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O CPC/2015 e a Constituição Federal

Prof. Dr. Marcelo Lima Guerra


Faculdade de Direito/UFC

marcelolimaguerra@gmail.com
Sobre as normas fundamentais do processo civil:

 Com os primeiros dispositivos do CPC, o legislador reproduziu


normas constitucionais, denominando-as “normas fundamentais
do processo civil“.
 A pretendida constitucionalização do processo teria sido uma
“infraconstitucionalização da Constituição“?
 O art. 1o do CPC dispõe: “O processo civil será ordenado,
disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas
fundamentais estabelecidos na Constituição da República
Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código“
 Como fazer isso? Há um conhecimento consolidado sobre o que
seja a interpretação das leis processuais conforme à
constituição?
Uma proposta metodológica

 Convém distinguir entre:

1) Interpretação conforme à Constituição

2) Aplicação conforme à Constituição

 Apesar da íntima conexão entre as duas atividades, podendo


mesmo a primeira ser vista como etapa da segunda, convém
distinguí-las.
A Interpretação conforme à Constituição

 Ela tem por objeto textos legais.


 Ela se faz necessária quando há interpretações divergentes sobre
um só texto legal, cada uma das alternativas correspondendo a
uma diferente norma a ser atribuída como sentido do texto legal
interpretado.
 O que resulta dela é (deve ser) uma decisão fundamentada sobre
qual deve ser a norma, invocando a maior „conformidade“ a
valores constitucionais.
Procedimento básico

 1. Com relação a um determinado texto legislativo TL1, surge uma


dúvida (ou disputa interpretativa), apresentando-se duas (ou mais)
alternativas de significações a serem atribuídas a tal texto, como a
norma por ele veiculada.
 2. Cada uma dessas alternativas é uma “Norma-candidata“, cabendo
designá-las NC1 e NC2.
 3. O intérprete deve investigar se NC1 é “conforme“ e/ou “não
conforme“ à Constituição.
 4. O intérprete deve investigar se NC2 é “conforme“ e/ou “não
conforme“ à Constituição.
 4. O critério da interpretação conforme a Constituição serve como
(parte da) justificação para adotar a alternativa que se revelar „mais
conforme“ à Constituição, ou seja, NC1 ou NC2
Aplicação conforme à Constituição

 Tem por objeto normas jurídicas (o resultado da interpretação de


textos legais)
 Ela se faz necessária quando, num caso concreto, uma
determinada norma N1 se revele “não conforme“ à Constituição
 O resultado dela é (deve ser) uma decisão fundamentada
deixando de aplicar NC1, no caso concreto.
 E nesse caso, o juiz aplica que norma? Eis uma questão séria:
 Deve ser uma norma que o juiz deve “extrair“ da Constituição,
como a “mais conforme“ à Carta Magna, no caso concreto.
 Esta norma ou é (a) Uma variação de N1 ou é (b) a contrária de
N1.
Procedimento da Aplicação conforme à Constituição

 Numa determinada situação concreta, uma norma N1 se revela


como não conforme à constituição
 O juiz deve examinar se ela é, ao mesmo tempo, conforme à
Constituição
 Se a não conformidade superar a conformidade o juiz deverá:
1) Verificar a existência de uma norma N2 que seja uma variação de
N1
2) Aplicar a norma N3 que é a contrária de N1
Questões

 O que significa, mais concretamente, afirmar que uma determinada norma


é conforme à Constituição e afirmar que uma determinada norma não é
conforme à Constituição?
 Esta relação de conformidade se estabelece entre normas
infraconstitucionais e normas constitucionais?
 A relação de não conformidade entre uma norma infraconstitucional e uma
norma constitucional é a tradicional relação de antinomia entre duas
normas?
 Em caso positivo, como explicar a relação de conformidade?
 Em caso negativo, em que consistiria essa não conformidade entre uma
norma infraconstitucional e uma constitucional?
 E como uma norma infraconstitucional pode ser mais ou menos conforme a
uma norma constitucional?
Dois tipos de normas constitucionais
 É fundamental identificar, entre tais normas, dois tipos radicalmente
distintos, na perspectiva das condutas que são qualificadas como devidas,
por normas de cada tipo: as que podem ser denominadas R-Normas e as
que podem ser denominadas P-Normas.
Há normas que qualificam como devidas condutas de um determinado tipo.
São essas que aqui se chama R-normas.
Isto é o mesmo que dizer que tais normas qualificam como devidas todas as
condutas que se enquadrem em (ou instanciem um) determinado tipo
Há normas que qualificam como devida a promoção de determinado valor.
São essas que aqui se chama P-normas.
Isto é o mesmo que dizer que tais normas qualificam como devidas condutas
que se enquadrem em todos os tipos de condutas que sejam capazes a, em
qualquer grau que seja, promover determinado valor.
Aspectos da promoçao de valores

