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Paulo J. Jaques e Guilherme W.

Rodrigues SAÚDE
MENTAL ←

Manifestações clínicas
ESQUIZOFRENIA
❖ Sintomas positivos:
Definição: Condição psiquiátrica crônica ➢ Alucinações: percepção de um
caracterizada pela combinação de sintomas processo sensorial na ausência de
psicóticos (delírios, alucinações e uma fonte externa. Eles podem ser
desorganização) e comprometimento auditivos, visuais, somáticos, olfativos
motivacional, social e cognitivo. Tem evolução ou gustativos.
crônica e são descritos como distúrbios do ● As alucinações auditivas são
pesamento, da percepção e do afeto. A frequentemente a manifestação da
consciência e a capacidade intelectual são doença que mais responde à
mantidas, embora exista deficit cognitivo com a medicação antipsicótica.
evolução do quadro. ➢ Delírios: definidos como uma crença
fixa e falsa. Como a percepção da sua
doença pode ser prejudicada (Insight),
Distribuição universal que atinge população as pessoas com esquizofrenia muitas
jovem. Acomete ambos os sexos, mas no vezes têm explicações delirantes para
masculino o início é mais precoce (entre 10-25 as suas alucinações.
anos), enquanto nas mulheres varia entre 25-35 ● Delírios bizarros: são claramente
anos. Início após os 60 anos é raro. Atinge implausíveis
cerca de 1% da população mundial. ● Delírio não bizarro: é aquele que,
embora não seja verdadeiro, é
compreensível e tem a possibilidade de
Etiologia: doença única, mas faz parte de um
ser verdadeiro. Um exemplo é que a
conjunto de transtornos que apresentam
Receita Federal persegue o paciente
sintomatologia semelhante. A clínica e a
por não pagar impostos.
resposta ao tratamento é bastante variável. A
➢ Desorganização no comportamento
teoria do aparecimento da doença é a
e/ou pensamento:
diátese-estresse, pois o indivíduo teria uma
vulnerabilidade biológica específica (diátese)
que ativada por fatores estressores
desencadeariam a doença. Esses fatores são
de ordem biológica, genética, psicossocial e ❖ Sintomas negativos:
comportamental. ➢ Expressão diminuída
● Achatamento afetivo
Embora a patogênese do transtorno seja - Expressão facial imutável
desconhecida, é quase certo que a - Pouco movimento espontâneo
esquizofrenia represente uma síndrome - Pouco uso de gestos expressivos
composta por múltiplas doenças que - Mau contato visual
apresentam sinais e sintomas semelhantes. - Não responsividade afetiva
Essa heterogeneidade dificulta a elucidação dos - Falta de inflexões vocais
fatores etiológicos e fisiopatológicos ● Alogia
subjacentes ao grupo de transtornos. Além - Pobreza de fala
disso, a esquizofrenia parece ser uma condição - Bloqueio de pensamento
exclusivamente humana, o que limita a utilidade - Maior latência de resposta
de modelos animais e dificulta ainda mais a ➢ Avolição-apatia
elucidação da etiofisiopatologia do transtorno. ● Apatia
- Má higiene e higiene
- Falha nas responsabilidades
apropriadas da função
Fatores biológicos: a mais conhecida é a
- Anergia
hipótese dopaminérgica, onde a dopamina teria
● Associalidade/anedonia
uma atividade exacerbada. Essa teoria se
- Falha em se envolver socialmente com
baseia no fato da maioria dos antipsicóticos
colegas
agirem bloqueando a ação da dopamina
- Não há interesse em atividades
(antagonistas dos receptores Dopamina 2).
estimulantes
Outro apoio para essa teoria está no fato que o
- Pouco interesse por sexo
uso de maconha ou anfetamina que agem
- Pouca ou nenhuma intimidade com
hiperativando os receptores de dopamina,
outras pessoas
predispõe ao aparecimento da doença em
indivíduos geneticamente predispostos. Outros
receptores parecem estar envolvidos como os
de serotonina.
❖ Comprometimento cognitivo:
Velocidade de processamento; Atenção;
Memória de trabalho; Aprendizagem
verbal e visual; Raciocínio executivo
Compreensão verbal; Cognição social
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Diagnóstico E. A perturbação não se deve aos efeitos


