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CURSO DE

CLÍNICA MÉDICA AMBULATORIAL


3ª EDIÇÃO

Raciocínio Clínico

Fernando Salvetti Valente


Médico Assistente do HCFMUSP
Roteiro

• Contextualização

• Etapas do processo diagnóstico

• Raciocínio tipo 1 vs tipo 2

• Vieses cognitivos

• Estratégias para diminuição de erro


Erros Diagnósticos

• Causa importante de morbimortalidade

• Podem ser erros do sistema ou erros do


pensamento/raciocínio

• Medicina Interna: acurácia diagnóstica de cerca de


85%
Processo diagnóstico

Coleta Organização Representação


de dos dados do problema
dados

Comparação Impressão diagnóstica e


Seleção do com scripts de
diagnóstico diagnóstico diferencial
doença
Metacognição

Pensar sobre pensar


Coleta de dados
• História e exame clínico

• Principais dicas iniciais


– Faça perguntas abertas e deixe o paciente contar
livremente sua história
– A partir daí, você já terá algumas hipóteses
diagnósticas
– Cada próxima pergunta e cada manobra do exame
clínico servirá como um teste que deverá diminuir ou
aumentar a probabilidade das suas hipóteses
Representação do problema

• Contextualização
• Padrão temporal
• Achados clínicos chave

• Resumo usando qualificadores semânticos

• Procurar características que sejam definidoras ou


discriminatórias
Característica definidora

Gota Infecção
Episódica Episódio único
Recorrente Monoarticular Paciente febril e toxemiado
Sexo masculino

Representação
Característica do problema
discriminatória
Crônica

Osteoartrite
Múltiplas articulações
Declínio de funcionalidade

Comparar e contrastar

Adaptado de N Engl J Med 2006; 355:2217-2225


Exemplo
Joana, 32 anos de idade, sem nenhum antecedente
relevante. Queixa-se de dor em ambos os punhos, que se
iniciou há 4 meses, com acometimento posterior de
metacarpofalangeanas e interfalangeanas proximais, de
forma simétrica. Associa-se rubor e calor em todas as
articulações acometidas, além de rigidez matinal de cerca
de 1 hora. Queixa-se também de falta de energia para
realizar as atividades do dia a dia

• Mulher jovem
• Previamente hígida
• História crônica
• Poliartrite simétrica e aditiva de pequenas articulações
Formulação de hipóteses diagnósticas e diagnósticos
diferenciais

• Considerar
– Prevalência
– Gravidade

– Quanto à representação do problema, se parece


com o que seria esperado para determinada doença

Script de Doença
Como armazenamos o conhecimento?

Teoria dos Scripts de Doença

• Epidemiologia

• Insulto fisiopatológico

• Cronologia

• Quadro clínico
Condições predisponentes

Idade > 40 anos


Sexo masculino Epidemiologia
Uso de álcool
Uso de diuréticos

Mecanismos

Metabolismo anormal do
ácido úrico
Insulto
Precipitação de cristais na
articulação fisiopatológico
Inflamação da articulação

Consequências clínicas

Dor aguda
Articulação única,
Cronologia e
usualmente primeira
metatarsofalangeana quadro clínico
Recorrente

Adaptado de N Engl J Med 2006; 355:2217-2225


Escrevam a principal hipótese
diagnóstica e anotem o tempo que
levaram para chegar a ela
Homem de 17 anos com dispneia há 3 meses.
Queixa é episódica, principalmente à noite,
acompanhada de chiado no peito e tosse seca. Tem
antecedente de rinite e dermatite atópica desde a
infância.

• Homem jovem com atopia


• Dispneia episódica, associada a sibilos

Asma
Homem de 60 anos, com dispneia há 6 meses, associada a tosse
diária, com expectoração hialina pela manhã. Tem alguns episódios de
chiado no peito. Nesse período, precisou ir ao pronto-socorro uma vez
devido a piora da tosse e mudança na coloração do catarro. Foi tratado
com antibiótico e corticoide por uma semana. É tabagista de um maço
por dia há 45 anos. Ao exame físico, apresenta aumento do diâmetro
ântero-posterior do tórax e diminuição difusa do murmúrio vesicular.
Não há edema de membros inferiores.

• Idoso, tabagista
• História crônica
• Dispneia, sibilos, expectoração diária, exacerbação, sinais de
hiperinsuflação pulmonar

DPOC
Homem de 75 anos, internado para cirurgia de prótese total
de quadril direito. No PO1, apresentou dispneia súbita, dor
torácica ventilatório-dependente e hemoptise. Neste
momento, ao exame clínico, apresenta PA = 100x60mmHg,
FC = 115bpm (regular), ausculta respiratória normal, com
SpO2 = 85% em ar ambiente. Radiografia de tórax feita no
leito: sem alterações.