(1) Valores são estados de coisas cuja realização é tida como desejável
(2) Valores podem ser promovidos por condutas de um número
indeterminado de tipos diferentes e serem obstaculizados por condutas de
um número igualmente indeterminado de tipos diferentes.
(3) Condutas de tipos diferentes podem promover um valor em diferentes
graus de eficácia causal, o que pode ocorrer também com condutas do
mesmo tipo, a depender das circunstâncias concretas.
(4) Condutas de um tipo capaz de promover um valor, podem interferir em
outro valor, a depender das circunstâncias concretas, e essa interferência
também pode se dar em diferentes graus de eficácia causal.
(5) Em razão deste último aspecto, é inevitável o surgimento de situações em
que apenas um de dois valores, com a promoção dos quais um sujeito
esteja comprometido, possa ser promovido numa situação concreta.
Definindo melhor as V-normas

Em vista desses aspectos da promoção de valores, notadamente aquele


indicado sub (2), tem-se que qualificar como devida a promoção de um valor
é algo radicalmente distinto de qualificar como devida a realização de
condutas de um determinado tipo: qualificar como devida a promoção de um
valor significa, primordialmente (ou prima facie), qualificar como devida a
realização de condutas de todos os diferentes tipos (de conduta), que sejam,
em alguma medida, causalmente eficaz para promover o valor em questão.

Da perspectiva das condutas qualificadas como devidas, as V-normas se


distinguem radicalmente das C-normas, uma vez que enquanto estas últimas
qualificam como devidas condutas de um só tipo, as primeiras, as V-normas,
qualificam como devidas condutas de um número indeterminado de tipos
diferentes, todos eles, no entanto, marcados pela característica comum de
serem tipos de condutas aptas a promoverem, em alguma medida, o valor
consagrado na respectiva V-norma.
Primeira redefinição de V-normas (normas que consagram
valores constitucionais)

V-norma : qualificar como devida a promoção de um valor é o


def1

mesmo que aceitar todas as C-normas que qualificam como devidas a


realização das condutas de cada um dos tipos que se revelem capazes
de promover este valor, em cada uma das situações em que esta
eficácia causal se faça presente.
Insuficiências dessas definições: dilemas na promoção
racional de valores

 Os aspectos dos valores indicados, tornam inevitável que a sua


realização concreta provoque situações em que uma escolha deve
ser feita.
 Dilema interno: na perspectiva da promoção de um valor, a
multiplicidade de meios para realiza-lo concretamente impõe a
necessidade de escolher um deles.
 Dilema externo: na perspectiva do compromisso em realizar
concretamente mais de um valor, a possibilidade de interferência
em um deles, com a promoção concreta de outros pode impor a
necessidade de escolher realizar apenas um deles.
Reformulando a noção de compromisso com a promoção
de um valor

Assumir o compromisso normativo em promover um valor (isto é, aceitar uma


V-norma), racionalmente e no contexto em que esse compromisso existe, para
um só agente ou grupo de agentes, também com relação a outros valores, traduz-
se não apenas em aceitar todas as C-normas que qualificam como devidas as
condutas de todos esses tipos que promovam o valor consagrado, mas também,
e necessariamente, no seguinte:
1) Dar preferência a realizar o tipo de condutas que seja mais causalmente
eficaz para promover o valor com cuja realização se compromete
2) Dar preferência a realizar o tipo de condutas que, embora causalmente eficaz
para promover o valor com cuja realização se compromete, traga o mínimo de
restrições possíveis a outros valores, com cuja promoção se esteja também
comprometido
3) Em situações extremas, quando apenas um de dois (ou mais) possa ser
promovidos numa certa situação concreta, promover aquele valor que se mostre
mais relevante, naquele caso concreto.
Uma P-norma se traduz em um conjunto aberto de R-normas, a saber,
todas as R-normas concebíveis que qualificam como devidas as
condutas de cada um dos diferentes tipos de conduta que, em
determinadas circunstâncias, se revelarem capazes de promover o valor
consagrado pelo P-norma em questão.

