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Documents n°218
Suplemento do número 21
de setembro 1990
Jean Astier - Sylvie Becchino - Jacqueline Benais - Nicole Beme - Laurence Destrade - Solange
Durand -Émilie Faure - Paulette Germain - Jean Roucaute - Denise Roux - Florence
Sabathé - Annie Solas - Claire Vuillequez e a equipe da École maternelle des Béalières 38 -
Meylan.
INTRODUÇÃO 4
Expressar-se livremente 15
Um canto sonoro na classe dos pequenos 15
Acesso à autonomia 16
Autonomia na educação infantil: um quadro para os ateliês 16
Motivação 18
O conto musical 19
Papel do professor 20
Confecção de um álbum 21
Tateamento experimental 22
No domínio científico: estudo dos deslocamentos 23
Através de exemplos da vida cotidiana: 31
O livro da vida 31
Correspondência 31
Um jornal diário 32
CONCLUSÃO 34
BIBLIOGRAFIA 36
INTRODUÇÃO
Através de alguns exemplos concretos tirados de nossa pedagogia cotidiana e cuja lista
não é exaustiva, mostramos, na primeira parte do dossiê, o que fazemos para que o
desenvolvimento da personalidade de cada um se faça nas melhores condições, embora
saibamos que não somos os únicos a participar desse desenvolvimento necessariamente
global.
Na segunda parte, tentamos mostrar, sempre nos apoiando em nossas práticas cotidia-
nas e a elas acrescentando o esclarecimento da teorização, como conseguimos ajudar a
criança na estruturação de sua pessoa.
Se, como afirmam, “tudo acontece antes dos seis anos”, temos um papel especialmente
criativo a compartilhar com todos os parceiros educadores, em particular os pais, para
ajudar a criança a crescer.
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(1) NT – Como o início das aulas na França é no mês de setembro, o ano escolar tem sempre a referência de dois anos calendário.
(2) NT - ASEM – Assistente da Escola Maternal. Funcionária contratada pela municipalidade para auxiliar cada professor de edu-
cação infantil. Os professores são funcionários ligados ao Ministério da Educação.
(3) NT – É a volta às aulas após o recesso do fim do ano calendário.
(4) NT – Como os autores não deram referências, acredito que por se tratar de nomes muito conhecidos na França, me aventurei
na rede, guiada pelos sobrenomes e o tema tratado. No final da bibliografia apresento algumas informações e os endereços.
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Por falta de recursos financeiros, esse projeto não é posto em prática, mas permanece
em estudo. Paralelamente, nossa experiência de deitar as crianças imediatamente após
o almoço, como preconizava a doutora Delormas, não é bem-sucedido. Sala muito
grande? Muito clara? Voltamos à sesta das 13h30m no local inicial.
Para os pequenos, a separação dos locais de refeição em dois espaços distintos inega-
velmente foi um sucesso. Constatamos uma nítida melhora na atenção das crianças e
uma fadiga menor no período da tarde. A partir das 11h, propomos atividades calmas
(histórias, música, poesia) e uma retomada às 13h30m com atividades individuais re-
pousantes em ateliês, até as 14h45m, quando atividades mais tônicas são autorizadas
(psicomotricidade, na classe dos grandes (5).
Respeitar os ritmos biológicos das crianças (alternância repouso-movimento) só foi pos-
sível graças à participação de todos da escola e de dos que com ela têm parceria, pois
foi organizada uma estrutura não rígida que se adaptou principalmente à criança.
A organização de um grupo de reflexão que incluiu os pais (67% se manifestaram, 84%
das famílias são favoráveis à mudança) permitiu fazer compreender que não se deve
acordar uma criança, que há escolhas a fazer a seu favor.
Mesmo que, na prática, as dificuldades tenham permanecido, em particular o problema
do financiamento para o pessoal suplementar para cuidar do período até às 14h30m,
temos muita esperança de que esse projeto venha a ter sucesso.
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(5) NT – A Educação Infantil é dividida em 3 níveis: seção dos pequenos – 3 anos (PS), seção dos médios –
4 anos (MS), seção dos grandes – 5 anos (GS).
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Necessidades afetivas
Rémi
Rémi veio para nossa escola no início de janeiro de 1990. Seu pai apresentou o pro-
blema: é divorciado, Rémi fica com ele uma semana por mês. O resto do tempo ele passa
com a mãe em Toulon, no Var.
Conversamos com as crianças, na roda da conversa. “
“É como o vovô e a vovó. A vovó mora em Mônaco e o vovô, na Suíça”, diz Emmanuelle.
“Eu também”, diz Damien. Vovó mora sozinha. O vovô mora em outro lugar...”
Benjamin só escuta, seus pais vão talvez se separar.
Rémi chegou. Integração fácil. Proponho uma correspondência com a professora de
Toulon. O que mais poderia fazer, a não ser trazer referenciais para essa criança que não
sabe onde mora? Aconselho o pai a dar a Rémi uma agenda pessoal na qual ele possa
marcar quando vai estar em Toulon e quando vai estar em Herbeys. Reconhecemos que
a situação dele é difícil. Mostramos para ele que o compreendemos.
