Você está na página 1de 169

Índice

Antropologia Cultural.....................................................................................................................5
1. Apresentação........................................................................................................................5
2. Introdução............................................................................................................................5
3. Objectivos Gerais................................................................................................................6
4. Objectivos cognitivos e educacionais................................................................................6
5. Plano temático......................................................................................................................6
Unidade 1 A Antropologia Cultural: Introdução e definições preliminares.............................9
1.1 Introdução........................................................................................................................9
1.2 Objectivos.........................................................................................................................9
1.3 O que é a Antropologia?.................................................................................................9
A antropologia hoje...................................................................................................................9
O objecto de estudo da antropologia......................................................................................10
A crise do objecto de estudo da antropologia.........................................................................10
O que fazem os antropólogos?................................................................................................11
A antropologia: ciência ou arte?............................................................................................12
A antropologia como espelho para a humanidade.................................................................13
1.4 A Antropologia e os seus campos de conhecimento....................................................13
1. 5 Etnografia, Etnologia, Antropologia..........................................................................15
1.6. Os enfoques sectoriais..................................................................................................15
1.7 Relação entre a Antropologia e a Educação...............................................................16
1.8 Relação da Entropologia Cultural com as outras ciências humanas e sociais.........17
A Antropologia e a Psicologia................................................................................................19
A Antropologia e a Sociologia................................................................................................20
A Antropologia e o Direito......................................................................................................21
A Antropologia e a História....................................................................................................21
A Antropologia e a Filosofia...................................................................................................22
Actividades.................................................................................................................................23
Unidade 2 Métodos e princípios do método de Antropologia Cultural....................................24
2.1 Introdução......................................................................................................................24
2.2 Objectivos.......................................................................................................................24
2.3 O processo de uma investigação antropológica.........................................................24
2.4 O método etnográfico: o trabalho de campo...............................................................26

1
A invenção do trabalho de campo...........................................................................................26
O trabalho de campo como método........................................................................................28
Traços do trabalho de campo antropológico..........................................................................29
A etnografia e o método comparativo.....................................................................................30
A trabalho de campo e a entrada no terreno..........................................................................30
2.5 Técnicas de investigação antropológica.......................................................................31
2.6 A observação participante............................................................................................35
2.7 Os discursos emic-etic..................................................................................................36
2.8 O antropólogo em contextos urbanos.........................................................................37
2.9 A ética do trabalho de campo.......................................................................................37
Exercício de descrição etnográfica.........................................................................................38
Actividades.................................................................................................................................38
3.1 Introdução......................................................................................................................39
3.2 Objectivos.......................................................................................................................39
3.3 Os primórdios da antropologia...................................................................................39
3.4 Evolucionismo...............................................................................................................41
Antropólogos evolucionistas:..................................................................................................41
Visão crítica do evolucionismo...............................................................................................44
3.5 O Difusionismo..............................................................................................................45
3.6 O particularismo histórico............................................................................................46
3.7 Escola de Cultura e Personalidade.............................................................................47
3.8 O Funcionalismo...........................................................................................................47
A introdução dos estudos de campo........................................................................................48
O conceito de função...............................................................................................................48
3.9 O neoevolucionismo, a ecologia cultural e o materialismo histórico.......................49
O Neoevolucionismo................................................................................................................49
A Ecologia Cultural.................................................................................................................50
O materialismo cultural..........................................................................................................50
3.10 O estruturalismo francês..............................................................................................51
Outros antropólogos estruturalistas franceses.......................................................................52
3.11 Antropologia em África e em Moçamique.................................................................57
A Antropologia colonial..........................................................................................................57
A Antropologia no pós-independência, em Moçambique.......................................................59
Antropologia em África e no chamado Terceiro Mundo........................................................67

2
Actividades.................................................................................................................................69
Unidade 4 A cultura e as Culturas...............................................................................................70
4.1 Introdução......................................................................................................................70
4.2 Objectivos.......................................................................................................................70
4.3 Cultura e Sociedade......................................................................................................70
Sociedade.................................................................................................................................70
Relações sociais......................................................................................................................71
Cultura.....................................................................................................................................71
Holismo...................................................................................................................................71
4.4 A noção antropológica da Cultura..............................................................................72
4.5 Características da noção antropológica de cultura....................................................73
A Cultura é aprendida.............................................................................................................73
A Cultura é simbólica..............................................................................................................75
A Cultura submete a natureza.................................................................................................75
A Cultura é geral e específica (Cultura –Culturas)...............................................................76
A cultura inclui tudo................................................................................................................76
A cultura é partilhada.............................................................................................................76
A cultura está pautada............................................................................................................77
A gente utiliza criativamente a cultura...................................................................................77
A cultura está em todas as partes............................................................................................77
4.6 A Cultura material e imaterial....................................................................................79
4.7 A noção sociológica e a noção estética do conceito de cultura..................................80
4.8 O conteúdo do conceito antropológico de cultura......................................................82
As crenças e as ideias..............................................................................................................82
Os valores................................................................................................................................83
As normas culturais.................................................................................................................83
Os símbolos.............................................................................................................................83
4.9 Os universais da cultura..............................................................................................85
4.10 A mudança cultural......................................................................................................87
4.11 A mudança social..........................................................................................................89
Qual o peso da estrutura e qual o da acção social na mudança?..........................................89
Actividades.................................................................................................................................92
Unidade 5 Identidade Cultural....................................................................................................93
5.1 Introdução......................................................................................................................93

3
5.2 Objectivos.......................................................................................................................93
5.3 identidade e alteridade: paradigmas...........................................................................93
Resposta essencialista, substantivista, psicologicista ou primordialista................................93
Resposta Cognitivista..............................................................................................................94
Resposta Interaccionista, processual, situacionista e sociohistórica:....................................95
5.4 A identidade como constructo relacional....................................................................95
5.5 . A noção de raça e a ideologia racial...........................................................................97
5.6 Grupos étnicos e etnicidade.......................................................................................100
5.7 A percepção cultural dos grupos étnicos..................................................................102
Como se formam os estereótipos no interior das pessoas?...................................................103
De onde nascem os estereótipos?..........................................................................................104
Como se mantêm um estereótipo?.........................................................................................104
Como funcionam os estereótipos?.........................................................................................104
5.8 Modelos de convivência intercultural........................................................................104
Modelo de integração impossível: Alemanha.......................................................................104
Modelo da assimilação: França............................................................................................104
Tolerância pluriétnica ou pluricultural: U.K........................................................................105
5.9 O conflito identitário..................................................................................................106
Actividades...............................................................................................................................107
Unidade 6 O Parentesco: organização sócio-política a célula e produção.............................108
6.1 Introdução....................................................................................................................108
6.2 Objectivos.....................................................................................................................108
6.3 Definição do parentesco.............................................................................................108
6.4 Grupos de parentesco.................................................................................................109
6.5 Tipos de família..........................................................................................................109
6.6 O Casamento...............................................................................................................110
Tipos de casamento...............................................................................................................111
Padrões de residência pós-casamento..................................................................................113
6.7 Os sistemas de descendência e herança....................................................................113
Actividades...............................................................................................................................114
Unidade 7 A Antropologia Económica.....................................................................................115
7.1 Introdução....................................................................................................................115
7.2 Objectivos.....................................................................................................................115
7.3 Antropologia económica............................................................................................115

4
7.4 A reciprocidade...........................................................................................................116
7.5 A redistribuição...........................................................................................................117
7.6 Intercâmbio de mercado............................................................................................118
7.7 Modos de produção.....................................................................................................119
7.8 Caça, pesca e recoleção..............................................................................................119
7.9 Pastorícia.....................................................................................................................120
7.10 Cultivo agrícola: horticultura e agricultura............................................................121
Horticultura...........................................................................................................................121
Agricultura............................................................................................................................121
7.11 A produção industrial................................................................................................122
7.12 A sociedade pós-industrial.........................................................................................122
Actividades...............................................................................................................................123
Unidade 8 Antropologia Política................................................................................................124
8.1 Introdução....................................................................................................................124
8.2 Objectivos.....................................................................................................................124
8.3 Introdução: política, poder e autoridade.................................................................124
8.4 Os sistemas políticos nos bandos de caçadores e recolectores................................127
8.5 Os sistemas políticos nos sistemas tribais.................................................................127
8.6 Os sistemas políticos nas chefaturas.........................................................................128
8.7 Os sistemas políticos nos estados...............................................................................128
8.8 Rituais e ordem...........................................................................................................130
Actividades...............................................................................................................................130
Unidade 9 Antropologia da Religião..........................................................................................131
9.1 Introdução....................................................................................................................131
9.1 Objectivos.....................................................................................................................131
9.3 A Religião.....................................................................................................................131
9.4 Expressões da religião................................................................................................131
Animismo...............................................................................................................................131
Maná e tabu...........................................................................................................................132
Magia e religião....................................................................................................................132
O Totemismo..........................................................................................................................134
Os mitos.................................................................................................................................134
9.5 Religião e cultura.........................................................................................................135
9.6 Religião e mudança....................................................................................................136

5
9.7 A religião e o tempo do calendário.............................................................................136
Actividades...............................................................................................................................138
Bibliografia básica.......................................................................................................................139

Antropologia Cultural

1. Apresentação
Nos encontros presenciais, os docentes privilegiarão aulas teóricas expositivas:
(conferências), nas quais serão apresentados temas específicos com conceitos teóricos e
exemplos etnográficos relacionados com os temas em questão. No decurso destas sessões, os
estudantes adquirirão os textos básicos de estudo, que compreendem um caderno de
apontamentos e um outro com textos de apoio.
O caderno de apontamentos é este que o caro estudante tem nas suas mãos. Nele encontram-
se:
 O programa/plano de estudos, no qual constam os objectivos de aprendizagem da
disciplina, as unidades temáticas e respectivos conteúdos, a calendarização do estudo
dos estudantes e a indicação da bibliografia.
 Os apontamentos contendo os conteúdos detalhados, organizados por unidades
temáticas. O caderno de apontamentos contém também indicação de actividades, em
forma de questionário, que o estudante deverá resolver durante o tempo destinado ao
estudo individual.
O texto de apoio é uma colectânea de textos de diferentes autores que tratam de temas
específicos em estudo na disciplina. Tais textos complementam o caderno de apontamentos. O
estudante deverá utilizar estes dois instrumentos em simultâneo.
É importante que o estudante leia os materiais, de acordo com a calendarização que lhe é
proposta no caderno de apontamentos, porque se deixar que a matéria se acumule pode não
vir a ter tempo suficiente para estudá-la na altura das provas escritas.
2. Introdução

Esta disciplina é leccionada em todos os cursos em vigor na Universidade Pedagógica. Sendo


uma disciplina de tronco comum, visa permitir a todos estudantes a aquisição de
conhecimentos etnográficos e socioculturais do seu país e, em especial, do continente
africano. No fim do curso, o estudante terá a ferramenta necessária para conhecer o papel
desempenhado pela Antropologia em África, numa perspectiva sociocultural. Estará também

6
munido de conhecimentos para fazer a reflexão sobre os processos, fenómenos culturais, para
a acção pedagógica efectiva e será capaz de usar alguns elementos da educação tradicional na
transmissão dos conteúdos científicos e provocar uma revolução epistemológica.
O estudante dominará os diferentes sistemas de filiação das sociedades moçambicanas, as
diferentes terminologias de parentesco e seu valor sociológico; saberá diferenciar as noções
de etnicidade, grupo étnico, categoria étnica, para além de resolver os problemas de ordem
social. É ainda interesse deste programa munir os estudantes de conhecimentos sobre a
importância da ideologia na sociedade, a articulação entre a ideologia, reprodução da
sociedade e o status quo social e, por fim, reconhecer o impacto da religião tradicional em
África e, em particular, Moçambique.

3. Objectivos Gerais

 Reflectir sobre a unicidade do homem como bio-cultural, bio-psíquico e sócio-


cultural;
 Compreender a realidade social como um todo articulado;
 Conhecer processos e estruturas da construção social;
 Entender a diversidade social e cultural e a pluralidade e heterogeneidade dos homens
e suas condutas.
4. Objectivos cognitivos e educacionais
 Contribuir para a capacitação dos estudantes com conhecimentos básicos sobre as
diferentes etno-culturas existentes no país, partindo de conceitos antropológicos
fundamentais e necessários para esta compreensão, com vista a um melhor
conhecimento de fenómenos sócio-culturais de Moçambique.
 Contribuir para a construção duma sociedade intercultural, através da valorização da
diversidade do património cultural de Moçambique, compreendendo que o conjunto
destes valores é uma das maiores riquezas do país;
 Entender a pertinência do cultivo das relações mútuas entre a escola, família,
comunidade e sociedade;
 Contribuir para a formação pessoal e social dos estudantes, futuros docentes;
 Reflectir sobre a necessidade duma sociedade intercultural que apele, não só ao
entendimento das estruturas e factos sociais, mas também à tolerância e a um espírito
de respeito que leve a uma inter-ajuda entre os seres humanos.
5. Plano temático
Unidades Calendarização do estudo Material de leitura
7
temáticas/Conteúdos
1. A Antropologia Cultural:
introdução e definições
preliminares
1) Apontamentos, Unidade 1.
 O que é a Antropologia
2) LIMA, Augusto
 A Antropologia e os seus
Mesquitela,
campos de conhecimento
MARTINEZ, Benito &
 Etnografia, Etnologia,
1 A 11 de Agosto LOPES, João.
Antropologia
Introdução à
 Os enfoques sectoriais
Antropologia Cultural. 9
 Relação entre a
Ed. Lisboa, Editorial
Antropologia e a Educação
Presença, 1991.
 Relação da Antropologia
Cultural com as outras
ciências humanas e sociais
2. Métodos e princípios do
método de Antropologia
Cultural
 O processo de uma
investigação antropológica
 O método etnográfico: o 1) Apontamentos, Unidade 1.
trabalho de campo 2) RIVIÈRE, Claude.
 Técnicas de investigação 13 A 25 Agosto Introdução à
antropológica Antropologia. Lisboa,
 A observação participante Edições 70, 2000
 Os discursos emic-etic
 O antropólogo em contextos
urbanos
 A ética do trabalho de
campo
3. O Pensamento 27 De Agosto a 8 de 1) Apontamentos, Unidade 3
Antropológico Setembro 2) RIVIÈRE, Claude.
 Os primórdios da Introdução à
antropologia Antropologia. Lisboa,

8
 Evolucionismo
 O Difusionismo
 O particularismo histórico
Edições 70, 2000
 Escola de Cultura e
3) LERMA MARTINEZ,
Personalidade
Francisco. Antropologia
 O Funcionalismo
Cultural: guia para o
 O neo-evolucionismo, a
estudante. 4 Ed.
ecologia cultural e o
Maputo, Paulinas
materialismo histórico
Editora, 2003
 O estruturalismo francês
 Antropologia em África e
em Moçambique
4. A Cultura e as Culturas
 Cultura e Sociedade
 A noção antropológica da
Cultura
 Características da noção 1) Apontamentos, Unidade 4
antropológica de cultura 2) MELLO, Luiz Gonzaga
 A Cultura material e de. Antropologia
imaterial Cultural. 11 ed.
10 A 22 de Setembro
 A noção sociológica e a Petrópolis, Vozes, 2004
noção estética do conceito 3) HARRIS, Marvin.
de cultura Canibais e reis. Lisboa,
 O conteúdo do conceito Edições 70, 1990
antropológico de cultura
 Os universais da cultura
 A mudança cultural
 A mudança social
5. Identidade Cultural 24 A 29 de Setembro 1) Apontamentos, Unidade 5
 Identidade e alteridade: 2) LINTON, Ralph. O
paradigmas Homem: uma
 A identidade como introdução à
construção relacional Antropologia. São

9
 A noção de raça e a
ideologia racial
 Grupos étnicos e etnicidade
 A percepção cultural dos Paulo: Martins Fontes,
grupos étnicos 2000
 Modelos de convivência
intercultural
 O conflito identitário
6. O Parentesco: organização 1) Apontamentos, Unidade 6
sociopolítica a célula e 2) RIVIÈRE, Claude.
produção Introdução à
 Definição do parentesco Antropologia. Lisboa,
 Grupos de parentesco Edições 70, 2000

 Tipos de família 1 A 6 de Outubro 3) LERMA MARTINEZ,

 O Casamento Francisco.
Antropologia Cultural:
 Os sistemas de descendência
guia para o estudante. 4
e herança
Ed. Maputo, Paulinas
Editora, 2003
7. A Antropologia Económica
 Antropologia económica
1) Apontamentos, Unidade 7
 A reciprocidade 2) RIVIÈRE, Claude.
 A redistribuição Introdução à
 Intercâmbio de mercado Antropologia. Lisboa,
 Modos de produção Edições 70, 2000
 Caça, pesca e recolecção 8 A 13 de Outubro 3) LERMA MARTINEZ,
 Pastorícia Francisco.

 Cultivo agrícola: Antropologia Cultural:

horticultura e agricultura guia para o estudante. 4

 A produção industrial Ed. Maputo, Paulinas

 A sociedade pós-industrial Editora, 2003

 Política, poder e autoridade


8. Antropologia Política 15 A 20 de Outubro 1) Apontamentos, Unidade 8
 Os sistemas políticos nos 2) RIVIÈRE, Claude.

10
bandos de caçadores e Introdução à
recolectores Antropologia. Lisboa,
 Os sistemas políticos nos Edições 70, 2000
sistemas tribais 3) LERMA MARTINEZ,
 Os sistemas políticos nas Francisco.
chefaturas Antropologia Cultural:
 Os sistemas políticos nos guia para o estudante. 4
estados Ed. Maputo, Paulinas
 Rituais e ordem Editora, 2003
9. Antropologia da Religião 1) Apontamentos, Unidade 9
 A Religião 2) RIVIÈRE, Claude.
 Expressões da religião Introdução à

 Religião e cultura Antropologia. Lisboa,

 Religião e mudança Edições 70, 2000


22 De Outubro a 3 de
3) LERMA MARTINEZ,
 A religião e o tempo do Novembro
Francisco.
calendário
Antropologia Cultural:
guia para o estudante. 4
Ed. Maputo, Paulinas
Editora, 2003

6. Avaliação

Aos estudantes serão aplicadas três avaliações: a primeira e a segunda serão exercícios
escritos e a terceira será um trabalho individual, de investigação independente. Em Dezembro
de 2007 haverá um exame final.

11
Unidade 1
A Antropologia Cultural: Introdução e definições preliminares

1.1 Introdução

Esta é a unidade temática introdutória da disciplina de Antropologia Cultural. Nela são


abordados conteúdos relacionados com conceitos de Antropologia, Etnografia, Etnologia,
relação entre a Antropologia e Educação.

1.2 Objectivos

No final desta unidade o estudante deverá:

 Conhecer os termos e conceitos básicos da antropologia.

 Ser capaz de contextualizar a antropologia nos campos do saber.

 Estar sensibilizado para uma perspectiva antropológica.

 Relacionar a Antropologia e a Educação.

 Compreender a identidade da Antropologia Sociocultural em relação a outras ciências


sociais.

1.3 O que é a Antropologia?

A origem etimológica - A palavra “antropologia” deriva das palavras gregas “logos” (estudo)
e “anthropos” (humanidade) e significa, literalmente, “estudo da humanidade”. Porém, a
antropologia, na época antiga, não era exactamente o que é actualmente. Para os gregos e
romanos, a “antropologia” era uma “ciência dedutiva”, isto é, uma discussão baseada em
deduções abstractas sobre a natureza dos seres humanos e o significado da existência humana.
O seu método de verificação do conhecimento era o método dedutivo, que consistia em
chegar a uma conclusão particular, partindo de premissas universais. Tratava-se, portanto, de
um caminho que vai do geral ao particular. A verdade radicava no facto do particular ser uma
parte mais do geral. Partia-se de uma teoria geral para testar hipóteses (propostas de relações
entre variáveis – dados que variam caso a caso) derivadas dessa teoria.

A antropologia hoje

Podemos afirmar que a antropologia é hoje:

1. O estudo dos seres humanos enquanto seres biológicos, sociais e culturais.


12
2. Uma forma de olhar a diversidade, uma atitude de sensibilidade e empatia face os
outros.
3. Uma profissão na qual se aplicam conhecimentos, métodos, técnicas, sensibilidades e
olhares para melhor compreender e lidar com o mundo.

Em primeiro lugar, a antropologia é uma ciência indutiva que formula conclusões e


abstracções sobre a natureza humana, tendo como base um conhecimento derivado da
observação sistemática da diversidade cultural humana. Este conhecimento serve, assim, para
a construção de teorias que interpretam os fenómenos socioculturais. Estes conhecimentos, tal
como os métodos e as teorias da antropologia, servem para ser aplicados na melhoria das
condições de vida das populações estudadas.

Em segundo lugar, a antropologia actual é uma forma de olhar/perspectivar o “outro” e


respeitar a diversidade sociocultural. Essa forma de olhar/perspectivar implica pensar a
convivência intercultural sem qualquer tipo de exclusão ou discriminação social. A
antropologia desmascara e desconstrói a realidade para olhar desde o outro lado do espelho.

Em terceiro lugar o antropólogo é um profissional “...que estuda as culturas das diversas


populações em todas as suas manifestações (tecnologia, sistemas de valores e crenças,
organização social) e as estruturas e modelos culturais em geral, com um método
interdisciplinar...” (De la Fuente, 1998).

O objecto de estudo da antropologia

Os modos de vida de outras partes do mundo costumam fascinar, estranhar ou gerar uma
visão exótica. A antropologia oferece um conhecimento humano e comparativo do mundo e
da sua diversidade cultural. Podemos estabelecer, relativamente ao seu objecto de estudo, os
seguintes tipos de definições – a antropologia:

1. Estuda os seres humanos em geral, e estabelece leis válidas para o conjunto da


humanidade.

2. Estuda os produtos e as acções dos seres humanos: comportamento social, costumes,


cultura, rituais, parentesco, vida quotidiana, cultura material, tecnologia, etc.

3. Estuda grupos humanos ou culturas de todas as épocas e partes do mundo.

4. Estuda alguns tipos de sociedades: “primitivas”, pré-industriais, simples, “complexas”,


“tradicionais”, industriais, pós-industriais, não ocidentais, ocidentais...

13
SUJEITO: OBJECTO:
HUMANO HUMANOS

A crise do objecto de estudo da antropologia

Anteriormente, a antropologia era pensada como o estudo das sociedades sem escrita,
etiquetadas, sob uma perspectiva evolucionista, como “sociedades primitivas”. Nesta
perspectiva, essas sociedades coincidiam basicamente com as sociedades não ocidentais. O
termo de “primitivo” foi, no entanto, abandonado devido à sua conotação pejorativa e ao falso
binómio selvagem / civilizado. A partir de então, a antropologia foi pensada como o estudo de
pequenas comunidades camponesas, nas quais as relações interpessoais e a falta de
especialização económica eram muito importantes, assim como a sua homogeneidade e o seu
equilíbrio internos. A antropologia virou-se assim para Ocidente. Posteriormente, a
antropologia dos “primitivos” e dos camponeses passou a ser uma antropologia “no” e “do”
espaço urbano e do urbanismo. Desta forma, a antropologia passou a ser uma ciência que
estuda qualquer problema sociocultural, em qualquer parte do mundo.

Em síntese, actualmente, podemos pensar a antropologia como uma disciplina que:

 Estuda a cultura inserida num contexto social.

 Estuda a conduta humana e o seu pensamento, no seu contexto social e cultural.

 Estuda as semelhanças e as diferenças entre as culturas: o que nos faz iguais e o que
nos faz diferentes, relativamente “ao (s) outro (s) ”.

 Estuda as formas de pensar, perceber e lidar com os múltiplos “outros”.

O que fazem os antropólogos?

 Trabalho de campo: Recolhem dados sobre a cultura e descrevem fenómenos


socioculturais. O trabalho de campo é uma metodologia, inventada por antropólogos,
que tem como base a integração no grupo humano estudado e como objectivo a
compreensão das suas pautas culturais. Neste contexto, a observação participante
emerge como a técnica de investigação fundamental, mas também como a atitude a
adoptar. A antropologia não é uma ciência do exótico, praticada por académicos
fechados numa torre de marfim: o antropólogo partilha muito tempo com as pessoas, a

14
falar, ouvir, observar, gravar, participar, escrever, anotar, perguntar, etc. O
antropólogo convive e partilha experiências humanas com as pessoas estudadas, como
o objectivo de traduzir a sua experiência. Ler sobre a batalha de Normandia não é o
mesmo do que ter participado nela.

 Comparam culturas: Comparam culturas com outras culturas, descrevendo as suas


semelhanças e diferenças.

 Interpretam as culturas: Interpretam a realidade humana, descobrem os seus sentidos e


significados e criam teorias socioculturais. Exemplos: a garrafa está meio cheia ou
meio vazia? O movimento do olho, é um tic ou um piscar de olhos a alguma pessoa?
Severo Ochoa distinguiu-se como um médico, chegando a ser “Prémio Nobel de
Medicina”. Durante a sua vida académica, reprovou a algumas disciplinas. O que é
que isto pode significar? a) Que um mau aluno chegou a ser prémio Nobel; b) que um
bom aluno pode reprovar...

 Aplicam a antropologia: Aplicam teorias, métodos e conhecimentos antropológicos,


para melhorar as condições de vida das populações (aplicação e aplicabilidade da
antropologia).

A antropologia: ciência ou arte?

A antropologia é, para alguns, uma ciência social que enfatiza a objectividade, a observação
sistemática e a explicação. De acordo com esta perspectiva, a ciência é entendida como um
modo de conhecer e de gerar afirmações sobre o mundo, mas também como uma forma de
contrastar as afirmações sobre a verdade do mundo. A ciência não é, porém, o único modo de
produzir conhecimento sobre o mundo. Segundo Wallace (1980) os modos de produção de
conhecimento podem ser classificados da seguinte forma:

A) Modo autoritário: Conhecimento por referência aos produtores, socialmente


qualificados. Exemplo: velhos, bispos e professores.

B) Modo místico: Conhecimento que se baseia na referência a um ser natural ou


sobrenatural. Exemplo: profetas, médiuns, deuses... Este tipo de conhecimento é
alcançável através de rituais como o transe.

C) Modo lógico - racional: Neste caso, a produção de conhecimento fundamenta-se


em regras da lógica formal; i.e. premissa A, premissa B, portanto, conclusão C. É a
aplicação do senso comum.

15
D) Modo científico: É um processo que implica testar os enunciados, através da
observação e dos dados produzidos, para alcançar generalizações empíricas e formular
teorias.

E se, para alguns, a antropologia é uma ciência social, para outros a antropologia é uma das
Humanidades. Nesta perspectiva, a antropologia enfatiza a subjectividade, o relativismo
cultural, a compreensão dos participantes e o significado que as acções socioculturais têm
para as pessoas. O antropólogo faz parte da etnografia que observa: é uma pessoa que estuda
outras pessoas, é um sujeito que estuda outros sujeitos humanos (objecto de estudo), o que
implica uma inter-subjectividade na forma de produzir o conhecimento. Sob este ponto de
vista, a antropologia pode ser considerada uma forma de arte. As leis da antropologia são
diferentes das Ciências Naturais, aproximam-se mais do “certum” do que do “verum”. A
antropologia pode atingir a objectividade? Podemos ser objectivos quando o sujeito de
investigação é a humanidade e o que esta tem de humano?

As ciências sociais e as ciências em geral não estão isentas de valores e de subjectividades.


Assim, por exemplo, um químico pode aplicar a química para construir uma bomba atómica
ou para curar o cancro. Portanto, não pode existir ciência sem consciência e sem uma ética
moralmente humanista. Outro exemplo é o do construtor de “futuro” Bill Gates: Gates
afirmou “A tradução por computador só é possível a um nível muito elementar. O
imprescindível exercício de interpretação fica reservado aos humanos” (Gates 1999).

No caso das ciências sociais, estas não podem chegar a ser puramente e absolutamente
objectivas. Todas elas podem utilizar ferramentas, mecanismos e instrumentos que objectivam
a intersubjectividade e a produção de conhecimento sobre a realidade humana. Portanto,
podemos afirmar que a antropologia é uma ciência social que, às vezes, actua
metodologicamente como se fosse uma arte.

A antropologia como espelho para a humanidade

A antropologia é um espelho para a humanidade, isto é uma “ciência das semelhanças e das
diferenças humanas” (Kluckhon 1944: 9), que da resposta ao dilema da convivência
intercultural entre pessoas com modos de vida diferentes. Esta preocupação pela diversidade
humana é uma das chaves da antropologia, pois ao observarmos os outros podemos ver-nos,
mais claramente, a nos próprios.

1.4 A Antropologia e os seus campos de conhecimento

16
As diferenças entre os vários campos da antropologia baseiam-se, essencialmente, nos
objectos de estudo e problemáticas de análise, mas também no que concerne às teorias,
métodos de estudo e tradições académicas concretas.

A. Antropologia Filosófica. O seu objecto de estudo é a pessoa humana como ser genérico;
aquilo que as pessoas têm em comum. Estuda generalidades e utiliza conceitos muito
abstractos. O seu método é geralmente introspectivo: dedica-se ao interior da pessoa humana
e trabalha sobre “o conceito do conceito”.

B. Antropologia Física. Estuda a evolução biológica humana, isto é, a relação entre a


evolução biológica e a cultural; utiliza métodos como a paleoantropologia (estudo dos
antepassados humanos; é uma tentativa de desvelar a evolução biológica dos humanos, desde
o primeiro momento do aparecimento dos primatas até aos nossos dias), a antropometria
(medições anatómicas), a anatomia comparativa (estudo comparativo de fósseis humanos) ou
a raciologia (classificação das raças humanas). Actualmente, utilizam métodos próprios da
genética molecular para distinguir aos primatas dos humanos. Nos E.U.A., e relativamente a
este uso da genética molecular, os antropólogos físicos preferem ser chamados “antropólogos
biológicos”.

C. Antropologia Sociocultural. Estuda as diferenças entre humanos e animais (os humanos


criam e têm culturas).

C.1. Antropologia Cultural. É uma terminologia norte-americana. O seu fundador Franz


Boas, um alemão emigrado aos E.U.A. que converteu a museística (etapa prévia à
antropologia cultural) norte-americana em ciência. Boas formou-se numa escola neokantista e
o seu esquema teórico de referência é o da Ilustração. A Ilustração da Alemanha reage,
teoricamente, ao mundo medieval (teocentrismo: Deus centro de todo), e propõe como
alternativa o antropocentrismo (o humano como centro do mundo). O objectivo era
ultrapassar os esquemas das crenças para chegar aos esquemas da razão. É preciso converter o
ser humano num ser científico. Para a Ilustração alemã o ser humano é duplo:

a) Por um lado, comparte características biológicas com o resto dos seres vivos. É
necessário, portanto, uma ciência que estude os humanos como um animal, a
antropologia física.

b) Por outro lado, os humanos são capazes de elaborar coisas que os animais não
podem criar: a linguagem, a tecnologia, símbolos, etc. Este conjunto de coisas que
os humanos produzem e aprendem, enquanto membros de uma sociedade, é aquilo

17
que os alemães chamam “KULTUR” (cultivar: algo que só podem fazer os
humanos). O estudo da “kultur” é a antropologia cultural.

Quando Franz Boas chegou aos E.U.A., empenhou-se em divulgar estas ideias, definindo a
antropologia cultural, no sentido de obras materiais e espirituais especificamente humanas.

C.2. Antropologia Social. É um termo que nasce no Reino Unido, depois de superar,
igualmente, uma fase museológica. Para os britânicos, a referência não foi a Ilustração, mas o
francês Emile DURKHEIM que elaborou um modelo de pensamento de reacção á Ilustração.
Segundo Durkheim, se queremos estudar os seres humanos, não podemos basearmos,
exclusivamente, nos seus produtos, porque os produtos são determinados pela sociedade em
que esses produtos são criados. Nada garante que os produtos culturais continuam a ter a
mesma significação que tinham aquando da sua elaboração e utilização. Portanto, não é
possível estudar os produtos humanos sem estudar a sociedade que os gera. Caso contrário,
não teríamos garantias de conhecer o sentido e significado desses objectos ou produtos
culturais. A antropologia social britânica defendeu que era necessário estudar, primeiramente,
a sociedade, para depois fazer uma análise dos produtos humanos (“kultur”). Esta perspectiva
sublinha mais alguns conceitos como os de: estrutura social, instituição familiar, formas de
organização política e económica, controlo social, etc.

Na actualidade, a diferença não existe na prática, pois os antropólogos estudam tanto as


relações sociais, como os produtos culturais. A única diferença que pode surgir relaciona-se
com uma questão de ordem. Estamos perante o que denominamos por antropologia
sociocultural.

D. Antropologia Aplicada. A contribuição da antropologia, para as culturas que estuda, tem


sido muito importante. O reconhecimento do seu serviço público motivou a origem de uma
outra subdisciplina, a antropologia aplicada que trata da aplicação de dados, teorias,
perspectivas e métodos antropológicos para identificar, avaliar e resolver problemas sociais
contemporâneos. Algumas das suas áreas são: a saúde e a enfermagem; a planificação
familiar; o desenvolvimento económico; a animação sociocultural. Neste sentido, a
antropologia aplicada estuda a cultura, para depois elaborar projectos de acção, intervenção e
mudança cultural, dentro de um sistema de referência concreto.

1. 5 Etnografia, Etnologia, Antropologia

De acordo com o antropólogo Claude Lévi Strauss (1992) há três níveis de interpretação das
culturas:

18
1º. Etnografia: simples descrição e narração da cultura.

 Etno: cultura, costumes,...

 Grafia: escrever, descrever,...

 Exige investigação de terreno com observação directa.

 A etnografia é uma retórica que constrói a realidade, a partir de uma reflexividade


dialógica entre o antropólogo e os humanos estudados.

2º. Etnologia: Nível da procura de razões e comparações de costumes e culturas. Não se


relega à mera descrição dos factos.

 Etno: Costumes...

 Logia: razão, tratado de...

 Classifica povos, de acordo com as suas características culturais, e explica a


distribuição de traços culturais.

3º. Antropologia: Nível de interpretação global e holística (a totalidade da experiência


humana: biologia, cultura, história, economia...) dos fenómenos culturais.

 Estuda o comportamento sociocultural (ex: através de instituições como a família, os


sistemas de parentesco, a organização política, os rituais religiosos, etc.) de grupos
humanos passados e presentes.

 Estuda as regularidades e regras culturais da vida em sociedade.

Na realidade, estes três níveis convergem e interagem. Mas, no que concerne ao processo de
investigação, ensina-se os alunos que este se deve iniciar com a etnografia, seguindo-se a
etnologia e, depois, a antropologia. Na França, o termo “Etnologia” e o termo “Antropologia”
são sinónimos, embora esta acepção não esteja isenta de controvérsia: o antropólogo Claude
Lévi-Strauss defendeu que estes conceitos não eram sinónimos, afirmando que a etnologia
procurava estudar os sentidos de uma cultura de uma área particular e que a antropologia
procurava os sentidos dos comportamentos culturais comuns a toda a humanidade.

1.6. Os enfoques sectoriais

Dentro da antropologia sociocultural, há uma série de enfoques de abordagem ou


subdisciplinas. Estes procuram estudar, em profundidade, algumas dimensões do
comportamento humano:

19
 Os humanos vivem em meios ecológicos diferentes que afectam aos comportamentos
culturais. A subdisciplina que trata das relações entre os humanos e o meio ambiente é
a “Antropologia Ecológica”.

 Além disso, os humanos necessitam produzir uma série de bens para a sua subsistência
e consumo: esta é a perspectiva da “Antropologia Económica”.

 Os humanos necessitam de regras e formas de organização para viver: as regras e


organizações políticas são estudadas pela “Antropologia Política”.

 O mundo simbólico e cognitivo é estudado pela “Antropologia Cognitiva e


Simbólica”.

1.7 Relação entre a Antropologia e a Educação

A antropologia possui um vasto potencial para o trabalho em educação. Os trabalhos de


campo em que estas áreas são relacionadas podem ser vinculados em diversas vertentes das
quais podemos destacar, pelo menos três: Educação em Antropologia, Antropologia da
Educação e Antropologia Educativa.

Educação em Antropologia é a que se desenvolve pela maioria das disciplinas científicas que
consiste na difusão em distintos níveis e modalidades dos saberes produzidos pela
Antropologia. Antropologia da Educação é a que se relaciona com as abordagens que a
Antropologia pode realizar aos efeitos de conhecer melhor a realidade de âmbito da educação,
mediante a utilização de marcos teóricos, metodologias e técnicas características, e a posterior
reflexão sobre a informação obtida. Antropologia Educativa surge com vista a gerar um tipo
de educação que incorpore não só conhecimentos provenientes da antropologia, senão
também esse olhar antropológico que permita aos educadores e educandos desenvolver
saberes e práticas que superem as perspectivas habitualmente etnocéntricas e/ou
discriminatórias presentes em cada cultura.

A Antropologia da Educação é uma subdisciplina da antropologia cultural que resulta do


interesse dos antropólogos pelos processos educativos. Por processos educativos entende-se
como sendo aqueles mediante os quais cada grupo transmite a sua cultura, ou seja, processos
de transmissão da cultura. Assim sendo, a antropologia da educação constitui-se a partir da
preocupação do antropólogo pela cultura (objecto de estudo da antropologia cultural) e,
consequentemente, pela forma em que esta se transmite e se adquire de geração em geração.

20
Poder-se-ia definir, então, como o estudo antropológico dos processos de ensino e
aprendizagem da cultura.

As três áreas actuam como marco quando se procura implementar acções que buscam
alcançar alguns dos seguintes:

 Contribuir ao conhecimento da Cultura através de uma visão Antropológica.


 Criar espaços de trabalho a favor do entendimento, o respeito e a aceitação das
diferentes culturas.

 Investigar e difundir temáticas da nossa cultura e sociedade.

 Diligenciar projectos artístico-culturais para a promoção de artísticas e espectáculos


locais.

 Implementar projectos e actividades educativas em diferentes áreas do meio.

 Assessorar e apoiar projectos educativos provenientes de centros de ensino.

 Inovar em matéria de actividades museológicas, incorporando espaços educativos e


novas metodológicas na abordagem de temáticas propostas.

A Antropologia da Educação é uma subdisciplina da antropologia cultural que se justifica no


interesse dos antropólogos pelos processos educativos. Esses processos são entendidos como
aqueles mediante os quais cada grupo transmite a sua cultura, ou seja, processos de
transmissão da cultura. Assim, a antropologia da educação constitui-se a partir da
preocupação do antropólogo pela cultura (objecto de estudo da antropologia) e,
consequentemente, pela forma em que esta se transmite e se adquire de geração. Poder-se-ia,
então, definir a Antropologia da Educação como o estudo dos processos de ensino e
aprendizagem da cultura.

No estudo da Antropologia da Educação, uma das questões que se coloca tem a ver com o
para quê conhecer a escola. A perspectiva de responder a esta questão indica a necessidade da
criação da capacidade para precisar os limites razoáveis das transformações, bem como o
trabalho activo na direcção do reconhecimento das contradições.

21
1.8 Relação da Antropologia Cultural com as outras ciências humanas e sociais

O estatuto epistemológico das ciências humanas e sociais - As Ciências Sociais aparecem,


enquanto exercício profissional, no sec. XIX. Este aparecimento não se dá por acaso, uma vez
que é nessa altura que se consolida a sociedade burguesa e a modernidade e que aparecem
novos problemas na relação entre o indivíduo e o grupo.

