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Geografia Agrária

Material Teórico
A Globalização e as Transformações da Agropecuária Brasileira

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Eduardo Augusto Wellendorf Sombini

Revisão Técnica:
Profa. Dra. Vivian Fiori

Revisão Textual:
Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos
A Globalização e as Transformações
da Agropecuária Brasileira

• Introdução
• A Agricultura Científica Globalizada
• Os Circuitos de Produção

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Analisar o processo de globalização e as transformações empreendidas
no campo.
· Mostrar as transformações pelas quais vem passando a produção da
agricultura brasileira.
· Evidenciar os circuitos produtivos na agricultura no Brasil.
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No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE A Globalização e as Transformações da Agropecuária Brasileira

Introdução
Nesta unidade, discutiremos questões associadas às novas dinâmicas da produção
agrícola no período da globalização.

A Agricultura Científica Globalizada


A emergência da agricultura científica globalizada e as regiões agrícolas
competitivas são as principais expressões da modernização da agricultura e do
território brasileiro a partir da década de 1990.

As especializações produtivas regionais expressam, através de novos usos do


território, a busca incessante por novos atributos de competitividade que poderiam
impulsionar a participação dos produtos agrícolas nos mercados internacionais, ao
mesmo tempo em que aprofunda a vulnerabilidade da economia, da sociedade e
do território frente às variáveis externas que escapam ao controle regional e local.

Para apreender esses movimentos, relacionados ao alargamento dos contextos da


globalização no território brasileiro, é necessário mobilizar um conjunto de conceitos
que permitam uma análise atualizada ao período histórico que consideramos, como
o de circuito espacial produtivo.

De acordo com Moraes (1985), o conceito de circuito remonta ao Capital de


Marx, quando o autor discute a indissociabilidade entre a produção, a distribuição,
a troca e o consumo. Isto significa que, para compreender o processo de produção
capitalista, é necessário olhar para além da produção em si das mercadorias, nos
estabelecimentos agrícolas ou nas indústrias, e analisar todo o circuito de que
determinada mercadoria faz parte.

A ideia de circuito, portanto, enfatiza a noção de que as mercadorias participam


de um processo de movimento ampliado, que abarca a produção, a distribuição e o
consumo. O capitalismo só pode ser compreendido, dessa forma, levando em conta
a circulação – os fluxos de mercadorias, de informações e financeiros de toda a or-
dem, que sustentam a geração de lucro e a reprodução do sistema como um todo.

Como explicam Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001, p. 143):


Repartição das atividades entre lugares, a divisão territorial do trabalho
pode nos dar apenas uma visão mais ou menos estática do espaço de
um país, um retrato onde cada porção do espaço revela especializações
mais ou menos nítidas, nascidas à luz de processos antigos e modernos.
Mas para entender o funcionamento do território é preciso captar o
movimento, daí a proposta de abordagem que leva em conta os circuitos
espaciais da produção. Estes são definidos pela circulação de bens e
produtos e, por isso, oferecem uma visão dinâmica, apontando a maneira
como os fluxos perpassam o território.

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Quando se acrescenta o termo “espacial” à ideia de circuito, busca-se enfatizar
que os processos de produção, distribuição e consumo se realizam em lugares e
regiões diferentes, muitas vezes em países distintos e muito distantes entre si.

No período da globalização, essa articulação entre diferentes lugares e regiões,


que participam dos mesmos circuitos espaciais produtivos, se torna ainda mais
presente. Esse fato pode ser explicado pela diminuição radical dos custos de
transporte e pela possibilidade de comando a distância da produção, por meio das
novas tecnologias informacionais e de regulações nacionais e internacionais que
permitem que os circuitos espaciais produtivos tenham escala planetária.

Figura 1
Fonte: iStock/Getty Images

Basta lembrar que boa parte das commodities agrícolas e minerais produzidas
no país é exportada para a América do Norte, a Europa Ocidental e a Ásia, servindo
de matéria-prima para atividades industriais nesses países.