A correspondência proposta não teve repercussão junto à professora de Toulon. Rémi
vai se adaptar, compreendendo que os adultos não têm a mesma maneira de trabalhar.
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(6) C.Pochet, F.Oury L'année dernière j'étais mort, signé Miloud, Matrice éditeur.
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O que pode ter acontecido em casa para que Pierre, que nada tinha a ver com o caso,
fosse acusado com Julien de uma hipotética besteira? Mistério das comunicações
sucessivas...
Prendo-me ao fato. A hipotética besteira não havia perturbado a classe na terça-feira.
Portanto, não quero saber mais nada. Assunto encerrado.
Sejamos claros: de um lado, a escola, onde, “enquanto professora”, tenho direitos. De
outro lado, a casa, onde os pais, eles também, têm direitos. Então, com as crianças, de-
cidimos que o que acontece na escola não tem que ser obrigatoriamente contado em
casa, e vice-versa. E continuei a estabelecer estruturas de vida cooperativa e referenciais
para que as crianças se encontrem e espaços de liberdade para que elas, das quais me
encarrego e que já são tão enquadradas, vigiadas, amarradas nas normas sociais, pos-
sam respirar.
A dificuldade é descobrir o que devemos dizer aos pais que possa ajudar a criança na
vida escolar sem abafá-la.
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fotos - https://www.icem-pedagogie-freinet.org/node/6516
Nota da Tradutora – na leitura dos quadros a seguir, lembrar que o ano letivo na França começa em setembro.
No início de outubro, eu questiono: E eu acrescento: 10
Sobre o que podemos falar no Conselho?
- quando brigamos com os colegas. - o que vocês gostam Em novembro Em fevereiro:
- os que não fazem seu trabalho. - o que vocês não gostam Organizar - a festa
- quando fazemos muito barulho. - o que vocês querem fazer -- a visita dos Amigos Organizar o carnaval
- quando os outros não arrumam as coisas. - se você está triste Em dezembro: Em março:
- quando eles pegam todos os brinquedos. - se você não está contente Preparar o Natal Preparar a viagem de visita
aos Amigos
*Durante o ano, são as situações que criam a necessidade dos conselhos.
Fazemos os conselhos para tratar das situações da vida. Cada um comunica suas ideias: anotamos tudo – selecionamos – dividimos as tarefas
Escrevemos o plano da organização – marcamos no calendário
Após várias sessões, eles dizem o que gostam. É preciso dinheiro para comprar material – para pagar o ônibus –para ver um espetáculo
Mas não falam ainda do que não gostam : Procuramos ver como ganhar: fazer – fabricar - gerir
Estar feliz
Gosto de ler, de ir na biblioteca infeliz
Gosto de jogar dados, desenhar, cantar. Em dezembro e fim de janeiro:
Gosto de fazer música.
Gostar de fazer porque - É preciso pensar no plano de trabalho,
Gosto de ginástica. e poder dizer se tem liberdade nem todos trabalharam.
Gosto de ver tv. - Eles não arrumaram os jogos.
De brincar com os pequenos. de escolher - As canetinhas não estão arrumadas.
De dançar. de parar Plano de trabalho:
Poder exprimir: - Tentam pensar sozinhos.
Gosto quando os Amigos vêm. de respeitar o cansaço - Tentam concluir.
De piquenique. o que gosta - Se não concluem tudo, não é tão grave.
De andar de trem. o que não gosta Eu explico: no sábado, vamos marcar:
Quando recebemos cartas.
Quando preparamos a festa. Poder escolher Educar a autonomia - se souberam pensar sozinhos
organizar - se pensaram em fazer tudo
Quando fazemos aniversário. Assim podemos progredir
Poder gerir seu tempo gerir seu tempo
fazer projetos Depois, eu proponho:
gerir a caixa Vamos colocar nas regras de vida:
da cooperativa: - pensar na arrumação
Em janeiro aparece pela primeira vez: Eu não gosto de trabalhar, às vezes cansa! ganhar / gastar - pensar nas responsabilidades
Balanço: A preparação desse dia foi uma grande experiência para todos. As crianças fa-
laram e propuseram suas ideias. Cada um, do mais novo ao mais velho, participou se-
gundo suas possibilidades. Pedimos a ajuda das mães, tanto para a preparação quanto
para fornecer os ingredientes do almoço. O clube da Terceira Idade emprestou-nos sua
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cozinha para fazermos os bolos. A participação das mães dos alunos parece-me neces-
sária não só pela ajuda que nos deram, mas também porque é uma oportunidade para
elas terem uma outra visão da escola e sobre o que se pode fazer nela. Esse olhar, elas
vão transmitir aos outros pais, e isso pode contribuir para a escola. O mesmo acontece
com a utilização da sala da Terceira Idade: os membros dessa associação muitas vezes são
avós dos alunos. As relações exteriores são muito importantes numa cidade pequena.
