2- A lírica amorosa egípcia é enquadrada na cronologia da XIX dinastia (ca. 1292-1189
a.C.) do Império Novo (ca. 1550-1069 a.C.), um período marcado pela resolução da crise despoletada no final da XVIII dinastia. Nestes poemas, a mulher é evocada como se se tratasse de uma deusa. Estes textos têm um carácter profano, porém a sua linguagem não é completamente profana, estando assim presente um jogo entre o sagrado e o profano. O erotismo que se manifesta neste tipo de composição é resultado da vida privada de quem os escreve, mostrando que a literatura evoluiu a partir da esfera a que estava circunscrita, a dos escribas e da elite sacerdotal. Os poemas de amor dedicados à amada apresentam íntimas semelhanças com os hinos de louvor dedicados aos deuses. Um exemplo desta semelhança pode ser denotado através da relação entre os poemas encontrados no papiro Chester Beatty I, e o Hino a Áton, redigido pelo faraó Akhenaton, no contexto da reforma religiosa que protagonizou, criando um culto que gira em torno de Áton, representado pelo disco solar e impede o culto dos outros deuses. No poema de amor, o amado realça a amada, caracterizando-a como única, bela, perfeita na sua aparência e na forma que trata os que a rodeiam, mas também referindo o mistério que esta lhe causa. Akhenaton, de forma semelhante, realça a perfeição do deus quando se manifesta no céu (sob a forma do disco solar), destaca o animismo que o deus transmite a terra, dando a vida aos animais, fazendo nascer as crias dos mesmos, e atribui diferentes funções aos trabalhadores da terra. À semelhança de um poema de amor, também um hino de louvor pretende distinguir a divindade como única, à semelhança da mulher a quem a composição lírica se destina. Akhenaton, na estrofe final do hino que redigiu, afirma que todos os seres cultuam o único deus, Áton, cuja morada é o coração do faraó, à semelhança do amado que pretende habitar o coração da mulher, descrita como uma bela deusa na sua composição lírica. O que difere nos hinos de amor e nos hinos de louvor é a linguagem dos textos (mais comedida num hino de louvor, opondo-se ao erotismo presente num hino de amor), o destinatário, as temáticas abordadas e a dimensão (
Na cultura hebraica, os poemas de amor são ecoados, inclusive na Bíblia. No
Antigo Testamento, o livro do Cântico dos Cânticos, atribuído ao rei Salomão. No texto bíblico são relatados os sonhos que envolvem os amados, a procura pelo amor, a dança perpetuada por ambos e as parábolas. Neste livro, os dois amantes dialogam, num jogo entre o sagrado e o profano, onde as qualidades dos amantes são realçadas pelos mesmos.