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DIREITO PENAL

CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 01

Tema 01:
Homicídio I.
1) Considerações gerais: definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado.
Sujeitos do delito. Homicídio privilegiado e qualificado. Tipicidade objetiva e
subjetiva.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
JOÃO, ao retornar à sua casa, visualizou a sua esposa ANA na cama com PAULO, seu
melhor amigo.
Inconformado com a situação, JOÃO saiu da casa e se dirigiu até a área externa, local
onde ele guardava uma arma de fogo.
ANA e PAULO decidiram que PAULO iria conversar com JOÃO sobre toda a situação.
PAULO, então, saiu da casa à procura de JOÃO e tão logo chegou perto do portão, foi
atingido várias vezes por disparos de arma de fogo feitos em suas costas por JOÃO.
Diante do fato narrado, o Ministério Público denunciou JOÃO como incurso nas penas
do art. 121, §§ 1º e 2º, inciso IV do Código Penal.
A defesa de JOÃO não contestou os fatos narrados na denúncia, mas pretende que seja
decotada a qualificadora prevista no § 2º inciso IV do art. 121 do Código Penal (recurso
que dificultou a defesa da vítima), pois ela é incompatível com a forma privilegiada do
homicídio (violenta emoção). Pretende ainda que seja reconhecido que o crime imputado
na denúncia não se caracteriza como crime hediondo (Lei n.º 8072/90).
As pretensões defensivas merecem acolhimento? Fundamente a sua resposta.
RESPOSTA:
STJ
Processo AgRg no RHC 115910 / PB
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS
2019/0217512-1
Relator(a)
Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO
DO TJ/PE) (8390)
Órgão Julgador:T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento: 17/10/2019
Data da Publicação/Fonte: DJe 22/10/2019
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL no RECURSO EM HABEAS CORPUS. DECISÃO
MONOCRÁTICA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCLUSÃO DA
QUALIFICADORA DO § 2º INCISO IV DO ART. 121 DO CÓDIGO PENAL.
IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE NA
APLICAÇÃO CONCOMITANTE ENTRE A FIGURA PRIVILEGIADA E A
QUALIFICADORA DE ORDEM OBJETIVA. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE
NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos
argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser
mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos.
II - "não há incompatibilidade, em tese, na coexistência de qualificadora objetiva
(v.g. § 2º, inciso IV) com a forma privilegiada do homicídio, ainda que seja a
referente à violenta emoção. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso). [...]
Assim, a resposta afirmativa ao quesito atinente a forma privilegiada do crime de
homicídio não implica a prejudicialidade do quesito que indagaria aos jurados
acerca da qualificadora inserta no art. 121, § 2º, inciso IV do CP (recurso que
dificultou a defesa da vítima)." (REsp n. 922.932/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix
Fischer, DJe de 03/03/2008). Agravo regimental desprovido.

Em relação a caracterização do crime hediondo


A questão é bastante controvertida. Existe acórdão do STF no sentido de que o crime
permanece sendo hediondo (HC 76196 / GO- 2ª TURMA - Relator(a): Min. MAURÍCIO
CORRÊA -DJ 15-12-2000) mas a orientação da doutrina é em sentido contrário. Para
SILVA FRANCO haveria uma violação ao princípio da legalidade na inclusão do
homicídio privilegiado nesse rol, ao passo que CAPEZ defende a prevalência do aspecto
subjetivo (Art. 67 CP) o que retiraria esse caráter hediondo do homicídio privilegiado
qualificado. É a posição atual do STJ, podendo ser destacados os seguintes acórdãos:

Processo: HC 206888 / RS HABEAS CORPUS 2011/0111329-0


Relator(a): Ministro GILSON DIPP (1111)
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento: 02/02/2012
Data da Publicação/Fonte: DJe 08/02/2012
Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE
DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006.
INDULTO. DECRETO Nº 7.420/2010. NÃO CABIMENTO. CRIME HEDIONDO.
TENTATIVA DE EQUIPARAÇÃO AO HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. DELITO
NÃO HEDIONDO. HIPÓTESE DIVERSA. VEDAÇÃO CONTIDA NO ART. 44, DA
LEI Nº 11.343/2006. APLICABILIDADE. ORDEM DENEGADA.
I. A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº
11.343/2006 não desnatura a natureza hedionda do crime de tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins.
II. É vedada a concessão de indulto a crimes hediondos e equiparados. Inteligência do art.
2º, inciso I, da Lei nº 8.072/90.
III. As espécies de homicídio não explicitadas na lei dos crimes hediondos, tal como sua
figura privilegiada, não são consideradas como tais, por haver a explicitação na Lei nº
8.072/90 das características peculiares que imprimem às figuras típicas o caráter
repugnante, sendo que a hipótese da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §
4º, da Lei n.º 11.343/2006, diversamente daquela, tem por objeto o histórico do criminoso,
e não as características do crime praticado.
IV. A causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não
constitui tipo penal distinto do caput do mesmo artigo, sendo, portanto, aplicável a
vedação ao indulto contida no art. 44, da Lei nº 11.343/2006.
V. O art. 8º, incisos I e II, do Decreto nº 7.420/2010, veda a concessão de indulto a pessoas
condenadas por tráfico ilícito de droga e por crime hediondo, desde que este tenha sido
praticado após a edição das Leis nos 8.072, de 25 de julho de 1990, observadas as
alterações posteriores.
VI. Ordem denegada.
2ª QUESTÃO:
TATIANA mora em uma casa que é vizinha à casa de PAULA. Durante vários anos,
TATIANA pediu para que PAULA retirasse os "mensageiros dos ventos" que ela tem na
janela do seu quarto, pois o barulho produzido por eles faz com que TATIANA acorde
várias vezes durante a noite.
Ocorre que PAULA se recusava a retirá-los, o que gerou intensa irritação em TATIANA,
que em determinado dia partiu em direção à casa de PAULA.
Tão logo PAULA abriu a porta, a discussão iniciou-se, com xingamentos mútuos, até que
TATIANA pegou uma faca que estava em cima da mesa de jantar e perfurou o abdômen
de PAULA, causando a sua morte.
Diante do evento narrado, o Ministério Público denunciou TATIANA como incursa nas
penas do art. 121, §2º, II e VI do Código Penal.
A defesa não contestou os fatos narrados na denúncia, mas sustenta que não se trata de
feminicídio e, mesmo que se tratasse, não seria possível haver cumulação com a
qualificadora do motivo fútil.
Você, na qualidade de juiz, como decidiria as alegações de TATIANA? Fundamente a
sua resposta.

RESPOSTA:
Doutrina e STJ

Paulo César Busato; Direito Penal; Parte Especial; 3ª edição, editora Gen/Atlas; página
46.
"Ciente disso, o legislador complementou explicativamente - e muito mal, outra vez, o
que se deveria entender por "condição do sexo feminino", através da adição de um §2º-
A, ao art. 121, sustentando que considera-se que há razões de condição de sexo feminino
quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou
discriminação à condição de mulher.
O texto continua ruim, porque a técnica empregada produz confusão ao invés de
esclarecer. Vejamos. O uso de incisos é uma técnica de construção legislativa que visa
apontar hipóteses alternativas, salvo que o enunciado geral explicite-os como
cumulativos, quando é o caso, por exemplo, de apontar os requisitos de algo, como o caso
do art. 387 do Código de Processo Penal.
Assim, surge logo a primeira pergunta: considera-se "condição do sexo feminino" a
situação que seja relativa à violência doméstica e familiar e contemple menosprezo ou
discriminação à condição de mulher ou se considera como tal a situação que seja relativa
à condição doméstica e familiar ou contemple menosprezo ou discriminação à condição
de mulher? Enfim, os requisitos constantes no §2º-A do art. 121 são cumulativos ou
alternativos?
Isso sem contar que se exige que o crime seja de violência doméstica e familiar, como se
estivéssemos tratando de sinônimos. Contudo nem toda violência doméstica pode ser
considerada familiar assim como nem toda violência familiar é doméstica. Pode ser que
alguém que não pertença a uma família, ocasionalmente esteja coabitando com o agressor,
caso em que a violência será doméstica, mas não familiar em um encontro ocasional, que
não seja no âmbito doméstico. Estará presente violência familiar que não é doméstica. A
preposição aditiva "e" é que gera este problema e deveria ter sido substituída por a
fórmula alternativa, ou.
Uma compreensão lógica desde um ponto de vista semântico levaria a considerar que
seriam requisitos cumulativos, pois pode existir situação de violência doméstica ou
familiar que não se relacione e nem se envolva pessoa do sexo feminino ou, pior, que, por
exemplo, se enquadre na hipótese a morte de uma irmã por outra, que claramente nada
tem a ver com discriminação de gênero."

STJ (Informativo nº 0625. Publicação: 1º de junho de 2018).


SEXTA TURMA
Processo
HC 433.898-RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, por unanimidade, julgado em 24/04/2018, DJe
11/05/2018
Não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras de motivo torpe e de
feminicídio no crime de homicídio praticado contra mulher em situação de violência
doméstica e familiar.

Informações do Inteiro Teor


Observe-se, inicialmente, que, conforme determina o art. 121, § 2º-A, I, do CP, a
qualificadora do feminicídio deve ser reconhecida nos casos em que o delito é cometido
em face de mulher em violência doméstica e familiar. Assim, "considerando as
circunstâncias subjetivas e objetivas, temos a possibilidade de coexistência entre as
qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Isso porque a natureza do motivo torpe
é subjetiva, porquanto de caráter pessoal, enquanto o feminicídio possui natureza
objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero
feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar
propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise" (Ministro Felix
Fischer, REsp 1.707.113-MG, publicado em 07/12/2017).
Relatórios de Pesquisa do NUPEGRE, “FEMINICÍDIO: Um estudo sobre os processos
julgados pelas Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro”,
ISSN 2595-7902, nº 5, 2020, disponível através do link
https://www.emerj.tjrj.jus.br/publicacoes/relatorios_de_pesquisa_nupegre/relatorios_de
_pesquisa_nupegre.html
<https://nam10.safelinks.protection.outlook.com/?url=https%3A%2F%2Fwww.emerj.tj
rj.jus.br%2Fpublicacoes%2Frelatorios_de_pesquisa_nupegre%2Frelatorios_de_pesquis
a_nupegre.html&data=04%7C01%7C%7C0828dc0a818f456bf9a308d8e26268ff%7Cce
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Trechos do Relatório: 6.2.3 Qualificadora objetiva e atuação dos “operadores do direito”


Quando a Lei 13.104/15 entrou em vigor, a grande discussão dizia respeito à natureza
subjetiva ou objetiva da nova qualificadora.
Parte da doutrina sustentava que a condição do sexo feminino está ligada ao sentimento
de posse e à discriminação do gênero feminino. A violência de gênero seria a razão da
execução do crime, não a sua forma, estando, portanto, presente o elemento subjetivo a
partir do qual o homicida toma sua atitude - ele não apenas mata uma vítima que acontece
de ser mulher, mas a mata porque ela é mulher. A natureza subjetiva da qualificadora
tornaria o feminicídio incompatível com as circunstâncias privilegiadoras (§1.º do art.
121).
Assim sendo, se fosse reconhecido o privilégio em um assassinato de uma mulher devido
a violenta emoção logo após injusta provocação da vítima, a qualificadora do feminicídio,
se entendida como subjetiva, restaria prejudicada.
Também havia quem sustentasse a incompatibilidade da natureza subjetiva do
feminicídio com a qualificadora prevista no inciso II do § 2° do art. 121 (motivo fútil),
uma vez que o desprezível menosprezo à condição da mulher já é um motivo abjeto,
repugnante, torpe e que, então, já estaria configurado o bis in idem. Parte da doutrina
defendia a natureza objetiva, pois não há análise do animus do agente. Nucci sustenta a
natureza objetiva, “pois se liga ao gênero da vítima: ser mulher”. Segundo Mello, “para
incidir a qualificadora do feminicídio, a lei impõe fática e objetivamente a presença
(existência ou emprego) de violência praticada contra a mulher por razões da condição
do sexo feminino”136. Esse posicionamento passou a ser majoritário no TJDF e, logo em
seguida, passou a ser adotado pelo STJ ao decidir sobre a inexistência de bis in idem entre
feminicídio e motivo fútil.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 02

Tema 02:
Homicídio II.
1) Homicídio culposo: a estrutura típica. O crime culposo majorado. A vítima menor
de 14 anos.
2) O perdão judicial.
3) Aspectos controvertidos.
4) Concurso de crimes.
5) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
JOÃO, médico anestesista, em razão da inobservância das regras técnicas da sua
profissão, deu causa à morte de GILBERTO, que se submetia a uma cirurgia cardíaca.
Após o fato, JOÃO, sentindo-se extremamente culpado e arrependido, entrou em contato
com a família de GILBERTO e, mediante a concordância dela, arcou com o pagamento
de todos os custos decorrentes da morte de GILBERTO, assim como realizou o
pagamento de uma indenização a título de dano moral.
Diante do caso narrado, JOÃO deverá responder por algum crime? Em caso afirmativo,
qual seria esse crime? É cabível a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no
art. 16 do Código Penal?
Fundamente a sua resposta.

RESPOSTA:
Art. 121, §§3º e 4º do Código Penal.
STJ (Informativo n. 590)
DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR
EM HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO.
Em homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB), ainda que
realizada composição civil entre o autor do crime e a família da vítima, é inaplicável o
arrependimento posterior (art. 16 do CP).
O STJ possui entendimento de que, para que seja possível aplicar a causa de
diminuição de pena prevista no art. 16 do Código Penal, faz-se necessário que o
crime praticado seja patrimonial ou possua efeitos patrimoniais (HC 47.922- PR,
Quinta Turma, DJ 10/12/2007; e REsp 1.242.294-PR, Sexta Turma, DJe 3/2/2015).
Na hipótese em análise, a tutela penal abrange o bem jurídico, o direito fundamental
mais importante do ordenamento jurídico, a vida, que, uma vez ceifada, jamais
poderá ser restituída, reparada. Não se pode, assim, falar que o delito do art. 302 do
CTB é um crime patrimonial ou de efeito patrimonial. Além disso, não se pode reconhecer
o arrependimento posterior pela impossibilidade de reparação do dano cometido contra o
bem jurídico vida e, por conseguinte, pela impossibilidade de aproveitamento pela vítima
da composição financeira entre a agente e a sua família. Sendo assim, inviável o
reconhecimento do arrependimento posterior na hipótese de homicídio culposo na direção
de veículo automotor. REsp 1.561.276-BA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
28/6/2016, DJe 15/9/2016.

2ª QUESTÃO:
CAIO resolveu limpar sua arma de fogo no horário de seu seriado preferido da televisão.
Distraído com a programação televisiva, não prestou a devida atenção no manejo da arma
e acabou efetuando um disparo de arma de fogo, que atingiu seu filho de 13 anos, que
com ele assistia ao programa, matando-o. Assustado, embora o filho ainda estivesse com
vida, resolveu não socorrê-lo, porque não gostava de ver sangue.
Pergunta-se:
a) Qual o crime praticado por CAIO? É cabível o perdão judicial?
b) E se, além do filho, o mesmo projétil tivesse atingido também o estranho que passava
na rua, matando-o?

RESPOSTA:
a) Crime de homicídio culposo com o aumento de pena por não ter prestado o socorro.
Não incide o aumento em razão da idade da vítima, que só existe no homicídio doloso.
Seria possível o perdão judicial, por ter matado o filho.
b) Haveria dois crimes em concurso formal; quanto ao crime contra o filho seria
perfeitamente possível o perdão judicial; quanto ao estranho, há divergência na
jurisprudência, uns admitindo a extensão do perdão ao homicídio do estranho e outros,
punindo este único crime culposo, sem concurso de crimes, logicamente.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 03

Tema 03:
Induzimento, Instigação ou Auxílio ao Suicídio. O Infanticídio.
1) Considerações gerais: definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado.
Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
BRUNA e LEILA são amigas e, diante de inúmeras decepções amorosas sofridas por
ambas, decidem praticar suicídio ingerindo veneno.
LEILA não apenas aceita, mas incentiva BRUNA a comprar o veneno para ambas
realizarem seu intento.
Ao chegar com o veneno, BRUNA não tem coragem de ministrá-lo em si e pede que
LEILA o faça. Esta imediatamente enche uma seringa e aplica em BRUNA, que falece.
LEILA não percebe que aplicou quase todo o veneno em BRUNA e, ao aplicar o restante
em si, não vem a óbito, pois a quantidade de veneno não era suficiente para tal.
Com base nessas informações, o Ministério Público denunciou LEILA como incursa nas
penas do art. 121, § 2º, lll, do Código Penal.
Foi correta a tipificação penal feita pelo parquet? Fundamente a sua resposta.

RESPOSTA:
Leila efetivamente deverá responder pelo crime de homicídio, não havendo que se falar
em instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio (artigo 122 do CP). Com efeito, a
questão deixa claro que apesar de Leila ter anuído e incentivado Bruna a também dar fim
a sua vida, na verdade, foi ela quem provocou a morte da amiga ao ministrar o veneno
que deu causa ao resultado querido. Para incidir a norma do artigo 122, a instigação, o
auxílio ou mesmo a participação deve ser secundária, acessória. Caso a ajuda tenha sido
a causa direta da morte, como ocorreu no caso presente com a aplicação do veneno pelo
antes instigador, deve o mesmo responder por homicídio e não por instigação ou auxílio
ao suicídio.

Todavia, Leila deverá responder por homicídio simples, não devendo prevalecer a
qualificadora do veneno, sendo pacífica a doutrina de que a mesma somente deve ser
reconhecida quando a substância química (veneno) é introduzida no organismo da vítima
sem o conhecimento desta, tratando-se de uma forma insidiosa. Neste sentido: “entendo
a doutrina que o homicídio será qualificado pelo envenenamento apenas quando a vítima
desconhecer estar ingerindo a malfazeja substância, ou seja, ignorar estar sendo
envenenada“ (Rogerio Sanches Cunha, Manual de Direito Penal, Parte especial, 10ª
edição, Editora JusPODIVM, p.62) - “A utilização de veneno, que é meio insidioso, só
qualifica o crime se for feita dissimuladamente, isto é, com estratagema, como cilada.
Para o envenenamento constituir meio insidioso é indispensável que a vítima desconheça
a circunstância de estar sendo envenenada” (Cezar Roberto BITENCOURT, Tratado de
Direito Penal, 15ª edição, Saraiva, p. 87). Na hipótese, Bruna tinha conhecimento e que
estava sendo envenenada por Leila, tendo inclusive anuído com a conduta da amiga

2ª QUESTÃO:
CÁSSIA deu à luz um menino, em parto originariamente programado para ser normal,
mas que em razão de complicações havidas, acabou por se estabelecer como cesariana.
Mãe e filho permaneceram internados, diante dos problemas havidos como derivação das
complicações ocorrentes no parto.
Assim, e tendo decorrido uma semana desde que o recém-nascido veio ao mundo,
CÁSSIA, ao receber a visita no hospital de um outro filho seu, menor, JOSUÉ, com dois
anos de idade, ainda experimentando uma condição depressiva pós-parto e aproveitando-
se da desatenção de outras pessoas, veio a matar, por sufocamento, este último, JOSUÉ.
Para tanto, foi auxiliada por uma outra mulher, MARIA, que estava ali internada em
circunstâncias análogas.
Com base no evento narrado, qual a capitulação correta do fato? Fundamente a sua
resposta.

RESPOSTA:
O crime de infanticídio nada mais é do que um homicídio produzido em circunstâncias
especiais, daí a justificar a imposição de pena bem menor do que a deste outro crime. Para
tanto exige-se que a autora do fato seja a mãe, bem como que o realize durante ou logo
após o parto, estando aquela em um estado de depressão pós-parto, indicado por alguns
psiquiatras como sendo semelhante a surto psicótico, que vem a ser denominado de
puerpério ou estado puerperal e, finalmente, sendo necessário que a vítima seja seu
próprio filho.
Pode-se dizer que a mens legis responsável pela construção desta tipicidade aponta,
implicitamente, para o fato deste filho ser exatamente o recém-nascido, embora tal
circunstância não seja formalmente externada.
Assim, a doutrina rejeita a possibilidade de se estender, à hipótese aqui apresentada a
classificação do ato como sendo da prática do crime de infanticídio. Contudo, pondera-se
que não pode haver impedimento implícito de interpretação que possa ser menos gravosa
à autora do fato, regra básica da hermenêutica penal, de forma que o que não for
expressamente vedado não poderá se impedir de ser interpretado.
Aliás, é de se observar que quando o legislador quer indicar que se trata de um recém-
nascido, ele o faz expressamente, como por exemplo acontece no delito previsto no art.
134 do Código Penal.
Assim e diante da ausência desta particularização quanto a restrição na condição de
identificação do filho da vítima, nada impede que seja possível capitular-se o fato presente
como infanticídio.