• Idoso, pós-operatório de cirurgia ortopédica


• História súbita
• Dispneia, taquicardia, hemoptise, dessaturação com
pulmões limpos

Tromboembolismo Pulmonar
Reconhecimento de padrões
Raciocínio tipo 1 versus tipo 2
Tipo 1

• Rápido, intuitivo
• Baseia-se no reconhecimento de padrões
• Menos raciocínio e mais reação a um conjunto de
informações
• Uso de heurística (atalhos mentais) → quando há falha:
vieses cognitivos
• Usualmente acurado, mas passível de erro

• Dirigindo seu carro para o trabalho em um dia normal


Tipo 2

• Lento, analítico
• Demanda muito em termos cognitivos
• Inerentemente mais acurado
• É de muito valor em circunstâncias complexas

• Dirigindo seu carro para o trabalho, quando de repente


começa uma tempestade
Vieses cognitivos

• Disponibilidade

• Ancoragem

• Fechamento precoce

• Confirmação

• Representatividade

Perm J. 2011 Summer; 15(3): 68–73


Disponibilidade

– Julgamento da probabilidade de uma doença de


acordo com a facilidade com que ela é lembrada
(quão disponível está na memória)

Perm J. 2011 Summer; 15(3): 68–73


Exemplo: fiz o diagnóstico de pericardite constritiva em
um paciente com edema de membros inferiores mês
passado
– Hoje estou diante de um paciente com edema de
membros inferiores
– Posso superestimar a probabilidade de pericardite
constritiva nos meus diagnósticos diferenciais

Perm J. 2011 Summer; 15(3): 68–73


Ancoragem

– Médico fica preso à sua hipótese diagnóstica inicial,


apesar de dados que a contradizem

Perm J. 2011 Summer; 15(3): 68–73


Exemplo: paciente com doença renal crônica estágio
5, com alteração do nível de consciência e mioclonias
de membro superior esquerdo, atribuídos a uremia
(âncora)
– Após diálise adequada, o paciente não teve melhora
(evidência que contradiz a hipótese), mas o médico
teve dificuldade em rever o diagnóstico

Perm J. 2011 Summer; 15(3): 68–73


Fechamento precoce

– Determinar que uma hipótese é a correta com


informações insuficientes ou sem buscar
informações contraditórias

Perm J. 2011 Summer; 15(3): 68–73


Exemplo: paciente com artrite reumatoide, em uso de
imunossupressores. Procurou atendimento por
dispneia, e durante a investigação, foi visto um
tromboembolismo pulmonar subsegmentar
– O médico ficou incomodado com a presença de um
infiltrado reticular pulmonar bilateral. Solicitou
broncoscopia, que fez o diagnóstico de
pneumocistose

Perm J. 2011 Summer; 15(3): 68–73


Confirmação

– Diante da minha hipótese diagnóstica, tendo a


procurar evidências que a apoiam, ignorar dados
que a contradizem e interpretar erroneamente dados
ambíguos

Perm J. 2011 Summer; 15(3): 68–73


Exemplo: paciente com anemia e reticulócitos quase
ausentes. Feita hipótese diagnóstica de anemia
ferropriva. Radiografia de tórax com o mediastino um
pouco alargado
– A reticulocitopenia foi considerada como um dado a
favor da hipótese de anemia ferropriva
– A radiografia foi ignorada
– O diagnóstico final foi aplasia de medula por timoma

Perm J. 2011 Summer; 15(3): 68–73


Representatividade

– Julgamento da probabilidade de uma doença de


acordo com o quanto a apresentação clínica se
parece com um caso prototípico dela, ignorando-se
a prevalência

Perm J. 2011 Summer; 15(3): 68–73


Exemplo: paciente com hipertensão, cefaleia,
diaforese e palpitações. O médico suspeita fortemente
de feocromocitoma
– Entretanto, cada um desses sintomas é muito
comum na prática clínica
– O diagnóstico de feocromocitoma é pouco provável,
pois trata-se de uma doença rara
Qual é a importância de se conhecer esses vieses?

• Tal conhecimento pode estar relacionado a menor


taxa de erros
Estratégias para diminuição de
erros
• Identificar situações de alto risco para erro → pausar e
usar o sistema 2
– Ambiente: alta demanda e/ou alta complexidade
– Paciente não evolui conforme esperado ou há dados
conflitantes
Metacognição

• Checklist cognitivo
– O que mais pode ser?
– Qual é o pior diagnóstico que pode ser?
– Que dados não batem com minha principal hipótese
diagnóstica?
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CLÍNICA MÉDICA AMBULATORIAL


3ª EDIÇÃO

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