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O MUNICÍPIO COMO

UNIDADE DE GOVERNO

Autoria: Clarissa Alexandra Guajardo Semensato

2 Edição
Indaial - 2021

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
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Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
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Jairo Martins
Jóice Gadotti Consatti
Marcio Kisner
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2021


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.
S471o

Semensato, Clarissa Alexandra Guajardo

O município como unidade de governo. / Clarissa Alexandra Guajardo


Semensato. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

158 p.; il.

ISBN 978-65-5646-181-6
ISBN Digital 978-65-5646-182-3

1. Organização municipal. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo


da Vinci.

CDD 350

Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
Federalismo no Brasil: O Município como Terceiro ente da
Federação...................................................................................... 7

CAPÍTULO 2
O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo................ 51

CAPÍTULO 3
A Organização Municipal: Autonomia e Constrangimento.... 99
APRESENTAÇÃO
Seja bem-vindo!

Você está iniciando um tema muito importante para o entendimento do


nosso país. O conhecimento sobre federalismo é base para entender como se
estruturam as políticas e quem são os responsáveis por elaborar as leis, colocá-
las em prática, administrar governos e escolher nossos representantes. No Brasil,
isso é realizado através de uma estrutura complexa que culmina no município,
principal unidade de análise a ser abordada aqui neste livro.

Por vezes, toma-se como natural a organização do Brasil, como se a realidade


fosse dada e como se houvesse um único modelo a ser adotado. Entretanto, você
vai entender que a realidade na qual estamos não foi dada, e sim construída. E
mais, que está em constante construção. Tampouco, o modelo vigente é a única
alternativa existente no mundo. Por isso, nosso sistema de organização precisa
ser estudado, entendido e problematizado para que os cidadãos contribuam
ativamente nessa construção.

Assim, desde já lhe convidamos para refletir: você sabe quais são,
exatamente, as responsabilidades do Presidente da República? E o que é o
Senado? Você sabe a quem cobrar pela gestão das escolas e hospitais de seu
município? Essas e outras questões serão esclarecidas nessa disciplina.

A intenção é que você aprenda sobre a organização do território, dos poderes


e da política no Brasil e sobre as instâncias e respectivas responsabilidades após
a Constituição Federal de 1988, marco no qual o município ganhou importante
espaço.

O primeiro capítulo deste livro trata sobre o federalismo como forma de


organização de um Estado, modelo vigente no Brasil. Apesar de amplamente
adotada, não é a única alternativa disponível, e em determinados países não
seria a mais apropriada. Além de não ser a única forma de Estado, você também
verá que a trajetória histórico-cultural dos países gera aplicações diferentes do
modelo federalista. Embora haja grande consenso conceitual sobre o assunto, as
variações de implantação geraram diferentes tipos de federalismo. Nesse leque,
você vai entender o lugar que o Brasil ocupa, sobretudo na atualidade.

O segundo capítulo aprofunda-se na realidade brasileira pós-constituição


de 1988. Você verá que a arquitetura federativa de nosso país difere bastante
das demais experiências, na medida em que se insere uma terceira esfera
federada – o município – num mesmo patamar de importância que o estado. Com
três unidades federativas autônomas, você vai entender como são as relações
intergovernamentais e a distribuição de competências, na elaboração de leis e
execução de políticas públicas.

O terceiro capítulo fornece uma visão mais aplicada e operacional da


unidade municipal. Você vai observar como o município, após o marco da
Constituição Federal de 1988, deve organizar-se política e administrativamente
no cumprimento de sua governança, suas competências e na garantia dos direitos
fundamentais ao cidadão.

Você vai refletir a respeito do real grau de autonomia alcançado por essas
unidades, tendo em vista suas dificuldades estruturais dos municípios, que em
sua maioria enfrentam a escassez de recursos e dependência econômica dos
repasses da União.

A nossa proposta é que ao longo da disciplina, além de aprofundar seu


conhecimento sobre a organização federativa do Brasil, e sobre as competências
de cada um dos entes federados; você entenda que a temática ainda levanta
muitos debates e problemáticas não resolvidas. Muitas dessas questões em
aberto vão desembocar nas gestões municipais, acarretando efeitos negativos
à sociedade. Assim, quanto maior seu aprendizado sobre o assunto, melhor será
sua postura crítica e firmeza para encontrar soluções.
C APÍTULO 1
Federalismo no Brasil: O Município
como Terceiro ente da Federação

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Distinguir as formas de Estado federalista e unitária.


• Identificar os tipos de federalismo, em seus diversos graus de autonomia
política, fiscal e administrativa.
• Caracterizar o federalismo brasileiro pós Constituição Federal de 1988, em
suas dinâmicas intergovernamentais e societais.
• Entender o papel do município como ente federado.
O Município como Unidade de Governo

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Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Você já refletiu sobre a organização do Brasil? Temos presidente,
governadores e prefeitos. Votamos para senadores, deputados federais, estaduais
e vereadores. Nesse emaranhado, quem é responsável pelo o quê? Tudo parece
muito complexo e por mais que você já tenha pesquisado e entendido sobre o
tema, você já pensou o porquê de nos organizamos dessa maneira? Sabia que
nem todos os países seguem este mesmo modelo, ou sequer modelo parecido?

O Brasil é um país cujo território apresenta três instâncias de governo


simultâneas: União, estados e municípios. Cada uma dessas unidades é dotada
de poder político, administrativo e econômico. Essa organização complexa
tem algumas motivações, dentre as quais aumentar o potencial democrático e
representativo da sociedade em suas diversas regiões.

Recebe o nome de federalismo a forma de Estado na qual diferentes unidades


território se reúnem e de poder sob uma instância maior, que fica responsável
por englobar todas as demais e deter a soberania. Embora que atualmente esta
forma de organização seja adotada por muitos países, o modelo é relativamente
recente, e não é o mais recorrente, além de apresentar muitas variações.

Neste capítulo, você irá entender como se caracteriza o modelo federativo de


Estado, quais são as motivações para sua implementação e o contexto apropriado
para seu desenvolvimento. A partir dessa base conceitual, o capítulo segue a
análise do federalismo Brasileiro, primeiro percorrendo sua trajetória histórica,
para em seguida alcançar o federalismo atual, estabelecido pela Constituição
Federal de 1988. É neste momento que o município assume relevante papel na
arquitetura federalista brasileira.

2 O FEDERALISMO COMO FORMA DE


ESTADO
A origem do federalismo é norte-americana, precisamente A origem do
estadunidense. No período anterior ao seu surgimento, na época da federalismo é
declaração da independência dos Estados Unidos da América (EUA), norte-americana,
em 1776, as treze colônias decidiram se agregar como um país, mas precisamente
estadunidense.
cada qual mantendo sua soberania e autonomia política.

9
O Município como Unidade de Governo

A esta organização foi dada o nome de Confederação de Estados. Foi


formalizada pelo Tratado da Confederação dos EUA, em 1782, que garantia a
cada unidade da federação soberania, liberdade e independência, jurisdição e
direitos (TORRES, 2012).

Soberania e Autonomia

O conceito de soberania tem origem nos processos de


formação dos Estados-nação na modernidade. Ele implica no
autorreconhecimento de um Estado, como unidade, frente a outros
Estados, num mesmo patamar de igualdade. Assim, cada Estado
se reconhece como soberano sobre seu território e população, e
reconhece a soberania do outro, não devendo ultrapassar seus
limites ao interferir no próximo.
Já o conceito de autonomia diz respeito à liberdade nas
instituições internas de um Estado, as quais podem ser os governos
regionais. Assim, a soberania diz respeito à atuação do Estado em
relação ao exterior e interior de suas fronteiras. Já a autonomia diz
respeito ao âmbito interno das fronteiras de um Estado (RABAT,
2002)

Demorou pouco tempo para aquela forma de Estado se mostrar insuficiente


na condução do país. O Congresso fazia as leis nacionais, mas não tinha poder
direto sobre os cidadãos, uma vez que eram os estados os responsáveis por
executar as leis. Na época, nem a unificação da moeda foi viável, atrasando o
desenvolvimento dos setores industrial e comercial no território. Por isso, muitos
passaram a defender o fortalecimento do governo central, para fazer valer
não só a obediência dos cidadãos, como também a aplicação de medidas que
promovessem o desenvolvimento econômico das treze ex-colônias.

Do embate entre os que desejavam uma nação única e forte, um mercado


unificado e um fortalecimento de um poder militar único contra àqueles que
preferiam zelar pela autonomia das ex-colônias, surgiu uma nova engenharia
política, que visava compatibilizar pontos de ambos os lados, que aparentemente
eram tão contraditórios. Assim começava a nascer o federalismo (TORRES,
2012).

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Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

A Convenção da Filadélfia foi um evento ocorrido em 1786, que levou


à dissolução da Confederação então vigente. Os membros participantes da
convenção entenderam que a melhor alternativa seria compatibilizar os interesses,
ou seja, manter a unidade como país, mas ao mesmo sem abrir mão do respeito
à pluralidade.

Isso só seria possível através da criação de um Estado em que houvesse


vários centros de produção de normas. Assim, na Convenção foi proposta a
Constituição, em 1787, documento de basilar de fundação do Estado, que tinha a
organização federada como pressuposto (FALCÃO; GUERRA; ALMEIDA, 2013).

Naquele momento, o estado federal norte-americano foi visto com muita


desconfiança em decorrência da perda de soberania das ex-treze colônias,
agora, estados-membros da federação. Com alguma resistência, o processo
de ratificação da Constituição pelos estados ocorreria ao longo dos três anos
seguintes (GADELHA, 2017).

Nesse período, foram escritos os Federalist Papers, uma reunião de


artigos publicados na imprensa que definiam e defendiam a implantação daquele
sistema nos EUA. Estes artigos até hoje são considerados as bases teóricas do
federalismo e foram escritos por três importantes pensadores: Alexander Hamilton
(1757-1804), James Madison (1751-1836) e John Jay (1745-1829) (TORRES,
2012).

Estado-membro é o termo utilizado para designar as entidades


políticas que, juntas, formam o Estado federado. A reunião indissolúvel
dos estados-membros compõe uma esfera maior, soberana,
chamada União, onde é exercido o governo central (governo federal).
Paralelamente ao governo federal, no âmbito do estado-membro é
exercido um governo subnacional, ou governo estadual. Os estados-
membros recebem diferentes denominações, tais como: estado,
província, distrito, região. Há também unidades de território ainda
menores, como condado e municipalidade, que normalmente são
subdivisões administrativas dos estados-membros. Mas, em alguns
poucos casos, como no Brasil, também são reconhecidos como
unidades federativas autônomas, tal como são os estados.

