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O controle difuso de constitucionalidade: do concreto ao abstrato - Dilvar

Dias Bicca

16/06/2008-16:00
Autor: Dilvar Dias Bicca ;

Como citar este artigo: BICCA, Dilvar Dias. O controle difuso: do concreto ao abstrato.
Disponível em http://www.lfg.com.br 16 junho. 2008.

Sumário: 1. Introdução; 2. Noções Gerais sobre o controle de constitucionalidade no


Brasil. 3. Controle difuso: concreto; 4. Controle difuso: abstrato; 5. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

É incontroverso o crescimento experimentado pelo Poder Judiciário. Grande é o número de


municípios beneficiados com a disponibilidade de um órgão do Poder Judiciário. Em
tempos não muito distantes, o Judiciário, fisicamente, estava somente em capitais de
estados e em grandes cidades do interior. Em muitos lugares, o jurisdicionado despedia de
um enorme esforço para ver sua pretensão posta em juízo. Atualmente isso mudou, seja
pela estrutura física ampliada, seja pelo avanço tecnológico (peças processuais via
internet, penhora on-line, etc.); e assim o jurisdicionado esta mais próximo do judiciário.
Com isso houve logicamente um aumento da demanda judicial. Ou seja, a prestação
jurisdicional cresceu vertiginosamente. Só no ano de 2006 foram mais de 127 mil
processos protocolados no Supremo Tribunal Federal[1].

Diante de tal quadro, percebe-se que há algum tempo vem se desenvolvendo um processo
de reforma, tanto no que diz respeito à legislação como no âmbito do entendimento
jurisprudencial do STF. A finalidade precípua é dar preferência à atuação do STF de
guardião da constituição, afastando-o de lides com interesse meramente privados.

Em termos legislativos, veio a reforma constitucional com a Emenda Constitucional


n.45/2004, que introduziu no ordenamento jurídico pátrio a súmula vinculante e a
repercussão geral nos recursos extraordinários. Neste mesmo caminho andou a
jurisprudência do STF: primeiramente ao modular os efeitos da decisão em controle difuso.
Isso porque a técnica de modulação de efeitos da decisão é própria do controle
concentrado. Em segundo lugar por dar uma nova feição ao controle difuso.

Essa última é a que mais chamou a atenção, a abstração do controle difuso. E é nesse
tema que o presente trabalho lança suas bases.

Inicialmente dá-se uma breve noção sobre controle de constitucionalidade dos atos
normativos frente à Constituição Federal. Faz-se um pequeno apanhado dos métodos de
controle. Depois, reservam-se dois tópicos para o controle difuso, também denominado
controle por via de exceção ou de defesa.

Tudo isso, tendo como pano de fundo a insuficiência da Corte Suprema de nosso país de
acumular as funções de tribunal constitucional e julgador de causas de natureza
meramente privada em sede de recurso extraordinário.

2. NOÇÕES GERAIS SOBRE O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

A noção de controle de constitucionalidade esta ligada à Supremacia da Constituição.


Esta supremacia tem na constituição federal a "Lei Maior" que subordina as demais, num
verdadeiro escalonamento normativo. Surge então, a necessidade do controle das normas
infraconstitucionais. Portanto, todo ordenamento infraconstitucional passa pelo "filtro" da
constituição. Sendo assim, a norma que estiver em confronto com a constituição deve ser
declarada inconstitucional, invalida perante a lei maior.

O Brasil adotou, para fazer o "filtro" das normas infraconstitucionais, um sistema de


controle de constitucionalidade eclético ou híbrido, na medida em que reúne o controle
Político-Preventivo, adotado na França, e o controle Judicial-Repressivo, vigente no EUA.

Há no Brasil um controle desde a criação da lei, feito, a priori, pelo poder Legislativo e
Executivo. Aquele é feito quando da tramitação do projeto pelas casas do Congresso
Nacional. Já o controle pelo executivo é posterior, no momento de sancionar ou vetar o
projeto de lei. Dispõe a o §1º do art.66 da Constituição Federal que se o Presidente da
República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional vetá-lo-á. É o
chamado veto jurídico. Todavia, estando a lei vigente, somente o Poder Judiciário, em
regra[2] , fará o controle de constitucionalidade.

Para realizar tal mister, o de controle Judicial-Repressivo, o legislador pátrio dispôs para o
Poder Judiciário dois métodos de controle. O primeiro denomina-se reservado ou
concentrado efetuado por via de ação. O segundo recebe o nome de difuso ou aberto,
realizado pela via de exceção ou defesa.

Quanto ao número de órgãos com a incumbência de efetuar o controle de


constitucionalidade frente à Constituição Federal, houve por bem o legislador, incumbir ao
Supremo Tribunal Federal o controle quando se tratar do reservado. Já quando diante do
controle difuso, além do Supremo Tribunal Federal, todos os demais tribunais e juízes do
Poder Judiciário devem fazê-lo.

