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SUMÁRIO

1. Introdução...................................................................... 3
2. Carboidratos................................................................. 7
3. Proteínas......................................................................13
4. Lipídeos........................................................................18
5. Água e eletrólitos......................................................24
6. Funções metabólicas do fígado..........................28
7. Metabolismo da bilirrubina....................................30
8. Processamento da amônia...................................34
Referências bibliográficas .........................................38
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 3

DIGESTÃO E ABSORÇÃO consequência, moléculas menores e


DE ÁGUA E NUTRIENTES & absorvíveis.
FUNÇÕES METABÓLICAS Essas hidrolases, que são enzimas
DO FÍGADO secretadas no lúmen do sistema di-
gestório denominam-se enzimas
luminais, enzimas que compõem o
1. INTRODUÇÃO suco salivar, gástrico e pancreáticos;
Os principais alimentos, que susten- e as sintetizadas nos enterócitos e in-
tam a vida do corpo, podem ser clas- corporadas às suas membranas lumi-
sificados como carboidratos, gordu- nais como proteínas integrais, são as
ras e proteínas, conhecidos também enzimas da borda em escova, pre-
como os macronutrientes orgânicos. sentes na membrana apical do epité-
Em termos gerais, esses alimentos lio intestinal. As atividades destas en-
não podem ser absorvidos em suas zimas digestivas são facilitadas pela
formas naturais por meio da mucosa secreção de água e íons para o lúmen
gastrointestinal e, por essa razão, são do TGI. Resultam dos processos de
inúteis como nutrientes caso não haja digestão: monômeros, dímeros e trí-
digestão preliminar. meros, absorvidos através do epitélio
A digestão e a absorção são as prin- do delgado.
cipais funções do trato gastrointesti- Os processos hidrolíticos ocorrem
nal. A digestão é a degradação quí- nas seguintes porções do sistema
mica dos alimentos ingeridos até digestório: cavidade oral, estômago,
moléculas absorvíveis, e é efetuada duodeno (onde são predominantes) e
pelas enzimas do trato gastrointes- nas porções proximais do íleo. O có-
tinal (TGI). Estas são hidrolases, que lon não apresenta enzimas luminais e
catalisam a adição de moléculas de da borda em escova.
água aos nutrientes, que geram, por
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Amilase saliva, lipase


lingual

Pepsina,
lipase gástrica Enzimas luminais

Amilase, tripsina,
quimiotripsina,
carboxipeptidases, lipase,
fosfolipase A2, colesterol
Endopeptidase esterase, elastase, ribo e
desoxirribonucleases
Dissacaridases: maltase,
Enzimas da borda sacarase, lactase e
em escova isomaltase

Dipeptidases: amino- Figura 1. Localização das enzimas luminais e da borda


oligopeptidases, dipeptidases em escova ao longo do sistema digestório. (Fonte:
Aires, 2018)

A absorção é o movimento dos nu- entre as células epiteliais intestinais,


trientes, da água e dos eletrólitos do entre espaços intercelulares e para o
lúmen do intestino para o sangue. sangue.
Existem duas vias para absorção, a A estrutura da mucosa intestinal é
via celular e a paracelular. Na via idealmente apropriada para a ab-
celular, a substância deve cruzar a sorção de grande quantidade de nu-
membrana apical (luminal), entrar na trientes. Características estruturais,
célula gástrica epitelial, e então, pas- chamadas microvilosidades, aumen-
sar por extrusão da célula, através da tam a área de superfície do intestino
membrana basolateral, para o inte- delgado, maximizando a exposição
rior da corrente sanguínea. Os trans- dos nutrientes às enzimas digestivas
portadores nas membranas apicais e e criando grande superfície absorti-
basolaterais são os responsáveis pe- va. A superfície do intestino delgado
los processos absortivos. Na via pa- é disposta em dobras longitudinais,
racelular, a substância se move pelas chamadas de dobras de Kerckring.
junções ocludentes (tight junctions), Vilosidades semelhantes a dedos se
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projetam para fora dessas dobras. “escova” sob microscopia óptica de


Essas vilosidades são mais longas no luz. Juntas, as dobras de Kerckring, as
duodeno, onde ocorre a maior parte vilosidades e as microvilosidades au-
da digestão e absorção, e são mais mentam a área da superfície total, em
curtas no íleo. As superfícies das vi- cerca de 600 vezes! As células epi-
losidades são recobertas por células teliais do intestino delgado têm ve-
epiteliais (enterócitos) entremeadas locidades de renovação (reciclagem)
por células secretoras de muco (cé- maiores que qualquer outra célula do
lulas caliciformes). A superfície api- corpo – elas são renovadas a cada 3
cal das células epiteliais é, em si, ex- a 6 dias. A elevada renovação das cé-
pandida por pequenos dobramentos lulas da mucosa intestinal as tornam
chamados microvilosidades. Essa su- particularmente susceptíveis aos efei-
perfície microvilar é chamada borda tos da irradiação e da quimioterapia.
em escova devido à sua aparência de

Lúmen intestinal

Vilosidades Vilosidades
(0,5 a 1mm) Aumento 10x
Epitélio de revestimento

Dobras circulares Criptas


(3 a 10mm)
Aumento 3X Microvilosidades (borda em
escova da membrana luminal)
Tight-junctions Aumento 20x
apicais
Membrana basolateral
Espaço
intercelular

Endotélio capilar
Figura 2. A. Esquemas de cortes longitudinais do delgado que mostram as dobras de Kerckring, visíveis a olho nu. B.
Vilosidades. C. Epitélio contínuo das vilosidades, seus ápices e as criptas. D. Enterócito com as microvilosidades da
membrana luminal. 1, compartimento luminal; 2, compartimento intracelular ou intraepitelial; 3, compartimento intersti-
cial; 4, compartimento vascular. (Fonte: Aires, 2018)
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MAPA MENTAL: INTRODUÇÃO

Sangue

Água
Junções ocludentes

Degradação química Nutrientes


dos alimentos até
moléculas absorvíveis “Do lado”
Movimento do lúmen
Eletrólitos
para o sangue
Digestão Paracelular

INTRODUÇÃO Absorção Vias

Enzimas digestivas Celular

Mucosa intestinal
Cruzamento da
Suco salivar
membrana apical

Vilosidades Dobras de Kerckring Microvilosidades


Suco gástrico
Membrana basolateral

Enterócitos Potencializam
Suco pancreático Dobras longitudinais
a absorção
Sangue

Enzimas da Células caliciformes


borda em escova

Membrana apical do
epitélio intestinal
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2. CARBOIDRATOS segunda classe de carboidratos que


