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A Origem da Filosofia

Rosana de Oliveira
A Origem da Filosofia

Introdução
Neste conteúdo, vamos abordar as ideias filosóficas que surgiram na Grécia antiga.
Veremos que as primeiras ideias foram construídas para compreender a realidade e
possibilitar a elaboração de conceitos para lidar com o universo ou, pelo menos, com
aquilo que os olhos alcançavam. Como interpretar, decodificar, explicar o que os olhos
viam? Como e de onde tudo surgira?

Observando a natureza e o conjunto de seres, os questionamentos se multiplicavam e


transitavam da pergunta pelo princípio da realidade para a natureza mais fundamental
deste próprio princípio: o que é o Ser? Para responder às questões, a humanidade saiu
em busca de explicações que originaram as primeiras manifestações daquele apreço
pelo conhecimento e pela sabedoria que definimos como filosofia.

Objetivos da Aprendizagem
• assimilar o papel de Sócrates e de seu método maiêutico na compreensão do
surgimento da filosofia.
• contrastar o método socrático da prática sofista e da dialética platônica.
• reconhecer as principais características do pensamento de Platão e de Aris-
tóteles e as contribuições destes para a teoria do conhecimento e para a me-
tafísica.

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A construção do pensamento filosófico pela
pergunta “O que é? ”
Tal como apontamos no início do conteúdo, tratamos aqui de uma sociedade
organizada de modo distinto da nossa. Muito do nosso repertório de conceitos e
explicações ainda estava ausente, além do que muitas coisas que existiam nesse
período representavam algo diferente do que entendemos hoje. A começar pelo
significado de “Grécia” naquele período.

A Grécia correspondia a um vasto território resultante da expansão por meio de guerras


com outras civilizações, como as que compreendiam as regiões da Ásia Menor e de
outros países europeus como a atual Itália. Não apenas territórios foram conquistados,
mas também produções intelectuais foram apropriadas pela Grécia, como cerimônias
de cultos e doutrinas.

A grosso modo, a Grécia se dividia entre a Magna Grécia e entre as colônias da Ásia
Menor, como as de Mileto, Eleia e Jônia. Talvez pela localização fronteiriça dessas
colônias, que as expunham ao contato com diferentes povos, foi justamente delas
que surgiram as primeiras manifestações da filosofia. Ali, a humanidade começou a
desenvolver um pensamento organizado, em princípio questionando o mais imediato,
a natureza. Podemos pontuar como início da filosofia tal investigação sobre a origem
do cosmos e daquilo que rodeia a humanidade, daquilo que ainda ansiava por ser
descoberto e nomeado, mas agora numa chave de investigação científica e racional,
abandonando as explicações mágicas da mitologia. Em outros termos, trata-se da
passagem das cosmogonias para as cosmologias. Partindo deste estranhamento e
desconhecimento do mundo, as concepções filosóficas voltam-se para a physis, a
natureza, e têm quase todas, neste período, a raiz de sua análise na realidade e no seu
princípio (arché). Dentro deste questionamento, formularam-se distintas respostas,
como as dos pré-socráticos, e que com o tempo tornaram-se mais sistemáticas, como
as filosofias de Sócrates, Platão e Aristóteles.

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Figura 1 - Dimensões da Grécia atual em mapa da Europa
Fonte: Plataforma Deduca (2018).

Os pré-Socráticos
Foi no período pré-socrático (que corresponde ao período arcaico da história da
Grécia) que surgiram os primeiros filósofos, mais precisamente, por volta do século
VI a.C. Os primeiros filósofos foram posteriormente chamados de pré-socráticos ou
filósofos da natureza (physis). Entre eles, destacam-se: Tales de Mileto (fim do séc. VII
– início do séc. VI a.C.), Anaximando de Mileto (610-547 a.C.), Anaxímenes de Mileto
(588-524 a.C.), Heráclito de Éfeso (544-484 a.C.), Parmênides de Eléia (540-470 a.C.),
Pitágoras de Samos (582-497 a.C.), Demócrito de Abdera (460-370 a.C.), Anaxágoras
de Clazômenas (500-428 a.C.) e Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.).