Tais R-normas, contudo, hão de ser tidas como derrotáveis, ou seja,


como dotadas apenas de “validade prima facie”.
Caráter prima facie das C-normas que compõem uma V-
norma

O caráter prima facie (ou derrotável) da validade das C-normas que


compõem o conjunto delas em que se traduz uma V-norma, consiste
em que o dever que com base em tais C-normas se pode impor, pode
ser derrotado ou afastado por outro, quando se leva em consideração
aspectos da situação concreta, suficientes para identificar algumas
dessas circunstâncias:
1)Que há um tipo de conduta mais causalmente eficaz do que o tipo de
conduta qualificado como devida
2)Que há um tipo de conduta que é menos prejudicial do que o tipo de
conduta que é qualificado como devida
3)Que há um valor mais preponderante, na situação concreta, do que
aquele a cuja realização serve o tipo de conduta qualificada como
devida.
Redefinição de V-normas

V-norma : qualificar como devida a promoção de um valor (=


def2

uma V-norma) é o mesmo que aceitar todas as C-normas que


qualificam como devidas a realização das condutas de cada um
dos tipos que se revelem capazes de promover este valor, em
cada uma das situações em que esta eficácia causal se faça
presente, C-normas estas que serão válidas, num caso concreto,
se e somente se forem bem sucedidas nos “testes da
proporcionalidade”.
Compreendendo a relação de conformidade à Constituição

 A relação de conformidade e não conformidade de uma norma com


a Constituição deve ser entendida como a relação de uma C-norma
infraconstitucional como promovendo o valor consagrado numa V-
norma constitucional (relação de conformidade) ou como
obstaculizando o valor consagrado numa V-norma constitucional
 Uma norma infraconstitucional pode ser mais ou menos conforme
(ou não conforme) a uma V-norma constitucional a depender do
grau de promoção ou restrição que a primeira traga ao valor
consagrado na segunda.
 Uma norma infraconstitucional pode promover um valor
consagrado em uma V-norma constitucional VC1 e, ao mesmo
tempo, restringir outro valor, consagrado em outra V-norma VC2.
Procedimento da interpretação conforme reformulado

 1. A um determinado texto legislativo TL1, apresentam-se como duas


alternativas de significações a serem atribuídas a tal texto, como “a
norma“ por ele veiculada.
 2. Cada uma dessas alternativas é uma „“Norma-candidata“, a saber: NC1
e NC2.
 3. O intérprete deve investigar se NC1 promove alguma V-norma
constitucional VC1 (e em que medida) e restringe alguma outra V-norma
VC2.
 4. O intérprete deve investigar se NC2 promove alguma V-norma
constitucional VC1 (e em que medida) e restringe alguma outra V-norma
VC2.
 4. O critério da interpretação conforme a Constituição serve como (parte
da) justificação para adotar a alternativa que se revelar a que promova da
melhor forma possível as V-normas em questão
Procedimento da Aplicação conforme reformulado

 Numa determinada situação concreta, uma norma N1 se revela como


restringindo algum valor consaggrado em V-norma constitucional VC1.
 O juiz deve examinar se N1, ao mesmo tempo, restringe algum outro
valor consagrado em outra V-norma VC2.
 O juiz deverá examinar em que medida os valores em questão são
promovidos e restringidos por N1 e a não aplicação de N1 (a sua
contrária)
 Se a restrição a VC1 for maior que a restrição a VC2o juiz deverá:
1) Verificar a existência de uma norma N2 que seja uma variação de N1
2) Aplicar a norma N3 que é a contrária de N1, se e somente se VC1 for
mais preponderante, no caso concreto, do que VC2.

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