Conforme comenta Milton Santos (2008, p. 56):


O mundo encontra-se organizado em subespaços articulados dentro
de uma lógica global. Já não podemos falar de circuitos regionais de
produção. Com a crescente especialização regional, com os inúmeros
fluxos de todos os tipos, densidades e direções temos de falar de circuitos
espaciais da produção. Esses seriam as diversas etapas pelas quais passaria
um produto, desde o começo do processo de produção até chegar ao
consumo final. Se quiséssemos, por exemplo, conhecer os circuitos
produtivos da agroindústria de cana-de-açúcar, teríamos de observar todos
os momentos da produção, desde o plantio de cana até o consumo do
álcool, do açúcar ou de outros derivados.

As antigas barreiras regionais à produção são, quase sem exceções, quebradas. Em


um primeiro momento, a integração do território nacional permite que os mercados
locais e regionais sejam substituídos por um mercado interno de escala nacional.

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UNIDADE A Globalização e as Transformações da Agropecuária Brasileira

A partir de meados do século XX, a integração dos países às lógicas da globali-


zação aprofunda esse processo, erodindo ainda mais o antigo papel que as regiões
tinham de comando de suas produções agrícola e industrial. Por esses motivos, é
preciso falar de circuitos espaciais produtivos, e não mais de circuitos regionais.

No período da globalização, impulsiona-se a especialização regional produtiva.


Defende-se, com essa estratégia, que cada região se concentre quase que exclusiva-
mente na produção das mercadorias mais competitivas que podem oferecer. Essa
especialização produtiva faz com que as trocas inter-regionais se intensifiquem, já
que as regiões deixam de produzir todos os bens e serviços de que necessitam para
se concentrar naqueles mais competitivos nos mercados nacional e internacional.

Esse impulso pela especialização gera um conjunto de implicações territoriais,


como a constituição das “regiões competitivas agrícolas” (CASTILLO & FREDERI-
CO, 2010) no território brasileiro. Esses autores (idem) lembram que a competitivi-
dade não é um atributo abstrato que as mercadorias incorporam, mas, sobretudo,
um conjunto de qualidades que os espaços regionais oferecem.

Isto quer dizer que as características distintivas que permitem que um determinado
produto regional seja competitivo nos mercados estão incorporadas às formas
espaciais e ao conteúdo social dos lugares e das regiões.

Podemos falar, portanto, que a competitividade é, antes de qualquer coisa,


espacial, como explicam Castillo e Frederico (2010, p. 18): “Partimos da
concepção de que a competitividade não é um atributo circunscrito às empresas ou
aos produtos no período da globalização, mas designa também uma condição dos
lugares e regiões”.

A distribuição desigual das densidades materiais e normativas no território


confere diferentes graus de competitividade às regiões para determinados tipos de
produtos e, por conseguinte, a alguns agentes produtivos que nelas atuam e que
delas fazem parte.

Os Circuitos de Produção
A especialização regional produtiva tem como consequência o aumento da cir-
culação, que se torna imprescindível para garantir a unidade dos circuitos espaciais
produtivos que têm suas etapas dispersas geograficamente. Por este motivo, a logís-
tica se torna uma das principais variáveis do atual período histórico: para garantir a
competitividade dos produtos de uma determinada região, é necessário que haja um
conjunto de infraestruturas e normas que garantam fluidez a essa produção.

Em outras palavras, é preciso que os produtos sejam transportados até os lugares


que sediam a próxima etapa do circuito espacial produtivo ou o consumo final, com
rapidez e baixos custos, para que essas mercadorias tenham condições de competir
nos mercados internacionais.

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A dispersão geográfica das diversas etapas dos circuitos espaciais produtivos
é acompanhada pela constituição de centros de comando e decisão de alcance
internacional, que articulam os diversos momentos da produção material por meio
de fluxos de informações e capitais.