As Ciências Sociais e Humanas têm em comum a relação entre sujeito (humano) e objecto
(humanos) de estudo, o que implica falar de um estatuto epistemológico próprio, diferente do
das ciências naturais. Esta postura não se encontra, porém, isenta de um forte debate científico
que remonta à origem das ciências humanas e sociais. Durkheim considerava que as ciências
humanas e sociais deveriam imitar as ciências naturais e considerar os fenómenos sociais
como naturais. Esta perspectiva resume-se na expressão durkheimiana: “os factos sociais
como coisas” (Durkheim: 1995). Autores como Dilthey (1839-1911), Max Weber (1864-
1920) e Peter Winch defenderam, contrariamente, que as ciências sociais deveriam ter um
estatuto epistemológico próprio, porque a acção humana é radicalmente subjectiva. Para estes
autores, situados numa linha “compreensiva”, as ciências sociais devem compreender os
fenómenos sociais, a partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas
acções. Daí que devamos utilizar métodos diferentes das ciências naturais, basicamente
qualitativos e indutivos. Portanto, o auto-conhecimento e o conhecimento intersubjectivos
caracterizariam as ciências humanas e sociais, desde o ponto de vista epistemológico. Dilthey
chegou a afirmar que as ciências sociais devem centrar-se não nas causas dos fenómenos
sociais, mas nas representações, sentimentos e interpretações dos mesmos.

Karl Popper foi um participante importante neste debate: afirmou a inexistência de oposição
entre as ciências humanas e sociais. Para ele, a verdadeira oposição existe entre ciências
empíricas e os sistemas metafísicos. Ao contrário da metafísica, a ciência caracterizar-se-ia
por submeter as suas proposições e teorias à falsidade (refutação). Embora esteja consciente
de que a ciência é sempre provisória, Popper reconhece o direito da mesma a procurar leis
gerais. Esta validade limitada significaria pensar o conhecimento científico não como uma
verdade irrefutável e absoluta, mas como um conhecimento –“certum” - validade limitada.

Kuhn, em oposição a Popper, distinguirá as ciências paradigmáticas (ciências naturais) das


ciências pré-paradigmáticas (as ciências sociais). Porquê? Segundo este autor, não existe um
paradigma sobre a natureza humana que seja aceite por toda a comunidade científica. Isto
significa uma clara diferença relativamente às ciências humanas e sociais pois, se bem que

22
paradigmas como os de Newton ou os de Einstein (relativismo) tenham sido aceites por todas
as ciências naturais, em ciências humanas, a diversidade de teorias e princípios sobre a
natureza humana é tão ampla que não nos permite falar de paradigma. Paradigma é entendido
como o conjunto de teorias e princípios sobre a estrutura e a natureza das coisas; conjunto
aceite, por unanimidade, por toda a comunidade científica. Sem entrar a fundo nesta discussão
sobre pré-paradigmas e paradigmas (não é este o objectivo desde tema), é, porém, importante
situar as ciências humanas e sociais, nomeadamente a antropologia na organização da
produção social do saber.

A postura, mais ligada ao conhecimento humanístico compreensivo, é a seguinte:

1. Temos que reconhecer que existem outras formas de conhecimento – arte, poesia,
literatura, fotografia. – Com legitimidades diferentes.

2. A realidade constrói-se socialmente através de processos históricos.

3. Os humanos são seres significantes, que dotam de sentido tudo o que fazem, pensam e
dizem. Os objectos são conhecidos, através da meditação do sujeito e da sua
linguagem.

4. A verdade absoluta não existe, apenas existem algumas certezas – certum. Isto não
significa que se pode controlar, cientificamente, a subjectividade característica das
ciências humanas.

5. Todo conhecimento científico está exposto a princípios éticos e valores. Os resultados


de uma investigação científica deveriam responder a duas questões: para quem
servem? para quê? Não têm o mesmo valor ético o químico que trabalha na criação de
uma bomba atómica e o que trabalha para descobrir uma medicina que cure o cancro.

6. É impossível publicar um livro de ciências sociais que não influa, dalguma maneira,
na sociedade.

7. Qualquer realidade social não pode ser entendida apenas através da quantificação
matemática. Questões como a felicidade, a tristeza, a dor, os sentimentos, os afectos
não podem ser reduzidas a uma quantificação.

O que distingue as ciências humanas e sociais é, portanto, o seu estatuto epistemológico


próprio. No entanto, a relação intersubjectiva com o objecto de estudo também pode
determinar algumas diferenças. Braudel (1976) afirma: “O que muda é o observatório, a
paisagem é sempre a mesma”.

23
Qual é o papel e o estatuto da antropologia em relação às outras ciências sociais e humanas?

Anedota:
-Qual é a diferença entre um antropólogo, um sociólogo e um
jornalista?
-Resposta: O antropólogo anda a pé ou de bicicleta, o
sociólogo sempre de carro e o jornalista de avião.
A anedota anterior pode representar, metaforicamente, as várias abordagens metodológicas
que as diferentes ciências humanas e sociais apresentam, em relação ao seu objecto de estudo.
Mas, na prática, produz-se um entrecruzamento de métodos e empréstimos teórico-
conceptuais. Muitas subdisciplinas comunicam intensamente entre si.

A Antropologia e a Psicologia

No seguinte quadro, podemos observar, detalhadamente, a relação entre a antropologia e a


psicologia:

Indivíduo Sociedade Cultura


Indivíduo Psicologia Psicologia Social Antropologia Psicológica
Sociedade Sociologia e Antropologia Antropologia Sociocultural e
Social Sociologia
Cultura Antropologia Cultural

Antropologia Psicologia
 A realidade social assenta numa  Identifica os traços psicológicos do
realidade psicológica e biológica – indivíduo e explica os processos e
bioquímica-. mecanismos psíquicos intra-orgânicos.
 O humano não se reduz só ao psicológico  Conceitos: impulso, repressão, reflexos,
(ex.: atracção sexual entre duas pessoas). condicionamentos, ego, personalidade,
 Experiencialismo. motivação...
 Estuda como o cultural e o social  Método: experiências de laboratório,
modelam o psicológico e vice-versa. testes psicométricos, ...
 “Facto social total” (Marcel Mauss). A  A psicologia experimental tenta
antropologia pratica uma integridade na determinar as bases psicológicas da
análise sociocultural. O biológico é um conduta individual.
aspecto humano com sentido, que actua,  Tenta descobrir um humano abstracto
através da cultura na sociedade. existente em todas as culturas.

24
 “Choque cultural”.  PSICOLOGIA SOCIAL: estuda como o
psicológico modela o social.

A Antropologia e a Sociologia

Anedota: Um antropólogo é capturado por uma tribo de canibais que o colocam numa
panela gigante juntamente com batatas, sal, legumes... Pouco depois, o antropólogo grita:
“Mais batatas, mais legumes...” (O antropólogo tinha começado a comer tudo)

Antropologia» «Sociologia
 Nasceu como uma espécie de -Sociologia de “nós” e do nosso.
“sociologia dos outros” e dos
“primitivos”. -Os factos sociais explicam-se em função
 Inicialmente pensada como uma de outros factos sociais (Durkheim).
microsociologia e uma sociologia
comparada (Radcliffe-Brown). -Objecto de estudo:
 Tem uma epistemologia própria. 1. O comportamento social de um

 Os “outros” foram incorporados no grupo humano, de acordo com as

“nós” e o objecto de estudo entrou variáveis: idade, sexo, profissão,

em crise, diversificando-se. classe, prestígio, papel, mudança,...

 A antropologia não é uma parte da 2. A sociedade em si mesma.

sociologia: pensar desta forma seria 3. A sociedade em geral e as suas leis

uma ingenuidade. Os factos, gerais.

estudados pelos antropólogos, não 4. A sua própria sociedade.

podem ser exclusivamente


considerados sob uma perspectiva -Conceitos: estrutura social, relações

social. Ex.: a religião não cumpre, sociais...


apenas, funções sociais: o problema
não se esgota aí. -Métodos: inquéritos, entrevistas…
(recorre mais aos métodos quantitativos do
 Objecto de estudo:
que a antropologia) (utiliza com maior
1. Estuda a cultura humana e a forma
frequência a observação exterior e os
como esta é vivenciada, em
estudos macro).
sociedade.

25
2. Estuda culturas e etnias, dentro da -Mais a histórica e presentista.
sociedade.
3. Estuda culturas diferentes. -Muitos empréstimos conceptuais e
 Métodos: observação participante; teóricos à antropologia e vice-versa.
entrevistas em profundidade;
comparação – histórica e diversidade  Fala das pessoas em seu nome.
cultural; compreensão holística, para
desvendar aspectos essenciais da
vida humana muitas vezes
inconscientes. Estudos mais micro.
 Teorias e conceitos diferentes. Ex:
relativismo cultural,
etnocentrismo,...
 Conhecimento dos outros e de nós
mesmos. Finalidade: descobrir a
natureza humana.
 Mais histórica.
 Deixa falar as pessoas, escuta-as e
dá-lhes voz.
 Implica um modo de estar com as
pessoas.
 Tem em conta as teorias nativas.

Antropologia Sociologia

Interesse pelo qualitativo Mais interesse pela medição quantitativa.

Observação participante de práticas Método típico do inquérito estatístico, por


declaradas e práticas efectivas questionário fechado. Técnica da

26
objectividade oficial, comprovativa da
separação entre sujeito e objecto.

A Antropologia e o Direito
Antropologia e Direito
 Os primeiros antropólogos eram advogados.
 B. Malinowski: Crime e Costume na Sociedade Selvagem. Esta obra é dedicada à
lei.
 Paul Bohanan: Tiv (Nigéria). É outra obra sobre a criação de leis na cultura tivs.
A Antropologia e a Geografia

Antropologia e Geografia
 As semelhanças entre estas duas disciplinas foram evidentes, desde Franz Boas,
nomeadamente desde a publicação da sua teoria do “determinismo geográfico”
(inspirada em Ratzel) e do determinismo geográfico-climático. Boas aplicou esta
teoria nos seus estudos sobre os esquimós do Canadá.
 As semelhanças destas duas ciências passam também pelo uso e criação de
mapas, como representação do espaço e do território. Os mapas e os relatórios
geográficos são apoios logísticos fundamentais na investigação antropológica.
 Conceptualmente, são importantes os paralelismos entre “área cultural” (Cf.
Brown: 2001) e o conceito geográfico de “região”, mas também o de “fronteira”.
Este último conceito foi utilizado, pela primeira vez em antropologia, por Clark
Wissler, em 1918, no seu estudo sobre a fronteira entre os colonos e os indígenas
dos EUA.
 Em termos teóricos, as influências entre estas disciplinas foram mútuas, desde há
muito tempo. Por exemplo, a teoria do lugar central do geógrafo Walter
Christaller influenciou a antropologia. Em antropologia, a preocupação por uma
análise do espaço está bem representada pelo antropólogo E.T. Hall que estudou
a forma como as pessoas utilizam culturalmente o espaço. As geografias pós-
modernas, como por exemplo os trabalhos de Eduardo Soja, incidem muito na
antropologia urbana.
 Apesar das semelhanças, também existem diferenças conceptuais, teóricas e
metodológicas. O trabalho de campo antropológico é específico da antropologia.
A geografia tende a realizar, sobre o terreno, uma observação mais exterior dos

27
fenómenos sociais.

A Antropologia e a História
Antropologia e História
 Os antropólogos evolucionistas e difusionistas (século XIX) fizeram uma
história especulativa e conjectural.
 Os antropólogos funcionalistas tenderam a excluir a história e aproximaram-se
da sociologia.
 A antropologia marxista recuperou a história.
 Metodologicamente, há muitas aproximações: trabalho de campo antropológico
e história oral. Actualmente, os antropólogos também trabalham com
documentação escrita.
 A Antropologia histórica trabalha com documentos e memórias orais. A História
tende a dar maior importância aos documentos escritos.
 A antropologia tenta compreender as relações entre passado, presente e futuro,
que podem convergir metaforicamente no presente. A história tende a
reconstruir, eventualmente, o passado.
 A antropologia interpreta as representações do passado, as amnésias e os
esquecimentos.

Antropologia (Sec. XVI-XIX) História (Sec. XVI-XIX)


Nasce do encontro do Ocidente com Sociedades “civilizadas”
sociedades não ocidentais, “selvagens”,
“bárbaras”.
Sociedades sem escrita, dominadas pela
oralidade.

Antropologia (Sec. XIX) História (Sec. XIX) Sociologia (Sec. XIX)


Práticas culturais não Estudava a “civilização” Sociedades urbanas e
ocidentais. “Sobrevivência” europeia ocidental (com industriais ocidentais.
das instituições que teriam modos de vida baseados no Também estudaria alguns
existido na Europa, há Estado e na escrita). aspectos das sociedades não

28
séculos. (a Europa teria ocidentais (urbanismo,
evoluído para a Civilização). indústrias, poder).
A antropologia estudava o
exotismo da Índia, do Japão
e da China.

Segundo o antropólogo Maurice Godelier (1996: 13), as pontes entre antropólogos e


historiadores foram feitas em trabalhos de “etnohistória” e “antropologia histórica”. Qual o
trabalho do antropólogo, relativamente à história? Godelier (1996: 22) responde a esta
questão:

... de vuelta a la práctica del antropólogo, cuya tarea consiste en reconstruir las
genealogías, y a través de las genealogías las historias de clanes y familias, y las
historias de vida, ya sea de individuos ilustres o de hombres y mujeres ordinarios de
los que há permanecido la memoria. Recordemos que, en función de cual sea la
sociedad de la que tratemos, la memoria genealógica puede variar entre un mínimo
de tres generaciones más allá de nuestro informante (es decir la generación de sus
abuelos y la de sus bisabuelos) hasta un máximo de quince. Pues bien, tres
generaciones corresponden a cien años, lo que significa que cuando un antropólogo
desarrolla una investigación no solamente se enfrenta a los acontecimientos
contemporáneos, sino que se sumerge en una duración de más de un siglo...

Há que considerar que, hoje, existe uma certa convergência metodológica, mas também uma
necessária interdisciplinariedade. Segundo o antropólogo Ulf Hannerz (1979: 3-4), “as
fronteiras disciplinares não se devem tornar vacas sagradas”.

Persistem, no entanto, algumas diferenças, muitas vezes mais ligadas a identidades


corporativas de organização académica e profissional do saber, utilizadas para uma conquista
dos mercados de emprego.

A Antropologia e a Filosofia

Para alguns autores, a origem da antropologia encontra-se na filosofia grega. Os contributos


da filosofia foram e são muito importantes para a antropologia. A filosofia contribuiu para a
reflexão sobre as condições de produção do conhecimento antropológico, enquanto problema
epistemológico. A filosofia deu azo à análise antropológica (por exemplo, a filosofia
hermeneútica de Gadamer - 1992). A filosofia também chamou a atenção da antropologia

29
para a forma como os seres humanos pensam e apreendem. A filosofia deu um grande
contributo para o pós-modernismo. Sobre esta questão, recomendamos a magnífica obra do
antropólogo Adolfo Yañez Casal (1996).

A diferença entre antropologia e filosofia e antropologia é também metodológica, assim a


filosofia tende a ser mais dedutiva e a antropologia mais indutiva e com base empírica.

Actividades

1. Explique o termo Antropologia através .


2. Fale da génese e evolução da antropologia, como ciência sistematizada.
3. O que distingue a Antropologia das outras ciências sociais, tais como:
a) A História?
b) A Sociologia?
c) A Geografia?
d) O Direito?
e) A Filosofia?
4. O que significam os termos Etnografia, Etnologia e Antropologia?
5. A antropologia estuda o fenómeno humano no seu todo, estuda o homem como um ser de
relação e de coexistência, nas suas dimensões biológica, social e Cultural.
a) Qual é o objecto de estudo da Antropologia.
b) Refira-se das técnicas de colecta de dados em pesquisa antropológica.
6. O que distingue a antropologia de outros ramos de saber?
7. Explique a relação que existe entre a Antropologia com a Educação.

30
Unidade 2
Métodos e princípios do método de Antropologia Cultural

2.1 Introdução

Esta unidade temática apresenta conteúdos relacionados com a investigação antropológica.


Aqui, você irá familiar-se com a maneira como os antropológos trabalham e para isso
focaremos os seguintes conteúdos: O processo de uma investigação antropológica; O método
etnográfico (o trabalho de campo); Técnicas de investigação antropológica; A observação
participante; Os discursos “emic” e “etic”; O antropólogo em contextos urbanos; A ética do
trabalho de campo e A escrita antropológica.

2.2 Objectivos

Com esta unidade pretende-se que você seja capaz de:

 Compreender o o método etnográfico como uma das características distintivas da


antropologia.

 Ser capaz de reflectir e discutir sobre o trabalho de campo antropológico como


experiência distintiva da antropologia.

 Conhcer as técnicas de investigação antropológica..

2.3 O processo de uma investigação antropológica

O processo de investigação antropológica obedece a um modo de abordagem dos problemas


socioculturais e às suas respostas. Toda investigação antropológica obedece a um projecto de
investigação explícito ou implícito, daí a importância de pensar e realizar um desenho da
investigação. Este projecto deve adaptar-se ao terreno e problema de investigação e não
sempre ao contrário ou de uma forma rígida.

Destacar que o método de investigação antropológica é particular da antropologia e distingue


à mesma, isto não quer dizer que a antropologia não partilhe com outras ciências a utilização
de determinadas técnicas. Estas são algumas das especifidades do processo de investigação
em antropologia:

1. Escolha da área de estudo e da temática ou abordagem.

31
2. Documentação e literatura sobre essa área e a perspectiva teórica escolhida.

3. Estudo da fala local, autorizações, vacinas (ex.: contra a malária ou paludismo, febre
amarela, ...), material necessário, etc.

4. Traslado, contacto, convivência, entrada no terreno.

Projecto de investigação:
1 Perguntas de partida
2. Exploração:
a) Revisão bibliográfica.
b) Entrevistas e reuniões exploratórias.
Nesta fase o objectivo é encontrar pistas de reflexão, ideias e hipóteses de trabalho, mas não
verificar hipóteses a priori, pois ainda não tem havido observações sistemáticas da
problemática de estudo.
3 Problemática:
 Perspectiva teórica: (i.e.: antropologia simbólica e interpretativa)
 Quadros conceituais da investigação: (ex.: tempo linear, tempo cíclico, actor,
cenário, bastidores, espaço publico, espaço privado, festa, catarse, estrutura social,
ritual, performance,... )
4 Construção do modelo de análise:
 Articular conceitos e hipóteses: indicadores Þ componentes Þ dimensões Þ
conceitosÞ hipóteses Þ refutabilidade
5 Observação:
a) Que observar?
b) Em donde observar?: o campo de análise (unidades de observação), a amostra
c) Como observar? : instrumentos de observação (inquéritos, ...)
Desenhos brandos (mais indutivos):
 Baseados na etnografia (observação participante, trabalho com informantes chave) e
em métodos qualitativos.
 Melhor para contextos com obstrução, programas com metas menos definidas ou
especialmente complexas e diversas, re- orientações dos programas e circunstâncias
de rápida mudança.
Desenhos duros (mais dedutivos):
 Com grupos controlados.

32
 Com programas de objectivos claros e medíveis facilmente.
 Para produzir uma avaliação final.
 Investigação rápida para a tomada de decisões (Uma investigação tardia é uma mau
investigação).
6 Análise das informações: interpretar os dados.
7 Conclusões.

No desenho da investigação é fundamental a redacção de um projecto de investigação, pois o


que não se escreve corre o risco de desaparecer. O projecto serve para orientar, definir e
redefinir a investigação. É muito importante fazer uma revisão crítica da bibliografia
existente, podendo assim esclarecer o estado de conhecimento ou “estado da arte” sobre o
assunto abordado. Devemos ler o que outros já escreveram sobre o assunto, sobre métodos de
investigação e de análise, sobre teorias e modelos de análise. Aqui abaixo podemos encontrar
um pequeno guião para a redacção de um projecto de investigação:

Estrutura de redaccão de um projecto de investigação


1 Introdução
2 Formular o problema de investigação
2.1. Estado da questão
2.2. Modelo teórico
2.3. Hipóteses ou objectivos
3 Contexto da investigação
3.1. Unidades de análise
3.2. Contexto geográfico
3.3. Período cronológico estudado
4 Esquema do trabalho
5 Metodologias e técnicas
6 Planificação do trabalho
6.1. Plano de trabalho e calendário
6.2. Membros da equipa de trabalho
6.3. Orçamento
7 Bibliografia
8 Anexos
33
2.4 O método etnográfico: o trabalho de campo

O trabalho de campo antropológico é o que diferencia a antropologia, é o que o a sangue dos


mártires para a Igreja Católica (Velasco e Díaz de Rada, 1997). O trabalho de campo é um
método de investigação sóciocultural, um conjunto de procedimentos e regras para produzir e
organizar conhecimento, e que integra (Velasco e Díaz de Rada, 1997):

a) Uma situação metodológica que implica “estranhar-se, ter curiosidade, descrever


densamente, traduzir e interpretar” a realidade sociocultural com a qual lidamos. Nesta
situação de encontro com outros conhecemos os seus problemas, as suas percepções, o
seu comportamento e os seus modos de vida nos seus próprios términos.

b) Um processo de conhecimento com base numa estadia no terreno, através da qual


estuda os significados socioculturais no seu contexto.

c) Uma experiência de contacto intercultural com o fim de conhecer a alteridade.


Partimos da ideia de que há diferentes maneiras de fazer trabalho de campo.

Portanto, o trabalho de campo antropológico não é uma simples técnica de investigação ou um


instrumento de recolha primária de dados, é algo mais.

A invenção do trabalho de campo

O trabalho de campo é também um ritual de passagem da tribo antropológica que tem os seus
heróis e os seus mitos (ex.: mito fundador de Malinowski). Um dos primeiros antropólogos
que aplicou o método etnográfico foi Lewis Morgan nos EUA, em concreto em 1859, quando
estudou várias “tribos” de Nebraska e Kansas. Na Inglaterra antropólogos como James Frazer
(autor de “O Ramo Dourado”, 12 volumes) quando foi perguntado se alguma vez na sua vida
fez trabalho de campo e se conhecera algum “selvagem”, ele respondeu: “Deus me livre,
nunca jamais,...” . Apesar de que já Rivers propunha no seu “Notes and Queries in
Anthropology” algumas recomendações sobre como seguir os ciclos de vida da comunidade
estudada –o género monográfico-, foi B. Malinowski (1973) quem sistematizou nos anos
1920 o método etnográfico de trabalho de campo, na sua obra sobre “Os argonautas do
Pacífico Ocidental”.

Malinowski (1973) converteu-se em uma espécie de herói para a antropologia e a sua obra
“Os Argonautas do Pacífico Ocidental” num mito. Nesta obra, este traduz parte do trabalho de
campo feito na Nova Guiné, concretamente nas Ilhas Trobriand, donde viveu com os nativos

34
durante dois anos, aprendendo a conviver com eles, a sua língua e os seus costumes. As
recomendações que ele dá sobre o trabalho de campo, foram muito importantes para a
antropologia, convertendo o trabalho de campo num ritual de passagem da tribo antropológica
(Velasco e Díaz de Rada, 1997: 19). Desta obra de Malinowski, o mito fundador do trabalho
de campo, podemos destacar algumas ideias chave para reflectirmos sobre o trabalho de
campo:

 Ver os dados como capazes de configurar uma teoria.

 Dar um esquema claro e coerente da estrutura social.

 Destacar as normas culturais.

 Estudar os fenómenos quotidianos e os extraordinários.

 Um antropólogo deve expor que dados foram obtidos das suas observações directas, e
quais das indirectas.

 O antropólogo deve recolher os relatos dos informantes, documentos e dados de


observação do comportamento.

 O diário de campo é um instrumento necessário no qual devem constar:


peculiaridades, repetições no comportamento, situar o acto nas suas coordenadas,
descrever actores, espectadores, sítio. Também é necessário participar na vida social.

 É preciso ter em conta: a mentalidade, as conceições nativas, as formas de expressão,


as ideias, os sentimentos, os móbiles, os actos impostos pela costume, ...Mas sobre
todo o que sentem e pensam em quanto membros de uma comunidade determinada
(Malinowski, 1973: 40).

 É preciso citar as declarações nativas, e aprender a língua nativa.

Apesar de que Haddon introduz o termo de “trabalho de campo”, derivado do discurso


naturalista, na antropologia britânica, Malinowski descobriu uma nova forma de fazer
trabalho de campo através do seu novo comportamento no campo. O seu primeiro trabalho de
campo tinha sido também nas Trobriand, mas em Mailu. Neste terreno tinha seguindo o
método de recolha total da cultura do “Notes and Queries”, realizando um informe
etnográfico hsitorcista e evolucionista, uma etnografia de varanda com intérprete e entrevistas
e uma estadia curta (2 meses) e superficial (Alvarez Roldán, 1994).

35
Não foi por acaso que Malinowski faz trabalho de campo nas ilhas Trobriand, pois ali tinha
trabalhado o seu mestre, o antropólogo Seligman. No seu segundo trabalho de campo, o que
depois o convertiria num antropólogo de prestígio, ele permanece em Kiriwina, onde muda a
sua atitude no terreno, criando assim o que conhecementos como trabalho de campo
malinowskiano (Álvarez Roldán, 1994):

1. Longo tempo entre os nativos.

2. Investigação centrada em temas específicos.

3. Estudou o presente e não o pasado.

4. Aprendeu a língua nativa.

5. Observou a vida quotidiana e as instituições nativas.

6. Mudou o estilo da escrita etnográfica.

Parece ser que ficou nas ilhas Trobriand muito tempo pelo tipo de comunidade que encotrou,
isto é, materlinear e com chefaturas. Será em Kiriwina onde elabore informes etnográficos
sincrónicos e funcionalistas (Malinowski, 1973). Em Kiriwina vai permanecer uma longa
estadia e aprende a língua nativa para entender o significado nativo, sem conformar-se com
chegar a encontrar uma equivalência verbal em outras línguas. É assim que Malinowski
inventa o método etnográfico (Álvarez Roldán, 1994) quebrando assim a anterior separação
entre a recolha de dados e a teoria elaborada por outros, e convertendo o antropólogo num
autoinstrumento de investigação (Velasco e Díaz de Rada, 1997: 21).

O trabalho de campo como método

Um método é um conjunto de princípios que orientam a selecção do objecto de estudo, a


formação dos conceitos apropriados e as hipóteses. Todo método é um caminho para chegar a
algum sítio de uma maneira certa. A metodologia é um conjunto de procedimentos e regras
para produzir conhecimento e está interligada com o enquadramento teórico global. Portanto é
algo mais que uma técnica ou um conjunto delas. As técnicas de investigação são os
procedimentos operativos e os instrumentos para produzir dados (i.e.: questionários, histórias
de vida, inquéritos, entrevistas, etc.). Esses dados servem para compreender os fenómenos,
para captar as relações entre os fenómenos e a intencionalidade das acções sem permanecer na
parte exterior (só descrição de fenómenos).

O método dos antropólogos é o trabalho de campo etnográfico, através do qual se faz


etnografia. De acordo com este método, o antropólogo converte-se no principal instrumento

36
de recolha de dados, é por tanto uma inter-subjectividade entre observador e observado. A
etnografia é a descrição do comportamento, das ideias, das crenças, dos valores, dos
elementos materiais, etc. quotidianos e espontâneos de um grupo humano. A etnografia tem
em conta 3 aspectos:

1. O que as pessoas dizem.

2. O que as pessoas fazem.

3. O que as pessoas pensam que se deveria fazer.

Como definimos mais acima, o trabalho de campo pode ser considerado como: a) uma
situação metodológica de encontro intercultural; b) um processo; c) uma experiência que
diferença à antropologia. Dai que possa haver diferentes formas de fazer trabalho de campo
(Velasco e Díaz de Rada, 1997: 18) e de aí a necessidade de explicar as condições em que é
realizado o trabalho de campo e a produção de conhecimento.

Enquanto processo de socialização secundária, o trabalho de campo obriga a deslocar-nos do


nosso meio sociocultural, contactar com as pessoas, integrar-nos, aprender a sua cultura
através do estranhamento e o apagar dos nossos preconceitos, para logo retornar e desenhar
um espelho da nossa cultura.

O trabalho de campo como processo metodológico obriga-nos a descrever, traduzir, explicar e


interpretar a cultura e as relações sociais estudadas. A descrição deve ser densa (Geertz, 1987)
e microscópica (Velasco e Díaz de Rada, 1997: 48) para diferenciar os matizes de condutas,
espaços e regras culturais e interpretar melhor os significados culturais. Daí a importância de
utilizar o diário de campo como instrumento de investigação. Explicar significa desenhar
tendências e regularidades da vida sociocultural que estudamos. Interpretar prende-se com
uma visão da antropologia como uma das Humanidades ou das Artes pela sua forma de
proceder e fazer. Interpretar é descobrir a ordem estrutural da sociedade, é captar os
significados da realidade sociocultural para os diferentes agentes implicados nela.

Traços do trabalho de campo antropológico

A etnografia é a base da comparação entre culturas, e o seu objectivo é representar a cultura.


Podemos afirmar que a etnografia é hoje uma “fusão de horizontes”, uma conversa
intercultural sem imposições (Gadamer, 1978). A etnografia é uma “dialógica”, uma conversa
com o outro para fazer crescer a consciência, não a unanimidade ou a verdade. A etnografia é
uma “transvaloração”, uma maneira de aprender a ver-se uma vez que olhamos os outros, é

37
voltar sobre nos próprios a mirada previamente informada pelo contacto com o outro. É
também uma ponte através da qual a informação passa de uma cultura a outra, é um tipo de
tradução (Todorov, 1988: 9-31).

O trabalho de campo é um requisito metodológico que consiste em ir do distanciamento à


proximidade, para logo regressar da proximidade ao distanciamento e construír uma
interpretação. O trabalho de campo é um estado psicológico próximo do namoro às vezes
(Buxó, 1995), mas também pode provocar angústias, ansiedades e cansaços fortemente
humanos, como assim o reflecte o diário de campo de Malinowski (1989).

Além mais o trabalho de campo pode ser pensado como um ritual de passagem da tribo
antropológica, uma experiência auto-tranformadora, um ritual de iniciação e um dobre choque
cultural: nativizar-se e re-nativizar-se (Peacock, 1989: 95).

O trabalho de campo está condicionado pela posição que o antropólogo ocupa nos sistemas
políticos, sociais e económicos (i.e.: centro, semiperiferia, periferia). Estas agendas, muitas
vezes ocultas, devem ser estudadas e feitas conscientes para entender melhor a experiência de
trabalho de campo. Esto ajudar-nos-á a entender melhor o “efeito rashomon” (Heider, 1988;
Cardín, 1988) em antropologia, isto é, durante o nosso trabalho de campo não seleccionamos
as vozes dos nativos e escolhemos algumas dentro da complexidade com a qual nos
debruçamos. Reflectir sobre as causas de por quê escoitamos mais umas do que outras obriga-
nos a adoptar uma posição de reflexão e autoconsciência.

A etnografia e o método comparativo

Para que uma etnografia seja boa deve ser necessariamente comparativa. Quatro são os planos
que podemos estabelecer na comparação:

1. Comparação entre culturas.

2. Comparação temporal entre o passado e o presente, ou também entre dois tempos


históricos.

3. Comparação entre dois teorias.

4. Comparação entre as ideias prévias e as ideias finais depois do trabalho de campo.

A trabalho de campo e a entrada no terreno

O antropólogo deve explicar aos estudados o que vai fazer, a duração do trabalho e a
utilização da informação. Para isso precisa de autorizações e pensar nos limites éticos

38
(privacidade, confidencialidade, anonimato, permissões para publicar, etc. ), negociar e
ganhar-se a confiança da gente. Devemos pensar que podem ser precisas cartas, referências,
etc. Todas as instituições e terrenos têm “porteiros”. A entrada pode ser por cima ou por
baixo; entrar por cima através de alguém conhecido, importante ou de confiança para os
estudados pode ser positivo, negativo ou neutro para o nosso trabalho (ex.: Não é igual entrar
através de um presidente de Junta de Freguesia que através de um padre...). Tudo isto
condiciona o terreno e os factores de produção de conhecimento mudam de acordo com os
factores intersubjectivos, que são “objectivados” de alguma forma neste exercício reflexivo
que deve integrar os relatórios de investigação ao pé da metodologia ou em relação com ela.
Devemos ganhar-nos gradualmente a confiança dos estudados e ultrapassar a inibição com o
tempo. Devemos também pensar no equilíbrio da amostra de informantes; uma técnica pode
ser a da “bola de neve”, isto é, um informante vai-nos levando a outro; mas noutros casos a
amostra de pessoas com as quais trabalhamos devem ser pensadas em função da sua
representação face ao problema em estudo. Estes são alguns dos itens a considerar numa
reflexão sobre a entrada num terreno:

 Por quê a escolha de: objecto de estudo, instituição-local de estágio, orientador?

 Como foi a entrada na instituição? (i.e.: paciência, ansiedade, negociação do acesso,


relações e rituais com os porteiros, entrada por cima,...)

 Como ganhas-te a confiança das pessoas? Como foi a tua apresentação?

 Simpatias pelos estudados?

 Qual o teu “papel” ou papéis na instituição de acolhimento? Qual a tua imagem? Qual a
percepção que tinham de ti inicialmente? E agora?

 Qual o teu local (zona) de residência? Condiciona as tuas observações do problema de


investigação? De que maneira?

 Qual a tua situação económica? (i.e.: bolsa, estágio profissional, etc.)

 Qual a tua situação mental? Qual o grau de motivação para o trabalho?

2.5 Técnicas de investigação antropológica

O antropólogo, além da observação participante pode e deve utilizar outras técnicas de


investigação, com o objectivo de testar e comparar as informações que obtemos. O propósito
final será sempre saturar a informação para garantir uma fiabilidade e legitimidade nas nossas

39
análises. Com o objectivo de melhor testar, fundamentar e legitimar o conhecimento
antropológico é ideal ter em conta a seguinte triangulação:

ENTREVISTAS

OBSERVAÇÃO DOCUMENTOS

A triangulação anterior permite também chamar a atenção sobre a necessidade de fazer uma
antropologia histórica que permita compreender melhor os problemas estudados através da
perspectiva histórica.

Brevemente fazemos referência a algumas destas técnicas e desenvolvemos mais


aprofundamente a entrevista e a observação participante, porque pensamos que são mais
utilizadas.

1. Notas de campo (caderno de notas ou de campo). As primeiras impressões são


muito reveladoras do impacto que outras culturas experimentam em nos. Estas notas
adquirem maior importância com o tempo. Estas notas devem incluir o lugar e o
momento de observação, assim como o momento da escrita. As notas são um passo
intermédio entre os dados e os relatórios etnográficos.

2. Diário de campo. É um registo diário da observação participante, no qual se relata a


experiência do antropólogo em relação com os estudados, o que dizem, o que fazem e
o que pensam. É uma forma de ordenação das notas e um instrumento de
autodisciplina. Este é um instrumento de controlo da investigação, pois nele reflecte-se
como se produz o conhecimento, orientando a subjectividade e o papel do investigador
no terreno. A origem dele está na literatura de viagens. É uma informação relatada no
momento em que acontece, que utiliza categorias de análise (ex.: conceitos...). Um
diário de campo pode estar organizado seguindo critérios cronológicos ou temáticos.
Nele integram-se:

40
 Actividades do investigador.

 Acontecimentos.

 Conversas.

 Observações.

 -Hipóteses.

 -Interpretações.

É importante colocar a data, a pessoa, o local, a idade, os sentidos e os contextos ou cenários,


para dar riqueza contextual e de significado.

3. Mapas e censos. Um mapa informa sobre a distribuição espacial de certo fenómeno,


localiza uma vivenda ou edifício, descreve os princípios de organização espacial de
uma comunidade, etc. Neste sentido também podemos elaborar mapas de percorridos
de pessoas durante o dia, mapas mentais de valorização do espaço, etc. Os censos
informam sobre dos membros das unidades familiares, estes censos podem ser
elaborados a partir de arquivos locais, mas muitas vezes não há e é muito mais rápido
utilizar informantes.

4. Genealogias. Informam sobre a distribuição familiar, as relações de parentesco, os


vínculos familiares e comunitários, etc. No ano 1910 o antropólogo W. H. Rivers
perguntava aos informantes: nome dos pais, nome dos filhos por ordem de idade,
matrimónios e filhos deles, nomes dos pais da mãe e filhos dela. Há pessoas entre os
mais idosos que são verdadeiros especialistas nesta problemática. Podem servir para
prospectar os direitos de propriedade, as obrigas mútuas, as regras de residência e
matrimónio, a herança de ofícios, etc.

5. Histórias de vida. São relatos sobre a vida de uma pessoa. Esse relato informa não só
sobre a vida dela, porém também sobre a vida da comunidade e os seus valores, o
passado e o presente.

6. Histórias de família.

7. Inquéritos por questionário. Com o objectivo de obter dados de grupos amplos e


analisar logo estatisticamente as respostas. Pode ser de perguntas abertas ou fechadas.

8. Estudo de casos. Com o objectivo de interpretar acontecimentos exemplares de


pequena escala, por exemplo a relação entre médico e paciente.

41
9. Fotografia e filmagem. São técnicas básicas da etnografia visual. São um instrumento
de observação muito bom, porque permitem a outros reestudar o observado por nos.

10. Entrevistas com informantes. Há acontecimentos que só acontecem em determinados


momentos do ano, ou são infrequentes. Outras vezes acontecem coisas importantes
para a nossa investigação ao mesmo tempo, mas em lugares diferentes. Também é
muito importante para descobrir aspectos do passado e da memória colectiva. Esta
técnica adopta a forma de uma conversa informal com o objectivo de obter
informação. A qualidade da informação depende da comodidade que sinta ao falar o
informante, do bom conhecimento que tenhamos do informante e do grau de confiança
estabelecido. Devemos usar vários tipos de informantes como forma de contrastar e
verificar a informação recolhida, mas também com o objectivo de obter diferentes
pontos de vista que podem ou não ser coincidentes.

11. Grupos de discussão. Trata-se de reunir a um pequeno grupo de pessoas para debater
entre eles um assunto de interesse.

12. Técnicas de análise documental. Essencial para o trabalho em hemerotecas e


arquivos.

13. Os orçamentos-tempo. Trata-se de pedir a uma ou várias pessoas que anotem ou nos
contem as actividades, as horas e os espaços dessas actividades. É uma etnografia
cronotemporal que permite estudar os movimentos no espaço e no tempo de uma
pessoa, com o fim de compreender o seu modo de vida.

O DIÁRIO DE CAMPO (Jociles Rubio, M. I. e Devillard, M. J., 2001)

 Não existe o diário de campo perfeito.


 É em função do objecto e dos objectivos de estudo que deve fazer-se uma
valoração apropriada dos registos.
 Há problemas e entraves comuns a todos os investigadores:
1. Registo superficial e não detalhado:
-Quando faltam muitas perguntas chave sobre as situações, acções e interacções
observadas.
-O diário de campo deve responder às perguntas: quem?, como?, quando?, donde?.
-O diário de campo é uma recordação.
2. Carácter interpretativo dos registos

42
 Ter consciência ou não do ponto de vista valorativo.
 Observar → Selecção que deve ser consciente e crítica.
 Falta de estranhamento face ao observado.
 Preconceitos + Familiaridade são inevitáveis às vezes.
 Problema: Não questionamento dos nossos pre-conceitos e aprioris.
 Problema: Ter pontos de vista parciais de partes do objecto. Exemplo:
Tomar como muito importantes a palavra de só uns poucos informantes
e observar o resto desde o seu ponton de vista. Exemplo: Seguir
classificações e definições oficiais.
 Reflexão: Ser conscientes dos pontos de vista do trabalho.
 Problema: Má definição do objecto de estudo.
 Problema: Registo de dados sem citar a fonte de informação ou a
situação de produção dela. Como valorar os dados obtidos?
 Problema: Utilização de categorias “emic” e “etic”. Especificar se é
“emic” ou “etic”. Especificar se a diz uma pessoa, todas, um teórico... e
em que contexto?
3. Destacar os dados verbais (discurso) sobre os dados produto da observação
(descrição) pode ser um problema. É muito importante a observação (o que
fazem), tanto como o que dizem ou o que pensam.
4. Condições nas quais se realiza a observação e o diário:
 Data
 Tempo de observação
 Momento do dia
 Lugar
 Tiram-se notas
 Gravou-se
 Registo de memória
 Qual o tempo entre a observação e o registo no diário de campo
 Factores pessoais do investigador: género, idade, preparação teórica,
experiência de campo, etc.

