estável de acções planeadas (o «plano da batalha»), as
tácticas constituem acções específicas imediatas e pontuais que contribuem para a implementação
da estratégia. Por exemplo, uma estratégia distributiva, esboçada com vista a garantir a maior parte
do «bolo» negocial, implica o uso de tácticas contundentes que incluem ameaças, propostas iniciais
exigentes e, em alguns casos, a simulação de ultimatos. Ao invés, uma estratégia desenhada para
garantir a continuidade de uma relação pessoal positiva com a outra parte apela a tácticas
apropriadas a esse fim como sejam a escuta activa e o uso de perguntas abertas para criar um
clima de confiança indispensável à concretização do objectivo estratégico.
O primeiro passo da preparação é a definição dos assuntos a abordar. Esta é uma etapa simples
mas, como vimos antes, de grande importância para garantir um número elevado de possíveis
configurações de alternativas de acordo. Usualmente, existem dois ou três assuntos centrais e
outros itens que, antes da negociação, aparecem como secundários. Por exemplo, nas negociações
comerciais o preço e o prazo de pagamento constituem quase sempre assuntos incontornáveis. A
forma de faseamento do pagamento, a existência de bónus versus quantidades são exemplos de
outros itens a considerar neste tipo de negociação.
Após a identificação dos assuntos pertinentes, é necessário determinar prioridades o que, na
prática, corresponde a esclarecer quais são os itens mais ou menos importantes e como se
relacionam entre si.

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Como vimos antes, as posições expressam o que o negociador quer e os interesses reflectem as
razões pelas quais o quer. O passo seguinte na preparação consiste precisamente em definir os
interesses subjacentes aos assuntos a tratar e às posições que serão apresentadas à mesa da
negociação. Por exemplo, numa negociação de projecto, a posição a apresentar relativamente ao
prazo é de 10 meses para a conclusão. O interesse subjacente refere-se à justificação desta
posição como, por exemplo, «tirar partido dos recursos humanos necessários cuja disponibilidade é
incerta». O esclarecimento dos interesses é particularmente importante para explorar o potencial
integrativo da negociação. Por exemplo, neste caso, facilmente se entende que em caso de acordo
no que se refere à garantia da disponibilidade efectiva dos recursos necessários, o prazo exigido
pode ser alterado.
Neste exemplo, o interesse é substantivo, isto é, relaciona-se directamente com os itens
negociais. Porém, os interesses subjacentes às posições podem incluir princípios e valores relativos
ao modo como se pretende que a negociação decorra ou à relação com a outra parte16.
Uma vez determinados os assuntos negociais e os interesses subjacentes, o negociador precisa
de estabelecer os seus alvos e limites. Os primeiros referem-se ao que o negociador considera
como objectivo realisticamente desejável, enquanto o limite, também designado ponto de
resistência, define o ponto a partir do qual se julga mais adequado romper a negociação do que
continuar. Note-se que, existindo um conjunto de itens pertinentes, para cada um deles é possível e
desejável criar alternativas. Por exemplo, para uma parte vendedora, o preço pode ser decomposto
em valores decrescentes, o faseamento do pagamento pode ser dividido em combinações de
percentagens. Deste modo, itens negociais e alternativas constituem uma matriz em que os
assuntos estão dispostos nas colunas e as alternativas nas linhas (Quadro 8.2)

QUADRO 8.2. TABELA DE INTERESSES E PREFERÊNCIAS NEGOCIAIS- EXEMPLO

Prazo Prazo Quantidade


Preço/unidade
de entrega de pagamento (unidades)
100 15 dias 15 dias 1000
98 10 dias 30 dias 950
97 5 dias 45 dias 900
95 Imediata 60 dias 850

Se os itens apresentam graus de importância diferentes para o negociador, o passo seguinte


consiste em determinar, usando os valores desta matriz simples, diversos «pacotes» de propostas
possíveis. Estas resultam de diferentes combinações das alternativas e deverão, idealmente, ser
equivalentes entre si em termos de valor global para o negociador. No nosso exemplo, o vendedor
poderá considerar que uma proposta que combine 1000 unidades pagas a 45 dias com entrega
dentro de 10 dias ao preço unitário de 98 equivale a uma encomenda de 950 unidades pagas a 15
dias com o prazo de entrega de 15 dias ao preço 97.
Esta forma de proceder apresenta duas vantagens importantes. Em primeiro lugar, obriga o
negociador a interrogar-se sobre o que na negociação verdadeiramente representa valor para ele.
Para além disso, ao construir várias propostas aumenta a flexibilidade negocial e a amplitude de
combinações possíveis que permitem ir ao encontro dos interesses da outra parte sem perder
ganhos próprios.
Sobretudo no caso de a negociação apresentar uma provável estrutura distributiva, o negociador
deverá decidir qual a sua primeira proposta. As posições iniciais funcionam como âncoras,
influenciando a percepção que cada uma das partes possui dos resultados que pode vir obter e da
probabilidade de ver as suas propostas aceites pela outra e, de modo mais geral, influencia o julga-
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mento de aceitabilidade dos valores das propostas e contrapropostas durante a interacção negocial.
A pesquisa sobre tomada de decisão17 mostrou com muita clareza que, em contexto de incerteza, a
emergência de uma âncora, isto é, um valor (número, prazo, etc.), mesmo que aleatório, provoca
nos decisores a tendência para julgarem as alternativas ajustando as suas decisões por referência a
esse valor. Na negociação, particularmente em ambiente de incerteza informativa, a parte que
apresenta a primeira proposta tende a ser favorecida já que a outra tende a ajustar-se ao valor
inicialmente proposto. Esta hipótese foi confirmada em estudos experimentais18 que indicaram
também que a parte que apresenta a proposta de abertura tende a apresentar superioridade no
ganho relativo (diferença entre ganhos obtidos pelas partes no acordo final).
Obter e analisar informação sobre a outra parte constitui uma etapa difícil de cumprir mas com
elevada importância. Sugere-se19: que para obter um quadro completo de informação sobre o
oponente é desejável procurar informação nas áreas seguintes
 Objectivos.
 Interesses e necessidades.
 Alternativas.
 Reputação, estilo de negociação.
 Grau de autoridade para fechar o acordo.
 Prováveis estratégias e tácticas.

