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PROTEINOGRAMA E ELETROFORESE

O início dos estudos sorológicos e, portanto, o início da imunologia clínica teve


como base a determinação das proteínas séricas em geral. Para tanto, lançou-se mão
dos protocolos de Proteinograma, compostos por três fases: determinação de proteínas
totais (método de Biureto), eletroforese de proteínas e, por fim, dosagem das frações
séricas, seja por eluição (mais simples e barata) ou por densitometria (mais sensível e
específica, porém mais complexa e cara).

1) Proteínas totais – método de Biureto:


Baseado na reação entre ligações peptídicas com o íon cúprico em soluções
alcalinas, formando um produto corado violáceo cuja absorbância é medida em
espectrofotômetro a 540nm. O reativo de Biureto forma complexos cúpricos com pelo
menos duas ligações peptídicas, concomitantemente, em solução saturada de NaOH. A
intensidade da coloração obedece a Lei de Lambert-Bier: absorbância diretamente
proporcional à concentração. Os valores de referência são de 6 a 8g/dL em amostra de
soro. O objetivo de dosar as proteínas totais é justamente ter a condição de determinar
o percentual correspondente a cada fração avaliada na eletroforese de proteínas.
*Conteúdo ilustrativo disponível em
http://www.ufrgs.br/gcoeb/dosagemproteina/
2) Eletroforese de Proteínas:
Método eletroquímico cujo objetivo é separar e identificar constituintes proteicos
carregados de uma fase sólida (gel de agarose, acetato ou papel filtro) suspensos em
uma fase líquida tamponada, mediante aplicação de um campo elétrico contínuo. Não se
trata de um método imunológico propriamente dito, pois não envolve reações antígeno-
anticorpo. Trabalhando-se em meio alcalino, isto é, pH tamponado acima dos valores de
Ponto Isoelétrico, essas proteínas irão apresentar carga líquida negativa, migrando do
polo negativo para o polo positivo do campo elétrico aplicado. A migração proteica leva
à formação de bandas escurecidas na fase sólida, as quais correspondem às chamadas
frações proteicas. A posição relativa dessas bandas é determinada principalmente pelas
cargas líquidas das proteínas, mas também é influenciada pelo peso molecular.
A amostra mais tradicionalmente utilizada é o soro, apresentando normalmente 5
bandas correspondentes às seguintes frações: albumina, 1, 2,  e . Essa ordem é
exatamente o oposto do sentido da corrida. Como albumina tem a maior carga negativa
líquida, é aquela que migra mais e, no gráfico final da eletroforese, aparece em primeiro.
As quatro frações seguintes correspondem às globulinas plasmáticas e incluem diversas
proteínas. Os anticorpos IgM aparecem normalmente na fração -globulina, juntamente
a outros componentes como C3 e C4. Os anticorpos IgA começam a aparecer na fração
, mas continuam até pelo menos o começo da fração . A maior parte da fração -
globulina, no entanto, é composta pelos anticorpos de classe IgG. Como a fração -
globulina apresenta menor carga negativa líquida, é aquela que menos migra e, portanto,
aparece por último no gráfico final da eletroforese.
Todas essas observações são importantes para dar uma noção ao clínico das
possíveis alterações do paciente, mas são incapazes – pelo menos em geral - de
determinar qual a proteína específica envolvida na patologia. Dessa forma, o
Proteinograma costuma ser um dos primeiros exames solicitados pelo médico, sendo
muito utilizado como método de triagem. Para dosar os componentes específicos,
precisaremos de outros métodos analíticos, como a Turbidimetria e a Nefelometria.
Nem sempre, no entanto, o padrão de 5 frações proteicas será observado. Em
certos distúrbios envolvendo anticorpos IgA, amostras de soro podem apresentar até 6
frações proteicas. No plasma, o fibrinogênio presente também rende uma fração
adicional, chegando a um total de 6 frações proteicas normalmente observadas.
Amostras de Líquor também podem ser submetidas à eletroforese de proteínas e o
principal objetivo desse exame é a observação das chamadas Bandas Oligoclonais,
presentes em 70-90% dos pacientes com Esclerose Múltipla. Nesse caso, deve-se
concentrar o material devido aos baixos níveis de proteínas normalmente encontrados
(na ordem de mg/dL), e a separação eletroforética costuma render 7 frações proteicas.
Amostras de urina também podem ser submetidas à eletroforese com o objetivo de
detectar possíveis gamopatias monoclonais, especialmente em pacientes com
Mieloma Múltiplo. Essas amostras também devem ser concentradas devido às baixas
quantidades de proteínas, o que costuma causar ainda a ausência da fração 1.
Outros métodos eletroforéticos também podem apresentar padrões distintos de
separação e proteínas. Uma técnica mais nova e automatizada chamada Eletroforese
Capilar é capaz de separar, em amostras de soro, a banda das -globulinas em duas,
1 e 2. Isso possibilita a melhor identificação de alterações associadas a proteínas
como a antitrombina III e as frações do complemento C3 e C4. Essa técnica envolve o
princípio eletroforético aplicado a amostras que correm dentro de um capilar de
propriedades conhecidas, sendo a detecção das proteínas assim separadas realizada
por um detector automático do próprio equipamento. O produto final é um resultado mais
detalhado composto por 6 frações proteicas – albumina, 1, 2, 1, 2 e .
a) Protocolo de análise eletroforética:
1.Aplicar o soro nas fitas de acetado ou agarose ou, ainda, no papel filtro;
2.Colocar a fita na cuba e ligar a fonte;
3.Após 20 minutos de corrida eletroforética, desliga-se a fonte e se retira a fita;
4.Adiciona-se um corante (amido de Schwartz, Ponceau S 0,5%) que também
atua para precipitar as proteínas e formar as bandas escurecidas (ou zonas de
migração), cuja intensidade é proporcional à quantidade do analito - aguardar
5 minutos para permitir a precipitação adequada;
5.Lavar a fita com ácido acético 5% para retirar o excesso de corante;
6.Secar a fita em estufa (50 – 60oC durante 10 minutos) ou com secador de
cabelo;
7.Após seca, lavar novamente fita com ácido acético 5% para fazer com que
a fita fique transparente, melhorando a análise da intensidade das bandas
escurecidas.
OBS: os corantes amido de Schwartz e Ponceau S são específicos para cadeias
peptídicas. Para corar lipoproteínas (lipoproteinograma), pode-se usar o corante Fat Red;
para dosar glicoproteínas, pode-se usar o corante de Shiff (glicoproteinograma).
b) Quantificação das frações proteicas:
A quantificação das frações de uma corrida eletroforética pode ser feita por eluição
- mais barato - ou por densitometria – mais eficiente, porém mais caro.
 Protocolo de eluição: recortar cada zona de migração separadamente
e colocá-las dentro de tubos de ensaio contendo 2,0 mL de solução
eluidora (NaOH 20%). Dessa forma, a fita se desmancha e o precipitado
proteico corado passa para o meio líquido. Feito isso, deve-se realizar
a leitura das absorbâncias (Densidade Ótica – DO) no
espectrofotômetro a 540nm. Calcula-se o percentual de cada fração
proteica e, com o valor das proteínas totais, encontra-se a concentração
dessas frações em g/dL.
 Protocolo de densitometria: como se trata de automação, basta correr
a eletroforese e aplicar a fita resultante em compartimento específico
do equipamento. A análise das DO de cada fração é feita
automaticamente e o próprio equipamento gera do gráfico final da
eletroforese de proteínas.