É difícil para crianças pequenas organizarem sozinhas um dia inteiro (dificuldades para
medir o tempo e avaliar as situações), e o papel do professor é importante com as cri-
anças da educação infantil. Mas dar a palavra a elas, permitir que exprimam suas ideias
e levá-las em conta, explicar-lhes por que uma determinada proposta não pode ser rea-
lizada, já não seria um passo para a democracia e o respeito à criança?
Fazemos uma bela carta para situar Herbeys e lhes perguntar como é Botez.
Foi então que os acontecimentos noticiados se acumularam. Nas conversas da manhã,
logo antes do Natal, falamos da Romênia. E tornamos a falar na volta dos feriados, em
janeiro. Chegou uma carta de Botez. É preciso responder! As crianças viram em suas
casas, durante as férias do Natal, a preparação de pacotes com víveres e medicamentos.
A Romênia não lhes é estranha.
Se elas vivem tão intensamente alguns acontecimentos, é porque tiveram provas tangí-
veis de que ela existe, que sua população está sofrendo, e que existem outras crianças,
como elas, nesse país longínquo... todavia, menos longínquo do que aquele para onde
Myrian voltou, o Canadá.
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(7) NT – Biblioteca de Trabalho (BT), revista documental, foi criada em 1932 por Freinet como alternativa
ao livro didático. Em 1965 foi lançada Biblioteca de Trabalho Júnior (BTJ), com linguagem mais accessível
às crianças do primário. São produzidas pelo ICEM e vendidas por assinatura.
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Expressar-se livremente
Um canto sonoro numa classe de pequenos
O canto sonoro é um espaço da classe especialmente arrumado para dar a cada criança
a possibilidade de descobrir e de produzir sons livremente, sozinha ou em pequenos
grupos. Concebido como uma “casa dos sons”, ele é arrumado da seguinte maneira:
- móbiles sonoros, fixados no teto, em diferentes alturas, permitem que a criança pro-
duza sons estando em diversas posições (de pé, sentada, deitada). Há chocalhos, guizos,
tubos de metal, tubos de madeira...
- um móvel, sobre o qual estão colocados
um piano elétrico e um metalofone, permite
interpor diversos objetos sonoros (caixinhas
de música, apitos, tampinhas metálicas, sa-
quinhos ou potinhos com grãos, areia, pedri-
nhas, elementos naturais). As crianças gos-
tam de ter materiais sonoros variados, bem
como objetos que possam percutir com a
mão, com pedaços de madeira, etc. Cada um
pode se apropriar do canto sonoro em fun-
ção de seus desejos e de suas descobertas.
O canto sonoro tem por objetivos:
enriquecer as percepções auditivas dos “pequenos”, permitindo-lhes fazer, durante
seus tateamento, discriminações cada vez mais delicadas, e levá-las “naturalmente”
do SOM à MÚSICA, da fase de descoberta ou de exploração à fase de expressão mu-
sical, de criação;
permitir que a criança descubra e diferencie sons produzidos por diversas fontes sonoras;
ajudar a criança a se localizar no mundo sonoro;
desenvolver a criatividade e a expressão (verbal-musical) através do jogo livre, do
tateamento, do prazer.
As crianças podem ocupar esse canto durante as atividades em ateliês, de manhã, e após
o recreio, e à tarde depois do sono (o canto sonoro está instalado no dormitório).
Estabelecemos as seguintes regras de vida:
- quatro a cinco crianças no canto sonoro para evitar que elas se atrapalhem e que
produzam um volume sonoro que possa atrapalhar o resto da classe;
- não levar os “objetos sonoros” para outro lugar da classe, por um lado, para poder
sempre encontrá-los, e, por outro lado, para não perturbar os outros ateliês.
Esse ateliê está instalado num canto da sala um pouco afastado (dormitório) de modo a não
atrapalhar as atividades que precisam de calma (biblioteca, quebra-cabeças) ou concentra-
ção (fichas de grafismo, atenção visual, matemática) e para não prejudicar as gravações das
produções sonoras com o barulho proveniente das outras atividades da classe. Além disso,
ele está perto de uma tomada elétrica para ligar o piano elétrico e do gravador.
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Acesso à autonomia
Autonomia na educação infantil: um quadro para os ateliês
Eu tinha muitos problemas com a inscrição das crianças nos ateliês até que tive a ideia
de fazer um quadro de dupla entrada.
É um quadro desenhado num painel, contendo, no início de cada linha, os nomes das
crianças, e no alto de cada coluna, em cartões móveis fixados com adesivo, os nomes
dos ateliês, com desenhos ilustrativos (que não reproduzimos no quadro abaixo).
Para facilitar a localização, cada linha é pintada com uma cor diferente.
