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Unidade II

Unidade II
5 O SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

Um governo financia seus gastos orçamentários predominantemente via cobrança de tributos. De


maneira complementar, financia suas ações via contratação de dívida, lançamento de título ou mesmo
proposta de arrecadação extra.

Dessa maneira, tem‑se um conceito bastante usado no tema: a carga tributária. Ela indica a
arrecadação tributária sobre o produto ou a renda nacional de um país.

Tributos
Carga tributária =
(PIB, PNB)

Por tributos, pode‑se considerar:

Tributos = Impostos + Taxas + Contribuições de melhoria + Contribuições sociais e econômicas

O Código Tributário Nacional de 1966 e a Constituição Federal de 1988 dispõem dessa composição
de tributação. Decompondo esses tributos, tem‑se:

• Impostos: contribuições compulsórias instituídas e cobradas pelo Estado para financiar suas ações.
Esse tipo de tributo não pressupõe ressarcimento ou contrapartida direta para o contribuinte
mediante oferta de serviços ou concessão de benefício pelo Poder Público.

• Taxas: contribuições para que o Estado realize sua função de fiscalizar ou ofertar um serviço
público à comunidade. Elas podem ser regulatórias ou remuneratórias. No primeiro caso, elas
buscam impedir, restringir ou regular as atividades que afetam a vida e o interesse da população,
por exemplo, licenças concedidas para a abertura de um estabelecimento comercial ou industrial,
autorizações para edificações, posse ou porte de arma. No segundo caso, elas são cobradas quando
o setor público oferece um serviço à comunidade que envolve custo, portanto os usuários diretos
arcam com esse custo. Por exemplo, serviços de iluminação pública, coleta domiciliar de lixo,
conservação da pavimentação.

• Contribuições de melhoria: cobradas para que o Estado realize obras em beneficio da população
residente de uma área ou região, por exemplo, pavimentação de ruas, construção de sistemas
viários, calçamento; têm sido substituídas pelas taxas.

• Contribuições sociais e econômicas: objetivam financiar o Estado de bem‑estar social.

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A partir da tabela a seguir, é possível verificá‑las no Brasil.

Tabela 1 – Contribuições sociais e econômicas no Brasil

Contribuições Ano de instituição


Contribuição previdenciária 1964
Salário‑educação 1964
Sistema S 1942
FGTS 1967
PIS/Pasep 1970‑1971
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) 1989
Finsocial/Cofins 1982‑1991
IPMF/CPMF 1994‑1996
Cide‑Combustíveis 2001

Fonte: Oliveira (2009, p. 176).

A contribuição previdenciária financia todo o Sistema de Seguridade Social, que é composto por
Previdência Social, Saúde, Assistência Social e Seguro‑desemprego (este tem financiamento próprio
via Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT). O salário‑educação está voltado para financiar o Ensino
Fundamental, e o FGTS, para habitação popular e saneamento. O Sistema S está voltado para financiar
atividades de ensino e apoio técnico do setor privado.

Teoricamente, um sistema tributário está fundamentado em dois princípios: a neutralidade e a equidade.


A neutralidade exprime a não interferência nas decisões de alocação de recursos via mercado. Além disso,
a tributação deveria garantir a equidade na repartição da carga tributária, ou seja, o imposto ideal deveria
ser justo para assegurar uma distribuição equitativa do ônus do pagamento de tributos.

A Constituição Federal de 1988 proibiu a criação de impostos de incidência cumulativa (em cascata),
ao mesmo tempo que garantiu, por se tratar de um país de organização federativa, que todo novo
imposto criado, cuja competência passou a ser exclusiva da União, deve ter 20% de sua arrecadação
destinados para os governos subnacionais – estados e municípios (art. 157, inciso I).

De acordo com Oliveira (2009), a discussão sobre a tributação envolve a questão da distribuição da
renda sob os seguintes aspectos:

• funcional: quanto da renda do setor privado se transforma em lucros ou salários;


• pessoal: porcentagem de renda em cada percentil da população;
• regional: divisão entre as diversas unidades do país;
• governo versus setor privado: parcela da renda apropriada pelo governo;
• corte federativo: divisão dos recursos entre União, estados e municípios.

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Os tributos podem ser classificados em categorias, da seguinte forma:

• impostos sobre o patrimônio (riqueza):


— incidem sobre o estoque acumulado de capital;

• impostos sobre a renda:


— incidem sobre os fluxos anuais de rendimento;

• impostos sobre vendas de mercadorias e serviços:


— cobrança sobre o produtor e o consumidor;
— base de cálculo da operação – valor adicionado ou total da transação.

Outra maneira de classificar os impostos é a partir do contribuinte:

• impostos diretos: é o contribuinte que arca com o ônus do pagamento, não podendo transferir
a terceiros:
— imposto sobre a renda ou o patrimônio;
— podem ser progressivos.

• impostos indiretos: o contribuinte pode transferir total ou parcialmente o ônus do pagamento a


terceiros; incidem sobre a renda gasta:
— imposto sobre a produção e o consumo de mercadorias e serviços;
— tendem a ser regressivos;
— IPI, ICMS.

Tabela 2 – Brasil: impostos diretos

Contribuições Ano de instituição


Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR) 1922
Propriedade Territorial Rural (ITR) 1891‑1934
Propriedade Territorial Urbana (IPTU) 1891‑1934
Grandes Fortunas (IGF) 1988
Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCD) 1891‑1988
Transmissão de Imóveis Inter Vivos 1934‑1988
Propriedade de Veículos Automotores 1986

Fonte: Oliveira (2009, p. 191).

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Tabela 3 – Brasil: impostos indiretos

Contribuições Ano da instituição


Importação (II) 1808
Exportação (IEx) 1818
Produtos Industrializados (IPI) 1966
Operações Financeiras (IOF) 1966
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) 1923‑1988
Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) 1891‑1966

Fonte: Oliveira (2009, p. 197).

Há, ainda, outra classificação em virtude da incidência e do comportamento em relação ao nível de


renda dos contribuintes:

• imposto regressivo: relação inversa ao nível de renda do contribuinte, penalizando os


contribuintes de menor poder aquisitivo (renda);

• imposto progressivo: relação positiva com o nível de renda, aumentando a participação


do imposto conforme aumenta a renda. Justiça fiscal;

• imposto proporcional: não altera a estrutura da distribuição de renda. O ônus do tributo é


idêntico, em termos relativos, para níveis diferenciados de renda;

• sistema tributário e equidade: sistema progressivo (após a cobrança de impostos, há uma


melhoria na estrutura da distribuição de renda); sistema regressivo (quando piorar); e sistema
proporcional (quando a distribuição ficar intacta).

Historicamente, o sistema tributário brasileiro pode ser caracterizado da seguinte maneira:

• De 1889 a 1930:

— arrecadação centralizada na União e nos estados;

— principal receita: imposto sobre as importações. O imposto sobre as exportações é de arrecadação


estatal, e o imposto sobre a indústria e profissões, de arrecadação municipal.

• Constituição de 1934: predomínio dos impostos sobre produtos. Limitação do imposto sobre
exportações.

• Constituição de 1946: aumento da receita tributária nos municípios; institucionalização de um


sistema de transferência de impostos entre os entes da federação.

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• Reforma de 1964:

— objetivos: solucionar o problema do déficit fiscal e dotar a estrutura tributária dos meios
necessários para apoiar e estimular o crescimento econômico; melhorar qualitativamente o
efeito alocativo dos tributos; centralização de recursos;

— proposta: criar a tributação sobre o valor agregado (em vez do “em cascata”) em relação aos
impostos cumulativos;

— dois impostos sobre o valor agregado: imposto sobre produtos industrializados (IPI) (União) e
imposto sobre circulação de mercadorias (ICM, depois ICMS) (estados).

— categorias de impostos: imposto sobre comércio exterior; impostos sobre patrimônio e renda;
impostos sobre produção e circulação; e impostos únicos. Receitas extraorçamentárias.

• Criação dos fundos de participação FPE (estados) e FPM (municípios): compensação para as
esferas estaduais e municipais, dada a perda da capacidade de arrecadação.

• 1970: criação do PIS (Programa de Integração Social), financiado por uma contribuição mensal
sobre o faturamento das empresas; e do Pasep (Patrimônio do Servidor Público), financiado pela
contribuição mensal de entidades de natureza pública.

• Constituição de 1988: criação de contribuições (Contribuição sobre o Lucro Líquido: CSLL),


substituição do Finsocial pela Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins),
aumento da alíquota do IOF, criação do IPMF/CPMF, criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF).

Considerando essas questões normativas, é importante analisar a evolução da carga tributária brasileira.

• 1946‑1958: crescimento lento da carga tributária de 13,8% a 18,7% do PIB.

• 1960: redução da carga tributária para 15,8% do PIB.

• Reforma dos anos 1960‑1980: dados o problema da falta de equidade e o alto grau de
centralização, a carga tributária avançou para 25% do PIB.

• Meados dos anos 1980: carga tributária entre 23% e 24% do PIB, exceto em 1987 (Plano
Cruzado), quando atingiu 27% do PIB.

• Anos 1990: início (Plano Collor) e pós‑Plano Real, 30% do PIB. Interregno: retorno ao patamar
dos anos 1980.

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Graficamente, é possível verificar essa evolução ascendente, feita a partir de dados do IBGE:
36%
34%
32%
30%
28%
26%
24%
22%
20%
18%
16%
14%
12%
1947
1950
1953
1956
1959
1962
1965
1968
1971
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
2004
2007
2010
Figura 20 – Evolução da carga tributária brasileira (em % PIB)

Ao longo dos anos, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, período considerado de ouro
do capitalismo, houve maior intervenção do Estado na economia, no que ficou conhecido como política
keynesiana. No caso brasileiro, seguindo a tendência mundial, também houve essa maior participação do
Estado na economia. O resultado disso foi uma crescente carga tributária que, entre 1960 e 1970, teve
uma aceleração mais intensa desse aumento. O aumento coincide com o período de elevado crescimento
econômico brasileiro em plena ditadura militar, conhecido como o milagre econômico (1968‑1972), o
que explica, em parte, o aumento da carga tributária.

Observação

Era de Ouro (Golden Age) do capitalismo compreendeu o período


entre o fim da Segunda Guerra Mundial e meados dos anos 1970. Esse
período ficou marcado como uma época espetacular para o crescimento
econômico e para a reconstrução dos países, principalmente Europa
e Japão. Foi nesse momento que houve a formulação do estado de
bem‑estar social (welfare state).

Durante a década de 1980, a carga manteve‑se oscilando, mas sem divergir de uma tendência
crescente. Esse período é compreendido na história econômica como a década perdida, quando a
inflação arrasou o país e a economia brasileira não cresceu.

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No início dos anos 1990, especificamente até a implementação do Plano Real, a carga tributária
oscilou ainda, em parte, por conta da inflação elevada. Após o Plano Real, essa carga volta a se equilibrar
concomitantemente com a estabilização dos preços da economia, mantendo uma tendência de aumento ao
longo dos anos. Nos anos 2000, houve novamente um salto na carga tributária. Segundo Afonso, Soares e
Castro (2013, p. 12):

Em 2010, a carga tributária bruta global chegou à marca de 34,19% do


PIB – a quinta maior marca na história do país, menor apenas que as cargas
tributárias registradas no período 2005/2008. Tal patamar de arrecadação
representou um volume monetário de R$ 1.289 bilhões. Em termos per
capita, a tributação daquele ano representou um ônus de R$ 7.022,30
para cada brasileiro. Na média, cada residente no país teve que trabalhar
aproximadamente 125 dias do ano (365 dias), apenas para pagar a tributação
imposta pelo Poder Público.