3) Interpretação do Proteinograma:
As proteínas encontradas no plasma ou no soro respeitam valores de referência
encontrados na maioria dos pacientes saudáveis. Esses valores em percentual podem
ser calculados diretamente das DO obtidas na eletroforese, porém os números
absolutos, em g/dL, dependem da determinação das proteínas totais pelo método de
Biureto. Alterações nos valores de referência podem servir como indicativos de triagem
para distintas patologias. Abordaremos aqui a interpretação de algumas possibilidades
baseadas nos gráficos resultantes da eletroforese de proteínas plasmáticas.
Média Média
Column1 Limites (g/dL)
(g/dL) (%)
ALBUMINA 3,2 – 5,4 4,5 64,3
GLOBULINAS 1,9 – 2,7 2,5 35,7
Glob. α1 0,1 – 0,4 0,31 4,4
Glob. α2 0,2 – 1,1 0,48 6,9
Glob. β 0,4 – 1,3 0,81 11,6
Glob. γ 0,7 – 1,7
Padrão eletroforético normal
0,90 12,9
Proteínas
6,0 – 8,0 7,0 -------
totais
Razão
1,4 – 2,7 1,8 -------
ALB/GLOB
- +

  2 1 Albumina

I) Inflamação Aguda:
Processos inflamatórios agudos costumam induzir o aumento das frações 1 e
2 no gráfico da eletroforese. Isso se deve à presença, na faixa de 1, de proteínas
como 1-antitripsina e 1-glicoproteína ácida - duas proteínas de fase aguda, além da
2-macrogobulina e da ceruloplasmina na faixa de 2. Concomitantemente, pode haver
uma breve redução no pico característico da albumina. Redução de albumina junto ao
aumento de 2-macrogobulina costuma aparecer, por exemplo, em pacientes com
síndrome nefrótica, situação na qual há um processo inflamatório renal vinculado à perda
de albumina e outras proteínas pela urina.