A ENTREVISTA EM ANTROPOLOGIA:
É uma técnica de investigação, é um procedimento operativo para obter uma informação

43
através do diálogo intersubjectivo com uma pessoa. Baixo a forma de uma conversa
informal, orientamos ao nosso entrevistado face aos aspectos a conhecer. Portanto é
dirigida ou semidirigida. Esta técnica deve ser complementada por outras como a
observação participante e o estudo de documentação histórica, pois as pessoas dizem
coisas, ocultam dados, pensam e também fazem coisas. A entrevista não é um inquérito
de perguntas fechadas, senão de perguntas abertas, é portanto um diálogo no qual a
iniciativa é do pesquisador.
Passos:
1. Elaboração de um questionário-guia:
 As perguntas dependerão dos objectivos da entrevista, do nível de informação do
entrevistado (o que interessa é a sua visão dos fenómenos estudados, não só a
quantidade de informação), e do grau de conhecimento e confiança gerado entre
entrevistador e entrevistado.
 As perguntas não devem condicionar uma resposta a priori predeterminada pelo
investigador. As perguntas devem ser abertas (não fechadas: sim ou não),
provocando respostas livres, opiniões, matizados..., claras e não confusas.
 A arrumação das perguntas seguirá a ordem seguinte: perguntas gerais (idade,
género, breve história de vida...), até as específicas e especiais. A representação
gráfica será a de um funil.
 As primeiras perguntas devem interessar-se pela pessoa, mostrando o nosso
aprecio por ela e o nosso agradecimento pelo seu tempo –estou a pensar em que
não vamos a pagar essa entrevista-.
 As perguntas de tom político podem implicar um certo medo ou desconfiança
por parte do informante.
 Devemos adaptar a realidade ao questionário e não ao contrário.
2. Combinação da entrevista.
 Factores do investigador: formação, experiência, personalidade, habilidade,
motivações, percepções, simpatia, empatia, língua, maneira de vestir...
 Factores do entrevistado: preconceitos face ao investigador, comportamento,
valores, crenças, informação (quantidade, qualidade), o seu tempo livre...
 É importante valorar a vida da gente à qual entrevistamos, e mostrar expressões
de aprecio.
 O objectivo final é criar um clima de confiança, para isso teremos que explicar

44
os motivos da nossa presença e da realização da entrevista.
 Pode ser bom combinar a entrevista uns dias antes da sua realização, para que a
memória traga as lembranças ao presente, para que a mente organize melhor a
informação. Outras vezes é melhor a realização imediata, sempre tentando
respeitar à pessoa.
 Em toda apresentação adoptamos um papel: estudante (risco de paternalismo),
professor, vizinho, amigo, turista,...
 É interessante apresentar-se através de um conhecido do informante, pois isso
garante a nossa boa intenção.
 Garantir o anonimato é um princípio ético fundamental, se assim nos é pedido,
ou se não somos autorizados a desvelar a identidade do entrevistado.
3. Realização da entrevista:
 Tentar utilizar os mesmo idioma que o entrevistado, ou utilizar intérprete.
 Personalizar as questões (ex.: o que é que você pensa sobre...? )
 Criar um ambiente descontraído.
 Respeitar as pautas culturais do outro (ex.: comensalidade como ritual social de
interacção,...).
 Colocar as perguntas em positivo, pois motiva uma resposta mais ampla e
extensa.
 Os silêncios também são informação, os esquecimentos e as negativas de
reposta. Todo tem um sentido e um significado a interpretar.
 Trabalhar em equipa pode ser positivo. Um homem e uma mulher representam
um ideal nalguns contextos culturais (equilíbrio entre os géneros). Além disso a
cumplicidade inter-género e a construção de um espaço de género pode gerar
maior confiança e sinceridade no discurso.
 Realizar uma 2ª e uma 3ª entrevista ao mesmo informante, ao longo do tempo,
permite comprovar a fiabilidade e validação dos seus discursos, mas também
aprofundar questões que ficaram na superfície.
 O objectivo fundamental é conhecer o ponto de vista do outro, não exibir as
nossas opiniões sobre os assuntos tratados.
 A gravação em cassete ou em vídeo da entrevista pode inibir ou não ao
informante. É um risco a considerar. Também pode acontecer se tiramos notas
entretanto ele fala. Cada pessoa e situação tem a sua especificidade.

45
 Tirar notas durante a realização tem a vantagem de poder voltar a elas, de voltar
a perguntar com maior profundidade.
 Se a entrevista é gravada, no início do cassete virgem devemos deixar um espaço
para inserir e registar os dados pessoais do entrevistado e do entrevistador, junto
com a data e o local da entrevista.
 Sem esses meios técnicos terá que ser a nossa memória a que grave os resultados
da entrevista.
Transcrição da entrevista:
 Se a entrevista foi gravada exige muito tempo e capacidade para escutar.
Pode ser parcial ou total. Uma boa transcrição deve ter em conta:
N.º de registo
Tipo de contacto
Dados pessoais, lugar, data
Descrição do contorno, da conduta e da linguagem não verbal
Estrutura temática da conversa
Palavras-chave.
 A transcrição deve respeitar a língua do informante, os seus dialectalismos...
que também dão informação cultural.
 Convêm assinalar os “passos” que sinala o marca-passos do gravador (ex.: cada
20), pois assim podermos voltar a localizar na fita gravada qualquer frase,
palavra, ou parágrafo.
 A transcrição literal e total implica uma grande quantidade de informação
etnográfica que pode ser consultado em um futuro por nos mesmos ou por outras
pessoas que acedam ao nosso arquivo. A transcrição literal significa anotar as
risas, os silêncios, as lágrimas, os gestos, dialectalismos, etc.
 Simbologia: P (pergunta), R (resposta), “....” (transcrição literal), `.... ´
(transcrição aproximada) <Manoel: ...........> (intervenção de uma terceira
pessoa).
 Se a entrevista não for gravada, e só anotada, devemos arrumar o discurso em
um quaderno de campo, no qual anotemos também as observações
complementares do contexto de interacção, que podem ser importantes para
compreender melhor o sentido do falado.

46
2.6 A observação participante

A observação participante é uma técnica de investigação fundamental mas também uma


atitude de investigação do antropólogo no terreno. Não é propriamente uma metodologia
qualitativa ou quantitativa, pode integrar as duas vertentes. O seu princípio metodológico é o
relativismo cultural. Através dela conhecemos os humanos para teorizar sobre eles.

A observação participante implica participar na vida quotidiana do grupo humano a estudar,


para compreender as lógicas locais e o significado sociocultural das suas práticas. Em
antropologia observamos com teorias, categorias, ideias e hipóteses sobre o problema
estudado.

As vantagens desta técnica são a riqueza e profundidade de informação sociocultural


produzida no seu próprio contexto. A fiabilidade dos dados é garantida com uma boa
observação, que testará o que as pessoas dizem e pensam, ao comparar isto com o que elas
fazem. A observação participante depende da formação e experiência do investigador, mas
também do seu rigor e empenho.

O antropólogo deve ser aceite para poder interpretar a visão desde dentro do grupo, deve
também conseguir um trato normal e quotidiano, algo que muitas vezes só se consegue com
muito tempo, confiança e redes sociais de informantes fiáveis. O antropólogo é catalogado
geralmente como um estranho ou intruso (i.e. maneiras de vestir diferentes), pelo qual o
receio dos locais pode ser grande no início. Outras vezes, devido à nossa juventude podemos
experimentar proteccionismo e paternalismo por parte das pessoas que estudamos.

Os trabalhos de campo clássicos desenvolvem um tempo de estadia de um ano como mínimo


(descrição do ciclo anual ritual, vital, agrícola, urbano, etc.). A investigação prolongada
produz dados mais ricos e fiáveis, mas a antropologia aplicada já tem em conta técnicas de
“valoração rápida” que incluí menor tempo de estadia no terreno.

A grande vantagem da observação participante é que criamos um texto no seu contexto, na


sua espontaneidade. Outras vezes a nossa presença corre o risco de vulnerar a espontaneidade,
de que digam aquilo que queremos ouvir. A observação participante permite não forçar os
dados, permite entender melhor a cultura através da convivência consciente, facilita portanto
o aceso a informação restringida. O investigador é o principal instrumento de recolha, ele
mira e observa com categorias prévias (teorias académicas, conceitos, preconceitos, etc.) mas
também com imaginação e criatividade. É também um exercício de empatia, de pôr-se no

47
lugar do outro para perceber melhor o que se diz (e o que não se diz), o que se faz e o que se
pensa.

Um problema da observação apresenta-se quando aplicamos esta no nosso mesmo meio


sociocultural. Neste caso o objectivo será tornar estranho o que nos é familiar, assim como
quando trabalhamos sobre outra cultura, subcultura ou grupo social temos que tornar familiar
o estranho.

Na actualidade, a antropologia visual permite estudar e reestudar o texto e o contexto de


estudo, portanto é uma ferramenta fundamental da observação, mas também é uma forma de
relatar e interpretar o terreno e o problema de investigação.

2.7 Os discursos emic-etic

O linguista Kenneth Pike (1971) distinguiu em 1954 entre o ponto de vista “etic”, desde
sistema concreto do analista ou investigador, do ponto de vista “emic”, desde o sistema do
grupo estudado. O ponto de vista “emic” é aquele que representa o ponto de vista do nativo,
representa os pensamentos de um povo nos seus próprios termos e conceitos.

2.8 O antropólogo em contextos urbanos

A identidade do antropólogo na cidade é diferente que no espaço rural. Na cidade a nossa


presença pode ser ininteligível, e podemos refugiar-nos no anonimato, podemos observar sem
explicar quem somos e que fazemos ali.

Uma vertente muito importante é o estudo do espaço público. O espaço tem umas pautas
estabelecidas (ex.: saúdo, tertúlia, casamento, funeral, etc.), nele insere-se uma sintaxe pessoal
e grupal que temos que descodificar para entender a identidade urbana. O objectivo do
trabalho de campo é a integração no grupo humano estudado, isso significa reduzir o
anonimato e criar redes sociais, participar em associações, grupos, etc.

Parte do nosso trabalho é o controlo da rede, se num primeiro momento as nossas interacções
seguem um princípio de naturalidade e espontaneidade, as carências na nossa rede devem ser
preenchidas com o trabalho com informantes de diversas zonas, classes sociais e minorias.
Portanto a rede tem que ser representativa do grupo humano que estamos a estudar.

Devemos prestar atenção aos dramas sociais, pois são momentos extraordinários para penetrar
na opaca vida quotidiana (ex.: festas, cerimónias públicas, religiosas, conferências,
exposições, feiras, desportos, greves, manifestações, etc.)

48
Também é muito importante o estudo de documentação: os jornais locais são “informação
quente”, mas também a rádio, a literatura localista (ex.: programas de festas), os arquivos
municipais (ex.: multas, actas municipais, ordens, etc.), os planos gerais de ordenação urbana,
documentação estatística, histórica, etc.

É importante também desenhar os mapas mentais e de uso da cidade, isso implica realizar
uma etnografia de rua. Alguns dos critérios que podemos utilizar para classificar os espaços
públicos são:

 Ver e ser visto.

 Não ver e ser visto.

 Ver e que não nos vejam.

Para etnografiar cidades o salto importante é o trabalho em equipa, pois desta maneira a
riqueza de dados permitirá uma visão holística e comparativa.

2.9 A ética do trabalho de campo

Alguns princípios éticos de carácter geral são os seguintes:

1. Respeito pela não falsificação dos dados observados.

2. Respeito pelo uso anónimo da informação se assim nos foi pedido pelos informantes.

3. Respeitar a privacidade dos informantes.

4. Pensar em que informação pode ser publicada e qual não. Trabalhamos com pessoas e
não com átomos.

5. Explicar sempre como obtivemos os dados.

6. Pensar em vários aspectos: patrocínio, investigadores, objecto de investigação,


cidadãos. Todos eles têm direito de aceso ao conhecimento.

7. Intervir ou não na ajuda das decisões da comunidade (antropologia aplicada).

49
Exercício de descrição etnográfica
1. Observar um fenómeno social concreto com todos os sentidos.
2. Descrever este por escrito: ordenar o observado (dia, hora, lugar, duração, posição do
observador, desenhos, ...).
3. Distinguir:
a) Informação da observação.
b) Informação da intuição e da imaginação.

c) Informação a priori.
d) Informação tirada das perguntas aos actores sociais.
4. Evitar as suposições e objectivar os nossos olhares.
5. Descrever a acção e o comportamento de todas as pessoas protagonistas, o familiar e o
estranho, pois podem dar-nos detalhes significativos.
6. Descrever a posição do observador: interior/exterior.
7. Precisão na descrição.
8. Ordenar a descrição, por exemplo cronologicamente. Ter em conta o espaço do cenário,
os actores, as acções e as regularidades.
9. Respeito pela intimidade dos descritos (ex.: técnica dos nomes fictícios) e pelo bom uso
da informação.
10. Descrever detalhadamente e evitar adjectivos ambíguos e juízos de valor. Ex.: velho /
homem entre 60 e 70 anos.

Actividades

1. O que entende por método científico?


2. Qual é o objecto específico da pesquisa antropológica?
3. Caracterize o trabalho de campo.
4. Explique como se processa o método de observação partipante em Antropologia.
5. Mencione os pressupostos para entrada no campo para a pesquisa antropológica.
a) Como se processa o trabalho de gabinete?
b) Qual deve ser a estrutura do relatório da pesquisa antropológica, tendo em conta
que se trata de um documento científico?
6. Qual deve ser a conduta do antropólogo, como pesquisador?

50
Unidade 3
O Pensamento antropológico

3.1 Introdução

Esta unidade aborda questões relativas ao surgimento e desenvolvimento da Antropologia, em


geral, e da Antropologia Cultural, em particular. Assim, em primeiro lugar apresentam-se as
origens históricas da disciplina. Nos pontos seguintes apresentam-se as principais linas de
pensamento antropológico que se foram sucedendo até à actualidade.

Os principais conteúdos desta unidade são: Os primórdios da antropologia; O evolucionismo;


O difusionismo; O particularismo histórico; A escola de cultura e personalidade; O
funcionalismo; O neoevolucionismo, a ecologia cultural e o materialismo histórico e O
estruturalismo;

3.2 Objectivos

No final desta unidade pretende-se que o caro estudante seja capaz de:

 Conhecer o desenvolvimento histórico das teorias antropológicas fundamentais para


poder contextualizar melhor a compreensão da cultura.

 Enquadrar os principais paradigmas e escolas antropológicas.

 Familiarizar-se com a genealogia das ideias dos principais antropólogos.

 Explorar a articulação entre os diferentes paradigmas da antropologia sociocultural.

 Contextualizar historicamente o significado dos contributos teóricos da antropologia.

 Contextualizar o desenvolvimento da Antropologia em Moçambique

3.3 Os primórdios da antropologia

Nos livros sagrados da humanidade, hebreus, muçulmanos e hindus, encontramos


documentação sobre os costumes de muitas sociedades da antiguidade. Essa documentação
permitiu que, posteriormente, antropólogos estudassem essas sociedades. No entanto, é
apenas com os gregos que surgem as primeiras reflexões sobre os encontros entre culturas
(lembremos que os gregos colonizaram amplas áreas do Mediterrâneo).

51
No séc.V a.C., os trabalhos de Heródoto mantêm um interesse antropológico muito
desenvolvido. Herodoto viajou e visitou outros povos e culturas, interessando-se
especialmente pelos costumes do casamento e os modos de subsistência. Descreveu, entre
outras, a sociedade egípcia, comparando-a à sociedade grega. Heródoto é considerado
também o pai da história. Escreveu sobre os “bárbaros”: considerava-os inferiores aos gregos,
chegando a descreve-los como figuras com um só olho e com os pés virados para atrás. Desde
o ponto de vista teórico, relacionou zonas climáticas e culturais. Também Platão, Aristóteles
(sobre as cidades gregas), Jenofonte (sobre a Índia) e outros se dedicaram à descrição dos
costumes doutras culturas.

Entre os romanos podemos também observar uma especulação antropológica. O poeta


Lucrécio tentou descobrir as origens da religião, das artes e do discurso. Tácito descreveu as
tribos germanas, baseando-se nos relatos dos soldados e viageiros; a sua visão é
compreensiva, salientando o vigor dos germanos em contraste com os romanos da sua época.

Com a chegada do cristianismo, é introduzida, na escrita sobre outras culturas, uma


perspectiva etnocêntrica. Santo Agostinho, um dos pilares teológicos da nova época,
descreveu a Roma e a Grécia clássicas como “pagãs” e moralmente inferiores ás sociedades
cristianizadas. A sua obra transparece uma intuição do “tabu do incesto” como norma social
que garante a coesão da sociedade. No entanto, procurou, constantemente, explicações
sobrenaturais para a vida sociocultural.

Na Idade Media, o domínio absoluto no mundo das ideias foi da Igreja Católica, ficando a
especulação antropológica reduzida a considerações teológicas. Até ao final do feudalismo o
renascimento antropológico não se verificou.

Nos séculos. XVI e XVII, aumentam, consideravelmente, os descobrimentos geográficos e os


contactos dos europeus com outras culturas. Será nesta altura (século XVI), quando se
confirme a esfericidade do planeta com a primeira volta ao mundo de Juán Sebastián El Cano
e Juán de La Cosa. Nessa época, as viagens ultramarinas incluiam, nas suas expedições,
escritores encarregados de elaborar uma etnografia com fins administrativos, económicos e
missionários. Foi este o caso do administrador francês Jean Bodin (1530-1596) que estudou
os costumes dos povos conquistados, para explicar as dificuldades que os franceses tinham
para administrar esses povos.

Outro exemplo foi o dos missionários jesuítas na América (ex.: Bartolomé de las Casas e o
Padre Acosta) que escreveram as “Relaciones Jesuíticas” e elaboraram a “teoria do bom

52
selvagem”, segundo a qual os índios tinham uma natureza moral pura que devia ser aprendida
pelos ocidentais. Esta teoria idealizava, com nostalgia, uma cultura mais próxima do
estado“natural”.

A expansão foi justificada por motivações económicas e religiosas, assim o confirma Vasco
da Gama na sua primeira viagem à Índia, afirmando aos locais que vinha para arranjar
“cristãos e especiarias”. A visão europeia era que estos povos não tinham lei, nem fé, nem
senhor (Bestard e Contreras, 1987; Lureiro, 1991).

No século XVI, o viageiro Marco Polo elaborou informações críticas sobre Oriente. Outro
pensador social importante foi Gianbattista Vico (1668-1744) que defendeu que os humanos
podiam reconhecer a sua própria história porque eram autores da mesma (compreender o
passado, recreando-o imaginativamente).

A Ilustração francesa aderiu às teorias da evolução unilinhar e do progresso social. Todas as


sociedades passariam por uma série de estádios fixos: primitivismo, selvagismo e civilização.
Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778), Condorcet (1743-1794), Adam Smith
(1723-1790), Adam Ferguson (1723-1816) e William Robertson (1721-1793) foram os
autores de maior destaque. Montesquieu escreveu “Lettres Persanes” (1721) e “L´Espirit des
Lois” (1748), obras em que defendeu a diversidade de instituiçoes e de governos existentes e
onde afirma a ideia de que cada cultura é um conjunto lógico. Outro autor importante foi J. J.
Rousseau (1712-1778) que publicou a obra “Émile” (1762) e defendeu, de novo, a “teoria do
bom selvagem”, segundo a qual os humanos são intrinsecamente bons: a sociedade é que os
corrompe. Para recuperar a bondade primitiva e original dos humanos é preciso voltar à
natureza. Todos estes autores procuravam justificar a nova sociedade industrial. Os ilustrados
pensavam que era possível encontrar leis gerais, como nas Ciências Naturais, para explicar a
sociedade (da física).

Durante o século XIX, aumentaram os estudos empíricos de povoações primitivas. O


aparecimento de sociedades etnológicas (na Europa e na América), a criação de museus e de
revistas antropológicas foram outros aspectos da mudança de atitude relativamente a outras
culturas.

3.4 Evolucionismo
Na segunda metade do séc. XIX, nasce a antropologia como campo profissional. Esta foi uma
época de hegemonia mundial europeia, em que predominava um clima intelectual
evolucionista e uma influência das ciências naturais nas ciências sociais.

53
Uma das teorias dominantes foi o evolucionismo uni-linhar que defendia uma evolução
paralela. De acordo com esta teoria, as culturas foram criadas, independentemente, seguindo
um percurso por estádios fixos: barbárie, primitivismo, selvagismo e civilização. Esta posição
era similar à da Ilustração. Na Ilustração, a ideia de progresso foi central; e para o
evolucionismo, as culturas encontravam-se em movimento, através de diferentes etapas de
desenvolvimento, até alcançarem a etapa de desenvolvimento da cultura ocidental. Todas as
culturas evoluiriam da mesma maneira e passariam pelos mesmos estádios. Seria, pois,
necessário pensar numa evolução unitária do conjunto da humanidade.

A evolução das culturas era resultado da evolução biológica, que tinha como princípio
fundamental o princípio da sobrevivência dos mais aptos. Esta era uma ideia darwinista.
Darwin (1809-1882) tinha escrito, em 1859, a obra “A Origem das Espécies”.

Antropólogos evolucionistas:

J.J. Bachofen (1815-1887), um jurista suíço, foi o primeiro a chamar a atenção para
sociedades que seguem a linha de descendência através da mulher (culturas materlinhares).
Imaginou que nessas sociedades não se reconhecia a paternidade; "construiu" um mundo
greco-latino matriarcal.

J.F.McLennan (1827-1881) (escocês) escreveu "Studies in Ancient History" e “Primitive


Marriage” (1865). Nesta última obra, afirmou que a forma mais antiga de família era
caracterizada pelo matriarcado. Observou a simulação do rapto da noiva pelo noivo, para logo
atingir o casamento. A si se devem os termos “exogamia” (matrimónio fora do próprio grupo)
e “endogamia” (matrimónio dentro do próprio grupo).

Henry Sumner Maine (1822-1888) foi um etnólogo jurídico, membro do conselho britânico
do vice-rei da Índia. Encontrou semelhanças entre as antigas leis de Roma, da Índia e da
Irlanda (sociedades patrilinhares). O seu livro mais famoso é “Ancient Law” (1861), no qual
defendeu que a mais antiga forma de família era a família patriarcal dos indo-europeus.
Deixou-nos conceitos como: “agnação” (reconhecimento da relação por descendência, através
dos varões) e “cognação” (reconhecimento da relação de descendência, através de um mesmo
pai e uma mesma mãe). Defendeu que, na infância da humanidade, não havia nenhum tipo de
legislação. Outra teoria que elaborou foi a do movimento de todas as sociedades do “status”
para o “contrato”. O “status” seria uma condição própria das sociedades primitivas, de acordo
com a qual as relações sociais se limitavam a relações de família (com supremacia do varão
mais velho). Os indivíduos não seriam livres: estariam determinados pelo nascimento e não

54
era possível mudar essa determinação com um acto de vontade pessoal. O “contrato” seria
uma condição característica das sociedades progressivas e complexas. Os indivíduos,
independentemente e separados do próprio grupo, formam parte de associações voluntárias,
nas quais podem ocupar livremente a sua posição e determinar as suas próprias relações.

Robertson-Smith (1846-1894) foi um erudito que interpretou o Antigo Testamento (um dos
primeiros, no seu contexto histórico). No seu livro "The Religion of the Semites" (1889), diz
que, nas religiões tradicionais não reveladas, o rito é mais importante que o dogma.

James G. Frazer (1854-1941) foi o primeiro a consciencializar o público da importância da


antropologia. No seu livro "Golden Bough", (“O ramo dourado”: um estudo sobre a magia e a
religião, 12 vols.) mostra interesse pela religião e elabora a teoria da "magia simpática" –
homeopática – (o simbolismo através do qual os ritos mágicos imitam o efeito que tentam
produzir) e da “magia por contacto” (por relação de contacto, ex.: Vudú, nas Caraíbas). Estas
teorias foram criticas por Frazer como sendo pensamentos erróneos e ciência bastarda.

-Etapas evolutivas da humanidade: MAGIARELIGIÃOCIÊNCIA

LEWIS HENRY MORGAN (1818-1881), (EUA)


 Foi membro de uma sociedade de estudantes que se propunha imitar os rituais dos
índios iroqueses, isto levou-o a conviver certo tempo com eles.
 Advogado
 Trabalho de campo com os índios seneca (iroqueses)
 (1851): League of the Iroquois. Estudo das danças, religião, vivendas, organização
política, parentesco e família.
 (1870): Systems of Consanguinity and Affinity of Human Family. Estudo
comparativo das terminologias de parentesco, em 139 sociedades. A sua teoria
salienta a evolução de todas as sociedades da promiscuidade (poligamia) para a
monogamia.
 (1877): Ancient Society (1971: La Sociedad Primitiva. Madrid: Ayuso) (1976: A
Sociedade Primitiva. Lisboa: Presença). Influenciado pelo evolucionismo biológico
de Darwin, defende a teoria de que, no desenvolvimento histórico das culturas,
acontecem as seguintes mudanças:
55
Selvagismo (caça e recoleção) Barbárie (cerâmica, agricultura) Civilização
(escrita)
 O parentesco é o princípio organizador da sociedade.
 Engels apoiou-se nesse princípio para escrever os seus livros, sobretudo “A origem
da família, a propriedade e o Estado”.
 Defendeu que a mudança tecnológica determinava a mudança social, mas não
analisou essa mudança.
Elaborou também uma teoria dicotómica sobre a “societas” e a “civitas” e a passagem
obrigatória, em todas as culturas, de uma para a outra. Na “societas”, o princípio de
parentesco fundamenta todas as relações estratégicas ou a maioria delas. Como forma de
organização, é preciso pensar na “gens” ou na “tribo”. Na “civitas”, as realções
ideológicas e económico-políticas orientam e limitam as funções de parentesco. Neste
último caso, pensa-se no “Estado”, baseado num território e nas relações de
propriedade. A cidade seria, neste último caso, o fundamento do “Estado” e
representaria a sua unidade.

EDWARD BURNETT TYLOR (1832-1937) (Reino Unido)

 Criador da antropologia social britânica.

 Fundou o método comparativo em antropologia.

 1861: Livro sobre México.

 1871: Primitive Culture I

 1874: Primitive Culture II

 1884: Leitor de antropologia em Oxford.

 Chegou a ser conservador de museu e catedrático de antropologia social, em Oxford.

 Tylor, contrariamente de Morgan, não se preocupa com os mecanismos de mudança,


mas sim com a "sobrevivência” de costumes e ritos antigos que, de acordo com ele,
não tinham sentido comum. Defendeu uma reforma moral. Sublinhou que os
aborígenes australianos eram sobreviventes da pré-história. Os “survivals” deviam
ser identificados, através de um estudo histórico-cultural.

 Interessou-se, particularmente, pela religião e pelo animismo. A evolução da religião

56
seguiria a linha: animismo►feiticísmo►idolatria►politeísmo►monoteísmo.

 Criou uma das definições mais divulgadas de cultura como objecto da antropologia:
“A cultura ou civilização, em sentido etnográfico alargado, é aquele todo aquele
complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os
costumes, e quaisquer outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem,
enquanto membro de uma sociedade.”

 Evans Pritchard (1987, or. 1980: Historia del pensamiento antropológico. Madrid:
Cátedra), disse que Tylor pretendia converter a antropologia numa ciência de
estatísticas, tabulações e classificações. Estudou 350 culturas, em fontes escritas,
procurando as regras de matrimónio e descendência. Correlacionou também
sistemas de casamentos e sistemas de residência (materlinhal, neolocal e paterlocal),
para elaborar uma teoria da passagem de culturas maternas a culturas paternas e
outra da sobrevivência de costumes de etapas anteriores.

 Tylor foi filho da sua época e, por isso, defendeu a missão de civilização do
imperialismo britânico. Desconhecia o princípio do relativismo cultural e não
pensou no direito de outros a conservar a sua própria cultura.

 Tylor influenciou o antropólogo Frazer que escreveu, em 1890, The Golden Bough.
Neste livro, Frazer elabora a teoria evolucionista, segundo a qual os humanos
percorrem as seguintes etapas: magiareligiãociência. A última etapa atribui um
poder e validez superior. Frazer é conhecido porque, certa vez, lhe perguntaram se já
tinha conhecido algum selvagem, ao que ele respondeu: “Livre-me Deus de
semelhante atrocidade”.

Visão crítica do evolucionismo

 Os dados não falam por si próprios: é preciso organizar os dados, em relação à teoria. Os
dados são apenas barulho, se não aportam um contributo à teoria antropológica.

 Foram quase todos antropólogos de gabinete (só Morgan fez algo de trabalho de campo
com os iroqueses), sem sair para o terreno. Trabalharam, fundamentalmente, com fontes
documentais e com dados fornecidos por outros (misionários, agentes coloniais, viageiros,
comerciantes). Têm, contudo, o mérito de tentarem fazer da antropologia uma ciência de
rigor.

57
 Introduziram o método comparativo, na antropologia.

 Foi o primeiro paradigma da antropologia.

 Um dos seus eixos foi o das semelhanças e as diferenças culturais. Ainda que os
evolucionistas se tenham preocupado mais com as semelhanças do que com as diferenças
entre os grupos humanos. É complicado abarcar um objecto tão alargado: é começar a
casa pelo telhado.

 Para eles, as sociedades eram organismos naturais que evoluíam.

 O seu modelo de civilização era a sociedade vitoriana inglesa (Ocidente): o resto do


mundo tinha um desenvolvimento inferior.

 Pensaram, erradamente, que os “povos primitivos” teriam que elaborar instituições


semelhantes às da sua tecnologia.

 Partem muitas vezes de supostos etnocéntricos.

 A teoria da sobrevivência de costumes é uma perspectiva errada, porque, na realidade,


muitos dos costumes foram inventados recentemente ou provocados pelos contactos com
ocidente.

 Os evolucionistas foram os primeiros a iniciar os grandes temas da antropologia:


parentesco, religião, política, economia, etc.

 Estudaram mais de 300 sociedades, através do método comparativo. Este trabalho foi
continuado, nos E.U.A., por Murdock no seu projecto “Humam Relations Area”.

 Os dados apresentados delatam um desejo de rigor, mas encontram-se, frequentemente,


abstraídos do seu contexto. Os dados não são meramente empíricos: tem significado.

 Para os evolucionistas, para que aconteça uma mudança tem que haver um lugar, um
espaço concreto, a identidade de um grupo em concreto: não a humanidade, no seu
conjunto.

 A crença não é um erro, como afirmava Tylor. A crença dá sentido à experiência humana.
A mente não pode esperar que a ciência resolva todos os seus problemas, daí que se
alimente a crença (tal disse Durkheim).

58
3.5 O Difusionismo

 Foi uma reacção contra o evolucionismo, mas coexistiu com ele. Foi uma escola
antropológica que tentou entender a natureza da cultura, em termos da origem da cultura e
da sua extensão de uma sociedade a outra. O empréstimo cultural seria um mecanismo
básico de evolução cultural.

 Defendeu que as diferenças e semelhanças culturais eram causa da tendência humana para
imitar e a absorver traços culturais.

 A diversidade cultural explica-se pelas relações de empréstimo e não pela invenção


independente.

 Bastian (1826-1905) (médico de um barco) interessou-se pelas crenças religiosas, mitos e


rituais semelhantes. As suas conclusões levaram-no a falar de "unidade psíquica da
Humanidade". Ratzel (1844-1904), oposto às teorias de Bastian, interessou-se mais pelos
utensílios do que pelas ideias: utensílios inventados em lugares concretos e que se
difundiam, para outros lugares, através das migrações. Procurou semelhanças entre
objectos. Os difusionistas afirmaram que todos os objectos básicos e elementos culturais,
tais como o parentesco, o culto solar, a agricultura, a construção de pirâmides, etc., foram
criados no Egipto.

 Outros autores: no Reino Unido, Grafton Elliot Smith (1871-1937, antropólogo físico),
William James Perry (1887-1949). W.H. Rivers (1864-1922) integrou a expedição que
estudou os nativos do Estreito de Torres. Na Alemanha, destacam-se: Fritz Graebner
(1877-1934) que publicou, em 1911, um manual de antropologia (“Methode del
Ethnologie”); e o padre católico Fr. Wilhelm Schmidt (1868-1959), fundador da revista
Anthropos, que inverteu as séries evolutivas dos evolucionistas, pois tentou demonstrar
que a religião tinha origem no monoteísmo –ex.: pigmeus caçadores e recolectores. Os
alemães postularam a formação de diversas culturas, a partir de poucos “círculos
culturais”. Essas culturas estender-se-iam a outras culturas sob forma de traços, através da
migração de populações e da melhoria dos meios de transporte.

 Crítica ao difusionismo: Apesar da sua grande importância na recolha de dados, salientou


demasiado a forma (unicamente uma dimensão das características culturais), em
detrimento do significado que cada característica tem para os membros de cada cultura em
particular. Ignorou também as relações com outras características.

59
3.6 O particularismo histórico

Escola norte-americana, dominada por Boas, que rejeitou o evolucionismo e


dominou a antropologia durante a primeira metade do séc. XX. O paradigma
fundamental era que cada cultura tem uma história particular e que a difusão de
traços culturais pode ter lugar em qualquer direcção. A evolução pode acontecer
também do complexo para o simples. O relativismo cultural é uma afirmação
antropológica básica e a investigação antropológica deve estar baseada no trabalho
de campo, no terreno do próprio antropólogo.

FRANZ BOAS (1858-1942), alemão de origem judaica, emigrou para os E.U.A., onde
desenvolveu a sua carreira científica.
 Formado na Alemanha, como geógrafo e psicofísico, estudou geografia com
Friedrich Ratzel (1844-1904) que afirmava que o meio ambiente era o factor
determinante da cultura.
 Viajou até ao Árctico e descobriu que diferentes grupos de esquimós controlavam e
exploravam meios semelhantes de maneiras diferentes.
 Deu aulas na Universidade de Columbia e foi director do American Museum of
Natural History (New York).
 Chegou a formar antropólogos como Melville Herskovits, Alfred L. Kroeber (1876-
1960), Robert Lowie (1883-1957), Edward Sapir (1884-1931), Margaret Mead
(1901-1978), Ruth Benedict (1887-1948) e Clyde Kluckhohn (1905-1960).
 Para Boas, a tarefa do antropólogo era investigar as tribos primitivas que careciam
de história escrita, descobrir restos pré-históricos, estudar tipos humanos e a
linguagem. Cada cultura teria a sua própria história. Para compreender a cultura
teríamos que reconstruir a história de cada cultura.
 Defendeu que não há culturas superiores nem inferiores (relativismo cultural). Os
sistemas de valores devem compreender-se dentro do contexto de cada cultura e não
de acordo com os padrões da cultura do antropólogo.
 Estudou as teorias da evolução, sobre as quais se mostrou céptico, e defendeu a
difusão da cultura.
 Impulsionou a ideia de que os antropólogos deviam dominar as línguas dos povos
estudados, com o objectivo de conhecer o mapa da organização básica do intelecto
humano.
 Criticou o evolucionismo e defendeu que os mesmos efeitos poderiam dever-se a

60
diferentes causas. Também defendeu que muitas das semelhanças culturais eram
originadas pela difusão, mais que pela invenção independente, e que, em muitos
casos, a evolução não avança do simples para o complexo, antes o contrário (ex.:
formas de arte, linguagem, etc.).
 Esforçou-se por estudar as culturas índias dos EUA, porque estavam em risco de
extinção.
 Em vez da prática evolucionista de enquadrar dados etnográficos em categorias pré-
definidas, Boas salientou a necessidade de um cuidadoso e intensivo estudo em
primeira mão, livre de todo prejuízo ou preconceito. As generalizações e as leis
surgiriam depois de ter os dados apropriados.
 Em contraste com os difusionistas alemães, Boas defendia que a difusão não se
processava, apenas, do centro para a periferia, mas em qualquer direcção, entre os
diversos grupos humanos.

3.7 Escola de Cultura e Personalidade

 Escola dos E.U.A. coetânea ao funcionalismo britânico (Malinowski e Radcliffe Brown).

 Fundada por discípulas de Franz Boas: Ruth Benedict e Margaret Mead, inspiradas em
Sigmund Freud (psicanálise) e no filósofo Nietzsche.

 Tentaram interpretar as culturas em termos psicológicos de personalidade básica. O seu


paradigma central é que uma personalidade básica é partilhada por todos os membros de
uma cultura.

 De acordo com Margaret Mead (1968) existiriam 3 tipos de culturas:

a) Culturas pós-figurativas: onde os filhos aprendem, em primeiro lugar, com os pais.


O novo é uma continuação e repetição do velho, negando-se a mudança. Os velhos e
os avôs têm muita importância. A mobilidade social é reduzida e o passado forma um
continuum com o presente e o futuro. Cultura da família extensa.

b) Culturas co-figurativas: quebram o sistema pós-figurativo. Os jovens rejeitam o


modelo dos adultos e aprendem formas culturais inovadoras. Os adultos acabam por
verificar que os seus métodos são insuficientes ou pouco adequados à formação do
jovem e à sua integração na vida adulta. Os jovens conseguem a mobilidade social por
si desejada; ignoram os padrões dos adultos ou são-lhes indiferentes. Cultura da

61
família nuclear. Os velhos e os seus conhecimentos deixam de ser pensados como
necessários.

c) Cultura pré-figurativas: os adultos aprendem com os seus filhos. Nesta nova


sociedade, só os jovens estão à vontade, pois dominam os progressos científicos. Em
extremo, os adultos não tem descendentes e os filhos não têm antepassados. O futuro é
agora e produz-se uma quebra entre uns e outros. O que interessava aos adultos já não
interessa aos jovens.

Ruth Benedict (1934), seguindo ao filósofo Nietszche, distinguiu dois tipos de culturas, entre
os índios norte-americanos:

a) Dionisíacas (i.e. ameríndios), que destacam a extâse e a violência.

b) Apolíneas (i.e. os zunhi), que destacam a moderação e o equilíbrio.

3.8 O Funcionalismo

Os sociólogos franceses e a sua influência

Influeciam, profundamente, os antropólogos britânicos do ínicio do século XX (como


Malinowski e Radcliffe-Brown). Provocaram o abandono da arqueologia e da antropologia
física pela antropologia social.

Émile Durkheim (1858-1917) foi um grande inspirador dos estudos antropológicos. Na sua
revista "L´Année Sociologique"(1898-...), seguiu o sociólogo britânico Herbert Spencer,
afirmando a independência dos factos sociais (regras de comportamento, normas, critérios de
valor, expectativas dos membros) relativamente à consciência dos indivíduos que formam a
sociedade. Na expressão da individualidade, quebramos as normas, quer por impulso, quer de
forma calculada. As normas são diferentes das expressões da individualidade: podem ser
sociais (o que a gente acredita que deveria acontecer) ou estatísticas (o que normalmente
acontece). O comportamento social apropriado é uma reacção ante pressões complexas.
Durkheim escreveu "De la Division du Travail Social"(1893) e "Formes Elémentaires de la
Vie Religieuse"(1912). Nesta última obra, dedicada aos aborígenes australianos, afirma que o
totemismo é a religião mais antiga e que o ritual reflecte a ordem social e venera a sociedade.

