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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE

ACÓRDÃO: 20225105
RECURSO: Apelação Cível
PROCESSO: 202100826795
RELATOR: JOSÉ DOS ANJOS
APELANTE CONTORNO VEICULOS LTDA Advogado: PEDRO MORAES MESSIAS
APELANTE WALDISON ALBERTINY SANTOS DA SILVA Advogado: HILDON OLIVEIRA RODRIGUE
BOM NEGOCIO ATIVIDADES DE INTERNET Advogado: JULIANA SANTANA ARAGÃO
APELADO
LTDA – OLX ALVES
APELADO CONTORNO VEICULOS LTDA Advogado: PEDRO MORAES MESSIAS
APELADO WALDISON ALBERTINY SANTOS DA SILVA Advogado: HILDON OLIVEIRA RODRIGUE

EMENTA

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS
E MORAIS - COMPRA E VENDA DE
VEÍCULO – NEGÓCIO FRAUDULENTO -
APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR (ART.14 DO CDC) –
PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE
PASSIVA, GRATUIDADE JUDICIÁRIA DO
AUTOR E DENUNCIAÇÃO DA LIDE
REJEITADAS – RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA RÉ
EVIDENCIADA – TESE AUTORAL NÃO
COMBATIDA EFICIENTEMENTE - ACERVO
PROBATÓRIO CONSTANTE NOS AUTOS
QUE DEMONSTRA QUE A
CONCESSIONÁRIA FORNECEDORA
FALHOU NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
QUANDO NÃO AGIU COM CAUTELA,
FATURANDO UM DOS SEUS VEÍCULOS
PARA FINANCEIRA FRAUDULENTA
(CREDLINE), EMITINDO INCLUSIVE
NOTA FISCAL, PERMITINDO AO
CONSUMIDOR FINAL CRER NA
APARÊNCIA DE VERDADE DO NEGÓCIO,
MESMO HAVENDO INDÍCIOS DE
FRAUDE, NÃO DILIGENCIANDO
ANTECIPADAMENTE A REQUERIDA
ACERCA DAS CREDENCIAIS DA
FINANCEIRA SUSPEITA, NUNCA TENDO
HISTÓRICO DE TRANSAÇÕES COM A
MESMA, E POSSUINDO EXPERIÊNCIA
NESTE TIPO DE RAMO NO MERCADO
(AUTOMOTIVO), NÃO EVITOU, POR FIM,
O NEGÓCIO FRAUDULENTO
PERPETRADO PELO CLIENTE QUE
DEPOSITOU OS VALORES DO VEÍCULO
EM CONTAS DE TERCEIROS – DANOS
MATERIAS DEVIDOS AO AUTOR COM A
RESTITUIÇÃO DO VALOR
INDEVIDAMENTE DEPOSITADOS AOS
SUPOSTOS VENDEDORES (R$48.000,00)
– DANOS MORAIS MANTIDOS
(R$500,00), DIANTE DAS
PECULIARIDADES DO CASO E DA
PROPORCIONALIDADE/RAZOABILIDADE
EM ANÁLISE DEVIDAMENTE
JUSTIFICADA PELO JUÍZO DE 1º GRAU –
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
RECURSAIS MAJORADOS PARA
11%(ONZE POR CENTO) DO VALOR DA
CONDENAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA
EM SUA INTEGRALIDADE - RECURSOS
CONHECIDOS E DESPROVIDOS - À
UNANIMIDADE.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Membros do


Grupo II, da 2ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de Sergipe, em conhecer dos recursos em apreço para
NEGAR-LHES PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator, que
fica fazendo parte integrante deste julgado.

Aracaju/SE, 08 de Março de 2022.