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O Município como Unidade de Governo

O advento da primeira Constituição dos EUA foi de enorme


Até então os
importância para o federalismo. Até então os Estados tinham outro
Estados tinham
outro formato. Eram formato. Eram majoritariamente unitários e pensados, ou formulados
majoritariamente sob a perspectiva dos pensadores mais clássicos da política como
unitários e Hobbes, Locke, Rousseau, Maquiavel, Montesquieu. Exercer a
pensados, ou governança em um território tão extenso e diversificado, nos moldes
formulados sob a democráticos, era impensável.
perspectiva dos
pensadores mais
clássicos da política Foi a primeira vez que um modelo foi debatido sem se ter em
como Hobbes, mente as experiências democráticas da Antiguidade e, ao mesmo
Locke, Rousseau, tempo, sem abrir mão dos preceitos democráticos, mesmo que o
Maquiavel, ideário da época associasse grandes territórios com comunidades
Montesquieu. diversificadas à modelos mais rígidos e autoritários (TORRES, 2012).

Embora hoje a forma de organização federalista seja comum, ela ainda é


menos recorrente que a organização de tipo unitária. Diferente da federação,
neste modelo clássico de nação, o governo central é anterior e superior às
instâncias locais, e estas adotam uma posição hierárquica de obediência. Abrúcio
(2010) sintetiza a diferença entre os dois modelos:

O federalismo é uma forma de organização territorial do Estado,


e, como tal, tem enorme impacto na organização dos governos
e na maneira como eles respondem aos cidadãos. Isso
porque o processo de decisão e sua base de legitimação são
distintos do outro modelo clássico de nação, o Estado unitário.
Enquanto no Estado unitário o governo central é anterior e
superior às instâncias locais, e as relações de poder obedecem
a uma lógica hierárquica e piramidal, nas federações vigoram
os princípios de autonomia dos governos subnacionais e de
compartilhamento da legitimidade e do processo decisório entre
os entes federativos. Desse modo é possível ter mais de um
agente governamental legítimo na definição e elaboração das
políticas públicas, além de ser necessária, em maior ou menor
medida, a ação conjunta e/ou a negociação entre os níveis de
governo em questões condicionadas à interdependência entre
eles (ABRÚCIO, 2010, p. 41).

É possível você perceber as principais diferenças entre as formas de Estado


existentes: unitário, federado e confederado. Há diferenças no documento que
fundam estes Estados, na forma como organizam o território em suas divisões
subnacionais dotadas de poder e autonomia ou não; e ainda, na forma como ocorre
a representação do povo no exercício das leis. Para facilitar seu entendimento
desse assunto, que será aprofundado adiante, observe no quadro a seguir uma
síntese que compara as três formas de Estado.

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Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

QUADRO 1 – FORMAS DE ESTADO E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Estado Unitário Estado Federado Estados Confederados

Associação de Estados
Estado soberano com
União de Estados não soberanos, que se reú-
Definição-chave unidades executoras, com
soberanos e autônomos. nem sob um interesse
pouca autonomia.
comum.

Nas monarquias mais


antigas não havia. Em se-
guida, surgem as Cartas Um Tratado de Confed-
Uma Constituição Federal
Magnas. Atualmente, Es- eração.
Documento formaliza- válida para todo território,
tados unitários (monárqui-
dor somadas às Constituições Cada ente federado tem
cos ou democráticos)
dos entes federados. sua própria Constituição.
possuem uma Constitu-
ição que é válida para
todo território.

Somente da unidade Somente da unidade Todas as unidades pos-


Tipo de soberania
central. central. suem soberania.

Administrativa (com Política, econômica e fis- Política, econômica e


Tipo de descentral-
pouca ou nenhuma au- cal (com pouca ou muita fiscal (com muita autono-
ização
tonomia). autonomia). mia).

Unidades de governo não


Organização do ter- Unitária, sem sobre- Unidades de governo se
se sobrepõem e formam
ritório posição de governos. sobrepõem.
um conjunto/coletivo.

Cada unidade tem seus Cada unidade tem au-


Única (nos Estados
próprios legisladores para tonomia e soberania, e
democráticos, admite-se
suas questões internas legisladores para suas
Representação política representantes do povo,
e a unidade central tem questões; na unidade
(legislativa-normativa) que tomam as decisões
representação bicameral central há uma assem-
que valem para todo o
(uma para o povo, uma bleia com representante
território).
para os entes federados). dos países-membros.

Cada unidade tem sua


Unidades locais são própria existência con- Unidades locais preex-
Criação de unidades de
criações legais da uni- stitucional autônoma, istem e criam legalmente
governo
dade central. reconhecida pela Unidade a unidade central.
Central.

FONTE: Adaptado de Torres (2012), Abrúcio (2010) e Gadelha (2017)

Você deve observar que a Confederação é uma forma de Estado que limita
a atuação de governo. Por isso ela não se mostrou muito eficiente, já que os
estados-membros são autônomos e soberanos para acatarem, ou não, as
decisões da unidade central. Isso torna o governo central frágil e instável, como foi
demonstrado na história dos EUA que acabou se transformando em Federação. O
mesmo ocorreu na Suíça. É discutível se há, hoje, de fato, alguma confederação.
Algumas organizações, como a União Europeia e o Benelux (que reúne Bélgica,

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O Município como Unidade de Governo

Holanda e Luxemburgo) acabam misturando características de confederação e


federação (ANDERSON, 2009).

Atualmente, as organizações confederativas têm sido mais utilizadas no


atendimento a algum tema específico, cujo interesse é comum a todos os países-
membros que se agregam, como é o caso dos blocos econômicos. Assim eles
debatem e compartilham decisões sobre o assunto, mas outras questões que não
dizem respeito à temática são de livre escolha dos membros integrantes.

Você reparou que o texto ora utiliza o termo Estado, ora utiliza
o termo governo?
Isso é feito porque eles não são sinônimos. Na verdade, são
conceitos que possuem o significado bem diferente. Estado é um
termo que define a existência de um território onde existem pessoas
que compartilham relações entre si e com o espaço que convivem. As
relações são tão fortes que é possível estabelecer os limites daquele
território e observar algum sentimento de unidade naquelas pessoas
e, portanto, aquele território passa a se entender como nação
(Estado-nação) exercendo a soberania sobre si e estabelecendo
regras de convívio, de organização interna e das relações com outros
Estados.
Só que, para colocar em prática estas regras, é preciso que
haja governantes. E assim se estabelecem os governos, que são
o conjunto de pessoas que formam a instituição responsável por
governar o Estado.
Você percebe a diferença?
O Estado é um conceito mais abstrato, amplo e de longo prazo.
Já governo é um conceito mais pragmático e efêmero que diz respeito
ao exercício do poder num dado período. O Estado é uma instituição
fixa no tempo; já o governo é uma instituição passageira que exerce
a ação de governar dentro de um Estado.

Outra diferença que merece ser pontuada em relação às confederações e


federações diz respeito à segregação dos membros. As Confederações permitem
a secessão de um membro. Ou seja, caso um dos Estados não tenha mais o
interesse de pertencer ao conjunto, ou caso a Assembleia dos Estados da
Confederação decida pela expulsão de um membro, este poderá se desvincular

14
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

da organização e continuará com sua condição de Estado. Afinal, ele possui


sua própria constituição, soberania e meios para exercer seus próprios poderes
políticos, econômicos e administrativos.

Por outro lado, não há possibilidade jurídica de separação de um Estado-


membro em uma Federação. Afinal, embora tenha uma Constituição que organiza
o exercício de poderes políticos, administrativos e econômicos (com relativa
autonomia), ele não possui independência, já que a soberania pertence à União,
ou seja, à unidade central do Estado. Os cidadãos que ali vivem são cidadãos de
um país soberano e não do estado-membro. Caso haja vontade de segregação,
adentra-se um período conflituoso de luta por independência e criação de um
novo Estado.

Na comparação entre os modelos, a democracia e a participação por vezes


são equivocadamente associadas ao federalismo, como se o Estado unitário
dispusesse de menor grau de democracia que as federações. De fato, o modelo
federativo tem um conjunto de instrumentos em potencial para uma governança
democrática, que tem se mostrado eficientes em muitas democracias tradicionais
e prósperas. Mas o modelo federativo, por si só não está imune aos conflitos,
corrupção e ruptura da ordem democrática. Por outro lado, muitos Estados
unitários são dotados de governos reconhecidamente democráticos (ANDERSON,
2009).

Alguns fenômenos da história recente têm tornado o federalismo um modelo


cada vez mais recorrente, tais como o aumento dos governos democráticos, o
avanço de políticas que reconhecem a diversidade identitária e as experiências
de unificação de países com regiões em conflito. Sem dúvida, é um sistema
adequado aos países que se pretendem democráticos, muito populosos, com
amplos territórios ou de grande diversidade populacional. Mas isso não significa
que os Estados unitários possam também ser plenamente democráticos. A
França, por exemplo, um país com reconhecida democracia, é um país unitário
(ANDERSON, 2009).

Na verdade, o que ocorre nos países unitários não é necessariamente o


autoritarismo, e sim a centralização das decisões políticas mais relevantes. Isso
não significa que os mecanismos de representação no poder central sejam falhos
ou inexistentes. Eles podem existir e contemplar a escolha dos cidadãos de
diferentes regiões do país. Mas as tomadas de decisão são feitas na instituição
governamental central e valem para todo o território. As unidades subnacionais,
nas diferentes regiões do país, devem acatar o que foi decidido, não possuindo
autonomia suficiente para tomar decisões políticas e produzir leis e normativas.
Em geral, a elas são delegadas as responsabilidades administrativas.

15
O Município como Unidade de Governo

Chegamos a um ponto fundamental para conceituar o federalismo: a


descentralização. Para que um governo, seja ele pertencente a um Estado
unitário ou federado, exerça suas funções de modo que elas alcancem todo o
território, são adotadas estratégias de descentralização.