inclui a sacarose ou sucrose (consis-
A quantidade de carboidratos da die-
tindo em glicose e frutose) e a lactose
ta humana é extremamente variável,
(consistindo em glicose e galactose),
sendo função de fatores culturais, ge-
e que é importante fonte calórica para
ográficos e socioeconômicos das po-
as crianças. Todavia é princípio-cha-
pulações. Seu consumo varia inver-
ve que o intestino só pode absorver
samente com o poder aquisitivo das
monossacarídeos, ou seja, a glicose,
populações.
galactose ou frutose. Além disso, mui-
A proporção relativa de carboidratos tos itens alimentares de origem vege-
da dieta humana, recomendada pela tal contêm fibras dietéticas, que con-
Organização Mundial da Saúde e pelo sistem em polímeros de carboidratos
Comitê Americano de Nutrição, é de que não podem ser digeridos pelas
58%. Mas a proporção efetivamen- enzimas humanas. Esses polímeros
te utilizada na dieta das populações são digeridos por bactérias presentes
de países desenvolvidos é de 50%, o no lúmen colônico, permitindo, dessa
que varia de 300 a 500 g/dia. Como forma, recuperar os valores calóricos.
os carboidratos, quando totalmente
Quando o alimento é mastigado, ele
degradados cada grama fornece 4
se mistura com a saliva, contendo a
kcal de energia, uma ingestão diária
enzima digestiva amilase salivar ou
de 300 a 500 g representa 1.200 a
ptialina, secretada, em sua maior
2.000 kcal/dia.
parte, pelas glândulas parótidas. Essa
enzima hidrolisa o amido no dissaca-
Digestão de Carboidratos rídeo maltose em outros pequenos
polímeros de glicose, contendo três a
Os carboidratos da dieta são com- nove moléculas de glicose. O alimen-
postos por várias classes moleculares to, porém, permanece na boca ape-
diferentes. O amido, o primeiro deles, nas por curto período de tempo, de
é a mistura de polímeros de glicose, modo que não mais do que 5% dos
retos e ramificados. Os polímeros de amidos terão sido hidrolisados até a
cadeias retas são chamados amilo- deglutição do alimento. Entretanto, a
se, e as moléculas de cadeia ramifi- digestão do amido, continua no cor-
cada são chamadas de amilopecti- po e no fundo do estômago por até 1
na. O amido é fonte particularmente hora, antes de o alimento ser mistu-
importante de calorias, em especial rado às secreções gástricas. Então, a
nos países em desenvolvimento, e atividade da amilase salivar é bloque-
é encontrado, predominantemente, ada pelo ácido das secreções gástri-
em cereais. Os dissacarídeos são a cas, já que a amilase é essencialmente
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inativa como enzima, quando o pH do do quimo ser transferido do estômago


meio cai abaixo de 4,0. Contudo, em para o duodeno e misturar-se com o
média, antes de o alimento e a saliva suco pancreático, praticamente todos
estarem completamente misturados os carboidratos terão sido digeridos.
com as secreções gástricas, até 30% Em geral, após ação da amilase pan-
a 40% dos amidos terão sido hidroli- creática os carboidratos são quase
sados para formar maltose. totalmente convertidos em oligô-
A secreção pancreática, como a saliva, meros curtos de glicose, incluindo
contém grande quantidade de α-ami- dímeros (maltose) e trímeros (mal-
lase, também conhecida como amila- totriose), bem como estruturas rami-
se pancreática, que é quase idêntica ficadas mais simples que são chama-
em termos de função à α -amilase da das dextrinas α-limitadas, antes de
saliva, mas muitas vezes mais poten- passar além do duodeno ou do jejuno
te. Portanto, 15 a 30 minutos depois superior.

Figura 3. Estrutura da amilopectina e ação


da amilase. (Fonte: Berne, 2009)

Os enterócitos que revestem as vilo- pequenos polímeros de glicose nos


sidades do intestino delgado contêm seus monossacarídeos constituintes.
quatro enzimas (lactase, sacarose, Essas enzimas ficam localizadas nos
maltase e α-dextrinase), que são ca- enterócitos que forram a borda em
pazes de clivar os dissacarídeos lac- escova das microvilosidades intesti-
tose, sacarose e maltose, mais outros nais, de maneira que os dissacarídeos
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são digeridos quando entram em con- são todos monossacarídeos hidros-


tato com esses enterócitos. solúveis absorvidos imediatamente
A lactose se divide em molécula de para o sangue porta.
galactose e em molécula de glicose. Na dieta comum, contendo muito
A sacarose se divide em molécula de mais amidos do que todos os outros
frutose e molécula de glicose. A mal- carboidratos combinados, a glicose
tose e outros polímeros pequenos de representa mais de 80% dos produ-
glicose se dividem em múltiplas mo- tos finais da digestão de carboidratos,
léculas de glicose. Assim, os produ- enquanto a fração de galactose ou
tos finais da digestão dos carboidratos frutose raramente ultrapassa 10%.

FIGURA 4: DIGESTÃO DOS CARBOIDRATOS NO INTESTINO DELGADO

Amido

α-amilase

Dextrinas α-limitadas Maltose Maltotriose

α- dextrinase maltase sacarase

Glicose

Lactose Sacarose

lactase sacarase

Glicose Galactose Glicose Frutose

Fonte: Costanzo, 2015


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SAIBA MAIS!
A intolerância a lactose é uma doença que pode ser congênita, acometendo recém-nasci-
dos, ou ser programada geneticamente, induzindo diminuição ou desaparecimento total da
lactase da borda em escova após o desmame. Predomina em negros e asiáticos, ocorrendo,
em menor proporção, em populações brancas. Sua frequência é alta na população brasileira,
provavelmente devido à miscigenação.
Como a lactase não é digerida, ela permanece no lúmen intestinal, podendo causar um es-
pectro de sintomas gastrintestinais, como: diarreia osmótica, distensão abdominal, cólicas e
flatulência, ou apresentar sintomas pouco definidos.
Diferentes fatores determinam as variações individuais dos sintomas na intolerância à lacto-
se: variações da velocidade de esvaziamento gástrico, tempo de trânsito intestinal e, princi-
palmente, a capacidade das bactérias do cólon de metabolizar a lactose (originando ácidos
graxos voláteis ou de cadeias curtas, CO2 e H2).
O tratamento de indivíduos com intolerância à lactose é feito por redução ou eliminação da
ingestão de leite e seus derivados, mas leite comercialmente tratado com lactase pode ser
utilizado.

Absorção dos Carboidratos necessidades metabólicas do epité-


lio, ou podem sair da célula através
Os monossacarídeos solúveis em
do polo basolateral via transportador
água têm, a seguir, que ser transpor-
conhecido como GLUT2. A frutose,
tados através das membranas hidro-
em contrapartida, é levada através da
fóbicas dos enterócitos. O transpor-
membrana apical pelo GLUT5. Entre-
tador 1 de sódio/glicose (SGLT1) é
tanto, devido ao transporte de fruto-
um simportador que leva a glicose e
se não ser acoplado ao do Na+, sua
a galactose contra seu gradiente de
entrada é relativamente ineficiente e
concentração, pelo acoplamento de
pode, com facilidade, ser interrompida
seu transporte ao do Na+, contra seu
se forem ingeridas grandes quantida-
gradiente eletroquímico. A energia
des de alimento contendo esse açú-
para essa etapa não vem, diretamen-
car. Os sintomas que ocorrem devido
te, do trifosfato de adenosina (ATP),
a essa má absorção são similares aos
mas de gradiente através da mem-
experimentados por pacientes intole-
brana; o gradiente de Na+, é claro,
rantes à lactose e que a consomem.
criado e mantido pela Na+-K+-ATPa-
se, na membrana basolateral.
Uma vez no citosol, a glicose e a ga-
lactose podem ser retidas para as
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Figura 5. Absorção de glicose, frutose e galactose no intestino delgado. (Fonte: Berne, 2009)

SAIBA MAIS!
A Síndrome de má absorção de glicose e galactose é uma doença de origem genética, bas-
tante rara, devido a múltiplas mutações que resultam em substituições de um único aminoá-
cido do cotransportador 2Na+-glicose ou galactose (SGLT1). Cada uma destas substituições
induz alterações que previnem o transporte de glicose e/ou galactose nos indivíduos afetados.
Os pacientes apresentam diarreia osmótica, consequente à má absorção das hexoses e de
Na+. Neste caso, a dieta não deve conter amido, glicose ou lactose. A frutose é bem tolerada.
As outras dissacaridases da borda em escova são normais. Os pacientes não apresentam
glicosúria, uma vez que o túbulo proximal do néfron tem as isoformas SGLT1 e SGLT2, ocor-
rendo, assim, reabsorção tubular normal de glicose, no rim.
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MAPA MENTAL: CARBOIDRATOS

Glicose Monossacarídeos
Transporte por difusão

Galactose
Absorvíveis Transportador GLUT5
na membrana apical
Frutos Frutose
Sacarose
Transportador GLUT 2
na membrana basolateral