Esse papel é cada vez mais desempenhado pelas metrópoles, que se tornam as
sedes das principais instituições da regulação da produção capitalista no mundo
contemporâneo. Para dar conta dessa dimensão do processo, Milton Santos
(2006) propõe que se utilize o conceito de círculos de cooperação no espaço
concomitantemente aos circuitos espaciais produtivos.

Os círculos de cooperação no espaço, dessa forma, fazem referência à circulação


imaterial que garante coerência e articulação aos circuitos espaciais produtivos,
geograficamente dispersos.

Enquanto os circuitos espaciais produtivos têm como variável central o transporte


material, os círculos de cooperação no espaço seriam marcados pela comunicação
entre os lugares que concentram a decisão e o comando e aqueles que realizam as
diversas etapas da produção.

Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001, p. 144) comentam:


No período atual, esse movimento é comandado, sobretudo, por fluxos
não obrigatoriamente materiais, isto é, capitais, informações, mensagens,
ordens. Essa é a inteligência do capital, reunindo o que o processo direto
da produção havia separado em diversas empresas e lugares, mediante o
aparecimento de verdadeiros círculos de cooperação. Circuitos espaciais
de produção e círculos de cooperação mostram o uso diferenciado de
cada território por parte das empresas, das instituições, dos indivíduos e
permitem compreender a hierarquia dos lugares desde a escala regional
até a escala mundial.

Com a constituição de regiões competitivas agrícolas no território brasileiro,


resultado de uma profunda especialização produtiva, essas parcelas do país passam
a ter lógicas de funcionamento cada vez mais articuladas a circuitos espaciais
produtivos de escala global.

Os circuitos espaciais produtivos da soja, da laranja e da carne são bons exemplos


da maneira como as regiões agrícolas brasileiras participam de um processo de
circulação de mercadorias e capital globalizado. A grande questão colocada nesse
debate é que as regiões se inserem sem proteção em circuitos espaciais produtivos
que não podem controlar.

Os preços desses produtos são determinados nos mercados internacionais,


comandados por corporações multinacionais sem compromisso com as dinâmicas
regionais específicas. No limite, isto quer dizer que, dependendo da estratégia dessas
corporações, as regiões podem ser desconectadas do circuito espacial produtivo
por elas dominado, acarretando enormes prejuízos financeiros e sociais.

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UNIDADE A Globalização e as Transformações da Agropecuária Brasileira

Outra questão importante é a constante variação dos preços das commodities


nesses mercados: essa oscilação está relacionada a mudanças nas curvas de oferta e
demanda, associadas ao crescimento econômico dos países, que obedece a ritmos
pouco previsíveis.

Desde a crise de 2008, por exemplo, a demanda mundial de commodities


agrícolas e minerais vem diminuindo. Esse processo afeta diretamente o
crescimento econômico, as exportações, as balanças comerciais, o câmbio e as
reservas internacionais dos países exportadores desses produtos, como é o caso
do Brasil. A China, uma grande importadora de commodities agrícolas e minerais,
vem arrefecendo suas taxas de crescimento econômico e sinalizando que comprará
quantidades menores de minério de ferro e soja do Brasil, entre outros produtos.

Você Sabia? Importante!

Além das duas gigantes multinacionais – também tradings companies - presentes


na cadeia produtiva da soja, notamos também a presença e o aumento de poder de
outras tradings companies, multinacionais especializadas na compra e distribuição não
só de soja, mas também de outras commodities agrícolas. Essas empresas adquiriram
esmagadoras de soja, que são utilizadas para o beneficiamento da soja, reforçando o seu
poder no beneficiamento da commodity. É o caso do grupo Coinbra/Dreyfus e ADM. Com
a compra de esmagadoras de soja e o fechamento de outras por causa da concorrência
das multinacionais, a participação das quatro maiores indústrias sobe para 46,5% na
área de esmagadoras de soja, sendo que, das quatro tradings (Bunge, ADM, Cargill e
Dreyfus), só a Bunge, a partir da transferência da área de soja da Santista, passou a ser
responsável por 28,3%.

