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Revista Brasileira
ISSN 1982-3541 de Terapia Comportamental
2013, Vol. XV, nº 3, 37-56 e Cognitiva

Análises Funcionais Molares Associadas à Terapia


de Aceitação e Compromisso em um Caso de
Transtorno Obsessivo-Compulsivo
Molar Functional Analyses Associated to Acceptance and Commitment
Therapy in a Case of Obsessive-Compulsive Disorder

José Leonardo Neves e Silva


Superior Tribunal de Justiça e Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento

Ana Karina Curado Rangel de-Farias *


Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal e Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento

Resumo

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é um quadro caracterizado por obsessões e compulsões, pro-


vocando prejuízos em contextos sociais, familiares e de trabalho. O presente estudo teve como objetivo
demonstrar a relevância de análises funcionais molares associadas ao instrumental da ACT, ilustrando com
um caso clínico de TOC. Ao longo de 68 sessões, foi possível identificar padrões comportamentais amplos
de comunicação agressiva, busca de controle e habilidade de argumentação verbal, funcionalmente rela-
cionados ao TOC, bem como ampla sensibilidade a contextos sócio-verbais de literalidade e de dar razões,
relacionados a forte padrão de esquiva experiencial. A compreensão das contingências atuais e históricas
propiciaram a aceitação dos estados privados aversivos e o comprometimento com a exposição a contextos
terapêuticos, no sentido de enfraquecer comportamentos funcionalmente semelhantes aos obsessivo-com-
pulsivos, porém com menor relevância emocional, o que levou ao enfraquecimento dos sintomas de TOC e
a melhorias nas relações com familiares e colegas de trabalho.

Palavras-chave: transtorno obsessivo-compulsivo; Análise Comportamental Clínica; análises funcionais


molares; Teoria dos Quadros Relacionais; Terapia de Aceitação e Compromisso.

* akdefarias@gmail.com

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Análises Funcionais Molares Associadas à Terapia de Aceitação e Compromisso em um Caso de Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Abstract

Obsessive-Compulsive Disorder (OCD) is a psychiatric disorder characterized by obsessions and compul-


sions, with losses in social, family and labor contexts. This study aimed to show the relevance of molar
functional analyses associated to ACT interventions, illustrating it with a case of OCD. Along 68 sessions,
it has been possible to identify ample behavior patterns of aggressive communication, search for control
and verbal argumentation skills, functionally related to OCD symptoms, as well as ample sensitivity to
social/verbal contexts of literality and reason giving, leading to a strong pattern of experiential avoidance.
Understanding of current and historical contingencies led to the acceptance of aversive private states and
commitment to the exposure to therapeutic contexts, in order to weaken behaviors that were functionally
related to the obsessive-compulsive ones, but less emotionally relevant, which led to weakening of OCD
symptoms and improvements in relationships with relatives and coworkers.

Keywords: obsessive-compulsive disorder; Clinical Behavior Analysis; molar functional analyses; Rela-
tional Frame Theory; Acceptance and Commitment Therapy.

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo – TOC – é A abordagem do TOC como doença, e das obses-


um quadro de saúde caracterizado pela presença sões e compulsões como sintomas, proposta na 4ª
de obsessões, compulsões ou ambos os sintomas, edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatísti-
provocando sofrimento acentuado e/ou interferin- co de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) e na 10ª
do de forma significativa na rotina, no trabalho ou edição da Classificação Internacional de Doenças
no contexto social do indivíduo acometido (Asso- da Organização Mundial de Saúde (CID-10), é
ciação Psiquiátrica Americana, APA, 2002). inspirada no modelo médico de diagnóstico, que
procura enquadrar os chamados “pacientes” em
Obsessões são definidas como ideias, pensamentos, descrições nosológicas de doenças, para, a partir
imagens ou impulsos recorrentes e persistentes, ex- daí, oferecer tratamento baseado em medicamen-
perimentados como intrusivos e perturbadores. O tos e técnicas que se mostraram estatisticamente
sujeito reconhece sua característica irracional, exces- eficazes para essas doenças em uma população.
siva ou absurda, mas ainda assim vivencia intensa an- Banaco (1999) contrasta esse modelo com a abor-
siedade e sofrimento, tendendo a procurar ignorá-las dagem comportamental baseada no Behaviorismo
ou neutralizá-las, engajando-se em outros pensamen- Radical de B. F. Skinner (1953/1998), que busca
tos ou em ações, ou seja, em compulsões. Estas são compreender, para além da descrição topográfica
comportamentos repetitivos ou ritualísticos, públicos dos comportamentos-sintoma, a função desses no
ou privados, emitidos com o objetivo de prevenir ou ambiente em que o sujeito singular que se compor-
aliviar a ansiedade. São evidentemente excessivos, ta está inserido, à luz de sua história de condicio-
ou não têm relação realista com os eventos que pre- namento. Nesse modelo, “a grande ferramenta que
tendem evitar (APA, 2002; Holmes, 1997). os analistas do comportamento têm para descrever

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e manipular essas relações é a análise funcional” tingências mantenedoras desses, possibilitando o


(Banaco, 1999, p. 77), que possibilita intervenções planejamento de intervenções que os enfraqueçam
amplas e abrangentes, não focadas apenas no sin- e aumentem a frequência de comportamentos mais
toma ou na técnica. adequados. Assim, obsessões e compulsões podem
ser definidas em termos de comportamentos, e de-
Psicoterapias de base comportamental e/ou cog- vem ser interpretados à luz da relação entre o su-
nitiva e farmacoterapia são tratamentos apontados jeito e o ambiente onde ele se encontra e onde se
como os mais eficazes para o TOC. A técnica de desenvolveu, ou seja, a partir de contingências atu-
Exposição com Prevenção de Resposta (EPR) é ais e históricas. Nesse sentido, tratamentos limita-
bastante utilizada para intervenção nessa patolo- dos a EPR podem ter eficácia limitada à redução
gia. Ela consiste na exposição do paciente a es- ou eliminação do sintoma atual, não prevenindo a
tímulos relacionados às obsessões e à ansiedade possibilidade de surgimento de comportamentos
e na prevenção da emissão dos comportamentos funcionalmente semelhantes e ainda problemáti-
compulsivos (Chacon, Brotto, Bravo, Rosário- cos, o que caracteriza a chamada “substituição de
Campos & Miguel Filho, 2001; Meyer, 1966; Za- sintomas” (Banaco, 1999).
mignani, 2000).
Também é importante levar em conta que as ob-
Zamignani (2000) aponta como a técnica de EPR, sessões, definidas em termos de pensamentos cor-
por maximizar a estimulação aversiva, provoca relacionados a sentimentos de ansiedade e sofri-
desconforto emocional no paciente. Além disso, o mento, são eventos privados (Abreu-Rodrigues
autor destaca que os sintomas obsessivo-compulsi- & Sanabio, 2001; Tourinho, 1999), e não podem,
vos podem passar a ocorrer sob controle de outras numa perspectiva analítico-comportamental, ser
contingências além daquela de fuga-esquiva carac- consideradas causas primárias do comportamen-
terística da doença. Por exemplo, as compulsões to. Abreu-Rodrigues e Sanabio (2001) descrevem
podem sofrer reforçamento social ou mostrar fun- algumas funções que os eventos privados podem
cionalidade num contexto profissional; ou a con- exercer como comportamentos que adquirem pro-
sequência reforçadora negativa de alívio contin- priedades de estímulo, participando da determina-
gente à compulsão pode ter maior controle sobre o ção de comportamentos subsequentes, públicos ou
comportamento de sujeitos que estejam em ampla privados. Logo, as obsessões podem fazer parte de
privação de reforçadores alternativos, ou então em uma cadeia de respostas, exercendo controle res-
ambiente com abundância de estimulação aversi- pondente e operante sobre as compulsões e outros
va. Neste caso, a aplicação da técnica teria pouca comportamentos, mas também estão sob controle
ou nenhuma utilidade. de variáveis ambientais históricas e atuais, cuja
identificação é imprescindível para subsidiar o tra-
Chacon et al. (2001) citam como possibilidade de tamento.
intervenção no tratamento do TOC, além da EPR,
a análise funcional dos comportamentos obses- Segundo Delitti (1997), a análise funcional per-
sivos e compulsivos, de forma a identificar con- mite levantar hipóteses a respeito da aquisição e