Cada criança tem uma etiqueta plastificada com seu nome, que ela cola com o adesivo
na sua linha pessoal e na coluna do ateliê escolhido. Quando termina a atividade, ela
recoloca sua etiqueta no início da linha e faz um X com o marcador no quadro.
O painel é revestido de plástico adesivo transparente para poder apagar os X.
Este quadro apresenta várias vantagens:
1. podemos visualizar rapidamente a distribuição das crianças pelos ateliês e não perde-
mos tempo para saber quem escolheu o que;
2. o quadro não precisa ser refeito a cada vez que se muda de ateliê, basta apagar os X.
Em nossa classe, decidimos fazer uma convenção: quando uma criança não terminar o
trabalho num dia, ela faz um X vermelho no quadro. No dia seguinte ela deve se inscre-
ver de novo nesse ateliê. Tem prioridade sobre as outras crianças. Quando ela termina
o trabalho, apaga o X vermelho e marca o X preto.
Este sistema permite ver quem não terminou o trabalho e evita que os trabalhos come-
çados fiquem sem terminar.
Nota: No alto do quadro são feitos pequenos desenhos que ilustram os nomes dos ateliês.
...
pintura desenho gravador modelagem
Marie
X
Vincent
X
Barbara
X
Sylvain
...........
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Construção de um mezanino
Faltava espaço na minha classe para tudo o que eu gostaria de fazer:
- 60m2 para trinta e cinco crianças de três anos;
- com janelas colocadas a 1,20m do chão, não havia visão para o exterior e também
não havia possibilidade de plantar alguma coisa à altura das crianças;
- o único ponto luminoso era a porta-janela reservada ao canto-biblioteca;
- não havia lugar para instalar um canto-fantoche permanente; os teatrinhos monta-
dos provisoriamente eram monopolizados pelos mais ousados, e os tímidos, que mais
precisavam deles, não tinham acesso livremente;
- Impossível instalar um canto-gravador: havia muito movimento de passagem.
A solução que imaginei era construir um pequeno mezanino, de 2m x 3m. Teríamos:
- mais espaço no chão;
- liberação do único espaço luminoso para poder instalar as plantas;
- colocação para o alto, e para a calma, da biblioteca e a possibilidade de arrumar no
mesmo local o canto-gravador;
- possibilidade de ter um palco de fantoches permanente e de fácil acesso, colocando
uma cortina entre os dois pilares do mezanino.
Mas colocava-se um grande problema material: como construir esse mezanino?
A prefeitura se opunha ao projeto. Ela tem a seu encargo 22 classes de educação infantil
e tem medo das fantasias pedagógicas dessas senhoras, principalmente quanto custam
10.000 francos (estimativa da prefeitura e podem se tornam contagiosas, ou requisitam
um trabalho importante dos raros empregados municipais capazes de realizá-lo.
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Então, reuni os pais e lhes expus o meu projeto:
- planta de um mezanino de madeira inspirado na BTJ no 268;
- projeto de financiamento baseado na venda de calendários impressos pelas crianças
(serigrafia, papel marmoreado, etc.). Se cada família conseguisse vender dez calendários
a 10 francos cada um, teríamos os 3.000 francos necessários para comprar a madeira;
- apelo a pessoas de boa vontade e aos que têm alguma competência para trabalhar a
madeira e montar o mezanino.
Todos concordaram, e um pai propôs os serviços gratuitos de um colega marceneiro...
Surpreendente!
Hoje o mezanino está pronto. É bonito e sólido. Deu mais espaço para a sala e só custou
2.400 francos. Como arrecadei 3.500, o resto servirá para melhorar as prateleiras da
biblioteca, comprar um aquário suplementar (água do mar), fones para o canto de au-
dição, tecido para as cortinas, e mais o que for possível...
As crianças estão encantadas, tanto em cima quanto embaixo.
Descobrem uma nova dimensão: a altura, e têm sua cabana dentro da classe.
Em três dias as novas regras de vida já estavam assimiladas: tirar os sapatos (carpete)
para subir, colocar um colar especial para subir. São 6 colares que correspondem aos
lugares disponíveis.
As crianças e eu terminamos com a preparação de uma festinha (confecção de biscoitos
e doces) para todos os participantes do projeto:
- o pai construtor com seu amigo marceneiro,
- os pais, que venderam os calendários e ajudaram nos acabamentos (lixar a madeira,
colocar uma rede de proteção e o carpete),
- as crianças que fabricaram os calendários.
Motivação
A motivação é a mola humana. Ela condiciona uma aprendizagem ativa apoiada em si-
tuações verdadeiras. Ela é responsabilizadora e exige um esforço pessoal. Está ligada à
noção de prazer. Apoia-se num apetite natural para explorar o mundo circundante e o
conhecimento de si mesmo. Apoiando-nos nesse apetite, estamos seguros de não nos
enganarmos.
A motivação é o dinamismo natural que define a vida: todo ser vivo tende a manter-se
em atividade, o que requer que o pedagogo tenha uma confiança fundamental e positiva
na natureza da criança.