Fonte: Texto literal extraído de ALBANO, Gleydson Pinheiro;


SÁ, Alcindo José de Globalização da agricultura: multinacionais no campo brasileiro.
Revista de Geografia (UFPE), v. 28, nº. 1, 2011, p. 65.

Figura 2
Fonte: Wikimedia Commons

Por conta da diminuição das importações e do baixo crescimento mundial nos


últimos anos, há a tendência de diminuição dos preços médios dessas commodities,
que influenciam os resultados da balança comercial brasileira e a geração de riquezas
no país, fortemente dependente da produção agrícola e mineral.

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Queremos dizer, com isso, que a integração do Brasil à globalização vem sendo
feita sem a mediação de um verdadeiro projeto nacional, que oriente a forma como
o país se colocará nos mercados internacionais.

Seria necessário partir de uma estratégia interna clara de articulação aos circuitos
espaciais produtivos globalizados, que permitisse que as dinâmicas econômicas e
territoriais do país pudessem ser preservadas em caso de oscilações bruscas ou
crises mais profundas nos mercados internacionais.

Ao contrário, as regiões brasileiras se encontram em situações extremamente


vulneráveis, em que podem ser duramente afetadas por esses movimentos do mercado.
Samuel Frederico (2013) chama essa problemática de “lógica das commodities”.

Para esse autor, os circuitos espaciais produtivos do café, da soja e de outros


produtos agrícolas são dominados por grandes tradings e marcados pela
especulação financeira, que coloca os produtores rurais e outros agentes regionais
em situações extremamente frágeis, ao mesmo tempo em que ocorre um processo
intenso de concentração e centralização de capital das tradings.

Como explica o pesquisador (FREDERICO, 2013, p. 108):


Ao normatizar o mercado mundial de determinadas mercadorias, a lógica
das commodities submete os agentes próprios do lugar ou região — produ-
tores, transportadores, comerciantes e empresas locais — aos desígnios dos
agentes que atuam em rede na escala mundial – grandes firmas exportado-
ras e importadoras (tradings), conglomerados alimentícios e especuladores
financeiros —, acarretando uma vulnerabilidade produtiva local.

Entre diversos casos em que essas questões se manifestam, o circuito espacial


produtivo da cana-de-açúcar é particularmente interessante. Esse circuito é chamado
atualmente de “sucroenergético”, em substituição ao termo “sucroalcooleiro”. Essa
mudança está relacionada ao emprego do etanol como combustível veicular e às
possibilidades atuais de geração de energia elétrica no processamento da cana-de-
açúcar, que vem permitindo alterações na matriz energética brasileira.

Ainda que a história da produção de cana-de-açúcar acompanhe a formação do


território brasileiro desde seu início, nas últimas décadas o circuito está fortemente
concentrado no interior de São Paulo, como na região polarizada por Ribeirão
Preto. Combinando a presença de corporações internacionais monopolistas e a
persistência de trabalhos extremamente degradantes, sobretudo na colheita manual
(com repetidas denúncias de trabalho análogo à escravidão), o setor tem se expan-
dido, sobretudo no Centro-Oeste, em estados como Goiás e Mato Grosso do Sul.

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Figura 3
Fonte: Unicamp, IBGE e CTC

De acordo com Castillo (2013), o setor tem quatro características intrínsecas


que condicionam sua dinâmica. Destacaremos duas, associadas à especialização
produtiva e à vulnerabilidade territorial das regiões competitivas agrícolas do setor
sucroenergético. A primeira diz respeito à “restrição ao armazenamento da matéria-
prima”. Após ser colhida, a cana-de-açúcar precisa ser processada industrialmente
em seguida, não podendo ser transportada ou armazenada por longos períodos.