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manutenção dos repertórios problemáticos e pla- utilidade ou funcionalidade, baseada nas conse-
nejar a aquisição de novos padrões de comporta- quências do responder em cada situação. Assim,
mento, ao levar em conta ao menos três momentos “a ideia de adequação vai depender de uma ampla
da vida do cliente, a saber, a história pregressa, os análise das consequências que o responder pro-
comportamentos atuais e o relacionamento com o duz” (Marçal, 2005, p. 264).
terapeuta. Assim, para uma compreensão ampla
do repertório do cliente, não é suficiente ater-se A partir de análises funcionais moleculares e mo-
às contingências atuais que evocam e mantêm os lares, o clínico poderá planejar intervenções mais
comportamentos problemáticos, o que consistiria eficazes no sentido de promover a ampliação do
numa análise molecular; é necessário, além disso, repertório do cliente e enfraquecimento dos com-
buscar uma compreensão dos contextos de aquisi- portamentos tidos como problemáticos. Nesse sen-
ção e manutenção desses comportamentos ao lon- tido, uma proposta de intervenção contemporânea
go da história de condicionamento do cliente, ou e abrangente é a Terapia de Aceitação e Compro-
seja, uma análise molar, que permita a identifica- misso – ACT, acrônimo de “Acceptance and Com-
ção de outras variáveis de controle além daquelas mitment Therapy”. Trata-se de uma psicoterapia
evidenciadas pelas análises moleculares, e tam- compreensiva baseada nos princípios da Análise
bém de classes de resposta mais abrangentes, que Comportamental Clínica, orientada a enfraque-
incluam outros comportamentos funcionalmente cer o controle dos contextos sócio-verbais que
semelhantes e mais passíveis de intervenção (As- incentivam os clientes a engajar-se em tentativas
sunção & Vandenberghe, 2010). As análises fun- de evitar estados privados aversivos, ou seja, em
cionais moleculares e molares se complementam esquiva emocional ou experiencial, bem como a
ao possibilitar a identificação das variáveis ante- promover tolerância emocional e comprometimen-
cedentes e consequentes relacionadas aos compor- to com a mudança e a ação no ambiente (Brandão,
tamentos pontuais e a inscrição dessas respostas 1999; Dutra, 2010; Hayes & Wilson, 1993, 1994).
pontuais em classes mais abstratas, que apontem No caso do TOC, os comportamentos compulsivos
semelhanças funcionais de respostas que ocorrem têm marcante função de fuga-esquiva de eventos
em contextos possivelmente muito diferentes. privados, o que caracteriza esquiva emocional ou
experiencial, remetendo ao potencial terapêutico
A identificação das contingências vigentes ao lon- dessa abordagem.
go da história de vida dos clientes propicia a com-
preensão de seus comportamentos atuais e também A ACT fundamenta-se na Teoria dos Quadros Rela-
das dificuldades que apresentam no contexto clí- cionais – RFT, sigla de “Relational Frame Theory”
nico, sinalizando ainda os tipos de experiências (Brino & Souza, 2005; Hayes & Wilson, 1993).
às quais é necessário que eles se exponham para Trata-se de uma abordagem analítico-comporta-
promover variabilidade, de forma que surjam no- mental contemporânea de eventos verbais, que se
vos comportamentos mais adaptados a condições baseia na classe de operantes chamada responder
atuais. É a partir da relação com o contexto em relacional (“relational responding”), definida em
que o comportamento ocorre que se interpreta sua termos de respostas a um evento cujas funções de

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estímulo são transformadas pelas funções de estí- teve contato, mas que são verbalmente relaciona-
mulo de outro evento, ao qual aquele é relacionado das a estímulos aversivos condicionados em sua
por treino direto ou pela emergência de relações história de aprendizagem e passam a compartilhar
derivadas de outras treinadas diretamente. Nes- as funções desses. Com isso, perde-se a oportuni-
se paradigma, a equivalência de estímulos é tida dade de entrar em contato com as contingências e
como um exemplo de resposta relacional basea- produzir reforçadores em novas situações.
da no treino da relação “correspondente a”, sen-
do uma entre várias outras relações, arbitrárias ou A esquiva experiencial está relacionada ao contexto
não, possíveis de se estabelecer entre estímulos, cultural, que incentiva a evitação de sentimentos e
que propiciam de forma semelhante o surgimen- emoções desagradáveis. Eventos privados são ver-
to de relações derivadas sem que haja treinamento balmente elaborados no contato do sujeito com a
direto dessas últimas. Esses conjuntos de relações comunidade sócio-verbal, e não apenas discrimi-
treinadas e derivadas entre estímulos são chama- nados (Dutra, 2010; Hayes & Wilson, 1993). São
dos de quadros relacionais. destacados três aspectos do contexto sócio-verbal
que contribuem para que se estabeleça esse controle
A RFT define comportamento verbal como respos- disfuncional por eventos privados (Brandão, 1999;
tas relacionais arbitrariamente aplicáveis, ou seja, Hayes & Wilson, 1994). O primeiro aspecto é que
respostas que surgem a partir de condicionamen- as palavras entram em relações de equivalência e
tos em um contexto sócio-verbal que disponibiliza em outras relações derivadas com eventos verbais
conjuntos de relações contextualmente controladas e não-verbais, e nesse sentido “significam” aquilo
e convencionais (portanto arbitrárias) entre estímu- a que estão relacionadas, adquirindo, com base em
los, ou seja, disponibiliza quadros relacionais. Essa relações estabelecidas arbitrariamente pela comuni-
teoria concebe regras como antecedentes verbais, dade verbal, funções de estímulo das situações que
que podem participar desses conjuntos de relações descrevem, controlando reações privadas e públicas
disponibilizadas pelo contexto sócio-verbal. correspondentes. Por exemplo, imagine-se que um
menino, com a intenção de fazer uma brincadeira,
Tais concepções de comportamento verbal e com- diz à sua amiga que há um inseto em seu cabelo, e
portamento governado por regras permitem ensaiar a amiga passa a demonstrar medo ou nojo, a gritar
explicações de como eventos privados passam a e a passar as mãos no cabelo para retirar o suposto
exercer controle de comportamentos de fuga-es- inseto. A isso se chama “contexto da literalidade”,
quiva mediante processos complexos de aprendi- e torna-se disfuncional quando relações derivadas
zagem verbal e controle por regras, que envolvem entre estímulos privados se sobrepõem a outras for-
a transferência de funções de determinados estí- mas mais diretas de aprendizagem, inibindo o con-
mulos a outros que são verbalmente relacionados tato com contingências de reforçamento.
com esses de forma indireta, arbitrária ou específi-
ca, e com os quais pode não haver história de con- Outro aspecto é a forma como a comunidade só-
dicionamento prévia. Em função disso, um sujeito cio-verbal reforça explicações de comportamen-
pode esquivar-se de situações com as quais nunca tos públicos em função de eventos privados, o que