- +
II) Infecções crônicas:
Várias situações clínicas podem levar à cronicidade de processos inflamatórios,
de forma que os achados laboratoriais correspondentes também podem variar. Por
exemplo, infecções crônicas e doenças autoimunes podem levar à produção de
anticorpos em grande quantidade associados a proteínas de fase tardia como a
ceruloplasmina. Esses achados são evidenciados na eletroforese pelo aumento das
frações 2 e -globulinas. No entanto, nem todas infecções crônicas induzem o
aumento de 2, de forma que a produção constante de grandes quantidades de
anticorpos pode induzir a elevação apenas da fração  - gamopatia policlonal, indicando
infecção crônica.

Frações 2 e  globulinas Gamopatia policlonal


AUMENTADAS

III) Gamopatias monoclonais:


Gamopatias monoclonais são estados clínicos nos quais há um aumento nos
níveis sorológicos de uma classe de anticorpo de forma isolada. É um fortíssimo
indicativo laboratorial (praticamente diagnóstico) de Mieloma Múltiplo, um tipo de
câncer no qual há intensa produção de anticorpos. Caso o anticorpo aumentado seja de
classe IgM, a doença é conhecida como Macroglobulinemia de Waldenstrom. É muito
difícil, no entanto, distinguir qual classe de anticorpo está aumentada apenas pela
eletroforese. Essa informação é importante para a caracterização clínica da doença.
Dessa forma, exames adicionais devem ser realizados tais como Imunodifusão Radial
Simples, Turbidimetria/Nefelometria, ou ainda reações de Imunofixação.

(Difícil diferenciar)
 
Gamopatia monoclonal de IgG Gamopatia monoclonal de IgM

Outros testes para confirmação da


classe de Ig envolvida


Gamopatia monoclonal de IgA

Mieloma Múltiplo ou Macroglobulinemia?

OBS: em ambos os casos, pode-se também realizar eletroforese com amostras de urina,
onde se evidencia a presença de prováveis anticorpos.

IV) Hepatites e Cirrose Hepática:


Condições hepáticas podem ser evidenciadas por vários exames bioquímicos, incluindo
enzimas como as Transaminases (ALT e AST), gama-GT e Lactato Desidrogenase. Além
desses exames, no entanto, condições de hepatite e cirrose hepática costumam gerar
um perfil clássico na eletroforese de proteínas, caracterizado pela fusão das frações 
e globulinas. Pode aparecer, além disso, a diminuição dos níveis de Albumina, por
conta do dano hepático e consequente redução da síntese dessa proteína.

Fusão das frações


 e 
V) Imunodepressão:
Assim como as outras condições patológicas abordadas até aqui, a
imunodepressão pode ser evidenciada por uma variedade de achados laboratoriais.
Aquelas condições de Imunodeficiência que envolvem redução na produção normal de
anticorpos, sejam elas primárias ou secundárias, podem ser detectadas pela eletroforese
de proteínas no soro. Um exemplo clássico é a Disgamaglobulinemia seletiva tipo III,
caracterizada pela deficiência de IgA. Essa patologia é uma das imunodeficiências
primárias humorais mais comuns no Brasil. Além da queda da fração  na eletroforese,
seu diagnóstico requer dosagem específica de IgA por Nefelometria ou Turbidimetria –
nunca Imunodifusão Radial Simples, pois esta apresenta baixa sensibilidade e é uma
técnica inadequada em casos de imunodeficiência.

Hipogamaglobulinemia

(IgG? IgM? IgA? IgE?)

Turbidimetria ou
Nefelometria
VI) Eletroforese do Líquor:
Em condições normais, o Líquido Cefalorraquidiano (ou Líquor) é um líquido
incolor, formado nos ventrículos cerebrais e cuja extração por punção lombar para
posterior análise laboratorial tem ajudado a diagnosticar diversas condições
neurológicas. O exame eletroforético mais comum tem como objetivo a identificação das
chamadas Bandas Oligoclonais, caracterizadas por duas ou mais bandas discretas na
região da fração -globulina. Ausentes em eletroforese concomitante do soro, o achado
dessas bandas oligoclonais praticamente determina o diagnóstico de Esclerose
Múltipla, uma doença autoimune desmielinizante.