O clássico ponto polêmico no crime de infanticídio, que ainda remanesce por inércia
legislativa, é o da fixação dos limites de responsabilidade da terceira pessoa que como
co-autora ou partícipe concorre para a morte da vítima. As duas principais correntes são
a legalista, sustentada dentre outros por Damásio de Jesus - que preconiza a aplicação do
que dispõe o art. 30 do Código Penal, de forma a que haja a comunicabilidade da condição
pessoal da autora do fato enquanto mãe, porque elementar do tipo, para esta terceira
pessoa, que desta forma também responderia por infanticídio - e aquela que defende que
as condições pessoais da autora do fato, enquanto mãe e, principalmente, o puerpério, são
absolutamente intransferíveis e isto não iria acontecer apenas em função da observância
de um princípio ou comando legal, de molde a entender-se pela incomunicabilidade destas
circunstâncias elementares pessoais, inobstante integrarem as mesmas a descrição do fato
punível, respondendo a terceira pessoa por homicídio, conforme sustentam, dentre outros,
Nelson Hungria e Heleno Fragoso. A solução já identificada na Conferência dos
Desembargadores de 1943 não foi até agora adotada: a inserção da figura do infanticídio
como uma segunda hipótese de homicídio privilegiado, em parágrafo autônomo do artigo
121 do CP, perdendo ele a sua característica atual de figura típica destacada.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 04

Tema 04:
Aborto.
1) Considerações gerais: definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado.
Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva.
2) Espécies de aborto: o auto-aborto, o aborto consensual e o aborto provocado sem
o consentimento da gestante.
3) Aspectos controvertidos.
4) Forma qualificada de aborto: crime preterintencional. Discussão sobre a
admissibilidade da tentativa.
5) Concurso de crimes.
6) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
EFIRE, moradora de uma ilha isolada, solteira, constatando que está grávida de seu
namorado LIONARDO, dispõe-se a praticar abortamento, com receio da reação familiar
à gravidez. Pede a TÉTHYS que o provoque, o que é feito.
a) Que tipo ou tipos penais foram realizados por EFIRE e TÉTHYS?
A solução se alteraria, caso:
b) EFIRE praticasse os atos de abortamento, com o auxílio de TÉTHYS?
c) LIONARDO convencesse EFIRE de que havia consultado um oráculo e a criança
nasceria com grave defeito físico e somente por esta razão ela consentisse no abortamento
praticado por ÁCTEON, mediante pagamento feito por LIONARDO?
d) EFIRE desejasse o abortamento e, sem o conhecimento de LIONARDO, fosse ao
consultório de ÁCTEON, onde este, auxiliado pela enfermeira ERICINA, provocasse a
expulsão do feto por meio químico, porém este não morresse?
RESPOSTA:
a) EFIRE consentiu na realização do abortamento estando incursa nas penas do artigo
124, 2ª parte. A hipótese admite a suspensão condicional do processo, conforme o artigo
89 da Lei 9.099/95.
TÉTHYS realizou o abortamento com o consentimento de EFIRE, que se deve presumir
fruto de vontade livre e consciente de pessoa capaz, na ausência de indicação contrária.
Está incursa nas penas do artigo 126 do CP, que também é abrangido pelo art. 89 da Lei
9099/95. Sobre a aplicabilidade do artigo 89 da Lei 9.099/95 ver: STJ - RHC 7379 - Rel.
Min. Félix Fischer.
A solução se alteraria, caso:
b) A hipótese visa a argumentação sobre a exceção à teoria monista ou igualitária no
concurso de agentes entre a gestante e o terceiro que seja partícipe das manobras
abortivas. A primeira argumentação, prestigiando a teoria monista, defende que no caso
de participação em auto aborto, ambas responderiam como incursas nas penas do artigo
124 c/c 30 do CP. A segunda argumentação possível, sustenta a exceção dualista no caso,
e o terceiro, responderá pelo tipo do artigo 126.
c) EFIRE responderá pelo consentimento para o abortamento porque é inadmissível no
direito brasileiro o aborto eugênico ou eugenésico. Duas argumentações poderão ser
desenvolvidas: a primeira, no sentido de que o consentimento foi viciado e, portanto,
EFIRE não teria consentido e LIONARDO e ACTEON responderiam pelo artigo 125 do
CP; a segunda, considerando que o consentimento foi válido porque EFIRE acreditou na
previsão. Neste caso, EFIRE responde pelo consentimento artigo 124, 2ª parte, CP, e
LIONARDO e ÁCTEON pelo artigo 126 do CP.
d) Não tendo sido praticado infanticídio ou homicídio subsequente, ou seja a eliminação
do recém-nascido expulso prematuramente, que absorveriam a tentativa de aborto,
teremos a possibilidade de tentativa no que se refere à hipótese material. Assim, EFIRE
responde pelo consentimento (artigo 124, 2ª parte do CP) ÁCTEON e ERICINA,
respondem pela tentativa de abortamento com o consentimento da gestante (artigo 126
c/c 14, II do CP).

2ª QUESTÃO:
JUPIRA, que estava grávida de 9 meses, foi internada no dia 5 de julho de 2012, por volta
das 13 horas, no Hospital Miguel Souto, sentido fortes dores, uma vez que se iniciara o
trabalho de parto.
Assim que foi internada, LIDIANE, médica plantonista que havia realizado exames de
ultrassom em JUPIRA e a atendido durante todo pré-natal, não estava presente, mas foi
cientificada pelas enfermeiras do quadro de JUPIRA, o qual apresentava sérias
complicações.
LIDIANE limitou-se a passar orientações pelo telefone, não se dignando a comparecer ao
hospital para verificar a situação de JUPIRA e do bebê. Apurou-se ainda que LIDIANE
determinou às enfermeiras que aplicassem em JUPIRA medicamento destinado a
aumentar a dilatação para que se realizasse parto normal. Entretanto, a própria LIDIANE
havia comunicado à JUPIRA que o procedimento correto deveria ser a cesariana.
LIDIANE também passou orientações às enfermeiras para que observassem os
batimentos cardíacos do feto. Estes permaneceram normais até as 21h40min, ocasião em
que uma enfermeira entrou em contato com a denunciada, informando que não mais os
ouvia. Somente nesse momento LIDIANE se dirigiu ao hospital e, não conseguindo
identificar os batimentos cardíacos, mobilizou equipe para que se realizasse uma
cesariana de urgência.
No entanto, ao retirar o feto, verificou-se que ele já não apresentava sinais vitais, restando
frustrada a tentativa de reanimação.
Diante do caso concreto, a conduta de LIDIANE é típica? Responda de forma
fundamentada.

RESPOSTA:
STJ
Processo: HC 228998 / MG, HABEAS CORPUS 2011/0307548-5
Relator(a): Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150)
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento: 23/10/2012
Data da Publicação/Fonte: DJe 30/10/2012, RT vol. 928 p. 727
Ementa:
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO
NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE
ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO
CONSTITUCIONAL. MEDIDA IMPRESCINDÍVEL À SUA OTIMIZAÇÃO.
EFETIVA PROTEÇÃO AO DIREITO DE IR, VIR E FICAR. 2. ALTERAÇÃO
JURISPRUDENCIAL POSTERIOR À IMPETRAÇÃO DO PRESENTE WRIT.
EXAME QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO
LEGAL. 3. HOMICÍDIO CULPOSO POR INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNICA.
4. INICIADO O TRABALHO DE PARTO NÃO HÁ FALAR MAIS EM ABORTO. 5.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCECIONAL. 6. ORDEM NÃO
CONHECIDA.
(...)
3. Os fatos descritos na denúncia são claros e determinados, podendo caracterizar, em
tese, o crime de homicídio culposo por inobservância de regra técnica, não prosperando
a alegação de ocorrência de "aborto culposo provocado por terceiro" ou de crime
impossível em razão do bebê ter sido retirado do ventre materno sem vida, pois consta
dos autos que a mãe já havia entrado em trabalho de parto há mais de oito horas e os
batimentos cardíacos foram monitorados por todo esse período até não mais serem
escutados.
4. Iniciado o trabalho de parto, não há falar mais em aborto, mas em homicídio ou
infanticídio, conforme o caso, pois não se mostra necessário que o nascituro tenha
respirado para configurar o crime de homicídio, notadamente quando existem nos autos
outros elementos para demonstrar a vida do ser nascente, razão pela qual não se vislumbra
a existência do alegado constrangimento ilegal que justifique o encerramento prematuro
da persecução penal.
*Questão mantida pelo professor responsável (Memorando n.º 197/2018)
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 05

Tema 05:
Lesão Corporal.
1) Considerações gerais: definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado.
Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva da lesão corporal simples e da
lesão corporal grave e gravíssima.
2) O problema da tentativa na lesão corporal.
3) Lesão corporal seguida de morte: tipicidade objetiva e subjetiva.
4) A participação no crime preterdoloso. O excesso nos meios e o excesso nos fins.
5) Hipóteses de diminuição e substituição de pena (artigo 129, §§ 4º e 5º do Código
Penal).
6) Aspectos controvertidos.
7) Concurso de crimes.
8) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
Após contratar os serviços de uma profissional do sexo, RONALDO, não satisfeito com
o atendimento respectivo, com vontade de lesionar, desfere vários socos no rosto da
vítima, causando-lhe lesões que a deixaram impossibilitada de trabalhar por prazo
superior a trinta dias.
Pergunta-se:
a) Qual a correta capitulação para aquela conduta?
b) A atividade ilícita ou imoral é protegida no tipo derivado respectivo?
c) O laudo complementar, na hipótese, com a data de sua realização, é peça essencial para
o julgamento?
RESPOSTA:
A conduta do agente tipifica o crime de lesão corporal grave, já que a vítima ficou
impossibilitada de exercer suas atividades normais por prazo superior a trinta dias (artigo
129 § 1º, I, do CP).
A doutrina é praticamente unânime no sentido de que a atividade ilícita não é protegida
na hipótese, somente sendo objeto de consideração aquela não proibida por lei. O
traficante, assim, que fica impedido de exercer aquele nefando comércio clandestino por
prazo superior a trinta dias, em razão da agressão que sofreu de um rival, não faz
caracterizar a qualificadora em exame. Todavia, o mesmo não ocorre com as atividades
imorais, como, por exemplo, no caso da prostituta. Apesar de imoral, a prostituição não
configura comportamento ilícito, contrário à lei, restando a qualificadora, assim, quando
a "menina de programa", em razão das agressões sofridas, fica impossibilitada de exercer
as suas ocupações habituais por prazo superior a trinta dias.
Da mesma forma, a doutrina é praticamente unânime no sentido de que não basta para a
configuração da qualificadora o exame de corpo de delito, sendo indispensável o laudo
complementar que deve se realizar logo que ultrapassado o prazo de 30 dias, contado da
data do fato (artigo 168, § 2º, do CPP) Admite-se, porém, a prova testemunhal se
impossível a realização do exame complementar, devendo ser destacado, ainda, que o
exame realizado antes daquele prazo é inidôneo, sendo recomendável que o laudo venha
com a devida fundamentação.

2ª QUESTÃO:
RODRIGO e ELIS são irmãos e, desde o falecimento da mãe deles, iniciaram discussões
atinentes à herança deixada pela matriarca.
No dia 18 de novembro de 2017, RODRIGO foi até a casa de ELIS, arrombou a porta da
casa dela, invadiu seu quarto e exigiu que lhe fosse entregue a certidão de óbito da mãe.
Ato contínuo, ELIS informou que o documento não se encontrava em sua posse, ocasião
em que RODRIGO começou a agredir fisicamente a irmã, deferindo-lhe socos, tapas e
golpes com o auxílio do aparelho telefônico que ELIS usava no momento, tentando,
ainda, estrangulá-la com o auxílio do fio do telefone.
Imediatamente, ELIS informou que estava grávida de quatro semanas, mas RODRIGO
não cessou as agressões físicas, provocando, com isso, a morte do feto, além das lesões
corporais em ELIS.
Diante dos fatos narrados, tipifique de forma fundamentada a conduta praticada por
RODRIGO.

RESPOSTA:
TJRJ
APELAÇÃO 0081453-55.2013.8.19.0002
Des(a). MARIA SANDRA ROCHA KAYAT DIREITO
Julgamento: 08/08/2017
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
EMENTA: APELAÇÃO ¿ LESÃO CORPORAL COM PROVOCAÇÃO DE ABORTO,
PRATICADO CONTRA A IRMÃ (CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA) ¿
ARTIGO 129, § 2º, INCISO V, E §10, DO CÓDIGO PENAL ¿ CONDENAÇÃO ¿
IMPOSSÍVEL ABSOLVIÇÃO ¿ PROVA ROBUSTA ACERCA DA
MATERIALIDADE E AUTORIA DA INFRAÇÃO PENAL ¿ RELEVÂNCIA DA
PALAVRA DA VÍTIMA ¿ DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS CORROBORAM
OS FATOS NARRADOS PELA VÍTIMA ¿ PROVA IDÔNEA PARA EMBASAR
DECRETO CONDENATÓRIO, EIS QUE NÃO INVALIDADA POR FATO
CONCRETO ¿ INCABÍVEL APLICAÇÃO DA EXCLUSÃO DA ILICITUDE POR
LEGÍTIMA DEFESA ¿ A LEGÍTIMA DEFESA NÃO FICOU COMPROVADA NOS
AUTOS, DEVENDO SER INTERPRETADA COMO MERO MECANISMO DE
AUTODEFESA, UTILIZADO APENAS PARA JUSTIFICAR SUA CONDUTA
VIOLENTA, QUE É INCOMPATÍVEL COM O INSTITUTO QUE ALEGA A SEU
FAVOR ¿ IMPOSSÍVEL AFASTAR A QUALIFICADORA ¿ CRIME
PRETERDOLOSO ¿ DOLO (NO ANTECEDENTE) E A CULPA (NO
CONSEQUENTE) - AGENTE QUE TINHA CIÊNCIA DE QUE A VÍTIMA, SUA
IRMÃ, SE ENCONTRAVA GRÁVIDA ¿ NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE AS
LESÕES E O ABORTO SOFRIDO PELA VÍTIMA DEVIDAMENTE
DEMONSTRADO ATRAVÉS DE EXAMES ¿ PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL
- EM RAZÃO DA OMISSÃO NO DECRETO CONDENATÓRIO, ESTABELECE-SE,
DE OFÍCIO, O REGIME INICIALMENTE ABERTO, PARA O CUMPRIMENTO DA
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, A QUAL FOI SUBSTITUÍDA POR DUAS
RESTRITIVAS DE DIREITOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO DA DEFESA E,
DE OFÍCIO, ESTABELECER O REGIME INICIALMENTE ABERTO, PARA O
CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.

Trechos do acórdão: Ressalte-se que até mesmo a vizinha, de nome Cristiana, que mora
em frente ao terreno onde ocorreu a briga entre os irmãos, ouviu a vítima falando para
Sidney que estava grávida. Assim narrou Cristiana:
"Elisângela pedia socorro e dizendo em tom bem alto que era para não bater em sua
barriga, porque estava grávida."
Até mesmo Mário, que tentou inocentar seu irmão Sidney com uma história inacreditável,
afirmou que Elisângela falou que estava grávida, no momento do entrevero.
Assim, Sidney, com dolo direto, praticou as lesões corporais em Elisângela, provocando
o aborto do feto, incidindo, assim, a qualificadora do inciso V, §2º, do art. 129-CP.
Como bem salientou a Procuradoria de Justiça, às fls. 235, "Noutro giro, também não
merece prosperar a alegação de ausência de nexo de causalidade entre as lesões e o aborto
sofrido por Elisângela. Os documentos já mencionados comprovam a gravidez a época
dos fatos, bem como, as lesões, tendo o Laudo de fls. 80/80v apenas confirmado que o
aborto ocorreu em decorrência das agressões."
Há de ser mantida a causa de aumento do §10, do art. 129- CP, que foi devidamente
descrita na denúncia, já que vítima e réu são irmãos.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 06

Tema 06:
Da Periclitação da Vida e da Saúde I.
1) Considerações gerais:
a) Definição de perigo. Teorias;
b) A subsidiariedade em relação aos crimes de dano. Bem jurídico tutelado;
c) Diferença entre crimes de perigo abstrato e concreto;
d) Diferença entre crimes de perigo individual e crimes de perigo comum;
e) O elemento subjetivo nos crimes de perigo individual.
2) Crimes de perigo individual (artigos 130 a 132 do CP): sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva.
3) Aspectos controvertidos.
4) Concurso de crimes.
5) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
CAIO, sabendo que determinada prostituta já tinha apresentado, antes, quadro de moléstia
venérea, mantém com ela relação sexual, sem adotar qualquer medida protetiva.
Posteriormente, se relaciona sexualmente com sua companheira.
a) Realizou CAIO algum tipo penal?
A solução se alteraria, caso:
b) A companheira de CAIO fosse imune à doença ou consentisse no contágio?
Fundamente as suas respostas.

RESPOSTA:
a) O relacionamento sexual com prostituta não acarreta, em regra, contágio de moléstia
venérea. Portanto não se apresentam os elementos subjetivos: "que sabe ou deve saber".
Pelo simples fato de haver mantido contato com mulher pública, não está o agente
obrigado a presumir seu estado de contaminação, de modo a ver-se jungido a abstenções,
até plena comprovação de sua higidez sexual.
O fato de CAIO saber que a prostituta já tinha apresentado, antes, quadro de moléstia
venérea, há incremento da vinculação subjetiva de CAIO, mas ainda não se realiza o tipo
do artigo 130, CP, porque é preciso que se comprove que o réu sabia ou deveria saber de
sua contaminação.

b) Sendo o crime de perigo concreto, o fato de a vítima ser imune à doença ou já estar
contaminada afasta a tipicidade do comportamento. Os crimes de perigo concreto
admitem a prova em contrário.
É irrelevante que a ofendida tenha conhecimento de que CAIO encontra-se contaminado
e aceite o risco de contágio. A vítima estará colocando em risco a saúde pública, pois
poderia tornar-se veículo de contágio.

2ª QUESTÃO:
J, portador do vírus da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), ciente de sua
condição clínica, resolve ter relações sexuais, sem uso de qualquer preservativo, com M,
pessoa que não possuía a referida moléstia ao tempo da ação, sem se importar com o
perigo de contágio - assumindo, portanto, o risco da transmissão.
Aproximadamente dois meses após a única cópula, M descobriu por meio de amigos em
comum que João era soropositivo, fato que a desesperou. Feito o teste, descobriu que
passara a ser portadora da doença.
Qual foi a conduta típica praticada por J? Justifique.

RESPOSTA:
STJ: HC 160982 / DF - Ministra LAURITA VAZ - Julgado em 17/05/2012:

HABEAS CORPUS. ART. 129, § 2.º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. PACIENTE
QUE TRANSMITIU ENFERMIDADE INCURÁVEL À OFENDIDA (SÍNDROME DA
IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA). VÍTIMA CUJA MOLÉSTIA PERMANECE
ASSINTOMÁTICA. DESINFLUÊNCIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DA
CONDUTA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA UM DOS CRIMES
PREVISTOS NO CAPÍTULO III, TÍTULO I, PARTE ESPECIAL, DO CÓDIGO
PENAL. IMPOSSIBILIDADE. SURSIS HUMANITÁRIO. AUSÊNCIA DE
MANIFESTAÇÃO DAS INSTÂNCIAS ANTECEDENTES NO PONTO, E DE
DEMONSTRAÇÃO SOBRE O ESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE. HABEAS
CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADO.
1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 98.712/RJ, Rel. Min.
MARCO AURÉLIO (1.ª Turma, DJe de 17/12/2010), firmou a compreensão de que
a conduta de praticar ato sexual com a finalidade de transmitir AIDS não configura
crime doloso contra a vida. Assim não há constrangimento ilegal a ser reparado de
ofício, em razão de não ter sido o caso julgado pelo Tribunal do Júri.
2. O ato de propagar síndrome da imunodeficiência adquirida não é tratado no
Capítulo III, Título I, da Parte Especial, do Código Penal (art. 130 e seguintes), onde
não há menção a enfermidades sem cura. Inclusive, nos debates havidos no julgamento
do HC 98.712/RJ, o eminente Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, ao excluir a
possibilidade de a Suprema Corte, naquele caso, conferir ao delito a classificação de
"Perigo de contágio de moléstia grave" (art. 131, do Código Penal), esclareceu que,
"no atual estágio da ciência, a enfermidade é incurável, quer dizer, ela não é só
grave, nos termos do art. 131".
3. Na hipótese de transmissão dolosa de doença incurável, a conduta deverá será
apenada com mais rigor do que o ato de contaminar outra pessoa com moléstia
grave, conforme previsão clara do art. 129, § 2.º inciso II, do Código Penal.
4. A alegação de que a Vítima não manifestou sintomas não serve para afastar a
configuração do delito previsto no art. 129, § 2, inciso II, do Código Penal. É de
notória sabença que o contaminado pelo vírus do HIV necessita de constante
acompanhamento médico e de administração de remédios específicos, o que
aumenta as probabilidades de que a enfermidade permaneça assintomática. Porém,
o tratamento não enseja a cura da moléstia.
5. Não pode ser conhecido o pedido de sursis humanitário se não há, nos autos, notícias
de que tal pretensão foi avaliada pelas instâncias antecedentes, nem qualquer informação
acerca do estado de saúde do Paciente.
6. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado.
(*) Questão e gabarito mantidos em razão do memorando interno n.º 150/2017
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 07

Tema 07:
Da Periclitação da Vida e da Saúde II. O crime de rixa.
1) Crimes de perigo individual (artigos 133 a 136 do CP): sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.
5) O crime de rixa:
a) Considerações gerais;
b) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva;
c) Aspectos controvertidos.

1ª QUESTÃO:
CAIO, em viagem para Curitiba, observa, à margem da rodovia, um ciclista ferido, ao
que tudo indica, vítima de atropelamento. O local é deserto e CAIO resolve seguir viagem,
com receio de ser responsabilizado pelo atropelamento.
a) Realizou CAIO algum tipo penal?
A solução se alteraria, caso:
b) CAIO tivesse observado que outro motorista estava parando para socorrer a vítima?
c) CAIO fosse médico ou policial?
d) CAIO estivesse parando para socorrer a vítima e surgissem várias pessoas armadas,
dizendo que iriam linchá-lo, por acreditarem que ele era o atropelador?