A seguir, é apresentada a carga tributária por base de incidência:

Tabela 4 – Arrecadação tributária global por base de incidência – 2010

Arrecadação total % do total % PIB R$ per capita


(R$ bilhões) arrecadado

Global 1.288,97 100,0 34,19 7.022,30


Mercadorias, serviços e bens 579,76 44,98 15,38 3.158,53
Produção e vendas em geral 520,96 40,42 13,8 2.838,17
Produção e vendas específicos 41,27 3,20 1,1 224,83
Serviços públicos 17,54 1,36 0,5 95,53
Salários 334,39 25,94 8,87 1.821,77
Empregados, servidores, autônomos 60,71 4,71 1,6 330,75
Empregadores 261,63 20,30 6,9 1.425,36
Outros 12,05 0,93 0,3 65,65
Renda e ganhos 240,12 18,63 6,37 1.308,18
Famílias 91,16 7,07 2,4 496,66
Empresas e acionistas 148,40 11,51 3,9 808,49
Outros 0,56 0,04 0,0 3,03
Transações financeiras 51,48 3,99 1,37 280,48
Patrimônio 45,92 3,56 1,22 250,19
Comércio internacional 21,14 1,64 0,56 115,15
Outras receitas 16,15 1,25 0,43 88,00

Fonte: Afonso; Soares e Castro (2013, p. 12).

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Um dos problemas da carga tributária é a concentração da receita em poucas fontes. O item


Mercadorias, Serviços e Bens corresponde a quase metade de toda a arrecadação, ou seja, 45% do
total da tributação. Isso significa que aproximadamente 15,38% do PIB nacional foram pagos em
tributos indiretos e que cada residente pagou, em média, R$ 3.158,53 de tributos em 2010 apenas
para consumir bens e serviços. Especialistas da área explicam que essa tributação é injusta, pois
a alíquota cobrada não é aplicada de maneira diferenciada, a depender da renda do consumidor,
portanto um indivíduo que ganha um salário mínimo paga a mesma alíquota que um indivíduo que
recebe vinte salários mínimos.

Considerando que praticamente metade da carga tributária é composta por esse tipo de tributo,
pode‑se caracterizar a tributação brasileira como regressiva. Os sistemas tributários mais avançados
são compostos por tributos diretos e não indiretos. Ademais, além dessa dicotomia entre tributos
diretos e indiretos, a tributação incide sobre a produção e a circulação de bens e serviços, onerando‑as.
Vale destacar os tributos sobre exportações e investimentos produtivos, incentivando as importações,
tornando complexo o processo tributário, gerando maior custo de compliance no mundo, bem como a
incidência desigual sobre contribuintes iguais, a regressividade já citada, entre tantas outras distorções,
como a competitividade e a equidade.

Tomando as duas principais fontes de impostos diretos, o total é de 22,16% do total de arrecadação
(imposto sobre renda e ganhos e sobre patrimônio), o que equivale a 7,59% do PIB. Veja que esse é
mais um elemento para reforçar a caracterização de que o sistema tributário brasileiro é regressivo,
sobrecarregando os mais pobres e aliviando os mais abonados, o que prejudica a possibilidade de usar
a política tributária como mecanismo de distribuição de renda (Afonso; Soares; Castro, 2013).

Saiba mais

Diante da crise econômica recente, há uma discussão sobre como


recuperar a capacidade de arrecadação tributária sem que haja oneração
sobre a produção e sobre o consumo. A proposta de taxar as grandes fortunas
ganhou espaço na discussão, como é possível ver nos textos a seguir:

MORTARI, M. Imposto sobre grandes fortunas volta à discussão: projeto


estima ganhos de R$ 12,7 bi. InfoMoney, 28 ago. 2015. Disponível em:
https://cutt.ly/EwkMIIOs. Acesso em: 28 nov. 2016.

TRUFFI, R. Imposto sobre grandes fortunas renderia 100 bilhões por ano.
Carta Capital, São Paulo, 3 mar. 2015. Disponível em: https://cutt.ly/pwkMAZG3.
Acesso em: 28 nov. 2016.

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Caso ainda existam dúvidas de como essa incidência ocorre nos países, veja a seguir que, entre os
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil está muito
acima da média em impostos sobre mercadorias, serviços e bens (impostos indiretos) e abaixo em
impostos sobre renda e patrimônio (impostos diretos).
50%
45%
45%
40% 38%
33% 34%
35%
29%
30%
% do total

27% 26% 26%


25%
20% 19%

15%
10%
7%
5% 6% 4%
5%
1% 1%
0%
Rendas e ganhos Salários Patrimônio Mercadorias, Outros
serviços e bens
Média OCDE Média Avançados OCDE Brasil

Figura 21 – Participação das bases de incidência no total da carga tributária – 2010

Fonte: Afonso, Soares e Castro (2013, p. 20).

Outra caracterização do sistema tributário brasileiro importante é a divisão da arrecadação por


esfera do governo. Dados de 2010 apontam que 67,45% do total de arrecadação é feito pela União;
26,50%, pelos estados; e 6,05%, pelos municípios. Apesar de a Constituição Federal de 1988 ter
previsto a descentralização das contas, ainda a maior parte da arrecadação está sob domínio da união
(Afonso; Soares; Castro, 2013).

Uma das questões que recorrentemente aparecem é o tamanho da carga tributária. É comum
encontrar argumentos de pessoas que reclamam do excesso de pagamento de impostos. Dados
expostos em Levy (2015) apontam que a carga tributária média anual brasileira é US$ 403,00 per capita.
Graficamente é possível verificar que nossa carga tributária está longe de ser a maior do mundo; pelo
contrário, é a quinta menor das vinte maiores economias do mundo.

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$ 1.600
Germany
United
Kingdom France

Carga tributária per capita (int$ a.a.) United


$ 1.200 Italy states
Canada

Spain
Japan Australia
$ 800
Argentina Poland

Turkey
Brazil Russia
$ 400
Mexico Saudi Arabia
China
Indonesia
India Iran
$0
$0 $ 15.000 $ 30.000 $ 45.000 $ 60.000
PIB per capita (int$ a.a.)
Figura 22 – Carga tributária brasileira é US$ 403,00 a.a., 5ª menor do G20

Fonte: Levy (2015).

Lembrete

Veja que o conceito usado para comparar as cargas tributárias no


mundo é a arrecadação sobre o PIB. Este é o melhor indicador, pois o serviço
público não representa um custo variável e, portanto, não fica mais barato
quando o país se contrai. Como o governo realiza suas políticas econômicas
e sociais, quando a economia oscila, alguns gastos e despesas já estão
comprometidos, por isso é importante notar que se trata de um quociente.
Tributos
Carga tributária =
(PIB, PNB)

Em termos de arrecadação fiscal, Levy (2015) indica que:

Frequentemente, quando se aponta que mesmo percentualmente


a arrecadação fiscal brasileira não é alta comparada a estes países,
contra‑argumenta‑se que no Brasil paga‑se impostos escandinavos para
receber serviços públicos africanos. Há um truque retórico aí. É como se
quisesse dizer: “com serviços públicos assim, não vale a pena; prefiro não
pagar”. Então ao invés de melhorar a qualidade dos serviços públicos, fica
todo mundo sem, e cada um que se vire.

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Para dar um ar científico para o sofisma, aponta‑se para o IRBES (Índice de


Retorno de Bem‑Estar à Sociedade) do IBPT (Instituto Brasileiro de Pesquisa
Tributária). O índice é calculado como a soma de 85% do IDH e 15% da
arrecadação em percentual do PIB. O que se conclui disso? Praticamente
nada. Primeiro, quanto maior for a arrecadação fiscal, maior o retorno. Ou
seja, um país que tributa 80% do seu PIB e tem IDH igual a 0,1, tem melhor
“retorno” que um que tributa 10% e tem IDH de 0,2. Não faz o menor sentido.

Segundo, o IDH de um país tem muito mais a ver com a sua história do que
com a sua arrecadação fiscal, especialmente em percentual do PIB, uma
vez que já vimos que serviços públicos são custo fixo, não variável. O Brasil,
com sua história colonial, escravagista por 400 anos, a mais longa de toda
a América, tem uma enorme dívida social. Sem falar que tem dimensões
continentais, a 4ª maior população do mundo, e uma das mais diversas. Não
dá para comparar com país escandinavo de loiros com olhos azuis. Há muito
pouca correlação entre IDH e arrecadação fiscal, mas na pouca correlação
que há, o Brasil está perfeitamente em linha.

Para elucidar a noção do tamanho da carga tributária em comparação com o mundo, veja a seguir:
30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50
Denmark 49,0
Belgium 46,8
Sweden 45,8
France 44,6
Norway 43,6
Finland 43,6
Austria 43,4
Italy 42,6
Germany 40,6
Iceland 40,4
Netherlands 39,8
Slovenia 39,3
Hungary 39,1
United kingdom 39,0
Spain 37,3
Argentina 37,2
Portugal 37,0
Israel 36,8
Luxemburg 36,5
Czech Republic 36,3
New Zealand 34,5
Bulgaria 34,4
Brazil 34,4
Serbia 34,1
Poland 33,8

Figura 23 – Arrecadação fiscal (%PIB)

Fonte: Levy (2015).

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Diante desses dados e gráficos, a pergunta é: para onde vai o imposto que o cidadão brasileiro paga?
Para responder, veja que a figura a seguir é bastante ilustrativa:
Gasto público

Arrecadação 6,8 Benefícios do INSS

Em % do PIB
5,7 Juros da dívida
15,3 Consumo
ICMS 7,1
Cofins 3,9 Participação As despesas dos governos superam
IPI 1,0 por esfera de 5,3 Educação as receitas; só há superávit quando
ISS 0,8 governo não são contabilizados os juros de

$
Outros 2,5 3,9 Saúde dívida pública
19,3
7,6 Salários e lucros União
3,9 Previdência do servidor público
9,4
IPI
CSLL
6,2
1,4 Estados $ 2,1 Administração
1,2 Transportes
6,9 Previdência
(Contribuição ao $ 7,3
Municípios
1,1 Judiciário
0,8 Seguro‑desemprego e abono salarial
INSS e outros) 0,8 Defesa
0,6 Legislativo
2.0 Patrimônio 1% do PIB 0,6 Benefícios a pessoas idosas e pessoas com deficiência
IOF
IPVA
0,8
0,6
equivale a 0,4 Bolsa Família
IPTU 0,4 R$ 44 bi 5,3 Outras despesas
Outros 0,2
4,2 Outras receitas

Figura 24 – Arrecadação versus gasto público

Perceba que o maior gasto é com o sistema previdenciário. Esse resultado se dá pela ampliação dos
direitos sociais conquistados na Constituição de 1988 (ponto que será abordado mais adiante) e pelo
processo de envelhecimento populacional que a sociedade brasileira está vivendo. Veja que o segundo
maior gasto é com juros da dívida, ou seja, o pagamento de juros com os credores internacionais, o que
não beneficia o cidadão brasileiro, pelo contrário, retira recurso que poderia ser usado para qualquer
outra política, por exemplo, ampliação de investimentos produtivos para gerar emprego e renda.

No Brasil, após a crise do final dos anos 1990 e a implementação do Plano Real, os governantes
solicitaram ajuda financeira junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e assinaram um acordo
com essa instituição. Após 1999, por recomendação do FMI, os governos passaram a realizar políticas
fiscais de superávit primário. Essa política permite que os credores internacionais da dívida pública
brasileira sejam pagos, independentemente se o país cresce ou não, fazendo que, em caso de crise, como
atualmente, o país tenha de realizar cortes fiscais, gerando, por exemplo, retiradas de direitos sociais.

Política tributária como mecanismo para incentivar a economia

A crise americana do subprime, principalmente entre o início de 2007 e setembro de 2008, com a quebra
do Banco Lehman Brothers, acarretou uma estagnação econômica em diversos lugares do mundo, atingindo
inclusive o Brasil, de forma amena. Os principais efeitos percebidos internamente foram a redução do fluxo
de comércio internacional e as variações cambiais bruscas. Para estabilizar a economia, o governo brasileiro
adotou medidas anticíclicas, isto é, políticas monetária e fiscal. Neste último caso, um dos instrumentos
usados pelo governo foi o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Diminuições de alíquotas e até
mesmo isenção do imposto foram promovidas em setores como: de automóveis, eletrodomésticos, móveis
e construção civil. As medidas visavam manter a demanda interna (consumo das famílias) estimulada,
sustentando o crescimento do PIB. Além disso, com o agravamento da crise interna e internacional, outras

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medidas fiscais também foram tomadas, como a desoneração da folha de pagamento a partir de dezembro
de 2011. Essa medida atingiu cerca de 56 setores de atividade industrial (a maior parte), comercial, de
transporte e de serviços em setembro de 2015.