Disso decorre, entre outros pontos, a necessidade de proximidade entre as


plantações e as usinas, para que a matéria-prima não se deteriore: existe “certa
rigidez locacional da usina e um maior “engessamento” do uso do território; isso
quer dizer que, uma vez que a usina tenha sido implantada, necessariamente vai
haver o cultivo de cana nas proximidades” (CASTILLO, 2013, p. 78).

A segunda característica discutida pelo autor é a “semiperenidade da cana-de-


açúcar”: após cinco anos, ocorre uma diminuição brusca da produtividade dos
canaviais, demandando o replantio da cultura, também chamado de reforma. Essa
característica cria a necessidade de investimentos periódicos de montantes elevados.

Em momentos de crise, em que não é possível reformar os canaviais, há uma


queda brusca da quantidade produzida. Além disso, a necessidade de equilíbrio
entre as áreas em reforma e as áreas reformadas nos canaviais faz com que a
rotação com outras culturas seja dificultada, acentuando a especialização das áreas
produtoras de cana-de-açúcar.

Como explica Ricardo Castillo (2013, p. 79):


Disso decorre, junto com a impossibilidade de armazenar a cana por
longos períodos, uma especialização regional produtiva mais acentuada,
tornando a economia dos municípios dedicados à produção de açúcar e
etanol muito vulnerável por depender, em grande medida, de um único
setor de atividade econômica. Dos 3.625 municípios brasileiros que
produziram cana-de-açúcar em 2010, em 682 essa cultura respondeu
por mais de 50% de toda a área ocupada pela agricultura [...]; em 213
municípios, esse índice ficou entre 90 e 100%.

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A história do setor sucroenergético é caracterizada, por outro lado, por crises
cíclicas, que trazem grandes prejuízos às regiões produtoras. Como a especialização
produtiva é muito prenunciada nessas áreas, a falta de outras alternativas para
dinamizar as economias locais e regionais faz com que qualquer variação mais
significativa na produção de açúcar e etanol tragam problemas graves às regiões.

Esse é o contexto dos últimos anos dos municípios do interior do estado de São
Paulo, extremamente dependentes do setor sucroenergético. No segundo mandato
de Luiz Inácio Lula da Silva, criou-se uma grande expectativa sobre o crescimento
da produção de etanol no Brasil. Acreditava-se que o etanol se tornaria uma com-
modity, como o é o açúcar, e espessos fluxos de investimentos internacionais foram
direcionados, sobretudo aos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás, para
a criação de usinas e a expansão da produção (veja mapa da cana-de-açúcar).

Observe as áreas onde ocorrem a produção de cana-de-açúcar no território


brasileiro:

Figura 4
Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images

As projeções, contudo, não se concretizaram. A crise econômica global de 2008


freou os investimentos e diminuiu a demanda internacional de combustíveis. Por
outro lado, há uma curva de diminuição dos preços internacionais do petróleo no
período recente, o que faz com que o etanol seja menos competitivo. No Brasil,
o governo federal vem subsidiando a gasolina, reduzindo tributos e contendo o
aumento dos preços, com o intuito de manter as taxas de inflação baixas.

Esses fatores, somados a outros, criaram uma conjuntura particularmente desfavo-


rável ao setor sucroenergético nos últimos anos, que trouxe desdobramentos negati-
vos às regiões que dependem diretamente desse circuito espacial produtivo. Um con-
junto considerável de usinas fechou e outras enfrentam graves dificuldades financeiras.

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UNIDADE A Globalização e as Transformações da Agropecuária Brasileira

Nos municípios especializados na produção de açúcar e álcool, o fechamento


de uma usina traz graves prejuízos, com a diminuição da arrecadação de impostos
e o fechamento de postos de trabalho, acarretando a demissão de trabalhadores e
tensões políticas consideráveis.

Esse exemplo, apresentado sinteticamente, ilustra a face perversa das


especializações produtivas exacerbadas, que geram fortes vulnerabilidades
territoriais. Outro combustível que é proveniente de produtos vegetais é o biodiesel.