NORMAL ANORMAL
ALBUMINA

Bandas Bandas
Oligoclonais Oligoclonais

(-) (+)
LÍQUOR SORO LÍQUOR SORO

VII) Imunofixação – uma variação das técnicas eletroforéticas:


Quando a eletroforese de proteínas no soro, urina ou líquor do paciente nos indica
a presença de gamopatias (e.g. banda intensa isolada na fração -globulina), devemos
sempre identificar qual Imunoglobulina (IgA, IgG, IgM) está associada. Mais do que isso,
é interessante também determinar o envolvimento das cadeias leves dessas
imunoglobulinas (cadeias kappa e lambda – Proteínas de Bence-Jones). Ainda que
possamos fazer isso por Imunodifusão Radial Simples ou Turbidimetria/Nefelometria, a
técnica mais utilizada nesse caso é a Imunofixação.
Nessa combinação de técnicas laboratoriais, as reações de Imunofixação utilizam
a eletroforese para a separação das proteínas da amostra, seguida pela adição de
antissoros específicos (IgG, IgA, IgM e cadeias leves Kappa e Lambda) que levam à
precipitação dessas proteínas em faixas separadas. As proteínas não precipitadas são
lavadas, o imunoprecipitado é corado e, por fim, dosado por densitometria.
A detecção de cadeias leves monoclonais é importante, devendo ser determinada
em todas as gamopatias monoclonais e especialmente nas doenças das cadeias leves
(e.g. mieloma de cadeias leves, amiloidose primária sistêmica e doença do depósito de
cadeias leves). A quantificação de cadeias leves livres (CLL) por
Turbidimetria/Nefelometria é mais sensível que a Imunofixação, podendo detectar
pequenas quantidades em amostras de urina e líquor, por exemplo.