As fontes de informação às quais o negociador pode recorrer para obter esta informação variam
com o contexto e vão da busca documental ao contacto com elementos da rede social da outra
parte, passando por inferências acerca de negociações passadas.
Finalmente, concluída a parte mais substancial da preparação, o negociador deverá ponderar um
plano de contingência para o caso da negociação decorrer de forma adversa no que toca aos
resultados esperados. Esta alternativa é denominada MAPAN20, o acrónimo para «Melhor
Alternativa Para um Acordo Negociado» e define um ponto a partir do qual o negociador está
preparado para abandonar a negociação. Na prática, encontrar a MAPAN para uma dada
negociação consiste em definir, previamente, uma alternativa aos termos e valor do acordo que se
espera obter21. Note-se que esta alternativa não deverá ser retórica ou uma mera fantasia inspirada
por desejos. Pelo contrário, a MAPAN deverá traduzir-se numa alternativa realista e desenvolvida
antes de iniciar a negociação. Prever verdadeiras alternativas para o caso de não ser possível um
acordo satisfatório implica seguir a regra genérica proposta por Max Bazerman e Margaret Neale22
e que aconselha o negociador a identificar opções, evitando «apaixonar-se» pelo objecto da
negociação seja este, por exemplo, uma casa específica ou um equipamento determinado. De facto,
muitos negociadores parecem ignorar que «o objectivo da negociação não é chegar a qualquer
acordo, mas atingir um acordo que seja melhor … do que o que se obteria sem ele»23.
Estabelecer a MAPAN permite determinar com maior segurança o ponto de resistência ou limite:
qualquer acordo que represente mais valor do que o proporcionado pela MAPAN será sempre
melhor do que o impasse ou a ruptura. Ao invés, se uma proposta próxima da MAPAN é rejeitada,
qualquer concessão ulterior será então inaceitável. Por exemplo, enquanto comprador, o negociador
que efectua uma análise cuidada da alternativa está em condições de fixar com precisão o máximo
que está disposto a pagar antes de ponderar uma eventual ruptura.

Estratégias e tácticas integrativas


Anteriormente referimos algumas estratégias comuns que, apesar de rotuladas de «ganhar-
ganhar», resultam em acordos pobres do ponto de vista da maximização racional dos ganhos de
ambas as partes. As estratégias para alargar o «bolo» de recursos combinam considerações de

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ordem relacional com formas de actuação racionais. Embora o seu uso não se restrinja a situações
em que as partes possuem uma expectativa de relação cooperativa, uma relação de confiança
(rapport) entre as partes constitui um requisito quase indispensável para permitir a partilha de
informação a qual favorece a exactidão dos julgamentos dos negociadores, um ingrediente
fundamental para alcançar acordos integrativos24.

Estabelecer uma relação de confiança para compartilhar informação


O «segredo é a alma do negócio»? De facto, alguma informação detida pelos negociadores (por
exemplo, a que respeita à MAPAN) deverá manter-se reservada. Contudo, nenhuma negociação
chegaria a bom termo se esta crença fosse literalmente aplicada. A questão está em saber qual a
informação a revelar. Quando adequadamente utilizada, a informação sobre os interesses e prefe-
rências das partes é fundamental para assegurar a eficácia na negociação integrativa25. Todavia, o
negociador comum enfrenta um dilema: se revela informação sente-se vulnerável por temer ficar
exposto à exploração do oponente, se o não faz, dificilmente a outra parte irá fornecer-lhe
informação unilateralmente. A partilha de informação depende, por isso, de um clima de confiança
que a favoreça. A confiança entre os negociadores conduz a relações positivas e estas significam,
frequentemente, melhores condições para conduzir a negociação de forma integrativa26. A confiança
nas relações entre negociadores possui bases diversas, o que quer dizer que significa coisas
diferentes para pessoas diferentes27:
 Dissuasão – este tipo de confiança baseia-se na previsível consistência do comportamento
que assegura que as pessoas farão o que dizem. O que sustenta a confiança parece ser a
ocorrência clara e provável de punição em caso de violação de acordos ou promessas,
exercendo assim um efeito de dissuasão. Todavia, neste caso, a confiança baseia-se menos
no receio de punição do que no cálculo permanente da relação entre o valor das
recompensas devidas ao fortalecimento da relação com a outra parte versus os custos da sua
manutenção28.
 Conhecimento – a confiança assenta mais em informação do que em dissuasão e ocorre
quando cada uma das partes se conhece bem e pode prever com relativa exactidão o
comportamento da outra. A comunicação continuada entre ambas, associada à simpatia nela
envolvida, é um processo-chave nesta forma de confiança.
 Identificação – neste caso, a confiança deve-se à identificação com os desejos, interesses e
intenções da outra parte, gerando um processo de compreensão empática.