DES. JOSÉ DOS ANJOS


RELATOR

RELATÓRIO

DESEMBARGADOR JOSÉ DOS ANJOS (RELATOR): Versam os


presentes autos acerca de dois recursos de Apelação Cível,
interpostos em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível
da Comarca de Estância, nos autos da Ação de Indenização por
Danos Materiais e Morais, ajuizada por WALDISON ALBERTINY
SANTOS DA SILVA em face da CONTORNO VEÍCULOS LTDA E
BOM NEGÓCIO ATIVIDADES DE INTERNET LTDA - OLX, que foi
julgada parcialmente procedente nos termos da parte dispositiva a
seguir transcrita:
“(...) III – DISPOSITIVO Diante do aduzido, com fuste no art.
487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO
AUTORAL, para o fim de: 1) CONDENAR a ré CONTORNO
VEÍCULOS LTDA a arcar com os danos materiais em favor do
autor de R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil reais), devendo ser
corrigido monetariamente a contar do desembolso
(07/02/2019) e atualizado com juros de mora de 1% (um por
cento) ao mês, a contar da citação válida; 2) CONDENAR a
parte ré CONTORNO VEÍCULOS LTDA a promover o pagamento
à parte autora do montante correspondente a R$ 500,00
(quinhentos reais), a título de indenização por danos morais,
quantia a ser monetariamente atualizada a partir desta
decisão, porquanto no valor arbitrado já está considerado o
tempo decorrido desde a data do evento danoso inicial; com
incidência de juros legais de 1% (um por cento) ao mês,
contados do evento danoso (Súmula 54, STJ). Condeno ainda
a requerida CONTORNO VEÍCULOS LTDA ao pagamento das
custas processuais e dos honorários advocatícios
sucumbenciais, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da
condenação (...)”.

Na exordial, aduziu o autor, em síntese, que no interesse de adquirir


um veículo automotor, iniciou uma busca por meio do sítio eletrônico
da empresa OLX, tendo se interessado pelo veículo CHEVROLET
ONIX, com a seguinte descrição “ONIX 1.4 ltz. Automático, ano 2019,
retirado direto da concessionária, não aceito troca, mas aceito contra
proposta a vista”.

Alega que, no dia seguinte, entrou em contato com o anunciante da


referida plataforma, o qual tinha como prenome BRUNO que o
informou residir na cidade de Cristinápolis. Aduz que iniciou as
tratativas com o referido vendedor, tendo sido informado de que o
veículo era financiado, mas já encontrava-se quitado; que o autor
poderia retirar o bem diretamente na concessionária, e após o
suposto vendedor entrar em contato com o banco, foi informado de
que era necessária a realização de um contrato a fim de que o
vendedor “BRUNO” passasse os direitos referentes ao bem
diretamente ao demandante.

Informa que, em 01/02/2019, “Bruno” entrou em contato com o


autor informando que havia entrado em contato com a “CREDLINE”,
suposta empresa associada ao Banco Itaú, tendo sido informando que
o automóvel estava disponível na concessionária para entrega. Aduz
que lhe foi fornecido o contato de “Daniel Ferraz Molina Esteves
Leopoldino”, indicado por “Bruno” como o responsável pelo contrato a
fim de transferir o financiamento do bem para o autor, bem como os
devidos repasses à Concessionária.

Destaca que Daniel já havia procedido o início das comunicações


necessárias sobre o negócio a ser feito junto a 1ª Reclamada
CONTORNO VÉÍCULOS, por meio do vendedor Marcos, situação que o
autor somente teve ciência no depoimento de Marcos feito na
Delegacia quando o Reclamante apresentou um Boletim de
Ocorrência.

Registra que, em 04/02/2019, “Bruno” solicitou que o demandante


procedesse com o depósito do valor de R$ 48.000,00 em duas contas
diferentes. Ainda, informa que o representante da “CREDLINE” entrou
em contato e indicou a concessionária na qual o autor deveria
comparecer a fim de realizar as tratativas, indicando ainda o
vendedor de prenome “MARCOS”. Assim, o autor aduz ter entrado em
contato com Marcos (vendedor da 1ª Reclamada, CONTORNO) via
“Whatsapp” – e este o solicitou os documentos para que pudesse
faturar o carro em seu nome. Ainda, o informou que iria fazer o
pedido do carro e enviar para o banco “CREDLINE”, aos cuidados de
“Daniel” e que o carro já deveria ser pago na data seguinte.

Aduz que, mesma data, o autor compareceu junto à 1ª Reclamada,


CONTORNO, e fora atendido pessoalmente por Marcos, realizando o
pedido do carro, com posterior assinatura do autor.