RESPOSTA:
a) Sim. A hipótese encontra tipicidade no artigo 135 do CP. A hipótese é dolosa, porque
CAIO supôs corretamente que o ciclista estava ferido e dolosamente deixou de prestar
assistência à pessoa ferida, sendo-lhe possível fazê-lo sem risco pessoal.
b) A obrigação de prestar socorro é solidária. Se uma das pessoas o presta, exime a
responsabilidade dos demais. Porém se o socorro é insuficiente, os outros continuam
obrigados e a abstenção de atividade realiza o tipo do artigo 135 do CP. No caso,
dependerá CAIO de que o socorro seja prestado à vítima.
c) No caso de ser médico ou policial, CAIO, diante da situação de perigo para o ciclista,
não poderia omitir-se. Registre-se a discussão sobre o "omitente ausente", que é o caso
do médico chamado para o atendimento que se recusa a ir, apesar de convencido da
situação de perigo vivida pelo ferido. A doutrina defende a responsabilidade penal do
"omitente ausente". Álvaro Mayrink da Costa no seu D Penal - V. II - Tomo I - 4. ed. - p.
314 afirma: "quando certo médico foi avisado pela polícia de que um jovem estava em
estado gravíssimo após um tiroteio e que precisava de cuidados imediatos, tendo o mesmo
se recusado a dar assistência ao ferido por se tratar de um delinqüente, o qual veio a
falecer no local, advogamos a condenação do omitente, por homicídio." No caso em
estudo, o médico e o policial encontram-se na posição de garantidor, tendo a obrigação
de agir, mesmo em férias, quando possível fazê-lo sem risco pessoal. Ao se omitirem,
assumindo dolosamente o resultado morte ou lesão corporal, respondem pela conduta
comissiva: homicídio ou lesão corporal. (omissão imprópria - artigo 13, § 2º, "a", CP.
Destaque-se a possibilidade de culpa em casos semelhantes."
d) Tal fato pode caracterizar o risco pessoal para o agente que o eximiria do socorro direto,
mas não impede o socorro indireto - pedir o socorro da autoridade pública - que se não
for solicitado, realiza o tipo.

2ª QUESTÃO:
Numa arquibancada de um estádio de futebol, de repente, surge uma briga desordenada
em que várias pessoas lutam entre si. Ao final, a polícia intervém para desapartar os
contendores, restando CAIO, MARIO, TÍCIO, MÉVIO, menor de 16 anos, e
SIMPRÔNIO presos em flagrante, tendo este último sofrido lesões de natureza grave.
Não ficou apurado o motivo da briga, mas sim que havia, pelo menos, uns quatro grupos
brigando entre si. Restou apurado, também que PAULO e JOÃO participaram da briga,
mas dela se afastaram antes da chegada da Polícia e antes da ocorrência da lesão gravosa.
Pergunta-se:
a) Qual o crime praticado pelos agentes?
b) Quem é o sujeito passivo deste crime?
c) A situação se modificaria se tivessem sido identificados dois grupos lutando entre si?
d) A situação inicial se modificaria se fosse descoberto que CAIO foi o autor das lesões
graves contra SIMPRÔNIO?
e) A situação se modificaria se JOSÉ tivesse ficado fora da briga, orientando MÁRIO,
inclusive fornecendo-lhe um pedaço de pau para agredir MÉVIO, seu inimigo?

RESPOSTA:
a) CAIO, MÁRIO, TÍCIO, MÉVIO (ainda que inimputável), Simprônio (ainda que vítima
das lesões), PAULO e JOÃO responderiam por rixa qualificada, malgrado tenham se
retirado antes da ocorrência da lesão.
b) As mesmas pessoas são sujeitos ativos com relação às demais e sujeitos passivos das
condutas praticadas pelos demais. Secundariamente, também pode- se admitir como
sujeito passivo a ordem e tranqüilidade públicas.
c) Sendo dois grupos, não se fala em crime de rixa, mas lesão corporal, tentativa de
homicídio, perigo de vida, dependendo do dolo.
d) Identificado o autor das lesões, todos continuam a responder por rixa qualificada, e o
autor por rixa qualificada e lesão corporal grave (posição da exposição de motivos) ou
lesão corporal grave e rixa simples (posição de parte da doutrina, para evitar o bis in
idem).
e) JOSÉ seria partícipe do crime de rixa qualificada.
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CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 08

Tema 08:
Crimes contra a Honra I (Calúnia).
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva;
b) A exceção da verdade;
c) A calúnia no Código Eleitoral e na Lei de Segurança Nacional.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.

1ª QUESTÃO:
Tendo sido caluniado por um funcionário de cartório, o magistrado ofendido representou
ao Promotor de Justiça com atribuição junto à 1ª Central de Inquéritos da Capital, sendo
ajuizada a competente ação penal contra o ofensor, que ofereceu exceção da verdade.
Neste contexto, indaga-se:
a) É cabível a exceptio veritatis na hipótese?
b) Qual o juízo competente para o julgamento da causa e da exceção da verdade?

RESPOSTA:
A exceção da verdade é, em regra, admitida na calúnia, em razão do interesse público na
apuração do delito imputado, excepcionando-se apenas as situações elencadas no § 3º do
art. 138, CP. Tendo o excepto foro privilegiado, o respectivo Tribunal julgará a exceção.
No entendimento do STF, ao Tribunal compete apenas o julgamento, sendo a instrução
da exceção também feita pelo juízo original da causa. Tourinho e Cezar Bitencourt
argumentam, em sentido contrário, que a palavra julgamento compreende também a
instrução, já que a colheita de provas e a decisão sobre o fato principal e a exceção são
aglutinadas, não se podendo falar em cisão do julgamento da ação e da exceção.
2ª QUESTÃO:
Em novembro de 2014, EDSON concorria à presidência da Ordem dos Advogados do
Brasil e fazia parte de uma chapa opositora àquela liderada por VALDETÁRIO.
Naquela ocasião, foi veiculado em páginas eletrônicas um vídeo que retratava uma
conversa, gravada de forma clandestina em uma reunião, em que VALDETÁRIO
denegria o nome de seus correligionários, dentre os quais o advogado CLETO.
A partir de tal fato, CLETO fez diversos comentários no perfil pessoal de
VALDETÁRIO, no site Facebook, atribuindo-lhe a gravação, edição e publicação do
referido vídeo.
Diante dos fatos expostos, VALDETÁRIO ajuizou ação penal privada em face de
CLETO, imputando-lhe a prática dos delitos de calúnia e injúria.
Foi correta a tipificação penal feita na queixa? Fundamente a sua resposta.

RESPOSTA:
STJ
Processo n.º RHC 77768 / CE
RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2016/0283860-1
Relator(a): Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170)
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento: 18/05/2017
Data da Publicação/Fonte: DJe 26/05/2017
Ementa: RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A HONRA.
CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE CALÚNIA. NECESSIDADE DE IMPUTAÇÃO
FALSA DE FATO CRIMINOSO. ALEGADA INÉPCIA DA QUEIXA. AUSÊNCIA DE
INDICAÇÃO DE FATO TÍPICO E DETERMINADO. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO.
- Para a caracterização do crime de calúnia é necessária a imputação a alguém de fato
definido como crime, sabendo o autor da calúnia ser falsa a atribuição. Devem estar
presentes, simultaneamente, a imputação de fato determinado e qualificado como crime;
o elemento normativo do tipo, consistente na falsidade da imputação; e o elemento
subjetivo do tipo, o animus caluniandi. - Nos termos da jurisprudência desta Corte e do
Supremo Tribunal Federal, se não há na denúncia descrição de fato específico, marcado
no tempo, que teria sido falsamente praticado pela pretensa vítima, o reconhecimento da
inépcia é de rigor, porquanto o crime de calúnia não se contenta com afirmações genéricas
e de cunho abstrato (RHC 77.243/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, De
06/12/2016).
- No caso, está ausente da queixa a narrativa de que o querelado imputou ao querelante
fato criminoso determinado, devidamente situado no tempo e espaço, com a indicação
suficiente das circunstâncias específicas nas quais teria ocorrido.
- Recurso em habeas corpus provido para trancar a Ação Penal n. 0162363-
35.2013.8.06.0001, por inépcia da queixa, nos termos do art. 395, I, do Código de
Processo Penal.

Trechos do acórdão: Enfrentando o tema em debate nestes autos, ao relatar a Apn 813/DF
(Corte Especial, Dje de 12/4/2016), o Ministro Felix ressaltou as lições de Heleno Cláudio
Fragoso, segundo o qual "na calúnia o agente imputa a outrem fato determinado que
constitui crime e por isso mesmo constitui o mais grave dos crimes contra a honra.
A atribuição genérica de vícios ou defeitos é incomparavelmente menos ofensiva do que
a acusação definida da prática do crime. (...) não será calúnia dizer ´Tício é ladrão´, mas
é, sem dúvida, dizer falsamente de Tício que se apoderou da herança de seus irmãos, ainda
que não se acrescentem maiores detalhes" (Lições de Direito Penal, Parte Especial,
Volume I, 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, pp. 134-135).
A jurisprudência desta Corte, ao debruçar-se sobre o tema, firmou-se no mesmo
sentido, para reafirmar que a caracterização do crime de calúnia depende da
indicação concreta, individualizada e circunstanciada dos fatos imputados, uma vez
que o crime de calúnia não se contenta com afirmações genéricas e de cunho abstrato
(RHC 77.243/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA). Assim,
confiram-se os seguintes precedentes:
(...)
A leitura atenta dos trechos destacados evidencia que não houve, na espécie, a
narração de que o ora recorrente, na condição de querelado, tenha imputado um
fato específico, definido como crime, contra o querelante, nos termos necessários à
configuração do tipo de calúnia, conforme acima aludido.
Ademais, deve-se dar relevo ao fato de que não há ilícito penal no ato do interlocutor
que procede à gravação ambiental, ainda que sem o conhecimento dos demais
participantes, sendo válida, inclusive, sua utilização como prova no processo penal.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 09

Tema 09:
Crimes contra a Honra II (Difamação).
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva;
b) A exceção da verdade;
c) Semelhanças e diferenças entre a calúnia e a difamação;
d) A difamação no Código Eleitoral e na Lei de Segurança Nacional.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.

1ª QUESTÃO:
A Assembleia Legislativa do Estado X realizou uma audiência pública virtual, que foi
transmitida ao vivo no canal do Poder Legislativo Estadual e no YouTube, na qual se
discutia o Projeto de Lei que visava à abertura do mercado de gás no Estado X com a
venda da CIDIGÁS.
ALAN, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado X, que era a favor da abertura do
mercado, fez as seguintes declarações:
1) “Quadrilha que vendeu o Banco do Estado X lá atrás tem as mesmas digitais desses
bandidos da CIDIGÁS”.
2) “No Estado X nós temos uma quadrilha. Quadrilha com sede lá no Estado Y. É uma
vergonha internacional. Esses bandidos estão matando o povo do Estado X de fome.
Chega de bandidagem! Senhor Presidente, estou saindo em respeito ao povo do Estado
X. Essa palhaçada, como a palhaçada daquele 'Sindicato do MESSI', que de onze
membros, ele tem oito, são os únicos contra a abertura do mercado de gás. Vem falar em
três mil e tantos consumidores. Deixe de brincadeira! Respeite a fome do povo do Estado
X! Respeite o Estado X! Seus bandidos canalhas”. SILVIO MESSI, diretor da CIDIGÁS,
ingressou com queixa-crime em face de ALAN, imputando a ele o crime previsto no art.
139 do Código Penal.
Com base no que foi narrado, essa queixa-crime merece ser recebida? Fundamente a sua
resposta.

RESPOSTA:
STJ
Processo: APn 968 / DF
AÇÃO PENAL 2020/0162689-9
Relator(a): Ministro OG FERNANDES (1139)
Órgão Julgador: CE - CORTE ESPECIAL
Data do Julgamento: 03/03/2021
Data da Publicação/Fonte: DJe 17/03/2021
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. IMPUTAÇÃO DE
DIFAMAÇÃO E INJÚRIA MAJORADAS. CONEXÃO COM A APN 969-DF.
RESPOSTA. PRELIMINAR DE CONEXÃO COM OUTROS PROCEDIMENTOS
INVESTIGATIVOS. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA.
ACOLHIMENTO PARCIAL. MÉRITO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA EM RAZÃO DA
ATIPICIDADE DA CONDUTA.
1. Inexistindo qualquer liame entre os fatos tratados na presente ação penal e aqueles
investigados nos procedimentos instaurados contra o Governador do Estado do Amazonas
(Inq. n.º 1306, Inq. n.º 1391 e Cautelar Inominada Criminal n.º 30), não há que se falar
na figura da conexão.
2. No que tange às supostas expressões difamatórias irrogadas à Companhia de Gás do
Estado do Amazonas (CIGÁS), caberia à pessoa jurídica, e não ao querelante, figurar no
polo ativo da relação jurídico-processual. Acolhimento parcial da preliminar de
ilegitimidade ativa.
3. Expressões utilizadas de caráter genérico, sem se referir objetivamente a nenhum
fato concreto, tornam impossível a adequação típica dos delitos de difamação e
injúria majoradas. Atipicidade das condutas com consequente absolvição sumária.

Trechos do voto vencedor:


Em sua manifestação, o Ministério Público Federal destacou a seguinte passagem
transcrita:
"[...] quadrilha que vendeu o Banco do Estado de Amazonas lá atrás, Vereador Chico
Preto, que vendeu a Cosama, tem as MESMAS DIGITAIS DESSES BANDIDOS NA
CIGÁS".
Particularmente em relação a este trecho, caberia à Companhia de Gás do Estado do
Amazonas (CIGÁS) figurar no polo ativo da relação jurídico processual, na forma do
artigo 37 do Código de Processo Penal, e não ao querelante. Isso porque a suposta
difamação nesse trecho transcrito, não faz referência a nenhuma pessoa física
individualizada.(...)
Ademais, expressões genéricas, tais como "bandidos da Cigás", "canalhas", "cadeia para
vocês", “ladrões” e "assassinos do povo amazonense", “cara de pau”, “pessoa sem
seriedade, “penas de aluguel”, sem individualização de seus destinatários, não permite
que se conclua pela violação da honra do querelante para o delito de injúria, na medida
em que não houve demonstração de ofensa contra si.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal vislumbra ausência de animus injuriandi ou
difamandi em declarações genéricas e não individualizadas, conforme decidido no
precedente a seguir colacionado:
QUEIXA CRIME CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. SUPOSTA
OFENSA PROFERIDA POR MÍDIA SOCIAL. DEPUTADO FEDERAL.
IMUNIDADE PARLAMENTAR. ART. 53, CAPUT, CF. ABRANGÊNCIA. OFENSA
GENÉRICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO. REJEIÇÃO.
1. A inviolabilidade parlamentar abrange as manifestações realizadas fora do Congresso
Nacional, inclusive quando realizadas por meio de mídia social, desde que presente o
nexo causal entre a suposta ofensa e a atividade parlamentar. Precedentes.
2. Supostas expressões ofensivas não direcionadas à querelante.
3. Ausência de vontade direta e inequívoca, por parte do querelado, de injuriar ou difamar.
4. Queixa rejeitada. (Pet 5956, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em
06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-068 DIVULG 09-04-2018 PUBLIC 10-
04-2018).
A edição nº 130 da JURISPRUDÊNCIA EM TESES, de 9/8/2019, que resume o
entendimento deste Egrégio Superior Tribunal de Justiça sobre os crimes contra a honra,
traz as seguintes teses:
Para a configuração dos crimes contra a honra, exige-se a demonstração mínima do
intento positivo e deliberado de ofender a honra alheia (dolo específico), o denominado
animus caluniandi, diffamandi vel injuriandi [2].
1. [..]
7) Expressões eventualmente contumeliosas, quando proferidas em momento de
exaltação, bem assim no exercício do direito de crítica ou de censura profissional, ainda
que veementes, atuam como fatores de descaracterização do elemento subjetivo peculiar
aos tipos penais definidores dos crimes contra a honra.

2ª QUESTÃO:
Leia com atenção os fatos narrados em determinada queixa-crime:
"Causou estranheza a MANOEL que, em 18 de agosto de 2010, data do suposto retorno
de YASMIN às suas atividades no escritório, a mesma não tenha se apresentado ao estágio
em seu horário, às 13h, tampouco tenha dado satisfação alguma sobre a ausência ou
atraso. Assim, do meio para o final da tarde, MANOEL houve por bem tentar ligar para
o celular de YASMIN, duas ou três vezes, tendo deixado recado na secretária eletrônica.
No final da tarde, MANOEL consultou o currículo de YASMIN e encontrou ali o seu
telefone residencial. Na primeira tentativa, foi atendido pela sra. NÁDIA, que disse ser
mãe de YASMIN, e que sua filha estava no banho. Algum tempo depois, MANOEL ligou
novamente para a casa de YASMIN, tendo sido atendido pela irmã dela, que, sem a menor
educação ou noção de civilidade, destratou-o rudemente, e ele não mais buscou
informações.
No dia seguinte ao ocorrido, ainda tomado de grande surpresa pelo descaso de YASMIN,
MANOEL pôde perceber que era alvo de tratamento estranho por parte de um dos sócios
do escritório, o que fez aumentar gravemente sua preocupação com a reação da irmã de
YASMIN ao telefone.
No final do dia 20 de agosto de 2010, MANOEL foi informado pelo sócio dr. JOÃO de
que YASMIN havia se encontrado com o sócio dr. CRISTIANO, na data de 19.8.2010,
no horário matutino, para acusar MANOEL de tê-la assediado. Especificamente,
YASMIN disse ter-se sentido assediada, pois teria recebido de MANOEL dois torpedos
em seu celular no dia da sua viagem para os Estados Unidos da América com declaração
amorosa ("eu te amo"). Esse suposto assédio de MANOEL foi a justificativa para
YASMIN afirmar veementemente que não mais pisaria seus pés no escritório.
O dr. CRISTIANO confirmou a história do dr. JOÃO e disse ainda que YASMIN afirmou
não ter sido assediada nenhuma outra vez por MANOEL durante o estágio, mas que o
fato de MANOEL ter-lhe enviado os referidos torpedos e tê-la assediado mediante o
conteúdo dos mesmos, impedia a continuidade da relação profissional que haviam
travado.
Ressalte-se que, como YASMIN era estudante do quarto ano de direito, deveria ter
recebido tais mensagens com cautela e sem grande susto, frente a seu conteúdo singelo e
nada ofensivo. Entretanto, a reação que teve com o ocorrido demonstra claramente que
deu conotação maliciosa para as mensagens e que, deliberadamente, agiu para ofender a
honra de MANOEL.
Criou-se, então, situação de grande desconforto no ambiente profissional de MANOEL,
pois todos os funcionários passaram a inquiri-lo acerca do desaparecimento repentino de
YASMIN, sem contar a preocupação de algum dos sócios do escritório com a repercussão
do ocorrido. MANOEL, por sua vez, viu-se profundamente ofendido em sua honra
subjetiva e também profissional, frente à atitude maliciosa e intencionada de YASMIN
de denegrir-lhe a imagem. MANOEL jamais assediou YASMIN, tampouco enviou
torpedo algum à mesma, sendo as imputações feitas pela segunda desonrosas, inverídicas
e caluniosas.
Em um momento de desatenção, MANOEL deixou seu celular sobre a mesa e o sr.
RAFAEL apossou-se do mesmo e passou a manuseá-lo, aparentemente enviando
mensagens. MANOEL solicitou ao amigo a devolução de seu celular, mas não foi
atendido pelo mesmo, que, imbuído de animus jocandi, continuava a manusear o aparelho
sorridentemente.
Frente ao esclarecido, latente que, em 19/8/2010, no período da manhã, YASMIN
difamou MANOEL, imputando-lhe o envio de duas mensagens eletrônicas em seu celular
com suposto conteúdo malicioso. Ademais, acusou-o também falsamente da prática do
crime de assédio.
Não há dúvida de que YASMIN deliberadamente ofendeu a reputação de MANOEL junto
a terceiros, e o fato de serem eles sócios do escritório evidencia ainda mais o seu dolo
específico, configurando o crime de difamação previsto no art. 139 do Código Penal.
Some-se a isso que a falsa acusação de assédio feita ao querelante enseja a capitulação de
sua dolosa específica conduta no crime de calúnia, prevista no art. 138 do Código Penal."
Pelo exposto, YASMIN responde pela prática dos crimes de calúnia e difamação A defesa
de YASMIN impetrou habeas corpus, em que pretende o trancamento da ação penal por
atipicidade de conduta, tendo em vista que a paciente agiu com exclusivo animus
narrandi, estando ausente o dolo específico, necessário para caracterizar a difamação e,
consequentemente, a justa causa para a ação penal. Aduz, ainda, que YASMIN sentiu-se
constrangida com a mensagem recebida em seu telefone celular e que, por isso, entendeu
não haver mais condições de prosseguir no estágio, razão pela qual entrou em contato
com o então sócio administrador do escritório, a fim de tratar sobre sua saída, apontando
o ocorrido.
Pergunta-se: A ordem deve ser concedida? Resposta objetivamente fundamentada em, no
máximo, 15 linhas.