C) IgA/kappa A) IgG/kappa

D) IgA/lambda B) IgG/lambda
VIII) Conclusão:
Por fim, vale ressaltar que o Proteinograma é um exame inicial para avaliação da
imunidade humoral, funcionando como teste de triagem. Quando evidenciamos
alterações de elevação das diferentes frações eletroforéticas, costumamos seguir a
investigação da imunidade humoral com técnicas como Imunodifusão Radial Simples
ou Turbidimetria/Nefelometria. No entanto, quando suspeitamos de algum tipo de
imunodeficiência, ou quando vamos dosar certas proteínas em amostras nas quais
comumente há baixas concentrações (e.g. Líquor, urina), não podemos utilizar a técnica
de Imunodifusão, pois esta apresenta sensibilidade relativamente baixa. Dessa forma,
pequenas concentrações devem sempre ser dosadas por Turbidimetria/Nefelometria.
Lembre-se também que essas técnicas avaliam a imunidade humoral como um todo,
mas não são usados para detectar ou quantificar anticorpos específicos para
determinado antígeno. Ainda que dosem anticorpos totais (e.g. IgM total), são incapazes
de detectar e quantificar anticorpos contra um antígeno de forma específica (e.g. IgM
anti-Toxoplasma gondii). Reações “antígeno-específicas” incluem Enzimaimunoensaio e
Imunofluorescência, por exemplo.
TURBIDIMETRIA E NEFELOMETRIA
Reações antígeno-anticorpo podem levar à precipitação de imunocomplexos em
suspensão cujas concentrações estão relacionadas à turbidez das amostras resultantes.
A partir de uma fonte de Tungstênio ou Mercúrio, uma luz incidente pode interagir com
as partículas suspensas e ser absorvida, dispersa em diversas direções (efeito Tyndall),
ou ainda transmitida através da suspensão (transmitância). Ambas, Turbidimetria e
Nefelometria, são reações de precipitação, a exemplo das técnicas de Imunodifusão
Radial e eletroforese. Caso o analito a ser pesquisado seja muito pequeno para gerar
precipitação, pode-se lançar mão de conjugações com partículas precipitantes, tais como
látex ou hemácias, e isso aumenta a sensibilidade da técnica.
Quando incidimos luz sobre uma cubeta contendo uma suspensão, tanto luz
transmitida quanto luz espalhada (dispersa) podem ser medidas por detectores em
diferentes posições em relação à amostra. A intensidade desses feixes baseia o princípio
das técnicas turbidimétricas e nefelométricas. Turbidimetria e Nefelometria são
amplamente utilizadas em laboratório de análises clínicas para avaliação mais
detalhada da imunidade humoral, seguindo as suspeitas levantadas, por exemplo,
durante análise de Proteinogramas. Podem realizar dosagens de diversos componentes
proteicos, tais como Imunoglobulinas, frações do complemento (e.g. C3 e C4) e proteínas
de fase aguda (e.g. Proteína C reativa - PCR, 1-antitripsina, 1-glicoproteína ácida).
Também podem ser usadas para dosar fármacos, como teofilina, gentamicina e digoxina.
Apresentam sensibilidade bem maior do que aquela da Imunodifusão Radial Simples
(IRS), porém contém desvantagens em termos de custo. Nefelometria apresenta-se
especialmente cara por necessitar de um equipamento fechado específico, o
Nefelômetro. Ainda que muito barata, a IRS apresenta sensibilidade insuficiente a
dosagens como as de IgE ou de PCR em baixas concentrações, por exemplo. A
Nefelometria parece ser mais sensível do que a Turbidimetria, apesar de não ser uma
regra válida para todos os casos.
TURBIDIMETRIA:
Turbidimetria é uma técnica imunológica na qual se mede a diminuição da
intensidade da luz transmitida através de uma suspensão. A reação antígeno-
anticorpo gera precipitados que turvam a amostra, diminuindo a intensidade da luz
transmitida. As leituras são feitas em unidades de absorbância (densidade óptica), cujo
aumento reflete a diminuição da transmitância, formando uma curva sigmoide. Quanto
maior a turbidez, menos luz é capaz de transpassar a amostra e maior a absorbância
lida. Dessa forma, o detector é posicionado a 180º (0º) da fonte, formando uma linha
retilínea composta por fonte-amostra-detector. O ensaio turbidimétrico pode ser
realizado com espectrofotômetros comuns, mas também há aparelhos especializados
chamados de Turbidímetros. Os aparelhos mais avançados podem chegar a
sensibilidades na ordem de 10ng/ml (1g/dL).
NEFELOMETRIA:
Quando um feixe de luz é incidido sobre uma suspensão, as partículas suspensas
interferem na passagem da luz, fazendo com que esta seja dispersa em várias direções
sem alterar o seu comprimento de onda. Esse fenômeno é conhecido como Efeito
Tyndall. O ensaio nefelométrico se baseia na medida da luz dispersa em ângulos pré-
determinados em relação à luz incidente - diferentes de 0o. A priori, a diferença básica
entre Turbidimetria e Nefelometria seria referente aos ângulos nos quais se posicionam
os detectores. De fato, a leitura da luz dispersa parece ser mais eficiente do que a leitura
da luz transmitida, porém outros fatores podem ser importantes para diferir os dois
métodos. A desvantagem fica por conta do custo: diferentemente da Turbidimetria, as
técnicas de Nefelometria requerem equipamentos específicos fechados (Nefelômetros),
e nem sempre o laboratório terá fluxo de amostras suficientemente grande para viabilizar
a utilização desse equipamento.

Figura 2: A Nefelometria faz leituras de luz dispersa e, portanto, posiciona seus detectores em ângulos diferentes de 0o em relação
à amostra e à fonte. A dispersão da luz é diretamente proporcional à concentração do analito na amostra, sendo consequência da
turvação da mesma produzida pelos imunocomplexos. A Turbidimetria, por sua vez, realiza leituras da luz transmitida, a qual tende
a diminuir com a turbidez resultante dos imunocomplexos formados. O aparelho, no entanto, faz suas medidas na forma de
absorbância, e esta é diretamente proporcional à concentração de analito na amostra.
REAÇÕES DE CINÉTICAS e REAÇÕES DE PONTO FINAL:
Para um melhor entendimento, iremos abordar os princípios das reações cinéticas
e de ponto final no contexto da Nefelometria. Pode-se, porém, aplicar o mesmo
raciocínio, de forma análoga, à Turbidimetria. Logo após a mistura do anticorpo com o
antígeno da amostra, inicia-se a formação dos imunocomplexos capazes de interagir
com a luz incidida. À medida que os imunocomplexos passam a crescer em número e
tamanho, começam a aumentar os níveis de dispersão da luz. Quando atingimos um
estado de equilíbrio, não há mais variação na quantidade e tamanho dos
imunocomplexos e a dispersão da luz forma se estabiliza em um platô. Dizemos,
portanto, que a reação atingiu o seu ponto final. Esse comportamento gera um gráfico
de Densidade Óptica por Tempo com formato sigmoide. Sabendo disso, podemos
abordar os dois tipos de reação. Normalmente, cada equipamento atua apenas com um
tipo. Ambos ensaios utilizam curvas-padrão para possibilitar a quantificação.