Quando não existe uma base saliente para a confiança é necessário construi-la através de
alguns passos aparentemente simples mas com um impacte positivo na relação entre os
negociadores.
Em primeiro lugar, se as partes acreditam que negociar lhes traz mais benefícios do que manter
a competição entre elas ou do que trabalharem separadamente, um passo favorável ao
estabelecimento de rapport é o acordo prévio, ainda que genérico, acerca de objectivos. Estes
podem ser comuns, quando as pessoas concordam com o objectivo e beneficiam de igual forma da
sua concretização, partilhados, se possuem o mesmo objectivo mas beneficiam de forma
diferenciada e, por último, conjuntos, quando possuem objectivos e benefícios diferentes mas
susceptíveis de serem combinados numa solução mutuamente favorável29. Este acordo prévio sobre
objectivos pode ser reforçado por uma focalização no futuro comum.
Alguns mecanismos socio-emocionais ajudam implicitamente a construir ou a reforçar uma
relação de confiança. Por exemplo, quando os negociadores se percepcionam como semelhantes,
ou partilham uma identidade social comum, procuram agir de forma mais cooperativa e têm mais

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preocupações de igualdade na divisão de recursos30, existindo evidências experimentais31 sugerindo


que a similaridade entre os negociadores se encontra positivamente associada ao incremento de
qualidade dos resultados negociais. De um modo geral, o afecto positivo favorece o reconhecimento
de soluções integrativas32. Aparentemente, o facto de entrarem na negociação com bom humor
conduz os negociadores a anteciparem a utilização de estratégias mais cooperativas. A ligação
entre os estados afectivos e as intenções cooperativas ou competitivas está implícita nos correlatos
comportamentais da cooperação e da competição, evidenciados no fenómeno do mimetismo não-
verbal: quando uma pessoa está em comunhão de opiniões ou interesses tende a imitar subtilmente
o comportamento não-verbal do outro. Por exemplo, sorrir quando o outro está satisfeito33 denota a
tendência das pessoas que se sentem irmanadas por propósitos comuns para a sincronização, não
só a nível das formas de comunicação mas igualmente dos estados afectivos a que estas se
referem, como é ilustrado pelo fenómeno do contágio emocional34. Deste modo, é possível que os
negociadores que percepcionam a possibilidade de ganhos conjuntos estejam mais inclinados a
sincronizar os seus comportamentos relativos à expressão emocional35.

Fazer perguntas de diagnóstico e fornecer informação


Na sua maioria, os negociadores não buscam activamente informação durante a interacção
porque, provavelmente, encaram a negociação como um jogo de influência e tendem, por isso, a
centrar-se mais no que vão dizer do que em escutar a outra parte. Num estudo experimental36,
apenas 7% dos participantes procurou espontaneamente obter informação sobre as preferências e
prioridades do oponente. E, no entanto, a orientação a seguir parece óbvia: fazer perguntas de
diagnóstico que levem a outra parte a revelar-
-se, ainda que não responda a todas as questões.
Uma outra forma de fomentar a obtenção de informação consiste em fornecer espontaneamente
algumas indicações quanto aos interesses próprios. Além de dar sinal à outra parte que deseja
partilhar informação, este procedimento favorece a reciprocidade, isto é, o outro tende a retribuir,
fornecendo também informação sobre os seus interesses e preferências.
Apresentar várias propostas simultâneas
Os negociadores ingénuos possuem a tendência para fazer propostas em sequência, abordando
cada item isoladamente. Como vimos antes, as propostas que incluem vários itens incrementam a
flexibilidade negocial e evitam prováveis impasses decorrentes da não-aceitação de um item
isolado. Para além disso, nas fases iniciais da negociação, a apresentação simultânea de duas ou
mais propostas de idêntico valor e incluindo vários itens favorece a obtenção de informação sobre
as preferências e interesses do oponente37. Na verdade, mesmo que as propostas sejam rejeitadas
no imediato, o negociador pode deduzir as preferências da outra parte a partir do conteúdo da
rejeição. Escutando as respostas do interlocutor, é possível detectar quais os aspectos que são
aceitáveis e quais os que dificultam a aceitação, permitindo, deste modo, o acesso a informações
importantes para construir um acordo.