Relata que, em 05/02/2019, “Bruno” encaminhou mensagem para o


autor o informando que o financiamento seria repassado para seu
nome, bem como repassou e-mail com o contrato para que o autor
assinasse e o enviasse digitalizado, pois posteriormente iria repassar
para o e-mail de “Daniel”, suposto representante da “CREDLINE”.

Salienta que, em 06/02/2019, “Daniel” o contactou confirmando que


o carro já estava pago e que somente seria liberado quando o mesmo
procedesse com a transferência de valores para Bruno. Por
conseguinte, o autor ligou para MARCOS (vendedor na concessionária
CONTORNO), para saber se o bem estaria no nome dele, bem como
se estaria a informação de quitação, recebendo resposta positiva,
apenas com a ressalva de que ainda não havia nenhum valor
depositado na conta da loja. Sendo assim, o autor entrou em contato
com Daniel o asseverando que somente faria a transferência no
momento que o vendedor da Contorno o comunicasse que o carro
estaria pago, momento pelo qual Daniel o assegurou que falaria com
Marcos para esclarecer a situação. Minutos depois, Marcos ligou para
o autor e informou que estava tudo certo com relação ao negócio e
que poderia proceder com o depósito de valores. Assevera que após
proceder com o pagamento em 06/02/2019 de R$ 48.000,00, o autor
novamente falou com Marcos para saber se poderia pegar o carro no
dia seguinte, mas foi informado de que o valor ainda não tinha sido
creditado na conta da concessionária, razão pela qual o veículo ainda
não poderia ser liberado.

Pontua que, no dia seguinte, 07/02/2019, o autor novamente entrou


em contato com Marcos, tendo recebido resposta negativa. Ainda na
mesma data, informa ter entrado em contato com Bruno e Daniel,
sendo informado de que as tratativas estavam em andamento e que
o veículo seria liberado no mesmo dia.

Aduz que após a referida data, Daniel não lhe deu retorno sobre a
liberação, tentando entrar em contato com aquele com Bruno, mas
sem sucesso. A partir de então, o autor suspeitou ter sido vítima de
um golpe, dirigindo-se à DELEGACIA DE POLÍCIA para realizar o
BOLETIM DE OCORRÊNCIA N°014845/2019.

Inconformadas com o desfecho da lide, ambas as partes


interpuseram recurso.

Apresenta o autor Waldison Albertiny como motivo de sua


irresignação o fato de que o douto juízo a quo condenou a empresa
demandada por danos morais em valor muito baixo (R$500,00),
ressaltando que o contexto probatório elencado nos autos autorizam
a majoração da referida condenação. Pede ainda a manutenção da
assistência judiciária gratuita.

Pugna, por fim, pelo conhecimento e provimento do recurso.

Em suas razões de insurgência, discorre a apelante Contorno


Veículo Ltda amplamente acerca da sua ilegitimidade passiva, da
impossibilidade de concessão de justiça gratuita ao autor e da
necessidade da denunciação da lide dos beneficiários da fraude.