RESPOSTA:
Informativo n. 0472 do STJ
Período: 9 a 13 de maio de 2011.
QUEIXA-CRIME. CALÚNIA. DIFAMAÇÃO. ASSÉDIO. MENSAGENS.
CELULAR.
In casu, a paciente responde pela prática dos crimes de calúnia e difamação porque, em
20/8/2008, dirigiu-se a um dos sócios administradores do escritório de advocacia no qual
estagiava e afirmou, segundo a queixa-crime, ter-se sentido assediada, pois recebera do
querelante, o advogado que a supervisionava, dois torpedos em seu celular no dia da sua
viagem para os Estados Unidos da América, com a declaração amorosa "eu te amo".
Recebida a queixa, foi impetrado habeas corpus prévio, o qual foi denegado pelo tribunal
a quo sob o fundamento de que, de um lado, a alegação de atipicidade demandaria
deslindar o mérito da ação penal privada e, de outro, a decisão que recebeu a queixa-crime
estaria suficientemente fundamentada. No writ em questão, pretende-se o trancamento da
ação penal por atipicidade de conduta, tendo em vista que a paciente agiu com exclusivo
animus narrandi, estando ausente o dolo específico necessário para caracterizar a
difamação e, consequentemente, a justa causa para tal ação. Sustenta-se que a paciente
sentiu-se constrangida com as mensagens recebidas em seu telefone celular e que, por
isso, entendeu não haver mais condições de prosseguir no estágio, razão pela qual entrou
em contato com o então sócio administrador do escritório a fim de tratar de sua saída,
apontando o ocorrido. A Turma concedeu a ordem por entender que os fatos, conforme
narrados na queixa-crime, não são suficientes à caracterização de crime contra a honra e,
muito menos, de calúnia. Consignou-se que a paciente, sentindo-se desconfortável com
as mensagens recebidas do supervisor, tratou de pedir afastamento, exibindo as
mensagens, sem alarde, apenas para justificar a sua decisão de encerrar antecipadamente
o estágio. Registrou-se, ainda, que, para a caracterização dos crimes contra a honra, é
necessária a intenção dolosa de ofender, o que não ocorreu no caso. Assim, falta à peça
acusatória o mínimo de plausibilidade, revelando-se ausente a justa causa, condição
necessária para o recebimento da queixa-crime, nos termos do art. 395, III, do CPP.
Precedentes citados do STF: RHC 81.750-SP, DJe 10/8/2007; do STJ: RHC 15.941-PR,
DJ 1º/2/2005, e APn 347-PA, DJ 14/3/2005. HC 173.881-SP, Rel. Min. Celso Limongi
(Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 17/5/2011.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 10

Tema 10:
Crimes contra a Honra III (Injúria).
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica do crime de injúria. Bem jurídico tutelado. Sujeitos
do delito. Tipicidades objetiva e subjetiva;
b) A injúria real;
c) Semelhanças e diferenças com os outros crimes contra a honra;
d) Disposições comuns e hipóteses de exclusão do crime.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal nos crimes contra a honra.

1ª QUESTÃO:
MARDOQUEU, cientista político, em palestra com mais três amigos, chamou
ANDRELINO de canalha, desmoralizado e vagabundo.
a) Examinar se a conduta de MARDOQUEU está tipificada como crime e, na afirmativa,
qual o tipo incriminador.
b) Suponha-se que ANDRELINO, ao tomar conhecimento da ofensa vários dias depois
do fato, tenha retribuído as ofensas, na mesma medida.

RESPOSTA:
a) Tem-se na conduta de MARDOQUEU a injúria qualificada, prevista no art. 140 c/c
141, III do CP. Afirma-se que se trata de injúria, tendo em vista os pressupostos deste
delito, ou seja, uma conduta ofensiva à dignidade ou ao decoro do ofendido. A injúria
constitui ofensa menos grave porque nela não há imputação de fatos, mas vícios ou
defeitos morais.
b) O art. 140, §1º, II do CP, cuida da retorsão, que é a injúria pela injúria. A retorsão deve
ser imediata, o que não ocorreu no caso, onde a retorsão perdeu seu imediatismo. Cada
ofensor responderá por injúria.

2ª QUESTÃO:
Um Magistrado de Vara Cível, sentindo-se agredido moralmente pelos termos utilizados
por advogado de uma das partes, no arrazoado do Recurso de Apelação quanto à Ação de
Despejo antes intentada, representou criminalmente em face daquele causídico,
destacando as diversas expressões que considerou ofensivas as suas honras objetiva e
subjetiva.
a) É aqui aplicável a ritualística especial no tocante à realização da audiência de tentativa
de conciliação? Por quê?
b) A imunidade judiciária prevista no art. 142, I, do CP, derivada de preceito
constitucional é aplicável à espécie? Quais os seus efeitos?
c) Em havendo Exceção da Verdade, quais os seus limites e efeitos, bem como qual o
Órgão Julgador competente para a apreciação de recurso intentado contra a Decisão
proferida nesta?

RESPOSTA:
a) Em se tratando de crime contra a honra no qual figura como ofendido funcionário
público, sendo o fato relativo ao exercício de suas funções, o que gera a persecutio
criminis in juditio por ação penal pública condicionada à representação, inócua seria
eventual retratação por parte do autor do fato, como já previsto nos limites preconizados
pelo art. 143 do CP. Assim e diante do modelo acionário em questão, não se utiliza a
ritualística especial mencionada. Há interesse público preponderante, de forma que a
apuração do ato não está condicionada à ocorrência ou não de retratação por parte do
autor do fato. Ver Súmula 714, STF.
b) Esta imunidade judiciária, derivada do preceito constante no art. 133 da Constituição
Federal, não se aplica sempre no tocante a falsa atribuição da prática pelo Magistrado de
fatos que constituem crime, sendo certo ainda que existe entendimento jurisprudencial no
sentido de que mesmo as expressões difamatórias e injuriosas não seriam alcançadas por
aquela causa especial de exclusão de ilicitude sempre que utilizadas em Recurso de
Apelação, sendo desnecessárias para o exercício de pretensão reformatória e não estando
mais o autor ab irato. Aliás, e independentemente do ofendido constituir-se num
Magistrado, discute-se o alcance desta imunidade, mesmo no que tange à prática dos
crimes de difamação e injúria, sempre que o autor do fato houver se utilizado de
expressões num contexto em que as mesmas eram desnecessárias para o desenvolvimento
de sua pretensão.
c) Em se tratando de crime contra a honra relacionado ao exercício da função pública por
um dos seus agentes, certo é que será admitida a exceção da verdade quanto a delito de
difamação, apenas em razão do interesse que a Administração Pública tem de apurar
eventual desvio de conduta de funcionário, embora não tenha este incidente o condão de
suspensão da tramitação do feito. Já no que tange ao crime de calúnia e caracterizando-
se a apuração da verdade ou não do fato imputado verdadeira questão prejudicial
homogênea, conveniente é sobrestar-se a tramitação da Ação principal, até porque caso
seja julgado procedente a pretensão incidental, haverá a caracterização de falta de justa
causa para o prosseguimento daquela. Nesta segunda hipótese - da exceção da verdade
instaurada frente a crime de calúnia - haverá a possibilidade de apuração ampla no que
pertine a veracidade ou não do fato imputado, com a produção das provas regulares.
Existe entendimento do S.T.F., em Acórdão da lavra do Exmº. Ministro CELSO MELLO,
no sentido de que apenas a Decisão quanto à procedência ou não da Exceção da Verdade
relativa a crime de calúnia onde figura como ofendido um Magistrado, deverá caber ao
Órgão Julgador relacionado ao Foro privilegiado deste último, que, no caso vertente, vem
a ser o Órgão Especial do TJRJ. Desta forma e segunda esta orientação, da Decisão que
admite ou denega, decidindo pelo cabimento ou não, da exceção da verdade, caberia
Recurso de Apelação, nos termos do art. 593, II, do CPP, para uma das Câmaras Criminais
deste Pretório, por ser o Órgão Julgador que regularmente reaprecia, mediante
provocação recursal, as Decisões proferidas por Juízo Criminal Singular.
Contudo e considerando-se disposição constante do Regimento Interno desta Corte, além
de Decisão razoavelmente recente de uma destas Câmaras Criminais, que se julgou
incompetente, em manifestação unânime, para conhecer e julgar tal medida impugnativa,
foi a matéria encaminhada ao Egrégio Órgão Especial, que decidiu, por maioria, pelo seu
conhecimento.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 11

Tema 11:
Crimes contra a Liberdade Individual I (Constrangimento ilegal, ameaça e Tráfico
de Pessoas).
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica;
b) Conceito de liberdade pessoal e individual. Bem jurídico tutelado;
c) Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva. Dos crimes de constrangimento
ilegal e ameaça. Diferenças.
d) Alterações trazidas pela Lei n.º 13.334/16 ao crime de Tráfico de Pessoas.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
ANTÔNIO trabalha há cerca de 8 anos com o transporte alternativo de passageiros.
Apesar de um período de certa permissividade durante o qual a ausência de
regulamentação possibilitou a multiplicação dessa atividade, tão logo a Prefeitura da
cidade empreendeu uma reorganização das linhas municipais de ônibus a atividade se
tornou proibida.
O exercício do transporte de passageiros por vans passou a ficar restrito a determinadas
áreas e a trajetos muito específicos.
Ainda assim, ANTÔNIO, sem a devida autorização, prosseguiu realizando sua atividade
como se nada tivesse ocorrido.
Certo dia, durante uma blitz do DETRO (Departamento de Transportes Rodoviários do
Rio de Janeiro), ANTÔNIO foi abordado e, constatada a existência de vinte mil reais em
multas, além da realização do transporte irregular de passageiros, teve sua van apreendida
e recolhida ao depósito terceirizado do departamento.
Neste mesmo dia, ANTÔNIO, devidamente acompanhado de dois vizinhos milicianos
que estavam armados, vai ao depósito e rende os dois seguranças do local, culminando
por retirar sua van.
Os fatos foram, então, descobertos e, concluído o inquérito policial, foi ANTÔNIO
denunciado pelo Ministério Público pela prática de roubo duplamente circunstanciado
(art. 157, § 2º, II e § 2º-A, I, todos do CP).
Diante do quadro posto, deve a denúncia ser recebida nestes termos pelo Juiz?
Justifique a sua resposta.

RESPOSTA:
A resposta negativa se impõe.
Como bem ressalta a doutrina, no roubo, assim como no furto, a tutela penal se dirige ao
patrimônio sobressaindo-se o caráter econômico traduzível em pecúnia.
Ainda que não se exclua a possibilidade de que bens que possuem valor meramente moral
(de afeição) possam ser subtraídos, a nota ordinária dos delitos contra o patrimônio é a
econômica.
Disso decorre a necessidade que, em ambos os delitos, a conduta de subtrair recaia sobre
a coisa alheia: "coisa alheia quer dizer coisa de propriedade atual de outrem, esteja, ou
não, na posse direta ou imediata do proprietário".
Destarte, o fato de ser a coisa alheia e e seu caráter econômico permitem a identificação,
a mais das vezes, de uma lesão patrimonial quantificável em tais hipóteses. Decisivo,
porém, à análise da questão o fato de que a tutela penal, tanto no furto quanto no roubo
se dirigem à propriedade e não à posse, como equivocadamente alguns autores defendem.
Neste sentido esclarece Nelson Hungria:
Em que pese a opinião contrária (inadvertidamente defendida entre nós por influência de
autores italianos, afeiçoados ao direito positivo de seu país, diverso do nosso na
conceituação do furto), a incriminação, na espécie, visa, essencial ou precipuamente, à
tutela da propriedade, e não à posse. Tem-se em conta, é certo, a perda da posse, mas tão
somente porque redunda em lesão da propriedade, de que a posse é o exercício ou a
exteriorização. A posse, como mero fato, só por si, ou não, não corresponde ao direito de
propriedade, embora protegida no direito civil, não entra na configuração do furto (isto é,
no âmbito do art. 155). (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Vol. VII. Rio
de Janeiro: Edição Revista Forense, 1955, p. 15)
Focando-se a incriminação na afetação da propriedade, ainda assim, casos há onde o
delito pode se aperfeiçoar diante da posse sem que, contudo, isso tenha o condão de
mitigar a regra já lançada.
No sentido do texto:
Nada importa, por outro lado, que a coisa subtraída se achasse na posse, ainda que
legítima, de pessoa diversa do proprietário. Salvo a hipótese do possuidor a título de jus
in re ou equiparado ao dono (usufrutuário, usucapiente), a violação (exclusão) da posse
exercida por outrem que não o dominus (locatário, comodatário, administrador, credor
pignoratício, possuidor invito domino, etc.) não é considerada furto por si mesma, mas
porque, realizada com a subtração ou assenhoramento da coisa, representa lesão ao direito
do dono, ao titular da propriedade. (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal,
Vol. VII. Rio de Janeiro: Edição Revista Forense, 1955, p. 15)
Diante de tal quadro soa evidente que pertencendo a Van ao suposto autor do roubo não
há espaço a tal capitulação.
Vencida tal possibilidade cumpre afastar a ocorrência de exercício arbitrário das próprias
razões (art. 345 CP). Tal delito tem como pressuposto a existência de uma pretensão
legítima que poderia, ao menos em tese, ser satisfeita em juízo, o que não era o caso.
A pretensão era absolutamente ilegítima.
Discorre assim a doutrina:
Se a ação ou omissão, ainda que não exigível, coativamente, pode ser obtida por meio
judicial, a coação privada passa a ser o crime de exercício arbitrário das próprias razões
(art. 345), que figura entre os crimes contra a administração da justiça. (HUNGRIA,
Nelson. Comentários ao Código Penal, Vol. VI. 5ª ed. Rio de Janeiro: Edição Revista
Forense, 1980, p. 150)
Disso decorre que a conduta em questão há de se resolver como constrangimento ilegal
(art. 146 § 1º CP). Sobre tal crime assim discorre a doutrina:
Foi com a doutrina penal alemã que passou a ser devidamente conceituado, como tipo
genérico de crime contra a liberdade pessoal, o constrangimento imposto à formação e
atuação da vontade pessoal. [¿] É o crime básico contra a liberdade pessoal. É o
impedimento da liberdade de ação e inação, que vai da livre autodeterminação por
motivos próprios (autonomia da íntima formação da vontade, liberdade psíquica ou
interna) até o movimento corpóreo no mundo externo ou abstenção desse movimento
(libre atuação da vontade ou liberdade física). (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao
Código Penal, Vol. VII. Rio de Janeiro: Edição Revista Forense, 1955, p. 147 e 149)
De se ver que no Estado de Direito o limite à liberdade do homem está na lei. Outrossim,
ao constrangerem mediante grave ameaça os responsáveis pelo depósito a não reagirem
à retirada ilícita do veículo os agentes incidiram no delito em questão.
Irrelevante, pois, se estamos diante de ilegitimidade absoluta ou relativa do que a vítima
é compelida:
A lei não dá importância específica àquilo que o sujeito passivo é forçado a fazer ou
deixar de fazer, mas a imposição deve ser ilegítima, em si mesma ou pelas condições em
que se efetua. Daí a distinção entre ilegitimidade absoluta e ilegitimidade relativa
(Manzini). Dá-se a primeira quando o agente não tem faculdade alguma de impor ao
paciente a ação ou a inação (exemplos: deixar de passar numa determinada rua; restituir
o que não é devido; participar ou não de uma associação; privar-se de um distintivo; beber
aguardente; dar vivas a um clube esportivo); dá-se a segunda quando, embora ao agente
não seja vedado exigir, extra judicium, a ação ou omissão, carece, no entanto, do direito
de empregar coação (exemplo: pagamento do pretium carnis ou de dívida proveniente de
jogo). (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Vol. VII. 5ª ed. Rio de
Janeiro: Edição Revista Forense, 1980, p. 150)
Como a pretensão liberatória do veículo não poderia ser realizada da forma como os
agentes a empreenderam, isto é, sem quaisquer ônus (v.g., pagamento de multas), a
conduta se afasta do delito de exercício arbitrário das próprias razões. Há no caso concreto
dois delitos de constrangimento ilegal qualificado em concurso formal. A denúncia deve
ser recebida com base na capitulação correta restituindo-se os autos ao MP para
apresentação de proposta nos termos do art. 89 da Lei 9099/95.

2ª QUESTÃO:
AMARILDA, durante uma discussão com seu ex-namorado, disse: "venha até aqui que
eu vou cortar a sua cara com gilete", fato este presenciado por dois vizinhos da mesma.
Em razão disso, o Ministério Público ofereceu denúncia contra ela, pela prática do crime
previsto no artigo 147 do Código Penal.
A peça acusatória deve ser recebida? Por quê?

RESPOSTA:
O crime de ameaça não se tipifica quando, para a sua concretização, se espera ou se exige
um determinado comportamento da vítima. Não se reconhece a "ameaça sob condição".
Implícito está no problema proposto a existência de representação da vítima.
Despiciendas considerações a respeito.
Tratando-se de fato atípico, deve o Juiz de Direito impedir a realização de transação penal,
até porque a proposta de transação seria uma forma de exercício da ação penal, não
podendo esta ser deflagrada. A denúncia apresentada, portanto, há que ser rejeitada
porque o fato narrado evidentemente não constitui crime.
O Professor Bittencourt aceita a ameaça condicionada.

TJ/RJ: Apelação criminal nº 2003.700.030431-0 - Relator Dr. Marcus Henrique Pinto


Basílio:
Crime de ameaça - denúncia - falta de justa causa - fato atípico - rejeição momento. Para
o recebimento da denúncia se exige que a acusação esteja escorada em algum início de
prova, não sendo suficiente para a deflagração da ação penal a simples alegação da vítima
de que teria sido ameaçada com palavras, exigindo-se algum elemento de prova que
confirme o que foi por ela alegado. Outrossim, o delito de ameaça não se tipifica quando,
para a sua concretização, se espera um comportamento da vítima. Não se reconhece a
ameaça sob condição. Tratando-se de fato atípico, deve o Magistrado impedir a realização
da transação penal, eis que, não havendo crime, não há motivo para se transacionar, até
porque, na lição de Afrânio Jardim, a proposta de transação penal é uma forma de
exercício da ação penal respectiva. Sendo atípico o fato, não pode ser deflagrada a ação
penal.

*Gabarito mantido por orientação do professor responsável (Memorando n.º 217/2015)


DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 12

Tema 12:
Crimes contra a Liberdade Individual II (Sequestro, cárcere privado, redução à
condição análoga à de escravo e situações equiparadas - Lei 10.803/03).
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado;
b) Sujeitos do delito;
c) Tipicidade objetiva e subjetiva dos crimes de seqüestro, cárcere privado, redução
à condição análoga à de escravo e equiparados. Diferenças.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.
5) Crimes contra a inviolabilidade do domicílio, da correspondência e dos segredos:
a) Considerações gerais: definição e evolução histórica. Conceito de domicílio. Bem
jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva;
b) Aspectos controvertidos;
c) Concurso de crimes;
d) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
TÍCIO foi internado numa clínica psiquiátrica em razão de uma crise psicótica, por seus
familiares.
Debelada a crise e já tendo obtido condições de alta hospitalar, o internado deixou de ser
liberado em razão dos seus familiares terem alegado não possuírem condições
econômicas para o pagamento da conta de internação, condição imposta pelo gerente
daquele frenocômio para tal liberação.
Minutos após e com a chegada de policiais, cuja presença foi solicitada pelos familiares
do internado, este foi encontrado isolado em determinado compartimento da clínica,
tendo sido alegado que a justificativa para isto se devia a ter sido ele identificado como
portador de doença contagiosa.
a) Existe delito a ser identificado? Em caso afirmativo, qual?
b) Caso não houvesse o problema do pagamento da conta de internação e a não-liberação
de TÍCIO se devesse a expediente desenvolvido por um dos seus familiares com a direção
da clínica, haveria diferença para efeito de eventual tipificação penal?
c) O fato de a ausência de liberação do internado ter se verificado por poucos minutos,
caracterizaria a tentativa ou a consumação do ilícito?
d) A justificativa apresentada para a não liberação do interno, após a chegada da polícia,
se verdadeira, seria relevante?

RESPOSTA:
a) Como a administração da clínica pretende utilizar a retenção indevida do paciente para
obtenção do pagamento de uma obrigação por parte dos seus familiares, o delito a ser
reconhecido é o de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP). Há quem
entenda que seja cárcere privado.
b) Neste caso, estaria configurado o crime de cárcere privado (art. 148 do CP), figurando
como seus autores não só o familiar do internado que promoveu tal iniciativa, como
também todos os funcionários e/ou proprietários que tivessem com este se ajustado para
tal fim, desde que houvesse se desenvolvido a perda de liberdade de Tício por tempo
juridicamente relevante.
c) Como já se disse no item anterior, para que se caracterize o crime de seqüestro, a perda
da liberdade de locomoção não pode ser episódica, exigindo-se que se estabeleça por
tempo suficientemente relevante.
d) Caso fosse verdadeira a justificativa apresentada para a não-liberação do internado,
qual seja, que o mesmo, após ter superado a crise psicótica que fundamentou sua
internação, veio a contrair doença contagiosa, então haverá a exclusão da ilicitude.

2ª QUESTÃO:
MARIA, casada com CORNÉLIO, na ausência do marido, constantemente recebe na
residência do casal seu amante RICARDO. Em certa ocasião, ao chegar mais cedo do
trabalho, CORNÉLIO encontra sua esposa assustada na sala, vindo, posteriormente, a
ouvir um barulho de porta fechando em seu quarto, para lá se dirigindo, acabando por
encontrar RICARDO escondido no banheiro da suíte, prontamente o expulsando de sua
residência, mas não sendo atendido, uma vez que RICARDO afirmava que somente dali
sairia na companhia de MARIA. A polícia foi chamada e RICARDO acabou retirado do
local.
Pergunta-se:
a) A conduta de RICARDO de não atender à ordem de CORNÉLIO de se retirar de sua
residência tipifica algum crime?
b) Da mesma forma, a conduta de RICARDO de ter entrado na residência sem o
consentimento do marido tipifica algum crime?
c) Caso os amantes estivessem em um quarto de motel, o ingresso do marido, sem a
autorização do casal, tipificaria alguma infração?
d) O consentimento da vítima exclui a tipicidade ou a ilicitude?