A descentralização Assim, as ações e decisões poderão emanar do poder central e


pode ser exercida chegar até as localidades mais remotas. A descentralização pode ser
em maior ou exercida em maior ou menor grau em três aspectos: administrativo,
menor grau em político e econômico (TORRES, 2012; FALCÃO; GUERRA;
três aspectos:
ALMEIDA, 2013; GADELHA, 2017).
administrativo,
político e econômico.
A descentralização administrativa ocorre em todos as formas
de Estado, inclusive nos unitários. Esse aspecto corresponde ao ato
do governo central delegar às unidades subnacionais funções de administração
do território e de execução das políticas públicas, mas não envolve a tomada de
decisão.

Esse tipo de descentralização pode vir mais ou menos acompanhado de


autonomia, a qual definirá o grau de liberdade que a unidade subnacional tem para
resolver problemas e impasses locais da execução da política. Quando há maior
grau de autonomia, estes centros administrativos ajustam a operacionalização
das políticas em âmbito local. Quando há menor autonomia, estes centros
administrativos devem se reportar ao governo central para que estes orientem
sobre as soluções.

Em um nível um pouco mais profundo ocorre a descentralização


política. Esse tipo de descentralização refere-se à delegação do poder às
unidades subnacionais para tomar decisões políticas, fazer leis e escolher seus
representantes. Ocorre tanto em estados unitários quanto em federais. No caso
de estados unitários em que não há descentralização de poder – denominados
Estados unitários descentralizados administrativamente –, as unidades
subnacionais funcionam apenas como centros administrativos e possuem cargos
ocupados por agentes nomeados pelo poder central.

É uma situação comparável à descentralização administrativa observada no


parágrafo anterior. No entanto, quando há descentralização política, com algum
grau de autonomia – Estado unitário descentralizado politicamente –, as unidades
descentralizas mantém algum poder decisório, mesmo que esteja sujeita ao
governo central. Essa liberdade pode ser dada a apenas uma ou mais regiões do
país (principalmente para evitar tendências separatistas) e deve ser normatizada
em constituição. De todo modo, a descentralização política é muito mais comum

16
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

em Estados federados, em que as unidades subnacionais, ou seja, os estados,


são também centros de poder, com governo próprio eleito pelos cidadãos que
habitam aquela região.

Assim, os estados, embora tenham que seguir as leis adotadas pela unidade
central, em seu âmbito têm o poder de decidir sobre suas questões, resolver
seus problemas e quais políticas adotar. No federalismo, a descentralização
com autonomia política confere aos estados o direito de constituição própria,
um sistema próprio de produção de leis com os legisladores locais (como são
os deputados estaduais e vereadores). Os cidadãos locais possuem poder para
escolher seus representantes dos poderes executivo e legislativo, como também
dispõem de mecanismos de participação na escolha desses mesmos cargos na
unidade central.

A representação política em países federalistas, por influência


dos Estados Unidos, costuma ser Bicameralista. Isso significa que o
poder legislativo da União é exercido em duas câmaras: uma câmara
alta e uma câmara baixa, com a intenção de estabelecer um sistema
de contrapesos, evitando que grupos de interesses assumam todo o
poder decisório na elaboração de leis.
No federalismo brasileiro, por influência do federalismo
estadunidense, o bicameralismo é adotado. o Senado é a câmara
alta, que reúne os legisladores que possuem o papel de representar
os interesses dos estados e a Câmara dos Deputados é a câmara
baixa, reunindo os legisladores que representam o povo brasileiro.

Em último grau existe a descentralização econômica, que se refere aos


recursos financeiros que a unidade central dispõe para as unidades subnacionais
e mais ao grau de autonomia que elas têm para decidir sobre como utilizar esses
recursos. Num país unitário, com pouca autonomia, a descentralização em
direção às unidades subnacionais, quando são meros centros administrativos,
ocorrem sob medida para execução daquilo que foi decidido e delegado pelo
poder central. Já nos Estados federados, a descentralização ocorre com maior
grau de autonomia para destinação dos recursos.

Em uma instância ainda mais avançada, a descentralização de tipo


econômico refere-se à liberdade que essa unidade subnacional tem de arrecadar
recursos dentro de seu próprio território, por exemplo, através de impostos

17
O Município como Unidade de Governo

aplicados somente a região, sem ter que destiná-lo a unidade central ou dar
satisfação sobre como reverter em benefícios em âmbito.

Os grandes Os grandes diferenciais entre Estados federalistas e unitários se


diferenciais entre dão justamente no grau de descentralização e autonomia alcançados
Estados federalistas em cada um desses três aspectos. De modo genérico, Estados
e unitários se dão unitários possuem baixo (ou nenhum) grau de descentralização
justamente no grau
política e econômica, pois estes aspectos concentram-se na unidade
de descentralização
e autonomia nacional. Por outro lado, possuem alto grau de descentralização
alcançados. administrativa que quando não vem acompanhada de autonomia
política e financeira, funciona como uma unidade de administração
do governo central. Já os Estados federados apresentam descentralização
administrativa, política e econômica em diversos níveis, também acompanhados
de autonomia em maior ou menor medida.

A França é um exemplo de Estado unitário, descentralizado,


mas com pouca autonomia. As medidas de descentralização foram
sendo adotadas a partir dos anos 1980, visando à otimização dos
serviços públicos.
A organização territorial do Estado estrutura-se em quatro níveis
hierarquizados: o Estado, a Região, o Departamento e o Município.
Há uma grande quantidade de municípios, cuja criação foi estimulada
em 1789. Mas esta última unidade da hierarquia, as municipalidades,
dispõe de um grau muito pequeno de autonomia.
O conselho municipal com papel de representar os munícipes
tem número de membros proporcionais à população e é eleito
diretamente pela comunidade, mas seu poder deliberativo é restrito e
recebe orientação das instâncias superiores.
O administrador municipal, eleito pelo conselho executa as
deliberações locais e representa o Estado no município, estando
subordinado ao departamento, que é nível hierárquico superior. A
capacidade tributária municipal é restrita (TOMIO, 2005).

18
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

É nesse sentido que a complexidade da combinação dos diversos graus de


descentralização e autonomia muitas vezes é simplista na utilização do termo
descentralização e associado de forma sintetizada aos Estados federados.

Na verdade, como vimos, os países unitários também apresentam


descentralização, porém, geralmente não vem acompanhada de autonomia. É isso
que faz a diferença. Torres (2012), por exemplo, chama a atenção para a questão, em
deixar claro que os Estados unitários são exatamente centralizados:

É equivocada a ideia de que os Estados unitários são


excessivamente centralizados. Na prática, esses Estados
se organizam em vários níveis de descentralização e
desconcentração administrativa. O que realmente falta aos entes
subnacionais nos Estados unitários é autonomia política, sendo
esta a grande marca distintiva dessa maneira de se organizar o
Estado (TORRES, 2012, s.p.).

O autor frisa que a descentralização, no caso do federalismo, é político-legislativa,


enquanto que no Estado unitário a descentralização predominante é administrativa.
Repare que o autor utilizou os termos “descentralização” e “desconcentração”. Isso
porque, na área do Direito, há uma diferenciação jurídica do que estamos aqui
chamando de descentralização.

Em termos jurídicos, descentralização é a distribuição de competências


administrativas de uma para outra pessoa jurídica. Por isso, é mais comum nos
países federativos, como no Brasil, a União e estados possuírem personalidade
jurídica independente.

Por outro lado, a desconcentração é um processo muito mais simples do ponto


de vista jurídico, pois envolve apenas a redistribuição interna de competências dentro
de uma mesma personalidade jurídica. E isso ocorreria em um Estado unitário. Na
desconcentração existe apenas a distribuição espacial de responsabilidades dentro
da mesma estrutura da administração, permanecendo intactos e operantes os
vínculos hierárquicos.

Você não precisa, necessariamente, utilizar os termos descentralização e


desconcentração, que são próprios da área do Direito. O mais importante é que
você apreenda que na criação dos Estados federados, a descentralização ocorre
em diversos graus, nos aspectos administrativo, político e econômico, e de formas
mais ou menos associadas à autonomia, e a combinação dessas características gera
diferentes tipos de federalismo.

Na adoção do federalismo como forma de Estado, a trajetória histórica do


território e de sua composição sociocultural, econômica e institucional são fatores

19
O Município como Unidade de Governo

que exercem influência, o que vai gerar variações em suas características. Países
grandes ou pequenos, ricos ou pobres, com população homogênea ou muito
diversificada, democracias recentes e conflituosas ou bem sedimentas... em cada um
desses contextos irá surgir um tipo de federalismo.

Há federações com apenas duas unidades territoriais e outras com mais (como
o Brasil, que tem três). Alguns são muito centralizados, concentrando muito poder
no governo central, enquanto outros apresentam intenso grau de descentralização
e concedem bastante autonomia às unidades constitutivas. Em algumas é possível
identificar uma clara separação de poderes e competências entre as unidades centrais
e subnacionais, e em outras, essa distinção é de difícil definição (ANDERSON, 2009).

Observe a seguir algumas classificações de federalismo, de acordo com


os critérios: formação histórica, amplitude da descentralização e autonomia, no
tratamento dado aos entes federados, na distribuição de competências (GADELHA,
2017).

a) Formação histórica

Essa forma de classificação toma como referência as características que as


unidades federativas apresentavam antes de se tornarem uma federação.

Nesse sentido os Estados anteriormente existente podem ter se se tornado


federados por agregação ou segregação:

Agregação: a federação surge a partir da união de Estados que eram


independentes e resolvem abdicar de sua soberania para se unirem. São exemplos
os Estados Unidos, a Alemanha e a Suíça.

Segregação: a federação tem origem a partir de um Estado unitário que resolve


dar mais personalidade às suas unidades do território, que se tornam estados-
membros, ganhando autonomia num processo de descentralização. O Brasil é um
exemplo.

b) Amplitude da descentralização/autonomia

Essa forma de classificação pauta-se no nível de profundidade de


descentralização e autonomia alcançados pelos estados-membros. Assim, o
federalismo pode ser centrípeto ou centrífugo:

Centrípeto: nesse tipo de federação, a União é fortalecida, ou seja, os poderes
e atribuições tendem a ficar concentrados na unidade central em vez de nas unidades
regionais, que são os estados-membros.

20
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

Centrífugo: nesse tipo, há o fortalecimento dos estados-membros, que


assumem mais poder que o federalismo centrípeto em relação à unidade central.

c) Tratamento dado aos entes federados

Essa forma de classificação tem como referência o tipo de tratamento


constitucional dado aos diversos entes federados que estão sob um mesmo nível
de governo, averiguando se há entre eles diferença na distribuição de poderes,
representação e competências. Assim, classifica-se o federalismo como assimétrico
ou simétrico.

