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Geraldo Ballone
As alucinações e delírios são importantissimos sintomas de muitas doenças mentais, mas principalmente das
psicoses, como a esquizofrenia. Os psiquiatrias têm acesso a estes fenômenos apenas através da conversa com o
paciente, uma vez que são experiências individuais e íntimas. O seu estudo e conhecimento, entretanto, revelam
muitos aspectos interessantes, que iremos apresentar neste breve artigo.
Alucinação é a percepção real de um objeto inexistente, ou seja, são percepções sem um estímulo externo.
Dizemos que a percepção é real, tendo em vista a convicção inabalável da pessoa que alucina em relação ao objeto
alucinado. Sendo a percepção da alucinação de origem interna, emancipada de todas as variáveis que podem
acompanhar os estímulos ambientais (iluminação, acuidade sensorial, etc.), um objeto alucinado muitas vezes é
percebido mais nitidamente que os objetos reais de fato.
Tudo que pode ser percebido pelos nossos cinco sentidos (audição, visão, tato, olfato e gustação) pode também ser
alucinado. As alucinações sempre aproveitam o material consciente conhecido do pacientes. Na alucinação, por
exemplo, um leão pode aparecer de asas, ou um caracol que cavalga um ouriço. O indivíduo que alucina deve ter
percebido isoladamente cada um dos objetos e, mentalmente, combina uns com os outros.
Embora as alucinações possam manifestar-se através de qualquer um dos cinco sentidos, as mais freqüentes são as
auditivas e visuais.
Quando uma alucinação passa a ser interpretada, como por exemplo, uma alucinação auditiva é interpretada como
sendo a voz do demônio, de Deus, dos espíritos mortos ou uma audição telepática, então temos o delírio. Portanto,
este, freqüentemente, acompanha a alucinação. Ouvir vozes faz parte da percepção e atribuir a elas algum
significado faz parte do pensamento, cujos distúrbios veremos adiante.
Existem dois tipos de delírios: os delírios primários, ou puros, que são um juízo patologicamente falso da realidade.
Este juízo falso deve apresentar três características:
1. deve apresentar-se como uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável;
2. deve ser impenetrável e incompreensível para o indivíduo normal, bem como, impossível de sujeitar-se às
influências de correções quaisquer, seja através da experiência ou da argumentação lógica e;
3. impossibilidade de conteúdo plausível.
Todos os casos que não satisfazem essa tríade não podem ser considerados delírios primários, mas podem ser as
chamadas idéias deloiróides, ou delírios secundários.
AS ALUCINAÇÔES
Sendo as alucinações alterações da sensopercepção, é importante saber que existem fatores culturais e pessoais
que interferem na percepção. Os valores culturais atribuídos aos objetos, às relações e aos acontecimentos, também
podem desempenhar um papel significativo na maneira pela qual os objetos são percebidos.
Por exemplo, os habitantes das ilhas Trobriand (Nova Guiné), apegam-se a uma crença básica, segundo a qual uma
criança não poderia jamais ser fisicamente semelhante à sua mãe ou a seus irmãos e irmãs mas apenas ao seu pai.
Mesmo quando, para um estranho, havia uma notável semelhança física entre dois irmãos, os nativos eram
incapazes (ou não queriam ser capazes) de descobrir qualquer semelhança. Além disso, havia uma tendência
inversa para exagerar o menor grau de semelhança facial entre o pai e os filhos.
Como existe considerável amplitude quanto aos aspectos de um objeto que a pessoa pode focalizar e acentuar,
também podem existir notáveis diferenças a respeito desses aspectos entre várias culturas. As experiências
perceptuais que se tem ao olhar um borrão de tinta, por exemplo, são descritas de maneiras bem diferentes, por
pessoas de diferentes sociedades. Essas diferenças, na ênfase perceptual, podem ser interpretadas como reflexos
dos valores culturais desses povos.
A pessoa com alucinação tem o senso imediato de que a sua percepção é verdadeira; em alguns casos, a alucinação
provém de dentro do corpo. Algumas vezes, a pessoa com alucinação consegue ter o entendimento de que está com
uma alteração de registro sensorial . Outras vezes, a intensidade do delírio (que normalmente ocorre junto com
alucinação) concede ao indivíduo o peso de que o que percebe é a verdade absoluta. Em um sentido mais restrito, as
alucinação indicam um distúrbio psicótico quando associadas a deficiência de prova da realidade.
O termo "alucinação" não se aplica a falsas percepções que ocorrem durante o sonho. Alucinações manifestas em
ritos religiosos não têm necessariamente significado patológico. Alucinações transitórias são freqüentes em indivíduo
sem distúrbio mental quando submetido à privação física ou psíquica.
Diversos estudos utilizando neuroimagens funcionais, como a ressonância funcional magnética, indicaram que existe
uma ativação real de diversas zonas cerebrais, associadas às sensações e percepções normais da esfera afetada.
Imagem de fMRI do cérebro de uma pessoa sofrendo alucinações auditivas e visuais. As áreas em laranja e
vermelho representam as partes do cérebro mais ativadas. As zonas mostradas são (da direita para a esquerda),
polo occipital (zona visual), polo temporal (zona auditiva), polo frontal (zona motora e área de Broca, da fala).