Acordo após o acordo


Partindo da constatação que muitos negociadores não maximizam as virtualidades integrativas
das negociações que concluem, Howard Raiffa, professor emérito da Universidade de Harvard e um
influente autor no domínio da análise de negociações, propôs uma estratégia destinada a
aperfeiçoar a qualidade do acordo após o fecho da negociação38. Na sua forma original, a estratégia
consiste em recomendar que, após terem chegado a um acordo mutuamente aceite, os
negociadores solicitem a ajuda de uma terceira parte independente para conseguir encontrar uma
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solução negocial optimizada no que respeita ao ganho conjunto. Actualmente, assume-se que os
próprios negociadores podem desempenhar este papel sem o apoio de terceiros39. Na verdade, o
facto de já existir um acordo prévio faz com que os negociadores possam abordar serenamente as
formas de melhorar a solução já encontrada, trocando abertamente informação sobre as suas
preferências, sem receios de eventuais perdas já que, em caso de insucesso nesta tarefa, possuem
a garantia de retornarem ao acordo já conseguido. Pode, por isso, dizer-se que o acordo inicial
constitui uma nova MAPAN para ambos os negociadores.

Estratégias e tácticas distributivas


Se as estratégias integrativas visam aumentar o «bolo» de recursos, as estratégias distributivas
são gizadas para dividi-lo, centrando-se cada negociador no seu interesse próprio.
Quando a situação de interdependência na negociação é estruturalmente distributiva, como
acontece, por exemplo, quando existe apenas um item negocial, a competição pela maior «fatia» é
inevitável. Mesmo quando conseguem concretizar as possibilidades de expandir os ganhos
conjuntos, os negociadores necessitam de dividir o valor criado, assumindo então uma orientação
competitiva.
No processo da negociação distributiva cada uma das partes apresenta, usualmente, a sua
proposta inicial ligeiramente inflacionada em relação ao alvo e à medida que a interacção decorre,
tenta descobrir o ponto de resistência da outra. De forma implícita, cada negociador procura
conseguir um acordo dentro da zona de acordo possível (ZAP), sendo esta definida pelo conjunto de
valores que se situam entre os pontos de resistência das duas partes40. Numa negociação
comercial, por exemplo, é previsível que o valor do acordo final se encontre numa zona intermédia,
isto é, acima do ponto de resistência do vendedor e abaixo do ponto de resistência do comprador.
Contudo, o acordo só será concretizado se a ZAP for positiva, ou seja, se os leques negociais (os
valores que se situam entre o ponto de resistência e o valor-alvo ou objectivo) de ambas as partes
coincidirem. Quando não existe coincidência a ZAP é negativa e dificilmente o acordo será possível.
Neste caso, as partes tenderão a procurar melhores alternativas fora da negociação.
Para evidenciar os pontos-chave do processo distributivo, tome-se como exemplo a negociação
de uma casa: imaginando que o preço alvo de venda é de 200.000 Euros, sendo o mínimo aceitável
(ponto de resistência) de 180.000 Euros, existe uma ZAP positiva, quando o potencial comprador
estiver disposto a pagar no máximo 185.000 euros, possuindo um objectivo de 180.000. Como
facilmente se compreende, as iniciativas estratégicas de cada uma das partes passam, antes de
mais, por tentar descobrir o ponto de resistência da outra parte. Neste exemplo, se o comprador se
apercebesse que o ponto de resistência do vendedor era de 180.000 Euros não hesitaria em fazer
uma oferta de igual valor ou, por razões tácticas, de valor ligeiramente inferior. Contudo, os
negociadores ocultam geralmente a informação sobre os seus valores-limite, ainda que no decorrer
da interacção, eles possam emergir a partir de pistas indirectas. De qualquer modo, mesmo quando
essa informação está disponível, a sua veracidade é dificilmente verificável e saber se a outra parte
mente é uma tarefa mais espinhosa do que a maioria das pessoas quer crer41. Por isso, os
negociadores fazem continuamente julgamentos sobre os valores-
-limite dos oponentes, inferindo-os a partir de informações laterais ou indirectas42. Por exemplo,
quando o negociador fornece informação que não o favorece ou não é do seu interesse, é provável
que aquela seja verdadeira. Um vendedor que apresenta urgência na venda porque precisa de
atingir o seu objectivo trimestral de vendas e, simultaneamente, refere que não possui alternativas,
está provavelmente a falar verdade. De igual modo, e descontando eventuais atropelos à ética, um
negociador que apresenta provas escritas da existência e do valor de alternativas à negociação,
está a revelar indirectamente o seu ponto de resistência.
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Influenciar a percepção do valor do ponto de resistência