Foram contemporâneos de Durkheim: Marcel Mauss (estudou o intercâmbio de prendas como


princípio das relações sociais, processo actualmente denominado “reciprocidade”), Van

62
Gennep (estudou vários tipos de rituais, sobretudo os rituais de passagem) e Max Weber
(1864-1920).

A introdução dos estudos de campo

No final do séc. XIX, generalizou-se a ideia da procura de dados próprios, em vez da análise
de documentação elaborada por terceiros (ex.:viageiros). Entre 1883 e 1884, Franz Boas
estudou os esquimós, e, entre 1897 e 1902, Jesup North Pacific estudou a relação entre os
aborígenes da Ásia Norte-oriental e os ameríndios da América do Norte. Em 1898, efectua-se
uma expedição britânica ao Estreito de Torres e Nova Guiné, na qual participou W.H. Rivers
que teorizará os conceitos de “descendência” (pertença ao grupo social da mãe ou do pai),
“sucessão” (transmissão do estatuto ou do cargo) e “herança” (transmissão da propriedade).
Segue-se a expedição de Malinowski às Ilhas Trobiand (Pacífico). Malinowski introduziu a
ideia do trabalho de campo, com duração mínima de um ano como mínimo (preferivelmente
2, com um intervalo para ordenar os resultados e ver que perguntas faltaram por fazer).

O conceito de função

Herbert Spencer (1820-1903) foi o primeiro sociólogo britânico a usar este conceito. Viu um
estreito paralelismo entre as sociedades humanas e os organismos biológicos (na forma de
evolução e conservação), porque ambos existem graças à dependência funcional das partes.
As funções seriam obrigações, nas relações sociais. Influenciou Marcel Proust.

Émile Durkheim (1858-1917) relaciona o facto social com as necessidades que cumpre e
satisfaz – função (exemplo: o castigo do delito, a divisão do trabalho). O social só poderia
explicar-se pelo social e não por constituição biológica ou por psicologia individual. Este
autor estava preocupado com o problema da ordem e da estabilidade social e pelo modo como
se poderia evitar a desintegração da sociedade, sob a pressão dos interesses egoístas dos seus
componentes.

B. Malinowski (1884-1942) criou a autodenominada “Escola Funcionalista”. Parte de


Durkheim (os costumes inúteis e sem significado deixam de existir). Um fenómeno social
serve o povo que o pratica. Relacionou a organização social com as necessidades biológicas
(alimento, abrigo, reprodução). Essas necessidades são, porém, diferentes das necessidades
dos animais, as necessidades humanas são satisfeitas através da cooperação numa sociedade
organizada que fala, pensa, transmite experiência, conhecimentos, valores e regras de
conduta. São também diferentes das necessidades dos animais porque requerem educação
(dispositivo para transmitir a herança de conhecimentos e valores morais) e uma fonte de

63
confiança na rectitude das suas normas e da continuidade da sua existência. Esta confiança
deriva da religião. Malinowski critica Durkheim e afirma que as necessidades do organismo
individual ou da espécie (abrigo, calor, liberdade de movimento) são diferentes das
necessidades da sociedade (instituições sociais como a família ou o matrimónio são
dispositivos sociais que atendem as necessidades sociais).

A R. Radcliffe-Brown (1881-1955) insistirá no facto de que a função não deve ser usada no
sentido de "intenção", "finalidade" ou "significado". A proposição "todo uso social tem uma
função" pode converter-se facilmente em "todo uso social é bom". Para Radcliffe-Brown, a
funçao é o que sustenta a estrutura social, ou seja, a coesão dentro de um sistema de relações
sociais. Por exemplo, a magia tem a funçao de actuar como um mecanismo de solidariedade
social.

3.9 O neoevolucionismo, a ecologia cultural e o materialismo histórico

O paradigma teórico fundamental destas linhas teóricas é o de que a cultura é um sistema de


adaptação ao meio ambiente.

O Neoevolucionismo

Leslie White (1900-1974)- Estudou Ciências Sociais, na Universidade de Columbia, e


Antropologia (Ph D), na Universidade de Chicago. Em contraste com Tylor e Morgan, White
mais estava interessado em estudar o desenvolvimento da cultura universal (a cultura humana
em geral) e não determinadas culturas, em particular. Entendia a cultura como algo
progressivo e numa única direcção.

“A cultura avança segundo um certo montante de energia per capita, incrementa-se e


distribui-se…”

 -Os traços culturais mais adaptáveis são os que sobreviviam no seio da competência
cultural.

 A cultura dividia-se em 4 componentes: traços ideológicos, sociológicos, sentimentais


e tecnológicos. O factor tecnológico determina os outros componentes, isto é, a
mudança social é motivada pela mudança tecnológica. Esta é uma visão determinista
da Cultura.

64
 Metodologia: A cultura devia ser estudada desde o exterior, observando-a de uma
forma objectiva e sem adoptar o ponto de vista dos participantes. Esta acepção
contradiz Boas e Malinowski.

 Polémica com o antropólogo norte-americano Alfred Kroeber (discípulo de Boas).


Para White, o desenvolvimento cultural era muito semelhante à evolução natural de
Darwin; o motor do desenvolvimento cultural seria o aparato tecnológico. Kroeber
concorda com Leslie White na concepção da cultura como fenómeno supra-orgânico
(uma entidade que obedece a leis próprias que podem ser estudadas,
independentemente dos seus portadores), mas não concorda no determinismo
tecnológico, pois salienta os aspectos idealistas como motores do câmbio.

A Ecologia Cultural

-Julian Steward (1902-1972). Discípulo de Kroeber e Carl Sauer (geógrafo).

-Ecologia cultural: Estuda a forma através da qual os indivíduos e grupos humanos se


adaptam às suas condições naturais, por meio da sua cultura. O meio natural exerce uma
pressão selectiva sobre da cultura, eliminando os elementos culturais menos adaptados e que
menos possibilidades têm de vingar no controlo do meio.

-O “núcleo cultural” é o conjunto de traços ligados às actividades económicas e de


subsistência.

-A mudança cultural estaria motivada por mudanças na tecnologia ou nos sistemas produtivos.

-Contrariamente aos Evolucionistas unilinhares e a Leslie White, Steward defendeu o


Evolucionismo Multilinhar para explicar as diferenças culturais e a adaptação específica.

-Steward coloca a questão dos processos materiais que incidem nos seres humanos
confrontados com o seu meio envolvente.

-Uma derivação da ECOLOGIA CULTURAL é representada pelo antropólogo


RAPPAPORT. Este autor define a cultura como um sistema de adaptação que capacita os
humanos para se apropriarem do seu meio; para isso contribuem aspectos materiais e não
materiais (ciclos materiais), mas sempre para manter a produtividade de um meio.

65
O materialismo cultural

-Marvin Harris (1931-2001) aplica os princípios deterministas de Steward. A sua teoria é a


do determinismo tecno-ambiental, segundo a qual a aplicação de tecnologias semelhantes a
meios semelhantes tende a produzir semelhanças na produção, distribuição, grupo social,
sistemas de valores e de crenças.

- Outorga prioridade ao estudo das condições materiais da vida sociocultural.

-As causas da evolução cultural são: factores demográficos, tecnológicos, económicos e


ambientais. Marvin Harris influenciará bastante a antropologia marxista: Maurice Godelier,
na França (ligado também ao estruturalismo) e Stanley Diamond, nos EUA (fundador da
revista Dialectical Anthropology).

-Antropólogo polémico, grande divulgador da antropologia. Trabalhou na Universidade de


Columbia (New York), entre 1953 e 1980, fixando-se, depois, na Universidade da Florida.
Publicou 17 livros.

-Entre as suas muitas polémicas teorias, sublinhamos a que se dedica às causas que guiam a
abstinência dos judeus e muçulmanos no consumo de carne de porco. De acordo com Harris,
estes não comem porco porque os porcos comem o mesmo que os humanos e isto torna a sua
manutenção muito dispendiosa. Comem ovelhas e cabras, porque a sua manutenção é mais
barata, para além de que dão leite, lã e força de trabalho.

3.10 O estruturalismo francês

A partir da 2ª guerra mundial, por influência da linguística estrutural de Ferdinand de


Saussure, a cultura começou a entender-se como um sistema de ideias e de signos. Se o
funcionalismo entendia a sociedade como um organismo ou máquina, na qual o actor social
seguia determinadas regras, o estruturalismo começa a preocupar-se com os princípios lógicos
das estruturas de sentido. Face ao modelo funcionalista, estático e incapaz de explicar a
mudança e o individualismo, o estruturalismo francês começa a preocupar-se com a mudança
e o individualismo.

O seu representante máximo foi o francês – mas, natural da Bélgica – Claude Lévi-Strauss
(1908- ), que defendeu uma ideia fundamental: as uniformidades culturais nasciam na cabeça
humana e também num processo de pensamento inconsciente. A característica fundamental da
mente humana é a tendência para criar dicotomias e para estabelecer opostos binários:

66
puro/impuro, limpo/sujo... Estas dicotomias explicariam as similitudes e as diferenças entre as
culturas. A antropologia seria para este autor uma semiologia da cultura.

A estrutura foi entendida como o conjunto de princípios lógicos subconscientes organizados


em oposições binárias.

Para o estruturalismo, as culturas são sistemas de signos partilhados e estruturados, segundo


princípios que governam o funcionamento do intelecto humano que os gera. Influenciaram o
estruturalismo francês: Durkheim, Jakobson (teoria linguística), Kant (idealismo) e Marcel
Mauss (sogro de Durkheim) (1872-1950). No seu “Ensaio sobre a dádiva” (1924), Mauss
interpreta as prendas como um facto que penetra cada um dos aspectos da vida social; daí
falasse disso como um “facto social total”. O intercâmbio social fundamental e omnipresente
encontrava-se governado por três tipos de obrigações: doar prendas, recebê-las e devolvê-las.
Para explicar isto, Mauss postulou uma força mística interna aos objectos que se trocam.
Marcel Mauss não fez pesquisa de terreno, mas deixou ensaios antropológicos magistrais. Em
1947, publicou um manual de antropologia.

Claude Lévi-Strauss (1908- ) clarificou o contributo de Mauss e deu uma interpretação


mais convincente: as três obrigações (dar, receber e retribuir) não podem ser explicadas,
adjudicando aos objectos trocados uma força intrínseca própria. A troca de prendas é mais
importante que as próprias prendas. Através das trocas contínuas, criam-se, entre os
indivíduos e os grupos laços sociais que estabelecem e organizam, entre eles, um sistema de
relações complementares. A reciprocidade é a regra máxima dos intercâmbios.

Em 1949, Lévi-Strauss publica a sua obra “As estruturas elementares de parentesco” – sobre
os aborígenes australianos-, na qual aplica os princípios de reciprocidade e de estrutura social
ao estudo dos sistemas de matrimónio e parentesco. Analisa o tabu do incesto, como origem
da exogamia, e as trocas matrimoniais.

Este autor defendeu e aplicou os métodos linguísticos à antropologia. Foi um grande


estudioso dos sistemas míticos e dos seus significados, a partir da organização de opostos
binários. Absorveu do linguista Saussure a diferença entre língua (sistema fixo de regras
gramaticais e sintácticas) e fala (uso da língua pelos falantes).

Se Radcliffe-Brown (classificado de estrutural-funcionalista), tinha afirmado que a estrutura


era uma interacção das relações sociais que tendia a formar e manter viva a sociedade, Claude
Lévi-Strauss afirma que a estrutura é um modelo ou matriz sobre a qual se elabora o

67
pensamento humano. O pensamento tem como princípio básico orientador a oposição dualista
e dicotómica: esquerda-direita, negativo-positivo...

Outros antropólogos estruturalistas franceses

L. Lèvi-Bruhl (1875-1939): Para este autor, o pensamento dos chamados, na altura,


“primitivos” é pré-lógico, ou seja: é determinado pelas representações colectivas;
condicionado pela visão da realidade, como mística e sobrenatural; não científico; e não
baseado em causas. Perante estas características, o pensamento dos europeus seria lógico. Sob
um ponto de vista crítico, nem sempre pensamos e actuamos lógica, científica ou
racionalmente.

Marcel Griaule (1898-1959): Pesquisou, na Etiópia e no Mali (os dogon). Conduzir a


pesquisa de um grupo de estudantes, na África Ocidental, entre eles Jean Rouch que fez
cinema etnográfico. No seu livro “Dieu d´Euau”, relata como, só depois de 15 anos de
convivência com eles, conseguiu descobrir o seu sistema cosmológico. Essa descoberta
ocorreu durante um encontro com o velho sábio “Ogotemmeli”. Neste trabalho, Marcel
Griaule demonstra a plena humanidade dos dogon.

Quadro de síntese do desenvolvimento histórico da Antropologia

Períod Contexto
Escolas e teorias Autores
o histórico
 Curiosidade pelos costumes
exóticos e pelas explicações
sobre esta diversidade Heródoto (484-425 a.C.)
 “Bárbaros” (os não gregos): Santo Agostinho
Expansão do império e do comércio
Antes do séc. XV

“um olho na testa e os pés para Autores medievais


atrás” (Heródoto) europeus e árabes
 Santo Agostinho interpretava Ibn Haldun (1332-1406)
como pagãs a Grécia e a Roma
clássicas.

68
 Descobrimento do "mundo
selvagem" e constituição de um
novo campo de estudo: a
Início do colonialismo moderno e formação do capitalismo Descobrimento ocidental do mundo. Desenvolvimento do
história moral (estudo dos
capitalismo mercantil e do comércio de escravos
hábitos e costumes dos
diferentes povos). Dicotomia:
José de Acosta
selvagens/humanos (europeus).
Bartolomé de las Casas
Século XV

 Índios com natureza moral pura.


Jean Bodin (1530-96)
 Bartolomé de Las Casas foi dos
M. Montaigne (1533-92)
primeiros a teorizar sobre o
Jesuítas
“bom selvagem”. Ele
considerava os índios puros e
bons selvagens, mas os negros
não, de ai o dever de
evangelizar os primeiros e
escravizar os segundos.
Ilustração (Iluminismo):
 Interesse pelo estudo da história
industrial. Começa a abolir-se a escravatura.

da humana.
 De um teocentrismo a um
humanocentrismo.
 Aparece a dicotomia selvagem Montesquieu (1689-1755)
ou primitivo / civilizado e a
S. XVIII

ideia de progresso. Voltaire (1694-1778)


 Mito do Bom Selvagem de Rosseau (1712-1778)
Rousseau: os humanos são Smith (1723-90)
bons, é a sociedade que os
corrompe. Solução: voltar à
bondade primitiva da
humanidade, que está na
natureza.

69
Evolucionismo
 Influências da Ilustração e de
Darwin: evolução biológica e
sobrevivência dos mais aptos.
 SelvagismoBarbárieCiviliz
ação
J.J.Bachofen (1815-1887)
Expansão colonial

 Continua a dicotomia
primitivo / civilizado.
2ª metade do século XIX

L.H, Morgan (1818-81)


 A antropologia nasce como
H. Maine (1822-88)
disciplina académica.
Ex.: EUA expande-se para o Oeste

J.F. Mc Lennan (1827-


 Positivismo nas Ciências
81)
Sociais.
E.B. Tylor (1832-1917)
 Igualdade, liberdade,
J. Frazer (1854-1941)
fraternidade entre os humanos e
desigualdade entre culturas.
 Investigação sobre as leis da
evolução humana.
 MagiaReligiãoCiência
(Frazer)
Inícios do s. XX

Continua a expansão colonial e destroem-se algumas culturas

Reacção contra o evolucionismo


Difusionismo (Destaque para a
Ratzel (1844-1904)
Alemanha)
Graebner (1877-1934)
-O empréstimo cultural como
Frobenius (1873-1938)
mecanismo de evolução cultural. A
índias. Industrialização.

G.E. Smith (1871-1937)


causa é a tendência humana para a
W.J. Perry (1887-1950)
imitação.
W.H. Rivers (1864-1922)
-Teoria dos círculos culturais, desde
Egipto para outras culturas (ex.: vidro).
Particularismo histórico F.Boas (1858-1942)
 Cada cultura tem uma história C. Wissler (1870-1947)
particular. A. Kroeber (1876-1960)
 Noção de área cultural. R. Lowie (1883-1957)
 A difusão pode acontecer em
qualquer direcção.

70
 Relativismo cultural.
 Evolução também do complexo
para o simples.
 Trabalho de campo no terreno
(Boas)
Funcionalismo (Reino Unido)
 Noções de função, estrutura
social, interdependência,
equilíbrio funcional,
B. Malinowski (1884-
necessidade, ordem.
1942)
 Spencer: função = obrigação nas
A.R. Radcliffe-Brown
RR.SS.
(1881-1955) E.E. Evans-
 Durkheim: função = satisfaz
Pritchard (1902-1973) M.
Entre a 1ª e a 2ª Guerras mundiais

uma necessidade social


Fortes (1906-1983)
Sucesso do colonialismo

 Malinowski: função = a
organização social satisfaz
necessidades biológicas,
psicológicas e sociais.
Cultura e personalidade (EUA)
 Discípulos de Franz Boas.
 Influência da psicanálise e de
Nietzche. R. Benedict (1887-1948)
 “Personalidade de base” M. Mead (1901-1978)
partilhada por todos os G. Bateson
membros de uma cultura R. Linton (1893-1953)
 Tipos de culturas: dionisíacas A. Kardiner (1891-1981)
(extâse), apolíneas (moderação);
pré-figurativas, pós-figurativas,
co-figurativas.

71
Neo-evolucionismo
 Cultura como um sistema de
adaptação ao meio ambiente.
 A tecnologia, o uso da energia e
a demografia como elementos
chave da evolução.
 Os estádios de complexidade
social e avanços tecnológicos
(bando, tribo, perfeitura e
estado). L. White (1900-1974)
Começa a descolonização

 Evolucionismo unilinear.
 Os factores tecnológicos
Anos 1950

determinam os traços
ideológicos e sociológicos de
um grupo humano.
 Confronto com Alfred Kroeber
(que sublinha os aspectos
ideológicos como motores da
mudança cultural).
Ecologia Cultural
 Cultura como sistema de
adaptação ao meio natural.
 Motor da mudança: aspectos J.Steward (1902-1972)
tecnológicos, mas também a
organização da produção.
 Evolucionista multilinear.

72
Materialismo cultural
 Cultura como um
mecanismo de adaptação ao
meio.
 A aplicação de tecnologias
semelhantes tende a Marvin Harris (1931-
produzir sistemas de 2001)
produção e de organização Rappaport, Vayda Harris,
semelhantes. o 1º Marshall Sahlins
 As condições materiais da
existência actuam,
determinantemente, sobre a
vida quotidiana.
 Ecossistema, energia,
adaptação.
Movimentos de liberação nacional e processo de descolonização

Estructuralismo
 Existe uma cultura humana, não
só culturas. Existe uma unidade
psíquica da humanidade.
 Há regras culturais universais
que são um apriori.
 A cultura é entendida como um
Anos 1960,1970

sistema de signos partilhados


(influência da linguística). Claude Lévi-Strauss
 A estrutura é subjacente à (1908- )
cultura e à sociedade.
 Existe uma mente humana
universal que organiza o
conhecimento do
mundo em opostos binários ou
categorias dicotómicas: limpo /sujo;
acima/ abaixo; ordem/ desordem;
puro / impuro...  

73
Guerra fria e liderança mundial dos EUA.
Antropologia Cognitiva
 A Cultura é um sistema de
conhecimentos, percepções e Berlin, Kay,
crenças partilhados. Goodenough, Del Hymes,
 Estuda a forma como os Tyler...
fenómenos são organizados na
mente das pessoas.
Antropologia simbólica
 A cultura como um sistema de
símbolos, através dos quais os
membros de uma sociedade
comunicam a sua visão do
mundo.
 Cultura como veículo de  C. Geertz (1926), D.
comunicação. Schneider (1918),
Guerra do Vietname

V.Turner (1920-1983),
Mary Douglas…
Maio 1968

Antropologia marxista
 Paradigma dos modos de
produção.
 Relação dialéctica entre a base
Anos 1970

M. Godelier, E.Terray,
material e a cultura, entre a
Cl.Meillasoux, M.Bloch
infra-estrutura e a
superestrutura.
 Articulação de diferentes modos
de produção.

74
Antropologia pós-moderna
 A realidade é sempre
interpretada.
J. Clifford
 A antropologia é uma
Anos 1980

G. Marcus
interpretação de interpretações.
P. Rabinow
 Crítica das retóricas de
D. Tedlock
autoridade clássicas.
 Novo paradigma do trabalho de
campo: etnografia multisituada

75
3.11 Antropologia em África e em Moçambique

A Antropologia em África e em Moçambique, tal como vimos nas aulas anteriores, tem as
suas origens nas práticas do colonialismo. Para o caso de Moçambique, podemos situar as
origens da Antropologia no quadro da colonização portuguesa. Assim, para entedrmos a
evolução da Antropologia em Moçambique, teremos que revisitar parte da história da
antropologia colonial portuguesa.

A Antropologia colonial

Desde a subida ao poder da burguesia, na 1ª metade do s. XIX, o estudo dos "costumes


populares" foi considerado uma questão de interesse fundamental.

No s. XIX e 1ª metade do s. XX, a etnografia associa-se à procura de uma identidade


nacional. A identidade nacional deve ser encontrada entre "o povo" e não entre as classes
urbanas no poder (que não conformam o autenticamente português, por não serem rurais,
apesar de poderem ter uma existência muito antiga). Nesta fase, estabeleceram-se as seguintes
associações simbólicas:

AUTÉNTICO↔ ÚNICO PARA UM POVO ↔ O QUE TEM LONGA EXISTÊNCIA


↔PRIMITIVO↔COSTUME POPULAR↔TÍPICO

Acontece que o popular de hoje é rejeitado como má cultura e o popular de ontem é definido
como "tradicional". Curiosamente o que antes era só hegemónico e burguês é agora
considerado como "popular".

Estes processos sociais relacionam-se com a constante redefinição e com a necessidade de


perpetuação da burguesia. Há uma constante necessidade de redefinição, de procura dessa
autenticidade fugida, que a sociedade burguesa não encontra em si mesma. Isto não significa
uma subvalorização de si própria, mas uma relação de amor-ódio perante as camadas sociais
no seio das quais a sociedade burguesa procura autenticidade.

Os ciclos de renovação da antropologia foram sempre impulsionados por uma importação de


modelos analíticos desenvolvidos no estrangeiro:

Anos 20 do s. XIX Almeida Garret e Fascínio romântico Recolheram


Alexandre pelas "antiguidades contos e
(OS ROMÂNTICOS)
Herculano populares" para uma canções
(Exilados definição de uma nova populares.
políticos na
Inglaterra, nacionalidade.
durante as lutas
liberais)

Intensa criatividade científica de uma geração que acompanhou a gestação da República:


Oliveira Martins, Adolfo Coelho, Teófilo Braga, Rocha Peixoto, Leite de Vasconcelos,...
Desenvolveram, de forma académica, pela primeira vez, o estudo da cultura e das artes. Para
eles, a cultura popular era uma sobrevivência de crenças antigas.

A burguesia procurava, na história e na cultura popular, uma grandeza nacional perdida (o


império de ultramar). Nunca se chegou realmente a desenvolver uma tradição colonial da
antropologia.

SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA (Serpa Pinto: 1881,


sobre as suas explorações na África) (Lopes Mendes: 1886, sobre
1875
as posses portuguesas na Índia) (Manuel Ferreira Ribeiro:1877,
sobre Santo Tomé e Príncipe).

ESCOLA DE ESTUDOS COLONIAIS (associada á Sociedade de


Anos 1920
Geografia de Lisboa)

Nesta época, apenas se escreveu uma monografia sobre as colónias. JUNOD, Henri (1898):
The Life of A South African Tribe. Sobre os Thonga de Moçambique, um dos clássicos do
africanismo. O seu autor foi um missionário metodista suíço.

A partir de 1935, o regime ditatorial instituiu o estudo das colónias, com o objectivo de
elaborar mapas etnológicos. Isto foi bem definido no Primeiro Congresso Nacional de
Antropologia Colonial (Porto, 1934). Um dos seus autores foi Mendes Correia que utilizou
um método antropométrico de campo. Foram enviadas missões para todas as colónias
portuguesas, nomeadamente para África. Entre os impulsores destas missões destaca-se
Joaquim do Santos Júnior (Pereira, 1988). Esta antropologia representava as tendências mais
conservadoras das ideologias coloniais do regime.

A partir de finais de 1950 produz-se uma nova antropologia colonial, protagonizada por Jorge
Dias, que se distancia, cada vez mais, do grupo de Mendes Correia (Porto).

1952 Jorge Dias mudou-se para Coimbra, onde leccionou Etnologia e História da
Geografia
Integrou-se na Escola de Administração Colonial. Fez uma viagem à Guiné,
1956
Moçambique e Angola
Jorge Dias foi convidado para dirigir as Missões de Estudo das Minorias
Étnicas do Ultramar Português. Os seus assistentes foram: Margot Dias
1957 (esposa dele) e Manuel Viegas Guerreiro. O objectivo era realizar descrições
etnográficas, mas também relatórios confidenciais sobre as condições sociais e
políticas das colónias.
A Escola de Administração Colonial passou a denominar-se Instituto Superior
1961 de Ciências Sociais e Política Ultramarina. Aqui leccionou Antropologia
Cultural, Etnologia Regional e Instituições Nativas
Jorge Dias estudou os chopes do Sul de Moçambique, os Bóeres e Bosquímanes do Sul de
Angola, mas o seu trabalho central foi dedicado aos macondes do Norte de Moçambique,
escolha influenciada pelo facto do seu professor, o alemão Richard Thurnwald, ter estudado,
nos anos 30, os macondes de Tanganica (Tanzânia tornou-se independente em 1964). A
tensão política era intensa e, em 1964, começa o movimento pela independência de
Moçambique.

Marvin Harris também trabalhou em Moçambique com os thongas (1959), mas foi expulso,
nesse ano. Em 1960, Charles Wagley (também da Columbia University) foi convidado, pelo
Ministério, para substituir Harris, como acto de relações públicas e de reduzir a má impressão
da expulsão de Harris. Jorge Dias acompanhou a Wagley por Angola e Moçambique.

Em 1960, inicia-se, no planalto maconde, o levantamento de Mueda. Nestas circunstâncias, o


trabalho etnográfico tornou-se inviável. Viegas Guerreiro continuou, contudo, a estudar o sul
de Angola, nos verões europeus de 1962-63 e 64.

Segundo João de Pina Cabral (1991: 35-36), Jorge Dias nunca conseguiu ultrapassar as
limitações teóricas de base e não compreendia a teoria sociológica nem a antropológica.

A Antropologia no pós-independência, em Moçambique

A história de que dispomos da Antropologia em Moçambique é recente. A produção do


conhecimento não se reveste ainda de um carácter sistemático e esta, mesmo no âmbito
institucional, fortemente marcada pela iniciativa individual ou pela imposição de instituições
que financiam os estudos neste domínio.

Partindo desta constatação, o que gostaríamos de propor é um esboço da prática científica em


Moçambique no contexto da Antropologia e as razões da sua evolução. A elaboração deste
verbete, que conterá também uma perlodização, remete-nos para urn objectivo bem concreto:
a explicaçã do contexto institucional, ideológico, teórico e prático dos estudos hoje em dia, e
os problemas que esse contexto impõe a todos os investigadores.

Tomando particularmente como exemplo os estudos no contexto da Antropologia, a nossa


análise situa-se no período pós-independência onde as referências ideológicas ligadas numa
primeira fase à «transição socialista» e mais tarde ao «liberalismo» influenciaram o
desenvolvimento das ciências sociais em geral e da Antropologia em particular.

A experiência da Luta Armada e o trabalho intelectual- Como toda a produção intelectual,


a produção científica em Moçambique corresponde as condições históricas do seu
desenvolvimento, ou seja, aos meios teóricos e práticos do seu funcionamento.

Ao alcançarmos a independência não encontramos uma tradição de pesquisa antropológica


que pudesse fornecer orientações metodológicas válidas para uma abordagem sistemática e
organizada da realidade social. Os estudos etnográficos moçambicanos foram realizados no
âmbito da administração colonial, e tinham como objectivo conhecer a realidade social, a fim
de «bem administrar», e, algumas vezes, concomitantemente, fins folclóricos.

A emergência das ciências sociais bem como os seus pressupostos epistemológicos aparecem
assim, ligados, por um lado, ao contexto histórico (social e ideológico) do processo científico,
mas também a relação entre a teoria e a prática e entre a ciência e a ideologia.

O perrodo histórico que corresponde às três últimas décadas em Moçambique foi


marcadoporduas grandes viragens: o desencadeamento da luta armada contra o sistema
colonial português e a sua derrota por uma luta articulada em torno de uma ideologia
revolucionária visando criar uma sociedade socialista.

Alcançada a independência, tornava-se necessário explicar a luta de libertação nacional, o


subdesenvolvimento e a luta de classes neste país descolonizado. Um novo campo teórico se
impunha, pois a experiência histórica actual colocava um certo número de problemas de
ordem teórica e prática que so uma nova pratica de investigação poderia abordar e resolver. A
procura social, ou seja, o mercado do saber solicitava com certa precisão respostas científicas.

As características da nova situação levam assim a investigar as raizes económicas da ex-


ploração, as soluções políticas e revolucionárias da sua eliminação. A experiência da luta
armada (os seus ensinamentos teóricos e metodológicas) é considerada como uma das fontes
de inspiração do trabalho intelectual que se deseja inovador, revolucionário e popular. Nas
antigas zonas libertadas concretizaram-se os primeiros passos do processo de transformação
revolucionária da sociedade moçambicana que sempre foi o objectivo central da luta de
libertação.

Emerge uma visão da luta armada idealizada que a vê como uma experiência que enfrentou e
ultrapassou, sem grandes problemas, todos os conflitos. O estudo das diversas formas de
opressão far-se-ia através do processo de libertação com o objectivo da eliminação das formas
de «opressão do homem pelo homem».

Há um esforço constante de estudar a luta armada porque só através dela se poderá constituir
uma tradição de pesquisa e de luta enraizada nas realidades moçambicanas.

A FRELIMO preconiza a defesa da posição de que a génese da teoria social não se processa
apenas nas salas de aula, no estudo dos textos, mas também numa prática e numa luta social.

Mas mais marcante é a teorização a partir da prática visando a mudança social onde o mar
xismo detém um lugar de eleição. Assim se referia o Presidente Samora Machel a um
jornalista em Março de 1980: «No nosso país, o marxismo é produto da luta de libertação
nacional. Nós não proclamamos o marxismo depois da independência. A própria guerra
transformou-se, no seu processo de desenvolvimento, numa guerra revolucionária popular.
Foi isto que permitiu à Frente de Libertação transformar-se num partido marxista-leninista.»

O estudo formal do marxismo e a sua utilização constante como instrumento e método para
analisar as condições da realidade social e imposta ao cientista social.

Esta imposição ideológica condicionará o desenvolvimento da pesquisa e de aplicação de urn


quadro conceptual mais consentâneo com a realidade interna.

Mas estaria a Antropologia e outras ciências sociais em condições de facultar os instrumentos


para estudo de certas dimensões do passado ainda que numa perspectiva marxista? A partir da
independência (e cremos que, mesmo, antes) os quadros políticos e intelectuais do Partido
desconfiam da Antropologia. Para o discurso antropológico tal como se constitui
historicamente, a racionalidade das culturas do Terceiro Mundo, racionalidade construída por
uma interpretação instrumental, e de algum modo fictícia e passiva, correlação teórica da
passividade e da não responsabilidade do indígena no regime colonial. O facto de a
Antropologia tertido necessidade desta visão objectivante e redutora leva-os a pôr em causa
esta disciplina assim como este tipo de visão;porvezes, menos por causa das suas teses, do que
pelo seu estatuto etnocêntrico.
Não vendo no colonialismo mais do que a aculturação ou a mudança social, a Antropologia e
acusada de justificar o colonialismo, vista que oculta o aspecto político da realidade colonial -
a suposta modernização baseada na dominação. A violência e esquecida ou justificada em
nome do processo de modernização. Em consequência disso e por razões explicitamente
politicas e ideológicas, a desconfiança estende-se também à Sociologia.

A Ruptura com a Antropologia Classica e a Transição Socialista - Perante uma dinâmica


que exige atenção e intervenção permanentes, que nos são impostas Deja premencia de
realização de projectos de desenvolvimento, surge a necessidade da continuac;ao da intenção
antropológica. Mas como combinar a intenção antropológica com a recusa da Antropologia
clássica? Esta será assinalada por uma ruptura. Ruptura flmpirica: to- mada em consideração a
história concreta das populações africanas - da monografia da aldeia passa-se para a estudo
dos grupos sociais nacionais; ruptura teórica: explicação materialista da história, um estudo
continuo da realidade social nas suas condições especificas, concretas em termos de tempo e
de espaço.

No contexto de Moçambique, a investigação social, desenvolvida de forma mais sistemática


no Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universi- dade Eduardo Mondlane em finais dos
anos 1970, jogou um papel imediato e activo no processo de transformação socialista. A
estratégia da transição socialista, baseada numa aliança de classe de operários e camponeses
definida pela FRELIMO, afectou em duas frentes a investigação: primeiro, na escolha dos
temas e materias de investigação, segundo, na unidade da investigação com o ensino e
aplicação dessa investigação.

Esta elaboraçãao conduz à explicação das estruturas sociais tradicionais em termos marxistas
dos modos de produção. Algumas pesquisas bem como as suas reflexoes teoricas ilustram esta
tendência. Numa investigação realizada sabre regime de trabalho forçado nas plantações no
centro do país, Carlos Serra afirma: «A introdução de formas de acumulação de capital
ligadas quer ao mussoco quer à produção de plantação, fez-se, na Zambézia, com a
preservação/negação dos modos de produção pre-capitalistas.»

Esta concepção revelou-se bastante atraente para os cientistas sociais que viram na adopção
desta abordagem uma maneira de aderirem à comunidade de investigadores e cientistas do
Ocidente.

A ênfase presente na maior parte dos estudos é posta sabre a quantidade e a profundidade das
mutações sofridas pelos Moçambicanos, concluindo que a população rural, sobretudo a do Sul
do país, no inicio da independência, se encontrava proletarizada ou semiproletarizada e
estruturada em classes.

Convém referir que algumas destas abordagens se articulavam directamente com a


planificação com vista ao desenvolvimento num período em que do ponto de vista
economico-social se lançava, a nivel do partido e do Estado, a “década da vitória sabre o
subdesenvolvimento”. Tratava- se efectivamente de uma investigação aplicada.

A Reflexao Participativa - Urn novo imperativo conduz-nos a tentar elaborar achegas novas
em que as nossas sociedades já não são vistas de um ponto de vista reducionista, mas sim na
significação que se dão a si próprias.

Urn exemplo destes estudos é dado pela pesquisa realizada sabre a desenvolvimento do
habitat por uma equipa interdisciplinar (que incluia soció1ogos, antropó1ogos, arquitectos,
geógrafos e historiadores) da Direcção Nacional de Habitação (DNH). Estes trabalhos eram
encarados numa perspectiva histórico-antropológica, tomando como sujeito desse processo o
homem, as suas acções e as suas relações sociais concebidas como urn produto do passado
articulado com o presente. A pesquisa procurava encontrar no saber e no comportamento
herdado das populações, no que respeita à habitação, tecnologia e uso do espaço, pontos de
referência que permitissem uma aproximação às soluções e respostas habitacionais e de
ocupação do território «tecnicamente apropriadas, sociológicamente coerentes,
economicamente possíveis e politicamente correctas».

A remodelação dos temas, segundo novas concepções, conduz à investigação participativa.


Como corolário das reflexões sabre a realidade económica, social e política que o país vivia a
partir da década de 1980, a Organização da Mulher Moçambicana (OMM) desencadeia, em
1983, a primeira pesquisa com o objectivo de estudar a situação da mulher em tado o
Moçambique. Esta investigação originou um questionamento e um debate em torno das
principais problemáticas, através das quais se analisava a poligamia, os ritos de iniciação e
formas de compensação matrimonial. Com efeito, muitas destas práticas eram vistas como
obscurantistas e nefastas, devendo ser desestruturadas como condição para integração dos
grupos rurais no projecto global de construção nacional e do socialismo.

No contexto das transformações político-económicas ocorridas no país com a liberalização da


economia em finais dos anos 80, numerosos estudos são igualmente realizados sabre o
impacto do programa de reajustamento estrutural nas camadas mais desfavorecidas,
particularmente as citadinas.
É, pois, um contexto de mudanças económicas assinaláveis em direcção a uma economia de
livre mercado. Mas e, igualmente, de mudanças políticas (rumo à democracia) e de
posicionamento dos investigadores onde é posta em causa a eficácia de se organizar o
conhecimento social por imposições de uma ideologia oficial ou de acordo com as balizas
definidas pelo Estado.

O desafio em desenvolver métodos para um estudo participativo da pobreza tern envolvido a


adaptação de “mecanismos para ouvir” para permitir que experiências a nive local, percepções
e análises contribuam para o debate nacional sobre pobreza e politica social. Com efeito, o
método participativo tern contribuído para a ilustração da diversidade e complexidade das
concepções locais de bem-estar, a variação das preocupações de uma comunidade para outra e
a capacidade para apreender, dos próprios pobres, um sentido da riqueza das noções de
pobreza.

As práticas do diagnóstico rural participativo introduziram uma nova dimensão no processo


de investigação: a restituição da informação a comunidade. Assim, aqueles que forneceram a
informação recebem-na de novo e discutem as propostas feitas para a solução do problema
investigado.

O grande contributo da pesquisa antropológica ao estudo do desenvolvimento reside menos na


informação recolhida do que no uso destes dados para entender e explicar os problemas do
desenvolvimento e analisar o impacto das políticas a nível mais aprofundado.

O desafio da reconceptualização - O trabalho empírico realizado foi exigindo gradualmente


uma melhor preparação epistemológica, no sentido de entender a realidade que nos rodeia, a
descrição do quadro teórico em que se inscreve a investigação, o precisar de conceitos
fundamentais e as ligações que existem entre eles e assim desenhar a estrutura conceptual em
que se fundamentam as proposições em que vai assentar o modelo de análise. o trabalho
empírico foi requerendo uma problematização permanente, urn requestionar de alguns
pressupostos metodológicos e redefinição de alguns conceitos.

Moçambique é caraterizadoporurn mosaico cultural e linguístico e outras especificidades que


necessitam de urn novo enfoque e carecem de uma reconceptualização e de uma contestação
de certas ortodoxias e paradigmas cientificos.

O conceito de relações sociais de género tern estado a ganhar, na prática das reflexões da
Sociologia e da Antropologia, estatuto de paradigma, ao informar sabre as relações sociais
entre homens e mulheres. Neste sentido, esta postura teórica anuncia uma profunda mudança
na delimitação do objecto. Se, até há pouco, o objecto de estudo era a construção social e
subordinada do feminino, hoje, remodelado, é a construção das relações sociais entre hornens
e mulheres, isto é, as relações de género.

Este enfoque dinâmico significa uma alteração na era dos estudos sabre a mulher - mulher e
educação, mulher e politica, mulher e família -, descortinando novas horizontes. Não basta
indicar o lugar onde estão as mulheres, o que fazem, ou que não fazem. É preciso apreender o
cerne das relações sociais que sac também constitutivas das relações de género e vice-versa.

As análises de género, os estudos sabre a mulher envolvem necessariamente críticas e


desafios aos paradigmas dominantes bem como as abordagens praticadas nas ciências sociais,
como parte de um processo de desenvolvimento de novoas paradigmas. O androcentrismo
prevalecente no campo do conhecimento das ciências sociais continua a ignorar e a
marginalizar a contribuição da mulher para a sociedade, ajudando a subordinar a mulher ao
gerar urn conhecimento sexista que legitima uma ordem social dominada por homens. Ao
utilizar-se o género como instrumento conceptual, desafiam-se as abordagens convencionais:
as migrações de trabalho para a vizinha Africa do Sui, por exemplo, não poderão ser vistas
apenas como empreendimentos masculinos na procura de melhores condições de vida, mas
como um processo de expansão da produção, de distribuição, onde quer os homens quer as
mulheres jogam papeis fundamentais, se bem que distintos, e durante o qual as relações de
género são frequentemente construidas.

A pesquisa sabre a família e as formas de família em Moçambique desenvolvida pelo Centro


de Estudos Africanos e pela Faculdade de Letras da UEM fornece-nos igualmente uma
ilustração deste desafio da reconceptualização. O debate entre os investigadores tern
levantado algumas questões relativamente à caraterização clássica do conceito de família e
sua «operacionalidade», nomeadamente no que respeita às suas funções.