RESPOSTA:
O crime do artigo 150 do Código Penal se tipifica quando o agente entra ou permanece
na casa alheia sem o consentimento de quem de direito. Na primeira indagação,
independente de ser apreciado o comportamento do agente de ingressar na casa com o
consentimento da amante, o simples fato de lá ter permanecido contra a vontade do dono,
isto quando instado a se retirar, já caracteriza o delito em apreciação, não podendo se
considerar justificada a conduta pelo fato de o agente ter querido permanecer ao lado da
amante.
No tocante à segunda indagação, trata-se de questão bastante controvertida na doutrina e
na jurisprudência, prevalecendo o entendimento de que não há crime quando a esposa, na
ausência do marido, permite o ingresso do amante na residência, mormente após o
advento da Carta Magna de 1988, onde a esposa é colocada em igualdade jurídica em
relação ao marido, não mais estando em regime de subordinação marital (cf. Damásio de
Jesus, CP Anotado) e haver sido descriminalizada a conduta outrora prevista no art. 240
do CP (adultério). Pode-se entender, porém, de forma diferente. Como é sabido, o delito
em exame tem como característica a clandestinidade do ingresso, ou seja, impõe-se que
o acesso seja feito oculta ou furtivamente, admitindo-se que o dissenso seja tácito, o que
ocorre quando se deduz claramente que o dono da casa é contrário à permanência de
terceiro ou de seu ingresso. A entrada do amante evidentemente ocorre desta forma oculta,
sendo evidente o dissenso do marido, devendo ser destacado que o delito tem como objeto
jurídico a liberdade privada e a paz íntima dos moradores, o que restou violado com
aquele ingresso furtivo. Ademais, exige-se para tipificação da infração apenas o chamado
dolo genérico, ou seja, a vontade de ingressar ou permanecer na casa contra a vontade de
quem de direito, sendo dispensável o antigo dolo específico, atual elemento subjetivo do
tipo para os finalistas.
Ressalte-se que o quarto do motel é considerado casa nos termos do artigo 150, § 4º, II,
do Código Penal, sendo protegido no tipo respectivo.
A doutrina tradicional leciona que o consentimento do ofendido pode ocasionar a
exclusão da ilicitude ou tipicidade conforme o caso, ocorrendo a última quando o dissenso
fizer parte do tipo, como, por exemplo, ocorre no crime de invasão de domicílio. Pode-se
entender, porém, que o consentimento do ofendido sempre acarreta a exclusão da
tipicidade, isto quando possível aquela manifestação de vontade (bem disponível, agente
capaz e consentimento anterior à conduta). Na verdade, no conceito moderno de
tipicidade, exige-se a produção de um resultado jurídico, ou seja, a ofensa ao bem jurídico
protegido. Tratando-se de bem disponível, renunciando o titular àquele direito, o
resultado jurídico exigido no moderno conceito de tipicidade não se realiza, eis que, com
a renúncia lícita, o bem jurídico não foi atacado, circunstância que impede o
reconhecimento de que o fato seria típico.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 13

Tema 13:
Furto I.
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica. Conceito de patrimônio;
b) Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito. Tipicidade objetiva e subjetiva do furto
simples;
c) O furto agravado;
d) O furto privilegiado;
e) O furto de energia.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
ALDIR, sócio do restaurante Seachegue, após sofrer com a grave crise financeira
decorrente da pandemia ocasionada pela Covid-19, decidiu realizar ligações diretas da
rede elétrica da Concessionária Restrita para seu estabelecimento comercial, sem
passagem pelo medidor de energia, a fim de minimizar os seus custos mensais, o que
efetivamente ocorreu.
Constatado o fato, ALDIR foi denunciado pelo Ministério Público
Antes do recebimento da denúncia, ALDIR quitou a dívida com a aludida concessionária,
razão pela qual pretende a extinção da punibilidade, por aplicação analógica do art. 34 da
Lei nº. 9.249/1995, que versa sobre crimes tributários.
Com base no que foi narrado, responda fundamentadamente:
a) qual foi a conduta típica praticada por ALDIR?
b) você, na qualidade de juiz, acolheria a pretensão defensiva?

Redação do art. 34 da Lei nº. 9.249/1995: "Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes
definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho
de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social,
inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia."

RESPOSTA:
a) TJRJ
APELAÇÃO 0040870-91.2015.8.19.0023
Des(a). ANTONIO CARLOS NASCIMENTO AMADO
Julgamento: 18/05/2021
TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA PELO FURTO DE
ENERGIA ELÉTRICA. ART. 155, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. DEFESA QUE
PUGNA PELA NULIDADE DO PROCESSO, EM RAZÃO DA INÉPCIA DA
DENÚNCIA. NO MÉRITO, PUGNA PELA ABSOLVIÇÃO NA FORMA DO ARTIGO
386, I E III, DO CPP, OU NA FORMA DO ART. 386, V E VII, DO CPP. Preliminar de
nulidade do processo. Inépcia que não se verifica. Denúncia que descreveu devidamente
os fatos, com todas as suas elementares e circunstâncias, bem como apontou laudo pericial
que confere justa causa à ação penal. Apelante que, consciente e voluntariamente,
subtraiu para si energia elétrica por meio de ligações diretas da rede elétrica para
seu estabelecimento comercial. Materialidade e autoria devidamente comprovadas.
Dosimetria. Exclusão, de ofício, da pena de prestação pecuniária, mantida a pena de
prestação de serviços à comunidade. Observância do artigo 44, § 2º, primeira parte, do
CP. RECURSO DESPROVIDO. Alteração DE OFÍCIO. Unânime.

b) STJ - Informativo 645- abril de 2019


RHC 101299 / RS
No caso de furto de energia elétrica mediante fraude, o adimplemento do débito
antes do recebimento da denúncia não extingue a punibilidade.
Saliente-se que são três os fundamentos para a não aplicação do instituto de extinção de
punibilidade ao crime de furto de energia elétrica em razão do adimplemento do débito
antes do recebimento da denúncia. Em primeiro lugar, seria diversa a política criminal
aplicada aos crimes contra o patrimônio e contra a ordem tributária.
O furto de energia elétrica, além de atingir a esfera individual, tem reflexos coletivos e,
não obstante seja tratado na prática como conduta sem tanta repercussão, se for analisado
sob o aspecto social, ganha conotação mais significativa, ainda mais quando considerada
a crise hidroelétrica recentemente vivida em nosso país. A intenção punitiva do Estado
nesse contexto deve estar associada à repreensão da conduta que afeta bem tão precioso
da humanidade.
Desse modo, o papel do Estado, nos casos de furto de energia elétrica, não deve estar
adstrito à intenção arrecadatória da tarifa, deve coibir ou prevenir eventual prejuízo
ao próprio abastecimento elétrico do país, que ora se reflete na ausência ou queda
do serviço público, ora no repasse, ainda que parcial, do prejuízo financeiro ao
restante dos cidadãos brasileiros.
Em segundo lugar, há impossibilidade de aplicação analógica do art. 34 da Lei n.
9.249/1995 aos crimes contra o patrimônio, porquanto existe previsão legal
específica de causa de diminuição da pena para os casos de pagamento da "dívida"
antes do recebimento da denúncia (art. 16 do Código Penal).
Destarte, ainda que se pudesse observar a existência de lacuna legal, não nos poderíamos
valer desse método integrativo, uma vez que é nítida a discrepância da ratio legis entre as
situações jurídicas apresentadas, em que uma a satisfação estatal está no pagamento da
dívida e a outra no papel preventivo do Estado, que se vê imbuído da proteção a bem
jurídico de maior relevância. Por fim, diferentemente do imposto, a tarifa ou preço
público tem tratamento legislativo diverso.
A jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza jurídica da remuneração pela
prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por
concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter tributário.

2ª QUESTÃO:
FERNANDA foi contratada por ANISE para prestar serviços domésticos em sua casa.
No período compreendido entre os meses de fevereiro e março de 2011, FERNANDA
subtraiu 03 (três) cartões de débito, 01 (um) cartão de crédito, 01 (um) documento de
identidade e 01 (um) cartão de CPF, todos de propriedade de ANISE.
Todos esses bens subtraídos por FERNANDA foram retirados da bolsa de ANISE e
escondidos em uma bolsa guardada por FERNANDA no cômodo onde ela se vestia.
Ocorre que, em um determinado dia do mês de abril de 2011, ANISE sentiu falta dos
objetos subtraídos, ocasião em que questionou FERNANDA sobre eles e esta, muito
nervosa, disse não ter conhecimento dos cartões e dos documentos.
Inconformada com a resposta, ANISE pediu para que FERNANDA abrisse a bolsa que
guardava no cômodo onde ela se vestia. Tão logo FERNANDA abriu a mencionada bolsa,
ANISE logrou verificar que todos os objetos subtraídos estavam em seu interior. Desse
modo, ANISE recuperou imediatamente todos aqueles bens.
Por tais fatos, o Ministério Público denunciou FERNANDA por violação às normas
contidas no artigo 155, parágrafo 4º, inciso II c/c artigo 14, inciso II, todos do Código
Penal.
Em sua defesa, FERNANDA pretende o reconhecimento da atipicidade de sua conduta
com base na aplicação do princípio da insignificância, assim como pelo fato de os objetos
furtados não possuem valor econômico, pois o delito de furto pressupõe a subtração de
bens apreciáveis economicamente. Subsidiariamente, FERNANDA pugna pela aplicação
do § 2º do artigo 155 do Código Penal.
Você, na qualidade de juiz, como decidiria? Fundamente a sua resposta.
(*) Enunciado alterado em razão do RDA n.º 44

RESPOSTA:
Processo: AgRg no AREsp 471997 / ES AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL 2014/0031174-8
Relator(a): Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150)
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento: 22/05/2014
Data da Publicação/Fonte: DJe 02/06/2014
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
PENAL. FURTO QUALIFICADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO VERIFICAÇÃO.
DINÂMICA DELITIVA DEVIDAMENTE NARRADA. AMPLA DEFESA
ASSEGURADA. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
OU DA MODALIDADE PRIVILEGIADA. NÃO CABIMENTO. SUBTRAÇÃO
MEDIANTE ABUSO DE CONFIANÇA. AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA.
IMPOSSIBILIDADE. TESE QUE DEMANDA O REEXAME DE PROVAS. SÚMULA
7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS.
1. Tendo a denúncia relatado de forma clara a conduta perpetrada, descrevendo como
teria acontecido a dinâmica do crime e em que circunstâncias os fatos ocorreram, tem-se
assegurado o perfeito exercício do direito de defesa, não podendo, assim, ser apontada
como inepta a inicial acusatória.
2. Ademais, com a prolação de sentença condenatória, em que é realizado um juízo de
cognição mais amplo, perde relevo a discussão acerca de eventual inépcia da denúncia.
Precedentes.
3. A subtração de aparelho celular, mediante abuso de confiança da empresa na qual
trabalhava o agente, denota maior reprovabilidade da conduta, devendo, portanto, ser
sopesada para fins de aplicação do princípio da insignificância.
4. Para se afastar a qualificadora, por suposta carência de provas, seria imprescindível o
reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado pela Súmula
7/STJ. Precedentes.
5. Não obstante a primariedade do acusado, o abuso de confiança é qualificadora de
caráter subjetivo, o que inviabiliza a modalidade privilegiada do furto. Precedentes.
6. Agravo regimental a que se nega provimento.

TJRJ
Processo No: 0010153-06.2011.8.19.0066
Classe: APELACAO
Assunto: Furto Qualificado / Crimes contra o Patrimônio / DIREITO PENAL
Concurso Material / Aplicação da Pena / Parte Geral / DIREITO PENAL
Órgão Julgador: PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL
Relator: DES. MARCUS HENRIQUE PINTO BASILIO
Revisor: DES. ANTONIO JAYME BOENTE
APTE: MINISTERIO PUBLICO
APDO: FERNANDA APARECIDA RAMOS SILVEIRA NUNES

VOTO: "Não merecem provimento os presentes Embargos Infringentes. Em que pese a


profunda sapiência jurídica do douto Desembargador prolator do voto vencido, entendo
estar com razão a douta maioria dos membros daquela Câmara.
No presente recurso ataca-se, basicamente, a tipicidade ou não do furto de cartões
de crédito e débito.
É de sabença geral que tal posicionamento não se encontra pacificado em nossa
jurisprudência. Alterando posicionamento por mim já esposado anteriormente, e
reconhecendo o conhecimento e descortino jurídico dos que têm entendimento
diverso, posiciono-me no sentido de que existe tipicidade na conduta perpetrada pela
embargante.
O alegado princípio da insignificância, segundo os precedentes de nossas Cortes
Superiores, é um conceito que reúne quatro condições essenciais para ser aplicado: a
mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão
provocada.
Em resumo, o conceito do princípio da insignificância é o de que a conduta praticada pelo
agente atinge de forma tão ínfima o valor tutelado pela norma que não se justifica a
repressão, o que não é a hipótese dos autos.
Isso porque a coisa subtraída e recepcionada pelo apelante (cartões de crédito e
débito), considerando sua situação econômica, não pode ser classificada como
bagatela, até porque, se ela assim o fosse, este fatalmente não teria se lançado a
colocar em risco a sua liberdade em troca de coisa insignificante. Além do mais,
ainda que se considerasse pequeno o valor da res furtada, o crime não foi
inexpressivo, na medida em que gerou uma significativa lesão ao bem jurídico
tutelado. Seu valor intrínseco, motivou, inclusive, o delito.
Impende destacar, conforme brilhantemente pontuado pelo i. Desembargador prolator do
voto vencedor, que a consumação do crime não se deu porque a ré "teria tentado por seis
vezes desbloquear o cartão por ela subtraído, somente não conseguindo porque não
dispunha de seus dados pessoais (da vítima)".
O Direito deve moldar-se às evoluções sociais, já que reflete, em última análise, o
conceito de justiça existente em determinado grupo social.
É certo que hoje em dia todas as pessoas lançam mão do uso de cartões de crédito e débito
para o pagamento de suas contas e compras. Com a (infelizmente) crescente sensação de
insegurança a que são submetidos nossos concidadãos, cada vez menos se utiliza do
dinheiro em espécie, exatamente pela maior segurança que as transações eletrônicas
utilizando-se os cartões de plástico oferecem a quem delas lança mão e pela dificuldade
de uso imposta a quem eventualmente deles se apropria indevidamente (conhecimento de
senha, biometria, etc.). Caso, aliás, dos autos.
Recente pesquisa publicada pela Associação Brasileira das Empresas de Cartões de
Crédito e Serviços (Abecs) apontou que, no comércio, as transações com cartão de crédito
e débito já representam 58% do faturamento do setor. Tal porcentagem de utilização é
ainda maior nos maiores centros econômicos do país, em especial em nossa região
Sudeste. Fica clara, então, a valoração econômica do bem subtraído pelo acusado.
É também de se ressaltar que o princípio da bagatela ou da insignificância não é causa de
exclusão de tipicidade prevista em lei, mas simples construção jurisprudencial e
doutrinária, devendo ser considerado com a devida cautela e bom senso, a fim de que a
sua utilização ou emprego desenfreado e extemporâneo não passe a representar indevidas
absolvições.
Ora, o que é bagatela para uns não é insignificante para outros. Assim é porque o valor
da coisa, com vistas à identificação da bagatela, deve ser aquilatado não a partir do
patrimônio do lesado, mas sim do patrimônio do autor da violação da lei, vale dizer, do
autor do furto, a importância e utilidade do bem subtraído.
Não se deve descurar, ainda, que a Lei Penal Brasileira pune a violação do patrimônio
alheio, através do furto, qualquer que seja o valor da coisa subtraída e expressamente
afasta a adoção do decantado princípio da insignificância. Para a constatação destas
afirmações, basta que se examine a figura penal do furto privilegiado, prevista no § 2º do
artigo 155 do Código Penal, pelo qual não é admitida a absolvição do agente, mas, tão
somente, permitida a substituição da pena de reclusão por uma outra menos grave.
Neste sentido, inclusive, já se posicionou esta E. Câmara:
APELAÇÃO - CRIME DE FURTO TENTADO - SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO
SUMÁRIA PELO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APELO MINISTERIAL - O
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA NÃO PASSA DE MERA
CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA ACOLHIDA POR ALGUMA JURISPRUDÊNCIA, MAS
SEM QUALQUER RESPALDO NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA - ACOLHER-SE TAL
PRINCÍPIO ESTAR-SE-IA NEGANDO VIGÊNCIA AO § 2º DO ARTIGO 155 DO
CÓDIGO PENAL E AUTORIZANDO INDIVÍDUOS DESQUALIFICADOS A
PRATICAREM SUCESSIVOS FURTOS DE PEQUENO VALOR, SEMPRE NA
CERTEZA DA IMPUNIDADE - (¿) DES. ANTONIO JOSE FERREIRA CARVALHO -
Julgamento: 17/05/2011 - SEGUNDA CAMARA CRIMINAL 123589-75.2010.8.19.0001
APELAÇÃO. Artigo 155, caput, c/c artigo 14, II, ambos do Código Penal. Absolvição
sumária, fundada no princípio da bagatela, diante o pequeno valor dos bens furtados. ...
Absolvição sumária que não se sustenta, incorrendo a digna Autoridade Judiciária em
error in judicando, por se tratar de conduta penalmente relevante e ofensiva, prevista no
tipo penal descrito no artigo 155 do Código Penal. Por isso que, mesmo de pequena
monta, houve potencialidade lesiva na diminuição patrimonial da empresa lesada, a qual
não se pode considerar insignificante, até porque aceitar essa tese irrestritamente seria
dar chance a qualquer pessoa para se valer de tal princípio para cometer pequenos
furtos, incentivando condutas que atentariam contra a ordem social e a segurança da
coletividade. (¿) Recurso provido DES. KATIA JANGUTTA - Julgamento: 14/12/2010 -
SEGUNDA CAMARA CRIMINAL 0011061-98.2010.8.19.0001
Caso se procedesse ao reconhecimento da atipicidade no caso concreto, esta somente teria
o alcance de incentivar o recorrente e a muitos outros ao cometimento de infindável
número de furtos semelhantes, na certeza de que nada acontecerá a eles, ou que, então,
serão beneficiados quando da imposição da sanção.
Resta cristalino, portanto, que os bens subtraídos possuem valor econômico intrínseco,
não só pelo que podem comprar, mas pelo fato de o consumidor pagar por eles anuidade.
Ora, se são cobrados, geraram dispêndio e portanto, têm valor econômico aquilatável.
Neste sentido, vale traze a colação Acórdão desta Corte em caso análogo:
QUARTA CAMARA CRIMINAL
DES. GIZELDA LEITAO TEIXEIRA
Julgamento: 10/08/2010 - FURTO DE CARTÕES DE CRÉDITO E CARTÃO BANCÁRIO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA OU DA BAGATELA. NÃO APLICAÇÃO.
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - Art. 155, § 4º, IV do CP -
Embargante, em comunhão de ações e desígnios com adolescente, concorreu eficazmente
para o crime de furto praticado por esta, uma vez que, no interior da loja, desviou a
atenção da vítima, viabilizando que a menor subtraísse a bolsa, uma carteira de couro,
documentos pessoais e cartões de crédito. Sentença que o condenou a 02 anos e 10 meses
de reclusão e 19 dias-multa, regime semiaberto. Acórdão da 8ª Câmara Criminal que,
por maioria, deu parcial provimento ao apelo e reduziu a pena para 02 anos de reclusão
e 10 dias-multa, substituindo a pena privativa por 02 restritivas de direitos. Voto vencido
do E. Des. Gilmar Augusto Teixeira que absolvia o ora embargante. - Embargos
Infringentes e de Nulidade que objetiva fazer prevalecer o voto vencido. - O pleito
perseguido nos presentes Embargos Infringentes não merece prosperar: para a
incidência do princípio da insignificância, ou da bagatela como querem outros, além da
aferição dos bens furtados, também deve ser considerado o desvalor da conduta da
agente, altamente reprovável. - Ademais, no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio
da insignificância não pode ser invocado para afastar a tipicidade. - Como bem
fundamentado no voto vencedor: ".cartões de crédito e cartão bancário, se subtraídos,
acarretam inúmeros transtornos ao proprietário que é obrigado a cancelá-los e aguardar
dias para receber novos, ficando impossibilitado de realizar transações com os mesmos.
Além disso, aquele que os subtrai pode vendê-los por valor significativo aos
estelionatários, que lucrarão com sua utilização fraudulenta, Assim, não se pode afirmar
que sejam bens insignificantes." - Portanto, deve ser considerada, antes de mais nada, a
finalidade de tutela dos bens jurídicos mais relevantes atribuída ao Direito Penal, não
sendo difícil imaginar como ficaria o patrimônio das pessoas se o Poder Judiciário
declarasse a atipicidade de todos os furtos de tais gêneros. - Manutenção do voto
majoritário - EMBARGOS REJEITADOS.
Ementário: 23/2010 - N. 5 - 15/12/2010 Precedente Citado: TJRJ ApCrim
2008.050.05364, Rel. Des. Antonio José Carvalho, julgado em17/02/2009; Ap Crim
2008.050.04344, Rel. Des. Marco Aurélio Bellizzi, julgado em 30/10/2008 e ApCrim
2009.050.07488, Rel. Des. Guaraci de Campos Vianna, julgado em 09/02/2010
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 14

Tema 14:
Furto II.
1) O furto qualificado:
a) Tipicidade objetiva e subjetiva;
b) Espécies;
c) O furto de coisa comum.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
RODRIGO foi designado como tesoureiro, responsável pelo departamento financeiro e
de compras da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro.
De posse das senhas das contas da administração e investimentos, fornecidas pela
diretoria, bem como do aparelho Token, que lhe permitia acessar e movimentar, com
segurança, todas as contas pelo sistema Internet-Bankline, RODRIGO passou a realizar
transferências ilícitas das contas da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de
Janeiro para contas-correntes de terceiros, pessoas físicas e jurídicas.
Para evitar qualquer alarde da diretoria da entidade vítima e com o objetivo de ocultar as
transferências ilícitas, RODRIGO falsificava os extratos bancários reais das referidas
contas, acessando, para tanto, o site da instituição financeira, selecionando todo o extrato,
copiando-o, na sequência, colando-o no programa Word e apagando os registros nos quais
apareciam as transferências ilegais, atualizando o saldo, já com todas as alterações.
Ato contínuo, imprimia o extrato, enviando-o ao contador responsável, para que fosse
elaborado o balancete mensal que era enviado para a diretoria da Associação dos
Magistrados do Estado do Rio de Janeiro. Com isso, no período pouco superior a um ano,
RODRIGO adquiriu, mediante as transferências ilícitas on-line provenientes das contas
da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, um enorme patrimônio,
consubstanciado em bens móveis, como veículos de luxo, lanchas, e bens imóveis, como
casas, flats e bangalô, neste e em outros municípios do Estado de Goiás. Além disso,
pagou inúmeras contas de altos valores, que variavam de R$ 7.000,00 (sete mil reais) a
R$ 10.000,00 (dez mil reais) referentes a "noitadas" em casas de shows que frequentava
na companhia de amigos.
Em razão dos fatos narrados, o Ministério Público denunciou RODRIGO como incurso
nas penas do art. 155, § 4º, II, do CP.
A defesa de RODRIGO não contestou os fatos narrados na inicial, mas afirma que a
conduta praticada por ele se amolda ao crime previsto no art. 168 do Código Penal, e
subsidiariamente ao art. 171 do Código Penal.
Você, na qualidade de juiz, como decidiria? Fundamente a sua resposta.