Na ausência de informações fidedignas sobre o ponto de resistência da outra parte, o negociador
pode, todavia, tentar alterá-lo, influenciando o modo como o oponente o percepciona. Numa obra de
referência incontornável, Richard Walton e Robert McKersie43 destacam as condições principais que
podem conduzir à alteração do valor do ponto de resistência do oponente:
1. O ponto de resistência varia directamente com a utilidade subjectiva dos resultados negociais
para o oponente. Isto significa que quanto mais valor este lhes atribuir, mais exigente tenderá
a ser o ponto de resistência. Quer dizer que se o negociador convencer o oponente de que a
manutenção das suas propostas tem menor importância do que ele inicialmente lhes atribuiu,
poderá conseguir maior flexibilidade no ponto de resistência.
2. O ponto de resistência do oponente tende a variar inversamente com a estimativa dos custos
subjectivos dos da ruptura da negociação para o negociador. Quanto mais o negociador
conseguir convencer o oponente de que não possui urgência no acordo e de que os custos
da ruptura são baixos, menos exigente tenderá a ser o ponto de resistência.
3. Pela mesma razão, quanto mais o negociador convencer o oponente de que os custos da
ruptura o lesam, maior a propensão para amenizar o grau de exigência do ponto de
resistência.
4. O ponto de resistência do oponente varia inversamente com a utilidade subjectiva dos
possíveis resultados para o negociador. Em consequência, se este conseguir alterar esta
percepção no interlocutor o valor do ponto de resistência variará de igual modo. Por exemplo,
o negociador pode mostrar interesse em itens negociais diferentes daqueles que são objecto
da estimativa do oponente levando este a criar um ponto de resistência menos exigente.

Como se depreende das proposições anteriores, as tácticas para concretizar a influência sobre o
ponto de resistência da outra parte assentam em manobras destinadas a alterar a percepção do
valor atribuído pelas partes aos itens e aos resultados negociais possíveis. Estas manobras agem
ao nível da informação disponível gerando ambiguidade e incerteza quer na percepção do valor
conferido pelo oponente a os resultados possíveis esperados pelo próprio, quer nas estimativas a
respeito das estimativas do oponente quanto à importância dos resultados para o negociador.
Vejam-se, por exemplo, quatro argumentos típicos de apoio a estas manobras44 p. 60:
 «Penso que você não está assim tão convicto acerca dos aspectos que apresentou»;

 «Creio que a greve vos irá custar mais do que vocês querem admitir»;

 «Apesar das vossas afirmações, creio que a greve não terá grandes custos»;

 «Estou muito convicto acerca deste assunto, ao contrário do que vocês afirmam».

Conhecer a MAPAN
Em situação de incerteza acerca do valor do ponto de resistência do oponente, o ponto de
referência do negociador é a sua MAPAN. Como vimos antes, sendo esta baseada em dados
objectivos e verificáveis, constitui um importante apoio para ponderar com segurança a aceitação ou
a recusa de propostas, na medida em que estabelece uma fronteira entre as opções de ruptura ou
de continuidade da negociação. Alguns negociadores tendem a revelar a sua MAPAN durante a
negociação como putativa táctica de ameaça. Na verdade, tal procedimento é contra produtivo: a
outra parte ficará imediatamente ciente do valor aproximado do ponto de resistência e tentará firmar
propostas próximas desse valor, reduzindo a ZAP ao mínimo e retirando espaço de manobra ao
negociador.
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Obter informação sobre a MAPAN do outro constitui uma vantagem substancial em ambiente
competitivo mas, durante a negociação, revela-se uma tarefa tão difícil como conhecer o seu ponto
de resistência. Todavia, fontes indirectas como relatórios, concorrentes ou a Internet podem
providenciar antecipadamente algumas pistas quanto às alternativas do oponente. Dada a relação
estreita entre o ponto de resistência e a alternativa a um acordo negociado, o negociador que tem
acesso a informação sobre a MAPAN da outra parte possui uma informação preciosa mas,
compreensivelmente, difícil de obter uma vez que esta é considerada reservada. Quando detêm
essa informação os negociadores tendem a sobrevalorizá-la ao determinarem a primeira proposta,
secundarizando as informações de mercado e considerações de justiça relativa45.

Primeira proposta
Apesar de persistir em muitos negociadores a crença de que vale a pena deixar a outra parte
apresentar a primeira proposta, toda as evidências empíricas mostram que tomar a iniciativa neste
domínio confere uma vantagem importante. Como vimos antes, ao analisarmos os passos da
preparação da negociação, a primeira proposta gera um efeito de ancoragem, conduzindo a outra
parte a ajustar as suas contrapropostas ao valor inicialmente apresentado pelo negociador e
permitindo-lhe assumir o controlo da condução do processo negocial.
Em contexto distributivo, para além de tomar a iniciativa, o negociador tende a fazer uma
primeira proposta de valor exagerado em relação ao seu objectivo. Vários estudos confirmam que as
partes que assim procedem têm probabilidade de obter ganhos mais elevados46. Uma proposta de
abertura exigente deixa espaço de manobra ao negociador e a justificação da provável recusa por
parte do interlocutor pode ser rica em informações indirectas sobre as suas preferências e prio-
ridades. Por outro lado, esconde pistas sobre o seu ponto de resistência e assinala implicitamente
ao oponente que terá de fazer mais concessões do que tencionava. Todavia, se o valor da proposta
é substancialmente exagerada e, sobretudo se o oponente obteve informação credível para fixar o
seu objectivo, existe o perigo da proposta ser sumariamente rejeitada.
Quando o negociador faz uma proposta que é imediatamente aceite pela outra parte, tende
usualmente a sentir-se desconfortável, apesar de ter aparentemente conseguido o acordo que
queria. Este desconforto indica que o negociador sucumbiu à maldição do vencedor47. Se a primeira
proposta é aceite de imediato isso pode significar que foi demasiado generosa o que é tanto mais
provável quanto mais incerta e escassa é a informação sobre o valor dos recursos em disputa.