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caracteriza o chamado “contexto de dar razões”. nar as contingências vigentes que elas sinalizam
Com isso, é reforçada a função do evento privado e de desenvolver repertórios operantes efetivos na
de regular o comportamento, e também é reforçada eliminação dos estímulos aversivos (Dutra, 2010;
a própria ocorrência do evento privado relacionado Hayes & Wilson, 1994).
ao comportamento que ele supostamente controla.
Quando uma pessoa diz, por exemplo, que está de- Para enfraquecer padrões de esquiva experiencial,
primida e por isso não irá ao serviço, e essa justi- a ACT utiliza-se de metáforas e paradoxos visando
ficativa é acatada por chefia e colegas, é reforçada diminuir a relevância do controle instrucional e pro-
a ocorrência dos sentimentos de tristeza intensa mover aceitação dos estados privados desconfortá-
descritos como “depressão”, e é também reforçado veis (Brandão, 1999; Hayes & Wilson, 1993, 1994;
que, na presença desses sentimentos, essa pessoa Marçal, 2005). Trabalha-se com componentes ou
deixe de ir ao trabalho. estratégias de acordo com as quais a intervenção
ocorre. O primeiro componente é o estabelecimento
O terceiro aspecto é o treino social no sentido de de um estado de desesperança criativa. Mostra-se
controlar emoções e pensamentos, como meio para como soluções lógicas e razoáveis adotadas pelo
o controle do próprio comportamento e, em última cliente para resolver seu problema não foram efi-
instância, para o sucesso e o bem-estar. É comum cazes, e até mesmo contribuem para sua manuten-
que se instrua uma pessoa a “não ficar triste”, a ção; e que, em última instância, realmente não há
“ter força de vontade”, ou a “pensar positivo”. Isso solução a partir da perspectiva em que ele vem tra-
consiste no “contexto do controle experiencial”, e balhando. Essa intervenção enfraquece racionaliza-
é prejudicial à medida que os eventos privados não ções, confronta os contextos sócio-verbais que sus-
são passíveis de controle direto, uma vez que são tentam as formulações de causalidade trazidas pelo
comportamentos controlados por contingências cliente e estabelece uma condição criativa, a partir
externas ao sujeito. da qual passam a ser consideradas novas formas de
interpretar o problema e abordá-lo.
Todos esses contextos sócio-verbais tornam fre-
quente a tentativa de modificar, controlar ou elimi- O segundo aspecto é apontar as tentativas de con-
nar pensamentos e sentimentos, o que caracteriza trole de eventos privados como o problema em vez
a esquiva experiencial, extremamente comum no de a solução, apresentando-as como o principal
contexto clínico. Devido à mutualidade das rela- obstáculo que impede o cliente de resolver seus
ções verbais, eventos privados relacionados a estí- problemas de vida. O terapeuta mostra ao clien-
mulos aversivos são interpretados como causa das te formas como a socialização promove esse con-
queixas dos clientes, que procuram psicoterapia no trole, como instrução direta, modelos fornecidos
intuito de desenvolver repertórios mais sofistica- por pessoas significativas, possível generalização
dos para esquivar-se dos eventos privados, mais do de tentativas bem sucedidas de controle do con-
que dos contextos que os eliciam ou evocam. No texto externo para eventos privados, e o possível
entanto, ao evitar entrar em contato com as emo- reforçamento do controle emocional por sucessos
ções, o sujeito perde a oportunidade de discrimi- parciais ou temporários. Incentiva-se o cliente a

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observar em sua experiência histórica e atual se a o que permite ao cliente ter seu comportamento
regra que funciona no ambiente exterior tem fun- modelado diretamente pelas contingências.
cionado no mundo dos eventos privados. Isso for-
talece o rastreamento de regras em detrimento do A etapa final é incentivar o cliente a comprometer-
simples acedimento. se com a ação e a mudança comportamental. Uma
vez que a história do sujeito ou os pensamentos e
A etapa seguinte é diferenciar o sujeito de seus emoções provocados por esta não precisam mais
pensamentos e sentimentos, definindo o “eu” ser modificados, o foco passa a ser na escolha do
como contexto dos eventos privados, e não como cliente pela mudança de comportamento. A essa al-
seu conteúdo. Com isso, enfraquece-se a identifi- tura, o ambiente sócio-verbal estabelecido no con-
cação do cliente com os eventos privados que ex- texto da terapia propicia ao cliente que concentre
perimenta, alterando o contexto discriminativo e seu empenho naquilo que funciona, em detrimento
motivacional verbalmente estabelecido que incen- do que é lógico ou razoável, mas não funcionou
tiva as tentativas de controlá-los. em suas tentativas anteriores.

A próxima estratégia é apoiar o cliente a escolher Análises funcionais molares podem subsidiar ri-
e valorizar uma direção. Comumente, os clientes camente as intervenções da ACT, pois propiciam
descrevem eventos privados como empecilhos a compreensão da história de condicionamento
para que eles alcancem determinados objetivos a partir da qual o comportamento do cliente faz
ou metas, e esse aspecto da intervenção consiste sentido, em termos das contingências vigentes e
em fazer distinções entre sentimentos e ações, e dos contextos sócio-verbais estabelecidos, histó-
explorar a escolha e adoção de objetivos e valo- rica e atualmente, e oferecem parâmetros a partir
res como ações possíveis mesmo quando os senti- dos quais o cliente pode contextualizar os pró-
mentos correspondentes não estão presentes. Isso prios comportamentos, e assim aceitar o sofrimen-
favorece que o cliente exercite controle sobre suas to, passando a focar sua atenção e seus esforços
ações, o que tende a ser mais efetivo do que tentar nas conjunturas ambientais que os controlam em
fazê-lo com suas emoções e pensamentos, e pro- seu contexto atual. O presente estudo tem como
picia o aumento do controle por contingências em objetivo demonstrar a relevância, na prática ana-
detrimento daquele por regras. lítico-comportamental clínica, de análises funcio-
nais molares associadas ao instrumental da ACT,
Em seguida, encoraja-se o cliente a deliberada- ilustrando com um caso clínico de TOC. A cliente
mente experimentar emoções, pensamentos e es- apresentava esquiva emocional (ou experiencial) e
tados corporais que, tomados literalmente, seriam grande tentativa de controle de seus próprios com-
evitados; ou seja, abandonar a luta contra os even- portamentos, assim como dos comportamentos de
tos privados e aceitá-los. À medida que eventos outrem, tentativas essas muito bem estabelecidas
privados não mais provocam esquiva, eles come- em seu histórico de vida. Dessa forma, a ACT po-
çam a perder importância. Com isso, muda o signi- deria servir como referencial teórico e prático de
ficado funcional desses, sem que mude sua forma, grande valor.