A primeira concepção filosófica de explicação para a realidade surge com Tales de


Mileto, que sugere a água como a origem do mundo. Da mesma escola de Mileto, a
milesiana, Anaximandro afirma que esta origem teria sido com o apeiron, o ilimitado
ou infinito. Já para outro pensador da mesma escola, Anaxímenes, seria o ar. Para
Pitágoras, inspirado por um culto órfico, a explicação de tudo estaria nos números,
entendidos como entidades que se exprimiriam inclusive na extensão, isto é, as coisas
poderiam expressar materialmente os números.

Mesmo que ligadas a concepções como a numérica e a do ilimitado, a semelhança


entre estas teorias é que todas propunham um princípio fundamental uno para a

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explicação das coisas com base na realidade. Neste sentido é que se pode dizer que
estas primeiras doutrinas foram um monismo corpóreo.

Além das escolas de Mileto e de Pitágoras, outra importante da época foi a eleática.
Dela surge Parmênides, o primeiro pensador a formular a pergunta sobre a origem
das coisas em termos do Ser: “o que é, é “ e não pode ser outra coisa, que define a
identidade e a impossibilidade de contradição do ser. O ser é, então, definido como
uno, imutável, imóvel, isto é, com características que reforçam os termos de sua
identidade. Isto impulsiona uma refutação baseada novamente no dado imediato,
como o Ser pode ser uno e imutável, se vemos multiplicidade, mudança, movimento?
Este é o questionamento que Zenão de Eleia coloca e que será absorvido pelas teorias
subsequentes.

Curiosidade
Zenão foi responsável por uma série de paradoxos que tematizavam
a possibilidade do movimento. Um dos exemplos é a hipótese da
corrida entre Aquiles e a tartaruga. A tartaruga ganha uma distância
inicial por ser Aquiles mais veloz, entretanto, depois de iniciada
a corrida de Aquiles, este jamais alcançaria a tartaruga dada a
distância inicial, pois a cada instante em que ele se movesse, ela
também o faria e na mesma distância à frente.

Com Heráclito, da escola jônica, vê-se a concepção de uma unidade entre opostos
e a admissão da mudança representada na figura do fogo, uma mudança, porém,
regida pelo Lógos, pela razão. Com Empédocles, esta multiplicidade coloca os quatro
elementos (água, terra, fogo e ar) como origem do mundo, em pé de igualdade.
Destacamos que o termo jônico é oriundo da Jônia e serviu como nome a uma escola
filosófica e, posteriormente, a uma das ordens clássicas da arquitetura e também a
um dos modos gregos da música, utilizado nas escalas de guitarra.

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Figura 2 - Detalhe de coluna jônica
Fonte: Plataforma Deduca (2018).

Desta forma, transita-se daquele monismo corpóreo para uma multiplicidade no


conteúdo, que reflete bem o próprio contexto político de passagem das monarquias
para o governo democrático, em que reina o princípio de isonomia como o que subjaz
à doutrina de Empédocles das quatro causas que têm, todas elas, igual peso na origem
do mundo.

Se do monismo corpóreo a possibilidade do monismo já havia sido questionada,


isso também ocorre com a corporeidade. Anáxagoras é o primeiro a introduzir, com a
concepção de Nous, Espírito, um elemento intelectual com função central no processo
de conhecimento. Isso se completa com a formulação, por parte de Demócrito e
Leucipo, do átomo como origem das coisas, que coloca a possibilidade do vazio, do
mais incorpóreo possível.

Assim, as teorias dos pré-socráticos progridem num diálogo de reformulação e de


argumentação com novas propostas que supririam os problemas das anteriores. É o
que ocorre com Demócrito, que avança no debate e estende à ética as formulações
que até então pertenciam à física.

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Atenção
Já estão presentes nos pré-socráticos as reflexões de duas áreas
da filosofia: a teoria do conhecimento ou epistemologia, que trata
dos princípios e formas do conhecer, como nas cosmologias da
escola de Mileto; e a ontologia ou metafísica, que trata do próprio
Ser, como em Parmênides.