Apesar dessas medidas, o PIB brasileiro, em 2009, apresentou leve retração (‑0,13%), acusando que
as políticas internas não tinham sido suficientes para enfrentar os impactos da crise no país. A política
de desoneração de folha de pagamento visava estimular o investimento do empresariado, porém um
dos efeitos mais prejudiciais foi a queda na arrecadação tributária, gerando diversas dificuldades de
recuperação econômica. Em 2010, a economia se recuperou e apresentou um crescimento de 7,53% do
PIB, porém a crise interna estava só dando os primeiros sinais e, em 2015, a economia apresentou uma
retração de 3,8% do PIB.

Em diversos países, é possível observar os governantes usando a política fiscal como mecanismo de
ajuste econômico ou retomada de crescimento. Nos últimos anos, essas medidas têm se apresentado
ineficazmente em razão do tamanho da crise mundial. Lembrando que a crise de 2007‑2008 nos EUA foi
só a ponta de um iceberg, pois alguns países europeus sofreram severamente com a crise internacional,
especialmente Grécia, Portugal, Espanha e Itália.

5.1 O sistema federativo e o fenômeno da descentralização

Aqui serão abordados o sistema federativo e o fenômeno da descentralização. Existem diversas


maneiras de se organizar um país, e o objetivo é analisar como é possível administrar os recursos a partir
de tributação, repartição de receitas e execução de gastos, e também o poder, isto é, a responsabilidade de
cada ente federal – União, estados e municípios – na organização material. Historicamente esse debate
ganhou corpo desde o final dos anos 1970. Na Constituição Federal de 1988, ele foi reformulado.

Um dos pontos fundamentais a ser tratados é a descentralização das competências sobre as políticas
públicas para os níveis subnacionais de governo. No caso brasileiro, há uma tendência a municipalizar um
conjunto de políticas, com maior destaque para saúde e educação. Trata‑se de um processo complexo,
pois, conforme visto anteriormente, no Brasil, há uma concentração das receitas tributárias na União.
Portanto, a capacidade de geração de receitas municipais é altamente desigual, porque está relacionada
à função econômica da cidade, ao tamanho do município e à região geográfica do município. Após
os anos 1990, essa concentração de arrecadação na esfera federal de governo impôs uma série de
limites às possibilidades de ampliação dos gastos dos governos subnacionais. A reforma tributária da
década de 1960 estabeleceu um sistema tributário centralizador, o que permitia inclusive que a União
decidisse a alíquota de impostos das esferas subnacionais de governo e também as receitas dos estados
e municípios por meio do mecanismo de transferências. Assim, esse sistema federativo brasileiro feriu a
autonomia dessas esferas subnacionais no que se refere à geração de seus próprios recursos e também
no poder decisório sobre seus gastos, em virtude da proliferação do sistema de vinculação de receitas.

A Constituição de 1988 tentou reverter esse processo com a descentralização da capacidade de


geração de receitas. Porém, concomitante a isso, o que se viu desde então foi uma tendência de
reconcentração da capacidade de arrecadação tributária, que é desencadeada por uma convergência
de políticas públicas sob a responsabilidade das unidades subnacionais, principalmente dos
98
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

municípios. Desta forma, houve descentralização dos gastos em ensino, saúde, habitação, urbanismo
e segurança pública. A descentralização na área de educação ocorreu a partir da municipalização
do Ensino Fundamental.

Diante dessa discrepância, o que se examina é uma disputa entre União e governos subnacionais na
definição das competências do gasto e na repartição de receitas. Observa‑se um processo contraditório,
visto que, ao mesmo tempo que há uma recentralização de recursos, verifica‑se uma descentralização
dos encargos sociais envolvendo estados e municípios desiguais. Este fato se integra com a instituição
de mecanismos que levam ao engessamento dos gastos das unidades subnacionais, tais como as
negociações das dívidas das unidades subnacionais, a privatização dos bancos públicos estaduais e a Lei
de Responsabilidade Fiscal.

Esses elementos se configuram como dificuldades impostas ao pacto federativo, uma vez que a
solidariedade federativa vai dando lugar à concorrência entre estados, cidades e regiões. Segundo
Affonso (2000), o processo de revigoramento do federalismo brasileiro e da descentralização assumiu
um caráter inconcluso e conflitivo. Portanto, o autor chama a atenção para quatro aspectos centrais da
crise da federação:

• disputa entre Governo Federal, de um lado, e estados e municípios, de outro, na partilha de


receitas e definição de encargos;

• conflito entre estados e municípios para a atração de investimentos;

• dificuldades de revisão de competência, dada a grande disparidade regional;

• crise fiscal de estados e municípios.

A pergunta que poderia ser feita é: por que a necessidade de descentralizar?

Giambiagi e Além (2011) destacam as razões que justificam um processo de descentralização:

• Fatores econômicos

— alocação de recursos de forma mais eficiente;

— entre as esferas de governo, determinar aquela que administra de forma mais eficiente os
impostos, os gastos, as transferências, a regulação e outras funções públicas;

— o Estado executar sua função de alocativa;

— proximidade entre gestores e beneficiários das políticas públicas, o que tornaria melhor
a administração.

99
Unidade II

• Fatores culturais, políticos e institucionais

— favorecer maior integração social, uma vez que haveria uma proximidade entre indivíduos de
uma comunidade, bem como maior transparência nas políticas públicas, permitindo inclusive
maior liberdade individual;

— experiências internacionais apontam que a descentralização surgiu em oposição a sistemas


excessivamente concentradores de poder e recursos fiscais no nível de governo central ou nacional;

— permitiria maior participação política e desconcentraria o poder político.

• Fatores geográficos

— em países de grandes dimensões, torna‑se melhor e mais fácil os governos subnacionais


atenderem às demandas locais.

Há basicamente dois modelos de descentralização:

• Modelo do principal agente: supondo que haja algo parecido com um contrato entre o governo
central e os governos subnacionais na distribuição dos recursos, os governantes subnacionais
prestam contas para o Governo Central, e não necessariamente para os contribuintes, o que pode
acarretar uma falta de autonomia regional

• Modelo da eleição pública local: pressupõe uma maior autonomia dos governos subnacionais,
uma vez que as decisões são tomadas pelos cidadãos (reflexo do processo eleitoral). Para isso, é
necessário que os governos subnacionais financiem a maior parte de suas políticas, o que requer
uma descentralização de arrecadação. Uma crítica recorrente a esse modelo é a perda da unidade
nacional nas determinações das estratégias políticas.

Destaque

A tensão federativa nos anos 1990

A partir de meados dos anos 1990, houve uma reação do governo federal contra o
processo de descentralização de recursos. Nesse contexto, as demandas em favor do que
passou a ser denominado de “novo pacto federativo” se tornaram voz corrente no meio
político. A agenda de conflitos da segunda metade dos anos 1990 foi caracterizada pelos
seguintes pontos:

• Fundo de estabilização fiscal (FEF)

Esse fundo sucedeu o fundo social de emergência vigente entre 1994 e 1995, destinado
a diminuir temporariamente as vinculações constitucionais, entre outras a parcela
referente à cota‑parte de estados e municípios correspondente ao imposto de renda de
funcionários públicos das repartições federais. As sucessivas prorrogações do fundo e a

100
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

perda de dinamismo da economia tornaram a “mordida” do governo federal mais dolorosa


para as unidades subnacionais, gerando críticas intensas à “centralização de Brasília”.
Como reflexo da crescente irritação das lideranças políticas locais com essa situação, por
ocasião da renovação do FEF a partir de julho de 1997, a força do lobby dos prefeitos no
Congresso Nacional conseguiu que a percentagem de retenção da parcela dos recursos dos
municípios afetados pelo FEF por parte do governo federal caísse dos 100% da versão do
fundo prevalecente até então para 50% no segundo semestre de 1997, 40% em 1998 e
20% em 1999.

• Lei Kandir

Quando, com o Plano Real, a moeda se apreciou e as exportações passaram a ter


um crescimento medíocre, o governo federal procurou estimular as vendas ao exterior
através de mecanismos não cambiais. Um dos instrumentos utilizados para isso
foi a chamada Lei Kandir, em nome do deputado e posteriormente ministro Antônio
Kandir, que concebeu o projeto. A ideia era isentar as exportações de bens primários e
semielaborados do pagamento do ICMS. A cobrança deste era “boa” do ponto de vista
dos tesouros estaduais, mas irracional do ponto de vista do balanço de pagamentos,
já que correspondia a “exportar impostos”, em um mundo concretamente competitivo.
Como os estados entendiam as razões do governo federal, mas não queriam perder
receita, chegou‑se a um acordo, por meio do qual os estados eliminariam o ICMS sobre
as exportações, sendo em compensação ressarcidos pelo tesouro nacional. O que os
governadores alegam depois é que, tendo renunciado à parte da arrecadação do ICMS,
passaram a receber um aumento de transferências federais menor que as perdas que
tinham sido induzidos a aceitar. As críticas dos governadores à Lei Kandir, portanto,
tornaram‑se frequentes a partir de então.

• Renegociação das dívidas estaduais

Durante 1997 e 1998, a maioria dos estados renegociou as suas dívidas, passando
para o governo federal um montante expressivo de dívidas mobiliárias, que esle assumiu
tendo como contrapartida o direito a receber dos estados o pagamento de prestações
mensais ao longo de 30 anos, em um esquema de tipo “tabela Price”. Isso representou
um enorme subsidio implícito concedido aos estados pelo governo federal, já que a taxa
de juros real dos contratos entre ele e os estados era de 6% ou 7,5% – dependendo do
caso –, muito aquém da taxa de juros que o governo federal teve que passar a pagar
ao mercado por uma dívida que não era dele. Mesmo assim, a dívida era tão elevada
que os pagamentos correspondiam a uma fração importante – em muitos casos, mais
de 10%, no início – da receita estadual. Posteriormente, a recessão que o país sofreu –
que afetou negativamente a receita –, somada à “troca de guarda” em muitos estados,
após as eleições de 1998 e à velha tradição de considerar que a dívida do governo
estadual anterior foi “feita pelo governador e não pelo estado”, levou alguns dos novos
governadores empossados em 1999 a pleitearem a renegociação, em outras bases, das
dívidas que os governadores anteriores já tinham renegociado. O tema transformou‑se
então em uma das mais importantes contendas políticas de 1999.

101
Unidade II

• Reforma tributária

Como vimos anteriormente, o Brasil caracterizou‑se, após a Constituição de 1988,


pela criação de novos impostos, eficazes do ponto de vista da receita, mas condenáveis
sob a ótica da sua funcionalidade, pelo peso que representavam sobre as empresas,
com prejuízos evidentes para a competitividade do país. A substituição de um conjunto
de impostos tecnicamente “ruins”, por um sistema que desonerasse as exportações,
tornou‑se objeto de muitos debates desde então. Como o governo FHC propôs que uma
série de impostos – inclusive o ICMS – fossem extintos, dando lugar a uma espécie de
“grande IVA” com legislação federal, os estados tiveram uma reação inicial contrária à
proposta, que foi bastante questionada pelos governadores na época.

Fonte: Giambiagi e Além (2011, p. 328‑330).

Antes de seguir, é importante observar, conforme destaca Cardozo (2007, p. 7), as competências de
cada ente federado.

• Competências partilhadas entre os governos federal, estadual e municipal:

— saúde e assistência pública;

— assistência às pessoas com deficiência;

— preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural;

— proteção do meio ambiente e dos recursos naturais;

— cultura, educação e ciência;

— preservação das florestas, da fauna e da flora;

— agricultura e abastecimento alimentar;

— habitação e saneamento;

— combate à pobreza e aos fatores de marginalização social;

— exploração das atividades hídricas e minerais;

— segurança do trânsito;

— políticas para pequenas empresas;

— turismo e lazer.

102
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

• Competência predominantemente municipal:

— pré‑escola e educação fundamental;

— saúde;

— preservação histórica e cultural.

• Competência apenas municipal:

— transporte coletivo;

— uso do solo.

Um dos limitadores da autonomia dos governos estaduais e municipais, além da crise da federação
brasileira localizada nas tensões entre estados e municípios, é a competição para a atração de
investimentos. Apesar de esse fenômeno estar atrelado à formatação do sistema tributário brasileiro,
há outros fatores importantes que acirram essa concorrência federativa, principalmente a partir dos
anos 1990. O conceito de guerra fiscal está relacionado à disputa entre entes federativos no processo
de alocação de atividades produtivas e na concorrência setorial, que estão relacionadas à prática não
cooperativa entre as unidades da federação na administração de “políticas industriais” descentralizadas.
Os mecanismos usados para essa disputa são os tributários e os benefícios financeiros.