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Caso Clínico em diversas situações, bem como dificuldades em


estabelecer relacionamentos de confiança.
Cliente: Laura (nome fictício), 30 anos, solteira,
nível socioeconômico médio, bacharel em Direito, Contexto Psicoterapêutico: Os atendimentos psi-
servidora pública de órgão conveniado ao que o coterápicos ocorreram em consultório de psicote-
primeiro autor atendia clinicamente. A cliente au- rapia localizado no serviço de saúde de uma ins-
torizou o estudo de caso de acordo com documento tituição pública conveniada à instituição na qual
de autorização para publicação. Seus dados foram Laura trabalhava. O ambiente era aconchegante e
alterados, de forma a impossibilitar identificação. acolhedor, com poltronas voltadas de frente uma
para outra; iluminação e decoração suaves. Além
Queixa inicial: Laura procurou psicoterapia quei- disso, foram realizadas algumas sessões de EPR
xando-se de relacionamento conturbado e intermi- in vivo, em berçário localizado no mesmo serviço
tente, de aproximadamente 13 anos de duração, de saúde, que é disponibilizado para servidoras do
com Sandro (nome fictício), envolvendo sofrimen- órgão em período de lactação.
to intenso e comprometimento do contexto social.
O relacionamento era caracterizado por controle, Procedimento: Até o momento em que o presente
ciúmes, cobranças e punições da parte de Sandro, trabalho foi redigido, foram realizadas 68 sessões
e grande passividade da parte de Laura. psicoterápicas, com duração de cerca de 50 minutos
cada, ao longo de 2 anos e 10 meses, com alguns
Outras Demandas: Cerca de 6 meses depois do iní- períodos de interrupção. Primeiramente, procu-
cio da psicoterapia, em gestação de 4 meses e meio, rou-se estabelecer uma aliança terapêutica intensa,
decorrente de uma relação fortuita com Sandro, acolhedora, não punitiva o quanto possível. Isso foi
Laura passou a apresentar medo intenso de adoecer de suma importância, uma vez que Laura estava so-
e morrer, ou perder a gestação, e obsessões de con- cialmente restrita, de forma a evitar as cobranças
taminação por contato, acompanhadas de rituais de e punições características do relacionamento com
higienização, uso de banheiro, preparo de alimentos Sandro e também as críticas da família a esse. Lau-
e troca de roupas, entre outros. Esse quadro provo- ra demonstrava a constante preocupação em ser
cou grave comprometimento global, especialmente considerada “doida” pelo terapeuta, e um ambiente
no contexto de trabalho. À época, houve o primeiro acolhedor e não punitivo propiciou que, ao longo do
surto mundial da Influenza A-H1N1, com veicula- tempo, descrevesse com mais detalhes suas experi-
ção frequente, nos meios de comunicação de massa, ências sem medo de ser criticada.
de informações sobre mortes de crianças e gestan-
tes, com fortes recomendações de higienização das Depois de 4 meses de psicoterapia, houve uma des-
mãos e outros cuidados. continuidade de cerca de 3 meses; a cliente retor-
nou descrevendo sintomas obsessivo-compulsivos,
Ao longo do trabalho psicoterápico, também fo- que passou a apresentar subitamente, pouco depois
ram identificados padrões amplos e generalizados de descobrir que estava grávida. Nesse período (de
de comunicação agressiva e de busca de controle 3 meses), houve muitas ausências e desmarcações,

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sendo possível somente fazer algumas análises as outras crianças; e finalmente com as cuidadoras,
funcionais moleculares e intervenções pontuais, sob a observação direta de Laura.
baseadas em técnicas de relaxamento, devido à in-
tensidade das reações emocionais, ao alto grau de A intervenção ficou restrita a essa modalidade por
restrição decorrente de seu estado e à dificuldade um mês e meio, depois do qual Laura conseguiu
para se concentrar em temas não relacionados aos retomar o tratamento em consultório, sendo acom-
sintomas. panhada de uma parente, que ficava na recepção
do serviço com sua filha. No mesmo período, em
Houve novo período de interrupção decorrente da horários diferentes do da sessão, ela continuou a
licença-maternidade. Antes de a licença expirar, frequentar o ambiente do berçário, acompanhada
Laura procurou o serviço de saúde solicitando a re- de sua filha e da funcionária, que estava instruída
tomada urgente da psicoterapia, pois as compulsões sobre o quadro e à qual Laura já estava vinculada,
aumentavam consideravelmente o custo de resposta em exposições graduais semelhantes às já descri-
dos cuidados com a criança e provocavam desgaste tas. Depois de mais dois meses, Laura pôde deixar
importante nas relações com sua família e com San- a filha no berçário, sem sua supervisão direta, na
dro. No início, a cliente não conseguia separar-se da duração das sessões psicoterápicas.
criança, chegando com ela ao consultório psicoterá-
pico, razão pela qual se optou por envolver o setor Por ocasião da retomada do tratamento em consul-
do berçário na intervenção e viabilizar, num primei- tório, foram realizadas análises funcionais mole-
ro momento, a realização de EPR nesse ambiente, culares descrevendo as relações entre as obsessões
de forma a tornar futuramente possível a retomada e compulsões e os contextos onde ocorriam. Essas
do tratamento no consultório, ficando a criança aos análises foram o ponto de partida para investiga-
cuidados do berçário na duração das sessões. Foi ções mais amplas da história de condicionamento
feita parceria com funcionária do berçário, e via- de Laura, que possibilitaram a realização de aná-
bilizado que, no horário da sessão, Laura visitasse lises molares, identificando a continuidade funcio-
o berçário juntamente com o terapeuta e a referida nal dos comportamentos compulsivos com outros
funcionária, deixando sua filha no mesmo ambiente padrões comportamentais amplos e generalizados,
das crianças de sua idade e de suas cuidadoras. A como busca de controle, padrão agressivo de co-
intervenção consistiu em permanecer com Laura no municação e sofisticada capacidade de argumenta-
ambiente, instruindo-a a deixar sua filha no bebê- ção verbal, melhor explicados adiante. As análises
conforto, e a observar a rotina do local e o com- propiciaram a identificação de contextos terapêuti-
portamento das outras crianças, conversando sobre cos funcionalmente semelhantes aos relacionados
os cuidados com a criança e a rotina do berçário, ao TOC, porém menos relevantes emocionalmente
e procurando prevenir comportamentos compulsi- e mais passíveis de interferência pela cliente.
vos nesse contexto. Em etapas seguintes, foi pos-
sível para ela colocar a criança no colchonete do Foi oportuno utilizar-se das intervenções da ACT
berçário, sem contato com as cuidadoras nem com para enfraquecer o controle dos eventos priva-
as outras crianças; depois deixá-la em contato com dos, promovendo tolerância emocional e tornando