O professor deve levar em conta a globalidade fundamental da criança. Sem motivação, não
há tomada de consciência de si mesmo e a aprendizagem é ilusória, pois fica superficial.
Apresentamos a seguir um exemplo de trabalho verdadeiro graças à motivação: o conto
musical.
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O conto musical
Na classe, sempre inventamos muitas histórias: choque dos acasos, binômios fantásti-
cos. Partimos de duas palavras tomadas ao acaso. Quanto mais afastadas uma da outra
forem as palavras, mais estimulantes elas serão (Gramática da Fantasia, Gianni RO-
DARI)(8). Assim, no mês de novembro (9), as crianças já estão bem acostumadas com
esse jogo. Um dia, Emmanuel traz um desenho feito em casa: ao fazer o contorno de
uma tesoura, inventou a silhueta de um elefante e de um violão. Foi o ponto de partida
para uma pesquisa (que ele próprio animará) sobre tudo o que se pode imaginar a partir
dessa tesoura: borboleta, pessoa, helicóptero, etc.
Foi também o ponto de partida de uma história a partir dessas duas palavras: elefante
e violão. Eis a trama:
“Um violonista perdido na floresta virgem ouve um elefante se aproximar. Assustado,
ele foge abandonando seu violão. O elefante o encontra, começa a tocar, e todos os
animais da floresta vêm ouvi-lo. Mas um papagaio invejoso pega o violão e leva-o pelo
céu até Paris, onde acaba indo parar com ele num zoológico.”
Apresentamos essa história para a classe de minha colega Maryse. Percebendo que a
história contém muitas pistas, decidimos propor às crianças um projeto: fazer um espe-
táculo para apresentar em junho.
Primeiro fizemos um álbum com a história. No canto de bricolagem, fizemos fantoches
dos personagens.
A história foi o suporte para inúmeras explorações em todos os domínios. As paradas do
papagaio na floresta, numa vila africana, num oásis da África do Norte, nos permitiram
conhecer esses países, seu clima, sua vegetação, seus habitantes e seu modo de vida.
As crianças trouxeram objetos, músicas, roupas africanas, máscaras, tambores, etc.
Ouvimos músicas, dançamos seus ritmos. Fabricamos instrumentos, inventamos ruídos,
cantilenas com onomatopeias, um totem e máscaras.
Consultamos livros e diapositivos...
Com a África do Norte, trabalhamos sobre as escritas diferentes: um aluno trouxe um
jornal árabe, trouxemos jornais chineses, russos, israelitas...
Recebemos de um cego uma carta em Braille e pesquisamos uma forma de lhe respon-
der: desenhos em relevo, uma tentativa de escrita em Braille, um dominó tátil.
Trabalhamos profundamente a aceitação das diversas etnias. Os pequenos árabes leva-
ram de uma quinzena a três semanas para trazerem com orgulho de suas casas fotos,
objetos, roupas e músicas.
As mães tunisianas, marroquinas, argelinas se juntaram para fazer um gigantesco cuscuz
para nós. E também dançamos e ouvimos músicas e cantos árabes.
Na pintura, depois de trabalharmos a floresta com suas gamas de verde, trabalhamos o
deserto, com suas cores quentes, ocre, amarelo...
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(8) NT – Gianni RODARI, Gramática da Fantasia, Summus Editorial
(9) NT – Devemos nos lembrar que na França o ano letivo inicia-se em setembro.
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Papel do professor
O educador é antes de tudo o animador da classe cooperativa Freinet. As crianças são
os atores. O papel do professor consiste em acolher, estimular, valorizar e induzir as
crianças.
Acolher: é primordial que os trabalhos das crianças, frequentemente negligenciados e
considerados parasitas do “verdadeiro saber”, tenham o lugar que merecem. A ativi-
dade natural, no sentido de habitual, da criança é rica, porque ela se move pela vontade
do indivíduo. Ela exprime o que ele é, o que ele deseja. É reveladora de suas motivações
e de suas capacidades. É o substrato natural de quem quer trabalhar com a criança. Por
isso trabalhamos com as produções, as criações das crianças.
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Estimular: quando o mecanismo de criação está emperrado, nosso papel consiste em
reativá-lo graças a pequenos artifícios estimuladores que são de duas ordens: o da pes-
quisa e o do narcisismo. Podemos estimular as crianças gratificando-as por suas iniciati-
vas, mas também fazendo-as pressentirem os campos de pesquisa excitantes que ainda
lhes são estranhos.
Valorizar: a valorização tem por função fundamental significar para a criança seu lugar
original e indispensável no grupo. É um instrumento de narcisação. Consiste em impelir
a criança a inserir-se no grupo. A valorização deve conduzir a criança a procedimentos
sempre mais firmes, tende a assegurá-la sobre suas capacidades para que ela ouse, por
ela mesma, a lançar-se na exploração ousada de terrenos desconhecidos.