Dinâmica das concessões


A maioria dos negociadores espera fazer concessões durante a negociação. Trata-se de uma
expectativa natural: sem concessões não existiriam negociações. Por norma, existe igualmente
expectativa de reciprocidade, isto é, espera-
-se que as concessões próprias sejam correspondidas por concessões da outra parte. A
reciprocidade estende-se à amplitude das cedências: se o negociador faz uma concessão
importante, a expectativa é a de que a contraproposta do oponente possua valor equivalente.
Os negociadores mais avisados tentam preparar estas trocas, antecipando a amplitude e a
natureza das suas cedências, relacionando-as com as contrapartidas possíveis a pedir. Todavia,
sem alguma informação sobre os limites, prioridades e preferências da outra parte, dificilmente esta
matriz de previsões de concessões versus contrapartidas pode ser aplicada de forma linear durante
a interacção. Uma das consequências mais importantes do processo de troca de concessões é,
justamente, a de permitir a troca indirecta de informações sobre o valor que cada parte atribui aos
itens negociais. Por outro lado, a forma e o conteúdo das concessões conduzem os negociadores a

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inferir as intenções e interesses da outra parte. De um modo geral, dois aspectos parecem ser
decisivos neste processo: o padrão e a amplitude das concessões.
No que respeita ao padrão de concessões, por exemplo, um negociador que faz concessões
frequentes indica que estará provavelmente mais disponível para um acordo modesto do que outro
que apenas faz concessões ocasionais. Ou ainda, um negociador que, após algumas concessões
iniciais, se mantém inamovível nas suas propostas assinala a proximidade do seu ponto de resis-
tência e veicula a ameaça implícita de abandonar a mesa.
Uma outra consequência do padrão de troca de concessões consiste no fornecimento de
informação acerca da forma como o negociador percepciona o seu oponente. Por exemplo, um
negociador que após apresentar propostas iniciais firmes, suaviza as suas exigências de forma
contingente com as cedências da outra parte pode estar a passar a imagem de um interlocutor de
convicções sólidas mas fiável e flexível48.
A amplitude das concessões possui igualmente um efeito importante no desenrolar da
negociação. Muitos negociadores parecem crer que ao fazerem concessões generosas no início da
negociação (como «sinal de boa vontade») estarão a convidar a outra parte a reciprocar, facilitando
o caminho para o acordo. Todavia, se este gesto não for correspondido com uma cedência de
amplitude semelhante, o negociador coloca-se numa situação de desvantagem de difícil
recuperação. Por isso, a amplitude das concessões deve estar associada ao momento da interacção
em que ocorrem. Os negociadores mais eficazes tendem a usar a estratégia dita de «chapéu
preto/chapéu branco» ou seja, começam por concessões de fraca amplitude e, posteriormente, à
medida que observam reciprocidade da outra parte, vão oferecendo concessões mais amplas49.

Compromissos, ameaças e últimas propostas


«Se não ceder na questão dos descontos, teremos que procurar novo fornecedor!» Eis uma
afirmação vulgar que podemos encontrar no quotidiano das negociações em ambiente competitivo.
Quem a utiliza estabelece um compromisso e fixa uma «posição negocial com um propósito implícito
ou explícito a respeito do curso futuro da acção»50.Este empenhamento vigoroso surge aos olhos do
outro como pedido ou como ameaça, dependendo do grau relativo de firmeza ou de flexibilidade. As
afirmações de compromisso podem, contudo, envolver promessas: «Se aceitarem este tecto
salarial, concordamos em rever a questão dos prémios dentro de seis meses». Da sua natureza
decorre a necessidade de acção. Uma ameaça ou uma promessa não cumprida desacredita
drasticamente o negociador que a estabeleceu. Mas se a outra parte atribui credibilidade ao
compromisso e o aceita, constitui um contributo poderoso para a solidez do possível acordo.
Vincular-se a compromissos solenes consiste em trocar «flexibilidade por certeza na acção»51 e
pode, por isso, revelar-se uma faca de dois gumes: uma vez anunciada a intenção, qualquer recuo
coloca o negociador em posição de fraqueza. A gravidade do recuo é tanto maior quanto mais a
afirmação de compromisso é específica, anunciada em público e envolve aliados como suporte.
Quando o negociador que usou a afirmação de compromisso reconhece a necessidade de recuo
poderá socorrer-se de um plano de contingência. Por exemplo, poderá prever uma retirada
prematura que evite a passagem à acção ou abandonar o compromisso deixando de mencioná-lo,
mas, neste caso, dificilmente poderá retomar a negociação no mesmo plano.
Se o uso fundamentado do compromisso pode ser útil, já o bluff com um falso compromisso,
percebido pelo oponente como ultimato, pode revelar-se desastroso. Para além de considerações
éticas, fazer uma falsa «última proposta» pode, em caso de recusa firme da outra parte, conduzir o
negociador a um comportamento de ruptura unicamente ditado pela necessidade de parecer
consistente não só para a outra parte mas também para si próprio. Este processo enquadra-se no
fenómeno da escalada irracional de compromisso52 no qual o indivíduo insiste em prosseguir um

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curso de acção que se revela negativo e que, apesar de lesar realmente os seus interesses, satisfaz
o desejo de consistência, particularmente quando este é exacerbado pela necessidade de salvar a
face.