Para uma conceptualização da família é forçoso levar-se em linha de conta, tanto os modos
que orientam a sua constituição e organização, como as representações simbólicas que lhe dão
significado.

Não existe, nem a titulo descritivo, informação suficientemente relevante sabre a evolução
histórica da composição e estruturação das formas de família e, mais recentemente, de como
os factores guerra e crise económica provocaram novas conformidades e geraram alterações
na constituição e na vivencia do espaço social da família.
No seio de alguns grupos populacionais em Moçambique, as funções consideradas unívocas
têrn significaçóes diferentes, o pai social não coincide com o pai biológico e não ocupam o
mesmo espaço físico. Neste contexto, as funções têrn de ser entendidas conjuntamente com a
estrutura em termos de composição/alteração da família e como as relações famíliares que se
estabelecem evoluem, consoante o sexo e a idade, dependentes de fenómenos sociais,
económicos e políticos.

Alguns aspectos do contexto socioinstitucional do ensino - A criação de urn novo espaço


institucional para a ensino/investigação em ciências sociais de Antropologia processa-se na
Unidade de Formação e Investigação em Ciências Sociais (UFICS). Este tipo de ensino
permite que as diversas disciplinas apareçam na sua interdependência que a diversidade de
perspectivas enriquece. Dá ao conjunto das referidas ciências uma nova legitimidade e
impulsiona a formação de cientistas no referido campo.

Esta forma integrada de formação e investigação baseia-se na reflexão e na experiência


internacional cadda vez mais contrária a compartimentações - quer entre disciplinas
académicas historicamente constituídas, quer entre ensino, formação de docentes e
investigação - que se afiguram científicamente estéreis, pedagogicamente disfuncionais e
onerosas do ponto de vista dos recursos exigidos.

A família nuclear e ocupada pelas disciplinas academicas da Antropologia Social, da Ciência


Politica e da Sociologia. A este núcleo agregam-se, servindo-se dele como suporte, três áreas
do saber que têrn uma orientação clara para a «saber fazer», ou seja, Administração Pública,
Acção Social e Relações Internacionais.

Mas a ensino das disciplinas das ciências sociais, designadamente da Antropologia, não se
cinge apenas a UEM. Outras instituições de ensino tal como a Universidade Pedagógica, o
Instituto Superior de/Tecnologia de Moçambique (ISCTEM), o Instituto Superior Politecnico
e Universitario (ISPU) detém no seu curriculo cadeiras de Antropologia.

Apesar deste progresso no domínio do ensino e da investigação em ciências sociais,


permanecem em aberto algumas questões que em certa medida condicionam as propostas e as
quadros instituicionais de investigação. Trata-se poiss, no caso das ciências sociais, de
delinear estruturas estruturantes do habitus de investigação científica.

Esta criação progressiva e que se insere num tempo longo pressupõe a inovação e a
criatividade, isto é, a emergênciua de novos conhecimentos. Pressupõe ainda colaboração
com diferentes instituições a nivel regional e internacional visando o intercâmbio cientifico
(trocas de informação bibliografica, desenvolvimento de redes de investigadores, criação de
banco de dados).

Conclusão - Os desafios que se colocam à sociedade moçambicana, considerando as


implicaçóes sociais das mudanças ocorridas no sistema económico, as perspectivas abertas
pela consolidação da paz e as transformações políticas ligadas a introdução de um sistema de
democracia multipartidaria exigem a produção de um conhecimento sistemático da sua
realidade social. O antropólogo equipado com o conhecimento do contexto sociocultural do
país poderá, porventura, mais facilmente estabelecer a base epistemológica sabre a qual se
constroem significados mais exactos das intervenções sociais. Contudo, a diversidade de
sistemas ecológicos e simbólicos, diversidade de condições económicas e de sentimentos,
torna necessáaria na apreensão do conhecimento uma grande flexibilidade de espirito e
sensibilidade, exige dialectica da teoria e das práticas, a procura de conceitos e metodos,
progressivamente mais adaptados ao conteúdo a analisar.

Afirma-se, assim, a necessidade da interdisciplinaridade das diferentes ciências promovendo a


maior capacidade possível de compreender e transformar o real diverso, mais o importante
que o secundário, empiricamente sempre que necessario, mas científicamente sempre que
possível.

Estamos em crer que o sucesso das intervenções sociais, quer se trate de políticas públicas ou
de iniciativas privadas, depende em parte desse conhecimento. Trata-se de fazer da
ivestigação social alga de aceitavel e util na formulação e implementação das políticas.

Antropologia em África e no chamado Terceiro Mundo

A antropologia como ciência confirmada e distinta da filosofia foi desenvolvida durante a


expansão colonial. E assim nasce como uma ciência de e para a colonização.Tratava-se de
justificar a dominação de uns continentes, subcontinentes, povos ou raças sobre os outros.

A teoria da antropologia colonial limitava-se a conceitos científicos como «salvagem»,


«primitivo», «arcaico», «não civilizado», «sem escrita» para estigmatizar aos povos não
industrializados. Esta antropologia se definia como ciência que estuda os povos primitivos.

Foram realizados estudos para criticar e redefinir seriamente as reais pretensões da


antropologia, isto é, «a ciência das culturas da humanidade inteira». Eminentes antropólogos
têm realizado e continuam realizando este dever científico para rectificar e voltar a establecer
esta verdade científica violada, transformada em mentira pela antropologia colonial (cfr.
Auzias 1977; y Colombres). Nessas críticas, contudo, o fenómeno não tem sido explicado de
maneira suficiente e muitas páticas permaneceram ao nível da antropologia colonial muita
gente deas instituições científicas e intelectuais continua considerando a antropología tal
como foi introduzida nas colónias.

O pior de todo este fenómeno é a existência de uma espécie de complexo de inferioridade


entre os poucos antropólogos que há, complexo de inferioridade face à ignorância dos demais
cientistas sociais às pessoas que continuam olhando-os como representantes de uma ciência
colonial. Alguns fazem-se passar por sociólogos, enquanto na realidade são antropólogos.
Face a este comportanto, conclui-se que muito depois de a antropologia colonial ter cessado,
persistiu e persiste uma espécie de estigma sociológico, erróneo e lamentável, que deve ser
refutado e destruído.

Nas nossas universidades, para além da necessidade da destruição definitiva do fenómeno que
acabou de se descrever, tem que se chegar à instauração de uma verdadeira interdependência
entre as ciências sociais, em investigações plurisdisciplinares, em todas as duas formas
(multidisciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar), para alcançar uma teoria explicativa e
valorizadora das sociedades do chamado terceiro mundo.

Apesar das independencias dos países de África Negra a máquina da transfiguração do negro
tem sido tão importante que as suas sequelas psicológicas têm deixado permanentemente nos
negros, como individuos e como colectividade. Continuamos ignorando o que somos
realmente, depreciando-nos pessoalmente e colectivamente, querendo às vezes ser outra coisa
que não somos, isto é, querendo branquear-nos. Alguns se identificam com o sistema
económico desenvolvido do país em que vivem, para considerar-se superiores aos demais.

Frente a estas sequelas psicológicas tão profundas, é necessário restablecer a verdade e a


realidade científica sobre as raças oprimidas, fonte essencial para e reencontro e renascimento
de seu orgulho, em igualdade com todas as raças. Os cientistas sociais do terceiro mundo têm
uma necessidade de ruptura ineludível, para comprometer-se no reexame e na reinterpreteação
correcta da história socio-cultural, socio-política e socio-económica dos seus antepassados,
história brutalmente negada pelas teorias coloniais de uma antropologia violada.
As ciências sociais em geral e em particular a antropologia, que deveriam ajudar o ser
humano a libertar-se dos prejulgamentos, têm sido contaminadas com uma “desonestade
intelectual alheia a todo o rigor científico, dentro do mecanismo de justificação e imposição
do imperialismo ocidental” (Koffi 1985: 12).

A missão das ciências sociais consiste em estabelecer a verdade científica que permita o bem
estar e a liberdade do ser humano na sociedade em que vive. A antropologia, que é ciência do
homem por excelência, é a que com maior obrigação deveria estabelecer a verdade a partir
dos seus resultados científicos.

Desde a perspectiva antropológica, todos os povos e culturas se revistem do mesmo interesse


como objecto de estudo. Por isso, a antropologia se opõe ao ponto de vista dos que se crêm
ser os únicos representantes do género humano, estar na dianteira do progresso ou ter sido
eleitos por Deus ou a história para modelar o mundo à sua imagem e semelhança.

Para a antropologia, o único modo de alcançar um conhecimnto profundo da humanidade


consiste em estudar tanto as terras longíncuas como as próximas, tanto as épocas remotas
como as actuais.

A tarefa da antropologia consiste, ou consistirá, em chegar a uma compreensão antropológica


comprometida com a teoria da causalidade; uma teoria que afirme que a sociedade é
explicável, compreensível e teorizável.

Actividades

1. Explique os passos dados pela antropologia nos séculos XVI à XIX.


2. Na segunda metade do séc. XIX, a Antropologia profissionaliza-se.
a) Justifica com base em exemplos.
b) Descreva o contributo dado pelos antropólogos evolucionistas para a
construção da ciência antroplógica.
3. Que entende por ecologia cultural?
4. Define Cultura na perspetiva do antropólogo Rappaport.
5. Elabore um quadro da antropologia desde a sua génese até a idade contemporânea.
6. Contextualize o saber antropológico em Moçambique nos períodos colonial e pós-
independência.
Unidade 4
A cultura e as Culturas

4.1 Introdução

Na unidade temática sobre a Cultura e as Culturas, iremos estudar o conceito da Cultura as


características desta. Também iremo-nos inteirar sobre o dinamismo cultural e os processos
que o caracterizam. Iremos igualmente estudar os processos da interacção entre a cultura e a
natureza, sociedade e a civilização, a cultura do simbólico e a ultura material; a identidade
cultural; a erosão e permanência da identidade cultural; a totalidade cultural expressa nos
conceitos da unidade, diversidade e etnicidade.

4.2 Objectivos

No final desta unidade pretende-se que você, caro estudante:

 Compreenda a noção de cultura e a sua interligação com o social.

 Se familiarize com os conteúdos conceituais e as dinâmicas das culturas.

4.3 Cultura e Sociedade

Na linguagem popular Cultura e Sociedade são sinónimos: “Pertencemos à sociedade


moçambicana”, “vivemos dentro da cultura moçambicana”. Mas os cientistas sociais tentam
definir de uma maneira mais exacta, porque é preciso ter conceitos afinados para analisar
correctamente os fenómenos sociais e culturais. Em realidade não são sinónimos, pois dentro
de uma sociedade podem coexistir diversas culturas. Portanto podem entrar em conflito
sociedade e cultura.

Sociedade

Há um consenso á hora de considerar a sociedade como “um grupo de pessoas”, “que


interligam entre si” e “que estão organizados e integrados numa totalidade” para atingir algum
objectivo comum. No interior de uma sociedade podem coexistir e existem varias culturas e
subculturas. A diversidade cultural é cada vez mais inerente a todas as sociedades devido ao
aumento dos contactos interculturais. Sócrates (in Carrithiers, 1995: 13) já se perguntava
cómo devemos viver e a antropologia faz uma pergunta semelhante: como viver juntos?. Daí
que o conhecimento da diversidade cultural seja um bem por ele próprio. A Sociedade está
organizada através de um sistema.
Relações sociais

As relações sociais são tipos de acção pautada, e os antropólogos sociais estão interessados
nas pautas de interacção social que existem no interior dos grupos, pelos papéis sociais
(expectativas de conduta dos indivíduos que realizam alguma tarefa) e a estrutura social (a
ordenação dos componentes ou grupos de cada sociedade). As pessoas fazem coisas com, para
e em relação com outras pessoas.

Cultura

Modo de vida (Linton, 1945): pensar, dizer, fazer, fabricar

Cultura é um dos conceitos mais difíciles de definir no vocabulário antropológico. Segundo o


antropólogo E.B. Tylor (1975) a cultura é: “esse todo complexo que incluí conhecimentos,
crenças, arte, moral, lei, costumes e toda a série de capacidades e hábitos que o Homem
adquire em tanto que membro de uma sociedade dada”. Esta definição, criada no século XIX
e à qual sempre olhamos como referência, trata das qualidades que temos os humanos
enquanto membros de uma sociedade:

 Cultura não material (“Ideofacto”): crenças, normas e valores. São os princípios


acordados de convivência.

 Cultura material (“Artefacto”): tecnologia. São as técnicas de sobrevivência.

Mas estas qualidades não são inatas (biológicamente herdadas), porém são adquiridas como
parte do crescimento e desenvolvimento de uma determinada cultura.

Holismo

Na actualidade é próprio dos antropólogos tentar explicar cada elemento da cultura concreta
pela sua relação com os outros. É esta perspectiva denominada “holística”, pois intenta ligar
os aspectos culturais e os aspectos sociais, uns são incompletos sem os outros e ao revés.
Acontece que os antropólogos socioculturais podem salientar alguns aspectos mais do que os
outros, porém na realidade os valores e as crenças são inseparáveis da estrutura social e a
organização social.
Exemplo: Um operário de uma fábrica de Verim, no fim do seu trabalho saia dela em
bicicleta, caminho de Chaves era parado e inspeccionado por um guarda em Feces, mas como
não levava outra coisa nela, deixavam-no passar, assim durante várias semanas, até que se
descobriu que o que roubava eram bicicletas. O guarda só olhava uma parte, não o todo.

↔ Parentesco ↔ ↔ Economia ↔ ↔ Organização social ↔

↨ ANTROPOLOGIA ↨

↔ Política ↔ ↔ Identidades ↔ ↔ Meio ambiente ↔

4.4 A noção antropológica da Cultura

Numa obra dos antropólos Alfred Kroeber e C. Kluckhohn (1963) foram reunidas 164
definições do conceito de cultura apresentamos o que têm em comum estas definições e as
características da noção antropológica de cultura. Vamos apresentar agora algumas definições
que representam a diversidade e a complexidade deste conceito e que nos podem ajudar a
entender melhor as características da noção antropológica de cultura:

E.B. TYLOR (1975, or. 1871)

“A cultura ou civilização, num sentido etnográfico alargado, é aquele tudo complexo


que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e qualquer
outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem em quanto que membro da
sociedade” (Tylor, 1975: 29).

F. BOAS  (1930)

"La cultura incluye todas las manifestaciones de los hábitos sociales de una comunidad,
las reacciones del individuo en la medida en que se ven afectadas por las costumbres del
grupo en que vive, y los productos de las actividades humanas en la medida en que se
ven determinadas por dichas costumbres” (Boas, 1930:74; citada por Kahn, 1975:14).

B. MALINOWSKI (1931)

"Esta herencia social es el concepto clave de la antropología cultural, la otra rama del
estudio comparativo del hombre. Normalmente se la denomina cultura en la moderna
antropología y en las ciencias sociales. (...) La cultura incluye los artefactos, bienes,
procedimientos técnicos, ideas, hábitos y valores heredados. La organización social no
puede comprenderse verdaderamente excepto como una parte de la cultura"
(Malinowski, citada por Kahn, 1975:85).

W.H. GOODENOUGH (1957)

“La cultura de una sociedad consiste en todo aquello que conoce o cree con el fin de
operar de una manera aceptable sobre sus miembros. La cultura no es un fenómeno
material: no consiste en cosas, gente, conducta o emociones. Es más bien una
organización de todo eso. Es la forma de las cosas que la gente tiene en su mente, sus
modelos de percibirlas, de relacionarlas o de interpretarlas” (Goodenough, 1957:167;
citada por Keesing, 1995:56).

C. GEERTZ (1966)

"La cultura se comprende mejor no como complejos de esquemas concretos de conducta


—costumbres, usanzas, tradiciones, conjuntos de hábitos—, como ha ocurrido en
general hasta ahora, sino como una serie de mecanismos de control —planes, recetas,
fórmulas, reglas, instrucciones (lo que los ingenieros de computación llaman
"programas")— que gobiernan la conducta" (Geertz, 1987:51).

L.R. BINFORD, L.R. (1968)

“Cultura é todo aquele (mitjà) modelo?, com formas que não estão sob o controlo
genético directo... que serve para ajustar aos indivíduos e os grupos nas suas
comunidades ecológicas”, (Binford, 1968:323; citada por Keesing, 1995:54).

R. CRESSWELL, R. (1975)

"[A cultura é] a configuração particular que adopta cada sociedade humana não só para
regular as relações entre os factos tecno –económicos, a organização social e as
ideologias, porém também para transmitir os seus conhecimentos de geração em
geração (Cresswell, 1975:32).

D. PERROT, D.; R. PREISWERK, R. (1979)

"Definim la cultura com al conjunt dels valors, comportaments i institucions d'un grup
humà que és après, compartit i transmès socialment. Abasta totes les creacions de
l'home: les cosmogonies [visió del món], els modes de pensament, la imatge de l'home,
els sistemes de valors, la religió, els costums, els símbols, els mites; però també les
seves obres materials: la tecnologia, els modes de producció, el sistema monetari; a
més, les institucions socials i les regles morals i jurídiques" (Perrot e Preiswerk,
1979:39).

HARRIS, M. (1981)

"La cultura alude al cuerpo de tradiciones socialmente adquiridas que aparecen de forma
rudimentaria entre los mamíferos, especialmente entre los primates. Cuando los
antropólogos hablan de una cultura humana normalmente se refieren al estilo de vida
total, socialmente adquirido, de un grupo de personas, que incluye los modos pautados y
recurrentes de pensar, sentir y actuar" (Harris, 1982:123).

A. GIDDENS (1989)

"Cultura se refiere a los valores que comparten los miembros de un grupo dado, a las
normas que pactan y a los bienes materiales que producen. Los valores son ideales
abstractos, mientras que las normas son principios definidos o reglas que las personas
deben cumplir" (Giddens, 1991:65).

4.5 Características da noção antropológica de cultura


A Cultura é aprendida

A definição de Tylor incide nesta ideia fundamental, a cultura não é adquirida através da
herança biológica, porém é adquirida pela aprendizagem (consciente e inconsciente) numa
sociedade concreta com uma tradição cultural específica. O processo através do qual as
crianças aprendem a sua cultura é denominado inculturação. A inculturação é um processo
de interiorização dos costumes do grupo, até o ponto de fazer estes como próprios. Este
processo é fundamental para a sobrevivência dos grupos humanos, assim por exemplo os
esquimos tem de aprender a proteger-se do frio. O processo de inculturação produz-se
fisicamente (gestos, formas de estar, de comer...), afectiva e sentimentalmente (por causa da
acção de reforço ou repressão da nossa cultura) e também intelectualmente (esquemas mentais
de percepção do mundo). Os agentes de inculturação são a família, as amizades, a escola, os
media, os grupos de associação, etc., eles têm como missão introduzir o indivíduo na sua
sociedade através da aprendizagem da cultura.
Segundo Margaret Mead (2001), os tipos de aprendizagem das culturas podem classificar-se
em:

a) Culturas pós-figurativas: Aquelas nas quais os filhos aprendem com os pais e o futuro
dos filhos é o pasado dos pais.

b) Culturas pré-figurativas: Aquelas nas quais os adultos aprendem com os filhos e os


mais novos.

c) Culturas co-figurativas: Aquelas nas quais todos aprendem com todos.

Alguns animais (i.e.: primates) também têm alguma capacidade de aprendizagem, incluso
para distinguir plantas, mas a diferença dos humanos, os animais não podem transmitir
culturalmente a informação cultural acumulada, nem podem registar (ex.: escritura,...)
codificadamente a informação cultural.

A cultura é informação herdada através da aprendizagem social, portanto diferente da natura


(herdada geneticamente) e com uma especificidade baseada no cérebro que é a linguagem. A
linguagem permite aos humanos articular, transmitir e acumular informação aprendida como
nenhuma outra espécie pode fazer.

Em relação com esta característica da noção de cultura, o antropólogo Clifford Geertz (1987)
define a cultura como ideias baseadas na aprendizagem cultural de símbolos. A gente
converte em seu um sistema previamente estabelecido de significados e de símbolos que
utilizam para definir o seu mundo, expressar os seus sentimentos e fazer os seus juízos. Este
sistema guia o seu comportamento e as suas percepções ao longo da sua vida. A cultura
transmite-se através da observação, da imitação, da escuta, etc.; nesse processo de
aprendizagem fazemos consciência do que a nossa cultura define como bom e mau (princípios
morais). Mas a cultura também se aprende de maneira inconsciente, é o caso das noções
culturais a manter com as pessoas quando falam entre si, a distância da conversa e a
linguagem não verbal. Por exemplo, os latinos mantêm menos distância nas conversas pela
sua tradição cultural. Neste sentido, para Clifford Geertz (1987) a cultura é:

 Uma fonte ou programa extrasomático de informação.

 Um mecanismo de controlo extragenético.

 Um sistema de significados.

 Um “ethos”.
 Um conjunto de símbolos que veiculam a cultura.

 Um conjunto de textos que dizem algo sobre algo (interpretações de interpretações).

No sentido gertziano a cultura é um conjunto de “modelos de” representação do mundo e da


realidade, mas também um conjunto de “modelos para” actuar no mundo (padrões, guias para
a acção, o que está bem e o que está mau). Clifford Geertz é muito ontológico e pouco
fenomenológico, esquece que as formas culturais não são só pautas de significado, senão que
estão inseridas em relações de poder e conflitos.

Segundo o antropólogo Carmelo Lisón Tolosana (1974: 11), podemos entender o ethos
(Weltanschauung) como o sistemas de valores e normas morais, aquilo que a gente pensa que
deve ser, os estilos e modos de vida aprovados em um grupo humano, os hábitos emotivos, as
atitudes, tendências, preferências e fins que conferem unidade e sentido à vida, os aspectos
morais, religiosos e estéticos do grupo.

A Cultura é simbólica

O pensamento simbólico é exclusivamente humano. A capacidade para criar símbolos é só


humana. Que é um símbolo? Um símbolo é aquilo que representa uma coisa, está em lugar de
algo, e esta conexão pode ser simbolizada de maneira diferente segundo as culturas:

Português Francês Inglês Swahili Espanhol

cão Chien dog mbwa Perro

Por tanto de alguma maneira esta associação é arbitrária e convencional, socialmente aceite e
compartida. O símbolo serve para veicular uma ideia ou um significado que tem um
significado social (sentido atribuído e intencionado compartido socialmente).

A diferença do resto dos seres vivos, que se comunicam de forma diádica (estímulo-resposta),
os humanos comunicámo-nos de forma triádica por meio de signos e símbolos que são
abertos, arbitrários, convencionais e que requerem descodificação (emisor-mensagem-
receptor) e tradução.

A Cultura submete a natureza

Observemos um exemplo para compreender esta características:

“Quando eu cheguei a umas colónias de verão á beira do mar eram as 13:30 horas, e tinha
desejos de tomar um banho nele, mas o regulamento das colónias não permitia tomar banho
nessa hora; o mar é parte da natureza, mas estava submetido a uma ordenação cultural, os
mares naturais não fecham ás 13:30 horas, mas sim os mares culturais”.

As pessoas têm que comer, sem embargo a cultura ensina-nos que, como e quando. A gente
tem que defecar, mas não todos o fazem da mesma maneira (i.e.: Bolívia /Europa). A cultura,
entendida como sistema de signos, é contraposta à natureza (Lévi-Strauss, 1982), ao biológico
e ao inato. O ser humano é um ser biológico, mas o que o faz completamente humano é a
cultura, especificamente humana e constitutiva do humano. A biologia é uma condição
absolutamente necessária para a Cultura, mas insuficiente, incapaz de explicar as propriedades
culturais do comportamento humano e as suas variações de um grupo a outro (Sahlins, 1990),
de aí que possamos falar em autonomia e interdependência da Cultura.

Cultura Natureza
 Andar de bicicleta.  Respiração.
 Fazer somas, ler, cultivar tomates,  Circulação do sangue, etc.
fritar ovos, etc.  Informação transmitida
 Informação transmitida por geneticamente.
aprendizagem social.

A Cultura é geral e específica (Cultura –Culturas)

Num sentido geral todos os humanos temos “Cultura” (“universal humano”), mas num sentido
particular a “cultura” descreve um conjunto de diferenças de um grupo humano específico
com outros.

A humanidade partilha a capacidade para a Cultura (todo o criado pelos seres humanos), é
este um carácter inclusivo; porém a gente vive em culturas particulares (modos de vida
específicos e diferentes) com certa homogeneidade, uniformidade e harmonia internas, mas
também com condicionantes ecológicos e socio-históricos particulares.

A cultura inclui tudo

Para os antropólogos ter cultura não é a mesma coisa que ter formação académica (cultivo
intelectual), refinamento, sofisticação e apreciação das belas artes... Todo o mundo tem
cultura no sentido antropológico do termo. É assim como a antropologia tem uma perspectiva
holística que presta atenção a todas as manifestações e expressões culturais.
A cultura é partilhada

A cultura é partilhada pelas pessoas enquanto membros de grupos. A cultura é aprendida


socialmente, une às pessoas, está expressada em normas e valores, e também é intermediária
no sistema da personalidade pelos actores sociais. Assim, a cultura converte-se num sinal de
identidade grupal. No interior duma cultura a distribuição dos bens imateriais pode ser tão
assimétrica e desigual como a dos bens materiais.

A cultura está pautada

A cultura é aprendida normativamente. Quer dizer que está formada por umas regras ou
normas integradas. Dispõe de um conjunto de valores centrais, chaves ou básicos organizados
num sistema. A conduta humana governa-se por padrões culturais, mais do que por respostas
inatas. Podemos afirmar que as pessoas temos um “piloto” (a cultura) que nos orienta nas
nossas vidas.

A cultura é uma pauta ou um conjunto de padrões coerentes de pensamento e acção, uma


organização coerente da conduta que inclui a totalidade duma sociedade. A cultura é
hereditária e aprendida, não genética; tende à integração e à coerência, constitui configurações
articuladas, é plástica e realiza a função de atar e unir aos seres humanos

(Benedict, 1971).

A gente utiliza criativamente a cultura

As regras culturais afirmam que fazer e como, as pessoas interiorizam essas regras ou normas,
mas não sempre seguimos o seu ditado. As pessoas podem manipular e interpretar a mesma
regra de maneiras diferentes, utilizando criativamente a sua cultura, em vez de segui-la
cegamente (Ex.: Transgressão dos limites de velocidade).

Neste ponto podemos distinguir entre o nível ideal da cultura (o que a gente deveria fazer e o
que diz que faz) e o nível real da cultura (o que fazem realmente no seu comportamento
observável). Mas não por isso o nível ideal deixa de pertencer à realidade.

Desde este ponto de vista podemos falar da cultura como produtora de mudança e conflito,
mas também como “caixote de ferramentas” (“tool kit”) de valor estratégico para a acção
social (Swidler, 1986). Portanto, a cultura podemos pensa-la como algo externo que
condiciona as nossas vidas ou como algo que como sujeitos (pessoas) criamos em
colectividades, isto é como um processo e um conjunto de estratégias.
A cultura está em todas as partes

A globalização faz questão sobre a relação entre cultura e território, criando uma nova
cartografia cultural. Cai por si própria a ideia tradicional de cultura como comunidade
fechada, de acordo com a qual cada indivíduo só pode pertencer a uma cultura. Hoje em dia o
entre – cruzamento de culturas é uma realidade. A ficção duma cultura uniformemente
partilhada pelos membros de um grupo é pouco útil em muitos casos. O conceito de cultura
deve incluir heterogeneidade, mudança rápida, empréstimos culturais e circulações
interculturais. O conceito de cultura acaba por fazer referência a 2 tipos de cultura:

1. Ao conjunto de especificidades duma comunidade territorialmente delimitada.

2. Aos processos de aprendizagem translocais.

Hoje dissolvem-se muitas fronteiras entre culturas antes territorialmente delimitadas. É por
isso que as culturas volvem-se mais porosas. Vimemos numa economia-mundo (Wallerstein,
1974) e a “a cultura está en todas partes” (Hannerz, 1998: 55). É o indivíduo quem escolhe o
seu repertório cultural. Na atualidade podemos falar em sobremodernidade dos mundos
contemporâneos (Augé, 1992) que se caracterizaria pelo seguinte:

a) Uma transformação mundial que alterou os conceitos de espaço, alteridade,


identidade, etc. que a antropologia vinha utilizando.

b) Excesso de Tempo (aceleração do tempo e encolhimento do espaço).

c) Excesso de Espaço (acessibilidade total, deslocalização do social, não lugares).

d) Excesso de Indivíduo (tendência à individualização e perca das narrativas colectivas).

Hoje, o local intensifica a sua inter - conexão com o global a partir do marco do Mercado, do
Estado, dos movimentos e das formas de vida (Hannerz, 1998). Robertson (1995) chega a
falar em glocal como a síntese relacional entre o local e o global, ultrapassando assim esta
dicotomia. Esta forma de caracterizar a noção de cultura leva a alguns antropólogos a estudar
as dinâmicas de viagem e não só as de residência, e de ai que se sublinhem as “zonas de
contacto” (Clifford, 1999). Outros falam em culturas híbridas (García Canclini, 1989),
interligando assim estrutura e processo, mas tamém salientando o papel do agente social na
dinâmica entre estrutura e acção. Assistimos hoje a uma mudança da afirmação de identidades
culturais diferenciadas para a afirmação da interculturalidade. Hoje, corremos o risco de que o
conceito de cultura seja utilizado como uma forma de racismo (Benn Michaels, 1998), já que
substituí muitas vezes a biologia como argumento base da distinção entre os grupos humanos,
mas não é menos essencialista por isso. Podemos afirmar o seguinte:

“O indivíduo é um prisioneiro da sua cultura, mas não precisa de ser a sua vítima” (Ferguson,
1987: 12)

Em síntese podemos afirmar o seguinte da noção antropológica de cultura:

 O conceito antropológico de cultura afirma a dignidade equivalente de todas as


culturas.

 O conceito antropológico de cultura tenta diminuir o etnocentrismo e o elitismo do


ocidentalismo.

 O respeito às diferenças culturais deve ser a base para uma sociedade justa (Kuper,
2001: 14).

 O conceito antropológico de cultura defende o carácter local do conhecimento.

 Muda a maneira de olhar a realidade (uma diversidade criativa).

 O significado antropológico de cultura como modo de vida global nega a simples


redução da cultura à actividades ligadas às belas artes.

 O significado antropológico de cultura é como o açúcar diluído em água.

4.6 A Cultura material e imaterial

A cultura é uma característica especificamente humana que tem duas componentes:

1. Uma componente mental: produtos da actividade psíquica ora nos seus aspectos
cognitivos ora nos afectivos, significados, valores e normas.

2. Uma componente material: artefactos e tecnologia.

Porém, esta divisão tem motivado alguns debates que se podem resumir na seguinte questão:
Devem os artefactos e a tecnologia ser considerados como parte da cultura?. Alguns
antropólogos como Robert Redfield, Ralph Linton, Murdock e outros têm identificado a
cultura só com os aspectos cognitivos e mentais: ideias, visão do mundo, códigos culturais.
Estes antropólogos consideram a cultura material como um produto da cultura e não cultura
em si mesma.

Esta postura é difícil de defender porque a cultura material (exemplo: os avances


tecnológicos) exercem uma influência muito grande nos aspectos cognitivos e mentais, ao
mesmo tempo que geram novos valores e crenças. A tecnologia permite que os humanos nos
adaptemos ao nosso entorno, ao mesmo tempo que os valores e as ideologias. As catedrais
medievais e as pirâmides egípcias reflectem determinados interesses, fins e ideias da cultura
na qual nascem. São a manifestação de ideias religiosas, políticas e científicas. Os dois
aspectos (materiais e não materiais) devem ser considerados como partes integrantes da
cultura, os dois estão estreitamente ligados. Maurice Godelier (1982) chegou a afirmar que
todo o material da cultura se simboliza e que todo o simbólico da cultura se pode materializar.

Marshall Sahlins (1988) destaca como o carácter constitutivo da cultura invalida a distinção
clássica entre cultura material e imaterial, plano económico e cultural. Ele integra os dois
pólos, pois os seres humanos organizam a produção material da sua existência física como um
processo significativo que é o seu modo de vida. Todo o que os humanos fazem está cheio de
sentido e de significado. Por exemplo, cortar uma árvore (para lenha, para construir uma
canoa, para criar uma escultura, para fazer pasta de papel) pode significar modos culturais
específicos. O valor de uso não é menos simbólico ou menos arbitrário que o valor da
mercadoria. Assim o sublinha Sahlins:

“As calças são produzidas para os homens e as saias para as mulheres em virtude das suas
correlações num sistema simbólico, antes que pela natureza do objecto per se, ou pela sua
capacidade de satisfazer uma necessidade material...” (Sahlins, M.,1988 )

4.7 A noção sociológica e a noção estética do conceito de cultura

Raymond Willians (1976) distingue três maneiras de entender e utilizar o conceito de cultura:

a) Antropológica.

b) Sociológica.

c) Estética.

Se o significado antropológico de cultura entende a cultura como impregnada em tudo, o


sociológico entende a cultura como um campo de acção específico junto a outros –economia,
política-, estando estratificados de acordo com determinados critérios. Se o conceito
antropológico de cultura entende a cultura como o açúcar diluído, o conceito sociológico de
cultura é o pacote de açúcar sem dissolver. O conceito sociológico de cultura entende esta
como um campo de conhecimento dos grupos humanos. A noção sociológica de cultura fala
da cultura como produção e consumo de actividades culturais, de ai a sua ligação com as
políticas da cultura. Desde este ponto de vista a cultura passa a ser entendida como
espectáculo, como política de cheque, como produção e consumo. Para a noção antropológica
a cultura é um processo resultado da participação e da criação colectiva.

O uso estético do conceito de cultura descreve actividades intelectuais e artísticas como por
exemplo a música, a literatura, o teatro, o cine, a pintura, a escultura e a arquitectura. Este
conceito define a criação artística como forma de cultivo humano do espírito. É sinónimo de
“Belas Artes” e exige níveis de instrução educativa formal. Por extensão pensa-se que uma
pessoa que conhece e pratica estas manifestações artísticas tem que ser diferente da gente
comum, atribuindo-lhe a categoria de culto, em oposição ao “inculto” ou de “pouca cultura”.
Portanto, a noção estética de cultura entende-se como aquilo que a gente faz depois de jantar,
por exemplo ir à ópera, isto é, como “alta cultura”, a produção cultural de uma minoria para
uma elite letrada de iniciados. Esta perspectiva elitista, promovida na Europa refinada do
século XIX, é criticada desde a noção antropológica de cultura, pois confunde níveis de
instrução com conhecimento e capacidade criativa, refinamento com habilidades culturais
para dar resposta aos problemas quotidianos.

Se bem também é certo, que hoje quebram-se as distinções entre “alta cultura” e “baixa
cultura”, cultura de elite e cultura de massas, cultura culta e cultura popular, ficando os limites
muito ambíguos. Isto não significa que não devamos programar alternativas de produção
cultural críticas e moralmente defendíveis. Destacar que a cultura lixo (Bouza, 2001), muitas
vezes promovida pelos media, já não é popular (do povo), porém para o povo (de massas,
mediática), o que é muito criticável pela sua queda ética e a falta de um humanismo. Acontece
hoje um processo de mercantilização e politização da cultura que deve ser explorado e
reflectivo na sua complexidade.

SOCIOLÓGICA
ANTROPOLÓGICA ESTÉTICA

NOÇÃO DE
CULTURA

4.8 O conteúdo do conceito antropológico de cultura

Alguns elementos integrantes da noção de cultura são: as crenças, as ideias, os valores, as


normas e os signos culturais. Pela sua grande importância debruçemonos um momento sobre
deles.

As crenças e as ideias

Em primeiro lugar, qual é a diferença entre uma crença e uma ideia?.

As crenças são definições sociais sobre o mundo e a vida. Assim o afirmou o filósofo Ortega
y Gasset:

“En efecto, en la creencia se está, y la ocurrencia se tiene y se sostiene. Pero la creencia es


quien nos tiene y sostiene a nosotros” (Ortega y Gasset, 1968: 17).

Portanto, as ideias têm-se, nas crenças estamos. As crenças não podem ser submetidas á proba
de verificação com os factos, pois é uma verdade indiscutível e sem dúvidas para quem a
defende. No momento em que uma crença se considera susceptível de confrontar com os
factos passa a converter-se em uma ideia.

As ideias são formas de sabedoria susceptíveis de contrastar-se empiricamente com os factos


observáveis, podemos comprovar a sua verdade ou falsidade.

Tanto as ideias como as crenças são modos cognitivos de apreender a realidade, de conhece-
la. Nos processos de mudança há ideias e crenças que perdem terreno em benefício de outras.
As ideias podem converter-se em crenças por repetição ou por convencimento da ideia,
cristalizando e internando-se na mente das pessoas. Por exemplo, na auto-estrada não vai
circular nenhum carro em sentido contrário pela nossa via.

Dentro de cada cultura as crenças tendem a formar um sistema relativamente coerente, com
reforços mútuos, isto não quer dizer que não haja contradições internas e rupturas, só que há
uma tendência à coerência interna.
As ideias são cada vez mais reconhecidas como elemento fundamental da cultura, assim
temos como grupos humanos como os ianomami do Amazonas reivindicam direitos culturais
sobre as terras, as células e o seu ADN mas também sobre a propriedade intelectual das
ideias. Igualmente uma parte dos membros do Congresso Geral da Cultura Kuna (Panamá)
rejeita a ideia de que a sua cultura possa ser candidatada a património da humanidade, pois
pensa-se que a sua cultura é deles e não de toda a humanidade.

Os valores

Para a antropologia, os valores são juízos de desejabilidade e aceitabilidade, isto é, aquilo que
as pessoas estimam como mais importante. Também os juízos de rejeitamento e oposição
expressam valores de uma maneira não explícita. São princípios ou critérios que definem o
que é bom e mau. A partir de estes princípios básicos ou valores geram-se um conjunto
ideativo e normativo pelo qual se guia a conduta dos indivíduos.

Os valores não são qualidades das coisas, porém são relacionais, são valores para alguém. São
um critério de selecção da acção. Os valores que mantêm um grupo social tendem a formar
um sistema coerente. Há uma axiologia ou hierarquia de valores dentro da conexão entre os
mesmos. Exemplo: Individualismo na cultura norte-americana, conectado com o esforço e o
êxito.

As normas culturais

As normas são regras para comportar-se de um modo determinado, e indicam o que


especificamente devem ou não devem fazer as pessoas em situações sociais. Estas normas
sociais são diferentes das leis jurídicas, ainda que as leis são parte também destas normas
sociais. As normas sociais estão inspiradas em valores. Não estão formalizadas juridicamente
mas ainda assim mantêm um poder coercitivo. Na sua base estão um conjunto de valores
articulados socialmente.

Os símbolos

A cultura, entendida como comunicação, conforma-se através da criação e utilização de


símbolos culturais. Estes incluem sinais, signos e símbolos. Os sinais (sinais de trânsito) são
símbolos que incitam, convidam ou obrigam a uma acção (STOP). Os indicadores (exemplo:
o fume, que indica a existência de lume) não obrigam a uma resposta imediata como os sinais.
Os signos são aqueles símbolos com um significante que representa um significado por uma
associação ou analogia consciente e arbitrária (exemplo: cadeira=cadeira). Os símbolos
apresentam uma relação metafórica ou metonímica entre o significante e o significado. Um
símbolo é uma coisa que está em lugar de outra ou uma coisa que evoca e substitui a outra
(exemplo: Vieira: Peregrinação a Santiago de Compostela) (O Pintor holandês O Bosco
pintava conchas de mexilhões, ameixas, etc. junto com desenhos de burros, galos ou cervos.
As primeiras simbolizavam o sexo feminino, os segundos a sexualidade masculina. Tratava o
pintor de expressar a través de símbolos a fornicação).