No mérito, sustenta que “em nenhum momento, a Contorno Veículos


cometeu ato ilícito em face do Recorrido, quiçá, a Recorrente prestou
informações de que a compra estava concluída e, por via de
consequência, nunca determinou que o Apelado realizasse a
transferência bancária para conta bancária de terceiros, conforme se
verifica nas conversas realizadas entre o Autor/Apelado e o preposto
da Ré/Apelante (...)Assim é que, em se vislumbrando a culpa
exclusiva do consumidor e o fato de terceiro, aqui arrolado pela
Recorrente como fato impeditivo do direito chamado pelo Recorrido,
porquanto se patenteado que a fraude celebrada em nome do
Apelado não derivara da sua negligência, elidindo sua concorrência
para a germinação do ilícito, torna-se imperativo o reconhecimento
da excludente de responsabilidade pleiteada na presente demanda.
Da análise dos fatos, portanto, apura-se que a Recorrente não agiu
com qualquer indício de negligência, eis que se utilizou, repita-se, dos
documentos legalmente ditados, não podendo ser responsabilizada,
se for esta a hipótese, por culpa exclusiva do consumidor e de
terceiro, no caso deste último, fraudador. Ressalte-se, desse modo,
que a Recorrente não praticou qualquer ato ilícito, abusivo ou
motivador de responsabilidade, na órbita da responsabilidade civil,
quanto aos fatos aqui narrados, tendo em vista que foram seguidos à
risca, enfatize-se, todos os preceitos traçados pelas leis, doutrina e
jurisprudência. Em verdade, não se vislumbra nexo que conduza à
punição da Recorrente, já que o dano se deu em decorrência da
conduta do próprio consumidor e de um terceiro. A Empresa agiu na
mais absoluta boa-fé e probidade, nada fazendo na forma culposa ou
dolosa que pudesse ensejar a indenização pleiteada! Assim, se não há
dano perpetrado pela Concessionária Contorno Veículos, a r. sentença
deve ser reformada para que sejam julgados improcedentes os
pedidos em relação à Contorno Veículos(...)”

Por fim, requer seja o presente recurso conhecido e provido, julgando


totalmente improcedente a demanda.

Foram juntadas as contrarrazões por ambas as partes cada uma


defendendo suas teses. A apelada BOM NEGOCIO ATIVIDADES DE
INTERNET LTDA - OLX, apesar de ter reconhecida sua ilegitimidade
passiva durante a tramitação do feito, também apresentou
contrarrazões.

Sem participação da Procuradoria de Justiça no feito.

É, em breves linhas, o relatório.

VOTO

DESEMBARGADOR JOSÉ DOS ANJOS (Relator): Os Recursos


merecem ser conhecidos porque preencheram todos os seus
requisitos formais de procedibilidade.

A celeuma que se apresenta no presente imbróglio consiste


em verificar a existência de responsabilidade da empresa
requerida quanto à finalização da compra de um veículo
marca ONIX, em que as tratativas teriam ocorrido de forma
fraudulenta por parte de uma suposto agente financeiro, e se
houve ou não falha na prestação de serviços pela
concessionária Contorno Veículos no intermédio perante o
cliente durante o trâmite do negócio, o que culminou com a
concretização de um golpe financeiro com repercussões
materiais e morais ao autor.

Pois bem. Inicio abordando as preliminares.

DA PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE


JUSTIÇA GRATUITA AO AUTOR

Cumpre assinalar que esta questão já foi suficientemente resolvida


no julgamento do Agravo de Instrumento nº 201900839613, já com
trânsito em julgado, onde foi deferida a assistência judiciária gratuita
ao autor, não havendo mais qualquer necessidade de discussão sobre
o tema nesta seara, sendo mantido o benefício. Assim, rejeito esta
preliminar.

DA PRELIMINAR DE NECESSIDADE DE DENUNCIAÇÃO A LIDE


DOS BENEFICIÁRIOS DA FRAUDE

Esta questão também já foi suficientemente apreciada e decidida pelo


juízo de 1º grau, em decisão interlocutória, datada de
31/08/2020, sem qualquer promoção de recurso em tempo
oportuno. Portanto, preclusa a irresignação oposta agora em 2º
grau.

Vejamos pequeno fragmento do já decidido e não impugnado:

“(...) Passo ao saneamento e organização do processo.1. Das


Questões processuais pendentes.Da denunciação da lide. A
requerida CONTORNO VEÍCULOS LTDA requer a denunciação da lide
a Bruno Francisco Santos, Daniel Ferraz Molina Esteves Leopoldino e
Thais Oliveira dos Santos para que passem a compor o polo passivo
da presente demanda. Aduz que os pedidos iniciais se baseiam em
suposto ato ilícito perpetrado pelos dois primeiros sujeitos acima
indicados, o que levou o autor a depositar valores em contas de
titularidade de Bruno Francisco Santos e Thais Oliveira dos Santos.
Aduz, portanto, que tais pessoas devem ser integradas à lide
figurando no polo passivo da demanda. Diante da narrativa fática
posta em análise, resta clara que a relação jurídica que envolve as
partes é relação de consumo, a ser regida pelo Código de Defesa do
Consumidor. O art. 88 do Código de Defesa do Consumidor
estabelece: Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste
código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo
autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos
autos, vedada a denunciação da lide. No mesmo sentido é a
jurisprudência da Corte Superior de Justiça. Senão, vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RELAÇÃO DE
CONSUMO. NÃO CABIMENTO. SÚMULA N. 83/STJ. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. 1. Não se
conhece de agravo em recurso especial (art. 544 do CPC) que não
impugna especificamente os fundamentos da decisão agravada. 2. É
vedada a denunciação da lide nas relações de consumo, nos
termos do art. 88 do CDC. Incidência da Súmula n. 83/STJ. 3. A
transcrição da ementa dos julgados tidos como divergentes é
insuficiente para a comprovação de dissídio pretoriano viabilizador do
recurso especial. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no
REsp: 1288943 SP 2011/0254799-2, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO
DE NORONHA, Data de Julgamento: 15/09/2015, T3 - TERCEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJe 21/09/2015). Sem grifos no
original. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1567107 - SP
(2019/0244949-7) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
AGRAVANTE : HOSPITAL VERA CRUZ S A ADVOGADOS : CLAUDINEI
APARECIDO PELICER E OUTRO (S) - SP110420 YASMIN FIOREZI
JAJBHAY - SP379545 AGRAVADO : EDSON ANTONIO ALVES
ADVOGADO : ALCY DE CAMILLIS PETRONI - SP351030 EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR
DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RELAÇÃO
DE CONSUMO. NÃO CABIMENTO. HARMONIA ENTRE ACÓRDÃO
RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. A vedação prevista no
art. 88 do CDC aplica-se tanto na responsabilidade pelo fato do
produto (art. 13 do CDC), quanto na responsabilidade por acidentes
de consumo (arts. 12 e 14 do CDC). Precedentes. 2. Agravo
conhecido. Recurso especial conhecido e desprovido. [...] Da
denunciação da lide. Súmula 568/STJ A Corte de origem, ao
manter o indeferimento da denunciação da lide, pois
implicaria em ofensa aos princípios da economia processual e
celeridade da justiça, uma vez que a parte denunciante
buscava a mera transferência de responsabilidade a terceiros
o que é vedado nas relações consumeristas, adotou
entendimento em consonância com a jurisprudência deste
Superior Tribunal, no sentido de que a vedação da
denunciação da lide nas relações de consumo estende-se
também aos acidentes de consumo. Nesse sentido:AgInt no REsp
1635254 /SP, 3ª Turma, DJe 30/03/2017; AgRg no AREsp
589.798/RJ,3ª Turma, DJe 23/09/2016; e REsp 903.258/RS, 4ª
Turma, DJe 17/11/2011. Fortenessas razões, CONHEÇO do agravo e,
com fundamento no art. 932, III e IV, a, doCPC/2015, bem como na
Súmula 568/STJ, CONHEÇO do recurso especial paraNEGAR-LHE
PROVIMENTO. [...] (STJ - AREsp: 1567107 SP 2019/0244949-
7,Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Publicação: DJ
30/03/2020). Semgrifos no originalAdemais, além da expressa
vedação legal, a aplicação do instituto da denunciação da lide
acarretarialentidão na marcha processual, com danos ao autor
postulante, ferindo o princípio da economia eceleridade
processual.Assim, INDEFIRO o pedido de denunciação à lide de
Bruno Francisco Santos, Daniel Ferraz Molina Esteves
Leopoldino e Thais Oliveira dos Santos, sendo facultado à
parte ré, se for o caso, valer-se de ação autônoma, conforme
expressa dicção do art. 125, § 1º do CPC, com o objetivo de
pleitear eventual direito de regresso(...)”

Desta decisão, portanto, não há qualquer alteração a ser promovida


neste momento processual. Fica rejeitada a referida preliminar.

DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CONTORNO


VEÍCULOS

A requerida CONTORNO VEÍCULOS LTDA alega sua ilegitimidade


para figurar no pólo passivo da demanda argumentando que não
participou das tratativas realizadas entre o autor, o suposto
vendedor do veículo BRUNO e o suposto representante da instituição
financeira CREDLINE, DANIEL. Argumenta que por meio de seu
vendedor MARCOS, foram prestadas todas as informações ao autor,
tendo sido ainda advertido acerca dos riscos do negócio.