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possíveis exposições aos contextos terapêuticos À medida que o tratamento evoluiu, a cliente foi
identificados, relacionados ao TOC ou não. Es- conquistando autonomia cada vez maior em rela-
sas intervenções se deram por meio de diálogos ção à filha. As compulsões diminuíram e passaram
visando: (i) demonstrar a ineficácia das tentativas a ser menos restritivas. Essa evolução possibilitou
sofisticadas de Laura de controlar o ambiente ou o direcionamento da psicoterapia para novas de-
a saúde de sua filha, e o esforço desproporcional mandas, como a imaturidade afetiva e social de-
dispendido em tais tentativas (estabelecimento de corrente do longo período de privação social que o
desesperança criativa, e apontar as tentativas de relacionamento com Sandro proporcionou.
controle de eventos privados como o problema em
vez de a solução); (ii) demonstrar a relação das di- Resultados
ficuldades no contexto familiar e de trabalho com
as tentativas de evitar o desconforto emocional das Os resultados serão apresentados em termos da
obsessões; (iii) levá-la a perceber os pensamentos coleta de dados históricos (descrevendo o histó-
e sentimentos como eventos que acontecem com rico da cliente em alguns pontos relevantes), das
ela, mas que são diferentes dela (diferenciar o análises funcionais moleculares e molares reali-
sujeito de seus pensamentos e sentimentos, defi- zadas e dos avanços terapêuticos já obtidos. Res-
nindo o “eu” como contexto dos eventos privados, salta-se que o tratamento de Laura ainda estava
e não como seu conteúdo); e (iv) ajudar Laura a em andamento quando da redação do presente
eleger objetivos e valores, e agir de acordo com trabalho.
esses, mesmo quando isto fosse emocionalmente
desconfortável. Esses diálogos eram muitas vezes Histórico da Cliente: Laura era a irmã do meio de
motivados por metáforas como a do tigre (Dahl & três meninas. Sua família era de origem nordesti-
Lundgren, 2006), que ilustravam as ideias e pro- na. Ainda pequena, seus pais se separaram; a mãe
postas terapêuticas apresentadas. Essas interven- se mudou para o Nordeste devido a um novo casa-
ções eram subsidiadas pela compreensão que as mento; Laura e suas irmãs passaram a morar com
análises funcionais propiciaram à Laura a respeito os avós maternos. O avô era a grande referência de
de seu próprio repertório comportamental e histó- autoridade da família como um todo; Laura apon-
ria de condicionamento. tava uma presença afetiva muito importante dele
em seu desenvolvimento. A avó participava dos
No mesmo período, surgiram várias oportunidades cuidados concretos, sem, no entanto, demonstrar
terapêuticas decorrentes de enfrentamentos inevi- muito afeto explícito. O avô era a única figura de
táveis, devidos a contextos de trabalho, ao desen- autoridade que ela acatava; sua autoridade não se
volvimento global da criança e às relações desta caracterizava por punições, mas mais pelo desejo
com familiares e com Sandro, tais como a maior que ela tinha de obter sua aprovação, ou seja, por
autonomia motora e exposição dentro de casa, vi- reforçamento positivo decorrente da valorização
sitas à casa do pai, doenças, entre outras situações. que esse lhe dirigia. A relação com a mãe era dis-
Essa fase do tratamento também propiciou a ade- tante, mediada pelo avô. O pai era pouco presente;
são à farmacoterapia, sob orientação de psiquiatra. pagava pensão ao avô, mas este não dava abertura

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para interferências daquele na educação das filhas. No contexto socioafetivo, pode-se apontar que
Nesse período, tinham contato com família exten- Laura foi criada com muita liberdade, desenvol-
sa, morando com tias e primos; e também muita vendo desde cedo muita autonomia. Era sociável
liberdade, sendo criados todos em amplo contato e tinha bons relacionamentos na vizinhança e na
com a vizinhança. comunidade escolar. Nesse contexto, desenvolveu
uma característica de liderança e iniciativa, passan-
Quando Laura estava prestes a terminar o ensi- do a ser muito conhecida e bem quista por todos;
no médio, seu avô faleceu. Desde então, ela foi participava diretamente da organização de festas
de modo gradativo se afastando afetivamente da e eventos para ajudar a arrecadar dinheiro para a
família. A avó mudou-se para o Nordeste; Laura escola e promover a socialização dos alunos, o que
e suas irmãs foram morar com o pai. O relacio- era reforçado positivamente pelo reconhecimento
namento era conturbado, pois ele tentava exercer e prestígio junto à escola e aos pares.
autoridade sobre elas e não era acatado, a não ser
quando condicionava sua disponibilidade financei- Esses recursos, associados a um excelente desem-
ra à anuência das filhas. Laura ingressou no curso penho acadêmico, contribuíram para que Laura se
de Direito logo depois de terminar o nível médio; tornasse pouco sensível à regulação social em ge-
pouco tempo depois, arrumou emprego e passou a ral. Ela se envolvia com colegas que apresentavam
morar sozinha, o que foi negativamente reforçado comportamentos “problemáticos” do ponto de vis-
ao evitar os conflitos com o pai. ta escolar, com transgressões leves (i.e., cabulavam
aulas, faziam desordem na escola, etc.), sem, no
A família extensa de Laura era coesa, mas tinha entanto, apresentar os prejuízos acadêmicos que
um padrão de comunicação confuso e inassertivo; estes últimos tinham. Quando era repreendida por
havia muita interferência da família extensa na professores ou pelo diretor, replicava que suas no-
vida de cada membro, o que se expressava tanto tas eram ótimas e que podia fazer o que quisesse,
nas críticas ao relacionamento de Laura com San- pois ajudava financeiramente a escola. Esse padrão
dro quanto em interferências nos cuidados com a surgia também quando havia tentativas de controle
criança quando do surgimento dos sintomas obses- social da parte de sua família, com exceção do avô.
sivo-compulsivos. Para evitar as críticas sobre o re- Este não levava muito a sério as referidas trans-
lacionamento problemático, que era chamado por gressões, uma vez que o desempenho acadêmico
eles de “coisa de doido”, Laura restringiu quase era bastante qualificado.
totalmente seu contato com a família, o que sofreu
reforçamento negativo. As restrições decorrentes Essas circunstâncias modelaram em Laura um pa-
do quadro geravam, ao mesmo tempo, dependên- drão de comunicação agressivo em contextos de
cia do apoio dos familiares (pai, madrasta e irmãs, conflito, e também grande habilidade de antecipar
que se dispunham, em algum grau, a atender aos situações decorrentes de seus comportamentos e
seus rituais compulsivos) e desgaste nas relações argumentações verbais utilizadas pelos interlo-
com eles, envolvendo, nesse sentido, tanto reforço cutores, bem como de preparar respostas verbais
positivo quanto punição positiva. apropriadas para invalidá-las ou defender seus