A guerra fiscal, portanto, consiste em um mecanismo estratégico


presente nos programas de desenvolvimento dos estados, nos quais
a utilização do ICMS tem importante participação. A intensificação do
uso de tais estratégias pode ser considerada uma resposta à insuficiência
de programas de âmbito nacional. No plano estadual, contudo, não há
planejamento, mas sim o uso indiscriminado dos incentivos fiscais para
atração de empresas que terão direito de atuar naquela localidade com
isenção de impostos por muitos anos e, quando acabarem os incentivos,
haverá o risco de reversão deste investimento para outra localidade que
oferecer incentivos melhores por mais alguns anos.

A Guerra Fiscal é praticada pelos governos estaduais desde a criação do


ICM (imposto sobre circulação de mercadorias) na reforma tributária
de 1965/1966. Imposto caracterizado por sua incidência sobre o valor
adicionado, o ICM surgiu como um imposto de competência dos governos
estaduais. Entretanto os estados não possuíam o direito de instituir e
aumentar alíquotas, o que cabia às decisões do Senado Federal. A partir
de 1967, contudo, surge uma certa flexibilização na atuação dos governos
estaduais, pois estes, através de convênios regionais, poderiam definir as
alíquotas do ICM comuns a todos estados pertencentes a uma determinada
região. Nesse sentido, cria‑se uma espécie de guerra fiscal regional, visto
que estados coligados passaram a utilizar concessões de incentivos fiscais
para atraírem investimentos (Cardozo, 2007, p. 13).

103
Unidade II

Após a Constituição de 1988, o ICM passou a ser denominado Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS). Incorporou os impostos únicos sobre combustíveis e minerais e, também,
os que incidiam sobre serviços, como energia elétrica, transportes e telecomunicações. Além disso, os
estados passaram a ter liberdade para fixar as alíquotas do imposto como marca da descentralização
fiscal. O ICMS é o imposto mais usado nos mecanismos de guerra fiscal.

6 SEGURIDADE SOCIAL

O conceito de seguridade social surgiu há mais de oitenta anos com a divulgação do relatório
Beveridge na Inglaterra dos anos 1940. É considerado, em geral, pela literatura, como a concepção de
proteção social no período pós‑Segunda Guerra Mundial. Isso originou a reforma instaurada pela Lei da
Seguridade Social, aprovada em 1946 pelo parlamento Inglês.

Saiba mais

Para entender o contexto econômico, social e político da época


pós‑Segunda Guerra Mundial, recomenda‑se o filme:

O ESPÍRITO de 45. Direção: Ken Loach. Reino Unido, 2013. 94 min.

No Brasil, a Constituição de 1988 representou um marco na história democrática. Em matéria de


proteção social, de caráter público e universal, ela expressou a consolidação da demanda acumulada
em vários anos de luta contra a ditadura militar. Em um sentido mais amplo, essa Constituição resgatou
direitos sociais e políticos que haviam sido alijados durante o período ditatorial. Não é por outro motivo,
então, que Ulisses Guimarães a chamou de Constituição Cidadã.

Observação

Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte,


anunciou a Constituição de 1988. Em seu discurso, na sessão solene,
enfatizou a participação popular na elaboração da Carta Magna e
ressaltou o que sua promulgação representava em termos de ganhos
de democracia participativa e representativa após um longo período de
ditadura (Rocha, 2008).

A Carta de 1988 resgatou a questão social como um direito dos cidadãos. Isso porque incluiu o
princípio da cidadania na Seguridade Social e passou a garantir o acesso a bens e serviços sociais
independentemente da contribuição individual, com exceção da Previdência Social. O Estado de
bem‑estar social brasileiro parecia estar no rumo correto, a exemplo dos países desenvolvidos.

104
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

Entre os preceitos da Constituição, a introdução do conceito de Seguridade Social (Brasil, 1988)


representou um avanço, pois considera a totalidade dos direitos quanto à saúde, à previdência e à
assistência social. Destacam‑se alguns aspectos básicos tratados nessa disposição: a universalidade
da cobertura e do atendimento aos cidadãos; a uniformidade dos benefícios e serviços à população
urbana e à rural; a seletividade e a distributividade na prestação dos direitos; a diversidade da base de
financiamento e a participação da sociedade na gestão descentralizada da administração por meio da
participação dos trabalhadores, dos empregadores e dos aposentados.

Com relação aos órgãos que foram criados para gerenciar o Sistema de Seguridade Social, em 1990,
temos o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), órgão cujo nome representa um instituto de seguro,
e não de seguridade. Além disso, as mudanças das responsabilidades do Ministério da Previdência e
sua relação com a assistência social podem exemplificar esse processo. Após o desaparecimento do
Ministério da Previdência, entre 1990 e 1992, ele retorna como Ministério da Previdência e Assistência
Social (MPAS) em 1995. Em 1999, a Assistência Social ganhou maior autonomia com a criação da
Secretaria de Estado de Assistência Social (Seas), órgão vinculado ao MPAS. Foi em 2002, durante o
governo Lula, que a separação das duas áreas foi efetivada com a criação do Ministério da Previdência
Social (MPS) e do Ministério da Assistência e Promoção Social (Maps) (Vianna, 2008).

Já os dados relacionados à seguridade social, atualmente, podem ser observados por diversos institutos,
por exemplo, Ministério da Previdência Social, Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, Ministério do Trabalho, Ministério da Fazenda, Ipea e Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).

A Seguridade Social é um conjunto integrado de ações dirigido pelo Poder Público e pela sociedade
e destinado a assegurar direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência, de acordo com a redação
da Constituição de 1988, sob o Título VIII, Capítulo II, art. 194.

O acesso a esse sistema de proteção social universal pode ser garantido por diversas formas,
pois cada parte integrante do sistema tem uma forma de acesso para atender a determinadas
demandas sociais.

• Previdência social:

— aposentadoria por idade;

— aposentadoria por invalidez;

— aposentadoria por tempo de contribuição;

— aposentadoria especial;

— pensão por morte;

— auxílio‑doença;
105
Unidade II

— salário‑maternidade;

— auxílio‑acidente;

— auxílio‑reclusão.

• Assistência social:

— amparos assistenciais (Loas);

— pessoa idosa e pessoa com deficiência;

— pensões e rendas mensais vitalícias;

— idade;

— invalidez.

• Saúde.

6.1 Constituição de 1988 e financiamento da Seguridade Social

A Constituição de 1988 estabeleceu uma base de financiamento diversificada justamente para


atender às sazonalidades de qualquer economia. Portanto, esse alerta de déficit deve ser entendido à luz
da Constituição, que estabeleceu nos artigos 194 e 195 uma fonte diversificada para dar cobertura aos
direitos sociais, já que o intuito era abranger uma parte maior da população sem vincular necessariamente
a contribuição e o acesso ao benefício. Segundo a Constituição (Brasil, 1988):

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações


de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a


seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I – universalidade da cobertura e do atendimento;

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações


urbanas e rurais;

III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;

V – equidade na forma de participação no custeio;


106
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

VI – diversidade da base de financiamento;

VII – caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa,


com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores,
empresários e aposentados.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade,


de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos
provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento


e o lucro;

II – dos trabalhadores;

III – sobre a receita de concursos de prognósticos.

Entre as principais receitas estavam: as contribuições de empregados e empregadores sobre os


salários (alíquota de 8% a 11% dos salários para os trabalhadores e 20% sobre a folha de pagamentos
para o empregador); a Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL, composta por 8% para
as empresas e 18% para as empresas do setor financeiro); a Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social (Cofins, que incide sobre o faturamento ou a receita bruta das empresas, com
uma alíquota de 3%). Essa seria a base de financiamento da seguridade, que deveria ser arrecadada e
administrada pelo INSS e pela Secretaria da Receita Federal, cabendo ao Tesouro o repasse aos órgãos de
seguridade (Vianna, 2002). Além disso, em 1997, somam‑se a isso os recursos da Contribuição Provisória
sobre a Movimentação Financeira (CPMF) extinta em 2007.

Ademais, em 1994, foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE) que substanciou a desestruturação
das bases financeiras do sistema de seguridade. Isso porque, apesar da elevação da alíquota de 5%
sobre todos os impostos e contribuições, o fundo permitiu a desvinculação de 20% da receita de todos
os impostos e contribuições federais previstos em Constituição para financiar as políticas sociais. Isso
significa que esses recursos, ao se desvincularem das receitas, tornam‑se de uso exclusivo da Fazenda,
isto é, ela tem o poder de escolher onde aplicar os recursos. Esse mecanismo, concomitante ao processo
de vinculação das receitas a áreas específicas da seguridade, tem subjacente a ideia de desvincular
todas as contribuições, liberando os recursos para as necessidades do Tesouro. O que significa que esses
recursos podem ser usados para pagamento, inclusive, de juros da dívida (Vianna, 2008).

Observação

Aprovado pela Emenda Constitucional (EC) n. 01/94, o FSE passou a ser


chamado de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) em 1997 e, posteriormente,
em 2000, renomeado como Desvinculações de Recursos da União (DRU).
107
Unidade II

Seguindo esse preceito, os dados apontados pela Anfip (2014), para o período de 2010 a 2013,
mostram que a Seguridade Social é superavitária. É possível ver na tabela a seguir como se calcula o
resultado da Seguridade Social de acordo com a Constituição de 1988:

Tabela 5 – Receitas e despesas do orçamento da


Seguridade Social no Brasil (R$ milhões)

Receitas realizadas 2010 2011 2012 2013 2013 vs. 2012


1. Receita de contribuições sociais 441.265 508.095 573.815 634.239 60.424 10,5%
Receita previdenciária1 211.968 245.890 283.441 317.164 33.723 11,9%
Cofins 140.023 159.625 181.555 199.410 17.855 9,8%
CSLL 45.754 57.582 57.316 62.545 5.229 9,1%
PIS/Pasep 40.372 41.584 47.738 51.065 3.327 7,0%
Outras contribuições2 3.148 3.414 3.765 4.055 290 7,7%
2. Receitas de entidades da Seguridade 14.693 16.729 20.147 14.974 –5.173 –25,7%
Recursos próprios do MDS 305 86 66 239 173 262,1%
Recursos próprios do MPS 267 672 708 819 111 15,7%
Recursos próprios do MS 2.700 3.220 3.433 3.858 425 12,4%
Recursos próprios do FAT 10.978 12.240 15.450 9.550 –5.900 –38,2%
Taxas, multas e juros da fiscalização 443 511 491 509 18 3,7%
3. Contrapartida do orç. Fiscal para EPU3 2.136 2.256 1.774 1.782 8 0,5%
Receitas da seguridade social (A) 458.094 527.080 595.736 650.995 55.259 9,3%
Despesas realizadas 2010 2011 2012 2013 2013 vs. 2012
1. Benefícios previdenciários 256.259 281.438 316.589 357.003 40.414 12,8%
2. Benefícios assistenciais 22.234 25.116 30.324 33.869 3.545 11,7%
3. Bolsa Família e outras transferências 13.493 16.767 20.543 24.004 3.461 16,8%
4. EPU – Benefícios de Legislação Especial 2.136 2.256 1.774 1.782 8 0,5%
5. Saúde: despesas do MS 4
62.329 72.332 80.085 85.429 5.344 6,7%
6. Assistência social: despesas do MDS 4
3.994 4.033 5.659 6.227 568 10,0%
7. Previdência social: despesas do MPS 4
6.482 6.767 7.171 7.401 230 3,2%
8. Outras ações da Seguridade Social 7.584 7.875 10.411 11.972 1.561 15,0%
9. Benefícios FAT 29.195 34.159 39.950 46.561 6.611 16,5%
10. Outras ações do FAT 560 579 541 505 – 36 –6,7%
Despesas da Seguridade Social (B) 404.266 451.322 513.047 574.753 61.706 12,0%
Resultado da Seguridade Social (A – B) 53.828 75.758 82.689 76.242 –6.447
Notas: Receitas previdenciárias líquidas acrescidas das compensações pela desoneração da folha de pagamentos;
1

2
Inclui receitas provenientes dos concursos de prognósticos;
3
Corresponde às despesas com Encargos Previdenciários da União – EPU, de responsabilidade do Orçamento Fiscal;
4
Incluem despesas de pessoal ativo e todas as demais relativas a custeio e investimento.