O biodiesel é um combustível biodegradável derivado de fontes renováveis que pode ser


Explor

produzido a partir de gorduras animais e espécies vegetais como soja, palma, girassol, ba-
baçu, amendoim, mamona e pinhão-manso. No Brasil, a soja é a principal matéria-prima
utilizada. O produto final (Biodiesel B100) deve cumprir as especificações físico-químicas
determinadas pela ANP para que possa substituir total ou parcialmente o óleo diesel de
petróleo em motores ciclodiesel automotivos (de caminhões, tratores, camionetas, au-
tomóveis, etc.). No Brasil, o biodiesel puro (B100) é adicionado obrigatoriamente ao diesel
de petróleo em proporções de acordo com a legislação em vigor. Nos últimos 20 anos surgi-
ram preocupações em relação à poluição ambiental e ao aquecimento global, fortalecendo
a busca por soluções alternativas ao consumo do petróleo. Acompanhando essa tendência
mundial, o biodiesel foi introduzido na matriz energética brasileira por meio do Programa
Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), um programa interministerial do Governo
Federal cujo objetivo era a implementação da produção e do uso do biodiesel de forma sus-
tentável, com enfoque na inclusão social e no desenvolvimento regional, visando também
diminuir a dependência de importação do derivado fóssil, o diesel.

Fonte: AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (ANP). Disponível em: https://goo.gl/EpQG6M

Biodiesel

Figura 5

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Podemos concluir, portanto, que a defesa da especialização produtiva e o
aumento dos atributos de competitividade das regiões com o intuito de participar
dos mercados internacionais podem trazer efeitos econômicos, sociais e territoriais
muito perversos.

Essa participação em circuitos espaciais de produtos de escala global produz


instabilidades locais e regionais e deveria ser mediada pela escala nacional, por
meio de estratégias de desenvolvimento de maior alcance.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Sites
Agricultura Científica Globalizada e Fronteira Agrícola Moderna no Brasil
FREDERICO, Samuel. Agricultura científica globalizada e fronteira agrícola moderna
no Brasil. Confins, nº. 17, 2013.
https://goo.gl/AB2oPG
Embrapa
https://goo.gl/95RCVK

 Vídeos
Ano internacional da Agricultura Familiar
2min40, FAO, ONU, 2014. Sobre agricultura familiar.
https://youtu.be/wDB2wgB2tr8

 Filmes
The Corporation
The Corporation (Canadá, 2003). Este documentário investiga o comportamento das
corporações, examinando esse modelo de organização em vários casos.

 Leitura
Intoxicação e Morte por Agrotóxicos no Brasil
BOMBARDI, Larissa Mies. Intoxicação e morte por agrotóxicos no Brasil: a nova
versão do capitalismo oligopolizado. Boletim Dataluta – Artigo do mês: set., 2011,
p. 1-21.
https://goo.gl/m2bMFb

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Referências
CASTILLO, Ricardo. A expansão do setor sucroenergético no Brasil. In:
BERNARDES, Julia; SILVA, Catia; ARRUZZO, Roberta. Espaço e energia:
mudanças no paradigma sucroenergético. Rio de Janeiro: Lamparina, 2013.

CASTILLO R., FREDERICO S. Dinâmica regional e globalização: espaços


competitivos agrícolas no território brasileiro. Revista Mercator, ano 9, nº. 18, p.
17-26, 2010.

FREDERICO, Samuel. Lógica das commodities, finanças e cafeicultura. Boletim


Campineiro de Geografia, v. 3, nº. 1, 2013.

MORAES, A. C. R. Los circuitos espaciales de la producción y los círculos de


cooperación en el espacio. In: Aportes para el estudio del espacio socio-
economico III. YANES, L. e LIBERALI, A. M. (orgs.). Buenos Aires, El Coloquio,
1991, p.153-77.

SANTOS, Milton & SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no


início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SANTOS, MILTON. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Edusp,


2008 [1988].

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