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comportamentos, obtendo reforçamento negativo obtém reforçamento negativo, mas também res-
ao evitar ou amenizar punições relevantes. Esse tringe quase inteiramente sua vida social, tendo
ambiente sensibilizou muito a cliente a contextos o comportamento, nesse sentido, punido nega-
sócio-verbais de literalidade e de dar razões. tivamente;
• Eventualmente, sob intensa privação social,
Na puberdade, Laura passou a demonstrar grande ela tenta envolver-se em alguma atividade social
insegurança no contexto do interesse pelo namo- sem que Sandro saiba, ou então, mesmo não se
ro; sentia-se pouco atraente, e esquivava-se des- engajando em atividades sociais, acidentalmen-
se contexto. Sandro tornou-se amigo no final do te encontra-se com alguma pessoa conhecida
ensino fundamental; passavam muito tempo jun- em comum dos dois; e
tos e ela frequentava a casa dele. Com o tempo, • Em qualquer caso, Laura sofre intensamente
passaram a namorar, desenvolvendo um vínculo pensando na possibilidade de Sandro descobrir
afetivamente intenso. Sandro passou a demonstrar a respeito das situações anteriores e acusá-la de
ciúmes de Laura e a fazer cobranças, que foram infidelidade; engaja-se em pensamentos sofis-
se tornando cada vez mais intensas, e a vida so- ticados procurando antecipar as possibilidades
cial extremamente ativa de Laura era punida ao de ele descobrir, suas possíveis reações, e en-
gerar grande desgaste entre eles. Laura passou a saiando formas de evitar ou defender-se dessas
procurar se adequar a essas cobranças, diminuindo situações. Observe-se que Laura fica eminente-
contatos sociais e envolvendo-se em menos ativi- mente sob controle de seus eventos privados.
dades, comportamentos reforçados negativamente
ao livrar-se das cobranças. Toda essa cadeia era fortemente reforçada a cada vez
que Sandro de fato vinha a descobrir sobre as saídas
Em certa ocasião, ela decidiu sair com algumas ou o encontro com outras pessoas e punia seus com-
amigas, às escondidas de Sandro para evitar co- portamentos. Em função dessa dinâmica, o namoro
branças; no entanto, ele descobriu e reagiu de for- foi rompido e reatado por várias vezes. Nos períodos
ma intensamente aversiva para Laura, demonstran- em que estavam separados, Sandro culpava Laura
do grande sofrimento e acusando-a de tê-lo traído, por ele não conseguir se envolver em outros relacio-
de acabar com sua confiança nela e de arruinar o namentos, afirmando que, se ela não tivesse macu-
relacionamento, que nunca mais seria o mesmo. lado a confiança que ele lhe tinha, estariam juntos e
Laura tentou explicar-se, mas ele não deu audiên- felizes. Além disso, Sandro a proibia de procurá-lo,
cia e terminou com ela, que passou a procurá-lo deixando-a mais angustiada e empenhada em obter
obstinadamente, seguindo-o e insistindo para que sua atenção e sua confiança. Ela também não conse-
reatassem o namoro; em pouco tempo, o namoro guia se envolver com outras pessoas, não conseguin-
veio a ser retomado. A partir de então, estabeleceu- do se imaginar com outro homem.
se um ciclo caracterizado pelas seguintes etapas:
• Laura desenvolve uma intensa e constante Nos períodos em que reatavam o namoro, os com-
preocupação em evitar as cobranças de Sandro, portamentos de Laura eram punidos por Sandro de
agindo de forma bastante submissa, e com isso forma generalizada. Se ela se empenhasse em se

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submeter a suas cobranças, Sandro eventualmente comportamentais. Como dito, seu desempenho
dizia que não conseguia ser feliz por ela haver des- acadêmico sempre foi excelente. Graduou-se ba-
truído sua confiança. Por outro lado, se ela fizesse charel em Direito, e veio a conseguir emprego em
qualquer coisa que provocasse seus ciúmes, ele se uma instituição privada, de grande porte. Apesar
utilizava disso para afirmar como de fato ela não de muito jovem, demonstrava grande competência,
era confiável, e não seria possível que eles ficas- obtendo reconhecimento. Sua capacidade de ante-
sem juntos. cipar situações e argumentos, preparando respos-
tas verbais elaboradas para eles, foi extremamen-
A restrição social decorrente desse relacionamento te reforçada no trabalho como advogada. Quando
intensificou-se no período em que o avô de Laura se sentia menosprezada por colegas mais antigos
faleceu, pois se mudou para outra região da cidade devido à sua juventude, ela se empenhava em so-
e ingressou na faculdade. Além do luto pela perda bressair ainda mais para se impor a esses colegas.
do avô, Laura teve de lidar também com a perda dos Isso propiciou uma rápida e consistente ascensão
poucos vínculos restantes de vizinhança e contex- profissional a Laura, que passou a ser responsável
to escolar, e não desenvolveu novos vínculos, para pelo departamento jurídico da instituição inteira.
evitar os ciúmes de Sandro. Também se afastou da Esse contexto foi propício para a sofisticação de
família extensa para evitar as críticas que sofria a um padrão comportamental de exigência e contro-
respeito do relacionamento, que se tornou mais in- le, reforçado pelo reconhecimento e o respeito de
tenso e estereotipado em função da falta de ambien- colegas mais antigos e experientes, ou ao menos
tes alternativos. Nesse contexto, Laura já apresenta- pela submissão a ela.
va pensamentos com características obsessivas. Por
exemplo, certa vez ela fez o seguinte relato: “Eu Quando Laura procurou psicoterapia, fora aprova-
não consigo ficar alegre. Quando me sinto assim, da em concurso público e nomeada havia pouco
eu logo tenho medo, porque depois eu sei que vai tempo para o cargo que ocupava no momento da
acontecer alguma coisa ruim”. Isso geralmente se elaboração do presente estudo. Demonstrava am-
confirmava em situações envolvendo Sandro. biguidade em relação ao serviço público, cuja cul-
tura é bastante diferente da iniciativa privada. No
Depois do nascimento da filha, a criança passou novo contexto de trabalho, rapidamente demons-
a ser o foco do relacionamento com Sandro, cujo trou suas habilidades profissionais, conquistando,
acesso Laura restringia devido aos sintomas ob- por um lado, o respeito profissional e a confiança
sessivo-compulsivos. Também foi possível obser- de colegas e chefes e acumulando tarefas comple-
var tentativas de Sandro de utilizar a situação de xas, a ponto de o funcionamento do setor depen-
Laura para manipulá-la ou intimidá-la, ameaçando der, em grande parte, de seu trabalho; por outro
tirar-lhe a guarda da filha ou dificultando acordos lado, sentia-se frustrada, pois em vez de ser valo-
a respeito dela. rizada, era de certa forma hostilizada por alguns
chefes por representar uma ameaça a seus cargos,
Seu histórico acadêmico-profissional também é de e também era preterida em oportunidades de fun-
grande relevância para o entendimento dos padrões ção comissionada, cuja nomeação no serviço pú-