A respeito do controle concentrado pode-se afirmar que tal denominação é assim pelo fato
de "concentrar-se" em um único tribunal [3], o Supremo Tribunal Federal. Este controle
também chamado por via de ação tem no ato normativo o objeto do pedido. Nesse método
o legitimado tem em mira a invalidação da norma, a qual é o objeto principal da ação. Por
isso, é também denominado de controle principalir tantum.

Ele é feito através da ADI (ação direta de inconstitucionalidade), da ADPF (argüição de


descumprimento de preceito fundamental), da ADIn por omissão, da ADIn interventiva e
pela ADC (ação declaratória de constitucionalidade).

Além disso, há características que marcam o controle concentrado, quais sejam: a


generalidade, a impessoalidade e a abstração. Esta última é própria do controle por via de
ação. Quando o STF, por intermédio da ADI, ADC ou ADPF, manifesta-se sobre a
inconstitucionalidade ele o faz de maneira abstrata, em tese. Em suma, não há um caso
concreto, mas sim uma norma que compõe o objeto litigioso do processo.

Em relação ao controle por via de exceção, de defesa, difuso, por ser o centro do presente
trabalho, tratar-se-á dele nos tópicos a seguir.

3. CONTROLE DIFUSO: concreto.

O controle difuso é caracterizado por permitir que todo e qualquer juiz ou tribunal possa
realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade da norma infraconstitucional
com a Constituição Federal. Até então, entendimento solidificado era o da nítida distinção
entre o controle Principalir tantum (concentrado) e o controle Incidenter tantum (difuso). O
primeiro caracterizado como controle de constitucionalidade abstrato; o difuso como
controle de constitucionalidade concreto. Neste, feito por via de exceção, houve sempre
características marcantes.

De regra o Supremo Tribunal Federal ao decidir o caso concreto em sede de Recurso


Extraordinário, se depara com a questão de inconstitucionalidade de maneira incidental.
Sua decisão gera efeitos inter partes e ex tunc [4]. O efeito erga omnes somente é
adquirido após comunicação ao Senado Federal. Este, com fundamento no art. 52, X, da
CF/88, suspende a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional. Sem a
participação do Senado Federal não há como ampliar os efeitos da decisão no controle
difuso, em sede de recurso extraordinário. Em suma, a formatação originária do controle
por via de defesa tem os contornos bem delineados.

A despeito disso, vem o STF através de seus julgados, sinalizando claramente uma
mudança de paradigma no que diz respeito ao controle difuso fei[5]to em sede de Recurso
Extraordinário. O Professor Fredie Dedier dá o nome de "objetivação" do Recurso
Extraordinário à manifestação desse fenômeno. Marcus Vinícius Lopes Montez intitula
artigo publicado sobre o assunto na rede mundial de computadores de "A abstravização do
controle difuso"[6] . O próximo tópico é reservado a apresentar mais detidamente essa
mudança no STF.

4. CONTROLE DIFUSO: abstrato.

A característica marcante do controle concentrado é a abstração. Fazer o controle, em


tese, da lei é próprio do controle reservado. Ao verificar que a Corte Suprema do país faz
aplicação da abstração, também, como um dos efeitos do controle difuso sinaliza uma
mudança de entendimento.

Reforça a compreensão de alteração do entendimento do STF as palavras do Ministro


Gilmar Mendes [7]: "A função do Supremo nos recursos extraordinários - ao menos de
modo imediato - não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos
os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte via
recurso extraordinário, deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade
jurisdicional que transcende os interesses subjetivos".

Testifica a abstrativização do controle difuso o julgamento proferido pelo STF, em razão do


RE n. 197.917/SP (publicado no DJU de 27.02.2004), que interpretou a cláusula de
proporcionalidade prevista no inciso IV do art.29 da CF/88, que dispõe sobre a fixação do
número de vereadores em cada município[8] . Diante deste julgamento - atente-se que é
julgamento em recurso extraordinário, controle difuso, portanto - O TSE editou a
Resolução n.21.702/2004, na qual adotou a posição do STF caracterizando verdadeira
eficácia erga omnes à decisão recurso extraordinário.

Traduz também, a mudança da feição do controle difuso, a introdução do art. 103-A da


CF/88. Dispositivo que inseri no direito pátrio a súmula vinculante que mediante decisão de
2/3 dos ministros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, terá efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário. Atente-se que a reiteração
dessas decisões é tomada em controle difuso.