O conhecimento destas teorias só é possível com os relatos por vezes indiretos e


pelo trabalho doxográfico. A doxografia se refere então a esta atividade de comentário
e relato de textos de outros autores. Nesta variedade de doutrinas, o contexto seria
responsável: o período democrático da pólis introduziria a noção de isonomia, da qual
a multiplicidade seria tributária. O contexto indica ainda mais sobre o papel da filosofia
na época, que não era exatamente bem vista. Como mencionamos anteriormente, a
filosofia surge primeiro nas colônias gregas. Já na Grécia Magna não é bem recebida.
Quando um homem de nome Sócrates começa a expor uma forma de questionar que
fazia seus interlocutores retornarem toda uma série de argumentos até emudecerem,
este descontentamento dos gregos com a filosofia se torna cada vez mais evidente.

Sócrates versus sofistas


O método de Sócrates, nomeado maiêutica, consistia em partir, em geral, de definições
fornecidas pelo senso comum à pergunta: “o que é (...)?”. Assim, muitas vezes por
ocasião de uma conversa aparentemente banal, Sócrates punha-se a analisar uma
questão específica, fazendo uso da pergunta sobre o que é determinado conceito. Esta
primeira etapa, na qual Sócrates levava os adversários a exprimirem suas concepções,
caracteriza a ironia socrática. A discussão prosseguia no desmonte das definições
que seus adversários davam, por vezes sem chegar a um resultado ou resposta.

Em alguns diálogos, estes adversários eram os sofistas, profissionais eloquentes que


empregavam as artes do discurso para vencer discussões, independente do conteúdo
que defendessem.

O modo de proceder de Sócrates lhe rende acusações como a de corromper a juventude


e negar os deuses, tal como é narrado por seu discípulo Platão no diálogo Apologia
de Sócrates, cujas acusações culminam em sua morte. Mas havia também quem o
considerasse um sofista, como era o caso de Aristófanes que traça na comédia As
Nuvens um Sócrates interesseiro, cujas teorias e argumentações beiravam ao ridículo

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e ao absurdo. Independentemente da polêmica da existência de Sócrates, interessa-
nos aqui expor sua relação com Platão e como os dois se diferenciam.

Platão
Sócrates é muito presente nos primeiros diálogos de Platão, que lidam com a
representação de seu mestre e, seguindo o estilo argumentativo daquele, a maiêutica,
são diálogos aporéticos, isto é, que por definição não possuem uma saída, uma
resolução. Aqui, para além do campo da cosmologia e da ontologia, abre-se espaço
para a discussão sobre a relação entre os homens no campo da ética.

Entretanto, Platão não permanece preso às ideias de Sócrates e, após ter contato
com a doutrina dos pitagóricos, funda um centro de estudos em Atenas, a Academia,
com orientação preponderantemente matemática. Ali, sua própria teoria ganha mais
substrato. Esta teoria é dita a teoria das ideias, que aparece em várias de suas obras, pois
abarca diversos domínios da vida humana. Nesta teoria, a experiência e o testemunho
dos sentidos pertencem ao domínio em que prevalecem a opinião e a crença e que
não são, portanto, conhecimento; este está presente quando se ultrapassa a crença e
se ascende à razão. A partir da ciência e da razão é possível o conhecimento daquilo
que é o verdadeiro, as formas puras, as Ideias, como a Ideia do Bem, do Belo e da
Verdade. Este processo pode ser descrito então como uma ascese.

Assim, Platão não pode negar que exista uma experiência sensível, mas este
sensível, o imediato, é como uma cópia, ainda que imperfeita, do mundo inteligível
e não pode fornecer conhecimento verdadeiro. Esse pensamento é apresentado
esquematicamente numa linha divisória, como podemos ver a seguir.

Figura 3 - Teoria da linha divisória –Platão


Fonte: (GHIRALDELLI Jr, 2003, p. 22).