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blico ocorre, via de regra, baseada em critérios po- o desempenho escolar de Laura; não havia conse­
líticos e de afinidade com autoridades. Além disso, quências punitivas relevantes da parte de outros fa-
a cliente reiterava para colegas e chefes que, sem miliares ou de agentes do contexto escolar, e, por-
ela, os processos de trabalho ficariam comprome- tanto, parece ter havido pouco treino de tolerância a
tidos, e tal padrão agressivo de comunicação de- frustração. Além disso, a liderança na organização
teriorou muito a qualidade dos relacionamentos. de eventos de grande porte na escola deve ter mo-
Essa trama foi complicada pelo surgimento dos delado habilidades sofisticadas de solução de pro-
sintomas obsessivo-compulsivos, pois os compor- blemas e comportamentos controladores, e a grande
tamentos excêntricos desenvolvidos durante a ges- valorização social decorrente, tanto da parte dos pa-
tação comprometeram sua produtividade, e Laura res quanto dos agentes da escola, certamente refor-
passou a precisar contar com a compreensão dos çou esses padrões. A sofisticada habilidade de an-
pares. tecipar situações e argumentos verbais, preparando
soluções e contra-argumentos, pode ter se desenvol-
Laura apresentava boa saúde global, sem histórico vido no convívio com os pares e também na organi-
relevante de saúde anteriormente à psicoterapia. A zação dos eventos da escola, situações que exigem
gestação ocorreu sem grandes intercorrências. O coordenar trabalhos de outros colegas, defender
pai de Laura tinha histórico de transtorno de an- pontos de vista e formas de organização e outros
siedade, o que sugere a possibilidade de uma vul- tipos de influência verbal. Esse repertório generali-
nerabilidade na constituição genética da cliente a zava-se para situações de transgressões, e parece ter
transtornos semelhantes, e/ou a influência de as- sido eficaz para evitar punições relevantes, sofrendo
pectos da cultura familiar ou do modelo paterno no reforçamento e sensibilizando Laura para contextos
desenvolvimento do TOC. sócio-verbais de literalidade e de dar razões. Essa
capacidade de antever e argumentar também contri-
A partir desse levantamento de dados, pôde-se buiu para o surgimento da comunicação agressiva.
realizar análises funcionais de amplos padrões
comportamentais da cliente. O Quadro 1 destaca Aparentemente, as habilidades de Laura para
alguns desses padrões, procurando evidenciar con- controlar situações e argumentar foram punidas
textos antecedentes históricos e atuais dos padrões ou colocadas em extinção no relacionamento com
analisados, bem como consequências reforçadoras Sandro. Além disso, provavelmente não havia ex-
e aversivas. periência prévia de fracasso em relacionamentos
de intimidade com relevância semelhante a esse,
Análises Molares: As análises funcionais realizadas pois as amizades eram numerosas, e a perda de
permitem levantar hipóteses sobre o funcionamento algumas dessas deve ter tido pouca importância
molar da cliente. O ambiente familiar e social da afetiva. Já no contexto de relacionamentos amo-
infância de Laura lhe propiciava um alto grau de rosos, Laura experimentava maior insegurança, o
autonomia e poucos limites, sendo o avô a única fi- que tornaria uma perda nesse contexto mais re-
gura de autoridade efetiva. Este, aparentemente, era levante. Sem experiência de contextos punitivos
tolerante e permissivo, valorizando principalmente relevantes, com baixa tolerância a frustração e

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Quadro 1. Análises funcionais de padrões comportamentais amplos de Laura.

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pouca variabilidade, Laura ficou vulnerável ao e argumentação verbal, e comunicação agressiva,


não conseguir “controlar” Sandro. Por outro lado, pelo crescimento profissional, ganhos salariais,
sofisticava-se o repertório de antecipar situações respeito e submissão dos colegas. Além disso, o
e ensaiar soluções e respostas verbais a elas, envolvimento intenso no trabalho e as viagens fre-
quando Laura procurava precaver-se dos com- quentes eram reforçadas negativamente ao distrair
portamentos ciumentos de Sandro. Ela perdeu o Laura de seu relacionamento complicado. No en-
acesso a outros reforçadores sociais, expondo- tanto, tudo isso implicava também grande desgaste
se a uma operação estabelecedora de privação, o físico e cansaço. Com o ingresso no serviço públi-
que aumentou a relevância afetiva desse relacio- co, em contato com o sofrimento intenso a respeito
namento. O controle social por parte da família já da relação com Sandro e com as restrições sociais
era ineficaz, e quando da morte do avô, tendo se e de lazer associadas, e havendo a possibilidade de
mudado para a casa do pai e, pouco tempo depois, psicoterapia disponível no serviço de saúde, Lau-
para morar só, Laura restringiu ao máximo o con- ra procurou o tratamento com grande hesitação e
tato com a família, esquivando-se de suas críticas resistência.
ao relacionamento com Sandro. Surgiu a autorre-
gra: “Se eu fico alegre, logo em seguida acontece Ao engravidar, em contato com informações so-
algo ruim”, que se confirmava pelas punições que bre o surto de Influenza A, pode-se interpretar
Sandro emitia quer estivessem juntos ou não, e que Laura apresentou seus repertórios sofistica-
não-contingentes às tentativas de Laura de ade- dos de antecipação verbal e controle como sin-
quar-se. Esses contextos propiciaram um forte tomas obsessivo-compulsivos. Por outro lado,
padrão de esquiva experiencial: tentava fugir do as características do vínculo com Sandro foram
sofrimento de perder ou deixar Sandro, e também generalizadas para o vínculo com a criança por
do sofrimento decorrente de suas punições e ciú- meio dos sintomas, caracterizando uma espécie
mes; em todo caso, esses esforços se mostraram de “substituição de sintomas”: o medo de morrer
inúteis, ou com eficácia restrita no tempo. ou perder a criança, e posteriormente o medo de
que essa adoecesse gravemente e morresse, são
É importante observar como o comportamento de funcionalmente semelhantes ao medo que Laura
Laura no relacionamento com Sandro já apresenta- tinha de perder Sandro; da mesma forma, os ri-
va características “obsessivo-compulsivas”: a preo- tuais compulsivos para evitar exposição a conta-
cupação constante de Laura com a possibilidade de minação correspondiam às esquivas sociais para
Sandro ter ciúmes ou desconfianças dela, correla- evitar os ciúmes de Sandro.
cionada com grande angústia, corresponde funcio-
nalmente a uma obsessão, enquanto os comporta- A anuência dos familiares aos rituais exigidos por
mentos submissos e a evitação de contextos sociais Laura era uma expressão de controle; nesse con-
em função disso correspondem a compulsões. texto, observou-se que, ao sentir-se respeitada por
eles mediante a tentativa de cumprir suas exigên-
O trabalho na instituição privada reforçou positi- cias no contato com a criança, Laura conseguia to-
vamente os repertórios de controle, antecipação lerar falhas deles em detalhes dos rituais.

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Mudanças Comportamentais Observadas: Quan- colegas. Surgiram relacionamentos positivos nesse


do da elaboração do presente estudo, alguns avan- novo contexto. Passou a evitar centralizar muitas
ços terapêuticos já podiam ser percebidos. Laura atribuições, consultando a opinião dos colegas. De-
era capaz de compreender análises molares, iden- pois de algum tempo, recebeu a proposta de uma
tificando a semelhança funcional entre os sintomas função comissionada e aceitou. À época da redação
do TOC e outros comportamentos. Desenvolveu deste trabalho, ela havia sido escalada para um tra-
tolerância emocional às obsessões, que diminuí- balho importante e complexo em um órgão de outra
ram de relevância. As compulsões estavam menos região, e estava se preparando para viajar por cerca
complexas e restritivas. de duas semanas deixando a filha com familiares, o
maior tempo de separação dessa até então.
Ela estreitou os relacionamentos com os familiares.
Gradativamente, passou a apresentar repertório de Considerações Finais
comunicação mais assertivo e a fazer menos exigên-
cias de cumprimento dos rituais obsessivos. Desen- O caso clínico apresentado ilustra como a utiliza-
volveu também maior autonomia em relação à sua ção de análises funcionais molares pode subsidiar
filha, deixando-a com mais frequência aos cuidados ricamente as intervenções propostas pela ACT, ao
do pai e das irmãs, para sair e até mesmo viajar. propiciar o entendimento do comportamento de um
sujeito com base em sua história de condiciona-
Isso propiciou que Laura tornasse a se expor a con- mento e nas circunstâncias presentes, identificando
textos sociais e de lazer. Ela passou a sair para fes- inclusive os contextos sócio-verbais vigentes. Esse
tas e boates, e nesses contextos voltou a apresentar entendimento permitiu intervir sobre os sintomas
comportamentos de conquista e flerte, engajando-se apresentados de TOC a partir de situações terapêu-
em alguns relacionamentos de curta duração. Fez ticas que não diziam respeito especificamente a
novas amizades e retomou contato com algumas an- ele, mas a comportamentos funcionalmente seme-
tigas, ainda que de forma restrita e pouco frequente. lhantes aos sintomas. Assim, como destacado por
vários autores (Assunção & Vandenberghe, 2010;
O relacionamento com Sandro ficou mais asserti- Chacon et al., 2001; de-Farias, 2010; Delitti, 1997;
vo e restrito às negociações da rotina da filha; a Marçal, 2005; Zamignani, 2000), as análises mola-
frequência de discussões mais intensas com ele res não somente geraram a compreensão histórica
diminuiu muito, e Laura aprendeu a modelar o da aquisição e manutenção dos padrões comporta-
comportamento de Sandro, dando mais atenção mentais da cliente, mas também apontaram para as
e respondendo quando ele conversava com ela de situações às quais seria necessário que esta se ex-
forma mais calma e objetiva, e interrompendo a pusesse para ampliar seu repertório e enfraquecer
interação quando ele era manipulativo, desrespei- esses padrões, discriminando quando eles de fato
toso ou agressivo. se mostravam úteis.