Alucinações auditivas
Como as mais freqüentes, podem aparecer sob forma de sons inespecíficos, tais como chiados, zumbidos, ruídos de
sinos, roncos, assobios, ou vozes, as quais podem ter as mais variadas características: diálogos entre mais de um
interlocutor, comentários sobre atos do paciente, críticas sobre a pessoa que alucina, podem ainda, por outro lado,
proferir injúrias e difamações, comunicar informações fantásticas, sonorizar o pensamento do próprio paciente ou de
terceiros. Na idéia do paciente tais vozes podem ser provenientes do além, do sobrenatural, dos demônios ou de
Deus, etc.
Normalmente, a alucinação auditiva é recebida pelo paciente com muita ansiedade e contrariedade pois, na maioria
das vezes, o conteúdo de tais vozes é desabonador, acusatório, infame e caluniador. Quando elas ditam
antecipadamente as atitudes do paciente falamos em sonorização do pensamento, como se ele pensasse em voz
alta ou como se alguma voz estivesse permanentemente comentando todos seus atos: " lá vai ele lavar as mãos", "lá
vai ele ligar a televisão" e assim por diante.
Algumas vezes as vozes alucinadas podem determinar ordens ao paciente, o qual as obedece mesmo contra sua
vontade. Diante desta situação, de obediência compulsória às ordens ditadas por vozes alucinadas, chamamos
de automatismo mental. Esta situação oferece alguma periculosidade, já que, quase sempre, as ordens proferidas
são eticamente condenáveis ou socialmente desaconselháveis.
Alucinações visuais
São percepções visuais, como vimos, de objetos que não existem, tão claras e intensas que dificilmente são
removíveis pela argumentação lógica. Mesmo o paciente referindo ter visto apenas vultos, tais vultos são muito
fielmente percebidos, portanto são reais para a pessoa que os percebe. O objeto alucinado pode não ter uma forma
específica: clarões, chamas, raios, vultos, sombras, etc, ou têm formas definidas, tais como pessoas, monstros,
demônios, animais, santos, anjos, bruxas.
Há determinadas ocasiões onde o transtorno visual alucinatório adquire a consistência de uma cena, uma situação
como, por exemplo, ver uma carruagem passando pela paciente e dela descer um príncipe. Neste caso falamos
em alucinações oniróides, como se transcorresse num sonhar acordado. No delirium tremens do alcoolista, por
exemplo, as alucinações visuais tem uma temática predominantemente de bichos e animais peçonhentos (cobras,
aranhas, percevejos, jacarés, lagartos) e, neste caso, damos o sugestivo nome de zoopsias, promovedoras de
grande ansiedade e apreensão.
Nas situações onde o paciente se vê fora de seu próprio corpo falamos em alucinações autoscópicas, quando ele
consegue ver cenas e objetos fora de seu campo sensorial, como enxergar do lado de fora da parede.
O conteúdo das alucinações é extremamente variável, porém, guarda sempre uma íntima relação com a bagagem
cultural do paciente que alucina. Não é possível alucinar com alguma coisa que não faça parte do mundo psíquico do
paciente. Um físico nuclear pode alucinar com um certo brilho atômico a revestir seus inimigos, enquanto um cidadão
menos diferenciado, com um espírito do morto a rondar sua casa, ambos porém, independentemente do nível sócio-
cultural têm a mesma probabilidade de alucinar. A sofisticação e exuberância do material alucinado dependerá da
bagagem cultural de quem alucina mas não interfere na valorização semiológica do fenômeno.
Alucinações táteis
A percepção de estímulos táteis sem que exista o objeto correspondente é observada principalmente nas psicoses
tóxicas e nas psicoses delirantes crônicas, como veremos adiante. Nestes casos, principalmente no Delirium
Tremens ou na dependência de cocaína, o paciente sente-se picado por pequenos animais, insetos esquisitos,
vermes que caminham sobre a pele, pancadas, alfinetadas, queimaduras, estranhos carrapatos que penetraram em
algum orifício fisiológico, etc. Não são raros os casos de alucinação tátil que se caracteriza pela sensação de ter-se
as pernas puxadas à noite ou estrangulamento, sufocação ou opressão antes de conciliar o sono.
Quando esta percepção falseada diz respeito aos órgãos internos ou ao esquema corporal falamos em
ALUCINAÇÕES CENESTÉSICAS. Nestes casos os pacientes sentem como se tivessem seu fígado revirado,
esvaziado seu pulmão, seus intestinos arrancados, o cérebro apodrecido, o coração rasgado, e assim por diante. As
Alucinações Cenestésicas devem ser diferenciadas das ALUCINAÇÕES CINESTÉSICAS, que não dizem respeito à
sensação tátil, mas sim aos movimentos (cine-movimento). Nas cinestesias os pacientes percebem as paredes
movendo-se ou eles próprios movendo-se no espaço.