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Poder, tácticas e ética na negociação distributiva

Poder na negociação
O poder na negociação é determinado, antes de mais, pelo grau relativo de interdependência
das partes. Se a parte A depende da parte B para atingir os seus resultados negociais e se B não
depende ou depende menos de A, o poder na negociação tende a ser estruturalmente favorável a B.
A dependência assenta no controlo dos resultados: a parte mais poderosa é a que possui mais
controlo sobre os resultados desejados pela outra. Nos estudos clássicos sobre a questão do
controlo de recursos importantes, como espaço, tempo ou dinheiro, sendo determinantes para a
capacidade de recompensa ou de punição detida por cada parte, constituiria o principal suporte do
controlo de resultados53. Contudo, a literatura mais recente assinala consensualmente a importância
das alternativas que cada negociador possui. Provavelmente, uma MAPAN robusta constitui a fonte
mais importante do poder negocial. A posse de alternativas atraentes afecta o poder na medida em
que o negociador não se sente compelido a chegar a acordo. A ruptura eventual é encarada com
normalidade sempre que o esboço de acordo é avaliado como menos atractivo do que as
alternativas54.
Para além do valor relativo da MAPAN de cada negociador, outras fontes contribuem para o
poder na negociação como, por exemplo, a autoridade formal associada à posição estrutural na
organização55. A informação constitui também um forte apoio ao poder negocial uma vez que
permite ao negociador organizar argumentos para apoiar as suas posições e colocar objecções
fundamentadas às posições do oponente. Porém, as relações de poder negocial são dinâmicas e
raramente determinadas por uma fonte única. Por exemplo, um comprador que «pesa» fortemente
no volume de negócios de um seu fornecedor dispõe de aparente poder nas negociações com este
parceiro já que a relação de dependência lhe é favorável. Porém, se os bens ou serviços
negociados acarretam um alto grau de especificidade e/ou são raros, então, a relação de poder
tende para o equilíbrio. Este será reforçado se o fornecedor desenvolver uma MAPAN forte como,
por exemplo, conseguir um comprador alternativo com a mesma dimensão.

Tácticas e ética
Em contexto distributivo, as tácticas apoiam-se, na sua maioria, em manobras destinadas a
incrementar o poder negocial, tentando alterar percepção que a outra parte possui da relação de
poder. Este esforço assenta no uso persuasivo da informação para alterar as opiniões, percepções e
posições da outra parte. Assim, os negociadores procuram defender o valor e a razoabilidade das
suas propostas ou a impossibilidade de fazerem mais concessões. Por outro, esforçam-se por
alterar as crenças da outra parte acerca dos seus próprios objectivos, tentando mostrar que as
concessões pedidas são menos importantes do que ela pensa. A maior parte das tácticas baseia-se
nos princípios da influência, utilizando duas vias principais56: argumentos lógico-racionais apoiados
em factos ou indicadores aparentemente mais superficiais, tais como referências à credibilidade
pessoal ou apelos emocionais e motivacionais.
Dada a importância das tácticas na negociação distributiva, muitos negociadores são tentados a
fazerem uso de manobras eticamente dúbias. Para além da distorção deliberada de informação, as
tácticas consideradas eticamente indesejáveis incluem as tentativas de corromper a reputação do
oponente junto dos seus constituintes, promessas ou ameaças falsas e a obtenção de informação
sobre a outra parte por meios ilícitos57.
Algumas tácticas situam-se numa frágil fronteira entre a persuasão e a distorção deliberada de
informação e ocorrem frequentemente sem que as pessoas questionem a sua validade ética. Um
exemplo claro desta situação é a chamada mistificação dos itens de interesse comum. Com maior
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frequência do que se julga, as partes possuem preferências idênticas em alguns itens negociais. Por
exemplo, negociando as condições de admissão com um empregador, um candidato a um posto de
trabalho deseja entrar em funções o mais cedo possível tal como o empregador tem urgência em
substituir o lugar vago. Quando uma das partes se apercebe da existência de completa
compatibilidade com a outra parte num item negocial específico, pode mistificar a sua preferência
com a finalidade de obter mais contrapartidas em troca de falsas concessões. Neste exemplo, o
empregador pode simular a falta de urgência na admissão do candidato para mais tarde «ceder» na
data de entrada em funções em troca de uma moderação salarial. Esta distorção deliberada da
informação sobre o valor dos assuntos negociais de interesse comum ocorre espontaneamente em
28% dos participantes «ingénuos» (estudantes universitários) de uma tarefa experimental de
negociação58.
Como se explica que pessoas que se consideram honestas usem e considerem admissíveis
procedimentos como estes? Dado que ética resulta de uma encruzilhada complexa de normas
culturais e interpessoais, é elevada a probabilidade de existir uma zona «cinzenta» na qual os
factores contextuais afectam o modo como o indivíduo avalia e julga a aceitabilidade de
procedimentos cujas rejeição ou aceitação social aparecem como ambíguas. Assim, a pesquisa
mostra que os negociadores tendem a considerar justificado o uso de tácticas eticamente dúbias
sempre que acreditam que a outra parte também as irá utilizar59. Por outro lado, as pessoas tendem
a julgar de forma mais permissiva a ética dos comportamentos negociais sempre que estes as
favorecem pessoalmente ou quando beneficiam pessoas a que estão ligadas por uma identidade
social comum60. Uma vez que em diferentes organizações parecem existir diferentes climas éticos61,
é igualmente provável que os negociadores adoptem as normas de julgamento ético das
organizações a que pertencem. Por exemplo, o comportamento dos responsáveis hierárquicos pode
servir de referência e de modelo, contribuindo para determinar as crenças dos negociadores acerca
do que é condenável ou aceitável para atingir os objectivos negociais da organização.
A complexidade da interacção de factores que determina os comportamentos éticos na
negociação torna difícil o estabelecimento de orientações prescritivas específicas neste domínio.
Afinal, como sublinha Leigh Thompson62, dado que o que conta na relação negocial é a percepção
do oponente e não o julgamento do negociador, a «regra de ouro» é colocar-se no lugar do outro:
«não faças aos outros aquilo que não gostarias que te fizessem a ti». Todavia, é possível efectuar
um escrutínio pragmático às práticas que envolvem tácticas ambíguas do ponto de vista ético.
Assim, pode recomendar-se aos negociadores que actualmente as utilizam que considerem três
questões pertinentes para decidirem do seu uso em situações futuras63:
 Estas tácticas ampliam verdadeiramente o poder do negociador e ajudam-no a atingir os seus
objectivos?
 De que modo o seu uso afecta a relação futura do negociador com o oponente?