Simétrico: os entes federativos de um mesmo nível de governo recebem o


mesmo tratamento constitucional e jurídico. Os estados membros assumem iguais
responsabilidades e competências, e possuem igual representatividade na unidade
central, mesmo que o número de habitantes ou o grau de desenvolvimento econômico
seja diferente entre eles.

Assimétrico: nesse tipo, a Constituição tenta acomodar as desigualdades


e conflitos existentes dentro do território, com isso, os entes federados acabam
recebendo um tratamento diferente, seja na distribuição de competências, seja na
representação na União, seja no grau de autonomia recebido.

Em alguns países, por exemplo, há tentativa de manter agregadas regiões


separatistas, ou ainda, de estimular o desenvolvimento em regiões menos
favorecidas. Para isso, concede-se a estas unidades tratamentos econômicos,
jurídicos e linguísticos diferenciados. A Espanha, no tratamento dado as regiões
Basca e Catalunha, é um exemplo.

O país Basco e a Catalunha são regiões da Espanha com


povos que não se identificam exatamente com a nação Espanhola.
São povos culturalmente diferentes, que no período da ditatura de
Francisco Franco, entre 1939 e 1975, sofreram sanções, inclusive
com a proibição de seu idioma.
Atualmente, a Catalunha, cuja capital é Barcelona, é uma
comunidade autônoma com autossuficiência legislativa e idioma
próprio – o Catalão. O povo Basco também compõe uma comunidade
autônoma, que é compreendida pelo País Basco – que abarca
também uma pequena região da França. Chamada de Comunidade

21
O Município como Unidade de Governo

Autônoma do País Basco, a unidade possui nacionalidade histórica


reconhecida pela Constituição da Espanha.
No passado mais conflituoso, surgiu entre os bascos o
movimento separatista ETA em 1959, que em prol de sua luta
cometeu alguns atentados no país. Com o fim da ditatura e
incorporação constitucional de direitos ao território, o grupo foi
abandonado à luta armada.
Em 2017, entretanto, houve mais um momento conturbado
na história do Estado espanhol. Em um plebiscito na Catalunha, a
população local decidiu pela independência da região. A consulta
popular havia sido feita sem a anuência do governo central, que
ao considerá-la ilegal reivindicou aos tribunais sua anulação, que
proibiu a votação, inclusive com repressão policial. Mesmo assim,
a população enfrentou a Guarda Civil e foi às urnas, apontando a
escolha massiva pela independência. Porém, o resultado não foi
reconhecido, já que a justiça considerou o plebiscito ilegal, antes
mesmo de sua realização. Assim, a situação a unidade do país
segue em instabilidade.

d) Separação de competências

Quando se toma como referência a separação das funções que competem


a cada ente federado, a União e os entes subnacionais, é possível classificar o
federalismo em dual: cooperativo e competitivo.

Esse é um dos tipos de classificação mais importantes, pois seu modelo


explicativo consegue contemplar as inter-relações entre os entes federados, que
é um dos principais aspectos para o entendimento do federalismo:

Dual: o federalismo apresenta-se com dois níveis de governo e a separação


de competências e atribuições são rígidas: a União possui competências próprias
e os estados-membros outras; não há uma relação de proximidade entre as duas
esferas, de modo que não há cooperação entre ambas. Esse é um tipo clássico
de federalismo, bastante pautado no liberalismo, em que o mercado (e não o
Estado) é considerado como o regulador natural da ordem econômica.

Historicamente, o tipo dual corresponde aos primórdios do federalismo, como


ocorreu nos EUA e vigorou durante o século XIX. Na prática, essa separação
rígida teve limitações para resolver questões comuns ao território. A unidade
central fraca não tinha poder para exercer a governança de todo o território,

22
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

os estados-membros, mais fortalecidos, tinham poder de governo bastante


independente e não coordenavam ações entre si. As experiências desse tipo
acarretaram em desequilíbrios territoriais, confronto de interesses e inúmeros
impasses que implicavam o Estado como um todo.

Cooperativo: nesse tipo, as atribuições são divididas de modo comum ou


concorrente entre os entes federativos. Isto é, em algumas áreas de atuação
do Estado, os governos do nível da União e dos entes federados compartilham
atribuições, atuando conjuntamente. Em outras há divisão de competências entre
os entes federados, que são claramente definidas em constituição para que uma
esfera não ultrapasse a atuação da outra, e as ações não se confundam.

Portanto, no federalismo cooperativo, os documentos constitucionais


adotam as noções de união, aliança, solidariedade e, obviamente, cooperação.
São estabelecidos dispositivos de apoio da União para os estados-membros,
buscando o equilíbrio do território e a redução das desigualdades. Para tanto, o
governo central assume uma postura mais fortalecida que o tipo Dual, mas esse
fortalecimento não significa exatamente a concentração de poder e atribuição,
e sim a preponderância da unidade central na organização (cooperativa) do
território, de modo a distribuir as competências.

Esse federalismo não exclui, necessariamente, os conflitos a respeito da


distribuição de competências e a duplicação de ações entre os entes da federação,
mas a intenção, ao menos em teoria, é justamente reduzir esses problemas.
Como exemplo, é possível mencionar o próprio federalismo dos EUA, quando na
Crise de 1929 o governo central assume uma postura mais firme na promoção de
políticas públicas em colaboração com os estados-membros.
Você verá mais
adiante que o Brasil,
O modelo também foi adotado na Alemanha do segundo pós- na Constituição
guerra, momento em que há adoção da descentralização política, mais recente, tem
da democracia, do pluralismo politico e social. Optou-se também por se esforçado para
um Estado provedor de serviços e, para tanto, foi valorizada a forma adotar este modelo.
cooperativa entre União e estados-membros. Você verá mais adiante
que o Brasil, na Constituição mais recente, tem se esforçado para adotar este
modelo.

Competitivo: modelo bastante inspirado no neoliberalismo, contrapõe-se ao


federalismo cooperativo. Aqui, a União é esvaziada de poderes e atribuições, com
acentuado grau de descentralização e autonomia, acarretando no fortalecimento
dos estados-membros, mas também na competição entre eles.

O cidadão/eleitor é visto como uma espécie de consumidor, que busca


pelos melhores serviços públicos e isso leva à concorrência entre os governos.

23
O Município como Unidade de Governo

Em teoria, a competição entre os estados-membros estimula inovações nas


políticas públicas com a consequência de aumentar a eficiência dos governos
e da administração pública. Como exemplo, é possível citar os EUA, que após a
crise de 1970, tem seu modelo de Estado provedor de serviços criticado, gerando
essa alternativa. No capítulo seguinte, você verá que apesar de cooperativo,
o federalismo Brasileiro contraditoriamente também apresenta algumas
características do modelo competitivo.

A despeito de tantas modalidades e variações de federalismos até aqui


explicitadas, há algum consenso a respeito dos pontos-chaves necessários para
caracterizar um Estado como federativo (ANDERSON, 2009; ROCHA, 2013;
GADELHA, 2017):

• A existência de no mínimo dois níveis de governo que operam no mesmo


território: um em nível nacional com jurisdição sobre todo território e outro
(ou outros) subnacional, que tem jurisdição regional e são relativamente
autônomos ao nível nacional. Cada nível de governo tem relação eleitoral
direta com os cidadãos.

• Uma Constituição Federal escrita, que tem em seu texto partes que
não podem ser alteradas (cláusulas pétreas), na qual estão regidas
a instituição federativa do Estado com a existência das unidades
federativas autônomas, a soberania da União, e a indissolubilidade do
território com a separação dos entes federados, e as partes que podem
ser alteradas e que têm impacto nas unidades federativas, que devem
passar por um processo de anuência das unidades subnacionais além
da União.

• O reconhecimento da competência legislativa (inclusive na normatização


de tributos) dos estados-membros em seus âmbitos, como também a
representação deles nas instituições legislativas do governo central, de
modo que as regiões participem do processo de tomada de decisão na
esfera federal – na vontade nacional.

• Existência de instâncias, como os Tribunais Federais, que ponderam e


decidem sobre os conflitos originários da organização federativa, como a
distribuição de competências e a sobreposição de poderes.

24
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

Os Tribunais Superiores são instituições importantes para decidir os


impasses gerados pelo federalismo, pois algumas situações geram dúvidas
sobre qual nível de governo tem a prerrogativa da normatização do espaço
público. A notícia refere-se às diferentes posturas das esferas federadas no
enfrentamento da COVID-19 no Brasil. Ao final, coube ao Superior Tribunal
Federal (STF) a decisão sobre quem caberia a competência das decisões.
Leia a notícia!

Supremo decide que estados e municípios têm


poder para definir regras sobre isolamento

Em sessão por videoconferência devido à epidemia de coronavírus,


ministros julgaram ação que questionava medida do governo federal de
concentrar poder para decidir sobre normas.

Em sessão por videoconferência, o Supremo Tribunal Federal decidiu


nesta quarta-feira (15) que, além do governo federal, os governos estaduais
e municipais têm poder para determinar regras de isolamento, quarentena
e restrição de transporte e trânsito em rodovias em razão da epidemia do
coronavírus.
Os nove ministros presentes à sessão votaram de forma unânime em
relação à competência de estados e municípios para decidir sobre isolamento.
Por maioria, o plenário entendeu ainda que o Supremo deveria deixar
expresso que governadores e prefeitos têm legitimidade para definir quais
são as chamadas atividades essenciais, aquelas que não ficam paralisadas
durante a epidemia do coronavírus.
Os ministros julgam uma ação do PDT contra medida provisória editada
pelo presidente Jair Bolsonaro com o objetivo de concentrar no governo
federal o poder de editar uma norma geral sobre os temas.
A MP alterou uma lei de fevereiro, que previa quais ações poderiam ser
tomadas durante a crise gerada pela pandemia do coronavírus.
O partido considerou que as modificações na legislação feriam
a Constituição. Também argumentou que é tarefa de União, estados
e municípios, em conjunto, a competência para estabelecer políticas
relacionadas à saúde; e que só por lei complementar – para a qual é
necessária maioria absoluta de votos no Senado e na Câmara – é possível
estabelecer regras de cooperação no tema entre União, estados e municípios.