Podemos ver na Figura 3 duas áreas da investigação filosófica nas colunas


correspondentes à epistemologia e à ontologia. A coluna da epistemologia trata da
teoria do conhecimento e do saber, na qual, de baixo para cima, diferenciam-se formas

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de conhecer a realidade até alcançar a razão pura. Da mesma forma, na coluna da
ontologia, trata-se do ser, que se diferencia em formas desde as mais imediatas, com
as imagens, até as formas puras. Entre as duas colunas há uma correspondência, que
lemos na horizontal. Na linha 2 está tudo aquilo que pertence ao mundo visível, e na
linha 1, ao mundo inteligível, no mundo das Ideias. Veremos a seguir uma explicação
mais detalhada dos elementos pertencentes à teoria da linha divisória de acordo com
o tratamento que ela recebe na obra A República.

Também nessa obra o método de Sócrates é o ponto de partida para a exposição


das teorias das Ideias platônicas, na medida em que se parte do encontro casual de
Sócrates com alguns interlocutores, que fazem comentários genéricos sobre a natureza
da velhice. Estes comentários logo se desenvolvem no consenso da necessidade de
uma velhice confortável amparada por bens materiais e, daí, à ligação entre a posse
destes bens e a justiça, para que os homens não contraiam dívidas. A justiça é, assim,
o tema a partir do qual surge a grande reflexão sobre a República enquanto cidade:
não só Sócrates e seus interlocutores examinam a justiça como um conceito por si,
como o fazem em larga escala, pensando-a no âmbito de uma cidade ideal. Neste
procedimento de investigação sobre o que é a justiça, o próprio conhecimento se
torna objeto.

A teoria anteriormente apresentada sob a forma de esquema da linha dividida é então


retomada de modo mais teatral na Alegoria ou Mito da Caverna. Aqui, o processo
de conhecimento é descrito na seguinte situação: acorrentado em uma caverna, um
grupo de pessoas vê apenas sombras, que são projetadas na parede da caverna por
intermédio de uma fogueira, reproduzindo assim a imagem das pessoas que passam
por fora da caverna. Do mesmo modo, os aprisionados associam as vozes que ouvem
às sombras, pois são as imagens a que têm acesso. Quando uma destas pessoas se
liberta e sai ao ar livre, percebe, à custa de dificuldades de adaptação, que a origem do
que viam e ouviam na caverna não era o que pensavam, mas sim uma realidade que a
eles não era acessível.

Nesta alegoria, cada elemento tem a sua significação. A caverna é o nosso mundo
imediato, o dos sentidos, ao passo que o mundo fora da caverna é o mundo das ideias
verdadeiras. A saída para fora da caverna – que é feita por uma rampa – e a exposição
ao sol significam a ascese da razão, por meio da qual se alcança a verdade. Mas o
próprio sol, enquanto visível, corresponde a algo além, no mundo inteligível – é uma
representação do Bem, enquanto ideia. Aquele que sai da caverna é quem alcança
a verdade – o filósofo, de modo que a filosofia é então o instrumento de acesso à
verdade e às ideias.

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O processo de saída da caverna representa a ascese da alma ao conhecimento,
libertando-se das impressões dos sentidos para alcançar o saber nas Ideias, nos
universais eternos e imutáveis.

A alegoria da caverna contém ainda uma indicação política: aquele que finaliza o
processo de ascese e alcança o conhecimento deve retornar à caverna a fim de ali
estabelecer a ordem. Em outros termos, o filósofo, que tem o saber, deve ser quem
governa. Com efeito, Platão também teve uma atuação política.

Essa teoria também explica o processo artístico como cópia da cópia, em que um
objeto real é a cópia da forma, da Ideia, e a arte é a cópia da cópia, o intermediário, a
ilusão. Isso fundamenta a polêmica passagem em que Platão propõe a expulsão dos
poetas da República.

Reflita
Na Grécia antiga, o estatuto da filosofia se modifica. Em princípio, é
uma atividade vista com desconfiança, como no caso de Sócrates,
pois se diferencia da atuação política baseada especialmente
na eloquência, como era o caso dos sofistas. Já dentro do
pensamento de Platão, a filosofia é vista como dialética e torna-se
um pressuposto para a atuação política. E nos dias atuais, qual o
estatuto da filosofia na sociedade?

