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tariamente pelo próprio proprietário ou pela lei.

As limitações
impostas pela lei visam proteger o interesse público ou justos
interesses de particulares.
Limitações de interesse público são, entre outras, as
seguintes, citadas a título exemplificai!vo:
a) o proprietário de um terreno ribeirinho deve tolerar o
CAPÍTULO 8 uso público da margem;
6) a manutenção de estradas marginais ao terreno fica a
PROPRIEDADE cargo do proprietário;
c)há várias proibições de demolição de prédios sem
autorização
administrativa, estabelecidas no período imperial;
d)no século IV d.C., uma constituição imperial concedeu
ao
descobridor de jazida o direito de explorar a mina em
CONCEITO terreno alheio,
A propriedade (dominium, proprietas) é um poder jurídico mediante indenização a ser paga ao proprietário.
absoluto e exclusivo sobre uma coisa corpórea. Limitações no interesse de particulares são, na maioria, as
Neste conceito, que é da jurisprudência clássica, a constituídas em favor de vizinhos, como por exemplo:
propriedade é considerada como uma relação direta e imediata a) os frutos caídos no terreno vizinho continuam de
entre a pessoa, titular do direito, e a coisa. Explica-se tal propriedade do dono da árvore. O vizinho tem de tolerar que
acepção pela preponderância do aspecto do poder nas relações este os recolha dia sim, dia não;
de senhorio no direito romano primitivo, quer seja seu objeto 6) o vizinho deve suportar a inclinação dos ramos numa
uma coisa pertencente à família, quer sejam as pessoas livres altura superior a 15 pés, podendo, entretanto, cortá-los até
sujeitas à pátria potestas. Não é por acaso que as Instituías de essa altura;
Justiniano ainda definem o domínio como in ré plena potestas c) o fluxo normal das águas pluviais deve ser suportado
(Inst. 2.4.4). também.
No sentido positivo, a propriedade confere ao titular o São limitações legais, ainda no interesse particular, as
direito de usar, gozar e dispor da coisa e, no sentido negativo, regras de inalienabilidade, que proíbem ao proprietário
exclui toda e qualquer ingerência alheia, protegendo-o, no transferir ou onerar seu direito. Tal inalienabilidade existia no
exercício de seus direitos, contra turbação por parte de terceiros. terreno dotal, sobre os bens do pupilo, nas coisas em litígio, e
A característica dominante do ponto de vista jurídico é a visava proteger os interesses da mulher, do incapaz ou da
exclusividade da propriedade, que impõe a todos a obrigação de outra parte na lide, respectivamente.
respeitá-la. ]à o conteúdo positivo desse instituto — a Aqui, nas limitações legais, temos que mencionar ainda as
subordinação completa da coisa a seu proprietário — é um regras e sanções da legislação imperial quanto ao abuso do
aspecto mais económico do que jurídico. poder e aos maus tratos cometidos contra escravos pelo
Interessa-nos, porém, quanto ao ponto de vista jurídico, a proprietário, limitações que tinham uma finalidade
amplitude dessa subordinação. humanitária.
Além das limitações impostas pela lei, o proprietário podia,
LIMITAÇÕES DA PROPRIEDADE voluntariamente, restringir a amplitude de seu direito,
O poder jurídico do proprietário sobre a coisa é, em destacando e concedendo a outrem certa parcela deste. Esta é a
princípio, Ilimitado, mas limitável. O poder completo pode ser maneira da constituição de direitos reais sobre, coisa alheia por
limitado volun- meio de ato jurídico. Deles trataremos no lugar próprio. Note-
se, porém, que uma vez cessada a limitação, a propriedade
65 automaticamente recupera a sua inteireza, seja qual for a razão
da cessação. Este fenómeno se chama, modernamente,
elasticidade da propriedade.
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Cumpre-nos mencionar, ainda, a proibição dos atos emulativos,
que, modernamente, é considerada como limitação da amplitude do
exercício da propriedade. A teoria foi elaborada na Idade Média,
com base nos textos da Codificação de Justiniano. São considerados
atos emulativos aqueles que o proprietário pratica não para sua
utilidade, mas para prejudicar o vizinho.
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CAPÍTULO 9 como propriedade do Estado só os das províncias, formalmente
excluídos da propriedade particular em todo o período clássico,
como, aliás, veremos mais detalhadamente adiante.
HISTÓRIA DA PROPRIEDADE PROPRIEDADE QUIRITARIA
ROMANA
O conceito abstrato da propriedade, distinto do do pátrio
poder, e sua denominação de dominium e propríetas, datam da
segunda metade da República. O instituto faz parte do ius
civile; chama-se dominium ex iure Quiritium.