Ora, no que se refere a ré Contorno Veículos, evidencia-se da


análise das provas trazidas aos autos pelas partes, bem como
daquelas produzidas em juízo, que o veículo foi exposto à
venda também pelo fornecedor Contorno Veículos, inclusive o
autor dirigiu-se até a concessionária para efetuar a compra,
fazendo cadastro, recebeu e-mail com nota fiscal de compra,
posteriormente cancelada. Manteve contato durante vários
dias com o preposto da Concessionária requerida por ligações
telefônicas, áudios e textos de Whatsapp. Assim, tal como o
suposto agente financiador (CREDILINE), a Contorno também
é fornecedora. Nessa qualidade, responde objetivamente
pelos eventuais danos causados.

Portanto, há possibilidade da Contorno Veículos em figurar no pólo


passivo da ação, ficando desde já rejeitada esta preliminar.

MÉRITO

DO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELA REQUERIDA


CONTORNO VEÍCULOS LTDA:

Registre-se que, no caso, aplicam-se as regras previstas no Código


de Defesa do Consumidor por envolver relação de consumo entre as
partes.
De acordo com a sistemática adotada pela Lei 8.078/90, a
responsabilidade civil por danos causados aos consumidores ou às
vítimas do evento é objetiva, a qual se configura com a presença de
três pressupostos: conduta ilícita, dano e nexo causal entre o
comportamento lesivo do agente e o resultado danoso experimentado
pelo ofendido. Resta despicienda, assim, a análise da existência de
culpa de quem pratica o comportamento ilícito.

Fato incontroverso, nos autos, a existência de falsificação da TED


apresentada pela CREDLINE Financeira onde supostamente haveria
sido transferido o valor do veículo para a concessionária requerida.

A questão passa a ser se a Contorno Veículos deve ser


responsabilizada por tal fraude que afetou o autor.

As provas documentais e colhidas em audiência demonstram que


houve acompanhamento de um dos funcionários/vendedores da
Contorno Veículos, quanto às tratativas e negociação para a
aquisição do veículo em questão.

As ligações registradas, conversas travadas e áudios enviados via


whatzap não deixam margem de dúvidas à constante atuação do
vendedor em relação à dita negociata.

Ocorre que a empresa requerida apesar de embasar sua tese


em culpa exclusiva da vitima (autor, no caso) não se
desincumbiu de comprovar de forma contundente suas
alegações, a fim de ilidir as alegações autorais. Ora,
simplesmente alegar e não provar não desconstitui as provas dos
autos quando estamos diante de uma nítida relação consumerista
bem como de provas robustas acerca das tratativas com o seu
preposto.

Como bem salientou o juízo sentenciante em sua análise, ambos


foram vítimas de um golpe bem conduzido, porém, faltou a empresa
concessionária uma prestação de serviços segura, zelosa com o
cliente e com a situação apresentada, pois faturou um dos seus
veículos para financeira fraudulenta (Credline), emitindo inclusive
nota fiscal, permitindo ao consumidor final crer na aparência de
verdade do negócio, mesmo havendo indícios de fraude, não
diligenciando antecipadamente a requerida acerca das credenciais da
financeira suspeita, pois nunca havia negociado com a mesma, sendo
a Contorno Veículos uma empresa com larga experiência comercial,
não evitando, por fim, o negócio fraudulento perpetrado pelo cliente
que depositou os valores do veículo em contas de terceiros.