Fonte: Anfip (2014, p. 35‑36).

108
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

O estudo da Anfip trata em parte esse processo:

A sistemática para o financiamento da seguridade social, prevista na


Constituição de 1988, é justificável por várias razões e não foi colocada
ali por acaso. A inclusão tardia dos trabalhadores rurais na previdência
e a necessidade de equiparar seus direitos àqueles dos trabalhadores
urbanos exigiam um aporte de recursos que não incidissem somente sobre
a folha salarial urbana para estender e tornar mais efetivos os direitos
sociais dessa importante parcela da população. O mesmo raciocínio pode
ser aplicado, inclusive, à população urbana. Essa população não conta
com empregos estáveis e, segundo dados do INSS, contribui em média
por 12 anos ao atingir a idade exigida para solicitar o benefício por idade.
A opção pelo conceito mais abrangente de seguridade social adotada
no Brasil proporciona um grau de proteção mais amplo e um perfil de
financiamento mais estável, num quadro marcado pela precariedade das
relações de trabalho e, por conseguinte, pela não observância dos direitos
sociais (Anfip, 2003, p. 23).

Portanto, apesar de diversos veículos midiáticos apontarem o contrário, o Sistema de Seguridade


Social não será deficitário se nos apoiarmos na Constituição. O que ocorreu é que, a partir dos anos
1990, a operacionalização dos preceitos constitucionais foi direcionada a funcionar isoladamente, ou
seja, foram criadas regulamentações legais, administrativas e orçamentárias para o funcionamento
isolado das partes do sistema integrado. Assim, em 1990, foi regulamentada a saúde através da Lei
Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080). Em julho de 1991, foi a vez da Previdência Social com a Lei do Custeio
da Previdência (Lei n. 8.212) e a Lei dos Planos de Benefícios da Previdência (Lei n. 8.213). E, em 1993,
a Assistência Social pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742).

Além disso, conforme apontado a seguir:

[...] Progressivamente, efetivou‑se a segmentação administrativa das


áreas: em 1990 foi criado o INSS, para gerir os benefícios previdenciários,
a assistência médica foi definitivamente transferida para o Ministério
da Saúde com a extinção do Inamps (Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social), em 1993, e até a assistência social, sempre
sujeita a contínuos deslocamentos ministeriais, vai paulatinamente
ganhando autonomia, confirmada com o desmembramento do antigo
Ministério da Previdência e Assistência Social em duas estruturas: o MPS
(Ministério da Previdência Social) e o MDS (Ministério do Desenvolvimento
Social), no governo Lula (Vianna, 2008, p. 98‑99).

109
Unidade II

6.2 Previdência Social

A Previdência Social foi organizada na Seção III – “Da Previdência Social”, pelos artigos 201 e 202 da
Carta de 1988. De acordo com essa seção, os planos de Previdência Social seriam acessados mediante
contribuição prévia dos trabalhadores de forma que cobrisse casos de doença, invalidez, morte,
velhice, acidente de trabalho e desemprego involuntário. Logo, destacam‑se os principais pontos:

• a uniformidade e a equivalência dos benefícios rurais e urbanos;


• o estabelecimento do piso do beneficio de valor equivalente ao salário mínimo;
• o benefício deveria ser calculado sobre a média dos últimos trinta e seis salários de contribuição,
corrigidos monetariamente;
• o reajuste dos benefícios garantiria seu valor real;
• a introdução do décimo terceiro benefício;
• quanto à regra de acesso, a aposentadoria era assegurada em duas situações:

— por tempo de serviço: após trinta e cinco anos de trabalho para os homens e após trinta para
as mulheres, ou tempo inferior, em casos especiais de trabalho que apresente qualquer grau
insalubridade; e, para os trabalhadores do magistério, após trinta anos para os professores e
após vinte e cinco para as professoras;
— por idade: aos 65 anos para os homens e aos 60 para as mulheres, reduzindo‑se cinco anos do
limite de idade para os trabalhadores rurais.

Para as duas situações, era facultada a aposentadoria proporcional após trinta anos de trabalho para
os homens e vinte e cinco anos para as mulheres. Além disso, para efeito de contagem do tempo de
serviço, era considerada a reciprocidade na administração pública e a privada.

Apesar disso, é importante mencionar que o preceito da universalidade ficou limitado quando aplicado à
Previdência Social. Isso porque, de um lado, sua cobertura era garantida por prévia contribuição e, por outro,
porque se manteve a diferenciação entre o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) dos trabalhadores
formais do mercado de trabalho e o Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores (RPPS) dos
funcionários públicos federais, estaduais e municipais, além dos militares.

6.3 Regimes de previdência

Nos sistemas de Previdência Social em geral, há dois modelos principais: modelo de repartição
simples e modelo de capitalização. A seguir, iremos abordar as diferenças entre eles.

Regime de repartição simples: surgiu no contexto do welfare state no período pós‑Segunda


Guerra, e os preceitos revelavam o princípio da universalidade do benefício, a participação do Estado no
esquema tripartite (empregados, empregadores e Estado) e a solidariedade intergeracional. O senso de
110
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

justiça do regime de repartição simples reside na contribuição dos trabalhadores ativos, pela contribuição
salarial, ou do empregador, que financia os benefícios do risco velhice e outros, garantindo‑se, assim, a
solidariedade entre as gerações de trabalhadores ou mesmo na mesma geração.

Marques (2000) faz uma análise interessante ao reforçar o vínculo solidário mediante o papel do
salário socializado. Numa sociedade salarial, a proteção social é financiada pelo salário direto e pela
contribuição social, recolhidos pelo empregador. O salário é fruto de negociação entre trabalhador e
empregador ou mesmo determinado por leis, como no caso do salário mínimo. Já a contribuição social paga
pelas empresas é parte do salário do trabalhador e destina‑se diretamente ao pagamento de benefícios, sem
constituir‑se em poupança, caracterizando o caráter de salário socializado. Assim, todos os trabalhadores
são vistos como contribuintes e beneficiários potenciais homogeneamente, sem diferenciações por salário
ou poupança. Portanto, nesse regime, a arrecadação do sistema de proteção social pode inclusive pagar
benefícios, como auxílio‑doença e seguro‑desemprego, consubstanciando a totalidade da Seguridade
Social. Sendo a base de financiamento dada pelo salário, há a garantia de que todos terão uma renda de
substituição do período laboral e, ainda, minimamente, benefícios aos desempregados, por exemplo.

Nesse regime, a princípio, garante‑se o benefício a todos os cidadãos, desvinculando a questão


da arrecadação prévia mediante a participação do Estado na operação de financiamento. O
crescimento econômico é uma variável relevante, pois impulsiona o dinamismo do regime, uma
vez que, quanto maiores forem os empregos, a renda e o nível do salário médio real, maior será o
volume de arrecadação.

Regime de capitalização: tem caráter privado e restrito, cujo funcionamento reforça o vínculo
entre a contribuição, o benefício e a valorização financeira. Dessa forma, cabe ao Estado a garantia
somente do mínimo necessário ao beneficiário, de forma que o sistema de proteção deveria ser
desmantelado, pois restringe a competitividade e o ajuste via mercado. Esse regime é individual e
privado, operando por meio dos fundos de pensão que, ao gerirem a poupança dos contribuintes
mediante o portfólio com títulos públicos, ações, debêntures – ou seja, ativos voláteis –, tornam o
benefício da aposentadoria algo incerto.

No regime por capitalização, o interesse é pela manutenção de taxas de juros elevadas e pela
valorização dos papéis negociados em Bolsa. Esse regime é amplamente sugerido pelos órgãos
multilaterais (FMI e Banco Mundial) que admitiam que os sistemas previdenciários por repartição
simples eram insustentáveis dos pontos de vista atuarial e financeiro e que acentuavam o baixo
crescimento econômico.

6.4 Mudanças recentes na Previdência Social e a Previdência Complementar

O sistema previdenciário brasileiro passou por duas grandes reformas que impactaram a vida dos
aposentados e dos trabalhadores.

No Brasil, mesmo que o regime de repartição simples e a estrutura pública da Previdência Social
tenham prevalecido após as reformas (uma durante o governo Fernando Henrique Cardoso e outra
durante o governo Lula), as instituições de previdência complementar privada ganharam importância
111
Unidade II

no cenário financeiro nacional. Durante a primeira metade da década de 1990, o crescimento


das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) foi impulsionado pelo processo de
privatização das empresas públicas federais. Na segunda metade dos anos 1990, ocorreu a migração
da demanda dos planos de benefício definido para os de contribuição definida, de acordo com as
condições legais.

Observação
As EFPCs são caracterizadas pelo acesso restrito por parte de funcionários
de um grupo empresarial público ou privado e pelos servidores da União,
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Essas entidades são
regulamentadas pelo Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC)
e fiscalizadas pela Secretaria de Previdência Complementar (SPC), órgãos
circunscritos ao Ministério da Previdência Social e que compõem o que
chamamos de previdência complementar privada.

Esse processo foi acompanhado pelo aparato regulatório definido pela Emenda Constitucional
n. 20/1998 e pelas Leis Complementares n. 108 e 109, de 29 de maio de 2001. O que não só visou
adequar atuarialmente os planos de previdência das entidades fechadas de previdência privada ligadas
às empresas federais, estatais e municipais, como também se concentrou na regulamentação dos planos
de benefício cujas regras estão em vigor até hoje.

Os investidores institucionais, particularmente os fundos de pensão, ganharam destaque não só


nas economias desenvolvidas, mas também nos países periféricos. No caso brasileiro, a evolução do
ativo total (público e privado) desses agentes foi um crescimento vertiginoso ao longo da década
de 1990, atingindo R$ 377,5 bilhões, em 2006, ou um crescimento de 405% entre 1996 e 2003.
A evolução dos ativos das EFPCs em proporção do PIB chegou a 17,2% em 2007 ante 8,9% em 1996,
o que representa um crescimento de 8,3 pontos percentuais. Parte desse crescimento do patrimônio
deriva do desenvolvimento do mercado financeiro brasileiro e das aplicações dos fundos de pensão.

No que se refere à política previdenciária, é importante lembrar que as regras de funcionamento


do sistema de previdência social no Brasil foram construídas na Constituição de 1988, porém houve
reformas – aprovadas pelas Emendas Constitucionais n. 20, em 1998, e 41, em 2003 – que trouxeram
mudanças com relação à regra de acesso, ao tempo de contribuição, ao reajuste de benefício e outros.
O debate em torno da necessidade de reforma previdenciária não é consensual.

Giambiagi e Além (2000), na análise do agravamento das contas previdenciárias, mostram que as
causas para o representativo déficit na década de 1990 eram o crescimento da despesa previdenciária,
um menor crescimento do PIB (aumento da relação do gasto previdenciário em relação ao PIB) e o
aumento do desemprego e da informalidade. Esses fatores conjunturais são importantes para explicar
que a origem do problema previdenciário não se restringe ao próprio sistema de proteção social.

Em Livro Branco da Previdência Social (Brasil, 2002), é destacado que, apesar do relativo
amadurecimento do sistema previdenciário no tocante à universalização, o RGPS teria passado por
112
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

profundas transformações estruturais na relação entre contribuinte e beneficiário, o que teria levado
ao agravamento da sustentabilidade do sistema. Esse fenômeno teria ocorrido em razão das regras
de acesso aos benefícios previdenciários e das mudanças demográficas provocadas pela queda da
taxa de natalidade e pelo aumento da taxa de sobrevida. Logo, a discussão em torno da reforma
necessária deveria ser realizada pelo governo, pois os efeitos do que estava inscrito na Constituição
eram perversos.

Conforme apontado por Marques et al. (2009), aprovadas as mudanças na Constituição, o governo
iniciou o processo de elaboração e aprovação das leis que encaminhariam essas mudanças, inclusive
estabelecendo normas de transição para os já inscritos no RGPS. Vale lembrar que a emenda permitiu
apenas a regularização do chamado Fator Previdenciário, que foi regulamentado pela aprovação da Lei
n. 9.876, em novembro de 1999.