Exemplo: um paciente delirante crônico sentia que seu cérebro estava infestado de germes, os quais,
esporadicamente, escorriam-lhe pelo nariz. Neste caso uma Alucinação Tátil Cenestésica. Outro queixava-se de
inúmeros percevejos que furavam-lhe a pele o tempo todo. Era um portador de Delirium Tremens, e, inclusive,
mostrava os insetos que conseguia apanhar para o médico (zoopsia+aluc. tátil). Trata-se de Alucinações Táteis
puras. Outro, já idoso, que sabia ter seus pulmões corroídos por vermes provenientes de carne suína, tossia
seguidamente e vivia submetendo-se a freqüentes exames de raios X. Neste último caso, uma Alucinação
Cenestésica pura.
Alucinações olfativas e gustativas
Normalmente, as Alucinações Olfativas e Gustativas estão associadas e são raras. Estados delirantes cujo tema diz
respeito à putrefação, o gosto e os odores podem ser muito desagradáveis e são percebidos, como é típico de todas
alucinações, sem que exista o objeto correspondente ao gosto e ao cheiro. Algumas auras epilépticas determinam o
aparecimento de Alucinações Gustativas e/ou Olfativas. Em geral os gostos alucinados aparentam ser de sangue,
terra, catarro ou qualquer outra coisa desagradável; os odores podem ser desde perfumes exóticos até de fezes.
OS DELÍRIOS
A prática clínica da psiquiatria deixa bem claro a constatação da primeira regra de diagnóstico do delírio (deve
apresentar-se como uma convicção subjetivamente irremovível e uma crença absolutamente inabalável). Diante de
um paciente delirante, cuja ruptura com a realidade é evidente, não conseguimos demover tal conteúdo do
pensamento mediante qualquer tipo de argumentação. Caso o paciente deixe-se convencer pela argumentação da
lógica, razoavelmente elaboradas pelo interlocutor, decididamente não estaremos diante de um delírio, mas sim de
um engano por parte do paciente ou de uma formação deliróide. Para ser delírio a convicção dever ser sempre
inabalável. A argumentação racional não deve afetar a realidade distorcida ou recriada de quem delira,
independentemente da capacidade convincente e da perseverança daquele que se empenhar nesta tarefa infrutífera.
Em relação à segunda regra, sobre a impossibilidade do delírio primário ser compreendido por pessoas que mantém
vínculo sólido com a realidade, a lógica da realidade do delirante não é aplicável à lógica dos indivíduos normais, daí
a falta de compreensão psicológica do delírio: carece relação entre a temática delirante e os elementos da realidade,
notadamente com a conjuntura vivencial do paciente.
Nos casos de delírio secundário, muitas vezes relacionados à vivências traumáticas, eles se apresentam de forma a
sugerir um determinado mecanismo de defesa contra uma forte ameaça psíquica, normalmente angustiante. Por
exemplo: um jovem de 23 anos, vítima de um acidente do trabalho que lhe custou a perda de quatro dedos da mão
direita, começou apresentar uma expressiva inadequação afetiva (ao invés de aborrecido, mostrava-se feliz) e com
um delírio no qual julgava-se Deus, cheio de poderes, auto-suficiente e ostensivamente ameaçador para com as
pessoas que dele duvidavam. Tal ideação emancipada da realidade poderia ser entendida como um mecanismo de
defesa psicotiforme no qual, em compensação mutilação e deficiência, o seu poder passou a ser infinito. Trata-se
pois de uma Idéia deliróide, a qual habitualmente pode fazer parte de numa reação psicótica aguda.
Delírios com temática semelhante ou mesmo igual ao exemplo exposto quando surgem em pessoas sem nenhuma
vivência justificadora, sem nenhuma possibilidade de redução dinâmica vivencial e impossíveis de conteúdo ou de
compreensibilidade são os verdadeiros Delírios Primários. Já, a Idéia Deliróide, seria conseqüência de um estado
afetivo subjacente e perfeitamente relacionável com uma vivência expressiva, por isso secundário.
A Idéia Delirante, ou Delírio, espelha uma verdadeira mutação na relação eu-mundo e se acompanha de uma
mudança nas convicções e na significação da realidade. O delirante encontra-se imerso numa nova realidade de
forma à desorganizar a sua própria identidade e se desorganiza pela ruptura entre o sujeito e o objeto, entre o interno
e o externo, ou seja, entre o eu e o mundo. É uma modificação radical das relações do indivíduo com a realidade,
manifestando-se através de uma espécie de alienação do Ego.
O grande psiquiatra alemão, Emil Kraepelin escreveu que os "delírios são idéias morbidamente falseadas que não
são acessíveis à correção por meio do argumento". Outro grande psiquiatra da éploca, Bleuler, por sua vez dizia que
"idéias delirantes são representações inexatas que se formaram não por uma causal insuficiência da lógica, mas por
uma necessidade interior. Não há necessidades senão afetivas". Como percebemos, Kraepelin parece deter-se mais
naquilo que entendemos por delírio primário, enquanto Bleuler já ventilava uma possibilidade do delírio secundários.
Veremos agora como estão presentes as alucinações e delírios em várias doenças mentais:
Esquizofrenia
Paranóia
Transtornos afetivos (depressão e mania)
Alucinose orgânica
Psicose reativa