Lactose Inabsorvíveis CARBOIDRATOS Absorção


Transportador GLUT 2
na membrana basolateral
Maltose Dissacarídeos Glicose e galactose
Transportador SGLT1
na membrana apical
Digestão
Amidos Polissacarídeos

Simporte com Na+


contra gradiente
Amidos Sacarose Lactose

Dextrinas α-limitadas Glicose + frutose Glicose + galactose

Glicose Maltose

Maltotriose
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 13

3. PROTEÍNAS As proteínas são polímeros solúveis


em água, que precisam ser digeridas
A quantidade de proteína na dieta,
em constituintes menores, antes
necessária para manter o balanço ni-
que seja possível sua absorção. Sua
trogenado, varia extremamente com
absorção é mais complicada do que a
as condições socioeconômicas da
dos carboidratos, porque contêm 20
população. Nos países desenvolvi-
aminoácidos diferentes e pequenos
dos, são ingeridos entre 70 e 100 g
oligômeros desses aminoácidos (di-
de proteínas por dia; isso é conside-
peptídeos, tripeptídeos e, provavel-
rado excessivo, em relação às neces-
mente, até tetrapeptídeos), que tam-
sidades do organismo (representa 10
bém podem ser transportados pelos
a 15% da ingestão calórica – e 1 g de
enterócitos. O corpo, em particular o
proteína fornece aproximadamente
fígado, tem capacidade substancial
4 kcal). Nas populações pobres, por
de interconverter vários aminoácidos,
exemplo, nas africanas, a ingestão
sujeitos às suas necessidades. Entre-
proteica é em média de 50 g diários.
tanto, alguns aminoácidos, denomi-
Nestas, como as crianças (cujo requi-
nados aminoácidos essenciais, não
sito proteico é maior que o dos adul-
podem ser sintetizados pelo corpo
tos) ingerem frequentemente cerca
nem a partir de outro aminoácido e,
de 4 g/dia de proteína, são os indiví-
então, têm que ser obtidos da dieta.
duos mais afetados.

Figura 6. Aminoácidos essenciais que não são sintetizados pelo ser humano e que devem ser obtidos pela dieta.
(Fonte: Berne, 2009)
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 14

Digestão de proteínas lançadas no duodeno pela secreção


pancreática. A chegada do quimo
Os processos de digestão proteica lu-
proveniente do estômago estimula as
minal podem ser divididos nas fases
células endócrinas do delgado, mais
gástrica e intestinal (ou pancreáti-
concentradas no duodeno, a secreta-
ca), segundo os locais de origem das
rem tanto secretina (células S) como
enzimas proteolíticas.
CCK (células I). Estes dois hormônios
Na fase gástrica, a hidrólise proteica gastrintestinais estimulam, respecti-
ocorre pelas pepsinas e pela presen- vamente, as células dos ductos pan-
ça do HCl, o qual confere um pH ade- creáticos a secretarem bicarbonato
quado para a ativação do pepsinogê- de sódio, e as acinares pancreáticas
nio à pepsina. a secretarem enzimas. O bicarbona-
A pepsina consiste em uma endo- to não só tampona o HCl, como gera
peptidase que hidrolisa proteínas nas o ambiente alcalino propício à ação
ligações peptídicas formadas por ami- das enzimas pancreáticas, cujas ati-
nogrupos de ácidos aromáticos, como vidades são máximas a valores de pH
a fenilalanina, a tirosina e o triptofano, próximos à neutralidade.
originando oligopeptídeos e não ami- Existem 5 principais enzimas pro-
noácidos livres. Ela tem capacidade teolíticas pancreáticas: tripsina, qui-
para digerir o colágeno, que é pouco motripsina, carboxipolipeptidase A e
hidrolisado por outras enzimas prote- B e elastase. Tanto a tripsina como
olíticas. A digestão do colágeno pela a quimotripsina clivam as moléculas
pepsina facilita a penetração de outras de proteína em pequenos polipeptí-
enzimas proteolíticas nos tecidos a se- deos; as carboxipolipeptidases en-
rem digeridos. Cerca de 10 a 15% das tão liberam aminoácidos individuais
proteínas da ingesta são hidrolisadas dos terminais carboxila dos polipep-
pela pepsina, resultando oligopeptíde- tídeos. A proelastase, por sua vez, é
os. A ação proteolítica da pepsina não convertida em elastase que, então,
é, porém, essencial; a sua importân- digere as fibras de elastina, abun-
cia reside na ação dos oligopeptídeos dantes em carnes. Apenas pequena
hidrolisados, que estimulam tanto a porcentagem das proteínas é dige-
secreção de gastrina pelo estômago rida completamente até seus ami-
como a de colecistocinina (CCK) por noácidos constituintes, pelos sucos
células endócrinas do duodeno, esti- pancreáticos. A maioria é digerida até
mulando as células acinares do pân- dipeptídeos e tripeptídeos.
creas a secretarem enzimas.
O último estágio na digestão das
A fase intestinal da digestão proteica proteínas no lúmen intestinal é feito
é efetuada pelas enzimas proteolíticas pelos enterócitos que revestem as
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 15

vilosidades do intestino delgado, es- Dois tipos de peptidases são espe-


pecialmente no duodeno e no jejuno. cialmente importantes, aminopoli-
Essas células apresentam borda em peptidase e diversas dipeptidases.
escova, que consiste em centenas de Elas continuam a hidrólise dos maio-
microvilosidades que se projetam da res polipeptídeos remanescentes em
superfície de cada célula. Nas mem- tripeptídeos e dipeptídeos e de uns
branas de cada uma dessas micro- poucos aminoácidos. Aminoácidos,
vilosidades, encontram-se múltiplas dipeptídeos e tripeptídeos são fa-
peptidases que se projetam através cilmente transportados através da
das membranas para o exterior, onde membrana microvilar para o interior
entram em contato com os líquidos do enterócito.
intestinais.

Figura 7. Hierarquia das proteases e peptidases que funcionam no estômago e no intestino delgado para digerir as
proteínas da dieta. (Fonte: Berne, 2009)
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 16

Absorção de proteínas pequenos peptídeos. O transporta-


dor primário e responsável por essa
O corpo também é dotado de uma sé-
absorção é chamado PepT1 (ou
rie de transportadores de membrana,
peptídeo transportador 1) e é um
capazes de promover a captação de
simporte que carrega peptídeos em
produtos da digestão proteica que são
conjunto com prótons. Os peptíde-
solúveis em água. Devido ao grande
os absorvidos pelos enterócitos são
número de aminoácidos, existe um nú-
imediatamente hidrolisados por uma
mero relativamente grande de trans-
série de peptidases citosólicas em
portadores específicos. Em geral, os
seus aminoácidos constituintes. Os
transportadores de aminoácidos têm
aminoácidos
especificidade razoavelmente ampla
e, em geral, transportam um subgrupo não necessários pelos enterócitos
de aminoácidos (p. ex., neutros, ani- são exportados através da membra-
ônico ou catiônico), mas com alguma na basolateral e entram nos capilares
sobreposição de sua afinidade para sanguíneos para serem transporta-
aminoácidos particulares. Além disso, dos para o fígado através da veia por-
alguns transportadores de aminoáci- ta. O PepT1 é, também, de interesse
dos são simporte de seus substratos clínico porque pode mediar a absor-
aminoácidos, em conjunto com absor- ção dos chamados fármacos pep-
ção obrigatória de Na+. tidomiméticos, que incluem diver-
sos antibióticos, bem como agentes
O intestino delgado também é notá-
quimioterápicos.
vel por sua capacidade de absorver

Figura 8. Absorção de aminoácidos no intestino delgado. (Fonte: Berne, 2009)


FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 17

MAPA MENTAL: PROTEÍNAS

Gradiente criado pela ação de trocadores


Aminoácidos Dipeptídeos Tripeptídeos de sódio/hidrogênio na membrana apical.