Como apontado pelo relatório do Ipea (2007), esse mecanismo foi pensado para estimular a
postergação dos pedidos de aposentadoria. Assim, segundo seus proponentes, seria possível preservar o
equilíbrio financeiro e atuarial tão almejado do sistema previdenciário. Certamente, dadas as variáveis
introduzidas por esse fator, esse mecanismo trouxe economias ao sistema, com o adiamento dos pedidos
de aposentadoria.

Esse fator é aplicado obrigatoriamente nas aposentadorias por tempo de contribuição. Para as
aposentadorias por idade só é vantajoso ao segurado caso o fator seja maior que um, ou seja, é aplicado
opcionalmente. Esse fator não é aplicado nas aposentadorias especiais por invalidez, nas pensões, no
auxílio‑acidente, no salário‑maternidade e no auxílio‑reclusão.

Segundo informe de Previdência Social do MPAS (Brasil, 1999), o fator equipara o tempo de
contribuição ao tempo de usufruto do benefício. A introdução da expectativa de vida, quando da
solicitação da aposentadoria, permite que o segurado ganhe um maior prêmio caso ele demore a sair
do sistema, já que contribuiria por mais tempo. Além disso, o fator permite penalizar as aposentadorias
precoces mediante um valor menor do benefício.

Essa justificativa do MPAS parece observar somente um lado da questão, pois o trabalhador irá
realmente permanecer no mercado de trabalho por mais tempo para garantir um salário de aposentadoria
mais próximo possível de seu salário real do período laboral. Porém, essa é a consequência danosa de tal
medida, pois o trabalhador acaba por postergar a decisão de se aposentar e com um valor médio de
beneficio menor. Isso quando o trabalhador apresenta capacidade laboral; quando não, ele apenas terá
uma redução do seu benefício de aposentadoria.

A lei que criou o fator estabeleceu um período de transição de sessenta meses para a completa
aplicação. Além disso, foi negociado um prêmio de cinco anos de contribuição para as mulheres e
dez e cinco anos de contribuição, respectivamente, para professores e professoras de ensino infantil,
fundamental e médio no cálculo do tempo de contribuição do fator (Brasil, 1999). Portanto, o efeito do
fator previdenciário pode ser visto somente a partir de 2005, quando é aplicado integralmente.

113
Unidade II

Apesar desse período de transição, é possível verificar algumas alterações com a introdução do fator.
Segundo relatório da Anfip (2006), com dados do Ipea, comparando‑se os períodos de 1995 a 1998
(pré‑fator) e de 1999 a 2004 (pós‑fator), a idade média de aposentadoria por tempo de contribuição
das mulheres era de 49,7 e passou para 52,2; já para os homens, foi de 54,3 para 56,9. Analisando um
período mais longo, vê‑se que, em 1998, 77,3% das novas aposentadorias por tempo de contribuição
foram concedidas para segurados com idade compreendida entre 45 e 64 anos; em 2008, esse percentual
aumentou para 96,0% (Kon et al., 2010).

O mesmo ocorreu no tempo de contribuição: para os períodos de 1995 a 1998 e de 1999 a 2004,
as mulheres elevaram a contribuição de 27,5 anos para 28,7 anos, e os homens, de 32,7 anos para
33,8 anos. Outro impacto do fator pode ser visto na quantidade de aposentadorias concedidas por
tempo de contribuição, pois, entre o período pré‑fator e o pós‑fator, as concessões foram de 339,8 mil
para 136,2 mil aposentadorias por tempo de contribuição. Vale destacar que uma parte desse impacto
se deve à extinção da aposentadoria proporcional, conforme estabeleceu a EC 20 (Anfip, 2006).

Nesse mesmo relatório da Anfip (2006), é destacada a redução do valor médio real (valores
deflacionados pelo INPC de dezembro de 2005) dos benefícios das aposentadorias por tempo de
contribuição. Em 1999, o valor médio era de R$ 926,48; em 2005, esse valor foi para R$ 925,70. Essa
redução parece ser pífia, mas é preciso considerar que nesse período o salário mínimo foi reajustado
em 85% e a inflação (INPC) aumentou 53,6%, ou seja, em termos reais, o salário mínimo acumulou um
aumento real de 29,5%. Isso significa que, entre 1999 e 2005, apesar do aumento do salário mínimo
real e, consequentemente, do piso da aposentadoria, o número de segurados com valores mais altos
diminuiu, de forma que o benefício médio ficou praticamente estagnado (com ligeira queda). Se o
valor de 2005 é comparado ao de 2004 (R$ 955,18), a redução foi de 3,09%. Considerando que a
expectativa de sobrevida tem aumentado, essas reduções poderão ser maiores e mais prejudiciais.

Saiba mais

Para maiores detalhes, leia:

CAPELAS, E.; HUERTA NETO, M.; MARQUES, R. M. Relações de trabalho


e flexibilização. In: MARQUES, R. M.; FERREIRA, M. R. J. (org.). O Brasil sob
a nova ordem: a economia brasileira contemporânea, uma análise dos
governos Collor a Lula. São Paulo: Saraiva, 2009.

Para efeito de ilustração, dados extraídos do Dataprev e indicados na tabela a seguir mostram que, em
2000, 21,6% das aposentadorias concedidas por tempo de contribuição concentravam‑se na faixa de um
a dois salários mínimos enquanto, em 2005, esse percentual subiu para 33,7%. Desse aumento de 12,1
pontos percentuais, ou 56,0%, se for considerada somente a faixa de um salário mínimo, 21,9% se devem
ao aumento do volume das aposentadorias de um salário mínimo, praticamente todas concentradas
no meio urbano, pois as aposentadorias rurais, apesar de estarem concentradas no piso mínimo, são
acessadas, na maioria, pelo requisito da idade. Considerando‑se que o aumento da quantidade das

114
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

aposentadorias por tempo de contribuição foi de 34,9% no período, verifica‑se que a faixa de um salário
mínimo foi a que sofreu maior aumento (121,9%); ao mesmo tempo, houve decréscimo das quantidades
de aposentadorias por tempo de contribuição nas faixas maiores (acima de seis salários mínimos).

Tabela 6 – Variação da quantidade de aposentadorias


por tempo de contribuição, por faixa salarial

Faixa de salário mínimo 2000 2005 2005 x 2000


De 1 a 2 24.721 52.128 111%
Igual a 1 10.196 22.629 122%
Acima de 2 até 4 29.314 52.060 78%
Acima de 4 até 6 23.634 38.069 61%
Acima de 6 até 10 37.011 12.492 ‑66%
Acima de 10 até 50 6 ‑ ‑100%
Total 114.686 154.749 35%

Conclui‑se, portanto, que o fator trabalhou para a redução da despesa previdenciária, objetivo
daqueles que defendem a priorização do equilíbrio fiscal. Além disso, segundo o relatório do Ipea (2007),
o fator tem como objetivo introduzir uma incerteza para o segurado, pois a cada ano o IBGE divulga
a expectativa de sobrevida da população e a cada dez anos a revisa com base no Censo Demográfico.

Até o presente momento da elaboração deste livro‑texto, em julho de 2016, a última alteração
realizada na área da previdência foi a introdução da fórmula 85/95, em 2015 (Lei n. 13.183, de 4 de
novembro de 2015). Essa medida melhorou o valor do benefício dos futuros aposentados em comparação
ao efeito do fator previdenciário implementado na reforma previdenciária de Fernando Henrique
Cardoso em 1999. Essa fórmula mantém o tempo de contribuição anteriormente exigido e estipula
uma idade mínima (30 e 55, para mulheres; 35 e 60 para homens, respectivamente). Assim, o critério
de idade mínima explícita que não estava nas regras passa a compor a regra de acesso à aposentadoria.
Essa foi a maneira de enfrentar o processo de envelhecimento da população brasileira. Nessa regra está
previsto que, a partir de 2019, com vigência por dois anos, seja aumentada em um ano a idade tanto
para homem quanto para mulher.

Além de garantir um valor de aposentadoria maior com relação ao fator previdenciário, a fórmula 85/95
é mais justa, pois contempla as diversas realidades do mercado de trabalho formal brasileiro. Em outras
palavras, aqueles que começarem a trabalhar mais cedo e para a Previdência contribuírem, poderão se
aposentar também mais cedo.

Na figura 25 é possível verificar pelo gráfico o argumento do envelhecimento populacional, ou


aumento da longevidade. Esse fenômeno vem ocorrendo em razão da queda na taxa de fecundidade
e na taxa de mortalidade infantil, e não somente no Brasil. Contudo, devemos ficar atentos às mudanças
na regra de acesso à Previdência Social, pois, conforme observamos anteriormente, o fator previdenciário
teve como efeito imediato a postergação do pedido de aposentadoria.

115
Unidade II

12,5% 11,7%
10,8%
9,8%
10,0% 9,3%
8,6%
7,8% 7,8%
7,3%
7,5% 6,4% 6,1%
6,8%
5,8%
5,0% 5,2% 5,1%
5,0%

2,5%

0,0%
1970 1980 1991 2000 2010

Homens Mulheres Total


Figura 25 – Taxa de participação das pessoas idosas na população total do país,
segundo o sexo, em porcentagem

Fonte: Brasil (2011).

A política previdenciária também impacta de forma significativa sobre o nível de pobreza (Brasil,
2010, p. 5): “Assumindo como condição de pobreza a percepção de rendimento domiciliar per capita
inferior a meio salário mínimo, estima‑se em 55,13 milhões a quantidade de pessoas em condição de
pobreza em 2009 (considerando rendas de todas as fontes)”.

Os benefícios previdenciários propiciaram uma redução de 12,5% na taxa de pobreza, o que significa
um montante de aproximadamente 23 milhões de indivíduos em 2009 (Brasil, 2010).
100,0%
90,0%
80,0% Linha de pobreza estimada
(caso não houvesse transferências previdenciárias)
70,0%
60,0%
% de pobres

50,0%
40,0%
30,0%
20,0%
Linha da pobreza observada
10,0%
0,0%
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75
Idade (em anos)
Com transferências previdenciárias Sem transferências previdenciárias
Figura 26 – Percentual de pessoas com menos de ½ salário mínimo de renda domiciliar
per capita no Brasil por idade, considerando e não considerando a renda previdenciária – 2009

Fonte: Brasil (2010).

116
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

O gráfico anterior mostra a importância das transferências previdenciárias sobre a pobreza na


população idosa. A Previdência Social representa, assim, a garantia de renda para o trabalhador em idade
pós‑laboral (avançada). Apesar de os benefícios previdenciários propiciarem uma redução da pobreza
em todas as faixas etárias, o impacto desse benefício apresenta‑se em grande expansão na faixa etária
acima dos 55 anos, principalmente no que tange à diferença entre o percentual de pobres com e sem
as transferências previdenciárias.

Portanto, o gráfico mostra a redução da pobreza com o aumento da idade (área azul inferior). Se
não houvesse as transferências previdenciárias, a pobreza aumentaria para a população com 70 anos de
idade ou mais. Assim, verificamos que a política previdenciária tem grande efeito sobre a eliminação da
pobreza no Brasil.

6.5 Saúde

Desde meados da década de 1970, o movimento sanitarista luta pelo Sistema Único de Saúde (SUS),
que tinha caráter universal e gratuito, atingindo mais uma demanda de proteção social aos cidadãos
brasileiros, porém ele só foi construído a partir da Constituição de 1988.

Conforme abordado em Marques e Mendes (2005), a descentralização da gestão do sistema público


de saúde ocorre desde os anos 1980. Inicialmente, foi introduzido o Programa Nacional de Serviços
Básicos da Saúde (Prev‑Saúde) e, posteriormente, as Ações Integradas de Saúde. Apesar do nome do
programa, a descentralização não foi superada e, ao contrário do que propunha, o Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) e o Sistema Unificado e Descentralizado da Saúde (Suds)
deram notoriedade ao processo de descentralização da gestão da saúde pública.

A construção do Sistema Único de Saúde (SUS) buscou romper o modelo descentralizado para um
novo modelo em busca de (Marques; Mendes, 2005):

• instituição do direito universal e integral à saúde. Assim, eliminou‑se o acesso restrito e segmentado
de trabalhadores formais no caso do Inamps;

• modelo de financiamento integrado com o Sistema de Seguridade Social, eliminando o modelo


anterior de financiamento com base nas contribuições de empregado e empregador.