Jornal G1, em 15/04/2020


Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/15/maioria-do-supremo-vota-a-
favor-de-que-estados-e-municipios-editem-normas-sobre-isolamento.ghtml

25
O Município como Unidade de Governo

Os pontos mencionados anteriormente são importantes na caracterização


conceitual do federalismo e apresentam-se em todos os Estados que adotam o
modelo. Para além deles, também é importante observar que Estados que melhor
desenvolvem esse modelo apresentam duas condições.

A primeira é a existência de um território heterogêneo, ou seja, com


diferenças histórico-culturais, econômicas, políticas e interesses diversos. Ora, se
o território fosse homogêneo nesses aspectos, seria mais provável que o modelo
mais adequado fosse o de um Estado unitário, e não federalista.

A segunda condição é que, apesar de um território heterogêneo, há ali a


existência de uma ideologia nacional, capaz de unificar toda aquela diversidade
sob o sentimento de pertencimento a uma só nação. Sem uma ideologia nacional,
muito provavelmente um território tão heterogêneo, ao invés de federalista, se
repartiria em vários Estados autônomos (ABRÚCIO, 2010).

Ainda é preciso considerar que para criação e desenvolvimento do


federalismo sejam necessárias as duas condições mencionadas. Para sua
consolidação e manutenção, é fundamental a existência de um equilíbrio entre: a
autonomia dada aos entes federados e as relações de interdependência entre eles,
sobretudo, na relação vertical (entre governo central e unidades subnacionais).
Se a balança pende muito mais para a autonomia, os entes subnacionais agem
descoordenadamente e os desequilíbrios socioeconômicos se aprofundarão e
tendências separatistas poderão surgir. As relações de interdependência, através
de ações coordenadas entre os entes, garantirão a integração nacional ao mesmo
tempo em que se permite a existência dessas diversidades socioculturais e
redução das desigualdades socioeconômicas (ABRÚCIO, 2010).

As características básicas que ajudam a conceituar o federalismo e entender


as condições apropriadas para seu desenvolvimento e manutenção demonstrados
até aqui são ótimo parâmetro conceitual para que você comece a reconhecer se
um país adota este modelo de organização. As formas de classificação são muito
importantes para que você comece a distinguir as particularidades próprias do
federalismo de cada país. São classificações didáticas, baseadas em tipos ideais,
que na prática ocorrem de forma um pouco mais complexa. Mas, de todo modo,
tudo que foi dito até aqui é uma sólida base teórica para que você possa analisar
criticamente qualquer Estado federalista. E é dispondo desses instrumentos
conceituais que, a partir de agora, você irá aprofundar seu conhecimento sobre o
federalismo brasileiro.

26
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

1 -
Uma das grandes diferenças das Federações para as
Confederações é o exercício da soberania. Faça uma pesquisa
sobre o termo “soberania” e, com base no que foi estudado até
aqui, explique como a soberania é exercida nessas formas de
Estado.

2 - Dizer que um Estado unitário é centralizado é um equívoco


muito comum, feito a partir de uma leitura simplista sobre
descentralização e autonomia. Explique por que atribuir essa
característica a um Estado unitário sem analisar o contexto é um
erro.

3-
Outra associação equivocada é a relação de um Estado
federalista com um governo democrático. Na verdade,
Federalismo e democracia remetem a conceitos diferentes, de
Estado e de governo, e não necessariamente se apresentam de
forma casada. Explique a diferença entre esses conceitos.

3 O FEDERALISMO NO BRASIL
O modelo federalista do Brasil é bastante complexo, uma vez que visa
exercer a alta integração em três níveis de governo (União, estados e municípios)
e sociedade civil, ambos com autonomia e poder de decisões. Na maioria dos
países federalistas, o Estado apresenta apenas duas instâncias de poder.

A organização do Estado brasileiro nem sempre foi como se apresenta hoje.


O Brasil já teve em seu passado momentos em que o governo central era bastante
forte, tendo os governos locais (províncias ou municípios) uma função mais
administrativa, mas nunca autônoma e livre na escolha de seus representantes e
tributações.

Após a Constituição de 1988, o papel dos municípios cresceu bastante,


sendo galgado a uma posição de ente federado no mesmo nível de importância
que os demais, quais sejam: estados e município. Neste tópico você vai olhar para

27
O Município como Unidade de Governo

o passado do país, observando os processos de formação e desenvolvimento do


federalismo brasileiro até a chegada do modelo existente hoje.

O federalismo no Brasil, tal como na maioria dos países, espelhou-se no


modelo estadunidense. O país, já independente, mas antes de ser uma república
– na época do Brasil Império – adotou modelo de Estado unitário, com forte
instrução centralizadora, mesmo que na prática o território fosse um costurado de
regiões que pouco mantinham relações entre si.

É preciso considerar que em decorrência de sua origem colonial, o extenso


território sempre foi um país heterogêneo: inicialmente dividido em capitanias
hereditárias, depois em províncias. A integração entre essas unidades era fraca,
pois a organização das relações comerciais e políticas eram voltadas para o
atendimento das necessidades da metrópole Portugal.

Você viu que em um território muito extenso e heterogêneo, a forma de


Estado mais condizente seria o federalismo. No entanto, o modelo inicial de
federalismo Brasileiro adotou um formato unitarista e centralizador, no qual o
governo central detinha grandes poderes sobre as províncias e municipalidades.
Isso ocorreu porque nos anos anteriores ao Brasil Império, Dom Pedro I, como
governante regencial, enfrentou intensos movimentos separatistas no território
que precisavam ser liquidados, o que só seria solucionado com um forte poder da
unidade central. Do contrário, o Brasil acabaria se esfacelando em outros Estados
(CARVALHO, 1998; ABRÚCIO, 2010; TORRES, 2012).

O reinado adotou Assim, o reinado adotou fortes medidas centralizadoras,


fortes medidas como a concentração de tributos no governo central e a escolha
centralizadoras, dos presidentes de províncias pelo próprio imperador. Porém, se
como a formalmente foi assumida uma postura centralizadora, na prática,
concentração de esse centralismo tinha algumas limitações.
tributos no governo
central e a escolha
dos presidentes Segundo Rabat (2002), não havia uma contraposição absoluta
de províncias pelo entre o centralismo e a descentralização. O poder central funcionava
próprio imperador. também como uma espécie de condomínio dos potentados
regionais. A União não apenas apoiava as oligarquias locais
nos interesses econômicos e políticos, como também garantia a supressão de
eventuais rebeliões populares que insurgiam contra o regime escravista.

O governo central foi, de fato, fortalecido no Brasil Império, porque


estrategicamente se apoiou nas oligarquias regionais. Entretanto, com o
passar de alguns anos, algumas dessas oligarquias começaram a se fortalecer
economicamente, como aquelas da província de São Paulo, aumentando seu
interesse pelo exercício da autonomia.

28
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

Assim, o centralismo viria enfrentar dificuldades, uma vez que num extenso
e desarticulado território, as elites locais ainda eram muito poderosas e exerciam
suas influências políticas nas regiões. Tais elites apoiaram a monarquia imperial e
o unitarismo até certo momento, quando havia convergência de interesses, como
a manutenção do sistema escravocrata. O fim do regime escravista eliminaria
um dos sustentáculos principais do Império. As oligarquias se sobressaíram e
passaram a não mais apoiar aquele modelo que tolhia a autonomia das províncias
(RABAT, 2002; ABRUCIO, 2010).

Em 1989, a República foi proclamada ao mesmo tempo em que se adotou


um modelo Federativo de Estado, transformando as províncias em estados-
membros. O documento que primeiro declarou a forma de governo republicano e
a forma de Estado federalista foi o Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, que:

decreta como fórma de governo da Nação Brazileira a


República Federativa, e estabelece as normas pelas quaes se
devem reger os Estados Federaes:
Art. 1º. Fica proclamada provisoriamente e decretada como a
fórma de governo da nação brasileira - a República Federativa.
Art. 2º. As Províncias do Brazil, reunidas pelo laço da federação,
ficam constituindo os Estados Unidos do Brazil.
Art. 3º. Cada um desses Estados, no exercício de sua legitima
soberania, decretará opportunamente a sua constituição
definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus
governos locaes (BRASIL, 1889).

Você já deve ter ouvido falar que o Brasil é uma “República


Federativa”. Nesta denominação existem duas informações que
implicam em conceitos que muitas pessoas confundem por terem
nomes parecidos: Forma de Governo e Forma de Estado.
O tema deste livro, federalismo, diz respeito à forma em que
se organiza um Estado e, portanto, trata do conceito de Forma de
Estado.
Como você já viu, ela pode ser: federada, unitária ou
confederada. Já a Forma de Governo diz respeito a como se organiza
o exercício do poder governamental, cujas formas mais comuns são
República e Monarquia.
Na primeira, o governo é exercido por um presidente eleito
democraticamente pelo povo num período prefixado.
Na segunda, o governante é um rei, que exerce a função, por
direito hereditário (na maioria das vezes), sem limites de tempo, até
abdicar de seu cargo ou morrer.

29
O Município como Unidade de Governo

Outros conceitos importantes que costumam confundir os


leitores são: Sistema de Governo e Regime de Governo.
O Sistema de Governo diz respeito ao modo como os
representantes do poder executivo e legislativo se relacionam,
podendo ser pelo presidencialismo ou parlamentarismo.
O Regime de Governo é a forma como o governante atua no
exercício da soberania, podendo ser: democrática, autocrática ou
totalitária.

O Decreto nº 1 serviu como uma Constituição provisória, mas logo foi


substituído por uma verdadeira Carta Constitucional que estabelecia a forma de
governo republicano em oposição ao regime monarquista vigente e criava os
estados-membros autônomos (COSTA; LIMA; OLIVERA, 2018).

Logo em seu primeiro artigo, a Constituição Federal de 1891 reafirma o


que foi disposto no decreto: “A Nação brasileira adota como forma de Governo,
sob o regime representativo, a República Federativa” que se “constitui-se, por
união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do
Brasil” (BRASIL, 1891).

A carta constitucional conferiu bastante autonomia aos estados, além de


dispor sobre a separação de competências para as duas esferas da federação.