Induzir: a criança não pode reinventar tudo. Para facilitar sua tarefa, o educador a ins-
tiga, a informa. Isso consiste numa sábia dosagem de “laisser faire” e de intervenção por
parte do educador, que deve intervir ou calar-se no momento oportuno.
Confecção de um álbum
Integração da classe dos pequenos e a dos grandes
À tarde, como os pequenos são menos numerosos (alguns dormem em casa ou na es-
cola), um grupo de grandes, em rodízio, vai trabalhar na classe de minha colega.
Ateliê proposto
Recorte e colagem de pedacinhos de papéis coloridos para preencher superfícies dos
desenhos feitos pelas crianças. Assim, ao cabo de duas ou três sessões, são representa-
dos cavalos, caracóis, casas, um trem, uma tenda e uma enorme aranha, conforme a
inspiração das crianças.
Proponho então:
- E se a gente inventasse uma história para saber o que acontece com todos esses animais?
Reunimos todas as crianças e os recortes-colagens.
- Era uma vez uma aranha grandona.
A história começa. Logo as ideias pipocam de todos os lados:
- A aranha mora num castelo. Ela assusta todo o mundo.
- É. Mas ela tem amigos: o porco, o caracol...
- E se a tenda fosse uma tenda de índio?
- Onde está o índio? E se ele chegasse de trem?
Logo a história se constrói oralmente com os diversos personagens já criados. Eu tomo
nota. Faltam acessórios.
- Quem faz o quê?
- Se o índio vem de trem, precisa fazer os trilhos do trem. Quem sabe fazer?
- E a aranha está numa teia. Quem pode fazer uma teia direitinho?
Ao sabor das competências e dos desejos, os papéis são distribuídos. As crianças que
não se sentem mais envolvidas resolveram fazer uma outra coisa que não requer minha
ajuda. Descobrem que vai ser preciso fazer os “heróis” da história várias vezes. Passo a
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encomenda para minha colega retomar nos dias seguintes. Com os voluntários (cerca
de dez), montamos a história folha por folha. Meu papel consiste em escrever o melhor
possível, sob os personagens, a história ditada.
“Era uma vez uma aranha grandona que morava num castelo em cima de um morro
perto de uma cidadezinha.”
- Eu faço o morro com o mato.
- Eu faço as flores...
Cada página bem-acabada vai se juntar ao resto da história. Assim, tentamos fazer o
melhor possível nos detalhes, na beleza, na precisão, para que o texto, diante da ilustra-
ção, seja encontrado imediatamente.
Para expô-lo numa tira na sala de jogos, as crianças reunidas encontraram a ordem. O
texto foi relido muitas vezes. Mais tarde foi retirado e, com uma capa encadernada e
costurada pela servente, virou um belo álbum que foi emprestado aos correspondentes.
O importante para que o projeto “pegue”:
Desde o início as crianças devem saber que sua história vai virar um livro e, assim, vai
ser conhecida. Daí a necessidade de uma escrita rápida, uma paginação em papel bonito
o quanto antes. Os detalhes e os acabamentos vêm depois, para arrematar.
Um álbum que demora desmobiliza as crianças. Um álbum realizado em dois dias é uma
realidade que pode ser mostrada aos pais ou aos visitantes.
Tateamento experimental
O indivíduo não deve ser identificado, ou pior, identificar-se com seu fracasso, pois ele
se bloqueia. Cria-se ou confirma-se então uma defasagem clara entre a realidade e as
fantasias devidas ao fracasso. Isto é o trauma.
No domínio científico:
estudo de deslocamentos
Numa escola infantil do subúrbio de Grenoble, que funciona em equipe pedagógica, são
realizadas experiências de tecnologia com a ajuda do centro cultural científico e técnico
da cidade.
Os grupos eram constituídos de dez crianças acompanhadas por dois adultos. Apresen-
tamos a seguir as pesquisas sobre os deslocamentos que foram realizadas durante esses
encontros. Elas se situam no que, em pedagogia Freinet, chamamos de tateamento ex-
perimental.
Deslocamentos
Objetivos
Pede-se às dez crianças que descubram diversos modos de deslocar uma mala de cerca
de 40 kg de uma sala para outra.
Os adultos haviam imaginado diferentes soluções: utilização de cordas, alavancas e rol-
danas, depois, a utilização de dois rolos de papelão sob blocos de plástico para simular
o deslocamento da mala.
Material
Diante das crianças: a mala fechada.
Material previsto, mas não visível para as crianças, a ser fornecido a pedido delas:
- rolos (pequenos e grandes)
- cabos de vassoura
- cordas
- blocos de plástico.
Material não previsto, mas utilizado porque estava presente na sala: bancos
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Desenvolvimento da sessão: como se pode deslocar a mala?
As crianças fazem várias propostas:
1. Carregá-la
- É pesada, precisa ter músculos. (Florian)
- Pegando nela eu sei que é muito pesada. (Brice)
Elas tentam:
- Dói a mão!
- Não aguento mais!