Observemos trechos da sentença irretocável:

“(...) Da análise das provas trazidas aos autos pelas partes, bem
como daquelas produzidas em juízo, verifica-se que o veículo foi
exposto à venda pelo fornecedor Contorno Veículos. O autor dirigiu-
se até a Contorno Veículos para efetuar a compra. Assim, tal como o
agente financiador (CREDILINE), a Contorno também é fornecedora.
Nessa qualidade, responde objetivamente pelos danos causados. A
exoneração de tal responsabilidade, segundo o CDC, somente tem
lugar na hipótese de culpa exclusivade consumidor ou terceiro,
excludentes que não restaram caraterizadas nos autos. Art. 14. O
fornecedor de serviços responde, independentemente da
existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição
e riscos. [...] § 3° O fornecedor de serviços só não será
responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o
serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor
ou de terceiro. Avaliando a prova produzida, a conclusão que
melhor se aproxima da verdade gravita em torno de teremsido, tanto
o consumidor quanto o fornecedor, vítimas de fraude. No entanto,
ambos agiram de modo acolaborar com o sucesso do esquema
fraudulento.Com efeito, o consumidor agiu com imprudência ao
realizar os depósitos em contas de particulares (p.35), mesmo tendo
sido aconselhado a não fazê-lo. Por sua vez, o fornecedor não agiu
com a cautelanecessária, faturando o veículo (p. 163) e permitindo
ao consumidor crer na aparência de verdade donegócio, ainda que
houvesse indícios claros de que pudesse se tratar de uma fraude.O
simples exame do documento de pp. 127 dos autos indica que a
autorização de faturamento apresentaum modelo fora de padrão. O
vendedor, Marcos, ouvido, informou que não conhecia a financiadora
ou apessoa de nome Daniel, mas mesmo assim não diligenciou
confirmar as credenciais do agente financeiro,colaborando, dessa
forma, para a concretização do negócio fraudulento.Ademais, não
pode ser desprezado que há nos autos comprovante, frise-se não
impugnado, de que, poucoantes do autor realizar o depósito nas
contas de terceiros, o funcionário da Contorno, Marcos, entrou em
contato com o autor (as 14h04min do dia 07/02/2019 – p. 494). Na
versão do demandante, Marcos teria confirmado a
regularidade do negócio, o que teria sido a razão
determinante para a realização dos depósitos. O funcionário,
ouvido, refuta a versão do autor sobre tal ligação, mas não
nega expressamente que tenha feito alguma ligação telefônica
para o requerente naquela tarde. Ora, não tendo o conteúdo
da ligação sido revelado, não se pode confirmar que, de fato,
tenha havido a ratificação da viabilidade da venda
preconizada pelo autor, mas a versão autoral igualmente não
foi eficientemente refutada pelo réu. Em resumo, não logrou o
demandado provar que o depósito foi realizado por culpa
exclusiva do autor, porque não foi capaz de afastar a tese
autoral de que o negócio somente fora concretizado na
confiança depositada na credibilidade da Contorno Veículos.
Como é cediço, sendo a responsabilidade objetiva, cabia ao requerido
o ônus de provar a excludente de responsabilidade, não o fazendo
deverá responder pelos danos advindos do serviço viciado. Vale
dizer, o ônus da fraude não pode ser exclusivamente suportado pelo
consumidor, uma vez que, na qualidade de fornecedor, a Contorno
responde pelos riscos do negócio, podendo se valer de ação
regressiva para reparação do prejuízo. Assim, deve a requerida
Contorno arcar com os danos trinominais sofridos pelo autor, quais
sejam, os valores transferidos para as contas de terceiros, conforme
comprovante à p. 35, no valor total de R$ 48.000,00 (quarenta e oito
mil reais). Em relação aos danos extrapatrimoniais, sabe-se que o
dano moral é a lesão a um interesse existencial merecedor de tutela,
ou seja, uma ofensa concreta à dignidade da vítima, sendo os
sentimentos de decepção, desprazer, dissabor, dor e consternação
consequências daquele. Com efeito, para a configuração do dano
moral faz-se necessário que a vítima demonstre a efetiva ofensa a
um direito da personalidade ou a um direito fundamental do
ofendido, não dispensando o ônus probatório do ofendido em relação
a esse ponto. É dizer: somente haverá direito a indenização por dano
moral, independentemente da responsabilidade ser subjetiva ou
objetiva, se o autor comprovar a existência de um dano a se reparar,
e este for capaz de causar dor, angústia e sofrimento relevante que
cause grave humilhação e ofensa ao direito de personalidade(...)
Firmadas essas premissas, o exame acerca do reconhecimento ou
não de dano extrapatrimonial passível de compensação em hipóteses
como a dos autos deve se dar sob a ótica dos danos morais
subjetivos, os quais reclamam uma análise mais pormenorizada das
circunstâncias do caso concreto. In casu, é evidente a angústia,
impotência, tristeza, raiva, sentimentos que podem ser
compensados diante da evidencia da lesão moral, em virtude
da frustração do negócio jurídico fraudulento firmado para o
qual também concorreu o fornecedor, que não buscou
verificar as credenciais do suposto banco financiador a fim de
garantir a regularidade da contratação para si e para o
consumidor com quem tratou diretamente. Tais circunstâncias
inequivocamente ultrapassam os limites da razoabilidade,
ensejando dano extrapatrimonial que justifica o emprego da
tutela judicial compensatória. Por estas razões, o pleito de
indenização por dano moral há de ser deferido.(...) Nesse
toar, tendo em conta os paradigmas supracitados, sobretudo
analisando o posicionamento da jurisprudência do E. TJSE em
casos semelhantes, bem como os graus de culpa tanto da
requerida, concessionária de grande porte, conhecida em todo
o estado, com destaque e aceitação no meio comercial e
social, bem como a culpa do consumidor, que mesmo
desconfiando da regularidade da contratação assumiu o risco
de realizar a transferência dos valores para contas de
terceiros acreditando ter sido confirmada a regularidade do negócio
pelo representante da requerida, bem como ante a ausência de
cautela mínima quando da contratação entre a Contorno Veículos e a
CREDILINE, havendo omissão na checagem segura de dados e
informações, permitindo a ocorrência de fraude e lesão ao
consumidor que também concorreu para o dano, impondo-se,
portanto, a incidência da norma prevista no art. 945 do Código Civil.
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento
danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade
de sua culpa em confronto com a do autor do dano. Assim, estima-
se razoável e compatível com suas finalidades reparatória e
punitiva a fixação do valor da indenização em R$ 500,00
(quinhentos reais)(...)”