fisiológicos diretos de uma substância (por
O diagnóstico de esquizofrenia requer a exemplo, uma droga de abuso ou medicamento)
presença de "sintomas característicos" do ou a uma condição médica geral.
transtorno (delírios, alucinações, fala ou
comportamento desorganizado e/ou F. Se o paciente tiver história de transtorno
sintomas negativos) aliados a disfunção autista ou outro transtorno invasivo do
social e/ou ocupacional por pelo menos seis desenvolvimento, o diagnóstico adicional de
meses na ausência de outro diagnóstico isso esquizofrenia será feito somente se delírios ou
explicaria melhor a apresentação. alucinações proeminentes também estiverem
presentes por pelo menos um mês (ou menos,
Critérios diagnósticos do DSM-5-TR para se tratados com sucesso).
esquizofrenia
Diagnóstico diferencial:
A. Dois ou mais dos sintomas característicos
abaixo estão presentes por um período de um Três grupos de transtornos devem ser
mês (ou menos se forem tratados com considerados: transtornos cujos critérios se
sucesso): assemelham ao da esquizofrenia; transtornos
nosograficamente distintos da esquizofrenia; e
● Delírios quadros orgânicos com manifestação
● Alucinações esquizofreniforme.
● Discurso desorganizado (por exemplo,
descarrilamento frequente ou Quadros orgânicos com manifestações
incoerência) esquizofreniforme: A ocorrência de
● Comportamento grosseiramente alucinações visuais também é sugestiva de um
desorganizado ou catatônico transtorno orgânico. Muitas vezes, no entanto, o
● Sintomas negativos (isto é, quadro clínico é muito semelhante, sendo
achatamento afetivo, alogia ou necessária a realização de exames
avolição) complementares para exclusão de possíveis
causas orgânicas. Os exames complementares
B. Durante uma parte significativa do tempo estão indicados, principalmente, em pacientes
desde o início da perturbação, uma ou mais com início do quadro após os 40 anos de idade.
áreas importantes de funcionamento, como É importante suspeitar de condições orgânicas,
trabalho, relações interpessoais ou autocuidado, especialmente quando houver uma
estão marcadamente abaixo do nível alcançado apresentação atípica ou variação do nível de
antes do início. Quando o início ocorre na consciência.
infância ou adolescência: incapacidade de
atingir o nível esperado de desempenho São exemplos: Doenças do sistema nervoso
interpessoal, acadêmico ou ocupacional. central: Infecções: sífilis, aids, tuberculose;
Tumores; Doenças degenerativas, doenças
C. Os sinais contínuos da perturbação desmielinizantes e malformações; Epilepsia,
persistem durante pelo menos seis meses. O especialmente do lobo temporal; Traumatismos
período de seis meses deve incluir pelo menos cranioencefálicos. Quadros sistêmicos:
um mês de sintomas (ou menos, se tratados Infecções; Doenças autoimunes: LES, e outras
com sucesso) que atendam ao Critério A (ou doenças do colágeno; Endocrinopatias;
seja, sintomas de fase ativa) e pode incluir Intoxicações com metais pesados; Deficiências
períodos de sintomas prodrômicos ou residuais. vitamínicas; Distúrbios metabólicos:
Durante esses períodos prodrômicos ou insuficiência renal, insuficiência hepática,
residuais, os sinais da perturbação podem hiponatremia, hipercalcemia, hipoglicemia;
manifestar-se apenas por sintomas negativos ou Abuso de substâncias (intoxicação aguda,
por dois ou mais sintomas listados no Critério A dependência ou síndrome de abstinência):
que se apresentam de forma atenuada (por álcool, estimulantes (anfetaminas e cocaína),
exemplo, crenças estranhas, experiências alucinógenos (LSD) e Cannabis; Medicamentos:
perceptivas incomuns). corticoides, estimulantes (efedrina),
anticolinérgicos, dopaminérgicos (L-dopa,
D. O transtorno esquizoafetivo e o transtorno do amantadina, bromocriptina) e outros (digitálicos,
humor com características psicóticas foram dissulfiram e metoclopramida).
descartados porque: (1) nenhum episódio
depressivo maior, maníaco ou misto ocorreu Curso e prognóstico: sintomas prodrômicos de
concomitantemente com os sintomas da fase ansiedade, perplexidade ou depressão,
ativa; ou (2) se episódios de humor ocorreram geralmente precedem o início do quadro e
durante os sintomas da fase ativa, a sua podem estar presentes por meses antes do
duração total foi breve em relação à duração diagnóstico definitivo. O início costuma ocorrer
dos períodos ativo e residual. entre 20 e 25 anos. Eventos desencadeantes,
tais como trauma emocional, uso de drogas e
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separações podem precipitar episódios realizar ajustes de dose necessários; Após