- Podemos tirar o que está dentro dela.
2. Puxá-la ou empurrá-la
- Temos que arrastá-la. (Philippe)
- Quando a gente puxa, a gente está na frente. (Martha)
- Quando a gente empurra, a gente está atrás. (Chloé)
3. Puxá-la e empurrá-la ao mesmo tempo
- Quando tem bastante gente puxando e empurrando, é melhor. (Philipe)
- É melhor quando tem uns que puxam e outros que empurram, vai mais depressa. (Mélissa)
4. Utilizar cordas
- Vamos prender uma corda grande para puxar. (Ludovic)
As crianças percebem que é difícil dar um nó, e ele não prende bem. Elas têm a ideia de
dobrar a corda.
Observam que as cordas ficam esticadas quando puxam:
- As cordas estão esticadas com as cordas de uma raquete. (Julien)
Elas colocam as cordas nas duas alças da mala e puxam de cada lado:
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- Ela vai pra frente e pra trás, é porque eles estão puxando dos dois lados. (Mathieu)
As crianças querem deslocar a mala na direção da porta, mas prendem as cordas na alça
oposta. Com seu erro, tomam consciência da direção do deslocamento.
7. Utilizar rolos
Propostas das crianças
- A gente tem que pegar uma coisa redonda e pôr a mala em cima. (Sébastien)
- Uma bola não fica firme.
- Para fazer rolar, a gente pode pôr rolos embaixo. (Philippe)
- Mas tem uma hora que os rolos vão sair, responde Brice, que antecipa.
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Tentativa: as crianças logo percebem que os rolos sob a mala devem ser colocados numa
direção bem precisa; confrontam-se com o problema previsto por Brice:
- Os rolos saem a toda hora. (Gaëlle)
Novas propostas:
a) – Precisa colar os rolos debaixo da mala. (Brice)
- Mas se a gente cola, não vai rolar. (Mathieu, que mostra aos outros que não vai avançar)
b) – A gente pode pôr um pedaço de pau de lado para eles não rolarem. (Philippe propõe
na verdade um sistema de trilhos para canalizar o deslocamento.)
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c) – Precisa pôr rodas de verdade. (Adrien)
d) – Tenho uma ideia, quando o rolo sair, a gente põe na frente. (Ludovic)
Elas tentam, a mala avança, mas é difícil fazê-la ficar na mesma direção, e não vai depressa.
e) – Num outro grupo, as crianças utilizam no início um rolo só. Percebem que colocando
um ou dois rolos, a mala balança e não pode rolar.
- Precisa pelo menos de três. (Thibaud)
Tentam com três rolos. Na verdade, vai melhor.
f) – A gente põe os rolos, empurra bem forte, zum, e recomeça. (Adrien)
Elas tentam: a mala se desloca, mas não mantém a direção.
Prolongamento
Numa segunda parte da sessão, as crianças, sozinhas ou em duplas, pegaram um bloco
de plástico e rolos. A instrução era de fazer o bloco de plástico avançar sem tocar o chão.
Esquematização
Após cada sessão, na classe, a professora pediu para as crianças representarem o que
haviam realizado.
Em seguida, cada uma comentou o seu esquema. Ela anotou textualmente, ao lado dos
desenhos, o que as crianças disseram.
Essa fase de verbalização obriga a criança a utilizar um vocabulário preciso, e permite
que a professora perceba o que a criança compreendeu da experiência.
Num outro momento, em pequenos grupos, observamos e criticamos uma série de es-
quemas relativos a uma mesma experiência. Algumas crianças que compreenderam a
experiência, mas foram desajeitadas em sua representação gráfica, logo descobrem, to-
davia, os erros de esquematização de seus colegas.
Às vezes também retomamos uma experiência, realizando-a partir de um esquema ine-
xato, para fazer com que as crianças tomem consciência da importância da precisão na
representação gráfica.
Ao analisar os esquemas, constatamos que alguns erros são recorrentes. Nesse caso,
tentamos, com exercícios mais sistemáticos de manipulação, fazer com que as crianças
compreendam melhor fenômenos simples (a tensão de uma corda, por exemplo).
Em seguida, para controlar a aquisição desses fenômenos, pedimos que façam uma nova
representação gráfica dos exercícios.
Os esquemas abaixo são exemplos dos erros encontrados com maior frequência.
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O livro da vida
Num grande álbum, anotamos os acontecimentos que pontuam nossa vida escolar. To-
dos os dias, no momento do balanço do dia, exprimimos o que foi marcante. No início
do ano, sou eu que escrevo o que a classe diz, pedindo que as crianças ilustrem com
desenhos ou colagens aquilo que está escrito.
Pouco a pouco as próprias crianças escrevem os textos que eu preparo e que se tornam
o objeto do ateliê “Livro da Vida” do dia seguinte. Tentamos ao máximo ilustrar o texto
para que elas possam situar no espaço os acontecimentos de sua vida.