Simporte com H+
Absorvíveis

Transportador primário de peptídeos (PepT1)


na membrana apical
Proteínas
Transporte por difusão na
Inabsorvíveis PROTEÍNAS Absorção
membrana basolateral
Oligopeptídeos
Cada aminoácido tem seu
transportador específico

Digestão

Aminoácidos
Estômago Intestino delgado
Dipeptídeos
Tripeptídeos
Enzimas da borda
Pepsina em escova
Oligopeptídeos

Secreção pancreática
Oligopeptídeos
Aminoácidos
Dipeptídeos
Tripeptídeos
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 18

4. LIPÍDEOS encontrado em óleos e outras gor-


duras. A maioria desses triglicerídeos
Definidos como substâncias que são
tem cadeia longa de ácidos graxos
mais solúveis em solventes orgâni-
esterificados no arcabouço glicerol.
cos do que em água, os lipídeos são
Lipídeos adicionais são fornecidos
a terceira classe principal de macro-
na forma de fosfolipídeos e coles-
nutrientes da dieta humana. Os lipí-
terol, originados, principalmente, das
deos fornecem, significativamente,
membranas celulares. Também é im-
mais calorias por grama do que as
portante considerar que chegam ao
proteínas ou os carboidratos, por isso
intestino, diariamente, não apenas li-
têm maior importância nutricional,
pídeos da dieta, mas também lipídeos
assim como são propensos a contri-
originados no fígado, nas secreções
buir para a obesidade, se consumidos
biliares.
em quantidades excessivas. Os lipí-
deos também dissolvem compostos Quando a refeição gordurosa é in-
voláteis e contribuem para o sabor e gerida, os lipídeos se liquefazem na
o aroma dos alimentos. temperatura corporal e flutuam na
superfície do conteúdo gástrico. Isso
A forma predominante dos lipídeos
poderia limitar a área de superfície
na dieta humana é o triglicerídeo,
entre as fases aquosa e lipídica do
conteúdo gástrico e restringir o aces-
so de enzimas capazes de quebrar os
lipídeos para formar os que poderiam
ser absorvidos, pois as enzimas lipo-
líticas, como as proteínas, ficam na
fase aquosa. Por esse motivo, o está-
gio inicial na absorção dos lipídeos é
sua emulsificação. A mistura ocorrida
no estômago faz com que os lipídeos
da dieta fiquem na forma de peque-
nas esferas em suspensão, que au-
menta em muito a área da superfície
da fase lipídica.
A absorção dos lipídeos também é fa-
cilitada pela formação de solução de
micelas, com ajuda dos ácidos bilia-
res, existentes nas secreções biliares.
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 19

Figura 9. Representação esquemática das micelas


mistas, conjuntos cilíndricos de ácidos biliares e outros
lipídios da dieta. (Fonte: Berne, 2009)

Digestão dos lipídeos do éster triglicerídico, o que significa


que a molécula não pode ser comple-
A digestão dos lipídeos começa no
tamente quebrada em componentes
estômago. A lipase gástrica é libe-
que podem ser absorvidos pelo cor-
rada, em grandes quantidades, pelas
po. Também existe pouca ou nenhu-
células principais gástricas; ela se ad-
ma quebra dos ésteres de colesterol
sorve à superfície das micelas de gor-
ou dos ésteres das vitaminas liposso-
dura, dispersas no conteúdo gástrico,
lúveis. Na verdade, a lipólise gástrica
e hidrolisa os componentes triglice-
é dispensável em indivíduos saudá-
rídeos em diglicerídeos e ácidos gra-
veis por causa do excesso acentuado
xos livres. Entretanto, pouca absorção
de enzimas pancreáticas.
de gordura ocorre no estômago, por
causa do pH ácido do lúmen, que re- A maior parte da lipólise ocorre no in-
sulta em protonação dos ácidos gra- testino delgado dos indivíduos sau-
xos livres, liberados pela lipase gás- dáveis. O suco pancreático contém
trica. A lipólise também é incompleta três importantes enzimas lipolíticas,
no estômago, porque a lipase gástri- que têm suas atividades otimizadas
ca, a despeito de sua ótima ativida- em pH neutro. A primeira delas é a
de catalítica em pH ácido, não é ca- lipase pancreática. Essa enzima di-
paz de hidrolisar a segunda posição fere da enzima gástrica por ser capaz
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 20

de hidrolisar as posições 1 e 2 do tri- só os ésteres de colesterol, como seu


glicerídeo, produzindo grande quanti- nome implica, mas também os éste-
dade de ácidos graxos livres e mono- res de vitaminas lipossolúveis, e até
glicerídeos. Em pH neutro, as cabeças mesmo triglicerídeos. É interessante
dos ácidos graxos livres têm carga, que essa enzima requer ácidos bilia-
assim, essas moléculas migram para res para sua atividade (diferentemen-
a superfície das gotículas de óleo. A te da lipase) e é relacionada à enzima
lipase também apresenta paradoxo produzida no leite materno, com par-
aparente, onde é inibida pelos ácidos ticipação importante na lipólise em
biliares, que também fazem parte do recém-nascidos.
conteúdo do intestino delgado. Os À medida que ocorre a lipólise, seus
ácidos biliares se adsorvem à super- produtos são movidos das micelas
fície das micelas de óleo, por isso po- lipídicas, primeiro, para fase lamelar,
deriam causar a dissociação da lipa- ou membranosa, subsequentemen-
se. Entretanto, a atividade da lipase é te, para micelas mistas, compostas
mantida por um cofator importante, por produtos lipolíticos e ácidos bi-
a colipase, que também faz parte do liares. Os ácidos biliares anfipáticos
suco pancreático. A colipase é uma (têm as faces hidrofóbica e hidrofílica)
molécula ponte que se liga aos ácidos servem para proteger as regiões hi-
biliares e à lipase; ela ancora a lipase drofóbicas dos produtos lipolíticos da
às gotículas de óleo, mesmo em pre- água, enquanto apresentam próprias
sença dos ácidos biliares. faces hidrofílicas em ambiente aquo-
O suco pancreático também contém so. As micelas ficam, na verdade, em
duas enzimas adicionais, importan- solução, por isso aumentam a solubili-
tes para a digestão da gordura. A pri- dade do lipídio no conteúdo intestinal.
meira delas é a fosfolipase A2, que Isso aumenta a intensidade ou velo-
hidrolisa os fosfolipídeos, como os cidade com que as moléculas, como
presentes nas membranas celulares, os ácidos graxos, podem se difundir
resultando na formação de lisoleciti- para a superfície intestinal absortiva.
na e ácidos graxos. Previsivelmente, Dada a grande área de superfície do
essa enzima pode ser bastante tóxica intestino delgado e a considerável so-
na ausência de substratos da dieta, lubilidade dos produtos da hidrólise
por isso é secretada como pró-forma dos triglicerídeos, as micelas não são
inativa que só é ativada quando atin- essenciais para a absorção dos tri-
ge o intestino delgado. Além disso, o glicerídeos. Por esse motivo, os pa-
suco pancreático contém a chamada cientes com produção insuficiente de
colesterol esterase relativamente ácidos biliares (causada, por exemplo,
inespecífica, que pode quebrar não por cálculo biliar que obstrui a saída
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 21

da bile) normalmente não apresen- mesmo após terem sido ingeridos.


tam má absorção de gordura. Por sua Assim, se a concentração luminal de
vez, o colesterol e as vitaminas lipos- ácidos biliares cair abaixo da concen-
solúveis são quase totalmente inso- tração crítica de micelas, o paciente
lúveis em água, portanto, necessitam ficará deficiente de vitaminas liposso-
de micelas para serem absorvidos lúveis (vitaminas A, D, E e K).