Portanto, um símbolo requer de 3 coisas:

1ª. Um significante.

2ª. Um significado.

3ª. A significação: Relação entre o significante e o significado. Esta relação é definida


por um código, que deve ser conhecido e aprendido pelos sujeitos.

Precisa também de 3 elementos:

EMISSOR (Com um código de emissão baseado em símbolos)MENSAGEM (Com um


código de descodificação)DESTINATÁRIO (Ser humano)

Exemplo: O vestido.

-Significados (mais além do evidente, banal ou superficial):

1. Protecção do clima.

2. Hábito, adaptação ás normas e costumes pautadas num grupo humano (ex.: vestido de um
homem, vestido de uma mulher, vestido de drag-queen).

3. Adorno, sentido decorativo ou posta em cena da aparência ou imagem do eu.

Pode haver uma pluralidade de significados ao descodificar a mensagem. Qual é que será o
significado mais importante? A resposta é conforme os casos específicos e o contexto
cultural.

Outros conceitos básicos para melhor compreender a noção antropológica de cultura, desde
uma perspectiva de produção histórica das relações sociais, são os seguintes:

a) Ideologia (Williams, 1977). A ideologia é uma visão da realidade composta de ideias


e valores organizados num sistema que trata de essa realidade e que tenta reproduzir
esta. Esta tentativa de reprodução não está isenta de lutas ideológicas e de conflitos.

b) Outro conceito associado ao anterior é o de legitimação, que é uma proposição


normativa utilizada no controlo social:
“Por legitimação entende-se um conhecimento socialmente objectivado, que serve para
justificar e explicar a ordem social. De outro modo, as legitimações são as respostas a
qualquer pergunta sobre o por quê de cada solução institucional diferente... As legitimações
não só lhe dizem à gente o que deve ser. Às vezes limitam-se a propor o que é.” (Berger,
1999: 52).

c) Habitus (Bourdieu, 1980). O habitus é para Bourdieu (1980 : 88) o seguinte:

“Sistemas de disposições duradouras e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a


funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer, enquanto princípios geradores e
organizadores de práticas e de representações”.

Assim o habitus é o que caracteriza uma classe ou um grupo social, materializa a memória
colectiva e incorpora uma moral e uma visão do mundo naturalizada socialmente.

d) Capital simbólico (Bourdieu, 1999: 172). O capital simbólico é uma propriedade dos
indivíduos, uma força, uma riqueza e um valor percebido, conhecido e reconhecido.
Este capital detenta uma eficácia simbólica, uma espécie de força mágica que
responde a umas expectativas colectivas e que geralmente não se questiona.

4.9 Os universais da cultura

Entre a diversidade de culturas é possível achar alguns traços comuns. Neste ponto, a
antropologia não só estuda as diferenças como também o que nos faz a todos os seres
humanos iguais.

Quando estes traços culturais existem em todas ou em quase todas as sociedades denominam-
se universais culturais, que são aqueles que distinguem aos humanos das outras espécies:

1. A unidade psíquica dos humanos. No sentido de que todos os humanos têm a


mesma capacidade para a cultura.

2. A linguagem.

3. Viver em grupos sociais como a família e compartir alimentos.

4. A exogamia e o tabu do incesto, regra que proíbe as relações sexuais e o


casamento entre parentes próximos.

Excepções ao tabu do incesto:


Irmão com irmã nos casos da realeza de Egipto, Havaí e os Incas. Nestes casos o
casamento exigia-se entre seres da linhagem porque casar com mortais era uma
corrupção da divindade. Era também um meio de conservar a propriedade dentro da
família. Cleopatra mandou matar o seu irmão de 12 anos, logo de casar com ele, para
depois casar com Júlio César e Marco António.

Middleton, R. (1962): “Brother-Sister and Father Daughter Marriage in Ancient


Greece”, em American Sociological Review, vol. 27, pp. 603-611. Citado em Adamson
Hoebel, A e Frost, E. L. (1984, or. 1976): Antropologia Cultural e Social. São Paulo:
Cultrix, p. 179.

5. O matrimónio, entendido como relação social estável e duradoura entre pessoas.

6. A divisão sexual do trabalho.

7. A família. isto não implica que seja igual em todas partes.

8. O etnocentrismo cultural. Esta é uma tendência a aplicar os próprios valores


culturais para julgar o comportamento e as crenças de pessoas doutras culturas.
A gente pensa que os seus costumes são os únicos, correctos, apropriados e
morais. As visões etnocénctricas entendem o comportamento diferente como
estranho e “selvagem”, mas também como inferior. As pessoas pensam que as
suas normas representam a forma “natural” de comportar-se e os outros são
julgados como negativos.

O etnocentrismo é uma visão das coisas de acordo com a qual o próprio grupo é o centro de
todo, e todos os outros se medem por referência a ele. Cada grupo alimenta o seu próprio
orgulho e a sua vaidade, proclama a sua superioridade, exalta as suas próprias divindades e
mira com desprezo aos outros. O etnocentrismo pode manifestar-se em diferentes níveis:
tribo, aldeia, minoria étnica, área cultural, classe, pessoa, indivíduo... O problema do
etnocentrismo é a intolerância cultural face à diversidade e o fechar as portas à curiosidade
pelo conhecimento. O etnocentrismo cultural é uma atitude que pode derivar numa ideologia
com práticas racistas.

A noção de cultura pode, politicamente e etnocentricamente, ser utilizada para separar grupos
humanos, mas desde um ponto de vista humanístico deveria servir para melhorar a
convivência e construír uma sociedade democrática justa.
O oposto ao etnocentrismo é o relativismo cultural, uma das ideias chave da antropologia. O
relativismo cultural afirma que uma cultura deve ser estudada e compreendida em termos dos
seus próprios significados e valores, e que nenhuma crença ou prática cultural pode ser
entendida separada do seu sistema ou contexto cultural. O comportamento numa cultura
particular não deve ser julgado com os padrões de outra. O relativismo cultural não só é uma
teoria antropológica como uma atitude e uma prática antropológica, uma forma de lidar com
os outros em respeito pela diversidade. Esta atitude implica que os nossos preconceitos não
influenciem o conhecimento de outras culturas, mas também uma atitude de diálogo aberto.

Podemos entender o relativismo cultural de duas maneiras, uma como algo aberto e que
defende a equivalência entre culturas seguindo uma tolerância pela pluralidade das sociedades
humanas; outra como algo fechado e que defende a singularidade intransponível das culturas
(Gandra in Cuche, 1999: 13).

No Ocidente consideramos o infanticídio um crime, mas na cultura chinesa tradicional as


bebés eram às vezes estranguladas porque consideravam-se uma carga para a família. Os
judeus não comem porco, os hindus não comem vaca. Em Ocidente bicar-se pode ser
considerado algo normal mas noutras cultura é desconhecido ou pensado como desagradável.

Tem limites o relativismo cultural?. A Alemanha nazi deve ser valorada igual de neutro que a
Grécia clássica? Desde o ponto de vista do relativismo cultural estremo sim, porque defende
que não há uma moralidade superior, internacional ou universal, que as regras éticas e morais
de todas as culturas merecem igual respeito.

Porém, desde o ponto de vista desde o relativismo cultural ético há e deve haver limites
válidos para toda a humanidade. Não podemos tolerar todo. Como deveria utilizar o
antropólogo o relativismo cultural?. O antropólogo deve apresentar informes e interpretações
dos fenómenos culturais, para entender estes na sua complexidade, porém o antropólogo não
tem que aprovar costumes como o infanticídio, o canibalismo e a tortura. Exigem portanto
uma condena moral e uns valores internacionais e humanos de justiça e moralidade que nos
fazem mais humanos. O relativismo cultural mais estremo equivale à eliminação de toda
regulamentação do comportamento humano e pode cair no risco de justificar e/ou permitir a
violência.
4.10 A mudança cultural

A mudança cultural é o aspecto dinâmico da cultura, o “panta rei” (todo se move, todo muda)
dos gregos. É inquestionável que nenhuma cultura é totalmente estática e de que a cultura
construi-se através de processos sociais.

As culturas podem intercambiar traços mediante o empréstimo ou a difusão. A difusão é um


mecanismo de câmbio cultural acontecido durante toda a história da humanidade, porque as
culturas nunca estiveram isoladas. Os contactos culturais sempre existiram. Ex.: o vidro das
janelas ocidentais foi inventado pelos egípcios, a porcelana procede da China, a tortilha
espanhola é feita com batata procedente de América, o tabaco é fruto do contacto europeu
com as culturas pré-colombinas da América Latina.

A aculturação é outro mecanismo de mudança que consiste no contacto e intercâmbio entre


duas ou mais culturas. O conceito foi criado em 1880 pelo antropólogo norte-americano J. W.
Powell (in Cuche, 1999: 92) para designar a transformação dos modos de viver e pensar dos
imigrantes nos EUA. Um exemplo são os pidgins (mistura de inglês com línguas nativas de
diversas zonas do mundo). Este contacto intercultural pode provocar três efeitos (Panoff e
Perrin, 1973):

a) Assimilação da cultura dominada pela dominante. É um processo de desculturação ou


perca a través do qual um grupo culturalmente dominado incorpora-se a uma cultura
dominante.

b) Integração ou combinação de culturas, tendo como resultado novas culturas num


certo plano de equidade.

c) Subculturas ou coexistência de culturas dominantes com dominadas.

A invenção independente é um modo criativo de resolver problemas culturais. Ex.: A


invenção independente da agricultura no México e no Oriente Meio.

A globalização é outro motivo de mudança, pois vincula a pessoas de todas as partes do


mundo através dos meios de comunicação.

Globalismo Globalidade Globalização

É a ideologia que tenta Não há nenhum país, povo, Processos de inter-relação e


substituir a política pelo localidade, etc. que possa interdependência entre as
mercado. Significa ir contra viver isolado dos demais. nações.
a diversidade cultural e Significa mais intercâmbios
também a homogeneização culturais, mestiçagem
das culturas. Não desejável. cultural e trabalhar por um
mundo mais justo e
solidário.

(Beck, 1998)

Apesar destes processos cada organização social apresenta zonas de resistência e de


fragilidade a respeito do câmbio, assim os aspectos materiais de uma cultura mudam muito
mais rapidamente que os aspectos imateriais. Noutros casos aparecem fascinantes
sincretismos ou hibridismos entre o velho e o novo.

Para entender melhor estes processos de contacto e mudança cultural é preciso ter em conta
vários níveis da cultura:

CULTURA INTERNACIONAL

CULTURAS
NACIONAIS

SUBCULTURAS
Na cultura internacional as tradições culturais estendem-se mais além dos limites nacionais.
Nas culturas nacionais os seus traços são partilhados pelos nacionais e nas subculturas os
padrões culturais estão associados a subgrupos específicos dentro de uma sociedade.

4.11 A mudança social

A preocupação pela mudança sociocultural acentua-se nas ciências sociais a partir do século
XIX, depois de Ter vivido uma época de revoluções, os cientistas tentaram explicar as
mudanças e as suas leis racionais dentro da nova organização da sociedade. Uma parte dos
teóricos sublinharam os aspectos estáticos (ex. Comte, Durkheim), e outros os seus aspectos
dinâmicos, os conflitos e as transformações (ex. Marx).

Qual o peso da estrutura e qual o da acção social na mudança?

Comte respondeu a esta pergunta com a distinção entre “estática” e “dinâmica”, o que se
relaciona com a diferença entre mudanças graduais e a de mudanças radicais.

Radcliffe-Brown (1957) distinguiu entre “desajustes” (mudanças que não modificam a


estrutura social) e “mudanças de tipo” (que mudam de uma estrutura a outra).

As teorias sociológicas clássicas defendem a crença da evolução para uma sociedade humana
melhor, por meio da sucessão de etapas, em termos de progresso pensado como necessário,
natural e numa única direcção. Ex. A passagem da solidariedade mecânica à orgânica
defendida por Durkheim. Isto foi posto em causa logo da segunda guerra mundial, contexto
no qual se questionou que o progresso tecnológico não fosse acompanhado de um maior
humanismo e fraternidade entre as culturas e povos do planeta, que fomentasse uma cultura de
paz.

Sobre este problema da mudança social, o materialismo histórico descreve a evolução social
como uma sucessão de modos de produção: produção primitiva, escravatura, feudalismo e
capitalismo. Cada modo de produção corresponderia a um grau de desenvolvimento. Quando
as relações de produção já não são válidas para o crescimento das forças produtivas, acontece
um período de conflito social crescente que acaba numa revolução social e no nascimento de
um novo modo de produção e umas novas relações de produção. Assim a revolução burguesa
produziu-se quando as relações de produção feudais converteram-se num obstáculo para a
expansão económica, abrindo passo ao capitalismo. A fase mais avançada da evolução social
seria o comunismo, na qual o máximo desenvolvimento das forças produtivas permitiria uma
abundância material e o dar a cada pessoa de acordo com as suas necessidades. Nessa fase
comunista, as relações de produção seriam igualitárias e não existiria propriedade privada dos
meios de produção. As relações de produção expressam-se na realidade social como luta de
classes (ex: camponeses e senhores feudais, proletários e capitalistas). A mudança social,
política e cultural é explicada pela mudança do sistema produtivo.

Uma crítica que se lhe pode fazer à interpretação marxista da mudança social é que o
marxismo não considerou a existência de limites ecológicos à expansão material da
civilização, portanto não pensou seriamente nos limites ao intercâmbio entre a cultura e a
natureza.

Noutra linha algo diferente, a sociologia compreensiva de Max Weber (1969) analisa a
realidade social por meio da construção de tipos ideais (aqueles que descrevem como teria
acontecido uma acção se os meios utilizados fossem racionais para alcançar o fim proposto).
Weber argumentou a influência central dos valores religiosos, em especial os da ética
protestante de inspiração calvinista, para o desenvolvimento e a evolução do capitalismo em
Europa. A mudança social é para Weber resultado de duas coisas:

1) O progressivo desenvolvimento de uma nova estrutura social, a partir do esgotamento das


formas de dominação e da sua legitimidade carismática, procedendo à substituição por
umas novas formas de dominação e legitimidade.

2) O crescente processo de racionalização do sistema de crenças da cultura ocidental (ex: a


passagem da magia para a ciência).

Contributos de Weber foram as seguintes ideias:

1. Face aos factores estruturais, especialmente de base económica no materialismo histórico,


Weber introduz os factores socioculturais no centro mesmo dos processos de mudança
sociocultural, demonstrando a importância dos valores religiosos como factores da
origem do capitalismo. Por que o capitalismo originou-se em Europa e não em China
(mais tecnologia que em Europa)? Pela atitude face a riqueza (poupança do puritanismo
calvinista).

2. Os factores económicos, políticos ou culturais não exercem uma acção exclusiva, porém
operam interligadamente nas transformações sociais.

3. A importância relativa dos factores da mudança varia de acordo com as circunstâncias


históricas.
Uma outra visão é a do estrutural-funcionalismo, que tem como antecedente fundamental,
Émile Durkheim, quem estava muito preocupado como o equilíbrio e a estabilidade da
estrutura social. Para Durkheim, a causa da mudança sociocultural na época moderna era a
divisão do trabalho. Para o estrutural-funcionalismo de W.E. Moore (1974) e S.N. Eisenstadt
(1972), a mudança é produto da modernização, é dizer, da passagem de uma sociedade
tradicional para uma moderna. A modernização é para eles um processo de passagem de um
estado a outro, de uma forma de organização social tradicional para uma forma de
organização social moderna (família nuclear, poucos filhos por família, autoridade política
legalista, mobilidade vertical alta, ...). O modelo define-se como linear, e portanto, pretende
homogeneizar de acordo com um único modelo de modernidade.

Características da modernidade
1) Desenvolvimento das comunicações.
2) Hedonismo, consumismo, secularização, individualismo.
3) Preponderância dos grupos associativos (escola, sindicato, partido, etc. ) face aos
comunitários.
4) Autoridade legalista e racionalidade burocrática. Consolidação do Estado.
5) Industrialização e urbanização.
6) Institucionalização do conflito e das mudanças na estrutura.

Críticas ao estrutural-funcionalismo seriam:

1. A dificuldade para aplicar todos os atributos da modernidade e o seu etnocentrismo


(traços próprios da sociedade europeia e norte-americana).

2. A arbitrariedade das classificações: tradicional, em transição, moderno. Classificações


sem teorias interpretativas ou explicativas.

3. A dificuldade de escolher factores determinantes da mudança.

4. A impossibilidade de estender por todo o mundo os modelos de consumo ocidental, em


relação com as desigualdades, a pobreza, a limitação dos recursos naturais, etc.

A mudança social também está interligada com a permanência e a sua importância para a
sobrevivência e adaptação humanas. Na sua relação com a permanência a mudança pode ser
de três tipos (Gondar, 1981):
1. Substituições. Quando os objectivos que se tratam de satisfazer e a forma permanecem
inalterados. Ex: Substituir o carro usado. Construir uma casa nova. Este tipo de
mudanças motiva poucos problemas, mudam o conteúdo ou as formas, mas as
categorias onde repousa o sentido não mudam drasticamente.

2. Crescimento. O funcionário que sobe no quadro, o camponês que incrementa o


capital com uma aliança matrimonial ou uma boa venda, etc. Aqui a situação não é
especialmente desequilibradora, pois o crescimento é quantitativo e amplia as
estratégias a utilizar.

3. Ruptura com o anterior. A mulher à qual lhe morre o esposo (derrubamento do apoio económico, do apoio na
educação dos filhos, das anteriores relações com vizinhos, amigos e parentes). O emigrante que migra a outro país muito diferente
do seu (novo sistema normativo, simbólico e de comportamento). Se nos dois tipos anteriores as pessoas podem perfeitamente
valer-se em tais situações, neste último caso o comportamento é totalmente diferente: incompreensão, desconcerto, agressividade,
etc. Estas mudanças costumam ser problemáticas.

Actividades 3. Fale do dinamismo cultural, tendo em


conta todos os seus processos
1. Explique o sentido real da expressão (Inculturação; Aculturação e
cultura e as culturas’. desculturação)
2. Identifique os elementos que 4 Apresente resumidamente as
constituem uma cultura. características da cultura.
5. Diferencie a cultura ideal da real.
6 Explique por que razão a cultura é
transcendente ao indivíduo.

Unidade 5
Identidade Cultural

5.1 Introdução

Esta unidade integra conteúdos que fazem parte da unidade anterior: a cultura e as culturas.
Foi para permitir a sua compreensão e melhor aprofundar o seu estudo que decidimos
apresentar esses conteúdos numa unidade separada. Tais conteúdos relacionam-se com
Identidade e alteridade: paradigmas; a identidade como constructo relacional; A noção de
raça e a ideologia racial; grupos étnicos e etnicidade; a percepção cultural dos grupos étnicos;
modelos de convivência intercultural e o conflito identitário.
5.2 Objectivos

Depois de estudar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Reflectir sobre as identidades colectivas

 Pensar a noção de etnicidade na perspectiva de evitar o racismo, a xenofobia e a


discriminação étnica.

 Repensar os modelos de convivência culturais.

 Aprender a respeitar, a compreender a relacionar-se com os diferentes “outros”.

5.3 Identidade e alteridade: paradigmas

Que é moçambicano? Que é ser africano? Que é ser europeu? Que é ser mulher? Que é ser
jovem? Que é ser velho? Que é ser advogado? Que é ser indiano? Que é ser macua? Que é ser
nadau? Que é ser árabe?...

São perguntas que colocam a questão da identidade em diferentes níveis: identidade colectiva,
identidade étnica, identidade de género, identidade de idade, identidade profissional,
identidade nacional, identidade pessoal, identidade religiosa...

No nível da identidade colectiva, as respostas a “Que é ser moçambicano?” podem ser de 3


tipos:

Resposta essencialista, substantivista, psicologicista ou primordialista

Aquela que procura um paralelismo com uma identidade psicológica de base a priori e
substancial. Ex: “Os moçambicanos são gente pacifista”. Fala de uma maneira de ser comum,
da partilha de umas disposições psíquicas comuns, de uma personalidade de base, dumas
disposições psíquicas comuns. Existe um preconceito sobre a equivalência do comportamento
afirmado entre todos os membros do grupo. Desta maneira poderíamos predizer o
comportamento numa interacção.

Os essencialistas identificam o comportamento dos grupos culturais em relação com um


conjunto de traços culturais de base, objectivos, que determinam ditas condutas. A
continuidade e permanência de um grupo descansaria na existência de uma alma colectiva
preexistente.

A carga afectiva inserida no sentimento de pertença e na lealdade para com o grupo étnico,
explicaria a capacidade de mobilização e a resposta às chamadas dos líderes étnicos. Para esta
postura a identidade colectiva existe desde sempre sem descontinuidades e sem quebras. A
identidade é a pervivência de uma “essência” primária nascida em tempos remotos, é uma
sobrevivência inata do passado. Entende a cultura como estática e não poluída e a tradição
cultural como algo perene, permanente, fixo e imutável.

Este paradigma define a identidade como um conjunto de traços essenciais, substantivos,


estruturais, muitas vezes empiricamente difíceis de justificar. Aqui a identidade é entendida
como unha "herança", como algo estático, permanente, fixo, sacro e intocável, como as raízes
culturais quase-genéticas. É esta unha visão reificada, coisificada, baseada numa metáfora
pseudo-biologicista, fetichista do "nós", fundamentalista às vezes, que pretende manter
"puros" aos seus membros, longe das ameaças do exterior, das misturas e da hibridação. Esta
postura é muito monolítica, "dura", e levada a um extremo tenta afirmar e legitimar a
permanência imutável de um grupo, nação, estado, etc. no passado, no presente e no futuro.

A crítica que podemos fazer a este modelo teórico é que nem todos os membros de um grupo
se comportam da mesma maneira, senão que podem ter personalidades diferentes; também
pode haver conflitos, tensões, visões do mundo diferentes que afectem à coesão da identidade.
Uma outra crítica é que as identidades são construídas e adquiridas pelos próprios sujeitos.

Resposta Cognitivista.

Esta resposta sublinha o conjunto de valores, percepções e normas partilhadas por um grupo.
Também a visão do mundo e a concepção da sociedade, o espaço e o tempo. Os valores e
normas condicionariam o comportamento, mas seriam algo estratégico e útil para os interesses
individuais e/ou grupais. A percepção desses traços culturais comuns implica uma selecção
artificial por meio da qual se salientam uns traços e esquecem outros, criando limites baseados
numa diferença construída. Exemplos: “Os moçambicanos são católicos”; “os portugueses do
Norte são celtas e os do Sul são mouros”; “Portugal: Fátima, Fados e Futebol”; “Deus, pátria
e família” (nos tempos de Salazar).

Resposta Interaccionista, processual, situacionista e sociohistórica:

As identidades conferem-se na interacção social, adquirem-se e criam-se em processos


sociais, constróem-se através da socialização e inculturação, expressam-se em discursos,
acções simbólicas, textos e contextos. As identidades constróem-se em processos de
negociação social. A identidade não é uma coisa, uma substância ou essência. Não há traços
culturais identitários de validez universal, nem a língua, nem a cor da pele, nem a religião, etc.
Desta maneira pode acontecer que haja um forte sentido de identidade colectiva dentro de
uma pluralidade linguística (ex.: Suiza, o povo judeu), dentro de uma colectividade sem um
território político-administrativo específico (ex.: curdos, judeus,...). Noutros casos a
comunidade idiomática não impede a divisão em diferentes nações-Estado (ex.:
Hispanoamérica).

A identidade é uma definição do “nos” estabelecida em função dos conteúdos das relações
para com os “outros” (confronto “in-out group”). A identidade construi-se historicamente,
portanto, está em constante mudança, apesar da sua aparente permanência no tempo. A
identidade constrói socioculturalmente a semelhança interna de um grupo pensado como
homogéneo (não quer dizer que o seja), e a diferença (heterogeneidade e diversidade) face a
outros grupos. A identidade alimenta-se da alteridade, está sempre inacabada e em mudança.

Este paradigma interpreta a identidade e os seus símbolos como uma construção sociocultural
sempre em processo, a identidade é processual porque está baseada em processos de
identificação e diferenciação nos quais se unem e articulam pessoas e interesses vinculados a
ideias (cognição e imaginação), sentimentos (emotividade e afectividade), comportamentos
(práticas e modelos) e símbolos (representações e rituais).

Nesta perspectiva a identidade entende-se como uma definição e afirmação do "nós"


estratégica para construir uma identidade mutável e complexa. Existe uma permanente
interacção entre uns e outros, o que implica redefinições, reinterpretações e recriações da
identidade.

5.4 A identidade como construtor relacional

A identidade é um construtor que relaciona indivíduo e comunidade, indivíduo e território,


uma comunidade com outra, um grupo com outros. Mas, apropriado pelos actores sociais, o
conceito de identidade pode ser objectivado, isto é, pensada como continuidade da base
ecológica (território, meio natural), da base social (população, raça), da base temporal
(história) e da base cultural (traços culturais). A identidade é objectivada em nomes, formas,
leis, objectos, etc. Alguns critérios desta conceição objectivista da identidade seriam a
origem comum, a hereditariedade, a genealogia, a língua, o território, a religião, ou a
personalidade de base (Cuche, 1999: 138).

Mas também pode ser subjectivada na construção da diferença, na auto definição da imagem
endógena, na definição da imagem exógena, e no sentimento de identificação e pertença.
Neste segundo processo podem ser utilizados instrumentos de autoreconhecimento (ex.:
bandeira, escudos, mitos, ícones, folclore, leis, etc.) com grande força comunicativa que
condensam ideias, imagens e significados que a gente interioriza. Para esta conceição
subjectivista, a identidade não é recebida de uma vez por todas, não é estática, é dinâmica e
não rígida, é variável e mutável. A identidade, desde este ponto de vista, implica um
sentimento de pertença, uma identificação com uma colectividade mais ou menos imaginária.
Desde esta óptica, o que contam são as representações.

Uma outra maneira de entender a identidade é a conceição relacional e situacional (Cuche,


1999: 139). Segundo esta óptica, a identidade é uma construção social com eficácia social e
em relação com outros grupos –ideia de Barth-. Importa aqui não tanto inventariar os traços
culturais diferenciais de um grupo, mas sim localizar aqueles traços utilizados para
diferenciar-se. A simples diferença cultural não produz diferença identitária. A identidade
diferenciada é resultado das diferenças entre os grupos. A identidade construi-se e reconstrui-
se constantemente no quadro de trocas sociais. A identidade não é um atributo original
permanente, porém dinâmica. A identidade é resultado de uma relação com outros e de um
processo de identificação. A identidade é multidimensional e nela é fundamental a vontade de
marcar os limites entre nós e os outros.

O que também é importante reflectir é o seguinte:

 “Ser” não é igual que “pertencer” oficialmente. “Ser” implica um sentimento de


adesão.

 Grupo humano = Cultura não funciona sempre, pois dentro dos grupos humanos
podem existir minorias culturais e muitas heterogeneidades individuais. Este é o
problema da diversidade, sempre presente nas definições da identidade (seja individual
ou colectiva).

 A antropologia salienta o estudo do “outro”, da outreidade e das diferenças culturais,


sempre em relação a um ou vários “nos”. No fundo “nos” somos (temos identidade),
em quanto que somos outros (“nosoutros” galegos, nosotros español).

 O conceito de identidade media entre o indivíduo e a sociedade, entre a acção


individual e a estrutura sociocultural.

O problema da identidade está sempre presente. Na redacção da Constituição da 2ª República


Espanhola, a definição do artigo que é ser espanhol deixou-se para o fim pois não havia
acordo. No fim decidiu-se que o texto seria o seguinte: “Ser espanhol é quem não pode ser
outra coisa”.
CULTURA: IDENTIDADE:
Modo de vida de Representação da
um grupo cultura de um grupo
humano humano

5.5 A noção de raça e a ideologia racial

De acordo com Marks (1997), a teoria popular da raça está baseada na crença de que
partilhamos mais coisas com as pessoas da nossa categoria racial (ex: mesmo cor da pele). O
que fazemos é ordenar o nosso universo social (para dar sentido ao mesmo) reunindo às
pessoas em grupos definidos especificamente de acordo com alguns critérios como a mesma
geração, o mesmo sexo, o parentesco, etc. Mas a maneira como classificamos não está
determinada pela genética, porém é resultado duma construção social que impomos à natureza
para organizar as coisas.

De acordo com Piazza (1997), é preciso prestar atenção ao desenvolvimento histórico do


conceito de raça para perceber melhor os seus usos sociais:

 No s. V a.C. Heródoto menciona numerosos povos, sobre todo mundo mediterrâneo,


dos Quais da o nome e a localização geográfica, ao mesmo tempo que descreve os
costumes e o aspecto físico.

 O naturalista romano Plínio o Velho (s. I a.C.) explica as diferenças físicas entre
africanos e europeus pela influência do clima.

 No s. XVIII o conde Buffon estava convicto de que os seres humanos pertenciam a


uma única espécie, com pequenas diferenças por causa do clima, a alimentação, os
modos de vida, as doenças e as misturas.

 No s. XVIII Carl Von Linneo e Emmanuel Kant elaboraram classificações sobre as


raças humanas.

 No 1776, o naturalista alemão Johann Friedrich Blumenbach, pai da antropologia


física, afirmou a unicidade da espécie humana, que subdividiu em 5 variedades:
caucásica, etíope, americana, malaia e mongoloide.
 No 1840, o anatomista sueco Anders Retzius classificou os humanos em raças, de
acordo com critérios craneométricos, para o qual inventou o índice cefálico (cociente
entre a largura e o cumprimentos de cérebro). Durante um século este modo de medir
gozou de popularidade, mas depois da Segunda Guerra Mundial introduziram-se as
análises genéticas estatísticas e desapareceu o interesse pelo índice cefálico.

 Desde 1920 sabemos pelos trabalhos de Franz Boas que a transmissão hereditária do
índice cefálico é pouco precisa, pois como ele demonstrou no seu estudo sobre
imigrantes nos EUA, o índice cefálico é sensível aos efeitos do meio (clima,
temperatura, etc.).

Os fins do s. XVII quase todas as terras tinham sido visitadas pelos europeus em barco.
Embarcava-se em um lugar onde a gente tinha um determinado tipo físico e desembarcava-se
noutro com tipos físicos diferentes. Em 1758 o naturalista sueco Linneo estabeleceu as
diferenças raciais entre as diferentes populações (ver quadro do fim do tema).

É fácil criticar a classificação de Linneo. A maioria dos habitantes de Ásia do Sul, da Índia ou
do Paquistão são de complexão obscura como os africanos, parecem-se aos europeus pelos
traços do rosto e vivem na Ásia. Donde situar estas populações? Em África temos pessoas
altas (nilóticos da Kenya), baixas (pigmeus, com esteatopígia), etc. Todos são biologicamente
diferentes, todos são indígenas. Então, por que estabelecer uma única categoria de
“africanos”, “negros” ou “negroides”? Porque interessa politicamente estabelecer essa
classificação e o sublinhado da diferença. Em realidade os africanos da Somália parecem-se
mais aos habitantes de Arábia ou do Irão que aos de Gana (costa ocidental africana). Dois
gorilas ou dois monos tomados ao azar estão mais distantes geneticamente que dois seres
humanos escolhidos ao azar. Todos têm a mesma idade como espécies: 7.000.000 de anos.

Portanto, a raça, mais que uma realidade biológica, é uma categoria cultural. Desde o ponto de
vista “emic” utiliza-se a palavra “raça” em vez de grupo étnico e também “raça” no sentido de
grupo étnico com base biológica (algo que não é assim, porem pensa-se assim). Portanto a
“raça” é um grupo percebido culturalmente. A raça é um grupo ao qual se lhe tem atribuído
um nome, uma etiqueta mais, mas sem base genética ou biológica. Portanto a raça não existe
em tanto que categoria biológica, senão que existe enquanto categoria simbólica e social, o
que a converte num conceito mais real e importante.

Existe uma arbitrariedade social na definição racial, pois por exemplo, nos casamentos mistos
entre um branco e um negro o filho leva um 50% dos genes do pai e outros 50% da mãe, mas
se nasce com a pele negra é classificado de “negro”, apesar de que de acordo com o tipo de
genes poderia ser classificado também como branco. Há uma regra de filiação que assigna
identidade social sob a base dos antepassados, portanto a adscrição social da identidade étnica
é por nascimento ou filiação.

Só existe uma única raça, a humana, e os traços diferenciais exteriores só são resultado de
processos de adaptação ao meio que podem ser explicados por um número muito pequeno de
genes. Traços como a cor da pele, dos olhos ou o tamanho do nariz são controlados por um
número relativamente reduzido de genes (0,01%) e só respondem a pressões ambientais.
Traços como a inteligência, a criatividade artística e as atitudes sociais são condicionados por
80.000 genes que se combinam de uma maneira complexa. Um 99,9% dos genes humanos são
iguais em qualquer pessoa. A noção de “raça” não tem base científico-genética, é só uma
etiqueta social, não biológica, que serve para justificar em muitos casos o racismo, o
etnocentrismo, o genocídio e a xenofobia. De ai que se proponha abandonar o conceito
mesmo, pelas suas associações simbólicas com o racismo e a exclusão social de base étnica.

O racismo ou a ideologia racial pode converter-se em lei, assim no tempo do feijismo italiano
algumas das leis regulamentavam e justificavam o racismo (Mazzeli, 1988):

“O cidadão italiano que no território do reino ou das colónias tenha relação conjugal com
uma pessoa da África Oriental Italiana... será castigada com a reclusão de 1 a 5 anos”, artigo 1
(19-04-1937).

“As pessoas de raça judaica não podem ser admitidas em nenhum ofício ou emprego nas
escolas frequentadas por alunos italianos”, artigo 1 (15-11-1938).

“Os alunos de raça judaica não podem ser inscritos nas escolas frequentadas por alunos
italianos”, artigo 3 (15-11-1938).

Em resumo, a ideologia racial é utilizada para justificar, explicar e preservar posições sociais
privilegiadas. Expressa a afirmação de que alguns grupos humanos são inatamente
(biologicamente) inferiores. Afirma a inferioridade de “outros” baseando-se em carências e
traços como a inteligência, a habilidade, o carácter e o atractivo. Estes traços são pensados
como imutáveis e herdados de geração em geração. No fim acabam por definir que a
estratificação é inevitável, duradoura e natural. I.e.: superioridade da “raça ária”, “apartheid”
da África do Sul.

A crítica antropológica da ideologia racial demonstra como as capacidades de


desenvolvimento cultural são as mesmas para todas as culturas e grupos étnicos, também
confirma que a estratificação social não está em relação com a genética, porém em relação
com as experiências e oportunidades diferentes.

“É um facto reconhecido que a crença na superioridade geneticamente estabelecida de uma


população sobre outra não tem nenhuma base científica. A superioridade é um conceito
político e socioeconómico ligado com o de raça, à história política, militar e económica e às
tradições do país ou dos grupos. A história demonstra que esta suposta superioridade é
transitória: a outros tempos correspondem outros dominantes”.

Piazza, A. (1997): “Un concepto sin fundamento biológico”, em Mundo Científico n.º 185
(Dez. 1997), p. 1.056.

5.6 Grupos étnicos e etnicidade

O conceito de grupo étnico veio substituir o de raça enquanto conceito cultural. Um grupo
étnico é definido por algumas semelhanças entre os seus membros (crenças, valores, hábitos,
normas, substrato histórico comum, etc.) e por diferenças com outros (língua, religião,
história, geografia, território, etc.). Todos estes aspectos são referentes simbólicos que estão
mais na mente das pessoas que na realidade objectiva. Um grupo étnico pode existir sem ter
um nível de consciência colectiva de identidade étnica.

Na Grécia antiga o “éthnos” era um conceito que definia um grupo de pessoas ou animais
com características biológicas e culturais em comum. Viviriam e actuariam em conjunto. Este
“éthnos” representaria o “outro”, o “estrangeiro” e o “étnico”. Face ao “éthnos”, na Grécia
antiga existia o conceito de “génos”, isto é o “nos”. Na Roma imperial, o “populus” era um
conceito que representava o “nos” -os romanos- (González Reboredo, 2000).

 Etnicidade: Esta tem como base um sentimento colectivo de identidade. Implica


identificar-se, afirmar-se como grupo étnico, sentir-se parte dele, implica também um
exercício de inclusão e exclusão. Significa um “ethos” (modo de ser colectivo
particular e específico). Implica uma negociação constante da identidade social (de
situação e de contexto). Por exemplo, a diferença entre estatuto adscrito (filho, branco,
mulher), e adquirido (estudante, amigo,...).

 Etnogénese: Processo de afirmação, revitalização e auto-consciência da identidade


étnica de um grupo humano, numa situação de confronto das diferenças socioculturais
para com outros grupos.
 Adesão primordial (“tribalismo, parroquialismo, comunalismo”) (Geertz, 1987: 222):
“...procede de los hechos dados o, más precisamente, de la existencia social: la
contigüidad inmediata y las conexiones de parentesco principalmente, pero, además,
los hechos dados que suponen el haber nacido en una particular comunidad religiosa,
el hablar una determinada lengua o dialecto y atenerse a ciertas prácticas sociales
particulares. Estas igualdades de sangre, habla, costumbres, etc., se experimentan
como vínculos inefables, vigorosos y obligatorios en sí mismos”. É portanto um
vínculo místico para com o parente ou o patriota correligionário; é um imperativo
absoluto que não pode ser explicado “instrumentalmente” em termos de interesses,
necessidades, afectos pessoais ou interacção social. Este conceito é criticado pelos
paradigmas interaccionistas da identidade.

 Racismo: Discriminação contra um grupo étnico por motivos do pensado como “raça”
ou grupo étnico inferior.

 Racismo de estado (Naïr, 2001): Quando o Estado faz da “origem” étnica uma
substância que serve para justificar uma discriminação, nalgum caso com apoio em
leis que definem a relação com o “outro”. Implica uma política de vistos
discriminatória e um tratamento social diferenciado.

 Nação: Antes era o território de nascimento com língua, história, religião, ... próprios.
Hoje distinguimos entre nação-estado (organização política), nação sem estado ou
nacionalidade (etnia ou grupo com aspirações de estatuto político autónomo). No
fundo a nação é uma comunidade imaginada (Anderson, 1983) em virtude da qual os
seus membros imaginam que participam de uma mesma unidade. Segundo Ernest
Gellner (1988) no mundo há 8000 grupos étnicos aproximadamente, mas só 800
nacionalismos fortes com consciência nacional.

 Tolerância étnica: Caminhamos cara estados multi- étnicos que necessitam de uma
certa identidade comum e uma harmonia, obtidos nalguns casos com a criação de uma
língua comum ponte entre as diferentes etnias e uma simbologia também unificadora.

 Assimilação: Processo de mudança que experimenta um grupo étnico minoritário


quando se despraza a um país no qual domina outra cultura. Por meio deste processo
adopta as normas da cultura anfitrião e incorpora-se à cultura dominante esquecendo
os traços da sua. Frederik Barth (1969) demonstrou que diferentes grupos étnicos
podem estar em contacto sem assimilação e conservando uma coexistência pacífica.
Também fala Barth de “sociedade plural” para referir-se a aquela que combina
contrastes étnicos com especialização ecológica e interdependência económica. Para
Barth as fronteiras étnicas são mais estáveis e permanentes quando os grupos ocupam
diferentes nichos ecológicos, dessa maneira não competem pelos recursos do mesmo
nicho ecológico.

5.7 A percepção cultural dos grupos étnicos

Vivemos em sociedades cada vez mais multiculturais nas quais é cada vez mais importante
estudar a forma de perceber-se os uns aos outros. As imagens que uns grupos étnicos têm de
outros influem nas expectativas, juízos e comportamentos para com os outros. Conhecer as
imagens serve para desconstruir e mudar estas no caso de ser discriminatórias. O olhar sobre
outros grupos pode utilizar traços fenotípicos, psicológicos ou comportamentais:

Traços fenotípicos Traços psicológicos Traços comportamentais

-Traços físicos -Ex: Os japoneses dizem que Ex: “ Os japoneses são

-Ex: Os japoneses dizem dos os coreanos são uns harmoniosos e trabalhadores”.

coreanos que cheiram a fracassados e uns


delinquentes.
“acre”.