Este livro, que fica sobre duas mesinhas no corredor, pode ser lido com os pais (aos quais
eu o recomendo). Isso confirma que a escrita tem um significado e, de modo algum, é
um ato gratuito.
O trabalho requer uma gestão do tempo rigorosa (da qual me responsabilizo) para que
cada um possa levar a sua folha na saída:
Calendário – Cardápio: apresentação do trabalho antes de meio-dia.
Biblioteca: o livro é lido após o recreio da manhã; então, deve ser escolhido antes do
recreio.
Meteorologia – Ausentes/Presentes – Notícias: início da tarde.
Antes do recreio da tarde, a folha é apresentada a todo o grupo pelo responsável das
notícias para eventuais modificações antes de imprimir.
Cooperar:
- trabalhando em equipe
- ajudando um colega
- explicando um procedimento
- respeitando as leis, em especial, o tempo.
Criar: histórias, desenhos.
Avaliar o trabalho de cada um:
- reconhecimento das competências
- “hoje, quero fazer sozinho”
- participação dos menores: desenhos.
CONCLUSÃO
A pedagogia Freinet tem a ambição de ajudar a criança a se tornar um cidadão. Ela tenta
sensibilizá-la, desde muito jovem, para os princípios democráticos. Tenta ensiná-la o
respeito, respeitando-a, dar-lhe responsabilidades institucionais e individuais, favorecer
a cooperação, em detrimento da competição. Leva ao questionamento da transgressão
das leis, antes de estabelecer uma sanção.
Célestin Freinet, com sua pedagogia e suas técnicas, teve o mérito de abrir o caminho,
antecipar, aplicar suas ideias. Mais do que nunca sua pedagogia é atual.
Pesquisadores cada vez mais numerosos confirmam suas ideias inovadoras. Ao respeitar
a globalidade da criança, ao acreditar que o saber-ser é prioritário sobre o saber-fazer,
ao afirmar claramente nosso ideal social e político (no sentido amplo da palavra), en-
contramo-nos no terreno pedagógico de Legrand (10) e de Claudie Ramond, no terreno
psicológico de F. Dolto e no terreno sociológico de Maslow (11).
Legrand dizia: “Ao elaborar uma comunidade educativa que requer a participação ativa,
livre e progressivamente responsável de todas as crianças, em todos os níveis da escola-
ridade (...) Ao considerar em primeiro lugar a criança no aluno, ao lhe dar a palavra, ao
lhe permitir existir com sua própria cultura, sua linguagem, seus costumes, suas aptidões
e seus desejos (...) Ao partilhar com ela, desde a educação infantil, o poder, poder de
gerir seu tempo, participando da elaboração do horário, gerir o espaço, associando-o à
organização material da classe (...)”.
O exemplo de F. Dolto e de sua Maison verte, com a importância que ela dava à emer-
gência da palavra, também nos confortam em nossas práticas.
Quanto a Maslow, inúmeras obras apresentam sua pirâmide, que comporta cinco níveis
de necessidades, das necessidades fisiológicas às necessidades de autorrealização. Se-
gundo ele, esses cinco tipos de necessidades se hierarquizam, isto é, só se manifestam
se as que precedem estiverem satisfeitas.
_______________
(10) NT – Sendo citado assim com tanta familiaridade, creio tratar-se de Louis Legrand, professor de filo-
sofia, diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica (INRP), autor de muitas obras e de propostas
para reformas do ensino e da formação dos educadores. Indico a leitura de uma entrevista que concedeu
a Roger Ueberschlag, que também comenta duas de suas obras: Pour une politique démocratique de l’édu-
cation, PUF, 1977, e L’école unique: à quelles conditions, Scarabée CEMEA, Colin, 1981. https://www.icem-
pedagogie-freinet.org/node/24969
Legrand é o autor da obra sobre Freinet divulgada no site do MEC. Baixar em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=205188
(11) NT – Abraham Maslow, psicólogo norte-americano, um dos grandes nomes da Psicologia Humanista,
que nasce em oposição tanto ao behaviorismo quanto à psicanálise.
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Claudie Ramond, em seu livro Grandir, adapta essa pirâmide a finalidades pedagógicas.
Inspirando-nos em Maslow, tentamos estabelecer uma pirâmide que concerne mais es-
pecialmente crianças da educação infantil, em correspondência com o que se faz na
classe cooperativa (ver esquema abaixo).
Estamos conscientes de que este dossiê está longe de ser completo. Ele pretende ser
desencadeador de pesquisas. Afinal, não somos nós mesmos os praticantes-pesquisa-
dores no seio do Movimento Freinet?
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Bibliografia
Françoise Dolto: La cause des enfants – Tout est langage – La difficulté de vivre ,
Livre de poche
Catherine Pochet – Fernand Oury – Jean Oury: L’année dernière, j’étais mort,
signé Miloud, Editions Matrice
Nicole Bouyala e Bernadette Roussille: L’enfant dans la vie, une politique pour la
petite enfance, Documentation française