No processo de implementação do federalismo no Brasil, é


preciso destacar a atuação do intelectual e político Rui Barbosa,
que criticava veementemente o Império e defendia o modelo como
essencial para construção de um Brasil liberal. Dedique um tempo
para conhecer a história desse homem e de sua importância na
adoção do federalismo como Forma de Estado.
Assista em: https://www.youtube.com/watch?v=JiIz6qFJ3D4.

30
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

De acordo com a Constituição de 1891, os estados-membros, embora


autônomos, deviam se organizar de modo semelhante à União, inspirando suas
próprias constituições na Carta maior. A descentralização republicana deu maior
flexibilidade político-administrativa aos governos estaduais em benefício dos
grandes interesses agrícola-exportadores. Por outro lado, a república viabilizou
a emergência de novos grupos econômicos, que enfraqueceram algumas das
oligarquias anteriormente existentes em seu poder de exercer influência direta no
governo central.

Assim, nesse primeiro período de república federativa, pairava um clima tenso


entre União e entes federados. No governo de Campos Sales (1898 a 1902), com
o objetivo de manter a estabilidade política e econômica do país, foi estabelecida
a “Política dos governadores” – também chamada de “Política do café com leite”
–, em que os governadores tinham a função de representar o governo federal em
suas regiões, mas ganharam ainda mais poder para exercer suas gestões sem a
interferência do governo federal (FURTADO, 1998).

Havia uma negociação entre os governadores para escolha, em alternância,


de quem ocuparia o cargo de presidência da república, algo que favorecia São
Paulo e Minas Gerais. Obviamente essa dinâmica fortaleceu o coronelismo,
situação em que os governadores exercem poder e controle de modo exacerbado
nas regiões. Alguns autores chamam a atenção para uma distorção do federalismo
na medida em que os interesses estaduais assumiam preponderância sobre os do
governo federal (OLIVEIRA, 2018).
Assim, em
sua origem,
O principal ponto da República Federativa recém-declarada era o
o federalismo
repasse de poder para o governo dos estados. Assim, em sua origem, brasileiro foi
o federalismo brasileiro foi centrífugo e se ausentava de uma proposta centrífugo e se
de nação e interdependência entre as partes. ausentava de uma
proposta de nação
A autonomia, tão reivindicada e alcançada, acabou por favorecer e interdependência
entre as partes.
alguns estados da federação, sobretudo os exportadores, imprimindo
no federalismo que nascia, um caráter hierárquico entre os estados-
membros, e o exercício de um poderio político local, de caráter oligárquico,
patrimonialista e sem a integração do povo, tal como deveria ser em uma
República.

O federalismo da Primeira República construiu um autonomismo estadual


oligárquico às custas do enfraquecimento das municipalidades, que eram
completamente dependentes dos estados e reféns do coronelismo. Ocorreu
também um aumento da desigualdade territorial no país. A autonomia dos

31
O Município como Unidade de Governo

estados sem um projeto de nação atrasou a adoção de ações de bem-estar


para a sociedade e produziu no país uma enorme heterogeneidade de políticas
públicas (ABRÚCIO, 2010).

Além de atrasar o desenvolvimento de políticas públicas de forma equilibrada,


o poder oligárquico em forma de coronelismo fez os primeiros anos do federalismo
desenvolverem sob um cenário patrimonialista e clientelista: governadores
fomentavam alianças políticas entre o poder local e o poder estadual em medidas
que muitas vezes atendiam a interesses privados (COSTA; LIMA; OLIVERA,
2018).

O surgimento da estrutura federativa do Brasil, nesse contexto, gerou um


desequilíbrio no federalismo, que trazia dois estados membros muito fortes – Minas
Gerais e São Paulo – contra a União, enfraquecida. Na prática, o governo central
era comandado por estes estados, conduzindo-o de acordo com seus interesses.
Por outro lado, os demais estados estavam enfraquecidos e dependiam do auxílio
do Tesouro Nacional para se sustentarem minimamente (ABRÚCIO, 1998).

As distorções do federalismo na República Velha e seus efeitos nocivos


geraram o contexto de insatisfação que veio culminar na Revolução de 1930. Um
dos fatores que contribuiu fortemente com o agravamento das crises internas foi
o contexto global.

A economia mundial enfrentava a Crise de 1929, que impactou diretamente


no poderio econômico das oligarquias cafeeiras, que tiveram suas exportações
reduzidas. Por ter dificultado as importações de outros produtos, a crise acabou
estimulando o mercado interno, fazendo emergir novos setores econômicos,
como a oligarquia agraria do Rio Grande do Sul e lideranças industriais, que
juntos fizeram frente às tradicionais oligarquias rurais que governavam o país
(RABAT, 2002).

O desentendimento entre os governadores de São Paulo e Minas Gerais a


respeito da alternância de quem ocuparia a cadeira da Presidência da República
foi o estímulo que faltava para os estados menos favorecidos com a Política do
Café com Leite se organizassem para lançar outro candidato, Getúlio Vargas.

À sucessão desses eventos ocorreu a Revolução de 1930, que não cabe


aqui entrar em detalhes. Mas é importante que você perceba que este é o ponto
em que se estabelece um novo marco para o federalismo brasileiro.

32
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

Na Era Vargas,
Na Era Vargas, visando a correções do federalismo distorcido e visando a correções
do equivocado superpoder concedido aos governadores, retomou- do federalismo
se o fortalecimento do governo executivo federal. Começou a ser distorcido e do
pensada a construção de um projeto de nação, que dentre as ações equivocado
contemplava medidas de desenvolvimento econômico do país e de superpoder
concedido aos
políticas públicas sociais (ABRÚCIO, 2010).
governadores,
retomou-se o
Como exemplo de medidas para correção das distorções fortalecimento do
federativas, está a aprovação da reforma eleitoral de 1932, que governo executivo
aumentou a representação de estados menos populosos na Câmara federal.
dos Deputados com a finalidade de reequilibrar o poder que havia
ficado concentrado em alguns estados, no período anterior (SOUZA, 2005).

Outro exemplo, no que tange ao fortalecimento do âmbito federal, é a


constitucionalização das questões socioeconômicas e a expansão das relações
intergovernamentais. A finalidade era para que o Estado concedesse recursos
e apoio técnico aos estados na execução de políticas públicas. Aos municípios
foram assegurados recursos próprios, coletados por eles próprios, além de outros
repassados referente a uma parcela de um imposto estadual (SOUZA 2005).

Para além de um federalismo centralizador, é importante frisar seu caráter


autoritário naquele período. Após um golpe de Estado, em 1937, Vargas depôs
os governadores estaduais e nomeou para aqueles cargos interventores federais
de sua escolha. Estes, por sua vez, escolhiam os prefeitos dos municípios
(OLIVEIRA, 2018).

Houve também a dissolução do Congresso Nacional e das Assembleias


legislativas estaduais, e a imposição de uma nova Constituição, em 1937. Ou
seja, a autonomia dos estados inexistia e sua representatividade na União era
nula: a República Federativa vigorava só no papel (COSTA; LIMA; OLIVERA,
2018).

Um dos atos mais simbólicos de Vargas contra os interesses


regionais foi queimar todas as bandeiras estaduais em praça
pública. Os governos subnacionais perderam receitas para a
esfera federal, mas a mais importante medida foi delegar ao
governo federal a competência para legislar sobre as relações
fiscais externas e entre os estados (SOUZA, 2005, p. 108).

Apesar das disparidades federativas, o golpe visava construir a unidade


política e administrativa necessária para promover a chamada modernização

33
O Município como Unidade de Governo

social e econômica do país. O que, para os golpistas, só seria possível com a


neutralização dos interesses regionais. De fato, o regime getulista, de uma
perspectiva mais geral, promoveu a institucionalização de políticas públicas
sociais e o desenvolvimento econômico com a criação de um mercado interno
unificado, pela via de politicas de exportação mais restritas (RABAT, 2002;
SOUZA, 2005).

Somente após 1945 que o Estado brasileiro voltou a ter um caráter


descentralizado e seus estados-membros a retomar sua posição no federalismo.
Além da retomada dos governos estaduais, nesse período os municípios ganham
um pouco de autonomia, uma vez que a eles foi assegurado os cargos de prefeito
e vereadores eleitos democraticamente.

Também foi permitida a cobrança de impostos, taxas e contribuições de


melhoria, bem como a regulamentação de intervenções municipais. A constituição
de 1946 inovou ao aumentar a autonomia política e financeira dos municípios, que
era tradicionalmente tolhida pelas cartas constitucionais anteriores (ABRÚCIO,
1998; OLIVEIRA, 2018).

O período O período democrático que se iniciou após o Estado Novo foi


democrático que bastante relevante na instauração de medidas democráticas e de
se iniciou após o federalização do país. Além da retomada de autonomia dos entes
Estado Novo foi subnacionais, e de eleições competitivas e regulares nos estados
bastante relevante
e municípios, a ação do governo federal continuou em expansão
na instauração
de medidas no que tange às políticas públicas e combate às desigualdades
democráticas e de regionais. Mesmo que na prática o resultado tenha sido modesto,
federalização do isso demonstrava o fortalecimento de relações intergovernamentais
país. e do equilíbrio entre autonomia e interdependência (ABRÚCIO,
2010).

O período Vargas deixou como legado o fortalecimento do eixo nacional do


sistema político, característica que foi levada após 1945. Por outro lado, o novo
período trouxe de volta a influência do regionalismo na política nacional.

Os estados voltam a ter autonomia política e financeira e assumem maior


poder na Câmara Federal, com poder de barganha para reinvindicação de
mais recursos. Assim, as relações federativas ficaram mais equilibradas. Os
estados recuperaram sua autonomia e a União aumentou seu raio de ação por
consequência da estrutura criada no período varguista (ABRÚCIO, 1998).

Assim como nos estados, os recursos locais também foram privilegiados.


A Constituição de 1946 estabeleceu o primeiro mecanismo de transferências

34
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

intergovernamentais do governo federal para os municipais sem passar pelos


estados na tentativa de diminuir os desequilíbrios entre a distribuição estadual e
municipal (SOUZA, 2005).

Em suma, no período que vai de 1945 a 1964, os estados voltaram a ter


autonomia e o Estado nacional também se fortaleceu em termos econômicos e
políticos. A força da União foi importante para promoção do desenvolvimentismo
do governo de Juscelino Kubitschek, por exemplo.

Ainda assim, embora as evidências apontem para um equilíbrio federativo


entre as esferas, Abrúcio (1998) ressalta que o fortalecimento das figuras dos
governadores, principalmente no âmbito do poder legislativo federal, gerava
um processo de barganha constante da União em atendimento aos interesses
regionais.