DO

Ponto final
(Equilíbrio de reação)

Ponto de Inflexão
(Vmáx)
*Gráfico ilustrativo

T
Figura 2: a formação de imunocomplexos na amostra é refletida pelo
aumento da Densidade Óptica medida ao longo do tempo – seja pela
luz dispersa, na Nefelometria, seja pela absorbância, na
Turbidimetria. A velocidade de formação (inclinação) aumenta atéT um
valor máximo, marcado pelo ponto de inflexão do gráfico, quando
começa a diminuir. Quando não há mais aumento no número ou
tamanho dos imunocomplexos formados, a interferência na luz
dispersa ou transmitida se estabiliza e a densidade óptica atinge um
platô, denominado ponto final de reação.
Reações de Ponto Final: em ensaios de ponto final, a leitura é feita na região do
platô de dispersão da luz, onde o equilíbrio de reação não permite maiores interferências
na luz incidente. O valor máximo de luz dispersa (ou de absorbância), medida neste
momento, é diretamente proporcional à concentração do analito na amostra. Existe,
no entanto, um sinal fundo produzido a partir da amostra pura, antes mesmo da formação
de quaisquer imunocomplexos. As reações de ponto final devem desprezar esse valor,
porém perdem em sensibilidade ao fazê-lo. Além disso, apresentam uma desvantagem
em termos de tempo de ensaio: para detectar o ponto final, necessita-se dosar vários
pontos a partir do início da reação, de forma que o tempo de incubação pode variar de
10 minutos a 1 hora - até que a intensidade da luz dispersa pare de variar. Apesar disso,
em alguns casos, aparelhos de ponto final podem ser capazes de analisar mais amostras
por hora do que aparelhos de reações cinéticas.
Reações Cinéticas: nos ensaios cinéticos, há o monitoramento contínuo da
reação e, portanto, da variação da dispersão de luz – ou da absorbância. O equipamento
subtrai eletronicamente a reação de fundo. Diferentemente das reações de ponto final,
esses aparelhos medem a taxa de formação dos imunocomplexos – ou velocidade de
formação. Como a curva resultante de dispersão da luz tem um formato sigmoide, o seu
ponto de inflexão representará a taxa máxima (Vmáx) de formação de imunocomplexos,
a qual é diretamente proporcional à concentração do analito na amostra. Dessa
forma, não há necessidade de esperar até que se chegue ao platô de dispersão, e a
reação demanda um tempo de incubação consideravelmente menor – em geral, de 10
segundos a 1 ou 2 minutos. No entanto, nem sempre equipamentos que trabalham com
reações cinéticas poderão analisar mais amostras por hora do que equipamentos que
trabalham com reações de ponto final.
Imunohematologia

Imunohematologia se dedica a estudar os antígenos presentes nos eritrócitos,


juntamente a seus respectivos anticorpos e outros componentes imunológicos
resultantes. Abordaremos a seguir os dois sistemas principais de antígenos eritrocitários.