SAIBA MAIS!
Alterações da digestão lipídica podem ocorrer por insuficiência pancreática, com diminuição
ou ausência da secreção de lipase pancreática. Neste último caso, cerca de 2/3 da gordura
da ingesta aparecem nas fezes (na forma de triglicerídeo). A diminuição da atividade das en-
zimas pancreáticas pode acontecer em várias condições, como pancreatite, fibrose cística ou
outras afecções pancreáticas. Alterações do pH luminal no delgado também podem inativar
a lipase pancreática ou mesmo desnaturá-la. Isso pode ocorrer em consequência de uma hi-
persecreção gástrica, como, por exemplo, no gastrinoma ou na síndrome de Zollinger-Ellison,
em que a gastrina plasmática está sempre elevada devido a um tumor pancreático secretor
de gastrina. Secreção insuficiente de bicarbonato pancreático, em caso de pancreatite, pode
também inativar a lipase pancreática.

Absorção dos Lipídeos enterócitos. Ao contrário dos monos-


sacarídeos e aminoácidos, que deixam
Acredita-se que os produtos da di-
os enterócitos na forma molecular e
gestão da gordura sejam capazes de
entram na circulação porta, os produ-
atravessar facilmente as membra-
tos da lipólise são reesterificados, nos
nas celulares devido à sua lipofilici-
enterócitos, para formar triglicerídeos,
dade. Entretanto, evidências recentes
fosfolipídeos e ésteres de colesterol.
sugerem que sua absorção pode ser,
Esses eventos metabólicos ocorrem
alternativa ou adicionalmente, regu-
no retículo endoplasmático liso. Ao
lada pela atividade de transportado-
mesmo tempo, os enterócitos sinte-
res de membrana específicos. Uma
tizam série de proteínas, conhecidas
proteína ligante de ácidos graxos na
como apolipoproteínas, no retículo
membrana das microvilosidades pa-
endoplasmático rugoso. Essas prote-
rece ser responsável pela absorção
ínas são combinadas com os lipídeos
de ácidos graxos de cadeia longa
ressintetizados, para formar estru-
através da borda em escova.
tura conhecida como quilomícron,
Os lipídeos se diferem dos carboi- que consiste em núcleo lipídico (pre-
dratos e das proteínas, em termos de dominantemente triglicerídeo, com
seu destino, após a absorção pelos muito menos colesterol, fosfolipídio
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 22

e ésteres de vitaminas lipossolúveis) mediado pelos quilomícrons, são os


recoberto por apolipoproteínas. Os ácidos graxos de cadeia média. Esses
quilomícrons são exportados dos ácidos são relativamente solúveis em
enterócitos por processo de exocito- água e podem permear as junções fe-
se. Entretanto, ao chegar na lâmina chadas dos enterócitos, o que signifi-
própria, eles são muito grandes para ca que se desviam dos
permear pelos espaços intercelulares eventos de processamento intrace-
dos capilares da mucosa. Em vez dis- lular descritos acima e não são in-
so, eles são absorvidos por linfáticos cluídos nos quilomícrons. Por esse
da lâmina própria e passam ao longo motivo, entram na circulação porta
da circulação porta e do fígado. e ficam mais facilmente disponíveis
Por fim, os quilomícrons na linfa en- para outros tecidos. Dieta rica em tri-
tram na corrente sanguínea pelo ducto glicerídeos de cadeia média pode ser
torácico e servem como veículo para de particular benefício em pacientes
transportar lipídeos pelo corpo, para com reservatório inadequado de áci-
uso pelas células em outros órgãos. A dos biliares.
única exceção para esse transporte,

Lúmen intestinal Célula epitelial do intestino Sangue

Sais Sais
biliares biliares
Col Col AGL Col E

MG MG AGL TG Linfa
(ducto torácico)
LisoPL LisoPL AGL FL

Quilomícron
AGL AGL
Sais Sais
biliares biliares

Figura 10. Mecanismo de absorção de lipídios no intestino delgado. Legenda: Apo B, apoliproteína B; Col, colesterol;
Col E, éster de colesterol; AGL, ácido graxo livre; LisoPL, lisolecitina; MG; monoglicerídeos; FL, fosfolipídios; TG, triglice-
rídeos. (Fonte: Costanzo, 2015)
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 23

MAPA MENTAL: LIPÍDEOS

Colesterol Produtos solubilizados em micelas

Monoglicerídeos Entrada pela membrana apical

Ácidos graxos livres Insolúveis em água Reesterificação no retículo


endoplasmático liso (lipídios originais)

Solúveis na
Lisolecitina Absorvíveis Empacotamento em quilomícrons
forma de micelas
LIPÍDEOS

Triglicerídeos Inabsorvíveis Absorção Exocitose das vesículas

Éster de colesterol Digestão

Fosfolipídeos Lipase lingual, Monoglicerídeo


Triglicerídeos
gástrica e pancreática e ácidos graxos

Éster de colesterol Colesterol esterase Colesterol

Lisolecitina e
Fosfolipídeos Fosfolipase A2
Ácido graxo
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 24

5. ÁGUA E
ELETRÓLITOS
A fluidez do conteúdo intestinal,
especialmente no intestino del-
gado, é importante para permitir
que a refeição seja propelida ao
longo da extensão do intestino e
para permitir que os nutrientes
digeridos se difundam para seus
sítios de absorção. Parte desse
fluido é derivado da ingestão
oral, mas, na maioria dos adul-
tos, isto consiste em apenas 1
ou 2L/dia derivados do alimen-
to e da bebida. Fluido adicional
é suprido pelo estômago e pelo
próprio intestino delgado, bem
como pelos órgãos que drenam
para o trato gastrointestinal. No
total, essas secreções adicio-
nam outros 8L, o que significa
que o intestino recebe quase 9L
de fluido por dia. Entretanto, em
indivíduos saudáveis, somente
em torno de 2L desse total pas- Figura 11. Balanço global do fluido no trato gastroin-
testinal humano. (Fonte: Berne, 2009)
sa para o cólon para reabsorção e,
eventualmente, apenas 100 a 200mL
saem na evacuação. Assim, o trans- o movimento da água pelas junções
porte de fluido fechadas.
pelo intestino enfatiza a absorção. O sódio consiste no principal eletró-
Durante o período pós-prandial essa lito do líquido extracelular; é absorvi-
absorção é promovida, predominan- do em todo o trajeto intestinal, embo-
temente, no intestino delgado via ra sua absorção diminua no sentido
efeitos osmóticos da absorção dos cefalocaudal, por redução da área ab-
nutrientes. Esse gradiente osmótico é sortiva. É altamente responsável pela
estabelecido através do epitélio intes- manutenção da volemia, estando en-
tinal, que, simultaneamente, impede volvido com os processos absortivos
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 25

intestinais de vários substratos orgâ- epiteliais pela Na+/ K+-ATPase da


nicos, como glicose, galactose, ami- membrana basolateral.
noácidos, várias vitaminas hidrosso-
lúveis, sais biliares etc.
O conteúdo do intesti-
no delgado é isotônico e
tem aproximadamente a
mesma concentração de
Na+ que a do plasma, ou
seja, cerca de 140mE-
q/ℓ. Sendo assim, no
delgado, a absorção de
Na+ normalmente acon-
tece na ausência de um
gradiente de potencial
eletroquímico significan-
te, entre o lúmen intes-
tinal e o compartimen-
to intersticial vascular.
Como pouco Na+ é eli-
minado por via intesti-
nal (cerca de 40mEq/ℓ),
este íon é extensiva-
mente reciclado. A taxa
de absorção resultante
do Na+ é mais alta no
jejuno, em acoplamento Figura 12. Mecanismo de absorção e NaCL no intesti-
com solutos orgânicos (por cotrans- no delgado. (Fonte: Berne, 2009)
porte). O Na+ move-se do lúmen in-
testinal para o interior das células do
Mesmo que o transporte efetivo de
delgado, através da membrana api-
água e de eletrólitos no intestino del-
cal, a favor do seu gradiente de po-
gado, ocorra, predominantemente,
tencial eletroquímico; com isso, provê
segundo o vetor absortivo, isso não
a energia para o transporte dos so-
implica que o tecido não participe
lutos orgânicos, por mecanismo de
da secreção de eletrólitos. Essa se-
transporte ativo secundário. Subse-
creção é regulada em resposta a si-
quentemente, o Na+ é transportado
nais originados no conteúdo luminal
de modo ativo para fora das células
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 26