No retroexposto, encaramos a propriedade como um
Pressupõe, naturalmente, que seu titular seja cidadão
instituto unitário. Sua evolução histórica, porém, apresenta
romano. Outro pressuposto é que a coisa, sobre que recaía a
diversas formas e fases, que devem ser explicadas em propriedade quiii-tária, possa ser objeto dela. Estão nesta
seguida. condição todas as coisas corpóreas in commercio, exceto os
terrenos provinciais. Terceiro pressuposto é que a coisa tenha
DIREITO PRIMITIVO sido adquirida, pelo seu titular, por meio reconhecido pelo ius
O pátrio poder do paterfamilias abrangia, além das civile. Tais meios eram: 1.°) os modos de aquisição originários;
pessoas livres e dos escravos pertencentes à família, também 2.°) o usucapião; e 3.°) para as rés mancipi, a tnan-cipatio e a in
os bens patrimoniais desta. Assim, o poder jurídico sobre iure cessio, e para as rés nec mancipi, a simples traditio. Os
coisas, na origem, estava incluído na pátria potestas e a detalhes desses vários modos de aquisição serão tratados oportu-
propriedade não tinha nome distinto. namente.
Discutia-se, outrossim, sobre os objetos dessa primitiva Cumpre ainda adiantar que o usucapião — modo de
propriedade particular: se abrangia apenas os bens móveis ou aquisição da propriedade pelo simples fato de alguém ter a
também os imóveis. coisa em seu poder por certo tempo e sob certas condições —
Não faltam provas da originária propriedade coletiva gerava propriedade quiri-tária, tanto no caso das rés mancipi
sobre terras, exercida pelas gentes (conjunto de famílias como no caso das rés nec mancipi. Assim, se alguém comprasse
coligadas por descenderem de um tronco ancestral comum), uma rés mancipi, sem que o vendedor transferisse a propriedade
terras que passaram, posteriormente, à propriedade do Estado dessa coisa pelos atos jurídicos solenes acima mencionados,
(agri publici). mas sim apenas pela simples tradição da coisa, o comprador não
Conforme a lenda, a propriedade particular foi adquiria a propriedade quiritária. Só o usucapião, após decurso
reconhecida desde a fundação de Roma, mas, quanto aos do prazo prescrito, gerava tal domínio. Assim, o usucapião,
imóveis, limitada a dois lotes (jugera) de terra, que podiam como modo de aquisição da propriedade reconhecida pelo ius
servir para construir a casa e plantar a horta. Evidentemente, civile, supria nestes casos a falta da mancipatio ou da in
porém, grandes terras aráveis foram distribuídas era iure cessio.
propriedade particular, já antes das XII Tábuas, no século V
a.C. Realmente, o direito nesta legislação primitiva já conhecia a PROPRIEDADE PRETORIANA
propriedade particular, tanto sobre móveis como imóveis. A
distribuição das terras públicas e particulares verificou-se em O sistema do ius civile acima exposto era rígido e
todo o período da República, De outro lado, com a ocupação de complicado demais para o rápido desenvolvimento dos
novos territórios, estes passaram para a propriedade do Estado, negócios, exigência natural do comércio. Além disso, a
mas os situados na Itália foram, até o fim da República, aplicação das regras acima atentou, em muitos casos, contra a
distribuídos, ficando, assim, equidade, princípio que foi ganhando vulto na segunda metade
68 da República. Tome-se, por exemplo, o caso da transferência da
propriedade de rés mancipi pela simples tradição ao invés
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dos atos solenes prescritos. Naturalmente, a simples entrega Esta propriedade pretoriana se chamava também
atende muito mais às necessidades do comércio do que às propriedade bonitária, por terem os romanos usado sempre as
formalidades complicadas da mancipaíio e da m iure cessio. expressões in bonis esse para indicar o domínio concedido
Praticada aquela, porém, perante o ius civile o vendedor ainda pelo pretor, em contraposição à propriedade quiritária:
era proprietário, enquanto não se completasse o prazo do dominium ex iure Quiritium.
usucapião. Isto era uma injustiça contra o comprador, que
pagara o preço ao vendedor. PROPRIEDADE DE TERRENOS PROVINCIAIS
O pretor, em obediência aos princípios que nortearam sua
ativi-dade, socorreu os prejudicados com tais situações. Conforme já mencionamos, os terrenos situados nas
Considerando que o comprador, no exemplo acima descrito, províncias, fora da península itálica, ficaram de propriedade do
aliás muito comum, estava em vias de usucapir, protegeu-o Estado. Na época imperial umas províncias pertenciam ao povo
contra o antigo proprietário que lhe vendera a coisa e que, romano e foram administradas pelo Senado, ao passo que
depois, baseando-se no formalismo do ius civile, de má-fé outras eram propriedades do Imperador.
exigisse a devolução daquela. O meio de defesa era uma Os terrenos nelas situados eram chamados praedia
exceptio rei venditae et traditae, concedida pelo pretor na stipendiaría e praedia tributaria, respectivamente.
fórmula da ação, que paralisava a pretensão do proprietário A propriedade particular foi excluída de tais terrenos.