A consolidação do federalismo e da democracia sofreram um A consolidação


do federalismo
retrocesso com a chegada da Ditadura Militar. Esse governo retomou
e da democracia
o modelo centralizador e os estados e municípios tiveram novamente sofreram um
sua autonomia e poder reduzidos. retrocesso com a
chegada da Ditadura
Cabe considerar também que o papel do governo central foi Militar. Esse governo
fortalecido até mesmo na expansão de políticas públicas, que agora retomou o modelo
centralizador
eram providas por ele e executadas por instituições do governo
e os estados e
federal ou pelos entes subnacionais, mas sem autonomia. Se houve municípios tiveram
fortalecimento da máquina pública central com a formulação de novamente sua
aparato tecnocrático, por outro lado, as gestões estaduais e municipais autonomia e poder
ficaram muito dependentes e pouco modernizadas (ABRÚCIO, 2010). reduzidos.

Em 1966, houve uma reforma tributária que centralizou na esfera federal


poder político e tributário, afetando o federalismo e suas instituições. É importante
considerar, entretanto, que apesar da centralização dos recursos, esta reforma
promoveu o primeiro sistema de transferência intergovernamental de recursos
da esfera federal para as subnacionais por meio de Fundos de Participação dos
Estados e dos Municípios (SOUZA, 2005). Os Fundos de Participação foram
mecanismos importantes para promoção do equilíbrio territorial e existem ainda
hoje.

Apesar de demasiada centralização e autoritarismo do período ditatorial,
formalmente o modelo federativo ainda era válido e disposto na nova Constituição
outorgada em 1967. Mas na prática, o governo central é quem comandava a
organização político-administrativa de todo o sistema federal, instaurando a
eleição indireta de governadores e chegando inclusive a legislar em matérias
que competiam aos governos subnacionais. O ápice da redução da autonomia

35
O Município como Unidade de Governo

estadual foi o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que deixou os entes federados


dependentes de recursos provenientes da União e sem autossuficiência fiscal
(COSTA; LIMA; OLIVERA, 2018).

Dentre outras medidas autoritárias, o AI-5 estabeleceu que

O Presidente da República poderá decretar a intervenção


nos estados e municípios, sem as limitações previstas na
Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer
cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos
federais, estaduais e municipais (BRASIL, 1968).

O texto também permitia a desativação dos poderes legislativos regionais


por meio de recesso, mas com a continuidade do exercício do executivo, o qual
poderia estar ocupado por um interventor nomeado pelo governo federal. Assim,
este não poderia ser questionado pelos legisladores. De fato, muitos municípios,
como capitais, municípios de fronteiras e aqueles considerados caso de segurança
nacional, passaram a ter prefeitos nomeados pela União (OLIVEIRA, 2018).

No período que se caminhava para o final da ditadura militar, iniciou-


se um processo de retomada de força dos governadores. Eleições estaduais
ocorreram em 1982 e eles assumiram relevante papel na retomada democrática e
descentralizadora no processo de elaboração da nova Constituição.

Governadores como Tancredo Neves, José Richa, Antônio Carlos Magalhães,


Leonel Brizola, Franco Montoro e Miguel Arraes, dentre outros, tiveram muita
influência na Assembleia Constituinte convocada em 1986, imprimindo forte
viés federativo na organização política e administrativa brasileira. A retomada da
descentralização foi um dos princípios mais defendidos (TORRES, 2012).

Na opinião de alguns autores, a estrutura federativa após o regime militar


beneficiou demasiadamente os governos estaduais, e enfraqueceu muito o
governo central. Abrúcio (1994), um dos autores que mais defendem essa
interpretação, chega a denominar a ocorrência de um “Federalismo Estadualista”,
no arranjo político que se desenhara, pois os governadores ganharam muita força
no processo de elaboração da Constituição como consequência da influência
exercida por eles nas eleições dos legisladores federais e regionais. Assim que

surge o que denominei "federalismo estadualista", no qual os


estados — e mais particularmente os Executivos estaduais
e seus comandantes, os governadores —se fortalecem nos
campos político e econômico, enquanto a União se enfraquece
nestes dois campos. Ademais, este "federalismo estadualista"
se caracteriza pelo grande poder de veto dado às unidades
estaduais frente à qualquer mudança na atual estrutura
federativa, introduzindo uma relação meramente defensiva,

36
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

não-cooperativa, ou até predatória — como no caso dos


bancos estaduais —, dos estados junto ao Governo Federal
(ABRÚCIO, 1994, p. 5).

Com a redemocratização, o federalismo foi redesenhado com Com a


um formato mais proeminente do que no período anterior, no qual redemocratização,
vigorava um molde centralizado e autoritário. o federalismo foi
redesenhado com
um formato mais
A Constituição Federal de 1988, pelo disposto no Artigo 60, proeminente do que
estabeleceu cláusula pétrea – não passível de sofrer alteração no período anterior.
por Emenda Constitucional – à forma federativa de Estado. Uma
importante inovação que marca a postura descentralizadora do federalismo
recente, é o reconhecimento constitucional do município como terceiro nível
de governo, autônomo, algo que não ocorre em nenhum outro país no mundo
(TORRES, 2012).

Nos períodos anteriores do federalismo brasileiro, o município existia e era


reconhecido, porém, para eles era concedido tal grau de autonomia e, na maioria
das vezes, sem força os municípios não passavam de regiões dependentes
dos estados-membros; estes sim entes federados. Por último, a Constituição é
bastante incisiva no que tange à distribuição de competências entre os entes da
federação e à integração entre os entes federados, visando garantir a distribuição
dos poderes de forma equilibrada.

Assim, apesar de o fortalecimento dos governadores num primeiro momento,


o federalismo disposto na Constituição de 1988 pressupõe a integração entre os
entes federados, ou seja, aquele tipo de federalismo denominado cooperativo.
De fato, a coordenação federativa tem se concretizado em muitas áreas de
políticas públicas, como você verá nos capítulos seguintes.

Pesquisas demonstram que as relações entre os poderes – legislativos e


executivos – dos diferentes níveis de governo, ao longo dos anos, tem se provado
uma dimensão mais complexa do que o simples fortalecimento dos governadores
aparentava inicialmente (ARRETCHE, 2012).

Em linhas gerais, apesar de contínuo, o federalismo brasileiro pode ser


caracterizado por um movimento pendular de centralização e descentralização
que coincide com a alternância entre regimes autoritários e democráticos. Nos
períodos autoritários (1937-45 e 1964-85) pôde-se observar um esforço em
concentrar o poder no âmbito federal em detrimento da autonomia política e
administrativa (TORRES, 2012).

37
O Município como Unidade de Governo

QUADRO 2 – RESUMO DA TRAJETÓRIA DO FEDERALISMO NO BRASIL

Constituições Distribuição de pode- Exercício do


Período
existentes res poder central
Democracia
1989-1930 1891 Descentralizado (não consolida-
da)

1930 -1945 1934, 1937 Centralizado Autoritarismo

1945 -1964 1946 Descentralizado Democracia

1964-1985 1967 Centralizado Autoritarismo

Descentralizado/integra-
1985-atual 1988 Democracia
do

FONTE: A autora (2020).

A recente Carta Constitucional e as reformas que se seguiram a partir


dela foram fundamentais para a retomada do processo de descentralização e
autonomia dos estados-membros.

Como veremos adiante, o desenho institucional atual busca não repetir


um fortalecimento descoordenado dos estados-membros; e sim inaugurar um
movimento de equilíbrio entre autonomia e cooperação entre os entes federados.
Mas isso é um processo ainda em debate e construção.

4 - Agora que você já sabe um pouco sobre a trajetória do


federalismo na história do país, pratique seu conhecimento
conceitual a respeito do tema. Classifique os tipos que já
ocorreram no Brasil levando em consideração os critérios:
formação histórica, amplitude da descentralização e
autonomia, no tratamento dado aos entes federados, na
distribuição de competências. Justifique suas respostas.

a) Caracterize o federalismo brasileiro em sua origem, no período da


República Velha, tendo em vista o critério da formação histórica:

b) Caracterize o federalismo brasileiro em sua origem, no período

38
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

da República Velha, tendo em vista o critério da distribuição de


competências:

c) Caracterize o federalismo brasileiro no período do Estado Novo e


dos Governos Militares, tendo em vista o critério da amplitude da
descentralização/autonomia:

d) Caracterize o federalismo brasileiro no período entre ditaduras,


de 1946 a 1964, tendo em vista o critério da amplitude da
descentralização e autonomia:

e) Caracterize o federalismo brasileiro no período atual, da


distribuição de competências:

4 O NOVO “PACTO FEDERATIVO”:


MUNICÍPIO ALÇADO A ENTE
FEDERADO
Neste ponto de seu estudo, você começa a adentrar na temática principal
desta disciplina, que é o município como unidade de governo. Até o momento
você percorreu uma trajetória de conceitos importantes para caracterização do
federalismo e sobre como esse modelo organiza um território, em seus diversos
níveis de governo.

Em seguida, você observou como foi a adoção do federalismo nos diferentes


períodos do Brasil sob influência de fatores históricos e políticos até a chegada
do momento atual. O momento do “novo pacto federativo” é detalhado a partir
deste ponto e nos capítulos seguintes, trazendo como foco os municípios, que
são as unidades federativas que ganharam novo patamar na Constituição Federal
de 1988.

A redemocratização e a Constituição Federal de 1988 inauguram um novo


período no federalismo brasileiro, ditando uma nova forma de organização do

39
O Município como Unidade de Governo

Estado e de estruturação das políticas públicas. A descentralização


descentralização e autonomia foram potencializadas quando o município é alçado à
e autonomia foram condição de ente federado.
potencializadas
quando o município O principal mote do novo federalismo inaugurado pela
é alçado à condição Constituição de 1988 foi a descentralização. Processo que
de ente federado. significava não só passar mais recursos e poder aos governos
subnacionais, mas, principalmente, tinha como palavra de
ordem a municipalização. Nessa linha, o Brasil se tornou uma
das pouquíssimas federações do mundo a dar status de ente
federativo aos municípios (ABRÚCIO, 2010, p. 46).