e na deformação da mucosa ou da fibrose cística, podem ocorrer quando


distensão abdominal, ou de ambos. a secreção é anormalmente baixa.
Secretagogos críticos incluem a ace- A maioria do fluxo secretório de flui-
tilcolina, o VIP, as prostaglandinas e do para o lúmen é impulsionada pela
a serotonina. A secreção garante que secreção ativa de íons cloreto. Alguns
o conteúdo intestinal fique apropria- segmentos do intestino podem par-
damente fluido enquanto a digestão ticipar de mecanismos secretórios
e a absorção estão ocorrendo, e pode adicionais, como a secreção de íons
ser importante para lubrificar a pas- bicarbonato. Presumivelmente, esse
sagem das partículas de alimento ao bicarbonato protege o epitélio, par-
longo do intestino. Por exemplo, al- ticularmente nas porções mais pro-
gumas evidências clínicas sugerem ximais do duodeno, imediatamente
que a constipação e a obstrução in- abaixo do piloro, da lesão causada
testinal, a última sendo observada na pelo ácido e pela pepsina.

MAPA MENTAL: ÁGUA E ELETRÓLITOS

Acontece na ausência de um gradiente


de potencial eletroquímico significante

Absorvido com outras substâncias


Absorvido em todo trajeto intestinal
como glicose, galactose, aminoácidos

Responsável pela
Principal íon do extracelular
manutenção da volemia

Sódio

ÁGUA E
ELETRÓLITOS

ÁGUA

Imprescindível para manter a


Secreção Absorção
fluidez do conteúdo intestinal

O transporte de fluido pelo


Secreções gástricas intestino enfatiza a absorção

Bile
Ingesta por via oral

Suco pancreático

Secreções intestinais

Fezes
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 27

MAPA MENTAL: GERAL

Movimento do lúmen
para o sangue Suco salivar
Enzimas digestivas Fezes
Através Vias Suco gástrico
das junções Degradação química
ocludentes Paracelular Suco pancreático dos alimentos até Secreções intestinais
moléculas absorvíveis
Cruzamento Celular Enzimas da
da membrana borda em escova Secreções gástricas Suco pancreático
apical Mucosa Membrana apical
intestinal Digestão
do epitélio intestinal Secreção Bile
Vilosidades

Dobras de Kerckring Absorção ÁGUA


Digestão Absorção
O transporte de
Microvilosidades e absorção fluido pelo intestino
de água e enfatiza a absorção
Absorção Ingesta por via oral
Carboidratos nutrientes LIPÍDEOS
Frutose
Produtos Empacotamento Reesterificação no
Transportador GLUT5 Digestão solubilizados em
Proteínas quilomícrons retículo endoplasmático
na membrana apical em micelas liso (lipídios originais)
Lactose
Transporte por difusão
Glicose + galactose Absorção Entrada pela
Digestão
Transportador GLUT 2 na membrana apical
membrana basolateral Amidos Estômago Digestão
Triglicerídeos
Glicose e Dextrinas Pepsina Absorção
galactose α-limitadas Lipase lingual, gástrica
Oligopeptídeos Transportador primário de e pancreática
Glicose Maltose peptídeos (PepT1) na
Transportador Intestino delgado membrana apical Lisolecitina
graxoe Ácido
SGLT1 na Maltotriose Enzimas da Simporte com H+
membrana apical borda em escova
Sacarose Gradiente criado pela ação de Fosfolipídeos Éster de
Oligopeptídeos trocadores de sódio/hidrogênio colesterol
Simporte com Glicose + frutose Aminoácidos, Dipep- na membrana apical.
Na+ contra tídeos, Tripeptídeos Colesterol
Transporte por difusão na Fosfolipase A2
gradiente esterase
Secreção pancreática membrana basolateral
Aminoácidos, Dipep- Cada aminoácido tem seu
tídeos, Tripeptídeos Monoglicerídeo
transportador específico Colesterol
e ácidos graxos
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 28

6. FUNÇÕES que é a conversão de outros açúcares


METABÓLICAS DO FÍGADO em glicose. O fígado também arma-
zena glicose na forma de glicogênio,
O fígado é órgão grande, multilo-
nos momentos em que ela está em
bado, localizado na cavidade ab-
excesso (como no período pós-pran-
dominal, cujo funcionamento está
dial), e libera a glicose armazenada
estreitamente relacionado ao fun-
para a corrente sanguínea, quando
cionamento do sistema gastroin-
ela é necessária.
testinal. O fígado é o primeiro local
de processamento da maior parte Esse processo hepático é conhecido
dos nutrientes absorvidos, também como “função tampão da glicose”.
secreta ácidos biliares que desempe- Quando o funcionamento do fígado
nham papel decisivo na absorção dos está comprometido, as concentra-
lipídeos da ingestão alimentar. Além ções de glicose no sangue podem su-
disso, o fígado é uma usina de ener- bir excessivamente após a ingestão
gia metabólica, fundamental para a de carboidratos.
retirada de vários produtos metabó- De modo inverso, entre as refeições,
licos residuais e compostos químicos pode ocorrer hipoglicemia, em razão
estranhos ao nosso organismo, por da incapacidade do fígado de partici-
meio da conversão dessas substân- par do metabolismo dos carboidratos
cias em formas que podem ser excre- e da interconversão de um açúcar em
tadas. O fígado armazena e produz outro.
inúmeras substâncias necessárias
ao corpo, como glicose, aminoácidos
e proteínas do plasma. De modo ge- Função no metabolismo dos
ral, as funções-chave do fígado po- lipídeos
dem ser divididas por três áreas: (1) Os hepatócitos também participam
as contribuições para o metabolismo do metabolismo dos lipídeos. Essas
de todo corpo, (2) a destoxificação e células são fonte, particularmente,
(3) a excreção de produtos residuais rica em enzimas metabólicas enga-
ligados às proteínas e de produtos re- jadas no processo de oxidação dos
siduais lipossolúveis ácidos graxos, que fornece energia
para outras funções do corpo. Os he-
patócitos também convertem produ-
Funções no metabolismo dos
tos do metabolismo dos carboidratos
carboidratos
em lipídeos, que podem ser armaze-
O fígado desempenha papel impor- nados no tecido adiposo e sintetizam
tante no metabolismo da glicose ao grandes quantidades de lipoproteí-
se encarregar da gliconeogênese, nas, colesterol e fosfolipídeos. Esses
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 29

dois últimos são importantes para a biossintéticas, relacionadas à síntese


biogênese das membranas celulares. de carboidratos.
Além disso, os hepatócitos conver- Com exceção das imunoglobulinas, o
tem parte considerável do colesterol fígado sintetiza quase todas as prote-
sintetizado em ácidos biliares. ínas presentes no plasma, sobretudo
a albumina, que determina a pres-
Função no metabolismo das são oncótica do plasma, bem como a
proteínas maioria dos fatores de coagulação.
Os pacientes com doenças hepáticas
O fígado também desempenha pa-
podem manifestar edema periférico,
pel vital no metabolismo das prote-
secundário à hipoalbuminemia e tam-
ínas. Ele sintetiza todos os chama-
bém são suscetíveis a sangramentos.
dos aminoácidos não essenciais,
Por fim, o fígado é o local crucial para
cuja presença não é necessária nos
a remoção do organismo da amônia,
alimentos consumidos, além de par-
formada no catabolismo proteico.
ticipar da interconversão e da desa-
Para ser eliminada, a amônia precisa
minação dos aminoácidos, processos
ser convertida em ureia, que pode,
cujos produtos podem entrar nas vias
então, ser excretada pelos rins.