Conforme apontado pelo relatório da Anfip (1995),

Segundo a Constituição Federal (Art. 196) a saúde é direito de todos e


dever do Estado. É evidente, porém, que tal preceito constitucional situa‑se
mais no campo das aspirações nacionais do que das nossas realidades.
Sabemos, perfeitamente, das enormes dificuldades enfrentadas na área da
saúde. As ações preventivas, que são fundamentais em termos de saúde
pública, são praticamente inexistentes. Como consequência há necessidade
de maiores e mais onerosas demandas nas ações de medicina curativa ou,
mais apropriadamente, da assistência médica, cujos resultados são bem
menos eficazes (Anfip, 1995, p. 67).
117
Unidade II

A saúde foi regulamentada pela Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080, em 1990. É importante observar
que, no que se refere à questão do financiamento, há um consenso nos setores da saúde pública de que
é necessária a destinação de 30% do orçamento da Seguridade Social para a Saúde na forma contida no
art. 55 das Disposições Transitórias da Constituição de 1988. Segundo apontou Dr. Elias Antônio Jorge,
representante do Ministério da Saúde no Conselho Nacional de Saúde e Coordenador da Comissão
de Acompanhamento do Processo Orçamentário do Órgão, “no corpo constitucional permanente para
garantir sua aplicação automática, sendo preciso, também, acabar com a especialização das fontes de
custeio” Anfip, 1995, p. 69).

Figura 27 – Sistema Único de Saúde

Disponível em: https://cutt.ly/FwkNMxbW. Acesso em: 31 ago. 2023.

Para garantir a sobrevivência do cidadão, há ainda outros pontos que podem ser analisados e que
são agravantes no Brasil, como saneamento básico, alimentação, moradia e educação. Todos esses
fatores influenciam as condições de saúde da população.

6.6 Melhorias das condições de saúde da população brasileira

• Entre 1980 e 2002, a queda da mortalidade geral foi de 6,3 para 5,6 por mil habitantes.

• Entre 1990 e 2002, a queda da mortalidade infantil foi de 45,3 para 25,1 por mil nascidos vivos.
Essa queda, provavelmente, esteja relacionada ao aumento de cobertura do saneamento básico,
do abastecimento de água, dos serviços de saúde, dos programas de saúde e dos programas de
aleitamento materno e reidratação oral.

• Alteração no perfil da mortalidade por causas. Em 1980, entre as cinco primeiras causas apontadas
de óbito, estavam: doenças do aparelho circulatório, causas externas, doenças infecciosas
e parasitárias, neoplasias e doenças do aparelho respiratório. Em 2000, as doenças infecciosas e
parasitárias deixaram de participar da lista como as cinco primeiras causas. Em grande medida,
isso ocorreu pelo abastecimento de água, pelo tratamento de esgoto sanitário e pela coleta do lixo.

118
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

Segundo o Boletim de Políticas Sociais do Ipea, lançado em maio de 2011, a política de saúde está
organizada de acordo com os diferentes tipos de atividades e níveis de atenção:

• assistência farmacêutica;

• atenção básica – inclui o Programa Saúde da Família (PSF);

• atenção de média e de alta complexidade – inclui a política de atendimento de urgências e


emergências que está relacionada ao Sistema de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e às
Unidades de Pronto‑Atendimento (UPAs).

Há também uma organização de acordo com os grupos populacionais específicos, entre os quais
podem ser citados:

• mulheres;

• crianças;

• pessoa idosa;

• trabalhadores.

Por último, a organização por ações de vigilância em saúde:

• vigilância de doenças;

• agravos e seus fatores de risco;

• vigilância ambiental.

A implementação dessas políticas de saúde requer a atuação coordenada das três esferas de governo
(União, estados e municípios) e também dos seus órgãos setoriais – o Ministério da Saúde (MS), as
secretarias estaduais e as secretarias municipais de saúde.

O Programa Saúde da Família vem encontrando dificuldades para sua expansão nos municípios de
maior porte e continua com problemas nas áreas de gestão, de recursos humanos e de articulação com
o restante da rede de serviços, além da necessidade de investimentos em infraestrutura que permitam
seu melhor funcionamento (Ipea, 2011).

Ainda de acordo com o boletim do Ipea (2011), as Equipes de Saúde da Família (ESFs) são compostas
cada uma por médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). Essas
equipes atuam de forma sistemática, focada na comunidade, em ações de prevenção e promoção da
saúde. Além disso, são responsáveis pela análise, pelo acompanhamento e pela busca de solução para os
problemas de saúde da população sob sua responsabilidade.
119
Unidade II

Alguns resultados do PSF mostram que a cobertura da estratégia do programa, em 2009, contava
com 30,3 mil ESFs e 234,7 mil ACS. O que se verificou foi que, entre 2008 e 2009, essa cobertura
populacional pelas ESFs ampliou‑se de 49,5% para 50,7%. Em 2009, essa cobertura era, em média,
superior a 80% da população nos municípios com até 20 mil habitantes; e menor que 30% nos
municípios com mais de 500 mil habitantes. A pesquisa suplementar de saúde da PNAD 2008 avaliou
o cadastramento dos domicílios no Programa Saúde da Família. De acordo com a pesquisa amostral,
47,7% dos domicílios informaram estar cadastrados no programa, o que representa uma cobertura
populacional de 50,9%. É importante notar que o maior percentual de cadastramento foi encontrado
em domicílios com renda mensal domiciliar per capita (RDPC) mais baixa: os domicílios com renda
de até meio salário mínimo (SM) tiveram uma cobertura de aproximadamente 62%, enquanto a
cobertura dos domicílios com RDPC superior a cinco SMs foi 16,2% (Ipea, 2011).

A avaliação do IPEA com relação às UPAs é positiva, mostrando que, em contribuindo:

[...] existem estudos que já demonstram esse resultado, para a redução


da pressão sobre os serviços de urgência e emergência dos hospitais, que
poderiam então ficar mais disponíveis para os casos de maior gravidade ou
que necessitam de atendimento mais especializado. Contudo, em algumas
especialidades, as UPAs estão substituindo todos os serviços prestados nas
urgências/emergências dos hospitais em vez de cuidar somente dos casos
menos complexos. O problema está também na área de recursos humanos,
sobretudo na sua insuficiência numérica. Em muitos casos, as UPAs têm sido
colocadas em funcionamento à custa de pessoal que estava atuando nos
serviços de urgência e emergência de hospitais públicos, levando, inclusive,
ao fechamento de serviços específicos (Ipea, 2011, p. 88).
6.7 Assistência Social

A assistência social tem suas diretrizes firmadas com a Constituição de 1988. De acordo com o
Capítulo II, Seção IV – Da Assistência Social (Brasil, 1988, grifo nosso):

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social, e
tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a


promoção de sua integração à vida comunitária;

120
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa


portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de
prover à própria manutenção ou de tê‑la provida por sua família, conforme
dispuser a lei.

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão


realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no
art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes
diretrizes:

I – descentralização político‑administrativa, cabendo a coordenação e as


normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos
programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades
beneficentes e de assistência social;

II – participação da população, por meio de organizações representativas, na


formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

Portanto, constitucionalmente, para um cidadão ter acesso ao benefício não é preciso contribuir
previamente ao sistema de seguridade, basta apresentar os condicionantes anteriores. O art. 204
mostra que os recursos para financiamento dos serviços assistenciais serão advindos das receitas
do sistema de Seguridade Social. Além disso, a Constituição prevê a gestão com participação
da população.

Além da Constituição, a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) – Lei n. 8.742, de 7 de dezembro
de 1993 – regulamentou as diretrizes, os objetivos e os princípios das ações. No Capítulo III –
Da Organização e da gestão – art. 7º, ficou estabelecido que as ações de assistência social devem atender
às normas expedidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). A gestão deve ocorrer de
forma descentralizada e participativa, com a presença do Poder Público e da sociedade civil na forma
de movimentos sociais e entidades de assistência social.

O Sistema Único de Assistência Social (Suas) foi deliberado na IV Conferência Nacional de


Assistência Social, e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) passou a
implantar o programa. O Suas serve para organizar toda a oferta da assistência social em todo o
Brasil, promovendo bem‑estar e proteção social à sociedade brasileira. As ações são coordenadas de
acordo com a nova Política Nacional de Assistência Social (PNAS), aprovada pelo Conselho Nacional
de Assistência Social (CNAS) em 2004.

Já a gestão das ações obedece à Norma Operacional Básica do Suas (NOB/Suas). Prevê a descentralização
administrativa do sistema, a relação entre diferentes esferas do governo (federal, estadual e municipal)
e a gestão financeira dos recursos públicos. Toda essa gestão deve ser transparente e universal, para
combater a pobreza e a desigualdade social.

121
Unidade II

Apesar da universalização prevista da assistência social, há alguns especialistas na área que


comentam sobre o assunto:

No âmbito da política de assistência social, a promulgação da Lei


Orgânica de Assistência Social (LOAS) não conseguiu ainda superar
a compreensão equivocada da focalização em segmentos e situações
específicas. A abrangência dessa política é muito restrita e os serviços
socioassistenciais não atingem mais do que 25% da população que
teria direito a esses serviços, à exceção do Benefício de Prestação
Continuada (BPC) e do Programa Bolsa Família, que vêm crescendo e
são responsáveis pela absorção de mais de 90% dos recursos destinados
à função assistência social. O Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), em processo de implementação desde 2004, está provocando
uma reorganização dessa política social. Ainda enfrenta, contudo,
enormes dificuldades, sobretudo nas relações entre as três esferas de
governo, no cofinanciamento, na expansão dos Centros de Referência
de Assistência Social (CRAS) e na sua necessária articulação com as
demais políticas sociais (Boschetti, 2008, p. 104).

Entre os programas assistenciais que mais ganharam notoriedade nos últimos governos, está
certamente o Programa Bolsa Família, que permitiu uma transferência de renda e o combate à miséria
no Brasil. O Bolsa Família atende mais de 12 milhões de famílias em todo o Brasil. O benefício
depende da renda familiar por pessoa (limitada a R$ 140), do número e da idade dos filhos e pode
variar entre R$ 32,00 e R$ 242,00.

Já que falamos de Seguridade Social anteriormente, agora iremos analisar os impactos das políticas
de proteção social que mais afetaram a vida do cidadão brasileiro.

6.8 Política assistencial: Programa Bolsa Família

O Programa Bolsa Família (PBF), introduzido por Lula em 2003, é a principal política de transferência de
renda existente no Brasil, caso não seja considerado o efeito do benefício assistencial (Benefício
de Prestação Continuada – BPC) e do piso de um salário mínimo do Regime Geral de Previdência
Social (RGPS) pago aos trabalhadores rurais e urbanos. Há diversas críticas ao PBF, como a ideia de que
houve uma maior taxa de fecundidade, ou seja, as mães optaram por ter mais filhos para aumentar
o valor do benefício, ou de que houve um incentivo a pessoas viverem do benefício, em detrimento
do salário. Críticas que não necessariamente têm cabimento. A despeito disso, é importante avaliar o
valor do benefício e seus efeitos sociais e também a proporção de gasto desse programa no orçamento
global do Brasil.