Sistema ABO:
Por conta de sua imunogenicidade, o Sistema ABO é sistema de antígenos
eritrocitários de maior importância clínica. Antígenos A e B são glicoproteínas superficiais
que diferem essencialmente no resíduo glicídico terminal: para antígeno A, N-
acetilgalactosamina; para B, galactose. Ambos glicídios devem ser ancorados à
membrana por uma cauda glicoproteica chamada Substância H – expressa por
praticamente todos seres humanos. Os genes A e B expressam glicotransferases
responsáveis pela adição dos respectivos glicídios à substância H. Como a expressão
desses genes suprime a produção de anticorpos naturais, aqueles indivíduos que forem,
por exemplo, sorotipo A terão apenas anticorpos anti-B.
Anticorpos anti-A e anti-B são os únicos anticorpos naturais conhecidos e bem
descritos na literatura, sendo produzidos espontaneamente a partir do segundo mês de
vida. Como visto, esses anticorpos serão produzidos apenas naqueles indivíduos que
não expressarem os respectivos antígenos, evitando a autoimunidade. Por conta disso,
a pesquisa tanto de antígenos quanto de anticorpos é estritamente necessária à tipagem
sanguínea, de forma que um teste deve confirmar o resultado do outro. Indivíduos
homozigotos recessivos para o gene H (Fenótipo Bombay) não expressam a substância
H e, portanto, não conseguem formar antígenos A e B de forma adequada. Esse é um
exemplo de caso no qual pode haver discordâncias nos resultados dos exames
laboratoriais. O Fenótipo Bombay tem prevalência significativa apenas entre indianos e
descendentes de indianos. Outras exceções, no entanto, podem confundir a tipagem
ABO. Por conta disso, abordaremos os dois tipos de tipagem pela técnica de
aglutinação (ativa) e, depois, as devidas interpretações.
Tipagem Direta: realiza a pesquisa de antígenos na superfície das
hemácias do paciente, a partir do uso de antissoros comerciais anti-A, anti-B e anti-AB.
Tipagem Reversa: realiza a pesquisa de anticorpos no soro ou plasma
do paciente, a partir do uso de hemácias comerciais - hemácias A e hemácias B.
Importante fazer ambas, a fim de detectar eventuais anormalidades, caso o
resultado de uma não corresponda ao resultado indicado pela outra. Pacientes com o
antígeno A não devem apresentar anticorpos anti-A, enquanto que pacientes com o
antígeno B não podem apresentar anticorpos anti-B.
80% da população A corresponde ao antígeno A 1, enquanto que 19,9%
corresponde ao A2 e o 0,1% corresponde a outros subgrupos de A. Observa-se, no
entanto, que soro anti-A é apenas eficiente na detecção do antígeno A 1, enquanto que
anti-AB é uma mistura de anticorpos mais sensível e capaz de aglutinar com subgrupos
de A menos comuns, como antígeno A2. Dessa forma, na tipagem direta, frequentemente
pode não haver aglutinação com antissoro anti-A, mas sim com o anti-AB. Se, na tipagem
reversa, esse paciente apresentar anticorpos anti-B - indicando ausência de antígeno B,
o resultado anômalo da tipagem direta pode ser explicado pela presença de um subgrupo
de A diferente de A1, conforme tabela abaixo.
Tabela 1: resultado de tipagem típica para subgrupo A2 e outros subgrupos de A diferentes de A1.

DIRETA INDIRETA

A B AB Anti-A Anti-B

- - + - +

Em alguns casos, especialmente em pacientes com neoplasia do Trato


Gastrointestinal, pode haver a produção de açúcares que mimetizam o antígeno B,
gerando o que chamamos de Falso B. Dessa forma, pode haver positivação errônea da
tipagem direta do sangue do indivíduo. Esse resultado, no entanto, costuma ser apenas
transitório. Deve-se ter especial atenção a esses casos em pacientes idosos. Uma
evidência de Falso B pode ser a aglutinação na tipagem direta com o antissoro anti-B
concomitante à aglutinação na tipagem reversa com hemácias B – indicando
erroneamente presença concomitante de antígeno B e de anticorpo anti-B.

Sistema Rh:
Sistema associado aos genes C, D e E (antígenos de Wierner), sendo o antígeno
D aquele com maior imunogenicidade. Cerca de 80% dos indivíduos Rh negativos que
entram em contato com esse antígeno desenvolvem resposta imunológica e produção
de anticorpos anti-D. A classificação de Rh positivo é dada aqueles indivíduos que
apresentam ao menos uma cópia do gene D dominante (D_), enquanto que indivíduos
Rh negativos apresentam o gene D depletado. Os genes C e E não influenciam nessa
classificação, pela sua baixa imunogenicidade. Como os únicos anticorpos naturais
conhecidos são aqueles provenientes do sistema ABO, a produção de anticorpos anti-D
por parte de indivíduos Rh negativos só se concretiza mediante exposição a hemácias
com o antígeno D, seja por transfusão ou por gestação (normalmente, a sensibilização
ocorre durante o parto, quando há contato direto livre entre o sangue da criança e o
sangue da mãe). Esses anticorpos podem representar patologias em caso de novas
exposições, como no caso da Doença Hemolítica do Recém-nascido.
Diversas alterações genéticas levam aos fenótipos caracterizados por subgrupos
anômalos do antígeno D – antigamente chamados de fenótipos Du. Essas anomalias
fazem necessárias medidas adicionais para evidenciar laboratorialmente a presença de
antígeno D. Caso o teste inicial (tipagem direta por aglutinação) dê positivo, pode-se
liberar o resultado como indivíduo Rh positivo. Quando o resultado é não reagente, no
entanto, deve-se tomar medidas adicionais para confirmar o teste, tais como
prolongamento de incubação, utilização de anticorpos monoclonais e/ou adição de soros
anti-Imunoglobulina (Soro de Coombs). O procedimento mais comum é a adição do soro
de Coombs, o qual deve induzir a aglutinação outrora pouco evidente, mesmo em casos
de D anômalo – considerados Rh positivos. Caso isso seja insuficiente para gerar
aglutinação, pode-se liberar o resultado como indivíduo Rh negativo. Três principais
fenótipos anômalos de D são descritos:
Expressão Fraca de D, no qual o antígeno está presente em menores
quantidades na superfície do eritrócito;
D-fraco, no qual a proteína do antígeno D se encontra alterada, além da
expressão diminuída.
D-parcial, no qual se tem antígenos D deficientes, isto é, desprovidos de certos
grupamentos estruturais, o que dificulta a aglutinação. Faltam partes do antígeno
D.