 A reputação do negociador será negativamente afectada pelo seu uso?

Sabendo-se que, na vida organizacional, cada vez mais a interdependência é regra, as


negociações desenvolvem-se de forma continuada e os oponentes de hoje são os parceiros de
amanhã. Um negociador avisado não deixará de ter isso em conta na hora de fazer opções tácticas.

Conclusão

Em síntese, as competências do negociador integram fundamentalmente três áreas distintas mas


interligadas: as estratégias, as tácticas e a comunicação interpessoal. A dimensão relacional da
negociação, apesar da sua importância, não parece, por si só, determinar a eficácia negocial. Muitas
negociações em contexto organizacional constituem tarefas complexas do ponto de vista cognitivo,
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requerendo um exercício de organização racional de dados, através da recolha e análise de


informação sobre os itens negociais e as características da outra parte.
A preparação cuidada das negociações, incluindo a antecipação de várias hipóteses de
propostas, contribui para a flexibilidade negocial e pode favorecer a descoberta de zonas de acordo
em que seja possível a maximização dos ganhos das partes envolvidas, através de uma abordagem
integrativa. Esta envolve uma orientação de resolução de problemas com vista a encontrar soluções
de acordo possível que maximizem o ganho conjunto dos negociadores.
Quanto maior a possibilidade de construir configurações negociais com múltiplas alternativas e
quanto mais o negociador desejar preservar as relações futuras com a outra parte, mais adequada a
escolha de uma estratégia integrativa.
O emprego de estratégias e tácticas distributivas é inevitável em dois conjuntos de situações:
quando a negociação apresenta uma estrutura dominada por preferências claramente antagónicas e
quando, após terem esgotado o potencial integrativo, os negociadores necessitam de dividir o
«bolo» negocial. Sobretudo em situações de assimetria de poder, as tácticas distributivas envolvem
frequentemente procedimentos questionáveis do ponto de vista ético os quais podem afectar
negativamente a relação futura com a outra parte.
De um modo geral, os negociadores precisam de obter ou desenvolver competências que podem
integrar-se em duas categorias bem amplas. Por um lado, exige-se-lhes o domínio de
procedimentos, estratégias e comportamentos que lhes permitam criar valor através da descoberta,
e muitas vezes da invenção criativa, de formas integrativas de compatibilizar os interesses das
partes envolvidas, de modo vantajoso para todas. Por outro, precisam de adquirir competências
para dividir valor de maneira a satisfazer maximamente os interesses próprios. Ponderar o uso
equilibrado e adaptativo das competências negociais para conseguir estes dois grandes propósitos
constitui a base da sabedoria negocial, ou seja, de uma forma «iluminada» de encarar a cooperação
e a competição entre indivíduos e grupos.

NOTAS
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NOTA IMPORTANTE: a presente versão destina-se única e exclusivamente a uso pessoal dos alunos de “Gestão de Conflitos e Negociação” da Licenciatura em Gestão de Recursos

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NEGOCIAR 21

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NOTA IMPORTANTE: a presente versão destina-se única e exclusivamente a uso pessoal dos alunos de “Gestão de Conflitos e Negociação” da Licenciatura em Gestão de Recursos

Humanos do ISCTE-IUL

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