RESPOSTA:
STJ
Processo AgRg no AREsp 1383669 / GO
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2018/0278254-
6
Relator(a) Ministro RIBEIRO DANTAS (1181)
Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento 21/03/2019
Data da Publicação/Fonte DJe 27/03/2019
Ementa PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO. SUSPEIÇÃO DO JUIZ
SENTENCIANTE. NÃO OCORRÊNCIA. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA
O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA OU ESTELIONATO. NÃO CABIMENTO.
ATIPICIDADE DA CONDUTA EM RELAÇÃO AO SEGUNDO AGRAVANTE.
REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA
7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.
DOSIMETRIA DA PENA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO
IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Conforme entendimento desta Corte Superior, "Para que se alterem as conclusões a
que chegou a eg. Corte estadual a respeito da suspeição do magistrado sentenciante, é
indispensável reingresso no conjunto probatório, de modo que se verifiquem as balizas
fáticas a partir das quais a eg. Corte a quo firmou o seu entendimento, providência
inviável em sede de recurso especial, a teor do enunciado sumular n. 7 desta Corte."
(AgRg no AgRg no AREsp 831.174/SP, Min. Rel. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,
DJe 19/10/2016).
2. Ademais, não se constata a alegada parcialidade do juiz sentenciante, porquanto não
era ele, à época, associado da ASMEGO, cujo patrimônio teria sido, ao que consta, lesado.
3. Tendo as instâncias ordinárias concluído pela ocorrência de crime de furto qualificado,
inviável na seara do recurso especial infirmar tal conclusão, pois seria necessário o
reexame de fatos e provas, providência incabível. Incidência da Súmula 7 deste Superior
Tribunal de Justiça.
4. Impossibilidade de reconhecimento da atipicidade da conduta em relação ao segundo
agravante, na medida em que, segundo se verifica do acórdão recorrido, conforme
confissão do corréu e a prova testemunhal, ele tinha conhecimento da ilicitude da conduta,
e sua participação foi fundamental para a consecução do delito, na medida em que
emprestou uma conta bancária em seu nome, com cartões, senha, e talões de cheque
rubricados. Ele, inclusive, usufruiu do produto do crime, não sendo possível afastar, em
relação a ele, o dolo na conduta. Da mesma forma, nesse contexto, a alteração do julgado,
no sentido de absolver o réu em razão da alegada atipicidade da conduta, tal como
pretendido, implicaria necessariamente o reexame do material fático-probatório dos
autos, providência inviável nesta sede recursal (Súmula 7/STJ).
5. Nos termos do disposto nos arts. 1.029, § 1º, do CPC e 255, § 1º, do RISTJ, caberia ao
recorrente a realização do devido cotejo analítico para demonstrar a similitude fática entre
os julgados confrontados, mediante a transcrição dos "trechos dos acórdãos que
configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem
os casos confrontados", requisito não cumprido na hipótese dos autos.
6. Como é cediço, a individualização da pena é uma atividade em que o julgador está
vinculado a parâmetros abstratamente cominados pelo legislador, sendo-lhe permitido,
entretanto, atuar discricionariamente na escolha da sanção penal aplicável ao caso
concreto, após o exame percuciente dos elementos do delito, e em decisão motivada.
Destarte, cabe às Cortes Superiores, apenas, o controle de legalidade e da
constitucionalidade dos critérios utilizados no cálculo da pena.
7. No que se refere às circunstâncias do delito, essas possuem relação com o modus
operandi veiculado no evento criminoso. Desse modo, conclui-se que a referida vetorial
foi devidamente valorada na fixação da sanção básica do crime, haja vista que se baseou
em dado concreto, diante do abuso de confiança e da fraude, tendo o juiz sentenciante
utilizado de tais fundamentos para elevar a pena-base, enquanto o concurso de agentes
serviu para qualificar o crime, não havendo, portanto, bis in idem. Precedentes.
8. Em relação às consequências do delito, essas foram consideradas desfavoráveis em
face do elevado prejuízo patrimonial, legitimando, portanto, o aumento operado na pena-
base. Precedentes.
9. Agravo regimental a que se nega provimento. Acórdão Vistos, relatados e discutidos
os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma
do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo
regimental.
Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da
Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.

Trechos do acórdão: Ao contrário do que alega a defesa técnica, o delito não pode ser
desclassificado para estelionato, porquanto a vítima não entregou de forma voluntária o
dinheiro para o réu, pois os valores achavam-se depositados nas contas 05786-1 (Clubes);
5840-6 (Pousadas); 0596-9 (Administração-Movimento) e 05780-4 (Serviço de Proteção
à Saúde - SPS), todas daquela Associação de Classe e pertencentes à agência 4422, do
Banco Itaú. O apelante Rodrigo a ludibriou desde o início sem que ela percebesse, quando
mascarou a subtração dos valores no controle contábil.
[...]
Em momento algum o apelante Rodrigo tivera a posse do dinheiro subtraído, elementar
do delito de estelionato, porquanto o valor encontrava-se depositado no Banco Itaú.
[...]
Inegável, portanto, que a fraude utilizada pelo apelante teve o intuito de burlar a vigilância
da vítima e dificultar a percepção dela sobre a subtração da res furtiva. Essa conduta
contém as elementares do crime de furto qualificado pelo abuso de confiança e pela
fraude, descritas no artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal.
Nesse diapasão, impossível é a desclassificação para o crime de estelionato (art. 171 do
CP).
Com relação ao pedido de desclassificação do delito para o crime de apropriação indébita,
tenho que, do mesmo modo, não merece prosperar, uma vez que o montante subtraído
não estava na posse do réu, nem sob sua detenção, mas sim guardado nas contas correntes
da instituição financeira.
O numerário pertencente à Associação de Classe não foi entregue ao apelante, para que
este o devolvesse posteriormente, e nem poderia dele dispor de qualquer forma. Apenas
e tão somente, em razão do cargo que ocupava, detinha a posse do dispositivo
denominado 'Token', que lhe permitia efetuar transações financeiras nas contas correntes,
as quais, porém, deveriam ser precedidas de autorização dos dirigentes da ASMEGO. A
despeito disso, proveitando-se da confiança, em decorrência da relação empregatícia, o
réu subtraiu quantia de R$ 2.768.506,89 (dois milhões, setecentos e sessenta e oito mil,
quinhentos e seis reais e sete centavos) que estavam depositados nas contas correntes de
titularidade da Associação.
E ainda que se pudesse discutir sobre a existência de posse ou detenção, no caso concreto,
o crime de apropriação indébita seria afastado, pois a caracterização do delito de
apropriação indébita requer que o dolo do agente seja posterior à posse ou detenção
legítimas da coisa.
Na hipótese dos autos, a confissão do réu não deixa dúvidas de que a intenção de
assenhorear-se do dinheiro precedeu o momento em que, de fato, veio a apossar-se dos
valores. [...]
Nesse ínterim, evidente, portanto, que o dolo do apelante precedeu ao apossamento do
dinheiro, de sorte que, não há como se acolher a tese desclassificatória esboçada pela
Defesa, de furto para apropriação indébita, [...].'
O Tribunal de origem, após exame acurado dos fatos, asseverou que a conduta dos
recorrentes se enquadra no tipo penal previsto no art. 155, § 4º, do CP, inferindo não ser
possível a desclassificação do delito para aqueles constantes dos arts. 168 e 171 do CP.
Desse modo, o acolhimento do inconformismo, segundo as alegações vertidas nas razões
do especial, também demanda o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos,
situação vedada pela Súmula 7 do STJ.

2ª QUESTÃO:
(QUESTÃO RETIRADA DA PROVA PRELIMINAR DO XXXV CONCURSO
PARA INGRESSO NA CLASSE INICIAL DA CARREIRA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - aplicada em 20/05/2018)
Alberto, réu em ação penal por crime de tráfico de drogas, após haver respondido a todo
o processo preso preventivamente, obteve, na sentença, a desclassificação da imputação
para o delito de posse de drogas para consumo pessoal.
Considerando que o tempo da prisão cautelar seria mais que suficiente para compensar
eventual condenação, o juiz extinguiu a punibilidade do fato, reconhecendo a detração
penal analógica virtual.
Publicada a sentença, as partes não interpuseram recurso, operando-se seu trânsito em
julgado.
Decorridos dois anos, Alberto subtrai para si, às duas horas da madrugada, em concurso
de ações e desígnios com um adolescente, mediante explosão de caixa eletrônica instalada
em uma padaria, cuja porta arrombou, a importância de R$650,00 (seiscentos e cinquenta
reais).
Pergunta-se:
a) qual a adequação típica do fato?
b) qual seria a resposta, caso a importância subtraída fosse de R$3.000,00 (três mil reais)?
c) qual seria a resposta, caso Alberto e o adolescente, na hipótese original, fossem detidos
em flagrante por policiais, ainda na posse do dinheiro subtraído, assim que deixassem a
padaria?
d) qual seria a resposta, caso o equipamento avariado pela explosão estivesse sem
dinheiro?
Resposta objetivamente fundamentada.

RESPOSTA:
a) Furto qualificado pelo emprego de explosivo, com o aumento do repouso noturno e a
incidência do privilégio, considerando que o agente é primário e o valor subtraído é
pequeno (inferior a um salário mínimo), além de corrupção de menores (CP, art. 155,
§§1º, 2º e 4º-A, e art. 244-B do ECA). Incidência do Enunciado de Súmula 511 do STJ.
b) A mesma resposta, apenas com a exclusão do privilégio.
c) A resposta é a mesma, pois houve a inversão da posse, conforme Enunciado de Súmula
582 do STJ, cujos fundamentos também se aplicam ao furto.
d) Em relação ao furto, haveria crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto
material (CP, art. 17). Desaparecido o crime fim, Alberto responderia pelo crime meio,
isto é, explosão circunstanciada (CP, art. 251, §2º).
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 15

Tema 15:
Roubo I.
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva do roubo próprio. Formas de violência;
b) Tipicidade objetiva e subjetiva do roubo impróprio. A controvérsia quanto à
possibilidade da tentativa.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
MÁRIO ingressa numa residência, durante uma festa, e dirige-se ao quarto de CAIO,
dono da casa, onde estão guardadas várias jóias. Localiza-as, acomoda todas numa bolsa
e, ao se retirar do quarto se surpreende com a chegada de CAIO, que o impede de sair.
MÁRIO, então, ameaça CAIO com um revólver que trazia, para qualquer eventualidade,
e foge com as jóias.
Pergunta-se:
a) Qual o crime praticado por MÁRIO?
b) Seria possível a tentativa, neste caso?
c) Quantos crimes haveria se as jóias pertencessem a três pessoas?
d) E se não houvesse nenhuma jóia guardada no quarto porque CAIO, naquela mesma
noite, já tivesse sido subtraído por outra pessoa?
e) E se MÁRIO tivesse ingressado na casa anunciando com o revólver o roubo, haveria
alteração na tipificação?
f) E se MÁRIO não tivesse sido surpreendido por CAIO no quarto, mas sim numa esquina
de rua próxima, já depois de ter saído da residência calmamente, quando então, CAIO
reconhecendo as suas jóias, interpelasse MÁRIO, momento em que vem a ser agredido
por este?

RESPOSTA:
a) Roubo impróprio consumado.
b) A doutrina diverge quanto à possibilidade de tentativa. Considerando o momento
consumativo com o emprego da violência, não cabe tentativa. Considerando o momento
consumativo o emprego da violência e a retirada da coisa, caberia tentativa.
c) A matéria é controvertida. Se este fato não entrasse na esfera de conhecimento do
agente, haveria um crime só. Se houver conhecimento e dolo poderia se falar em crime
continuado. Há ainda quem entenda se tratar de concurso formal.
d) Duas são as soluções possíveis no caso de vítima sem qualquer objeto de valor:
1) crime impossível (art. 17, CP), podendo configurar o delito subsidiário de
constrangimento ilegal ou lesão corporal, pois a tutela aqui é patrimonial. Sem lesão
possível ao patrimônio, não há crime (posição, dentre outros, de Rogério Greco e
Fernando Capez);
2) tentativa, pois se trata de delito complexo e, realizada violência ou grave ameaça, o
agente já terá aí realizado atos de execução, configurando assim a hipótese do art. 14, II,
CP (posição de Cezar R. Bitencourt).
e) Se a violência é empregada antes ou durante a subtração o crime é de roubo próprio.
f) Havendo a consumação da subtração e posterior violência, não se deve considerar
roubo, mas dois crimes: furto e lesão corporal.
- Mencionar que há muito julgados com posicionamentos diferentes na matéria.
- Mencionar o caso do roubo a ônibus, onde a jurisprudência majoritária entende tratar-
se de concurso formal.

2ª QUESTÃO:
AUGUSTO, pretendendo roubar um automóvel, procura seu amigo JOSÉ e pede sua
ajuda. JOSÉ se recusa a acompanhar AUGUSTO na conduta de subtração, mas oferece a
garagem de sua casa para que o veículo seja ocultado. Ante essa promessa, AUGUSTO
subtrai um automóvel e, quando chega a casa de JOSÉ, este se diz impossibilitado de
cumprir o prometido porque seu pai havia estacionado seu automóvel na garagem
oferecida.
Na qualidade de Promotor de Justiça defina penalmente as condutas de AUGUSTO e
JOSÉ.
RESPOSTA OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA.

RESPOSTA:
Augusto comete roubo, ao passo que José é partícipe no crime de Augusto. Ainda que sua
participação material não tenha se efetivado, sua conduta foi determinante para a
ocorrência do delito. Deste modo, ínsito à participação material prometida, há uma
participação moral.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 16

Tema 16:
Roubo II.
1) O roubo circunstanciado. Espécies.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
No dia 05 de novembro de 2018, THOMAS dirigiu-se ao caixa eletrônico localizado no
interior da agência do Banco Santo André, na Rua da Assembleia, quando DANIEL se
aproximou e lhe mostrou uma faca, ordenando que THOMAS lhe entregasse seu telefone
celular, um iPhone 8.
Após a entrega do referido bem, DANIEL saiu do local andando tranquilamente, indo em
direção à Rua Uruguaiana e, quando estava próximo à Rua da Carioca, foi interceptado
por policiais militares que realizaram uma revista pessoal e lograram encontrar DANIEL
na posse da res furtiva e da faca utilizada no crime.
Em razão desses fatos, DANIEL foi denunciado pelo Ministério Público e posteriormente
condenado à pena de 4 anos e 9 meses de reclusão, mais o pagamento de 10 dias-multa,
em razão da prática da conduta tipificada no art. 157, caput, do Código Penal.
A defesa de DANIEL apresentou recurso de apelação, no qual impugna apenas a
exasperação da pena decorrente do uso da faca, uma vez que a prática delituosa ocorreu
após a entrada em vigor da Lei nº 13.654/2018.
Diante do caso narrado, a pretensão recursal deverá ser provida? Fundamente a sua
resposta.

RESPOSTA:
STJ (Informativo 668 -abril de 2020)
Processo: HC 556629 / RJ
HABEAS CORPUS 2020/0003064-2
Relator(a): Ministro RIBEIRO DANTAS (1181)
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento: 03/03/2020

Nos caso em que se aplica a Lei n. 13.654/2018, é possível a valoração do emprego de


arma branca, no crime de roubo, como circunstância judicial desabonadora.
Após a revogação do inciso I do artigo 157 do CP pela Lei n. 13.654, de 23 de abril de
2018, o emprego de arma branca no crime de roubo deixou de ser considerado como
majorante, a justificar o incremento da reprimenda na terceira fase do cálculo dosimétrico,
sendo, porém, plenamente possível a sua valoração como circunstância judicial
desabonadora.
Nesse sentido: "[...] embora o emprego de arma branca não se subsuma mais a qualquer
uma das majorantes do crime de roubo, pode eventualmente ser valorado como
circunstância judicial desabonadora pelas instâncias ordinárias" (AgRg no AREsp n.
1.351.373/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em
12.2.2019, DJe 19.2.2019)".

Trechos do acórdão: A individualização da pena é submetida aos elementos de


convicção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes Superiores
apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, a fim
de evitar eventuais arbitrariedades.
Assim, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das circunstâncias judiciais e os critérios
concretos de individualização da pena mostram-se inadequados à estreita via do habeas
corpus, por exigirem revolvimento probatório.
Inicialmente, cumpre ressaltar que, com o advento da Lei n. 13.654, de 23 de abril de
2018, que revogou o inciso I do artigo 157 do CP, o emprego de arma branca no crime de
roubo deixou de ser considerado como majorante, a justificar o incremento da reprimenda
na terceira fase do cálculo dosimétrico, sendo, porém, plenamente possível a sua
valoração como circunstância judicial desabonadora, nos moldes do reconhecido no
acórdão ora impugnado.
(...)
Na hipótese, conforme se observa, a Corte Estadual, ao reformar a sentença condenatória,
exasperou a pena-base em 1/4, analisando como circunstância judicial desfavorável a
utilização de faca na empreitada criminosa, de modo a impingir maior temor à vítima,
diminuindo a chance de reação. Ressalta-se que por ocasião do julgamento já havia
entrado em vigor a Lei 13.654/2018, que revogou expressamente o inciso I do § 2º do art.
157 do Código Penal.
Nesse contexto, não se constata nenhuma ilegalidade na consideração do emprego de
arma como circunstância judicial desfavorável.

2ª QUESTÃO:
ANDRÉ, em um domingo de manhã, mediante grave ameaça exercida com emprego de
arma de fogo - um revólver Taurus de calibre 38 -, subtraiu para si um veículo Fiat Palio,
um aparelho celular, bem como a quantia de R$ 120,00 (cento e vinte reais) de
BÁRBARA, que estava sozinha no automóvel.
ANDRÉ foi preso em flagrante, logo após testemunhas escutarem o barulho de um tiro
dado por ANDRÉ para o alto, que ocorreu segundos antes da subtração. A arma não foi
apreendida.
Ouvida, ainda extraoficialmente, pelos policiais, a vítima mostrou-se muitíssimo abalada
e disse que achou que morreria - dada a agressividade da abordagem.
Diante das circunstâncias apresentadas:
a) tipifique a conduta delituosa praticada por ANDRÉ;
b) a tipificação penal se manteria caso a arma de fogo fosse apreendida, periciada e
constatada a inaptidão para realização de disparos?
Fundamente as suas respostas.