A imagem social é a percepção que temos de uma pessoa enquanto membro de um grupo. A
imagem social é resultado de processos cognitivos que utilizam estereótipos e preconceitos:

Estereótipos
 Traços que se atribuem a um grupo ou a uma pessoa em quanto membro de um grupo.
 Imagem mental simplificada e partilhada socialmente dos membros de um grupo.
 Simplificam os vários aspectos da realidade.
 São resistentes à mudança.
 Conservam-se apesar da evidências em contra.
 Simplificam.
 Generalizam.
 Orientam as expectativas.

Tipos de estereótipos
Positivos Neutros Negativos
“Os espanhóis são boa gente” “Os suecos são altos” “Os ________ são uns
porcos”

Preconceitos
 Introduzem emoção e acção.
 Estabelecem um juízo prévio não demonstrado sobre um indivíduo ou um grupo,
favorável ou desfavorável, que tende à acção.
 Condicionam a discriminação (comportamento dos pré-conceitos), que pode ser
directa (física, verbal, etc.) ou indirecta (nas leis, na língua, nas atitudes, no curriculum
escolar oculto, etc. )

Para explicar a formação dos estereótipos podemos recorrer a três teorias:

1ª. Psicanálise: Os estereótipos nascem dos impulsos do indivíduo, com o objectivo de


satisfazer necessidades inconscientes.

2ª. Antropologia: Os estereótipos nascem do meio sociocultural, apreendem-se no


processo de socialização. Reflectem a história e a cultura.

3ª. Sociocognitivismo (Psicologia Social). Esta teoria sintetiza a 1ª e a 2ª. Os estereótipos


formam-se e desenvolvem-se no interior das pessoas (psicanálise), mas nascem da
percepção social apreendida nos processos de socialização (antropologia).

Como se formam os estereótipos no interior das pessoas?

 Por categorizado social. Para apreender a realidade organizamo-la em categorias:


negros, brancos, judeus, mulheres, as feministas, os Pereira, os meus clientes,... A
categorização social é um processo de simplificação e sistematização da informação.

 Por comparação social. Os estereótipos exageram as diferenças entre categorias,


comparam e organizam a informação. Inventam-se diferenças para criar processos de
identificação.

 Por atribuição de características a determinadas categorias, gerando expectativas e


condutas.
De onde nascem os estereótipos?

 De estruturas cognitivas partilhadas, debaixo das quais estão sistemas de valores


transmitidos pelos agentes de socialização (família, escola, media,...).

Como se mantêm um estereótipo?

 Resistindo à mudança, apesar de evidências do contrário.

 Cumprindo a expectativa, tanto quem observa como quem é atribuído.

 Efeito Pigmalião: A primeira impressão que um professor recebe dos estudantes


implica que tenda a comportar-se de acordo com essas impressões, e eles a cumprir a
expectativa.

 Por memorização, pois recordamos melhor o relacionado com o estereótipo.

Como funcionam os estereótipos?

 Por meio de um favoritismo endogrupal valoramos mais positivamente o nosso grupo


e desfavorecemos outros.

 Por meio da acentuação das diferenças inter-grupais e o reforço da diferença face aos
pensados como “outros”. Pode fomentar a concorrência e a rivalidade.

 Por meio da homogeneidade interna exagerada (mecanismo de coesão interna).

 Homogeneizando o exogrupo e desindividualizando os seus membros. Ex.: “Todos os


__________ são iguais”..

5.8 Modelos de convivência intercultural

Modelo de integração impossível: Alemanha

Aqui pertencer à nação implica ter uma série de atributos místicos e simbólicos pre-existentes.
Os imigrantes são denominados “gastarbeiter” (trabalhadores convidados) e são considerados
uma tribo de interinos que abandonarão o país quando não se lhes necessite. Pratica-se um
essencialismo étnico por meio do qual a nação de identidade étnica tenta substituir à de
“cidadania” (conceito francês).
Modelo da assimilação: França

Os imigrantes podem adquirir a nacionalidade francesa. Através deste modelo tenta-se


inculcar os valores da civilidade laica e da democracia participativa.

O objectivo é inserir os imigrantes inserção laboral, residencial, escolar e legal. Os melhores


inseridos na França são os mais próximos culturalmente: italianos, espanhóis, portugueses, e
finalmente os argelinos.

O que se faz é assimilar as diferenças culturais dos chegados doutros lugares, mas pode haver
resistências por parte dos chegados.

Também podem acontecer processos de identidade negativa ou negativizada, que consistem


na substituição da cultura materna por outra de adopção (ex.: 2ª e 3ª geração de imigrantes),
mas também na ocultação da origem cultural e na perca da maneira de falar e das tradições
cultural próprias (pensadas como inferiores). Desta forma aceita-se a cultura do grupo de
recepção por meio de processos de integração -assimilação. Todo isso em relação com
processos de melhora do estatuto social com esquemas

Tolerância pluriétnica ou pluricultural: U.K.

 Todos os cidadãos da Commonwealth possuem à sua chegada ao U.K. a cidadania


britânica (de segunda classe, mas cidadania).

 Há um reconhecimento da diversidade étnica.

 Também há problemas: guetos, racismo, xenofobia...

 Respeita-se um modelo de diversidade cultural positiva e desejável.

 É um modelo oposto ao assimilacionismo (pelo qual se aguarda que as minorias


étnicas abandonem as suas tradições e valores culturais para ser substituídos pelos da
maioria da população).

 Trata-se do fomento das diversas tradições étnico-culturais. Implica:

 Socialização na cultura dominante e na cultura étnica própria.

 Estudar a história nacional e história dos grupos étnicos.

 Respeitar as diferenças.

 Todos os grupos étnicos oferecem algo ao conjunto e todos têm que aprender algo dos
outros.
Hoje em dia há uma crise dos modelos de integração, dai a necessidade urgente de reinventar
formas de convivência tolerantes, plurais, humanistas, consensuais e democrática. Estamos
face a uma situação de risco na qual abundam movimentos racistas de estrema direita e
também alguns nacionalismos intolerantes. Frente a isso é preciso uma educação intercultural
da cidadania, para a qual a antropologia está chamada. Face a um multiculturalismo às vezes
hierárquico e injusto devemos reflectir sobre o conceito de “integração”, não como
assimilação, porém como a possibilidade funcional de adaptação intercultural, o que implica
pensar-nos primeiro como cidadãos.

Neste problema, o filósofo alemão Jürgen Habermas (2000) defende a ideia de cidadania
democrática pós-nacional segundo a qual devemos criar uma identidade e uma política
supranacional que dé respostas aos problemas dos cidadãos através de uma nova forma de
fazer política. O pós-nacionalismo tem como base o pluralismo e a diversidade étnica e
cultural das nossas sociedades, mas propõe uma união política não homogéna culturalmente,
na qual se respeitem as regras democráticas e os direitos dos cidadãos de forma supranacional
(i.e. Europa). Nesta nova forma de convivência, os problemas nacionais exigem participações
e soluções pós-nacionais. Este ir mais além do estado-nação exige novas relações de
solidariedade pós-nacional. Este modelo implica pensar as pessoas antes como cidadãos com
direitos e obrigações que como membros de uma comunidade ou cultura imaginada.

5.9 O conflito identitário

Segundo Alfonso Pérez-Agote (1986) podem existir dois tipos de conflitos de identidade:

a) Conflitos de identidade. São conflitos entre duas formas de definir a identidade


colectiva no interior de um grupo e a pertença de uma série de indivíduos a um grupo,
i.e.: nacionalismos periféricos. Coloca o problema do reconhecimento e a objectivação
social das identidades colectivas.

b) Conflitos entre identidades ou identidades em conflito. São conflitos sociais entre


colectivos que não implicam uma disputa sobre a identidade. A identidade é suposta e
cada colectivo reconhece a sua identidade e a do outro. I.e.: conflitos étnicos e raciais.

A etnicidade, como expressão e processo identitário, implica uma percepção de semelhanças e


diferenças com os outros e pode levar a um pluralismo e um multiculturalismo pacíficos ou a
uma discriminação e/ou confrontação violenta de tipo étnico. As raízes desse conflito podem
estar em preconceitos e na discriminação.
O preconceito é um juízo prévio que infravalora um grupo pelo seu comportamento, os seus
valores, as suas capacidades ou atributos. Este juízo implica mirar por cima do ombro e está
ligado a “estereótipos”, que são ideias pre- fixadas, frequentemente desfavoráveis, sobre a
forma de ser dos membros de um grupo. As pessoas que utilizam esses estereótipos pensam
que os membros dos outros grupos actuam conforme ao estereótipo, e evidenciam exemplos
de comportamento individual para confirmar o mesmo.

A discriminação implica duas coisas, políticas e práticas (i.e.: Apartheid da África do Sul,
legal até 1991). Entre as práticas podemos observar:

 Agressões verbais, físicas e psicológicas.

 Genocídios: Eliminação deliberada de um grupo étnico com a intenção de destruir a


um grupo nacional, étnico ou religioso. Os povos submetidos a genocídio são vistos
como “obstáculos ao progresso” (i.e.: índios norte-americanos, judeus na Alemanha,
chinos na Indonésia).

 Assimilação pela força: consiste em forçar a um grupo a adoptar a cultura dominante.

 Expulsão étnica: implica guerra e persecução (i.e.: Kosova).

 Colonialismo: forma de opressão, domínio político, social, económico, ideológico e


cultural de um território, por uma potência estrangeira. Uma das tácticas do mesmo é a
de inundar áreas étnicas com membros do grupo étnico dominante.

O preocupante da situação actual do mundo é a atitude de rejeitamento para com o estrangeiro


e o movimento de população de Sul para Norte. A antropologia está chamada a ter um papel
de mediação sociocultural nestes problemas.

Actividades
1. Que é uma identidade Cultural?
2. Qual é a importância de estudo de identidade cultural para a formação da
personalidade humana?
3. Fale da identidade como um constructo racional.
4. Que relação existe entre cultura e identidade?
5. Mencione alguns elementos simbólicos que justificam a identidade moçambicana.
6. Mostre a diferença entre grupo étnico e grupo social.
7. A imagem social que se tem de uma pessoa enquanto membro de um grupo, é
resultado de processos cognitivos que utilizam estereótipos e preconceitos.
a) Explique como se formam os estereótipos no interior das pessoas.
b) Como funcionam estereótipos?
Unidade 6
O Parentesco: organização sócio-política, a célula e produção

6.1 Introdução

A presente unidade destiana-se ao estudo de conteúdos que dizem respeito à abrdagem


antropológica do parentesco. Nela, você poderá encontrar a definição do parentesco; os ruptos
de parentesco; tipos de família; o casamento; os sistemas de descendência e herança

6.2 Objectivos

No final desta unidade o estudante deverá:

 Compreender a importância do parentesco e o seu estudo.

 Valorar a pluralidade dos diferentes tipos de família e dos diferentes grupos


domésticos.

 Entender o casamento na sua diversidade cultural.

6.3 Definição do parentesco

A antropologia sociocultural tem considerado durante muito tempo o estudo da família e do


parentesco como o seu património indiscutível (Salazar, 1995: 46). O parentesco é uma
relação humana universal com base biológica e com variações nos significados socioculturais
particulares.

Para a antropologia social britânica tanto a tribo, como o clã, a linhagem ou a família são
grupos de filiação corporativos que organizam a vida política à margem do Estado, um
conjunto de direitos e de obrigações morais aos quais não é possível subtrairmo-nos (Fortes,
1969: 242).

Para a antropologia estrutural francesa a lógica de um sistema de parentesco descansa na


aliança e na reciprocidade. A função do parentesco é a de regular as formas de intercâmbio
entre os grupos humanos, dai que o casamento seja uma instituição de aliança fundamental
entre grupos humanos (ex.: o casamento como intercâmbio de mulheres). Assim com base na
teoria da aliança o parentesco satisfará mais necessidades económicas que sociais.

É este um tema clássico em antropologia, o parentesco é de grande importância na vida


quotidiana. Questões como o divórcio, que nos parece tão moderna, é muito antiga noutras
culturas (concedido a petição dos dois), ou também o aborto, que noutras culturas é admitido
como algo normal. Também o tema das relações sexuais fora do matrimónio, que apenas são
proibidas num 5% das culturas, e noutras são permitidas mas com certas condições. O
parentesco é o sentido sociocultural dos laços de sangue, tem uma base biológica mas precisa
de uma interpretação e reconhecimento social (ex.: o caso dos pais adoptivos). O parentesco é
um tipo de relação social pautada. As funções que satisfaz o parentesco são: económicas
(subsistência e controlo do sistema de reprodução), psicológicas (seguridade emocional),
sociais e económicas (regulamentar as formas de intercâmbio, organizar os casamentos e ),
etc.

6.4 Grupos de parentesco

Os antropólogos estudam as definições, limites e relações dos grupos de parentesco (=


divisões sociais com vínculos relevantes, como por exemplo os descendentes do mesmo avó).
Em muitas culturas, quando o antepassado comum fica no passado, fica no esquecimento e os
seus descendentes não são considerados parentes entre si. Em outras muitas culturas os grupos
de parentesco estão ligados com um TOTEM, que é um objecto emblemático com o qual se
estabelece uma relação especial. Para melhor entender o parentesco convem perguntar:

1º. Quais as palavras usadas para os tipos de parentes em cada língua particular?

2º. Quem são os teus parentes? (O parentesco é construído culturalmente, isto é, alguns
parentes biológicos são considerados parentes e outros não).

3º. Como usam as pessoas o parentesco para criar laços sociais e integrar-se em certos
grupos?

Os termos de parentesco são as palavras para definir parentes numa língua particular, e esto é
uma construção social (Ex.: em muitas sociedades a mesma palavra designa o pai e o irmão da
mãe).

Os parentes biológicos ou “cognados” são definidos pelas relações genealógicas (i.e.: irmão
da mãe) de filiação. Os parentes afines ou “agnados” são aqueles que se obtêm por vínculos
como o casamento, portanto podem incluir elementos para além dos esposos (pais dos
esposos, irmãos, grupos de parentesco...)

O parentesco bilateral (i.e.: Portugal, Espanha) é uma relação genealógica estabelecida através
dos homens e das mulheres, isto é, os tios por via materna ou paterna são o mesmo tipo de
parentes.
Os membros de um grupo de parentesco podem ter obrigações comuns para com os
vinculados, por exemplo: vingar a morte (i.e. na Polinésia).

Também pode existir a ideia de “limpeza de sangue” no grupo de parentes. Durante o Esto
Novo, em Portugal existia a expressão “lavar a honra com sangue”, que consistia em matar a
esposa quando era apanhada junto com um amante.

6.5 Tipos de família

Para Lévi Strauss (1974: 17) a família é um grupo social que tem origem no casamento, é uma
união legal com direitos e obrigações económicas, religiosas, sexuais e de outro tipo. Mas
também está associada a sentimentos como o amor, o afecto, o respeito ou o temor. Afirma
Lévi-Strauss (1974: 47) que a família é necessária para a reprodução social de um grupo
humano, pois garante a sobrevivência e a continuidade biológica e social do próprio grupo.
Neste ponto cabe relembrar o que o antropólogo português João Pina-Cabral (1989) sublinha
para o caso português que o termo “família” é burguês, mas o conceito de “casa” é rural. A
“casa” afirma Pina-Cabral (1989) são “os que comem juntos”, isto é, é através da
comensalidade que os camponeses, que ele estudou no Minho, reconstróem a identidade da
sua unidade familiar.

A família em questão pode ser considerada como uma unidade que envolve as economias
individuais e que pratica uma economia moral ou cultural colectiva com base nas relações de
parentesco. É o que Jack Goody (1986: 249) denomina economia oculta do parentesco.

Mas a unidade familiar não está isenta de tensões, rivalidades internas e externas, negociações
e conflitos. O mesmo matrimónio pode ser considerado como uma ameaça do património
entre os quais vai existir uma tensão estrutural (O´Neill, 1984). Portanto, as tensões e
articulações entre os condicionamentos sociais e os projectos pessoais que possam existir são
ingredientes da existência humana em sociedade.

A família, diz Robert Rowland (1997) é consequência das relações de parentesco, é um grupo
doméstico co-residente e com limites variáveis segundo os contextos culturais. Alguns tipos
de família são:

1. Família nuclear: grupo de parentes formado pelos pais e os filhos, que residem juntos, e os
filhos tendem a herdar dos pais.

2. Família extensa ou “souche” (alargada).

3. Família de orientação: aquela onde um nasce e aprende a ser criança.


4. Família de procriação: aquela que formamos no momento do nosso casamento, quando
um se casa e tem filhos.

Neste ponto também devemos pensar a linhagem ou clã, algo mais permanente que a família
nuclear. A pertença ao mesmo é por adscrição de nascimento. Leva associado uma relação
genealógica dos descendentes de um antepassado comum.

Um outro conceito associado ao de família é o de “grupo doméstico”, isto é um grupo de


parentes que coabitam e co-residem no mesmo espaço. Portanto há uma diferença com o
conceito de família.

6.6 O Casamento

O casamento consagra uma instituição social de todas as culturas, a família, mas com
diferentes implicações sociais. O casamento é um ritual de passagem da juventude à adultez.
O casamento regulamenta a relação sexual e a procriação, mas também as ligações sociais
entre famílias e grupos humanos. A cerimónia do casamento varia de cultura a cultura em
términos formais, mas no geral é um ritual de passagem do estatuto da juventude para o
estatuto de adulto.

De acordo com Edmund Leach (1971), o casamento pode servir para:

1. Definir o pai legal dos filhos de uma mulher.

2. Definir a mãe legal para os filhos de um homem.

3. Dar ao marido monopólio sobre a actividade sexual da mulher.

4. Dar à mulher monopólio sobre a actividade sexual do marido.

5. Dar ao esposo o direito sobre serviços domésticos e trabalhos da mulher.

6. Dar à mulher o direito parcial ou monopólio sobre o trabalho do homem.

7. Dar ao marido direito de propriedade sobre as pertenças da mulher.

8. Dar à mulher direito de propriedade sobre as pertenças do marido.

9. Estabelecer um fundo comum de propriedade em benefício dos filhos nascidos do


casamento.

10. Estabelecer um parentesco de afinidade entre o marido e os irmãos da mulher.

Tipos de casamento

 Monogamia: Casamento entre um só homem e uma única mulher.


 Homossexual: Casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ser “paneleiro” em português
popular é uma metáfora que parte do que se pensa uma inversão de género, um homem
que mexe nas panelas, trabalho definido geralmente como feminino.

 Plural:

a) Poliandria: (Polinésia, Tibete, Nepal, Índia): Uma mulher casa com vários homens.

Um caso paradigmático é o da poliandria fraternal ou “adélfica” do Himalaia (uma


mulher casa com 2 homens que são irmãos entre eles); estes tibetanos trabalham como
guias de caravanas, o que implica dilatadas estadias fora de casa, entretanto a mulher e
os filhos ficam com o irmão do marido.

Outro exemplo é o caso dos “todas” do sul da Índia (tribo das montanhas Nilgira, mil
pessoas, ¼ são cristãos, a sua economia depende dos búfalos, mas são vegetarianos,
dos búfalos só utilizam o leite, vendem também leite a uma cooperativa leiteira e os
tecidos bordados). Entre os “todas”, o infanticídio feminino é frequente para equilibrar
o número de mulheres com o dos homens. Para evitar a divisão da propriedade os
filhos casam com a mesma mulher, e assim “tudo fica em casa”, o património fica
indiviso. Era frequente que no primeiro ano o irmão maior tiver relações sexuais com
a esposa até ficar engravide, logo chegará o turno do 2º irmão (resolução da tensão
estrutural entre matrimónio e património).

Um exemplo mais é da Somália, no “Corno da África”, onde uma mulher casa com
um homem de outro povoado, onde a mulher vai viver. Mas se a mulher acorda-se de
que são as festas do seu povoado, ela vai lá sem despedir-se do seu marido; e depois
ali, se encontra um dos seus pretendentes na festa pode marchar com ele e casar com
ele. É esta uma flexibilidade notável para desintegrar e atar as relações de casamento.

b) Poligamia: Um homem casa com várias mulheres. Fenómeno mais comum. Em


muitas culturas eleva o estatuto da mulher e desce o número de solteiras e viúvas,
também implica melhoras económicas importantes. Nestes casamentos há um controlo
cultural da natalidade, pois há um tabu que proíbe as relações sexuais durante a
“engravidez” e a lactária (prolongada até os 3 anos).

 -Exogámia: Casamento com uma pessoa de fora do próprio grupo ou espaço territorial.
Alarga assim a rede social intergrupal.
 -Endogamia: Casamento dentro do próprio grupo ou espaço territorial (i.e.: as castas da
Índia; o direito masculino sobre as mulheres da sua terra).

 -Incesto: Consiste em manter relações sexuais com um parente próximo. Em todas as


culturas há um “tabu” do incesto, com modos e expressões diferentes. Segundo alguns
antropólogos como Lévi-Strauss (1985) o tabu do incesto garante a exogamia, as alianças
fora do grupo e entre grupos, alem de favorecer a mistura genética. O casamento garante
os intercâmbios entre grupos. O tabu do incesto seria, portanto, um imperativo
socioantropológico, regulador do intercâmbio e gerador de ordem social.

Por tanto o casamento é um assunto de grupo, pois os casais interiorizam as obrigações para
com os parentes. (i.e.: tensão estrutural básica entre o património e o matrimónio). Em muitos
casos o matrimónio não é por “amor”, nem é uma escolha entre os casais, porem entre os
parentes ou o chefe do clã, não sem consulta aos casais, a decisão é dos parentes. É o
romantismo quem desenvolve a ideia do amor como motivo principal do casamento. Ainda
que o amor entre os casais e entre os pais e os filhos é quase universal e não se inventou só em
Europa (Goody, 2000).

Há uma série de práticas culturais que bem definem o estabelecimento de vínculos entre
grupos:

a) A “compensação pela noiva”: Trata-se de um regalo do esposo e a sua família á


esposa e a sua família. Compensa a perca da mulher como companhia e mão de
obra.

b) Dote da esposa: Prendas da família da esposa ao novo casal, dotando a esposa de


dinheiro, bens, etc. A dote é um costume herdado da Grécia segundo Jack Goody
(2000).

c) “Sororato”: Ao falecer a esposa, o homem casa com uma irmã da esposa. É assim
como a linhagem a substitui por uma das suas irmãs.

d) “Levirato”: Ao falecer o esposo, a esposa fica “viúva” e deve casar com um irmão
do esposo. Esto é porque a mulher mais que casar com um homem casa com um
linhagem.

e) Casamento entre primos cruzados: É o casamento entre filhos de um irmão e


uma irmã.
f) Casamento entre primos paralelos: É o casamento entre filhos de dois irmãos ou
duas irmãs (do mesmo sexo). Geralmente é considerado incestuoso.

Padrões de residência pós-casamento

a) Natolocalidade: Residência na localidade de nascimento de um dos cônjuges.

1. Matrilocalidade ou uxorilocalidade: Residência na casa ou povoação dos pais da


esposa.

2. Patrilocalidade ou virilocalidade: Residência na casa ou povoação dos pais do esposo.

b) Neolocalidade: Está associada a uma mobilidade geográfica. A residência é nova e


diferente à dos pais dos dois cônjuges.

c) Ambilocalidade: Os dois membros continuam a viver em casa dos pais e só á noite um


visita e dorme na casa do outro. Exemplo: Em Trás-os-Montes e o sul da província galega
de Ourense nos anos 1950-1960, os cônjuges continuavam a trabalhar na exploração dos
pais, e só à noite é que o homem visitava a casa-vivenda dos pais da sua esposa. Só depois
da morte dos pais é que os cônjuges passavam a trabalhar e residir baixo o mesmo tecto.

6.7 Os sistemas de descendência e herança

Na hora de organizar a descendência e a herança há 2 tipos de sistemas:

1. Com uma linha: linear.

 Matrilinear (uterina): Todos os filhos e filhas pertencem ao mesmo linhagem mas são
elas quem transmitem a descendência, eles não. Os filhos delas serão da linhagem mas
os deles não. A herança e a residência é por via feminina.

 Patrilinear (agnática): A descendência transmite-se por via masculina ainda que todos
os filhos pertençam á linhagem. A residência neste caso é virilocal e neolocal. Este
sistema está mais estendido que o matrilinear, (ex.: Império Romano, Muçulmano, e
Chino). Um caso extremo é o caso do sudeste da China, onde a mulher é entendida
como algo de pouca importância para a linhagem; as filhas casam e vão morar para
casa do homem, não voltando á casa dos pais, só em caso de falecimento dos seus pais
é que volta. Os pais evitam o afecto pelas filhas quando estas são crianças, pois
irremediavelmente separam-se delas. O significado estrutural delas é a mudança por
mulheres de outro linhagem.

2. Com duas linhas: bilinear, ainda que a autoridade oficial possa ser só a do homem.
Se queremos estudar os sistemas de descendência, a través dos quais se transmite a herança,
também devemos ter em conta a noção de “ciclo da vida familiar”, que serve para
conceitualizar a evolução da família e as suas mudanças em tamanho e estrutura, desde a sua
constituição até a sua dissolução (Segalen, 1999).

Actividades
1. Define Parentesco situando-o no contexto antropológico.
2. Qual é a importância de estudo de Parentesco na vida humana?
3. Mencione tipos de parentesco que conhece.
4. Diferencie o Parentesco no sentido restrito do parentesco unilinear dupla.
5. O casamento, é o resultado de um tipo de laços por ti estudo. Identifica seus tipos.
6. Mencione instituições de familia.
7. Há uma série de práticas culturais que bem definem o estabelecimento de vínculos
entre grupos.
a) Identifica e caracterize.
b) Diferencie o Sororato do Levirato.
Unidade 7
A Antropologia Económica

7.1 Introdução

Nesta unidade propõ-se ao caro estudante o estudo da Antropologia Económica, destacando-


se os seguintes conteúdos: Antropologia económica; reciprocidade; redistribuição;
intercâmbio de mercado; modos de produção; caça, pesca e recoleção; pastorícia; cultivos
agrícolas: horticultura e agricultura; a sociedade industrial e a sociedade pós-industrial.

Ao teminar esta unidade, você deverá ser capaz de:

 Apresentar a relação entre a antropologia e a economia como objecto de estudo.

 Conhecer diferentes tipos de economia, entendidos como formas de cultura.

7.3 Antropologia económica

A antropologia económica é uma subdisciplina da antropologia sociocultural que estuda os


sistemas de produção, distribuição e consumo dos diferentes grupos humanos. A economia
faz parte da cultura no sentido em que o fim da cultura é a sobrevivência, a reprodução e a
continuidade dos grupos humanos.

A economia pode entender-se integrada em processos socioculturais, pois a produção realiza-


se em famílias, comunidades e sociedades. As relações sociais funcionam como relações
económicas e laborais (Godelier, 1974). Além mais, a distribuição, o intercâmbio e o
consumo têm funções e sentidos sociais e políticos.

“Economy is a set of institutionalized activities which combine natural resources, humam


labor, and technology to acquire, produce, and distribute material goods and specialist
services in a structured, repetitive fashion.”

(Dalton, 1969: 97)

Diferentes culturas valorizam diferentes bens e serviços, algumas salientam a cooperação


económica e outras a concorrência. Umas culturas sublinham o consumo como meio de
aumentar o estatuto social, outras a generosidade e a doação de bens como meio para adquirir
prestígio.

De acordo com Karl Polanyi (1994), o intercâmbio é fundamental em economia. O


intercâmbio é a prática de dar e receber objectos e serviços com algum valor. Os modelos de
intercâmbio variam de cultura para cultura, e podem ser de vários tipos: reciprocidade,
redistribuição e mercado. As culturas humanas valorizam mais um tipo de intercâmbio do que
outro, ou na mesma cultura podem coexistir vários tipos de forma articulada. Segundo Polanyi
(1994) estes tipos de intercâmbio devem ser pensados como actos sociais pautados
culturalmente. São estes três tipos de intercâmbio, modelos e não tipos de economia, pois em
cada economia concreta pode haver elementos dos três. A diferença do que afirmava Adam
Smith na sua obra “A riqueza das nações”, de que a troca tem a sua origem na tendência
psicológica e psíquica inata para intercambiar, Karl Polanyi (1994) afirma que a troca nasce
das instituições sociais.

7.4 A reciprocidade

As formas de intercâmbio recíproco acontecem em todas as culturas. Por exemplo, as esposas


não são pagas pelos seus esposos por estas lhes preparar o jantar. Outro exemplo é o das
“prendas” que damos a alguém. A expectativa neste tipo de intercâmbio é o da
correspondência e o retorno. Não é bem uma relação de altruísmo puro. Sim que é uma
relação semelhante às obrigações de parentesco e tem intensos significados sentimentais,
pessoais, mas também modelados pela cultura.

Este é só um tipo de intercâmbio, e pode haver outros tipos de intercâmbio dentro da mesma
cultura e protagonizado pelas mesmas pessoas. A reciprocidade é uma maneira de controlar a
sobre –exploração da natureza, e também a desigualdade socio-económica.

O princípio de reciprocidade é: Trocar entre pessoas socialmente iguais, com vínculos entre
si, em sociedades ou grupos igualitários. A simetria social é muito importante neste tipo de
intercâmbio, mas também saber dar, receber e retribuir.

Exemplos etnográficos:

1. O “comércio silencioso”: Este era um tipo de comercio praticado nalgumas


zonas de África e de Ásia, e que facilitava o intercâmbio recíproco. Os
objectos para serem intercambiados eram situados em um claro. O outro grupo,
logo de esconder-se o primeiro, inspecciona os objectos, apanha estes e deixa
os seus. O primeiro grupo regressa ao lugar se ficou satisfeito. Ex.: Os pigmeus
mbuti trocam carne por bananas com os banto africanos:

MBUTI-Zaire- BANTO-
caçadores e agricultores
recolectores

Os “Vedda” (Sri Lanka) trocam mel por alfaias com os “sinhalese”.

2. O “kula”: O “kula” era um sistema de intercâmbio cerimonial, associado também ao


comércio de lucros, que se desenvolvia nas Ilhas Trobriand (Leste de Nova Guiné). Estudado
por Malinowski, consistia na circulação de colares vermelhos (“soulava”) -que circulavam
pelas ilhas seguindo a direcção das agulhas do relógio-, e de braceletes de conchas brancas
(“mwali”) que se deslocavam em sentido contrário. Havia um prestígio e uma riqueza
associados à posse de conchas, colares e pulseiras, artigos ornamentais denominados “vaygu
´a”; mas o seu valor económico não estava ligado ao valor do objecto, porém era atribuído
social e culturalmente. A troca implicava saber dar, receber e retribuir. Paralelamente ao
intercâmbio cerimonial existia um intenso intercâmbio de produtos agrários e artesianos,
fundamentais para a sobrevivência dos habitantes das ilhas Trobriand.

7.5 A redistribuição

Esta forma de intercâmbio está geralmente associada a formas sociais assimétricas com
exercício de políticas coercitivas. Consiste em acumular produtos em um lugar central, para
logo ser distribuídos a produtores e não produtores. Os redistribuidores ganham prestígio aos
olhos dos redistribuídos.

Existe uma forma extrema de intercâmbio recíproco em sociedades igualitárias de


redistribuição não estratificada. Segundo este tipo de intercâmbio, o redistribuidor trabalha
mais que os outros, e fica com a porção mais pequena ou com nenhuma, recebendo assim
admiração por isso.

Exemplos etnográficos:

Os “semais” (Malaisia central) (Dentan: 1968)


Nenhum deles diz “obrigado!” quando recebe a carne de outro caçador. O animal caçado é
distribuído em porções para todo o grupo. Dizer “obrigado” ou expressar agradecimento
implica: que es pouco generoso porque calculas quanto das e recebes, ser rude e bronco, que
não esperavas que os outros fossem tão generosos, que pensas reparar o doado por obrigação.

O “potlach” (Tribus kwakiutl do Noroeste dos EUA e Canadá)

São festas de redistribuição entre as tribos com melhores e piores colheitas cada ano. Aqui
existe a obrigação da paridade, isto é, dar e receber devem ser proporcionais. Esta obrigação é
denominada “dádiva” por Marcel Mauss no seu “Ensaio sobre a dádiva” (1923-24). A
actividade económica movimenta assim uma série de actividades socioculturais como são os
rituais colectivos.

O “potlatch” era um ritual que se praticava na costa norte do Pacífico dos EUA, pelas tribos
“alingit” e “salish”, e pelos “kwakiutl” de Washington e a Columbia Britânica. Era praticado
em memória de uma pessoa falecida, para reconhecer o estatuto de um membro da família ou
para celebrar a criação de um “totem”. Nele encarnava-se a posição social dos seus
participantes. Em 1885 foi proibido pelo governo canadiano e legalizado de novo em 1950.
Hoje é uma prática em memória dos antepassados mortos e continua-se celebrando.

Tratava-se de um evento festivo no qual os patrocinadores ofertavam alimentos, cobertores,


peças de cobre, etc. Em troca obtinham prestígio, boa reputação. Com a chegado dos
europeus começaram a comerciar com eles (ex.: cobertores por peles) e também a destruir
bens como cobertores e peças de cobre.

A) Despesa económica sem sentido?

B) Impulso irracional?

C) Procura de estatuto e prestígio?

D) Mecanismo de adaptação cultural?

Responde à adaptação a períodos alternos de abundância e escasseza. Nos bons anos ganhava-
se prestígio com a riqueza ao ofertar coisas aos povoados mais pobres. Nos de escasseza os
necessitados aceitavam alimentos dos povoados ricos. Era portanto uma forma de redistribuir
a riqueza. Impediam assim o desenvolvimento de uma estratificação socioeconómica, uniam a
grupos locais numa série de redes de trocas. Este uso das festividades rituais para salientar as
reputações individuais e comunitárias não é algo particular destas tribos.
Nas formas de redistribuição das sociedades estratificadas, o redistribuidor deixa que os
outros façam a maior parte do trabalho e fica com a maior parte dos produtos para ele e a sua
família. Neste tipo de intercâmbio, o contributo dos trabalhadores para um armazém central é
obrigatório, mas pode que não recebam em troco o que dão.

O princípio de redistribuição é: da periferia ao centro e do centro para a periferia.

7.6 Intercâmbio de mercado

Neste tipo de intercâmbio domina o dinheiro como valor dos produtos no intercâmbio. Os
preços dominam todas as formas de mercado. Os preços dos bens e dos serviços são
determinados por compradores e vendedores, mas também pela Política Económica. Depois
do pagamento não há quase obrigações entre comprador e vendedor. O local de mercado,
além de para intercambiar bens, também pode servir como ponto de intercâmbio de
informação, espaço de lazer e consumo.

O Princípio de mercado (economia capitalista mundial) é: máximo benefício, lei da oferta e


a procura – quanta mais escasseza mais cara e mais desejada é uma coisa-. Há uma escolha de
preços ou negociação entre comprador e vendedor e não é obrigatório o encontro entre os
dois.

7.7 Modos de produção

 A economia é um sistema de produção, distribuição e consumo de recursos. Para a


antropologia, a economia é uma forma de cultura com perspectiva comparada.

 Modo de produção: É a forma de organizar a produção, que depende dos factores de


produção (terra, trabalho, tecnologia e capital) e das relações sociais de produção, através
das quais desprega-se o trabalho para arrancar energia à natureza. Na actualidade o factor
de produção “tecnologia” está assente na importância da informação e as suas tecnologias.

 Modo de produção capitalista: o dinheiro compra a força de trabalho.

 Modo de produção pre-capitalista: baseado nas relações de parentesco, nas obrigações


familiares, na ajuda mútua na produção.

 Universal da cultura: divisão sexual, de género e de idade no trabalho.

 Meios ou factores de produção: terra, trabalho, tecnologia e capital. Há normas culturais


de aceso a eles, como por exemplo o parentesco ou o matrimónio. Exemplo de Botswana:
as mulheres “kung san” dividem áreas específicas de “baias” (árvores frugais), e quando
mudam de bando adquirem outra área para elas à qual têm todo o direito.

 Economia artesanal: as pessoas vem o seu trabalho do princípio ao fim, identificam-se


com o seu produto e não se alienam.

 Motivações para produzir, distribuir, trocar e consumir:

-Capitalismo ocidental: maximizar os benefícios (racionalismo capitalista).

-Antropologia cultural: maximizar a riqueza, o prestígio, o prazer, o bem-estar ou a harmonia


social.

 Distribuição e trocas: Para os evolucionistas existiria uma evolução gradual e igual em


todas as culturas: caça→pastorícia→agricultura→indústria. Mas em realidade coexistem
hoje formas capitalistas com pre-capitalistas, ainda que o capitalismo seja dominante.
Coexistem formas de intercâmbio recíproco e redistribuitivo com formas de intercâmbio
próprias do mercado.

7.8 Caça, pesca e recoleção

A dependência da natureza para obter alimentos e cobrir outras necessidades era


muito grande.

12.000 a. C.- 10.000 a. C. (Oriente Meio) Domesticação de ovelhas e cabras

8.000 a. C. (América) (Oriente Meio) Cultivo de trigo e cevada

Estes grupos passaram a produzir alimentos com o passo do tempo.

Ex. Actuais:

A) Os San e Kung (bosquímanos do deserto do Kalaari). África meridional.

B) Os Mbuti do Zaire (pigmeus). África equatorial (centro e leste).

C) Os aborígenes australianos, desde há 40.000 anos.

D) Os “inuit”, esquimós de Alasca e Canadá, que hoje caçam com rifles e motas-trineus.

E) Os “ache” de Paraguai, que obtêm um terço do seu alimento por meio da caça, ao mesmo
tempo cultivam, domesticam animais e comerciam.

Estes exemplos representam nichos ecológicos marginais em retrocesso.

A nível social, algumas características destes grupos são:


 Sociedades com organização em bandos.

 Grupos de menos de 100 pessoas com relações de parentesco estreitas.

 Habitat dividido temporariamente durante parte do ano, sobretudo em torno aos poços de
água na África meridional. Algo muito diferente ao habitat do Norte da Península ibérica.

 Tem uma mobilidade social entre bandos com os quais mantêm relações de parentesco ou
de “parentesco fictício” (entre tocaios, ou entre padrinhos e afilhados de diferentes
bandos).

 Divisão de género: os homens caçam e pescam, as mulheres apanham frutos e raízes.

 Respeitam muito as pessoas idosas (exemplo: os jovens “inuit” mastigam os alimentos


para os mais idosos que ficam sem dentes) .

 São sociedades igualitárias com poucas diferenças de estatuto, baseadas na idade e o


género.

7.9 Pastorícia

 Os pastores trabalham com animais domésticos: vacas, ovelhas, camelos, etc.

 Há uma simbiose entre o pastor e o seu rebanho, é uma associação benéfica para ambos.

 Os animais produzem: carne, leite, couro, graxa, sangue, lá, etc.

 Os pastores complementam às vezes a sua dieta com o comércio, a caça, a recoleção ou a


pesca.

 Há pastores nómadas e trashumantes, dessa maneira o rebanho despraza-se para pastar.

 A família do pastor pode ou não deslocar-se com ele: nómadas (todo o grupo),
trashumantes (parte do grupo familiar se despraza e o outro fica em casa).

 As trocas são por via matrimonial.

 O gado é repartido em rebanhos e já existe uma ideia de “acumulação”, algo que antes não
existia nos grupos de caça e recoleção.

7.10 Cultivo agrícola: horticultura e agricultura

É uma estratégia económica de produção de alimentos, mas também um modo de vida.


Horticultura

 É própria de sociedades não industriais.

 Cultivo extensivo.

 Ferramentas tecnológicas simples.

 Campos com barbeito (cultivo rotatório), que evitam o esgotamento do solo e um


excesso de maus bichos.

 Cultivo de roça: tala, queima e limpeza de uma parte da mata ou pradaria. A cinza
serve para fertilizar o solo.