esquizofrênicos em indivíduos predispostos. assegurar adesão à medicação, caso não haja
Classicamente, o curso da doença consiste de resposta, troca-se para um segundo
exacerbações e remissões. A cada recaída, antipsicótico em monoterapia, repetindo os
segue-se uma deterioração adicional do mesmos passos já descritos;
funcionamento básico do paciente. A
vulnerabilidade ao estresse é mantida. Ao longo Caso não haja resposta a dois esquemas em
do quadro, os sintomas positivos mais tempo e dose corretas e com adesão,
exuberantes (delírios e alucinações) tendem a considera-se uma esquizofrenia resistente ao
diminuir de intensidade, enquanto os sintomas tratamento. Nessa circunstância, podemos
negativos mais residuais (embotamento afetivo tentar um terceiro antipsicótico ou iniciar o uso
e estranhezas do comportamento) podem se de Clozapina (conduta mais utilizada);
tornar mais graves.
Em pacientes com má adesão está indicado o
uso de antipsicóticos injetáveis de longa ação.
Deve-se sempre fazer o teste com a mesma
Princípios do Tratamento medicação que será usada na forma injetável
por via oral para avaliar sensibilidade do
O tratamento de escolha baseia-se no uso de paciente à medicação. Também é necessária a
Antipsicóticos (AP), também chamados de manutenção da medicação por via oral até que
neurolépticos, associado a estratégias o antipsicótico injetável chegue ao steady-stage;
psicossociais. Existem duas classes principais: Após a estabilização se inicia o tratamento de
os antipsicóticos típicos ou de primeira geração manutenção que para maioria dos pacientes
e os atípicos ou de segunda geração. Uma vez será contínuo - está é a conduta mais aceita.
que os AP são igualmente eficazes em doses Alguns guidelines sugerem tratamento
equivalentes, qualquer uma das drogas pode intermitente, variando de 1-3 anos no primeiro
ser utilizada inicialmente episódio e 5 anos para múltiplos episódios;

Antipsicóticos de primeira geração causam mais


Os AP típicos são medicações que bloqueiam efeitos colaterais extrapiramidais, enquanto os
preferencialmente os receptores D2 de segunda geração dão mais síndrome
dopaminérgicos nos sistemas mesolímbico, metabólica e ganho de peso.
mesocortical, nigroestriatal e tuberoinfundibular.
São eficazes no tratamento de sintomas Tratamento Farmacológico
positivos e podem produzir efeitos
colaterais, como sintomas parkinsonianos e Escolha um dos antipsicóticos a seguir e inicie
aumento da prolactina. Estas medicações, em monoterapia.
hoje, constituem a segunda escolha devido
aos efeitos colaterais, embora sejam mais
1. Antipsicóticos típicos
baratas e estejam mais disponíveis. Entre os
(primeira geração):
AP típicos, encontramos drogas de alta e baixa
potência. Os AP de alta potência são mais
utilizados, apesar da possibilidade de efeitos ● Haloperidol dose inicial: 1-15 mg/d,
extrapiramidais. Por sua vez, os AP de baixa em dose única ou doses divididas.
potência são caracteristicamente mais Dose usual: 1-40 mg/d. Dose
sedativos e costumam ser escolhidos como máxima: alguns lugares sugerem uso
primeira opção em pacientes que apresentem até 100 mg/d, apesar de pouco usual
agitação ou insônia na prática clínica;
● Trifluoperazina dose inicial: 2-5
mg/d, duas vezes ao dia. Dose usual:
Os AP atípicos atuam em outros sítios da
15-20 mg/d;
dopamina e podem ter ação em outras vias
neurotransmissoras. São medicações mais bem
● Clorpromazina dose inicial:
toleradas e mais eficazes no tratamento de
25-200 mg/d, pode ser usado em dose
sintomas negativos, porém de alto custo.
única, mas o fracionamento auxilia
no manejo de efeitos colaterais. Dose
No quadro agudo, inicia-se dose baixa de usual: 200-800 mg/d. Dose máxima:
antipsicótico oral em monoterapia para 120 mg/d;
avaliação de sensibilidade. Qualquer
antipsicótico (exceto Clozapina, que é indicada ● Levomepromazina dose inicial:
para esquizofrenia resistente ao tratamento - 50-75 mg/d, 2 a 3 vezes por dia. Dose
ERT) pode ser escolhido, considerando usual: 400-600 mg/d. Dose
tolerabilidade e efeitos colaterais; máxima: 1.000 mg/d.