Aristóteles
Tal como fora influenciado por seu mestre Sócrates no início da sua vida filosófica,
Platão também serve de mestre em determinado momento, para o discípulo Aristóteles.
De origem macedônica, Aristóteles vai a Atenas e começa a frequentar a Academia na
época em que Platão estava ausente em viagem. Depois de seus estudos, Aristóteles
se torna preceptor de Alexandre, o Grande, e quando este assume o trono, Aristóteles
retorna a Atenas e funda o Liceu, centro que antagoniza com a Academia. No Liceu,
Aristóteles expõe em aulas uma doutrina de orientação marcadamente naturalista,
resultante tanto da ligação de sua família com a medicina quanto de seu contato com
Alexandre, que enviava a Aristóteles materiais de suas expedições pelo Oriente. Esses
materiais ajudam a desenvolver no Liceu a investigação das ciências naturais como
a botânica.

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Aristóteles também teve importância ao ser o primeiro historiador de filosofia. Isso
influenciou os participantes do Liceu, que compilaram muitos escritos dos pré-
socráticos, dos quais falamos há pouco, por meio da atividade doxográfica.

Da filosofia de Aristóteles, é preciso ter em conta que ela estabelece novos parâmetros
sem, contudo, pretender revolucionar. Era antes uma tentativa de reconciliação, de
consenso, contrapondo-se à filosofia de caráter perigoso e corruptor que levou Sócrates
a ser condenado. A doutrina aristotélica concilia-se, em certo sentido, com elementos
da experiência sensível ao lhes determinar um lugar na cadeia do conhecimento.

Para Aristóteles, o processo de conhecimento não seria baseado numa ascese até
alcançar as ideias transcendentes, das quais o mundo real seria uma cópia imperfeita,
mas esse processo partiria daquilo que é a própria realidade e encontraria nela as
respostas. O conhecimento seria como um processo cumulativo entre a experiência e
a ciência. Tudo depende de, em primeiro lugar, estabelecer a investigação da realidade
por critérios rígidos, por isso toma lugar na sua filosofia os preceitos de caráter lógico
como a doutrina dos silogismos, que evitam o uso de argumentação que desencadeie
o erro. A linguagem e seus recursos, portanto, tem lugar fundamental com Aristóteles.

Para guiar-se no conhecimento se deve proceder por indução, que parte da observação
do particular ao universal. Esse universal, quando alcançado, fornece aquilo que há de
comum entre os seres e que não é algo como uma ideia transcendente ou um ser
unívoco, mas que já está na realidade, nos seres particulares – que são o que este
universal expõe. Dessa forma, se daria uma ligação entre a teoria do conhecimento e
a metafísica.

Na Metafísica de Aristóteles, o ser é compreendido como substância, acidente ou


como diferentes modos. Isso repõe a problemática do movimento, que Aristóteles
soluciona ao considerar que não há negação do ser na mudança, mas uma passagem
do ato à potência, da atualização daquilo que já estava contido no ser. A realidade
deste ser depende do que se chamará de causas, descritas por Aristóteles como causa
final, material, formal e eficiente. Vamos exemplifica-las a partir das artes plásticas.

Considerando uma escultura, sua causa material é aquilo do que ela é feita – pedra
calcária, mármore, bronze etc. Sua causa formal é a forma que ela tem – forma
humana, animal, geométrica. A causa eficiente é o que possibilitou sua existência – o
escultor. E a causa final é aquilo para o quê ela é esculpida – para adornar um templo,
agradar a um deus. Com efeito, Aristóteles não exclui de sua teoria a concepção de
deus, embora de modo muito diferente do significado que temos hoje. Tomando a
doutrina das causas, retornando na série das causas de um evento, estaria Deus como
causa motor, causa primeira de tudo.

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Assim como com Platão, a teoria de Aristóteles também reflete na política e a na
arte abordadas, respectivamente, em Ética e Poética. Na Poética, Aristóteles trata a
arte de um ponto de vista das preceptivas, isto é, das regras, seguindo uma espécie
de tendência de catalogação que aplicava nas ciências naturais. Sua orientação
naturalista também se exprime na Ética, as ações humanas estariam dotadas de uma
causa final: o encaminhamento para o Bem.