 Colheita: semente, cuidado e recolha.

Agricultura

 Cultivo da terra mais intensivo e continuado. Exemplos: No Norte de Portugal a terra


divide-se em “pousios” e “anoteamentos”.

 Uso de animais domesticados, regos e terraços.

 Realiza-se um ciclo anual das actividades agrárias.

 Os animais são usados para transporte, como máquinas de cultivo, abono e calor.

 Há um trabalho humano e também um cuidado dos animais.

 Produz-se um rendimento maior que o da horticultura.

 As sociedades agrárias são mais povoadas que as hortícolas.

 A agricultura está em interligação com a sedentarização e com comunidades mais


grandes e permanentes que aumentam a possibilidade dos contactos e a formação de
urbes.

 Não podemos esquecer que os camponeses moram em Estados sócio-políticos.

 Os agricultores trocam os excedentes da sua produção e permutam produtos.

7.11 A produção industrial

Na actualidade desapareceram os estados tradicionais (incas, maias, aztecas,...), mas


coexistem nos estados modernos grupos de caçadores e recolectores, de camponeses e de
pastores. Alguns destes grupos só subsistem em locais isolados e transformam-se pouco a
pouco. O motivo não é outro que o domínio do modo de produção industrial, a
industrialização e a mecanização que leva associada. A industrialização começou na
Inglaterra no século XVIII como resultado da revolução industrial –descobrimento da
máquina de vapor-. Em termos sociais as pessoas deixaram o trabalho da terra pelo trabalho
na indústria e a vida nos centros urbanos.

Uma característica fundamental da sociedade industrial é o seu sistema político, o Estado-


Nação. Os sistemas políticos são quem de controlar todo o território e os seus cidadãs, a
diferença dos estados tradicionais. A melhoria dos transportes e das comunicações é outra das
características da sociedade industrial.

7.12 A sociedade pós-industrial

Até há pouco tempo não podiamos falar em formas de associação que integrassem toda a terra
e toda a humanidade. Em muitos sentidos o mundo converteu-se num sistema social único,
consequência do acréscimo das ligações de interdependência, isto é, da globalização. As
relações sociais, políticas e económicas ultrapassam fronteiras, nações e estados. Nenhuma
sociedade do mundo vive completamente separada das outras.

Segundo alguns autores a nossa sociedade é cada vez máis pós-industrial, isto é, caracterizada
por adoptar um modo de produção económica baseada nos serviços na informação e no
conhecimento do mercado mundial. Autores como Ralf Dahrendorf, Daniel Bell ou Alain
Touraine sublinham que nestas sociedades pós-industriais o fundamental foi o processo de
terciarização que as converteu em sociedades de serviços

Quadro comparativo
Caça, pesca e Pastorícia Agricultura Indústria
recolecção
 Participação de  Troca por via  Troca do excedente  Moeda e
todos matrimonial  Permuta de produtos mercado
 Não há excluídos  Reparto do gado em  Terra e mercado  Acumulação
 Todos recebem rebanhos  Equilíbrio entre o capitalista
 Reciprocidade  Acumulação trabalho e a
 Troca directa necessidade
 Distribuição e  Acumulação
consumo imediato

Capitalismo Socialismo
 Posse individual dos meios de produção  Distribuição equitativa dos bens
 Exploração  Não tende a haver distinção de classes
 Subordinação  Participação colectiva na propriedade dos
 Desigualdades sociais meios de produção
 Trabalhamos mais do que recebemos (mais
valia)
 Ganhos lucrativos
 Manipulação consumista
 Valor: individualismo
 Trabalhamos para outros, não para nós
próprios

Actividades

1. Fale substancialmente da antropologia económica no contexto de outros ramos da ciência


antropológica.
2. Mostre a tarefa da antropologia económica na comunidade humana.
3. Fale da reciprocidade, como forma de intercambio de produtos nas diversas culturas.
4. Explique modos de produção e dê exemplos a partir do seu real cultural.
5. Explica como é que nas comunidades primitives, o que implicava divisão de trabalho por
idade.
6. ‘As relações sociais, políticas e económicas ultrapassam fronteiras, nações e estado’.
Fundamente esta afirmação.
Unidade 8
Antropologia Política

8.1 Introdução

Esta unidade destina-se para você, caro estudante, estudar e adquirir noções básicas sobre
política, poder e autoridade; os sistemas políticos nos bandos de caçadores e recolectores; os
sistemas políticos nos sistemas tribais; os sistemas políticos nas chefaturas; os sistemas
políticos nos estados e rituais e ordem.

8.2 Objectivos

Ao terminar esta unidade você deve ser capaz de:

 Compreender a importância da política e a sua inserção nas relações sociais.


 Compreender as relações entre poder e autoridade.
 Valorizar a pluralidade cultural dos diferentes tipos de organização política. Ex.:
formas igualitárias e desigualitárias.
8.3 Introdução: política, poder e autoridade.

A antropologia política encara o humano como “homo politicus”. A antropologia política é


uma especialização temática da antropologia sociocultural que estuda :

a) Os sistemas políticos – estruturas, processos, representações -.


b) As instituições e as práticas que asseguram o governo.
c) Os sistemas de pensamento junto com os símbolos que os fundamentam.

É preciso sublinhar que, a antropologia política está intimamente ligada com outras
especializações temáticas da antropologia como são a antropologia jurídica ou legal, e a
antropologia da guerra.

As perspectivas teórico-metodológicas que a antropologia política tem adoptado no


seu percurso histórico são as seguintes:

Genética  Preocupação pela origem dos sistemas políticos.


Funcionalista  Identifica as instituições políticas e as suas funções.
Tipológica  Identifica tipos de sistemas políticos.
Terminológica  Classifica as categorias fundamentais.
Estruturalista  Estuda modelos políticos de relações estruturais (equilíbrio,
ordem, formalismo).
Dinamista  Estuda as dinâmicas das estruturas e dos sistemas de relações,
os confrontos de interesses e a competição, como expressão da
tensão entre o costume e o conflito, a ordem e a rebelião.
 Presta atenção ao ritual como meio de exprimir e ultrapassar os
conflitos, pela afirmação da unidade social.

Há uma tendência em se pensar, às vezes, a política como unicamente governo, partidos


políticos, eleições para cargos políticos. Mas, a política, sob um ponto de vista dinâmico, pode
ser entendida como um aspecto fundamental de toda a vida social. Neste sentido, Jean Paul
Sartre chegou a afirmar que “fazer o amor é um acto político”, afirmação que conceitualiza
bem esta ideia. Na língua inglesa distingue-se entre “polity” (modos de organização do
governo), “policy” (tipos de acção para a direcção) e “politics” (estratégias de competição
entre indivíduos e grupos).

A política também pode ser entendida como uma tensão entre a ordem e a desordem, e o
“poder” como um regulador dessa tensão. Portanto, o fim último da política é estabelecer
uma ordem social e reduzir a desordem social. O exercício do poder pode estar associado à
“manipulação”, “resistência” e à “contestação”.

A manipulação é um exercício através do qual indivíduos e grupos sobrevalorizam em seu


proveito um recurso, manipulando as regras que determinam o mecanismo social do seu
aceso. Portanto, sob um ponto de vista crítico, a manipulação pode significar um exercício
antisocial do poder, porque utiliza este para propósitos pessoais egoístas.

A resistência é uma forma de lidar com uma situação de domínio e pode adoptar diversas
formas e significados, desde o silêncio até a afirmação de posições.

Mas o exercício do poder também pode estar exposto à contestação, que é um exercício que
consiste em pôr em causa parcial ou totalmente o sistema de poder. A contestação salienta a
ambiguidade do poder, procura a adesão dos governados – bem por apatia ou por aceitação -,
mas também tem limites face às desigualdades e os privilégios. Estes limites podem ser
organizados formalmente (i.e.: conselho de anciãos nos grupos tribais e de chefatura) ou
informalmente (i.e.: boatos, coscuvilhices, etc.). A contestação leva associada lutas, alianças,
respeito, desejos de mudança, re- interpretações da lei para tirar vantagens, etc.

O poder também pode ser entendido desde outros pontos de vista complementares, pois, junto
com o parentesco, a família e a identidade, o poder é uma força social dominante nas nossas
vidas. Já Hume (citado em Balandier, 1987: 45) falava do poder como capacidade de actuar
efectivamente sobre as pessoas e sobre as coisas. Desde este ponto de vista, o poder é o
controlo da expectativa de resposta a uma proposta, é assim que está inserido em toda relação
social. Para Max Weber (citado em Balandier, 1987: 45), o poder é a possibilidade de que um
actor social imponha a sua vontade sobre os outros, de que uma pessoa dirija à sua vontade
uma relação social. Esta utilização da vontade pode adoptar mecanismos de negociação,
manipulação, consenso, conflito, etc. Assim por exemplo, nalguns grupos tribais da Guiné, o
poder está baseado no princípio do consenso e a unanimidade. Nelas, os jogos de futebol
acabam sempre em empate, sempre iguais. Aprenderam a jogar futebol logo depois da
segunda guerra mundial, mas o facto de ser grupos igualitários, implicou que não gostassem
da ideia de vencedores e vencidos.

Max Weber (em Balandier, 1987: 45-47) aponta algumas características básicas da noção de
poder:

a) O poder é reconhecido em todas as sociedades humanas.

b) O poder sempre está ao serviço de uma estrutura social.

c) O poder defende a sociedade contra as suas próprias fraquezas.

d) O poder é produto da competição entre indivíduos e grupos.

e) O poder é um meio de conter a competição entre indivíduos e grupos.

f) O poder provoca o respeito das regras que o fundamentam.

g) O poder defende a ordem estabelecida.

h) O poder defende a ordem interior face à ameaça exterior.

i) O poder outorga grande importância ao sentido dos símbolos.

Será também Max Weber (em Balandier, 1987: 49) quem afirme que o poder implica certo
consentimento e certa reciprocidade (contrapartida, obrigações, responsabilidades). Mas, o
consentimento implica uma legitimidade, que segundo Max Weber pode ser de três tipos:

1. Legal.

2. Tradicional: com base na crença do sagrado das tradições, de acordo com o


costume, isto é, gerontocracia (poder dos mais velhos, com base na sua
maturidade), patriarcalismo, patrimonialismo...
3. Carismática: de carácter emocional, implica uma confiança total num
homem excepcional (santidade, heroísmo, exemplaridade).

Estes três tipos não são opostos na realidade, senão que estão desigualmente acentuados numa
relação social. Assim por exemplo, Ronald Regan consultava a uma bruja de São Francisco
antes de tomar as grandes decisões. Será que devemos à brujaria o fim da guerra fria?

Outra noção muito importante para a antropologia política é a de “autoridade”. A noção de


autoridade não conceitualiza o mesmo que a de poder. Todos temos e utilizamos o poder,
poucos a autoridade. A autoridade é o exercício socialmente aprovado do poder, é um
exercício legitimado, bem pela tradição, a legalidade ou o carisma pessoal. A autoridade
implica um reconhecimento público assente na legitimidade.

De acordo com o antropólogo Elman Service (1962), há quatro tipos de organizações


políticas:

 bandos,

 tribos,

 chefaturas e

 estados.

A mudança de um tipo para outro é causada, segundo Elman Service, por vários factores:

 o desenvolvimento económico,

 a competição entre os grupos,

 a necessidade de defessa do grupo,

 a melhor organização do comércio,

 a incorporação ao grupo próprio dos vencidos.

Sem esquecer que a maioria dos grupos humanos têm-se incorporado hoje à entidades
políticas maiores – fundamentalmente estados -, observemos com detalhe a grande
diversidade cultural.

8.4 Os sistemas políticos nos bandos de caçadores e recolectores

Hoje em dia, a organização política estatal afecta a quase toda a humanidade. Mesmo assim é
importante reflctir sobre os grupos humanos sem estado, com mecanismos de governo
diferentes, pois podemos tirar proveito em relação com novas formas e novos princípios
políticos de convivência humana.

Os bandos eram compostos por pequenos grupos de pessoas, e eram geralmente nómadas,
baseados no parentesco e numa economia de caça e recoleção. Mas o certo é que o número de
membros de um bando variava em função das épocas e dos recursos –ex.: os bandos dos
“inuit” eram mais pequenos no inverno pela maior dificuldade em obter alimentos, e maiores
no verão-. O bando era um grupo de várias famílias nucleares, politicamente autónomo.
Neles, os princípios de ligação são as relações pessoais e de parentesco, ainda que também o
comércio. As relações internas e externas estavam baseadas no princípio da reciprocidade; por
exemplo, entre os esquimós, havia colegas de trocas comerciais em diferentes bandos que se
tratavam mutuamente como se fossem irmãos.

Nestes grupos há pouca autoridade diferenciada, e pouco poder diferencial. Os talentos


particulares são objecto de especial respeito, e os líderes são os primeiros entre iguais. O
liderado é informal, não imposto, é reconhecido pela sua habilidade e bom juízo entre
membros considerados socialmente iguais, ainda que a maioria são homens. O líder não é um
chefe, não há obrigação de seguir as suas dicas, só se confia na sua experiência e na sua visão
dos assuntos.

Os bandos não têm um código formal de direito, mas sim há um controlo social e meios para
resolver as disputas e conflitos. Portanto, é uma organização política diferente da anarquia.

8.5 Os sistemas políticos nos sistemas tribais

Falamos de tribo quando as comunidades locais actuam de forma autónoma, mas com
integração de grupos familiares (clãs) e associações numa unidade maior. O que distingue
uma tribo de um bando, é a organização política multilocal, que pode ser temporal –no caso
de uma ameaça militar- e não permanente. Igual que nos bandos, a tendência é a ser
igualitários. A nível local o liderado é informal, mas os velhos costumam ter grande
influência.

A diferença dos bandos, as tribos costumam cultivar alimentos, praticar a horticultura e a


pastorícia, permitindo assim alimentar a mais pessoas, de ai que a densidade de população
seja maior, e também o seu estilo de vida sedentário. Igual que nos bandos, os velhos são
quem resolvem as disputas e às vezes colocam castigos aos que ofendem a membros do seu
grupo.
8.6 Os sistemas políticos nas chefaturas

A diferença dos sistemas tribais, nos quais o mecanismo de integração na tribo é informal, nos
chefiados há uma estrutura formal que integra a mais de uma comunidade numa unidade
política. A estrutura formal de uma chefatura pode consistir num conselho ou em vários,
estabelecendo vários níveis hierárquicos de chefatura.

Os grupos humanos organizados em chefaturas têm maior densidade de população que os


grupos organizados em tribos, e as suas comunidades são mais estáveis, consequência da sua
maior produtividade económica.

A posição de chefe pode ser herdada, é geralmente permanente e outorga um alto estatuto a
quem detenta a sua posição. O chefe redistribui a riqueza, planifica e dirige o trabalho
público, supervisa as cerimónias religiosas, e controla as actividades militares em nome da
chefatura. Os chefes são obedecidos pelo respeito que professam, pela autoridade religiosa
que representam, e pela força militar que controlam. O seu estatuto social está baseado na
antiguidade da filiação, não na sua generosidade –como nos bandos-, nem na liderança da sua
filiação –como nas tribos-.

As chefaturas são uma forma de organização política intermédia entre a tribo e o estado.
Nelas dá-se um acesso diferencial aos recursos e uma estrutura política permanente. A
chefatura reuni a várias comunidades e tem uma espécie de governo central, responsável pelas
finanças, a guerra e as leis. A diferença dos bandos e das tribos, nos sistemas de chefatura, há
uma regulação permanente do território. Ao mesmo tempo, os parentes do chefe têm um
acesso diferencial e privilegiado aos recursos, ao poder e ao prestígio.

8.7 Os sistemas políticos nos estados

Já vimos como nalguns grupos humanos, os mecanismos de governo e os sistemas de


organização política não estão baseados no estado. O estado é uma construção social
relativamente recente, em concreto os estados liberais europeus só foram concretizados no
século XIX. Hoje em dia fala-se de uma “era política”, isto é, os problemas sociais não
responsabilizados pela família são responsabilizados pelo estado (i.e.: o cuidado dos mais
idosos era confiado até há pouco tempo à família e não ao estado).

Na actualidade também discutimos o papel político das regiões, nações sem estado, estados e
supra-estados. E não só, a raiz dos atentados terroristas do 11 de Setembro contra símbolos
chave dos EUA e do sistema capitalista, a discussão coloca a questão da necessidade de mais
política –como defessa da cidadania- e de menos livre-mercado.
Em quanto ao desenvolvimento histórico, e à origem dos estados, há um consenso mínimo
entre os investigadores. Estes afirmam que os chefiados evoluíram em estados, que os
primeiros apareceram na Mesopotamia, no Egipto, no México, na Índia e na China, todos eles
aproximadamente no 3.500 antes de Cristo.

Os estados costumam a ser centralizados, e a nascer da repressão e da violência. Recebem


finanças dos subordinados, e os subordinados obedecem as leis. Nos estados aumenta a
população e a actividade económica tem na base uma agricultura intensiva capaz de alimentar
a muita mais gente que nas tribos. A estratificação é outra das características dos estados. No
geral, podemos falar de umas elites governantes que são responsáveis pelo mantimento da lei
e da ordem, bem através da coacção física (polícia, exército) ou do controlo do pensamento.
Em quanto a este último mecanismo, nos estados tradicionais existiam uma série de
instituições mágico-religiosas que utilizavam o medo, os sustos e as ameaças para manter o
controlo. Nos estados modernos são fundamentais as estratégias de persuasão, de
identificação e de adesão, explícitas ou implícitas nos espectáculos e nas cerimónias estatais
(exemplo: gladiadores, futebol, casamentos reais...). Também são muito importantes para os
estados modernos, outros mecanismos de dominação tais como a escola ou os meios de
comunicação, pois é muito importante que a gente acredite na legitimidade da autoridade dos
seus governantes.

As elites são grupos dirigentes do poder dentro de uma sociedade, quem detentam o domínio
político, económico, prestígio social, práticas culturais específicas e autoridade ideológica.
Uma elite está unida por parentescos e alianças entre os seus membros (McDonogh, 1989).

A diferença das chefaturas, o território de um estado é maior, e tem mais população. Nele a
estratificação socioeconómica (ex.: sociedade de classes) é muito importante. A sua unidade
política delega num governo formalmente estabelecido, baseado geralmente no “Direito”. Os
estados dispõem de corpos administrativos com funções especializadas (poder executivo,
legislativo, judicial):

a) Controlo e protecção da população: fronteiras, B.I., censos, etc.

b) Magistratura: leis escritas, juizes, delitos, regulamentações, etc.

c) Coerção e defessa da ordem: exército e policia, etc.

d) Finanças: taxas e impostos.


Na actualidade podemos falar de uma transformação dos estados nação em estados mercado
(Bobbit, 2002), nos quais o peso do “Mercado” é muito forte sobre o papel da cidadania e da
política.

8.8 Rituais e ordem

Os rituais reflectem o sistema social e político (Velasco, 1986), mas também ao mesmo tempo
são estruturantes dos mesmos. Os rituais contribuem para a estruturação da forma como a
gente pensa a vida social, que como já vimos é uma tensão entre ordem e caos. O ritual é uma
formação social que estabelece, reitera, reforça laços e ligações sociais, resolve conflitos,
regula tempos e espaços. O ritual é uma espécie de promessa de continuidade. Igualmente,
acontece que as crises são controladas por ritos que definem as etapas do processo social. Nos
rituais políticos há sempre fragmentação, repetição e dramatização. Exemplos: assembleias
políticas, festividades, festas, etc.

Anexo: Formas de organização política e características sociais

Tipo de Especialização Modo de Tamanho da Diferenciação Princípio de


organização dos cargos produção comunidade social circulação
política políticos predominant e densidade económica
e de dominante
população

Bando Pouca ou Caça e Comunidades Igualitária Reciprocidade


nenhuma, recoleção pequenas e
liderado muito baixa
informal densidade

Tribo Pouca ou Agricultura Comunidades Igualitária Reciprocidade


nenhuma, e/ou ganadaria pequenas e na maior parte
liderado extensiva baixa
informal densidade

Chefiado Alguma Agricultura Comunidades Classes Reciprocidade


e/ou ganadaria grandes, e
extensiva e densidade redistribuição
intensiva meia

Estado Muita Agricultura e Cidades e Classes Intercâmbio


ganadaria povoações de mercado
intensiva, com alta
indústria e densidade
serviços

Actividades

1. Define Antropologia Política.


2. Explica a relação que existe entre antropologia e a política.
3. Qual é a importância de antropologia política na formação e liderança das instituições
jurídicas?
4. Compare a antropologia política da Social.
5. Fale das formas de organização política e apresente as suas características.
6. Que são sistemas políticos nos sistemas tribais.
7. Qual é a contribuição do parentesco para ordenamento socio- político de um dado grupo
étnico?
Unidade 9
Antropologia da Religião

9.1 Introdução

Na presente unidade você irá estudar a Antropologia da Religião. Os conteúdos concernidos


referem-se à definição da religião; expressões da religião (tais como animismo, maná e tabu,
magia e religião, ritos de transição ou de passagem, o totemismo e os mitos); religião e
cultura; religião e mudança cultural e religião e o tempo do calendário.

9.1 Objectivos

No final desta unidade, o estudante deverá:

 Compreender a importância da religião e das crenças.


 Compreender as relações entre as crenças e as suas articulações culturais.
 Valorizar a pluralidade cultural dos diferentes tipos de religião.

9.3 A Religião

A religião pode ser entendida como o sistema de crenças e rituais ligado com seres, poderes e
forças sobrenaturais. A religião é um universal da cultura isto é, é um fenómeno inerente a
todas as culturas. Ela pode afirmar a solidariedade social de um grupo humano, mas também a
inimizade mais acérrima. A religião relaciona o homem com o sobrebatural, embora não seja
fácil distinguir-se o natural do sobrenatural. Diferentes culturas conceituam os entes
sobrenaturais de maneira diferente.

A origem da religião parece encontrar-se na procura de um sentido e um fim para a nossa


existência, que normalmente se acha em seres sobrenaturais. Na maioria das religiões os
crentes tentam honrar e influir nos seus deuses por meio de orações, sacrifícios, rituais,
comportamentos morais apropriados, etc. Longe de considerar estas práticas como
“superstição”, conceito pejorativo e evolucionista, devemos entender estas como sistemas de
crenças que muitas vezes se entrecruzam e articulam culturalmente.
9.4 Expressões da religião
Animismo

Edward Burnett Tylor (1871-1958) foi o fundador da antropologia da religião. Segundo este
autor a religião nasceu quando o homem tentava compreender as condições e eventos que não
podia explicar por meio da referência à experiência quotidiana. O intento de explicação dos
sonhos e dos trances levou os primeiros humanos a crer que o corpo humano era habitado por
dois entes: um durante o dia e outro durante a noite. Estes dois entes ou seres são vitais um
para o outro. Quando a alma (“anima”) abandona o corpo de forma permanente a pessoa
falece. Tylor denominou a esta crença “animismo”.

Como evolucionista que era pensava que a religião tinha evoluído através de uma série de
etapas, e a inicial era o “animismo”, o “politeísmo” e o “monoteísmo” eram as seguintes. No
pensamento de Tylor estava a ideia de que a religião declinaria à medida que a ciência fosse
oferecendo explicações melhores sobre aquilo que o homem não entendia.

Maná e tabu

Os primeiros humanos entendiam o sobrenatural como uma força que não podiam controlar,
ou só em determinadas condições. Esta concepção era muito importante na Melanêsia
(Pacífico sul, Papua Nova Guiné e ilhas de perto). Os melanésios criam no maná, uma força
sagrada existente no universo, e o maná residia nas pessoas, nos animais, nas plantas e nos
objectos.

Esta noção de maná é muito similar às nossas noções de “sorte” e de "azar" (má sorte,
conotação negativa); os melanésios atribuíam o sucesso ao maná (manipulável através da
magia), era assim que o uso de um objecto como amuleto podia mudar a sorte de alguém (um
caçador).

Entretanto, na Polinesia (Hawai) a noção de maná era diferente. Se na Melanêsia o maná


podia adquirir-se por casualidade ou trabalhando duro, na Polinêsia o maná estava vinculado
às responsabilidades políticas (os chefes e os nobres tinham mais poder que as pessoas
ordinárias). O contacto com estos chefes era perigoso para as pessoas comuns, porque tinha o
efeito de uma descarga eléctrica. Os chefes, os seus corpos e as suas possessões eram "tabu"
(proibição do sagrado); os não chefes não podiam suportar tanta corrente sagrada, e quando
contactavam com eles era preciso realizar rituais de purificação.

O interessante do maná melanêsio é a forma como explica o sucesso e o fracasso das pessoas,
através de questões sobrenaturais, mas também como explica os limites simbólicos da
autoridade. A crença em seres espirituais e em forças sobrenaturais tem a ver com a definição
de religião já abordada.

Magia e religião

A magia é a capacidade de modificar o mundo através de actos de carácter ritual, é um


conjunto de técnicas de manipulação do sobrenatural orientadas a alcançar propósitos
específicos. Na magia é costume a utilização de conjuros, fórmulas verbais, trance e
encantamentos. Podemos considerar dois tipos de magia:

a) Magia homeopática ou de imitação metafórica: para produzir o efeito desejado (ex.: ferir
a imagem de uma vítima à qual se quer causar dano).

b) Magia contagiosa ou metonímica: Qualquer coisa que se faça a um objecto crê-se que
afecta à pessoa que estivera em contacto com ele. Por exemplo: Como fazer que uma
mulher se apaixone por um homem? Resposta entre os quíchuas: Coser duas víboras
pelos olhos e tocar com elas uma prenda da mulher.

A magia pode estar associada com o animismo, o politeísmo ou o monoteísmo. E também é


associada com o perigo, por exemplo os trobriandeses utilizavam esta quando navegavam nas
suas canoas; isto é, não só serve para explicar lacunas do conhecimento. A religião também
tem o sentido de aliviar emoções fortes (quando as pessoas enfrentam uma crise vital:
nascimento, adolescência, matrimónio, morte...). Incide, portanto, em calmar temores,
ansiedades, e inseguranças. É esta uma explicação psicologista de funcionalistas como
Malinowski.

Ritos de transição ou de passagem

Nem todos os ritos de transição têm a ver com a religião, mas eles ajudam a compreender
melhor a religião como prática sociocultural. Um rito de transição é um costume relacionado
com a mudança de uma etapa a outra na vida. Por exemplo, os índios das pradarias (EUA)
separavam temporariamente os jovens da sua comunidade. Este período era acompanhado de
jejum e de consumo de drogas. Depois o jovem teria visões que se converteriam no seu
espírito protector. Depois disso voltava à sua comunidade como adulto.

Os ritos de transição das culturas contemporâneas são: baptizados, a queima dos "caloiros",
casamentos, etc. Estes ritos implicam uma mudança de estatuto social, e as suas fases são:
separação, marginalidade e agregação. A fase marginal é um período liminar no qual as
pessoas deixaram o estado anterior, mas ainda não entraram ou se uniram ao próximo estado.
Estas pessoas são liminares (Turner: 1974) e ocupam posições sociais ambíguas; separados
dos contactos sociais normais. Entre os ndembu (Zâmbia) um chefe tem que sofrer um
período liminar no qual as pessoas ignoram o seu estatuto passado e futuro, incluso é
invertido esse estatus, insultado, ordenado e humilhado. Geralmente estes rituais são
colectivos.

Segundo Arnold Van Gennep (1986) um ritual de passagem:

... implica uma mudança na situação do indivíduo, nele podemos observar acções,
reacções, cerimónias, etc. Os ritos de passagem são transmissores de cultura, e
representam a transição a novos papéis e estatutos. Também representam uma
integração, pois animam e reavivam sentimentos comuns que mantêm unidos e
comprometidos com o sistema social os indivíduos. Neles afloram sentimentos,
desaparecem temporariamente algumas regras, mas afirmam por contraste a justiça
moral das normas.

O Totemismo

Era a religião dos aborígenes australianos. Os totens podiam ser animais, plantas ou caracteres
geográficos. Cada tribo tinham o seu totem particular, e os membros dessa tribo acreditam-se
como descendentes do seu totem. Existia o tabu de não comer nem matar o totem, mas esse
tabu deixava-se uma vez no ano, quando a gente se reunia para as cerimónias dedicadas ao
totem. Existia a crença de que estes rituais anuais eram necessários para a sobrevivência e
reprodução do totem.

O totemismo é uma religião que utiliza a natureza como modelo para a sociedade, e a
diversidade na ordem natural é reproduzida na ordem social. Mas a unidade social humana é
estabelecida por um processo de associação simbólica e imitação da ordem natural. Os totem
são emblemas sagrados que simbolizam a identidade comum e o ritual serve para manter a
unicidade social que simboliza o totem.

Um dos papéis dos ritos e das crenças religiosas é o de afirmar a solidariedade dos crentes e
participantes (ex.: a família que reza unida permanece unida). Os ritos transmitem informação
sobre os participantes e a sua cultura, a repetição dos mesmos gera mensagens, valores e
sentimentos em acção. Os rituais são actos sociais nos quais os participantes transcendem o
seu estatuto como indivíduos, independentemente dos seus pensamentos particulares e dos
seus graus de entrega.
O estudo antropológico da religião não se limita só aos efeitos sociais da religião, à sua
expressão em ritos e cerimónias. A antropologia estuda os relatos religiosos e quase
-religiosos sobre seres sobrenaturais, os mitos.

Os mitos

Os mitos expressam crenças e valores culturais através dos seus relatos. Os relatos do mito
narram acontecimentos do passado remoto: a origem do mundo ou de uma povoaçao através
de factos extraordinários, os deuses, heróis com atributos humanos, seres sobrenaturais, etc.
Os seus relatos são que são cridos, narram factos trascendentes e/ou dogmas da comunidade,
com o fim de ensinar e moralizar. Servem também para ilustrar crenças religiosas. Os mitos,
além de dar lições morais, oferecem esperança, emoção e evasão.

Em relação com os mitos, temos as lendas e os contos. Esta relação é importante para
perceber melhor o mito, que se pode transformar em lenda. As lendas narram acontecimentos
do passado recente – já não remoto como nos mitos -, e são protagonizadas normalmente por
pessoas seculares, ainda que também possam intervir nelas seres sobrenaturais com poderes
extraordinários. Tal como os mitos, as lendas são relatos tomados como verdadeiros, mas no
caso da lenda, também a fonte do relato pensa-se como verdadeira.

O conto é, a diferença dos anteriores, um relato de ficção construído não para se acreditar
nele. Narram algo quotidiano, sem localização concreta, intemporal e não transcendente.
Exemplo disso são os contos sobre animais. O objectivo do conto, como género narrativo que
é, é o de transmitir uma mensagem cultural profunda aos seus ouvintes: esperança, sucesso,
esforço, segurança, inteligência, habilidade, astúcia.

Os contos utilizam geralmente fórmulas introdutórias. Ex.: “Era uma vez que se era...” No
conto a fantasia é central, e geralmente sugerem a possibilidade de crescimento e de auto-
realização, de ai a sua importância para as crianças. Os seus protagonistas são heróis (plantas,
animais, humanos...) que utilizam inteligência, habilidade física ou astúcia para os seus fins.
O herói deve passar uma série de provas rituais para atingir uma meta. As crianças
identificam-se geralmente com os heróis vencedores. Os contos oferecem confiança na
melhoria, ao mesmo tempo que dão segurança e satisfação psicológica.

9.5 Religião e cultura

A religião é um universal cultural, mas a sua vivência tem diferentes expressões em cada
cultura. Wallace (1966) propõe 4 tipos de religião: xamanística, comunal, olímpica e
monoteística.
Diferentemente dos sacerdotes, os xamanes são encarregados religiosos a tempo parcial que
medeiam entre as pessoas e os seres sobrenaturais, são especialistas mágico-médicos. Xamam
é o termo geral que une feiticeiros, médiuns, espiritistas, astrólogos, quirománticos e outros
adivinhadores. As religiões xamanísticas são mais características das culturas de caça e
recolecção (ex.: esquimós). Os xamanes estão situados simbolicamente segregados das outras
pessoas, e têm um papel diferente.

As religiões comunais têm xamanes, rituais colectivos de colheita e ritos de transição,


também são politeístas (deuses que controlam diversos aspectos da natureza). São religiões
mais típicas dos produtores de alimentos.

As religiões olímpicas originaram-se com a organização estatal e já dispõem de sacerdotes


profissionais, organizados hierarquicamente. (Olimpo: nome do monte/lar dos deuses gregos
clássicos). Politeístas, com deuses antropomorfos poderosos e especializados (ex.: deuses do
amor, a guerra, o mar e a morte). Os panteões olímpicos (colecção e organização dos deuses)
eram abundantes em muitas religiões: incas, aztecas, gregos, romanos, etc.

O monoteísmo tem também sacerdócio, mas as manifestações sobrenaturais são


manifestações do único ser supremo, eterno, omnisciente, omnipotente e omnipresente.

RELIGIÕES DA FAMÍLIA SEMÍTICA OU MOSAICA

Judaísmo Cristianismo Islão

RELIGIÕES DA FAMÍLIA ÍNDIA

Hinduísmo Budismo Jainismo Sijismo

FAMÍLIA DO EXTREMO ORIENTE

Confucianismo Taoísmo Shintoísmo


9.6 Religião e mudança

A religião ajuda a conservar a ordem social, mas também pode ser um instrumento de
mudança ou de revolução incluso. Pode ser uma resposta a uma conquista ou um domínio. A
religião pode ajudar a viver num entorno cultural modificado.

Max Weber (1969) argumentou a influência central dos valores religiosos, em especial os da
ética protestante de inspiração calvinista, para o desenvolvimento e a evolução do capitalismo
em Europa. Face aos factores estruturais, especialmente de base económica no materialismo
histórico, Weber introduz os factores socioculturais no centro mesmo dos processos de
mudança sociocultural, demonstrando a importância dos valores religiosos como factores da
origem do capitalismo. Por que o capitalismo originou-se em Europa e não em China (mais
tecnologia que em Europa)?. Pela atitude face a riqueza (poupança do puritanismo calvinista).

9.7 A religião e o tempo do calendário

Os humanos se por algo nos caracterizamos é por definir o tempo, por organizar e utilizar e
sinalizar o tempo através de nomes de animais, provérbios, festas, etc. Os humanos
costumamos tentar abolir o tempo, numa tentativa de durar, de permanecer, realizamos rituais
cíclicos que asseguram a repetição.

No Norte de Portugal utiliza-se a expressão “matar carne” para se referir a um tempo


concreto, a Páscoa. Também utiliza-se provérbios para assinalar o tempo: “Se a Calendária
rir, o mau tempo vai vir”. Outras vezes é a crença e o sistema de crenças que define o tempo,
por exemplo, no Norte de África, só quarenta dias depois do parto, a mulher muçulmana entra
na Mesquita; ao igual que até há umas décadas, a mulher católica só entrava na Igreja, uns
quarenta dias depois do parto, tempo durante o qual a mulher devia tomar chocolate para a sua
recuperação.

As diferentes religiões falam da fim do mundo. Para os muçulmanos “só Deus a conhece”
(Corão, XIII, 63); para os católicos “o que toca a aquele dia e hora ninguém o conhece”
(Mateus, 24, 36). Para os egípcios, hindus, cabalismo e astrologismo, a fim do mundo situa-se
a mediados do século XXI. As diferentes religiões também dispõem de diferentes calendários,
verdadeiros computadores do tempo e da vida das pessoas.

Católicos Ano actual: 2004.


O calendário é muito preciso, só se desajusta um dia cada 3.000
anos.
Baseado em um calendário desenvolvido por Júlio César,
contemplando já anos bissextos. Modificado por Dioniso o Exíguo
no século VI, e reformado definitivamente em 1582 pelo Papa
Gregório XIII.
Aceite em 1917 pela Turquia. Grécia e os cristãs ortodoxos em
1923, e a URSS e 1940.
Maias Ano actual: 5123
Foram os primeiros na Antiguidade em calcular um ano de 365 dias,
dividido em 18 meses de 20 dias, mais um período de 5.
Também seguiam um calendário luar.
O ciclo histórico do mundo é de 5130 anos, que acaba com a fim do
mundo.
Judeus Ano actual: 5763
Calendário estabelecido no 359 da nossa era.
Criação do mundo: 3761 A C
Têm calendário luar
Ano regular: 354 dias
Ano perfeito: 355 dias
Ano defeituoso: 353 dias
Anos bissextos: 383, 384 e 385 dias
O ano divide-se em 12 meses de 29 e 30 dias alternos, com um mês
13 cada certo tempo.
Budistas Ano actual: 2547
Data de referência: 543 D C (morte de Buda)
Vários calendários
Anos com nome de animal.
Muçulmanos Ano actual: 1424
Data de referência: 622 D C (“Hégira” ou fugida de Maoma da Meca
a Medina
Calendário com estrutura luar de 12 meses de 29 e 30 dias alternos
Chineses Ano actual: 4702
Calendário estabelecido pelo “imperador amarelo” Huang Di, no ano
2637 AC
Calendário luar com ciclos de 60 e 12 anos, e com nome de animal.
Hindus Ano actual: 1925
Calendário luar definido pelo “Rig Veda”, livro sagrado hindu
Desde o século XIX a Índia adoptou o calendário gregoriano
ocidental.

Actividades

1. A religião pode ser entendida como o sistema de crenças e os rituais ligados com
seres, poderes e forças sobrenaturais.
a) Fale do valor real da religião.
b) Fundamente Animismo como expressão de religião.
2. Explique o impacto dos movimentos messiânicos (Cristianismo e Islamismo) durante
a penetração colonial?
3. Explique o substrato da religião tradicional africana.
4. Estabelece diferença entre o Sagrado e o Profano.
5. Que relação existe entre o poder político e a religião nas comunidades menos
industrializadas.
6. Diz em que se converge a religião tradicional africana e a educação tradicional em
Moçambique.
Bibliografia básica

BERNARDI, Bernardo. Introdução aos estudos Etno-Antropológicos. Perspectivas do


Homem. Lisboa, Edições 70, 1974.

COPANS, Jeans; TORNAY, S. e GODELIER, M. Antropologia, Ciência das Sociedades


Primitivas? Lisboa, Ed. 70, 1974.

EVANS-PRITCHARD, E. E.. História do Pensamento Antropológico. Perspectivas do


Homem. Lisboa, Ed. 70, 1981.

GOLDMAN, Lucien. A criação Cultural na Sociedade Moderna: Para uma Sociologia da


Totalidade. Lisboa, Ed. Presença, 1976.

JUNOD, Henri. Usos e Costumes dos Bantu. 2. ed. Lourenço Marques, 1974.

LANGA, Adriano. Questões Cristãs à Religião Tradicional Africana. Braga, Ed.


Franciscana, 1992.

LECLERC, G.. Antropologie et colonialisme. Paris, Ed. Estampa, 1973.

MALINOWSKI, Bronislaw. Argonauts of Western Pacific. 1922.

MARTINEZ, Pe. F. Lerma. Antropologia Cultural, (Guia de estudo). Matola, 2000.

MATTA, Roberto da. Relativizando: Uma Introdução à Antropologia. São Paulo, 1981.

MEA, Margaret. O conflito de Gerações. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1970.

MELLO, L.Gonzaga. Antropologia Cultural: iniciação, teorias e temas. Petrópolis, Edição


Vozes, 1988.

MERCIER, Paul. Histoire de l'Antropologie. Paris, PUF, 1971.

POIRIER, Jean. “Histoire de la pensée Ethnologique”. In: L'Ethnologie, Encycl, de la


Pleíade, Paris, 1968.

RITA-FERREIRA, A. Povos de Moçambique. Porto, Ed. Afrontamento, 1975

TERRAY, Emmanuel. Le marxisme devant les sociétés «primitives». Maspero, 1969.

TITIEV, Mischa. Introdução a Antropologia Cultural. 6.ed. Lisboa. Ed. F. C. Gulbenkian,


1989.
169

Você também pode gostar