Na mesma esteira é a decisão do Plenário do STF que declarou a inconstitucionalidade do


§1º, art.2º, da Lei 8.072, sobre progressão de regime nos crimes hediondos, em sede do
Habeas corpus n.82.959/SP. Nesse julgamento, aplicou-se o art. 27 da Lei Federal
n.9.868/1999, para dar eficácia não-retroativa (ex nunc) à decisão [9]. Sendo dessa forma,
nítida é a inserção de um instrumento do controle concentrado no controle difuso, ou seja,
a possibilidade de modular os efeitos da decisão, ex nunc ou ex tunc.

Diante do exposto, percebe-se claramente pela jurisprudência da corte suprema desse


país que há claramente uma mudança de paradigma no tocante ao controle difuso. Este
em sede de recurso extraordinário, pelos julgamentos mencionados, ganha uma nova
feição. Não mais restrita ao caráter subjetivo, ou de defesa do interesse das partes, mas
sim a feição de propulsor da defesa da ordem constitucional objetiva.

5. CONCLUSÃO

É inegável a expansão do Poder Judiciário. Ao espraiar-se por todo o país, garante o


exercício de direitos fundamentais ao povo brasileiro.
Todavia, também é fato que Supremo Tribunal Federal encontra-se assoberbado de
processos que, em grande parte, atingem interesses meramente privados.

Diante de tal desenho é perceptível uma mudança de paradigmas. E isso ocorreu tanto
pela reforma judicial inserida pela emenda constitucional n.45/2004 como por
remodelagem de institutos jurídicos como o controle difuso de constitucionalidade. Não
somente se limitando ao concreto, mas incrementado pela abstração.

REFERÊNCIAS:

1) Informativo do STF n. 341. De 22 a 26 de março de 2004.

2) Informativo do STF n. 372. De 29 de novembro a 03 de dezembro de 2004.

3) DIDIER JR., Fredie. CUNHA, José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, Meios
de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Vol.3, 5ª rev. ampl. e atual.
Bahia: Editora JusPODIVM/ 2008.

4) Item baseado nos Relatórios Anuais e Sistema de informatização do STF. Disponivel em:
http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTesto.asp?
servico=estatitica&pagina=movimentoProcessual. Acesso 05 de junho de 2008.

5) LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado -10. ed. Ver., atual. e ampl. - São
Paulo: Editora Método, mar./2006.

6) MADOZ, Wagner Amorim. "O recurso extraordinário interposto de decisão de Juizados


Especiais Federais". Revista de Processo. São Paulo: RT, 2005, n.119.

7) MONTEZ, Marcus Vinicius Lopes. A abstravização do controle difuso. Revista Jus


Vigilantibus, 30 de novembro de 2007. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/30062.
acesso em: 06 jun. 2008.

8) MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

1. Item baseado nos Relatórios Anuais e Sistema de informatização do STF. Disponível em:
http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTesto.asp?
servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual. Acesso 05 de junho de 2008.

2. Segundo leciona Alexandre de Morais : "Excepcionalmente, porém, a Constituição


Federal previu duas hipóteses em que o controle de constitucionalidade repressivo será
realizado pelo próprio Poder Legislativo. (...) A primeira hipótese refere-se ao art.49, V, da
Constituição Federal, que prevê competir ao Congresso Nacional sustar os atos
normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de
delegação legislativa. (...) a segunda hipótese apresenta-se quando o Congresso Nacional
rejeita a medida provisória, com base e inconstitucionalidade apontada no parecer da
comissão temporária mista". (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª ed. São
Paulo: Atlas, 2004, pág. 606).

3. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado -10. ed. Ver., atual. e ampl. - São
Paulo: Editora Método, mar./2006. pág. 115

4. Cabe alertar, contudo, que o STF, já entendera que, mesmo no controle difuso, poder-se-
á dar efeito ex nunc ou pro futuro a uma decisão do STF. Trata-se de modular os efeitos do
controle de constitucionalidade. O leading case foi o julgamento do RE n.197.917 pelo qual
o STF reduziu o número de vereadores do Município de Mira Estrela. Entretanto isso será
tratado mais detidamente quando da abordagem sobre o controle difuso abstrato.
Entretanto confere-se a íntegra do voto em Inf. STF n.341, Rel. Min. Maurício Corrêa.
5. DIDIER JR., Fredie. CUNHA, José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, Meios
de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Vol.3, 5ª rev. ampl. e atual.
Bahia: Editora JusPODIVM/ 2008. pág. 323.

6. MONTEZ, Marcus Vinicius Lopes. A abstravização do controle difuso. Revista Jus


Vigilantibus, 30 de novembro de 2007. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/30062.
acesso em: 06 jun. 2008.

7. MADOZ, Wagner Amorim. "O recurso extraordinário interposto de decisão de Juizados


Especiais Federais". Revista de Processo. São Paulo: RT, 2005, n.119, pág. 75-76.

8. Informativo do STF n. 341. De 22 a 26 de março de 2004.

9. Informativo do STF n. 372. De 29 de novembro a 03 de dezembro de 2004.

http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080616114453254#7

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