Com Aristóteles, a filosofia adquire uma nova definição e tarefa: é ciência das causas
primeiras. Há um quadro de Rafael Sanzio nomeado A escola de Atenas que representa
diversos filósofos, dentre eles, Platão e Aristóteles. Platão, aponta com o indicador
para cima, em referência ao mundo das Ideias. Ao seu lado está Aristóteles, que no
gesto para baixo indica a adoção da realidade como ponto de partida de sua doutrina
científica. Veja o quadro na figura a seguir:

Figura 4 - A escola de Atenas


Fonte: Pixabay (2018).

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Conclusão
No decorrer deste conteúdo tivemos a oportunidade de ampliar nosso estudo e
conhecimento acerca da origem da filosofia. Assim, os principais pontos estudados
foram:

• Definida como amor ou amizade à sabedoria, a filosofia nasce, entre os primei-


ros filósofos, como investigação da realidade. Em princípio, essa investigação
se pauta pela busca de um princípio único e material, corpóreo, critérios que
são substituídos à medida que refutações e dificuldades são colocadas às
teorias. Com isso, se admite uma multiplicidade de princípios da realidade e,
posteriormente, que tais princípios podem ser incorpóreos. A investigação se
desloca também para a natureza deste próprio princípio e assume a forma de
investigação do Ser, isto é, da ontologia. Este é o percurso dos pré-socráticos.
• Com Sócrates, um novo campo de investigação se aprofunda, o da ética, das
relações entre os homens. Seu método de diálogo abandona as definições
categóricas e investe contra as certezas do senso comum.
• Com Platão, a investigação socrática, essencialmente dialógica e por vezes
aporética, assume um caráter mais acabado, sistemático e passa a abordar
os temas dentro de uma teoria comum: a teoria das ideias, que concebe a
realidade – da qual os pré-socráticos partiam – como mera cópia de um mun-
do das formas perfeitas, eternas e imutáveis, de modo que o conhecimento é
representado pelo processo de alçar-se a este mundo superior ultrapassando
a domínio da opinião, como na crença. Este processo se reflete também na
moral e na estética.
• Com Aristóteles dá-se uma readmissão do mundo sensível no processo do
conhecimento, determinando-o como uma das etapas de tal processo que,
pelo acúmulo de experiências obtidas do sensível, da técnica, da investiga-
ção científica e do saber teórico, conduz ao conhecimento. A realidade tem
que ser, porém, analisada dentro de rígidos critérios, que devem regrar tanto
a própria linguagem e seus recursos quanto a observação e a contemplação
científica. Sendo os casos particulares o ponto de partida, é possível chegar a
conhecer o universal e alcançar a explicação das causas, por meio da qual é
possível se mover com segurança no conhecimento. Esse é o papel da filoso-
fia, agora definida como ciência das causas primeiras.

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Saiba mais
O rico universo do mundo grego foi abordado por vários teóricos.
Dentre estes, indicamos a obra As origens do pensamento grego,
de Jean Pierre Vernant, como um complemento à compreensão
contextual e das filosofias da Grécia antiga. Para ampliar seu
conhecimento a respeito da obra, sugerimos a leitura da resenha
de João Mattar, que traz importantes apontamentos a respeito.
Disponível em: http://joaomattar.com/blog/2010/01/27/as-
origens-do-pensamento-grego-jean-pierre-vernant/

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Referências
GHIRALDELLI JR, P. Introdução à Filosofia, Barueri, SP: Manole, 2003. p. 7-35.

MATTAR, J. As Origens do Pensamento Grego – Jean-Pierre Vernant. De Mattar, 27


janeiro 2010. Resenhas. Disponível em: http://joaomattar.com/blog/2010/01/27/as-
origens-do-pensamento-grego-jean-pierre-vernant/. Acesso em: 28 fev. 2018.

VERNANT, J.P. As origens do pensamento grego. Tradução de Ísis Borges B. da


Fonseca. 3. ed. São Paulo: Difel, 1981.

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