MAPA MENTAL: FUNÇÕES METABÓLICOS DO FÍGADO

Funções
metabólicas
do Fígado

Metabolismo dos carboidratos Metabolismo dos lipídeos Metabolismo das proteínas

Produz enzimas que


Atua na síntese dos
Atua na gliconeogênese atuam na oxidação
fatores da coagulação
dos ácidos graxos

Converte produtos
Armazena a glicose Única órgão que
do metabolismo dos
na forma de glicogênio sintetiza albumina
carboidratos em lipídeos

Liberação da glicose
Converte o colesterol Atua na síntese de
na corrente sanguínea
em ácidos biliares aminoácidos não essenciais
quando necessário

Atua na interconversão e
deaminação nas vias de
síntese de carboidratos
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 30

7. METABOLISMO DA composta por ácidos biliares, secreta-


BILIRRUBINA dos através da membrana apical dos
hepatócitos, pela ação ATPase trans-
Formação e secreção da bile
portadora, conhecida como bomba de
A bile é um líquido excretor que de- exportação de sais biliares. A com-
sempenha papel importante na di- posição do líquido resultante pode ser
gestão dos lipídeos. A formação da modificada mais adiante, à medida
bile começa nos hepatócitos, que que flui pelos dúctulos biliares (resul-
transportam ativamente solutos para tando na bile hepática) e, ainda mais
os canalículos biliares, através da adiante, quando a bile é armazenada
membrana apical. A bile é solução na vesícula biliar (bile vesicular). Por
micelar cujos principais solutos são fim, a bile é transformada em solução
os ácidos biliares, a fosfatidilcolina e o concentrada de detergentes biológi-
colesterol, na proporção aproximada cos que auxilia na solubilização dos
10:3:1, respectivamente. produtos da digestão dos lipídeos, no
A secreção desses solutos desen- meio aquoso do lúmen intestinal, au-
cadeia movimento concomitante de mentando, assim, a velocidade com a
água e de eletrólitos, através das jun- qual os lipídeos são transferidos para
ções fechadas (tight junctions) que a superfície epitelial absortiva. A bile
unem os hepatócitos adjacentes e, também atua como meio em que os
desse modo, a bile canalicular é for- produtos residuais do metabolismo
mada. A maior parte do fluxo biliar é são eliminados do corpo.
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 31

MAPA MENTAL: FORMAÇÃO E SECREÇÃO DA BILE

Formação
e secreção
da bile

Bile Início Durante Final

Líquido excretor Bile canalicular Bile hepática Bile vesicular

Desempenha papel Hepatócitos →


Armazenada na
importante de canalículos
vesícula biliar
digestão de lipídeos hepáticos

Composta por ácidos


biliares, pigmentos restante provém de outras proteínas
biliares e colesterol que contêm heme, encontradas em
outros tecidos, como o músculo es-
quelético, e no próprio fígado. A bilirru-
Formação e Excreção da bina é capaz de atravessar a barreira
Bilirrubina pelo Fígado hematoencefálica e, quando em quan-
tidades excessivas, provoca disfunção
A importância do fígado também resi- cerebral, por razões que ainda não são
de na sua capacidade de excretar bi- bem-compreendidas. Se não for trata-
lirrubina, um metabólito do heme que da, essa condição poderá ser fatal.
é potencialmente tóxico para o orga-
nismo. Recentemente, foi demonstra- A bilirrubina e seus metabólitos tam-
do que a bilirrubina age como antioxi- bém se destacam pelo fato de dar cor
dante, mas ela também possibilita a à bile, às fezes e, em menor grau, à uri-
eliminação do excesso de heme, que é na. Além disso, quando se acumula na
liberado da hemoglobina dos glóbulos circulação, como resultado de doença
vermelhos senescentes. De fato, os hepática, a bilirrubina causa o sintoma
glóbulos vermelhos são responsáveis comum, a icterícia, ou seja, o amarela-
por 80% da produção de bilirrubina. O mento da pele e das mucosas.
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 32

A bilirrubina é sintetizada do heme


por meio de reação que ocorre, em
duas etapas, no interior das células
fagocíticas do sistema reticuloendo-
telial, entre elas as células de Kupffer
e as células do baço. A enzima heme
oxigenase, presente nessas células,
libera o ferro da molécula do heme e
produz o pigmento verde – biliverdi-
na. Esse pigmento, por sua vez, pode
passar por redução e originar a bilirru-
bina amarela. Como essa molécula é,
praticamente, insolúvel nas soluções
aquosas com pH neutro, ela é trans-
portada pelo sangue ligada à albumi-
na. Quando esse complexo chega ao
fígado, penetra no espaço de Disse,
onde a bilirrubina é captada de for-
ma seletiva pelo transportador OATP
localizado na membrana basolateral
dos hepatócitos. Figura 13. Conversão do heme em bilirrubina. As
reações, dentro da área delimitada pela linha tracejada
No compartimento microssômico ocorrem nas células do sistema reticuloendotelial. (Fon-
te: Berne, 2009)
dessas células, a bilirrubina é con-
jugada com uma ou duas moléculas
de ácido glicurônico, o que aumenta
não podem ser reabsorvidas do lú-
sua solubilidade em meio aquoso. A
men do intestino e isso garante que
reação é catalisada pela UDP glicu-
elas sejam excretadas. Entretanto, o
ronil transferase (UGT). Essa enzima
transporte da bilirrubina através do
é sintetizada, de modo lento, após o
hepatócito, mais especificamente,
nascimento, fato que explica por que
sua retirada da corrente sanguínea, é
a icterícia leve é relativamente co-
um processo relativamente ineficien-
mum em recém-nascidos. A bilirrubi-
te, por isso existe certa quantidade de
na conjugada é, então, secretada na
bilirrubina conjugada e não conjuga-
bile pela ação da proteína relaciona-
da no plasma, mesmo sob condições
da com múltiplos fármacos (MRP2),
normais. Ambas circulam ligadas à al-
localizada na membrana canalicular
bumina, mas a forma conjugada está
do hepatócito. Vale destacar que as
ligada mais fracamente e, por essa
formas conjugadas da bilirrubina
razão, pode ser encontrada na urina.
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 33

MAPA MENTAL: FORMAÇÃO E EXCREÇÃO DA BILIRRUBINA

Formação e
excreção da
bilirrubina

Pode se acumular
Capaz de atravessar
Dá coloração na circulação
Metabólito do heme a barreira
a bile e fezes sanguínea em
hematoencefálica
condições patológicas

Quando em
quantidades
Dá coloração a
Potencial Tóxico excessivas pode
pele - icterícia
causar disfunção
cerebral

Hepatócitos →
Bilirrubina age
como antioxidante
canalículos
hepáticos
metabolizada por bactérias que pro-
duzem urobilinogênio, que é reabsor-
vido, e urobilinas e estercobilinas, que
Fase Colônica da Bilirrubina são excretadas. O urobilinogênio ab-
sorvido, por sua vez, pode ser capta-
No cólon, a bilirrubina conjugada é do pelos hepatócitos e reconjugado,
desconjugada pela ação de enzimas o que dá a essa molécula mais uma
bacterianas, e a bilirrubina liberada é oportunidade de ser excretada.