Laura também mudou de setor no trabalho, treinan- É importante destacar que os comportamentos de
do uma comunicação assertiva e empática com os Laura tinham resultados úteis e benéficos em al-

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guns contextos, sendo, no entanto, prejudiciais em instrumento importante para que fosse possível a
outros. Portanto, o tratamento analítico-comporta- intervenção molar realizada posteriormente.
mental, geralmente, não visa simplesmente elimi-
nar um padrão comportamental, mas, mais do que O tratamento baseado nas propostas da ACT mos-
isso, promover a necessária variabilidade, para que trou-se extremamente oportuno em vários aspec-
ocorram modelagens e discriminações, de forma tos. As análises funcionais evidenciaram forte
que se estabeleça controle de estímulo adequado, treinamento de Laura para responder aos contex-
já que a noção de funcionalidade depende estrita- tos sócio-verbais de literalidade, de dar razões e
mente do contexto em que o comportamento ocor- de controle experiencial (Brandão, 1999; Hayes &
re (Marçal, 2005). Wilson, 1994). A sensibilidade a este último pode
ser atribuída a uma generalização dos sofisticados
O caso também evidencia as importantes limitações repertórios de controle de Laura a eventos priva-
para a Psicologia em basear um tratamento no mo- dos. Os dois primeiros contextos, por outro lado,
delo médico tradicional, em que o diagnóstico se dá estiveram presentes desde cedo na história de Lau-
por semelhanças topográficas de sintomas, e o trata- ra, em seu ambiente familiar e social. Enfraquecer
mento pela aplicação de terapêuticas e técnicas ge- o controle desses contextos foi uma etapa de gran-
neralizadas (Banaco, 1999; Zamignani, 2000). Sem de importância no tratamento, por exemplo, na re-
compreender os sintomas de Laura como comporta- lação dela com Sandro e com sua família.
mentos interpretados à luz de sua história singular
e das conjunturas a que estava exposta, e relaciona- A compreensão dos eventos privados como com-
dos a outros funcionalmente semelhantes, ainda que portamentos, que, ao mesmo tempo em que podem
topograficamente diferentes, correr-se-ia o risco de exercer controle de estímulo sobre outros compor-
obter benefícios restritos à redução daqueles, sem tamentos, são eles mesmos controlados por con-
interferir nos prejuízos sociais e de trabalho relacio- textos ambientais (Abreu-Rodrigues & Sanabio,
nados aos padrões comportamentais mais amplos 2001; Tourinho, 1999), permite afirmar que o TOC
nos quais eles estavam incluídos. se baseia em padrões sofisticados de esquiva ex-
periencial (Dutra, 2010; Hayes & Wilson, 1994).
Ressalta-se que “as técnicas comportamentais são As obsessões, com o sofrimento decorrente, e as
boas, válidas e úteis. Mas precisam ser empregadas tentativas de neutralizá-las por meio de compul-
num contexto terapêutico, e seu emprego ser decor- sões complexas e restritivas, portanto, podem fa-
rente da análise funcional” (Banaco, 1999, p. 81). zer sentido a partir da inabilidade dos portadores
No caso de Laura, a utilização da técnica de EPR de TOC de tolerar desconfortos emocionais de ou-
foi útil no sentido de provocar um enfraquecimen- tra ordem, o que abre uma gama de oportunidades
to inicial dos sintomas, que propiciou as condições terapêuticas para esses casos.
mínimas para que ela pudesse tornar a se engajar
na psicoterapia verbal, o que por sua vez permitiu O TOC é, via de regra, correlacionado a padrões
análises mais amplas de seu repertório e sua histó- marcantes de controle e exigência, o que pode
ria de aprendizagem; nesse sentido, a EPR foi um comprometer a evolução no tratamento ao gerar

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no cliente parâmetros muito altos de sucesso do Comportamental Clínica: Aspectos teóricos e


tratamento, tornando-o insensível a pequenas me- estudos de caso (pp. 215-230). Porto Alegre: Artmed.
lhorias e exposições bem-sucedidas e dificultando Banaco, R. A. (1999). Técnicas cognitivo-comportamentais e
que os novos comportamentos sofram reforça- análise funcional. Em R. R. Kerbauy & R. C. Wielenska
mento natural. As análises funcionais molares e as (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol.
premissas da ACT são propícias para promover a 4. Psicologia comportamental e cognitiva: da
necessária sensibilidade a esses avanços mais tí- reflexão teórica à diversidade de aplicação (pp.
midos, ao ajudar o cliente a ter expectativas mais 75-82). Santo André: ESETec.
realistas, levando em conta suas habilidades e
Brandão, M. Z. S. (1999). Abordagem Contextual na Clínica
inexperiências, e a aceitar as dificuldades e falhas
Psicológica: Revisão da ACT e proposta de atendimen-
nos ensaios terapêuticos, com o desconforto emo-
to. Em R. R. Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre
cional decorrente.
Comportamento e Cognição: Vol. 4. Psicologia
comportamental e cognitiva: da reflexão teóri-
Considera-se que este estudo foi bem sucedido em
ca à diversidade de aplicação (pp. 149-156). San-
ilustrar, no caso apresentado de TOC, a relevância
to André: ESETec.
de intervenções da ACT baseadas em análises fun-
cionais molares. Certamente, a associação desses Brino, A. L. F. & Souza, C. B. A. (2005). Comportamento verbal:
dois elementos da Análise Comportamental Clíni- Uma análise da abordagem skinneriana e das extensões
ca pode ser proveitosa em diversos outros tipos de explicativas em Stemmer, Hayes e Sidman. Interação
quadro, como já foi demonstrado por Lima (2011) em Psicologia, 9 (2), 251-260 [On-line]. Disponív-
num exemplo de fobia de dirigir; sugere-se que se- el: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/psicologia/arti-
jam realizados outros trabalhos nesse sentido. cle/view/4796/3679. Recuperado em 11 de junho de 2012.

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Submetido em 23 de julho de 2012


Encaminhado aos autores 24 de setembro de 2012
Aceito em 3 de dezembro de 2012

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