Deste modo, não há como afastar a responsabilidade objetiva da


parte demandada, aplicando-se a teoria do risco da atividade.

Patente, portanto, a falha na prestação dos serviços.

Nessa toada, o artigo 14 do CDC vaticina claramente que:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde,


independentemente da existência de culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Dentro desse contexto, não se desincumbindo a empresa requerida


de comprovar a licitude de sua conduta, a ela incumbe o dever de
reparar os prejuízos materiais ocasionados à parte autora, no valor
de R$48.000,00(Quarenta e oito mil reais), devendo-se manter a
sentença neste tópico.

DO RECURSO INTERPOSTO PELO AUTOR

Insurge-se o autor em relação à parte da sentença que determinou a


condenação da parte requerida em danos morais no patamar de
R$500,00 (quinhentos reais), entendendo ser um valor muito baixo.
No entanto, razão não lhe assiste.

Sem dúvidas, o consumidor agiu com imprudência ao realizar


os depósitos em contas de particulares, mesmo tendo sido
aconselhado a não fazê-lo, em que pese ter confiado na
tradição e experiência da empresa requerida no mercado local
quando expediu nota fiscal, realizou cadastro do autor, etc.

Assim, diante das peculiaridades do caso, em observância a


razoabilidade/proporcionalidade e conduta do autor na
questão, entendo razoável a fixação do valor de R$ 500,00
(quinhentos reais dois mil reais) a título de reparação por
dano moral.

Ex positis, diante dos argumentos supra, voto no sentido de conhecer


dos Recursos de Apelação, para NEGAR-LHES PROVIMENTO,
mantendo-se a sentença vergastada em seu inteiro teor.

Em face da sucumbência recursal, nos termos do art. 85, §11º do


NCPC, majoro os honorários advocatícios recursais de 10% para 11%
do valor da condenação.

É como voto.

DESEMBARGADOR JOSÉ DOS ANJOS

RELATOR

Aracaju/SE, 08 de Março de 2022.

DES. JOSÉ DOS ANJOS


RELATOR

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