MAPA MENTAL: FASE COLÔNICA DA BILIRRUBINA

Fase colônica
da bilirrubina

A bilirrubina é desconjungada Urobilirrubinogênio Urobilinas e estercobilinas

Ação de enzimas
Reabsorvido Excretado
bacterianas

Produção de
urobilirrubinogênio, Capturado por hepatócitos
urobilinas e estercobilinas

Reconjugado
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 34

SAIBA MAIS!
A quantificação da bilirrubina plasmática, bem como a determinação do tipo de bilirrubina
encontrado (conjugada ou não conjugada), constitui instrumento importante, para a avaliação
da doença hepática. A presença de bilirrubina não conjugada, a forma de bilirrubina que, na
prática, está totalmente ligada à albumina e não pode ser excretada na urina, reflete a defi-
ciência de UGT (ou retardo temporário e normal de sua maturação nos bebês), ou a oferta
excessiva e súbita de heme que sobrecarrega o mecanismo de conjugação (como ocorre nas
reações de transfusão e nos recém-nascidos, com sistema Rhesus incompatível). A bilirru-
binemia conjugada, por sua vez, é caracterizada pela presença de bilirrubina na urina. Como
consequência, a urina adquire coloração escura. Esse achado indica a presença de defeito
genético que afeta o transportador responsável pela secreção do glicuronídeo e do diglicuro-
nídeo de bilirrubina para o canalículo, ou bloqueio do fluxo da bile, talvez causado por cálculo
biliar obstrutivo. Nos dois casos, o fígado produz bilirrubina conjugada, que, por não ter mais
via de saída, regurgita de volta para o plasma e é, então, excretada na urina.

8. PROCESSAMENTO DA a amônia é tóxica para o sistema ner-


AMÔNIA voso central. Para ser eliminada do
organismo, a amônia é convertida
A amônia (N) é pequeno metabólito
em ureia, após passar por várias rea-
neutro, que se origina do catabo-
ções enzimáticas no fígado, conheci-
lismo das proteínas e da atividade
das como ciclo da ureia ou ciclo de
bacteriana, e que passa facilmente
Krebs-Henseleit. O fígado é o único
pelas membranas. O fígado
tecido do corpo capaz de converter
é o órgão que mais contribui para a amônia em ureia.
prevenção do acúmulo de amônia na
circulação, porque, como a bilirrubina,

Figura 14. O ciclo da ureia. (Fonte: Berne, 2009)


FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 35

Existem duas fontes principais de aquaporinas. Seja qual for o mecanis-


amônia. Aproximadamente, 50% da mo para o transporte, as propriedades
amônia do corpo é produzida no có- físico-químicas da amônia garantem
lon por ureases bacterianas. Dado que ela seja retirada, de modo eficien-
que o lúmen do cólon é normalmen- te, das circulações porta e sistêmica
te pouco ácido, parte dessa amônia pelos hepatócitos. No interior dessas
é convertida no íon amônio (NH4+), células, a amônia entra no ciclo da
que não consegue atravessar o epi- ureia onde é convertida em ureia e,
télio colônico e, como consequência, subsequentemente, transportada de
é excretado nas fezes. O restante volta para a circulação sistêmica. A
da amônia atravessa passivamente ureia é pequena molécula neutra que,
o epitélio colônico e é transportado após ser filtrada sem dificuldade no
para o fígado pela circulação porta. glomérulo, é parcialmente reabsorvi-
A outra fonte importante de amônia da nos túbulos renais. Aproximada-
(aproximadamente 40%) são os rins. mente 50% da ureia filtrada é excre-
Pequena quantidade de amônia (cer- tada na urina. A ureia que chega ao
ca de 10%) provém da desaminação cólon é excretada, ou metabolizada a
de aminoácidos no próprio fígado, de amônia, pelas bactérias colônicas, e
processos metabólicos que ocorrem essa amônia produzida é reabsorvida
nas células musculares e da liberação ou excretada.
da glutamina, contida
nos glóbulos vermelhos
senescentes.
A figura abaixo traz o
“balanço da massa” re-
lativo ao processamen-
to da amônia, em um
adulto saudável. Como
notado, a amônia é uma
pequena molécula neu-
tra que atravessa facil-
mente as membranas
das células, sem neces-
sidade de transportador
específico, embora al-
gumas proteínas mem-
branosas transportem a
Figura 15. Homeostasia da amônia no indivíduo
amônia, incluindo certas saudável. (Fonte: Berne, 2009)
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 36

SAIBA MAIS!
Quando a capacidade metabólica do fígado é comprometida de forma aguda, o paciente
pode entrar em coma e morrer rapidamente. Na doença hepática crônica, os pacientes po-
dem apresentar um declínio gradual do funcionamento mental que reflete a ação da amônia
como de outras toxinas que não podem ser removidas pelo fígado. Essa condição é conheci-
da como encefalopatia hepática. O surgimento de confusão, demência e, por fim, coma em
paciente com doença hepática é evidência da progressão significativa da doença que, se não
for tratada, poderá ser fatal.

MAPA MENTAL: PROCESSAMENTO DA AMÔNIA

AMÔNIA

Origina do catabolismo O fígado é o órgão que


das proteínas e mais contribui para Excreção
atividade bacteriana prevenção do seu acúmulo

50% da atividade colônica


Na forma de ureia –
40% de reabsorção dos rins Converte a amônia em ureia
pelos rins e fezes
10% glóbulos vermelhos

Potencial Tóxico para o Na forma de amônio –


sistema nervoso central pelas fezes
FISIOLOGIA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL 37

MAPA MENTAL: GERAL

10% da degradação
Liberação da glicose dos glóbulos vermelhos 50% da atividade
Produz enzimas na corrente sanguínea colônica
Atua na síntese que atuam na oxidação quando necessário Origina do catabolismo
dos fatores da dos ácidos graxos das proteínas e atividade 40% de reabsorção
coagulação Armazena a glicose na bacteriana nos rins Reconjugado
forma de glicogênio
Converte produtos Converte a amônia
do metabolismo dos O fígado é o órgão
Única órgão Atua na gliconeogênese que mais contribui em ureia Capturado pelos
que sintetiza carboidratos em lipídeos hepatócitos
para prevenção
albumina do seu acúmulo Na forma de amônio –
Metabolismo dos pelas fezes
Converte o colesterol Reabsorvido
em ácidos biliares carboidratos Excreção
Atua na síntese Na forma de ureia –
de aminoácidos pelos rins e fezes
não essenciais Urobilirrubinogênio
Metabolismo Processamento
dos lipídeos da amônia Fase colônica
Atua na Funções
Urobilina
interconversão e metabólicas A bilirrubina é Excretadas
desaminação nas do fígado desconjugada pelas fezes
vias de síntese de Metabolismo Formação e secreção
Estercobilina
carboidratos das proteínas da bilirrubina
Metabólico do heme
Ação de enzimas
Acontece no sistema bacterianas
Formação e reticuloendotelial
Composta Potencialmente tóxico
por ácidos Desempenha secreção da bile
biliares, papel importante Células de Kupffer Capaz de atravessar a barreira
pigmentos de digestão hematoencefálica
biliares e de lipídeos Líquido excretor Bile
colesterol Células do baço
Produção de biliverdina
Hepatócitos Bile canalicular Início
→ canalículos
hepáticos Redução para
Bile hepática Durante bile amarela Secreção pela bile
Armazenada Transporte pelo
na vesícula Bile vesicular Final sangue ligado a Conjugação (UGT)
biliar albumina

Chega ao fígado Captação pelo OATP


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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Aires MM. Fisiologia / Margarida de Mello Aires. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2018.
Berne & Levy: Fisiologia / editores Bruce M. Koeppen, Bruce A. Stanton ; [tradução Adriana
Pitella Sudré...[et al.]. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
Costanzo LS. Fisiologia; revisão técnica Carlos Alberto Mourão Júnior. - 6. ed. - Rio de Janei-
ro : Guanabara Koogan, 2015.
Guyton AC; Hall JE. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
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