antigo. Por este meio, o comprador ficava protegido contra o Entretanto, o Estado podia conceder, e realmente concedeu,
antigo proprietário. o gozo deles a particulares, concessão semelhante, mas não
Depois, tal defesa foi estendida pelo pretor para os idêntica, à propriedade. Os textos indicam-na com as
casos era que a coisa, que havia sido entregue ao comprador expressões habere possidere frui e Gaius a chama possessio vel
pela simples tradição, caísse em mãos de terceiros. Neste caso o ususfructus. Na prática aplicam-se-lhe todas as regras
comprador não tinha direito reconhecido pelo ius civile em que referentes ao domínio em geral.
pudesse basear sua pretensão e reaver a coisa. Entretanto, o
pretor, considerando-o como tendo usucapião em curso, PROPRIEDADE DE PEREGRINOS
concedeu-lhe uma ação, chamada actio Publiciana, de um
pretor Publicius, que a introduziu, e pela qual o comprador Por falta do requisito da cidadania, o estrangeiro não podia
podia exigir a devolução da coisa de qualquer pessoa que a adquirir propriedade pelo ius civile. Os romanos reconheciam-
tivesse em seu poder. Processualmente, a actio Publiciana lhe, entretanto, a propriedade pelo seu próprio direito
baseou-sc na ficção de que o prazo do usucapião tivesse estrangeiro, chamando esta de simples dominium, em
realmente decorrido. contraposição ao dominium ex iure Quiritium e admitiam para
Os remédios processuais acima expostos foram utilizados ela meios processuais de defesa que imitavam os da defesa da
em outros casos semelhantes, como na aquisição a não- propriedade quiritária.
proprietário, na doação, bem como nos casos da missio in
possessionem, em que o pretor conferia a posse definitiva da UNIFICAÇÃO DOS DIVERSOS TIPOS DE PROPRIEDADE
coisa, com base no seu imperium, a pessoa outra que não o
proprietário quiritário. Exemplos destes casos encontramos na Justíniano aboliu a diversidade de propriedade,
execução do devedor insolvente (bonorum emptor), na unificando o instituto, uma vez que as causas da distinção já
sucessão pretoriana (bonorum possessio) etc. haviam desaparecido em sua época.
Assim, o pretor construiu um novo tipo de propriedade,
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diferente e até contraposta à propriedade quiritária.
Formalmente o pretor não podia derrogar o ius civile. Por isso, o
proprietário quiritário, nos específicos casos regulados pelo
pretor, continuava nominalmente dono, mas seu direito ficava
reduzido só.ao nome (nudutn ius Quiritium), e do ponto de
vista prático nenhum valor teria, porque o pretor assegurava o
poder definitivo sobre a coisa a quem julgasse mais justo.
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CAPÍTULO 10

CO-PROPRIEDADE
Naturalmente, tal estado de co-propriedade não podia ser
imposto às partes, pois suas regras possibilitariam a
CONCEITO
obstrução completa por qualquer delas ao desejo das outras.
O caráter absoluto e exclusivo da propriedade Havia, realmente, um meio judicial para conseguir a divisão: a
incompatibiliza-se com a existência de duas propriedades ao actio communi dividundo. Esta podia ser proposta a todo
mesmo tempo sobre a mesma coisa: duorum in solidutn tempo por qualquer dos co-proprietários.
dotninium esse non potest (D. 13.6.5.15). Ê possível, A divisão se verificava pela fragmentação real da coisa,
entretanto, que o direito de propriedade pertença a mais de se esta era divisível, ou, em caso contrário, pela sua
uma pessoa, dividido entre elas. Trata-se da co-propriedade adjudicação a quem maior lance oferecesse. O adjudicatário
(condo-mímum), tendo cada co-proprietário direito a uma ficava com a obrigação de pagar a cada um dos proprietários,
parte ideal da coisa (totius corporis pró parte dominium em dinheiro, a parte que lhes coubesse.
habere — D. 13,6,5.15). Tal co-propriedade pode originar-se 73
por vontade das partes (adquirindo, por exemplo, uma coisa
em comum) ou incidentalmente (herdando em comum, por
exemplo). A coisa não é dividida entre os proprietários,
mas cada um deles tem direito, na proporção de sua parte,
a cada uma das parcelas componentes da coisa inteira.
Assim, o direito de propriedade de cada um, em princípio
completo, está limitado pelo direito do outro co-proprietário.
Uma vez, porém, que a propriedade de um dos co-
proprietários se extinga (renunciando, por exemplo), tal
propriedade passará a pertencer aos demais (ius accrescendi).
Do mesmo princípio segue-se que o co-proprietário tem poder
ilimitado sobre a parte do direito que a ele pertence; pode
aliená-la, doá-la etc., mas o seu direito de disposição sobre a
coisa inteira está limitado pela concorrência do direito dos
outros co-proprietários. Disposição relativa à coisa inteira
exige o acordo unânime, ou, ao menos, tolerância passiva de
todos os outros co-proprietários. Em outras palavras, qualquer
deles pode vetar disposição dos outros (ius prohibendi), não
prevalecendo a vontade da maioria contra a minoria (in ré
communi ne-minem dominorutn iure facere quícquam invito
altero posse — D. 10.3.28)
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