TESTE DE COOMBS
A principais funções do teste de Coombs são (1) a avaliação da
sensibilização materna pelo antígeno D e (2) a avaliação da presença de anticorpos
anti-D na superfície eritrocitária de recém-nascidos (RN). Há dois tipos: Coombs
indireto, o qual avalia a presença de anticorpos livres no soro da mãe; e Coombs
direto, o qual avalia a presença de hemácias ligadas a anticorpos anti-D no soro
do RN.
Coombs indireto: após uma gestante Rh negativo dar à luz uma criança Rh
positivo, existe sempre a possibilidade dessa mãe ter entrado em contato com o antígeno
D proveniente do bebê e, consequentemente, ter se sensibilizado – produzido anticorpos.
Para verificar a presença desses anticorpos livres no soro da mãe, mistura-se a amostra
sorológica com hemácias D (que apresentam o antígeno D na sua superfície). Após
incubação e lavagem, adiciona-se o soro de Coombs, um anticorpo anti-Imunoglobulina
humana, a fim de evidenciar a aglutinação. Se reagente, o teste indica que a mãe foi
sensibilizada pelos antígenos D do bebê e, agora, produz anticorpos anti-D.
Coombs direto: quando uma mãe produtora de anticorpos anti-D dá à luz uma
segunda criança Rh positivo, existe sempre a possibilidade dessa criança ter suas
hemáticas atacadas por anticorpos IgG maternos, o que pode levar à condução
conhecida como Doença Hemolítica do Recém-nascido. Para verificar a presença de
hemácias do RN ligadas a anticorpos maternos, mistura-se sangue total do neonato com
o soro de Coombs. Se houver aglutinação, o resultado é reagente e essa criança
provavelmente se insere num quadro de DHRN. As principais causas dessa doença são
hiperbilirrubinemia e retardo mental irreversível.

Doença Hemolítica do Recém-nascido - DHRN:

A doença hemolítica do recém-nascido tem sua origem no ataque às hemácias


fetais por anticorpos maternos produzidos numa gestação prévia. Essa depuração de
eritrócitos gera um aumento no aporte de bilirrubina sanguínea, a qual acaba sendo
metabolizada pelo fígado materno durante a gravidez. Após o nascimento, porém, o RN
já não tem a opção do fígado materno para metabolizar toda bilirrubina produzida, e o
acúmulo desse subproduto gera alterações neurológicas significativas.
Basicamente, uma gestante Rh negativo que venha a ter uma criança Rh positiva
pode acabar sensibilizada na hora do parto, levando à produção de anticorpos anti-D.
Numa segunda gestação cuja criança é Rh positivo, os anticorpos anti-D maternos
de classe IgG passam pela barreira placentária e geram a lise dos eritrócitos fetais.
Nessa condição, o feto rapidamente passa a produzir e liberar no sangue novos
eritrócitos para compensar a depuração exacerbada. Eventualmente, a depuração será
tão acentuada que haverá o aparecimento de eritrócitos imaturos na corrente sanguínea
fetal, os quais são chamados de eritroblastos. Essa condição caracteriza a Eritroblastose
Fetal, um quadro clínico derivado da DHRN que ocorre previamente ao parto.
Outra consequência da grande depuração de hemácias é o acúmulo de
subprodutos dessas células, dentre eles a bilirrubina (derivado da hemoglobina).
Enquanto feto, dentro da placenta, a criança se livra dessa bilirrubina através do fígado
materno, onde sofre metabolização e excreção. No entanto, a partir do nascimento, a
criança ainda tem anticorpos anti-D maternos residuais, porém não mais possui o auxílio
do fígado materno para a metabolização da bilirrubina resultante. Como o fígado do
recém-nascido é imaturo e incapaz de excretar tanta bilirrubina, ele desenvolve um
quadro de hiperbilirrubinemia, altamente neurotóxico e característico da Doença
Hemolítica do Recém-nascido. A consequência clínica mais comum é o retardo mental
irreversível.

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