RESPOSTA:
a) STJ
Processo: AgRg no HC 618879 / SP
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 2020/0269218-4
Relator(a): Ministra LAURITA VAZ (1120)
Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA
Data do Julgamento: 06/04/2021
Data da Publicação/Fonte: DJe 15/04/2021
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.
ROUBO MAJORADO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. VIA INADEQUADA. PEDIDO
DE EXCLUSÃO DA MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA DE FOGO EM
RAZÃO DA AUSÊNCIA DE APREENSÃO E PERÍCIA DO OBJETO.
PRESCINDIBILIDADE. OUTROS ELEMENTOS DE PROVA SÃO SUFICIENTES
PARA DEMONSTRAR A UTILIZAÇÃO DA ARMA. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que o "habeas
corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente,
em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável
na via eleita" (AgRg no HC 462.030/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA
TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 13/03/2020).
2. A Terceira Seção do STJ "firmou o entendimento de que é despicienda a
apreensão e a perícia da arma de fogo, para a incidência da majorante do § 2º-A, I,
do art. 157 do CP, quando existirem, nos autos, outros elementos de prova que
evidenciem a sua utilização no roubo [...]" (HC 606.493/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO
DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2020, DJe 21/09/2020), como
ocorreu na hipótese, pois há prova testemunhal e imagens de câmera de segurança
que evidenciam o uso do artefato pelo Agravante.
3. Agravo regimental desprovido.

b) STJ
Processo HC 449697 / SP
HABEAS CORPUS 2018/0111456-1
Relator(a): Ministro FELIX FISCHER (1109)
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento: 21/06/2018
(...)
II - Para a configuração do crime de roubo, é necessário haver o emprego de violência ou
grave ameaça contra a vítima. Entretanto, a violência não precisa ser de tal gravidade a
ponto de ensejar lesões corporais, como nas vias de fato. Ademais, a grave ameaça pode
ser empregada de forma velada, configurando-se, isso sim, pelo temor causado à vítima,
o que leva a permitir que o agente promova a subtração sem que nada possa a pessoa
lesada fazer para impedi-lo.
III - No presente caso, pela análise dos fatos descritos no aresto condenatório, nota-se que
o crime praticado pelo paciente, juntamente com terceiras pessoas, foi o de roubo, haja
vista que cometido com grave ameaça contra as vítimas, vale dizer, rendendo as vítimas,
com um revólver e uma espingarda calibre 12, inclusive amarrando-as. Entender em
sentido contrário, como quer o impetrante, para desclassificar o delito, demandaria,
impreterivelmente, no cotejo minucioso de matéria fático-probatória, o que é vedado em
sede de habeas corpus. Precedentes.
(...)
VII - A Terceira Seção desta Corte, quando do julgamento do EREsp n. 961.863/RS,
submetido à sistemática dos recursos repetitivos, firmou o entendimento no sentido de
que, para a incidência da causa especial de aumento prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do
Código Penal, é dispensável a apreensão e realização de perícia no respectivo objeto,
desde que existentes outros meios que comprovem a utilização da arma de fogo na prática
delituosa
VIII - No presente caso, os elementos pré constituídos indicam que o eg. Tribunal de
origem se lastreou na prova oral colhida em juízo, ao concluir pela aptidão da arma de
fogo utilizada no crime de roubo. Com efeito, restando comprovado o uso da arma de
fogo por outros meios de prova, mostra-se adequada a incidência da causa de aumento
prevista no art. 157, § 2°, inciso I, do Código Penal, sendo prescindível sua apreensão e
perícia para atestar o seu potencial lesivo. Precedentes.
IX - A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que a utilização de arma
desmuniciada, como forma de intimidar a vítima do delito de roubo, caracteriza o
emprego de violência, porém não permite o reconhecimento da majorante de pena,
uma vez que está vinculada ao potencial lesivo do instrumento, dada a sua ineficácia
para a realização de disparos. Todavia, "Se o acusado sustentar a ausência de
potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de
produzir tal prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal." (HC
96.099/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Pleno, maioria, DJe de
05/06/2009). Assim, na espécie, caberia ao paciente demonstrar que a arma era
desprovida de potencial lesivo, o que não ocorreu na situação narrada na inicial (EREsp
n. 961.863/RS, Terceira Seção, Rel. Min. Celso Limongi - Des. convocado do TJ/SP, Rel.
p/Acórdão Min. Gilson Dipp, DJe de 6/4/2011, grifei).
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 17

Tema 17:
Roubo qualificado (lesão corporal grave e morte). Latrocínio.
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva;
b) A tentativa nestas modalidades de crime complexo.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
CAIO abordou nas proximidades do Campo de Santana uma família de quatro pessoas,
sendo o casal de pais e um casal de filhos, todos já exercendo atividade laborativa lícita.
Quando da abordagem, CAIO, que se encontrava empunhando um revólver, e diante da
manifestação das vítimas que não queriam entregar os seus pertences, veio a disparar
contra todos eles, produzindo nos mesmos, em conseqüência, lesões corporais de natureza
grave, conforme depois foi atestado pelos autos de lesões correspondentes. No entanto,
diante da intervenção de populares, CAIO não conseguiu subtrair qualquer daqueles
pertences, vindo a ser detido mais adiante.
a) Qual a capitulação da conduta imputada a CAIO, determinando-se se o fato punível
em questão deve ser considerado como tentado ou consumado?
b) Diante da multiplicidade de resultados ofensivos, como deve ser definida a hipótese:
como crime único, como concurso formal de delitos ou como crime continuado?
c) E se CAIO tivesse lesionado apenas uma das vítimas, mas subtraído os pertences das
quatro, a situação se alteraria?
d) Qual a diferença entre o roubo qualificado pela lesão grave e a tentativa de latrocínio
na qual ocorre a subtração porém a vítima sobrevive, com lesões corporais graves?
RESPOSTA:
a) Trata-se de roubo qualificado pela produção de lesões corporais de natureza grave em
decorrência da violência utilizada para propiciar a subtração dos pertences das vítimas.
Enquanto crime qualificado pelo resultado, tem-se que tal espécie delitiva conquistou
autonomia em relação ao seu tipo-base, com critérios próprios quanto a determinação de
sua consumação, que se dá exatamente com a superveniência do resultado mais grave,
sendo irrelevante para tanto o fato de não ter se estabelecido a subtração visada.
b) Há entendimentos jurisprudenciais que prestigiam todas as posições, inclusive a do
concurso material. Em se entendendo que as vítimas, embora integrantes de uma mesma
família, constituíam patrimônios distintos entre si, pode-se admitir o concurso formal de
delitos. Caso a compreensão alcançasse o sentido de que um único patrimônio familiar
foi atingido, possível seria a caracterização do crime continuado. Finalmente, a posição
majoritária é no sentido da existência do crime único, já que a hipótese subsume-se ao
chamado latrocínio impróprio (art. 157, § 3º, I do Código Penal), crime complexo.
c) BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Especial, volume 3,
10ª edição, página 128.
"Apesar de o latrocínio ser um crime complexo, mantém sua unidade estrutural inalterada.
Mesmo com a ocorrência da morte de mais de uma das vítimas. A pluralidade de vítimas
não configura continuidade delitiva e tampouco qualquer outra forma de concurso de
crimes, havendo, na verdade, um único latrocínio. A própria orientação do Supremo
Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a pluralidade de vítimas não implica a
pluralidade de latrocínios. Não se pode ignorar que o crime-fim inicialmente pretendido
foi o de roubo e não um duplo ou triplo latrocínio, ou melhor, não duas ou três mortes. A
ocorrência de mais de uma morte não significa a produção de mais de um resultado, que,
em tese, poderia configurar concurso formal de crimes. Na verdade, a eventual quantidade
de mortes produzidas em um único roubo representa a maior ou menor gravidade das
consequencias, cuja valoração tem sede na dosimetria penal, por meio das operadoras do
art. 59 do Código Penal."
d) A diferença está no elemento subjetivo.
Se o agente ao empregar a violência teve a intenção de matar para "assegurar a
impunidade do crime", mas o crime não se consumou por circunstâncias alheias a sua
vontade, será hipótese de tentativa de latrocínio.
Caso o dolo do agente ao empregar a violência for o de lesionar para "assegurar a
impunidade do crime", estará configurado o roubo qualificado pelas lesões corporais
graves.
Cabe transcrever acórdão do STJ sobre o tema:
Processo: AgRg no HC 328575 / RJ AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS
2015/0154661-6
Relator(a): Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO
DO TJ/SP) (8370)
Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA
Data do Julgamento: 17/09/2015
Data da Publicação/Fonte: DJe 13/10/2015
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO
TENTADO. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. INVIABILIDADE NA VIA
ELEITA. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA NO ORDENAMENTOJURÍDICO DO
LATROCÍNIO TENTADO. TESE QUE NÃO ENCONTRA RESPALDO NA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ E DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- O pedido de desclassificação ou de anulação do processo implica o afastamento das
conclusões das instâncias ordinárias e o reexame aprofundado de todo o conjunto fático-
probatório, providência impossível de ser realizada dentro dos estreitos limites da via
eleita.
- A tese de que não existe o que se denomina "tentativa de latrocínio" ante a suposta
incompatibilidade do tipo penal previsto no art. 157, § 3º, segunda parte, com a
causa de redução de pena prevista no art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, não
encontra respaldo na pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do
Supremo Tribunal Federal que reconhecem a existência do crime de latrocínio
tentado quando a morte da vítima não se consuma por razões alheias à vontade do
agente.
Agravo regimental desprovido.

2ª QUESTÃO:
No dia 05 de novembro de 2016, FÁBIO e APARECIDA saíram para jantar, a fim de
comemorar cinco anos da data em que eles se casaram.
Após saírem do restaurante, eles se dirigiram ao veículo Fiat Siena, tendo FÁBIO se
colocado na direção dele e APARECIDA, no banco do carona.
Tão logo APARECIDA fechou a porta do carro, FERNANDO e MARIA abriram a porta
traseira direita do automóvel, adentraram neste e, FERNANDO empunhando uma arma
de fogo, determinou que FÁBIO e APARECIDA permanecessem no interior do veículo
e seguissem com o carro na direção do Centro de Duque de Caxias, o que foi prontamente
atendido por eles.
Em seguida, FERNANDO, encostando a todo momento a arma nas costelas de FÁBIO,
ordenou que as vítimas lhe entregassem seus pertences.
Considerando o caso concreto narrado, tipifique as condutas praticadas por FERNANDO,
caso após os fatos já narrados ocorressem os seguintes fatos:
a) MARIA não se conformasse com a atitude de FERNANDO de encostar a arma nas
costelas de FÁBIO e pedisse insistentemente que ele abaixasse a referida arma, ocasião
em que FERNANDO, extremamente irritado com a persistência de MARIA, lhe
desferisse 2 tiros na cabeça, causando-lhe a morte. FERNANDO logra subtrair os
pertences de FÁBIO e APARECIDA.
b) FÁBIO, que estava armado, desferiu 2 tiros na cabeça de MARIA, que morreu
instantaneamente, e FERNANDO, então, saiu do veículo ainda em movimento sem levar
consigo qualquer pertence.
c) FERNANDO atirou em direção a cabeça de APARECIDA, mas, por erro de execução
causou a morte de MARIA. Não houve a consumação da subtração de qualquer bem.

RESPOSTA:
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal: parte especial, volume 3, 10ª
edição, editora Saraiva, São Paulo, páginas 125/126.
a) A morte de qualquer dos participantes do crime (sujeito ativo) não configura latrocínio.
Assim, se um dos comparsas, por divergências operacionais, resolve matar o outro
durante o assalto, não há falar em latrocínio, embora o direito proteja a vida humana,
independentemente de quem seja seu titular, e não apenas a da vítima do crime
patrimonial. Na realidade, a morte do comparsa, nas circunstâncias, não é meio, modo ou
forma de agravar a ação desvaliosa do latrocínio, que determina sua maior
reprovabilidade. A violência exigida pelo tipo penal está intimamente relacionada aos
sujeitos passivos naturais (patrimonial ou pessoal) das infração penal, sendo
indispensável essa relação causal para configurar o crime preterdoloso, especialmente
agravado pelo resultado.

b) Não haverá latrocínio, por sua vez, quando a própria vítima reage e mata um dos
assaltantes. A eventual morte do comparsa em virtude de reação da vítima, que age em
legítima defesa, não constitui ilícito penal algum, sendo paradoxal pretender, a partir de
uma conduta lícita da vítima, agravar a pena dos autores.

c) STJ
Processo AgRg no AREsp 1557416 / PE
Relator(a): Ministro NEFI CORDEIRO (1159)
Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA
Data do Julgamento: 12/05/2020
Data da Publicação/Fonte: DJe 18/05/2020
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
LATROCÍNIO. ALEGADA DEFICIÊNCIA DE DEFESA. NULIDADE
FUNDAMENTADAMENTE AFASTADA. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 523/STF. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO
DELITO PARA A MODALIDADE TENTADA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA
7/STJ. PENA-BASE ELEVADA MOTIVADAMENTE. DECISÃO MANTIDA.
AGRAVO IMPROVIDO.
1. O Tribunal de origem afastou a alegação de nulidade por deficiência de defesa técnica,
por ter o advogado constituído apresentado resposta à acusação, requerendo a revogação
da prisão preventiva, impetrado dois habeas corpus, comparecido à audiência de instrução
e julgamento, oferecido alegações finais e interposto apelação e recurso especial.
2. A mera deficiência na defesa técnica não é apta a ensejar nulidade, sendo necessária a
prova do efetivo prejuízo ao réu, nos termos da Súmula 523/STF.
3. Delimitado o contexto fático pelas instâncias ordinárias de que o acusado,
objetivando atingir a vítima, por erro na execução, atingiu o seu comparsa, que
faleceu, correta a tipificação da conduta como latrocínio consumado.
4. A reversão das premissas fáticas do acórdão encontra óbice na Súmula 7/STJ.
5. O aumento da pena-base em 2 anos não configura ilegalidade ou ofensa à
proporcionalidade, porquanto devidamente motivado e arrazoado, sobretudo se
considerados o mínimo e máximo da pena abstratamente cominada ao tipo penal do art.
157, § 3°, II do CP.
6. Agravo regimental improvido.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 18

Tema 18:
Extorsão, Extorsão Mediante Seqüestro e Extorsão Indireta.
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva dos crimes de extorsão e extorsão mediante
seqüestro;
b) Diferença entre roubo e extorsão;
c) A Lei 8.072/90.
2) A extorsão indireta.
3) Aspectos controvertidos.
4) Concurso de crimes.
5) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
No dia 26 de março de 2015, PAULO e terceira pessoa não identificada, mediante
restrição da liberdade da vítima e grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo,
com o intuito de obter, para si, indevida vantagem econômica, constrangeram ANELISE
a fornecer-lhes as senhas de suas contas bancárias e entregar-lhes os cartões das referidas
contas.
Por ocasião do fato, PAULO e seu parceiro, utilizando os cartões da vítima e as senhas
fornecidas, efetuaram saques no valor de R$ 1.510,00.
Em razão dos fatos narrados, o Ministério Público denunciou PAULO como incurso no
artigo 158, § 3º, c/c §1º do Código Penal.
A defesa apresentada por PAULO pretende a exclusão da incidência da causa de aumento
de pena prevista no §1° do artigo 158 do Código Penal, sob o fundamento de que ela seria
incompatível com o §3° do citado dispositivo legal.
Decida, de forma fundamentada.
RESPOSTA:
STJ
Processo: REsp 1353693 / RS RECURSO ESPECIAL 2012/0241293-6
Relator(a): Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170)
Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA
Data do Julgamento: 13/09/2016
Data da Publicação/Fonte: DJe 21/09/2016
Ementa: PENAL. RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO QUALIFICADA.
RECONHECIMENTO DA MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA E DO
CONCURSO DE PESSOAS. ART. 158, §§ 1º E 3º, DO CP. CABIMENTO.
CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA. ART. 71, PARÁGRAFO ÚNICO, CP.
POSSIBILIDADE.
1. O § 3º do art. 158 do CP, introduzido pela Lei n. 11.923/2009, qualifica o crime de
extorsão quando cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é
necessária para a obtenção da vantagem econômica, passando a pena de reclusão a ser de
6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa. Se resulta lesão corporal grave ou morte,
aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente.
2. A Lei n. 11.923/2009 não cria um novo delito autônomo, chamado de "sequestro
relâmpago", sendo apenas um desdobramento do tipo do crime de extorsão, uma vez que
o legislador apenas definiu um modus operandi do referido delito.
3. Tendo em vista que o texto legal é unidade e que as normas se harmonizam,
conclui-se, a partir de uma interpretação sistemática do artigo 158 do Código Penal,
que o seu § 1º não foi absorvido pelo § 3º, pois, como visto, o § 3º constitui-se
qualificadora, estabelecendo outro mínimo e outro máximo da pena abstratamente
cominada ao crime; já o § 1º prevê uma causa especial de aumento de pena.
4. Dessa forma, ainda que topologicamente a qualificadora esteja situada após a
causa especial de aumento de pena, com esta não se funde, uma vez que tal fato
configura mera ausência de técnica legislativa, que se explica pela inserção posterior
da qualificadora do § 3º no tipo do artigo 158 do Código Penal, que surgiu após uma
necessidade de reprimir essa modalidade criminosa.
5. Em circunstância análoga, na qual foi utilizada majorante prevista
topologicamente em parágrafo anterior à forma qualificada, tal como na hipótese
dos autos, esta Corte Superior decidiu que, sendo compatível o privilégio do art. 155,
§ 2º, do Código Penal com as hipóteses objetivas de furto qualificado - entendimento
proferido no Recurso Especial representativo da controvérsia n. 1.193.194/MG -,
mutatis mutandi, não há incompatibilidade entre o furto qualificado e a causa de
aumento relativa ao seu cometimento no período noturno.
6. No presente caso, ficando claramente comprovada a utilização da arma pelos acusados
para o cometimento do crime, bem como que ambos agiram em comunhão de vontades,
praticando os crimes ora em análise, não há como se afastar o fato dos delitos terem sido
praticados em concurso de pessoas e com o emprego de arma de fogo, devendo incidir a
causa de aumento prevista no § 1º do art. 158 do CP.
7. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave
ameaça à pessoa, poderá o juiz - considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias - aumentar
a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo.
8. No presente caso, apesar das circunstâncias judiciais terem sido consideradas
favoráveis em relação aos recorridos, foram praticados mais de 10 crimes de extorsão
qualificada pela restrição da liberdade das vítimas (art. 158, § 3º, do CP), contra pessoas
diferentes, com violência ou grave ameaça, o que justifica a aplicação da continuidade
delitiva específica (art. 71, parágrafo único, do CP).

2ª QUESTÃO:
PAULO, aluno do último período do curso de Medicina, diante da dificuldade de
aprovação em uma determinada disciplina e da necessidade de se formar naquele
semestre, pois havia recebido uma irrecusável proposta de emprego tão logo se formasse,
decidiu sequestrar o filho do professor que realizaria a correção da prova daquela matéria.
Tão logo a ação foi executada, PAULO entrou em contato com o professor e exigiu como
condição do resgate a sua aprovação.
Imediatamente, o professor entrou em contato com a polícia e esta logrou livrar o filho
do professor, sem que a condição do resgate fosse implementada.
Diante do que foi narrado, tipifique, de forma fundamentada, a conduta praticada por
PAULO.

RESPOSTA:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, volume 3: dos
crimes contra o patrimônio até dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito
aos mortos. 10ª edição. São Paulo. Saraiva, 2014. Páginas 159/160.
“Não desconhecemos, a despeito de nossa convicção, a velha divergência reinante sobre
a necessidade de interpretar a elementar “qualquer vantagem” como indevida vantagem
econômica. Nessa linha, Magalhães Noronha professava: “O Código fala em qualquer
vantagem, não podendo o adjetivo referir-se à natureza desta, pois ainda aqui,
evidentemente, ela há de ser, como no art. 158, econômica, sob pena de não haver razão
para o delito ser classificado no presente título”. Reforça esse entendimento Heleno
Cláudio Fragoso, com o seguinte argumento: “A ação deve ser praticada para obter
qualquer vantagem como preço ou condição do resgate. Embora haja aqui uma certa
imprecisão da lei, é evidente que o benefício deve ser de ordem econômica ou
patrimonial, pois de outra forma este seria um crime contra a liberdade individual”. Luiz
Regis Prado, na atualidade, acompanha essa orientação, acrescentando: “No que tange à
vantagem descrita no tipo, simples interpretação do dispositivo induziria à conclusão de
que não deva ser necessariamente econômica. Contudo, outro deve ser o entendimento.
De fato, a extorsão está encartada entre os delitos contra o patrimônio, sendo o delito-fim,
e, no sequestro, apesar de o próprio tipo não especificar a natureza da vantagem, parece
indefensável entendimento diverso”.
Preferimos, contudo, adotar outra orientação, sempre comprometida com a segurança
dogmática da tipicidade estrita, naquela linha que o próprio Magalhães Noronha gostava
de repetir de que “a lei não contém palavras inúteis”, mas também não admite -
acrescentamos - a inclusão de outras, não contidas no texto legal. Coerente, jurídica e
tecnicamente correto o velho magistério de Bento de Faria, que pontificava: “A vantagem
- exigida para a restituição da liberdade ou como preço do resgate, pode consistir em
dinheiro ou qualquer outra utilidade, pouco importando a forma de exigência”. Adotamos
esse entendimento, pelos fundamentos que passamos a expor.
(...)
Curiosamente, no entanto, na descrição desse tipo penal - extorsão mediante sequestro - ,
contrariamente ao que fez na constituição do crime anterior (extorsão) que seria, digamos,
o tipo-matriz do “crimo extorsivo”, o legislador brasileiro não inseriu na descrição típica
a elementar normativa indevida vantagem econômica. Poderia tê-la incluído, não o fez,
certamente não terá sido por esquecimento, uma vez que acabara de descrever tipo
similar, com sua inclusão (art. 158). Preferiu, no entanto, adotar a locução “qualquer
vantagem”, sem adjetivá-la, provavelmente para não restringir o seu alcance.
Com efeito, a nosso juízo, a natureza econômica da vantagem é afastada pela elementar
típica qualquer vantagem, que deixa clara sua abrangência. Quando a lei quer limitar a
espécie de vantagem, usa o elemento normativo indevida, injusta, sem justa causa, como
destacamos nos parágrafos anteriores.
(...)
Por fim, são absolutamente equivocadas as afirmações de Fragoso (seria apenas um crime
contra a liberdade individual) e Magalhães Noronha (sob pena de não haver razão para o
delito ser classificado no presente título), se a vantagem não foi econômica.
Esquecem esses doutrinadores que a extorsão mediante sequestro é um crime
pluriofensivo, e “qualquer vantagem” exigida pelo tipo é alternativa, como “condição”
ou “preço” do resgate. Se condição e preço tivessem, nessa hipótese, o mesmo
significado, a previsão dupla seria supérflua e inútil, circunstância essa rejeitada pelos
estudiosos.
(...)
Assim, por exemplo, aluno que sequestra filho do professor antes da prova final, exigindo,
como condição do resgate, sua aprovação, não apresenta outra adequação típica que
aquela descrita no art. 159.”
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 19

Tema 19:
Apropriação Indébita.
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva;
b) Diferença entre apropriação indébita e furto qualificado pelo abuso de confiança;
c) Diferença entre apropriação indébita e estelionato.
2) As outras espécies de apropriação indébita:
a) Apropriação indébita previdenciária;
b) Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza;
c) Apropriação de tesouro;
d) Apropriação indébita de coisa achada;
e) Apropriação indébita qualificada;
f) Apropriação indébita privilegiada.
3) Aspectos controvertidos.
4) Concurso de crimes.
5) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
TICIO é o melhor amigo de CAIO, a quem pede emprestado um livro de doutrina de
Direito Penal para estudar uma determinada matéria. CAIO empresta-lhe o livro, que é
raro, para que o devolva tão logo faça a pesquisa. TICIO leva o livro para casa e gosta
tanto do mesmo que resolve ficar com ele, dizendo a CAIO que foi roubado e que os
ladrões teriam levado o seu livro. Dois meses depois, CAIO descobre a verdade.
Pergunta-se:
a) Tipifique a conduta praticada por TICIO.
b) A situação se alteraria se TICIO pedisse a CAIO para olhar o livro na casa deste e,
depois, a pretexto de estar com sede, pedisse um copo d'água a CAIO e aproveitasse o
momento em que este se afastasse da sala e fosse embora levando o livro?
c) A situação se alteraria se TICIO pedisse a CAIO para olhar o livro na casa deste e,
aproveitando-se da distração de CAIO, colocasse o livro na bolsa e fosse embora com
ele?