Deve-se aumentar até a dose efetiva e aguardar


4-6 semanas para resposta terapêutica e
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2. Antipsicóticos Atípicos
(segunda geração):

● Risperidona dose inicial: 1-2 Esquizofrenia resistente ao


mg/d, em uma ou duas tomadas. Dose tratamento:
usual: 2-6 mg/d. Dose máxima: 8 mg;
● Clozapina dose inicial: 12,5-25
● Olanzapina dose inicial: 5
mg/d, aumentar 25-50 mg a cada 2-3
mg/d, uma vez ao dia. Dose usual:
dias (algumas referências colocam 7
5-20 mg/d. Dose máxima: 30 mg/d;
dias) até a dose de 300 mg/d. Dose
usual: 400-500 mg/d. Dose máxima:
● Amissulprida dose inicial:
900 mg/d. É necessária a
400-800 mg/d, dividido em duas
realização de hemograma semanal nas
tomadas. Dose usual: 400-800
primeiras 18 semanas de
mg/d. Dose máxima: 1.200 mg/d;
tratamento e mensal enquanto o
tratamento durar. O tratamento
● Quetiapina dose inicial: 50
deve ser interrompido na ocorrência de
mg/d, dividido em duas tomadas. A
convulsão ou citopenia
maior parte dos lugares sugerem
(leucócitos total < 3.000/mm³,
aumentos de 25-50 mg/d até dose alvo
neutrófilos abaixo de 1.500/mm³ ou
de 300-400 mg/d (a
plaquetas abaixo de
tolerabilidade do aumento dessa forma
100.000/mm³).
pode ser difícil por conta da
sonolência). Dose usual: 400-800
mg/d. Dose máxima: 800 mg/d; Quando usar:

→ esquizofrenia refratária → prescrição sem


● Ziprasidona dose inicial: demora.
40-80 mg/d, dividido em 2 tomadas.
Dose usual: 40-160 mg/d. Dose → paciência: dose – titulação lenta, a evitar
máxima: 160 mg/d. Precisa ser
superdose. Os efeitos adversos podem
ingerida durante as refeições,
preferencialmente almoço e jantar. aparecer antes dos efeitos clínicos.

→ moderação: dose alvo (sempre a menor


possível). A menor dose possível enquanto
Esquizofrenia refratária observa-se efeito terapêutico.

Os prejuízos são maiores exigindo uma → reparação: monitorar e manejar os efeitos


intervenção mais ativa. A definição de colaterais.
esquizofrenia refratária leva em consideração as
características clínicas do paciente, assim o Complicações: agranulocitose (se atentar a
paciente deve se manter com sintomas febres);pode ocorrer nas primeiras 18 semana
positivos persistentes, pelo menos de uso (hemograma durante 18-26 semans de
moderados, causando prejuízo funcional uso); miocardite (taquicardia sustentada,
moderado ou grave após ensaios adequados taquidispneia, elevação de troponina, CK-MB,
com 2 antipsicóticos (6 semanas cada) que PCR → suspender medicação e enviar
não à clozapina. avaliação cardio); Sintomas focais epilepticos
Sintomas positivos persistentes pelo menos (pois reduzem o limiar convulsivo), assim pode
moderados é a soma de 4 ou mais pontos na se adicionar acido valproico.
escala PANSS para sintomas positivos por 12
semanas. → escala mais usada para avaliar Outros: sedação, sialorreia, hipotenção,
gravidade e resposta terapêutica na constipação, ganho de peso.
esquizofrenia. O prejuízo funcional é avaliado
também por escalas, como a SOFSE (Social Associação a clozapiana: memantina parece ser
and Occupational Functioning Scale), sendo que a única que tem algum efeito para os resistentes
os menores escores significa pior ao uso de clozapina. (2020).
funcionamento. Já um ensaio adequado é
considerado quando se usa um antipsicótico na
dose de 600mg/dia de clorpromazina por pelo
menos 6 semanas.

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