122
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

Quadro 1 – Benefícios pagos pelo Programa Bolsa Família

Benefício Básico, no Pago a famílias extremamente pobres (per capita mensal de até R$ 85,00)
valor de R$ 85,00
Benefícios Variáveis

Pago às famílias com renda mensal de até R$ 170,00 per capita e que tenham
1 – Benefício Variável Vinculado crianças ou adolescentes de 0 a 15 anos de idade em sua composição
à Criança ou ao Adolescente É exigida frequência escolar das crianças e dos adolescentes entre 6 e 15 anos de idade.
de 0 a 15 anos Os responsáveis devem levar as crianças menores de 7 anos para tomar as
R$ 39,00 (até 5 por família) vacinas recomendadas pelas equipes de saúde e para pesar, medir e fazer o
acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento

Pago às famílias com renda mensal de até R$ 170,00 por pessoa e que tenham
2 – Benefício Variável Vinculado grávidas em sua composição. São repassadas 9 parcelas mensais. O benefício só será
à Gestante concedido se a gravidez for identificada pela área de saúde para que a informação
R$ 39,00 seja inserida no Sistema Bolsa Família na Saúde
As gestantes devem fazer o pré‑natal e ir às consultas na Unidade de Saúde

Pago às famílias com renda mensal de até R$ 170,00 por pessoa e que tenham
crianças com idade entre 0 e 6 meses em sua composição, para reforçar a
3 – Benefício Variável Vinculado alimentação do bebê, mesmo nos casos em que o bebê não more com a mãe. São 6
à Nutriz parcelas mensais
R$ 39,00
Para que o benefício seja concedido, a criança precisa ter seus dados incluídos no
Cadastro Único até o sexto mês de vida

4 – Benefício Variável Vinculado Pago às famílias com renda mensal de até R$ 170,00 por pessoa e que tenham
ao Adolescente adolescentes entre 16 e 17 anos em sua composição. É exigida frequência escolar
R$ 46,00 (até 2 por família) dos adolescentes
5 – Benefício para Superação Pago às famílias que continuem com renda mensal per capita inferior a R$ 85,00,
da Extrema Pobreza mesmo após receberem outros tipos de benefícios do Programa
Valor calculado para cada família

Depois de cinco anos, completados em 2009, o Programa Bolsa Família (PBF) apresenta avanços
quanto à cobertura da população em situações de pobreza e indigência e quanto à continuidade e à
operacionalização. Diversos estudos e análises apontam para a contribuição do programa na redução
das desigualdades sociais e da pobreza. Esta subseção está baseada no relatório de Política Social do
Ipea (2011).

No final de 2009, o PBF atendia 12,4 milhões de famílias, sendo a região Nordeste a de maior
concentração, seguida pelo Sudeste. Além disso, o PBF permitiu um aumento da renda média das famílias.
Se considerarmos o Brasil, a renda média passou de R$ 48,69, antes do recebimento do benefício, para
R$ 72,42, após o recebimento (crescimento de 48,7%). O impacto maior foi novamente no Nordeste,
seguido pelo Norte.

Efeitos no que se refere à saúde e à educação:

• As crianças e os adolescentes (6 a 17 anos) do Bolsa Família têm uma taxa de matrícula 4,4 pontos
percentuais maior que os não beneficiários de igual perfil socioeconômico. Este efeito é maior na
região Nordeste.

123
Unidade II

• As crianças e os adolescentes do PBF têm taxa de progressão escolar 6,0 pontos percentuais
maiores do que os não beneficiários de igual perfil socioeconômico.

• O programa aumenta a busca por serviços de saúde. As mulheres grávidas beneficiárias


tiveram em média 1,5 mais consultas pré‑natal que as grávidas não beneficiárias de mesmo
perfil socioeconômico.

• O programa explica o aumento do peso das crianças beneficiárias ocorrido entre 2005 e 2009.

• As crianças do PBF de até 6 meses também receberam as sete vacinas prescritas em proporção
maior (15 pontos percentuais) que as não beneficiárias de mesmo perfil socioeconômico.

• Os beneficiários demonstram bom conhecimento de aspectos operacionais do programa. Mais


de 80% identificam a linha de extrema de pobreza do programa e mais de 90% identificam as
principais condicionalidades de educação e saúde.

• Os beneficiários declaram majoritariamente (81%) não enfrentar problemas para cumprir


as condicionalidades.

O PBF já beneficiou muitas famílias, conforme pode ser observado a seguir:


26,0
24,9

24,0

22,0
20,3
20,0

18,0 17,6

16,0
14,6
14,1
14,0 13,7
13,4
12,9
12,3 12,7
12,0 11,1 11,1
11,6
10,5
10,0 9,2
8,7
8,0 7,8
6,5 6,5
6,0 5,7

4,0 3,6 3,4

2,0

0,0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Famílias beneficiadas (milhões) Valores dos benefícios (R$ bilhões)
Figura 28 – Programa Bolsa Família – famílias beneficiadas e valores dos benefícios

Fonte: Brasil (2015).

124
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

O gráfico 28 é importante para se ter a dimensão da pobreza no Brasil. O PBF pode não ser a melhor
maneira de se combater a pobreza, porém foi sem dúvida uma medida eficaz, já que reduziu drasticamente
esse fenômeno, e com baixo custo para os cofres públicos (aproximadamente 0,5% do PIB).

Figura 29 – Beneficiários com o cartão do Programa Bolsa Família

Disponível em: https://cutt.ly/gwkN18Ho. Acesso em: 28 nov. 2016.

Quanto à distribuição desse benefício, tem‑se uma concentração nas regiões Nordeste e Sul, já que
são a mais pobre e a mais populosa do Brasil, respectivamente.
Centro‑Oeste
Sul 5%
8%

Norte
11%

Nordeste
53%

Sudeste
23%

Figura 30 – Distribuição regional dos benefícios do PBF, em 2009

Apesar dos efeitos positivos do PBF, do simples fato de sua existência ter melhorado a condição de
vida de milhões de brasileiros e de ser reconhecido mundialmente, o programa recebeu e recebe vários
tipos de crítica, como mencionado anteriormente.

125
Unidade II

Resumo

Quanto ao sistema tributário, vimos nesta unidade que:


Tributos , sendo tributos dados por:
Carga tributária =
(PIB, PNB)
Tributos = Impostos + Taxas + Contribuições de melhoria + Contribuições
sociais e econômicas

Outros conceitos importantes são:

• Impostos diretos: é o contribuinte que arca com o ônus do


pagamento, não podendo transferir a terceiros; tendem a ser
progressivos. Exemplo: imposto sobre a renda ou o patrimônio.

• Impostos indiretos: o contribuinte pode transferir total ou


parcialmente o ônus do pagamento a terceiros; incidem sobre a renda
gasta e tendem a ser regressivos. Exemplo: imposto sobre circulação
de mercadorias e serviços.

Historicamente, a carga tributária brasileira apresenta uma tendência


de crescimento. A Constituição de 1988 desenhou um sistema tributário
progressivo, mas, na realidade, esse sistema é bastante regressivo quando
se observa a incidência dos tributos. Além disso, outra característica
é a concentração da receita na União, o que prejudica a tentativa de
descentralizar a gestão e o poder do Estado.

O Sistema de Seguridade Social no Brasil, tal como é conhecido


atualmente, foi formatado na Constituição de 1988. Esse sistema se
apresenta, em matéria de proteção social, como de caráter público e
universal para todos os cidadãos e de dever do Estado. Ele representou um
avanço em direitos sociais, já que é um sistema integrado que envolve: a
Previdência Social, a Saúde, a Assistência Social e o Seguro‑desemprego.
Antes disso, havia alguns programas sociais, porém eles não apresentavam
esse caráter universal.

A própria Constituição previa uma base de financiamento diversificada


para garantir a implantação desses direitos. Porém, nos anos 1990, diante
do quadro de crise econômica e política e do avanço do neoliberalismo,
houve desde falhas na implantação desse sistema até reformas. Em 1998,
durante do governo de FHC, houve a primeira reforma da Previdência, que
retirou alguns direitos dos trabalhadores do segmento privado da economia.

126
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

Em 2003, no início do governo Lula, o quadro de reformas apresentou


mudanças na Previdência. Apesar disso, houve a implementação de
uma política assistencial: o Programa Bolsa Família (PBF). Esse programa
beneficiou uma parcela significativa da população pobre e miserável,
afetando inclusive a saúde e a educação. Assim, essas políticas são
importantes por permitirem uma melhora na distribuição de renda e na
desigualdade social.

127
Unidade II

Exercícios

Questão 1. Acerca da classificação dos tributos, analise as afirmativas a seguir:

I – Tributos diretos são aqueles cujo ônus recai sobre o próprio contribuinte.

II – Tributos incidentes sobre a renda e o patrimônio são considerados indiretos e atendem ao


princípio da capacidade de pagamento.

III – Imposto cumulativo sobre vendas de mercadorias é considerado como indireto e atende aos
princípios de neutralidade e progressividade.

IV – Impostos seletivos, a exemplo dos incidentes sobre bebidas alcoólicas, ferem o princípio da
neutralidade e são considerados como indiretos.

É correto o que se afirma em:

A) I, apenas.

B) IV, apenas.

C) II e III, apenas.

D) I e II, apenas.

E) I e IV, apenas.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: trata‑se da definição do conceito de tributo direto.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: os tributos incidentes sobre a renda e o patrimônio são considerados como diretos.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o tributo é considerado como direto e não atende aos princípios de neutralidade
e progressividade.
128
ECONOMIA E GESTÃO DO SETOR PÚBLICO

IV — Afirmativa correta.

Justificativa: são impostos que ferem o princípio da neutralidade. Portanto, provocam mudanças
de comportamento.

Questão 2. (Enade 2006) Entre 1968 e 1973, a economia brasileira apresentou elevadas taxas de
crescimento com baixa inflação, sendo tal período apontado como “milagre econômico”. Contribuíram
para esse “milagre econômico”:

I – A realização de reformas tributária, financeira e salarial, no período 1964‑1967.

II – A existência de capacidade ociosa na indústria, no início do período.

III – A conjuntura econômica mundial favorável, em termos comerciais e de financiamento.

Está(ão) correto(s) o(s) item(ns):

A) I, apenas.

B) III, apenas.

C) I e II, apenas.

D) II e III, apenas.

E) I, II e III.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: as reformas tributária, financeira e salarial do período 1964-1967 (por meio do Plano de
Ação Econômica do Governo – PAEG) efetivamente contribuíram para o “milagre econômico” do período
posterior. Retomando o discurso desenvolvimentista, mas atrelando-o a um programa de estabilização
e de controle da inflação, o PAEG permitiu as transformações institucionais que preparariam o terreno
para o crescimento dos anos de 1968 a 1973. Do ponto de vista salarial, e com o objetivo de controlar o
excesso de demanda, que se entendia como causa principal da inflação, obteve-se um arrocho salarial
de quase 27%, somando-se as perdas de 1965 a 1967; é importante ressaltar, entretanto, que esse
achatamento salarial só foi possível por meio do autoritarismo e da ação repressora nos sindicatos e nas
representações trabalhistas, e da política “disciplinadora” assegurada pela criação do Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço – FGTS, que substituía a antiga estabilidade no emprego após dez anos de serviço.
O reajuste anual do salário completava a redução do poder aquisitivo dos salários.
129
Unidade II

Com relação à política financeira, o PAEG criou o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional
e institucionalizou os mecanismos de correção monetária com os reajustes a partir das Obrigações
Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN). Além de aparelhar o sistema financeiro, também procurou
restringir a liquidez dos meios de pagamento, especialmente aqueles nas mãos dos trabalhadores. Em
relação à política tributária, o PAEG criou um sistema tributário centralizado, permitindo o aumento da
arrecadação: o Estado passou a se financiar atrelando a dívida pública às ORTNs ou às LTNs (Letras do
Tesouro Nacional) e fomentaram as exportações por meio de incentivos fiscais.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: como herança da recessão dos anos anteriores, havia capacidade ociosa na maioria
das indústrias, especialmente em função das escalas mínimas e da desorganização econômica: a queda
na produção industrial, nos anos anteriores, havia sido notável. A intenção de Delfim Netto, gestor do
“milagre econômico”, era aproveitar essa capacidade ociosa para, liberando o crédito e retomando o
investimento, fazer dela uma oportunidade para o crescimento.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: já recuperado da II Guerra Mundial e embalado pelo crescimento da própria economia


americana, o capitalismo internacional mostrava-se propício à expansão e ao crescimento. Antes do salto
brasileiro, as economias da Alemanha, do Japão, da Espanha e de Formosa já haviam recebido o impacto
positivo da elevação dos fluxos internacionais de comércio e de capital, mesmo porque os Estados
Unidos impulsionavam o crescimento de outras nações, particularmente os perdedores da II Guerra e os
países subdesenvolvidos, verdadeiros celeiros de oportunidades para investimentos diretos ou indiretos.
As economias dos países desenvolvidos caminhavam em direção ao pleno emprego, finalmente atingido
nos anos 1960: a crença era de crescimento e de prosperidade contínua. Segundo Hobsbawm (1995),
a produção de manufaturas no mundo, na década de 1960, já havia se quadruplicado e o comércio
mundial dos produtos da industrialização havia se multiplicado por dez. Os números relativos à posse
de automóveis, de telefones e de outros bens industrializados provavam o crescimento econômico e a
disseminação do bem-estar para todos que adotaram o modelo capitalista.

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