RESPOSTA:
a) O crime foi de apropriação indébita, embora tenha havido traição de confiança, por ser
seu melhor amigo. No entanto, TÍCIO tinha a posse lícita do livro e não a mera detenção
vigiada, tendo havido posteriormente a vontade de se apoderar do bem.
b) A hipótese seria de furto mediante fraude, pois a detenção seria vigiada e usando um
ardil, desvia a vigilância para poder levar e subtrair a coisa.
c) A hipótese seria de furto mediante abuso de confiança, pois o fato de distrair-se
constitui prova de que CAIO confiava em TÍCIO, deixando ao seu alcance suas coisas, e
ele, se aproveitando disso, subtraiu. Há quem entenda que seja furto mediante fraude,
porém não é o melhor entendimento, uma vez que ingresso em casa alheia, permitido,
realmente é mais exteriorização de confiança do que fraude.

2ª QUESTÃO:
MARIO, na qualidade de advogado, foi contratado por VALDETE a fim de que ele
ajuizasse demanda judicial a favor de sua cliente.
No curso desse processo, VALDETE foi condenada a pagar multa processual a ser
depositada judicialmente.
Para tanto, VALDETE realizou o depósito do valor da referida multa na conta-corrente
de MARIO, a fim de que ele efetivasse o mencionado depósito judicial.
MARIO, então, efetuou o referido depósito através de cheque de sua genitora, que foi
devolvido por insuficiência de fundos.
Pelos fatos narrados, o Ministério Público denunciou MARIO como incurso no art. 168,
§ 1º, II, do Código Penal.
Correta a tipificação penal feita pelo Ministério Público? Fundamente a sua resposta.

RESPOSTA:
STJ
Processo: REsp 1312720 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0061118-1
Relator(a): Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (1148)
Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA
Data do Julgamento: 22/10/2013
Data da Publicação/Fonte: DJe 14/11/2013
Ementa: RECURSO ESPECIAL. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. VIOLAÇÃO.
DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. VIA INADEQUADA. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO.
OMISSÕES E CONTRADIÇÕES. INEXISTÊNCIA. QUALIFICADORA.
DEPOSITÁRIO JUDICIAL. DESCABIMENTO. NATUREZA PRIVADA DA
RELAÇÃO ENTRE ACUSADO E VÍTIMA. INCLUSÃO. QUALIFICADORA.
CRIME COMETIDO NO EXERCÍCIO DE PROFISSÃO. INVIABILIDADE.
REFORMATIO IN PEJUS. VEDAÇÃO.
1. A via especial não se destina à análise da alegação de afronta a dispositivo da
Constituição Federal.
2. A divergência jurisprudencial não foi demonstrada por meio do necessário cotejo
analítico, com a transcrição de trechos dos acórdãos recorrido e paradigma que
demonstrem a similitude fática e a diferente interpretação da lei federal, segundo
determinam os arts. 541, parágrafo único, e 255, § 2º, do RISTJ.
3. O julgado combatido não possui as omissões e contradições apontadas, pois analisou
as questões que lhe foram submetidas, tendo apenas proferido julgamento contrário aos
interesses do recorrente.
4. O fato de ter havido, antes da denúncia, a devolução dos valores indevidamente
apropriados não afasta a tipicidade do crime de apropriação indébita, mormente quando,
em aspecto que não pode ser revisto em recurso especial, por força da Súmula 7/STJ, a
sentença - mantida em grau de apelação - consignou expressamente que o pagamento do
cheque sem fundos se deu muito depois, não podendo, assim, falar em atipicidade da
conduta e nem mesmo em arrependimento posterior, porquanto agiu [o recorrente] apenas
para tentar evitar processo, e não por arrependimento ou reconhecimento do seu erro.
5. A vítima transferiu ao recorrente o montante pecuniário porque era ele seu
advogado, e, ainda nessa condição, apropriou-se ele do bem. Sendo assim, tanto a
transferência da posse como a posterior apropriação indevida ocorreram no âmbito
de uma relação contratual de direito privado. O fato de que o montante se destinava
ao pagamento de multa processual não altera a natureza da relação existente entre
o recorrente e a vítima, tampouco faz do recorrente depositário judicial.
6. Só há depósito judicial de bens que já se encontram à disposição do juízo. No caso,
o valor indebitamente apropriado, embora se destinasse ao Juízo, ainda não havia
sido por ele arrecadado, de forma que todo o iter criminis ocorreu no âmbito de
relações privadas.
7. A circunstância de ter o recorrente feito o depósito da multa processual com a
utilização de cheque de propriedade de sua genitora e, posteriormente, verificar-se
não ter previsão de fundos não faz dele depositário judicial. Até mesmo por uma
questão de lógica, a sua ação, nesse aspecto, foi a de depositante, e não a de
depositário. Exclusão da qualificadora prevista no art. 168, § 1º, II, do Código Penal.
8. Seria aplicável a qualificadora do inciso III do § 1º do art. 168 do Código Penal, pois
os valores foram apropriados indebitamente em razão de profissão. No entanto, como se
trata de recurso exclusivamente da defesa, em que é descabida a inclusão de fundamento
novo em desfavor do réu, pela vedação à reformatio in pejus, deve ser mantida a
condenação do recorrente apenas pela conduta prevista no caput do dispositivo, excluída
qualquer causa de aumento.
9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido, para
excluir a qualificadora do art. 168, § 1º, II, do Código Penal, ficando a reprimenda do
recorrente reduzida a 1 ano de reclusão, em regime aberto, substituída por restritivas de
direitos, e pagamento de 10 dias-multa, no valor unitário estabelecido pelas instâncias
ordinárias.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 20

Tema 20:
Estelionato.
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva;
b) Diferença entre o estelionato e o furto qualificado pela fraude;
c) Diferença entre o estelionato e a apropriação indébita;
d) Crimes previstos no artigo 171, § 2º, do CP;
e) As outras espécies de fraude.
2) Aspectos controvertidos.
3) Concurso de crimes.
4) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
(3ª Questão do XXXIII Concurso para Ingresso na Classe Inicial da Carreira do
Ministério Público do Rio de Janeiro) - Prova aplicada em 02/02/2014 - Enunciado
adaptado.
JOAQUIM ajuizou uma ação indenizatória civil para pleitear danos morais em face de
determinada concessionária de serviços de telefonia móvel, instruiu seu pedido com
certidão falsificada pelo próprio, na qual constava o seu nome como inscrito em cadastro
geral de devedores inadimplentes, o que teria se dado por iniciativa indevida da
mencionada empresa. No decorrer do itinerário processual, obedecido o amplo
contraditório, a apontada fraude não restou descoberta, já que a própria pessoa jurídica,
por desorganização de seus quadros administrativos, acreditou na veracidade do
documento. Isso porque JOAQUIM frequentemente atrasava o pagamento de suas contas
mensais, o que ocasionava o envio de reiteradas advertências quanto à possibilidade de
encaminhamento de seus dados aos órgãos de proteção ao crédito, embora isso jamais
tivesse ocorrido. Ao final da demanda, o pedido foi julgado procedente, com a
consequente condenação da ré e fixação dos valores pleiteados.
Seis meses após o trânsito em julgado do provimento jurisdicional, a pessoa jurídica
sucumbente obteve dados irrefutáveis que atestaram a falsidade do documento utilizado
por JOAQUIM no processo original, tendo, por tal razão, ingressado com Ação
Rescisória (artigo 485, III e IV, do Código de Processo Civil) visando desconstituir a
coisa julgada material, o que, efetivamente, veio a ocorrer.
No corpo do acórdão rescisório, ficou determinada a extração de cópias do expediente e
posterior remessa ao Ministério Público, para apuração dos crimes de Estelionato
Judiciário e Fraude Processual.
Diante desses fatos, tipifique a conduta de JOAQUIM. Resposta objetivamente
fundamentada, em 15 (quinze) linhas.

RESPOSTA:
A questão exige a análise da possibilidade de o processo ser um meio para o cometimento
do estelionato, o que tem se tornado frequente nos dias atuais. Em doutrina poucos autores
trabalham o tema com a profundidade com que Nilo Batista o faz em artigo de 1982
(Batista, Nilo. Estelionato Judiciário. In: Batista, Nilo. Novas linhas do direito penal.
Rio de Janeiro: Revan, 2004. Entre os clássicos Magalhães Noronha é expresso em
afirmar que mesmo da Justiça pode se valer o estelionatário (Crimes contra o Patrimônio,
Saraiva, 1952, Vol. 2, p. 135).
Presentes os requisitos do estelionato (fraude, erro, vantagem ilícita e prejuízo alheio) não
se pode afastar o crime pelo simples fato de ter sido praticado por meio de um processo,
porque o estelionato é um crime de ação livre, no qual a fraude pode ser engendrada por
qualquer meio. É a dicção legal expressa na cláusula "ou qualquer outro meio
fraudulento" que leva DAMÁSIO DE JESUS afirmar que "na fórmula genérica
ingressam engodos como a mentira e a omissão do dever de falar (silêncio)". Assim nada
obsta que seja uma ação indenizatória o meio para a veiculação de documentos falsos,
falsos testemunhos ou argumentos comprovadamente falsos (rectius: mentira) para lograr
a vantagem ilícita. Não é o fato de se tratar de uma decisão judicial que fará lícito aquilo
que se obteve no processo. A decisão em si mesma não é ilícita, mas o proveito que dela
se extrai, por ter sido obtido de maneira fraudulenta.
Da jurisprudência do STJ se colhe a possibilidade de se utilizar da justiça de maneira
fraudulenta:
CC 85803 / SP (STJ - 3ª SEÇÃO - Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO - DJ
27/08/2007 p. 188): 1. Empregada a falsidade como meio de prova perante a Justiça do
Trabalho, o interesse supostamente violado escapa da simples esfera individual dos
litigantes na ação trabalhista. 2. Havendo clara intenção do indiciado em induzir em erro
a Justiça do Trabalho, é de se reconhecer a ofensa a interesse da União e a conseqüente
competência da Justiça Federal. 3. Aplicação, por analogia, da Súmula 165/STJ:
Compete à Justiça Federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido no
processo trabalhista. Precedentes. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo
Federal da 2ª Vara de Ribeirão Preto - SJ/SP, o suscitante.
Segundo Nilo Batista, seria a partir da percepção de que SCHÖNKE-SCHRÖDER que
"no estelionato, enganado e lesado não precisam ser idênticos." que autores do estirpe de
BINDING, Von LISZT, MAURACH, WELZEL, ANTOLISEI, BATTAGLINI, entre
tantos outros afirma que a partir da definição genérica do estelionato e da possibilidade
de que o juiz seja enganado por uma parte e venha a proferir uma decisão injurídica
(contrária àquilo que o ordenamento jurídico tem por justo, porque baseada em uma
fraude) em prejuízo da parte adversa. Ainda que encontremos na doutrina autores como
Pierangeli e Álvaro Mayrink da Costa que entendem pela possibilidade de configurar
fraude processual, tem-se que os requisitos típicos dessa figura não autorizam o
reconhecimento do crime em casos como o da questão de uso de documento falso para
ludibriar o juiz. Não obstante essa substanciosa discussão doutrinária, a jurisprudência é
vacilante quanto ao tema, em especial a partir de precedentes da 6ª turma do STJ que,
alegando a natureza dialética do processo, acreditam que o juiz jamais será induzido a
erro remanescendo, quando for o caso, o delito de uso de documento falso. Porém, adverte
Nilo Batista, se assim o for, faria igualmente sem sentido, a própria existência de boa
parte dos crimes contra a Administração da Justiça, dada a insuscetibilidade de o juiz ser
enganado.
Por todo o exposto é de se reconhecer no caso a ocorrência de tentativa de estelionato,
uma vez que não houve obtenção de vantagem patrimonial a partir da fraude, mas apenas
obtenção de decisão judicial.

2ª QUESTÃO:
LUIZA procurou empréstimo pessoal na internet e, através de um anúncio que oferecia
"empréstimo rápido e fácil", combinou com HENRIQUE, por telefone, o empréstimo no
valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais).
Para a formalização do negócio, HENRIQUE informou que depositaria um cheque no
valor de R$ 72.000,00 na conta-corrente de LUIZA e que ela deveria depositar na conta-
corrente de seu amigo JOÃO os valores R$ 987,00 e R$ 869,00, a título de "custas", e
mais R$ 2.000,00, como forma de compensação do valor excedente que constou no
cheque.
Após todas as operações bancárias realizadas, LUIZA constatou ter sido vítima de fraude,
pois o cheque depositado em sua conta-corrente foi devolvido por insuficiência de fundos,
sendo certo que após isso não logrou obter mais contato com HENRIQUE.
Com base no caso concreto narrado, responda fundamentadamente:
a) qual é a conduta típica praticada por HENRIQUE?
b) onde ocorreu a consumação do crime praticado por ele?

RESPOSTA:
STJ (Informativo 663- fevereiro de 2020)
Processo: CC 169053 / DF
CONFLITO DE COMPETENCIA 2019/0317771-7
Relator(a): Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (1148)
Órgão Julgador: S3 - TERCEIRA SEÇÃO
Data do Julgamento: 11/12/2019
Data da Publicação/Fonte: DJe 19/12/2019

Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida, auferida


mediante o depósito em favor de conta bancária de terceiro, a competência deverá
ser declarada em favor do juízo no qual se situa a conta favorecida.
Até recentemente, a jurisprudência desta Corte orientava que, nos casos em que a vítima
houvesse sido induzida a erro a efetuar depósito ou transferência bancária para conta de
terceiro, o local da consumação do crime de estelionato seria o da agência bancária onde
efetivada a transferência ou o depósito.
Em precedentes mais recentes, a Terceira Seção modificou tal orientação, estabelecendo
diferenciação entre a hipótese em que o estelionato se dá mediante falsificação ou
adulteração de cheque (consumação no banco sacado, onde a vítima mantém a conta
bancária), do caso no qual o crime ocorre mediante depósito ou transferência bancária
(consumação na agência beneficiária do depósito ou da transferência bancária). Ocorre
que há precedente subsequente (CC n. 166.009/SP, julgado em 28/8/2019) que restaurou
a orientação primeva, no sentido de que o prejuízo, na hipótese de transferência bancária,
seria o do local da agência bancária da vítima.
Em razão da oscilação do entendimento jurisprudencial da própria Terceira Seção, a
matéria foi novamente apreciada pelo colegiado.
Anote-se que a melhor solução jurídica seria aquela que estabelece distinção entre a
hipótese de estelionato mediante depósito de cheque clonado ou adulterado
(competência do Juízo do local onde a vítima mantém conta bancária), daquela na
qual a vítima é induzida a efetivar depósito ou transferência bancária em prol do
beneficiário da fraude (competência do Juízo onde situada a agência bancária
beneficiária do depósito ou transferência).
Assim, se o crime só se consuma com a efetiva obtenção da vantagem indevida pelo
agente ativo, é certo que só há falar em consumação, nas hipóteses de transferência
e depósito, quando o valor efetivamente ingressa na conta bancária do beneficiário
da fraude.
DIREITO PENAL
CP IV B
2º PERÍODO 2021
TEMA 21

Tema 21:
Receptação, Receptação de animal e Disposições Gerais.
1) Considerações gerais:
a) Definição e evolução histórica. Bem jurídico tutelado. Sujeitos do delito.
Tipicidade objetiva e subjetiva. Autonomia da receptação;
b) Espécies de receptação.
2) Aspectos controvertidos.
3) Imunidades materiais (as escusas absolutórias).
4) Imunidades formais.
5) Concurso de crimes.
6) Pena e ação penal.

1ª QUESTÃO:
CAIO adquiriu de MÉLVIO arma de fogo de uso restrito, estando ciente de que a
numeração daquela arma estava raspada. MÉLVIO afirmou para CAIO que aquela arma
lhe pertencia, tendo-a recebido de seu pai, sendo acertado o preço justo de mercado,
inclusive. Meses depois, em diligência realizada na casa de CAIO, com autorização
judicial, foi a arma apreendida, sendo o mesmo preso por receptação, além do crime
correspondente, previsto no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03).
Comente a hipótese.

RESPOSTA:
No tocante à arma raspada, a questão se subsume no art. 16 do Estatuto do Desarmamento.
O que se há de observar é a ocorrência ou não do crime de receptação. Como é sabido, o
delito de receptação, chamado pela doutrina de acessório, tem como pressuposto que a
coisa seja produto de crime, sendo do Ministério Público o ônus desta prova, tudo de
acordo com o que dispõe o artigo 156 do CPP. Outrossim, não basta a presença dos
elementos objetivos do tipo para o reconhecimento da receptação. Faz-se mister a
demonstração de que o agente tinha conhecimento daquela origem ilícita, tratando-se do
elemento subjetivo do tipo o dolo, ou seja, a prévia ciência da proveniência criminosa do
material apreendido.
Como leciona Francisco Munoz Conde, citando Hassemer, "a vertente subjetiva,
diversamente da objetiva, é muito mais difusa e difícil de comprovação, de vez que reflete
uma tendência ou disposição subjetiva que pode ser deduzida, mas não observada"
(Teoria Geral do Delito, Tradução de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado, Sérgio Antonio
Fabris Editor, p. 55)
Desta forma, aquela prévia ciência do agente deve ser verificada pelo juiz de acordo com
as circunstâncias dos autos, destacando-se que a jurisprudência é firme no sentido de que
"no exame do delito de receptação, a prova da ciência da origem delituosa da coisa pode
extrair-se da própria conduta do agente e dos fatos circunstanciais que envolvem a
infração, o mesmo ocorrendo com relação a ciência da ilicitude, necessária para distinguir
o modo doloso do simplesmente culposo, podendo tal exame ser inferido da exterioridade
do fato, pois, ao contrário, nunca se lograria punir alguém de forma dolosa, salvo quando
confessado o respectivo comportamento."
Na questão em exame, foi adquirida uma arma com a numeração raspada. Com o advento
da lei 9437/97, o simples fato de a arma estar raspada já a torna objeto de crime, ou seja,
já se trata de coisa criminosa, sendo evidente, assim, que aquele que a adquire nestas
circunstâncias estará praticando o crime de receptação, pouco importando que se
desconheça o auto da raspagem.
O professor poderá, no caso concreto, discorrer sobre a possibilidade da ocorrência de um
concurso material de crimes, tendo em vista a posse e subsequente venda da arma de uso
restrito com numeração raspada.

2ª QUESTÃO:
JAIME, comerciante, recebe de MÁRIO diversas caixas de vinho de cuja origem
criminosa desconfiava. JAIME não questionou o vendedor sobre tal circunstância. Preso
dias depois, veio a ser denunciado pelo Ministério Público.
Pergunta-se:
a) Qual a correta capitulação do fato?
b) O fato de o acusado saber da origem ilícita da coisa pode fazer com que a capitulação
seja alterada?
c) Como diferenciar a hipótese do § 1º daquela prevista no § 3º?

RESPOSTA:
Tratando-se de agente que atuou no exercício de atividade comercial, a conduta em exame
tipifica o injusto do § 1º do artigo 180 (receptação qualificada), tendo o legislador
entendido que aquele que faz da receptação uma atividade comercial. Apesar da
existência de entendimento em contrário, a sua rigorosa sanção não viola o princípio da
proporcionalidade, não merecendo amparo o entendimento de que deva prevalecer o
preceito sancionatório do caput do artigo 180 do Código Penal.
O legislador, dentro do seu campo de atribuição, resolveu punir de forma mais rigorosa
aquele comerciante receptador, bastando para a configuração do tipo a presença do
chamado dolo indireto, sem prejuízo, todavia, que, demonstrado que o agente tinha
ciência da origem ilícita do objeto adquirido, seja também condenado por tal infração. O
escopo do legislador foi o de destacar que o comerciante, por sua condição profissional e
experiência, está a merecer uma sanção maior mesmo que não tivesse a certeza da origem
delituosa do objeto ao adquiri-lo, por isto se satisfazendo com o dolo eventual. A presença
do dolo direto, todavia, não afasta o tipo.
Acrescento que somente na hipótese do § 1º se satisfaz o tipo com o dolo indireto. Na
hipótese do caput, que trata do não-comerciante, exige-se o dolo direto.
Na hipótese do § 3º não há a presença do dolo eventual, tratando-se da receptação culposa.

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