É importante admitir que nas constituições anteriores, exceto a de 1937, os


municípios já eram reconhecidos como organizações políticas autônomas. Porém,
é somente na Carta mais recente que o município adquire autonomia plena e é
conceituado no mesmo patamar que estados e Distrito Federal com prerrogativas
invioláveis por qualquer ente federado que tenha um nível mais abrangente de
governo.

De fato, essa é uma situação bastante peculiar no Brasil, que não encontra
similaridade em outros Estados organizados em forma de federação. Em geral,
nos demais Estados federalistas, os municípios (ou unidades subnacionais
análogas) são divisões administrativas do ente federado subnacional, qual seria a
nossa esfera estadual.

Estes estados, por sua vez, podem delegar mais ou menos autonomia
ao município, mas formalmente ele não é um ente federado que goza de igual
autonomia e prerrogativa do estado-membro (TOMIO, 2005).

Assim, no Brasil atual, o município não é mais subordinado às constituições


estaduais, como foi nos períodos anteriores de democracia; é menos ainda
subordinado às autoridades estaduais delegadas pelo poder central, como nos
períodos autoritários.

A Carta de 1988 retira dos estados a competência de dispor sobre a


organização e atribuições dos municípios, ao contrário, o próprio documento torna
explícita as competências municipais e confere poderes explícitos para sua auto-
organização (FALCÃO; GUERRA; ALMEIDA, 2013).

O reconhecimento do município como ente federado é trazida logo no


primeiro artigo, constitucional, como princípio fundamental do documento basilar
do Estado-nação Brasil. O texto estabelece a forma de Estado, de governo
e a divisão do território: o Brasil é uma República Federativa, formada pela

40
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal. A temática da


organização do Estado, por sua vez, é trazida no Título III, que compreende os
Artigos 18 a 43.

A tão falada autonomia dos municípios é prevista no Artigo 18, em que se


explicita que a “organização político-administrativa da República Federativa do
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Este texto reconhece a autonomia do município lado a lado aos demais


entes federados, tornando o município a terceira esfera federal na organização
do Estado. Ao artigo 18, soma-se o 29, no qual é garantido o poder de auto-
organização dos municípios através de lei própria, deixando claro que estes
não ficam mais à mercê das constituições estaduais como outrora (FALCÃO;
GUERRA; ALMEIDA, 2013).

Por último, para coroar a autonomia da terceira esfera federativa, o Artigo


35 garante que o município não sofra intervenção dos demais entes, exceto
nos casos específicos em que ele não cumpre algumas de suas competências
previstas na Carta Constitucional.

Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a


União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto
quando:
I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos
consecutivos, a dívida fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita
municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas
ações e serviços públicos de saúde;
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação
para assegurar a observância de princípios indicados na
Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de
ordem ou de decisão judicial (BRASIL, 1988).

Os conjuntos de artigos mencionados garantem que a descentralização


federalista alcance os municípios, com autonomia, nos três setores: administrativo,
político e financeiro. Ou seja, também para a terceira esfera da federação é
garantida a capacidade de governar, legislar e administrar sem que seja obrigado
a acatar a vontade dos outros entes federados.

Obviamente, conforme estabelecido no Art. 18, nenhum dos entes


federados, incluso municípios, pode exceder os limites constitucionais. Tendo isso
em vista, a autonomia política municipal garante aos munícipes eleger seus

41
O Município como Unidade de Governo

representantes no poder executivo (prefeito e vice) e legislativo (vereadores),


além da competência desses representantes de redigir sua própria constituição –
chamada de Lei Orgânica.

A autonomia financeira dos municípios diz respeito à liberdade de


arrecadar tributos em suas esferas de atuação, como também de participar da
divisão de tributos federais e estaduais e utilizar, como melhor de convier, tais
rendas na promoção de suas políticas. Por último, a autonomia administrativa
no município, que significa sua liberdade de organizar seus serviços públicos e o
regime jurídico de seus servidores (BERNADI, 2007).

É preciso reforçar que essas autonomias estão acompanhadas do


cumprimento dos limites e compromissos constitucionais, os quais, dentre outras
normativas, estabelecem também as competências dos entes federados.

A distribuição de competências ganhou destaque no texto constitucional de


1988. Isso porque, na época da redemocratização e da Assembleia Constituinte,
assumia-se que um federalismo bem-sucedido deveria ter um modelo organizado
de descentralização. Isso evitaria as duplicidades e dissensos de funções entre
entes federados, uma das causas da execução malsucedida de políticas públicas
que representavam desperdício de recursos públicos.

Por isso, a distribuição de competências se encontra prevista principal e


constitucionalmente nos Art. 21 a 24 e no Art. 30, que trata das competências dos
municípios. A distribuição de competências trata da divisão das responsabilidades
entre os entes federados.

De modo geral, toma-se por base o princípio da predominância do interesse,


cabendo à União o interesse geral, aos Estados-membros o interesse regional,
aos Municípios o interesse local e ao Distrito Federal os interesses regional e
local. Este é o assunto do próximo capítulo, no qual você vai entender como
os entes federados se organizam para executar políticas, leis e para servir aos
cidadãos (GADELHA, 2017).

Além das competências, o texto constitucional, nos Art. 153 a 162, dispõe
sobre a arrecadação de rendas em cada uma das três esferas federativas, o que
é um ponto fundamental na garantia da descentralização no aspecto econômico.
A distribuição tributária implica a sustentação econômica dos entes federados na
capacidade de executar suas funções constitucionalmente previstas.

Com isso que foi colocado, deve ter ficado claro para você que o
atual federalismo brasileiro disposto na Carta Constitucional pende para a
descentralização. O ideário na época da redemocratização e da Constituinte

42
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

defendia que a excessiva centralização e o aparato burocrático federal, típicos do


período anterior, tornava ineficiente a execução das políticas públicas e cerceava
a democracia. Era praticamente consenso entre políticos e legisladores que
aquele modelo era um problema.

A influência conjugada da centralização, da desconfiança e


da tutela acabou por construir uma gigantesca e complicada
burocracia federal, condenada, por força da própria dimensão,
a tornar-se crescentemente insensível à urgência dos
problemas que reclamam solução. Como fator agravante,
o centralismo burocrático provoca a exacerbação de uma
‘ótica excessivamente central’ que tende a aplicar soluções
uniformes e padronizadas a um país imenso e heterogêneo,
marcado por diversidades e peculiaridades, a reclamar por
soluções diferentes para problemas diferentes (BELTRÃO,
1984, p.18).

Assim, a descentralização era vista como alternativa viável para resolver


questões em dois aspectos. Em primeiro lugar, no aspecto econômico. Em um
Estado que enfrentava forte crise financeira, incapaz de se sustentar, acreditava-
se que a descentralização promoveria melhor eficiência dos gastos públicos.

[...] nenhum plano nacional poderá ser realmente eficaz se


não tiver sua execução amplamente descentralizada e se
não puder se engajar, desde a fase de sua elaboração, a
participação dos mecanismos administrativos locais, que
estão naturalmente melhor habilitados a identificar e resolver
problemas da maneira mais rápida e peculiar a cada caso
(BELTRÃO, 1984, p. 25).

Em segundo lugar, a descentralização seria a alternativa para solucionar


problemas de aspecto político. Acreditava-se que uma vez que as políticas,
sendo formuladas e implementadas de modo mais próximo ao cidadão, a
descentralização propiciaria maior participação popular nas questões políticas, o
que era fundamental para superar o passado autoritário do passado recente.

[...] a descentralização se tornou, para as oposições, sinônimo


de democracia, de devolução à cidadania da autonomia
usurpada pelos governos militares. Segundo a
A nova constituição,
percepção oposicionista dominante na época, a
descentralização era condição para o aumento ao instituir a
da participação, e ambas compunham uma sua engenharia
utopia democrática cujo horizonte remoto era o federativa, mais
autogoverno dos cidadãos (ALMEIDA, 1995, p. do que promover a
92). descentralização,
intentava também
É preciso considerar que a nova constituição, ao instituir a sua promover a
integração entre
engenharia federativa, mais do que promover a descentralização,
entes federados e
sociedade civil.

43
O Município como Unidade de Governo

intentava também promover a integração entre entes federados e sociedade


civil. Isso fica claro em vários momentos, seja nos dispositivos que tratam da
distribuição de competências e de arrecadação tributária, seja nos vários artigos
que tratam do equilíbrio do território e da cooperação entre os entes.

Afinal, a Carta traz, entre seus objetivos fundamentais, o desenvolvimento


nacional e a redução das desigualdades sociais e territoriais. Isso só é possível
a partir de um desenho federativo integrado. É nesse sentido, por exemplo,
que o Art. 23, sobre as competências comuns ente União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, prevê em seu parágrafo único, a cooperação entre estes
entes federados, a ser normatizadas em leis, tendo em vista o equilíbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Outros artigos garantem a inclusão dos cidadãos na engenharia federativa,


não só de forma indireta – na escolha de seus representantes por meio de sufrágio
–, como também na participação direta na política, garantindo a soberania popular.

O texto estimula a integração de associação e cooperativas nas deliberações


políticas, prevê a promoção de audiências públicas, institui conselhos de
acompanhamento e controle social passa as políticas públicas, como é o caso dos
conselhos de saúde, de política cultural e de educação. Assim, de fato, observa-
se que a ideia da descentralização busca contemplar também o aspecto político
da ampliação da democracia.

Como resultado, a Constituição Federal de 1988 e sua engenharia federalista


consagra novas formas de organizar as políticas públicas. A descentralização,
sobretudo na municipalização das políticas, aliada à interdependência federativa,
fazem tomar forma as medidas de combate à desigualdade e implantação de
mecanismos de cooperação intergovernamental, com a definição de um raio
importante de ações federais como agente nacional. Isso faz render efeitos
positivos no campo das políticas públicas direcionadas ao cidadão (ABRÚCIO,
2010).

A municipalização, promovida sob coordenação com os demais entes


federados, estabeleceu um aumento da eficiência na alocação de recursos e na
implementação das políticas, que pode estar aquém do ideal. Mas se comparada à
época da centralização das ações, em que a alocação de recursos era ineficiente
diante do tamanho do país e de suas especificidades locais, observa-se grandes
avanços (ABRÚCIO, 2010).

Entretanto, apesar dos avanços na maturidade alcançada no texto


constitucional e dos efeitos positivos na promoção das políticas públicas, é muito

44
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

importante tecer algumas críticas, reconhecendo os impasses que o federalismo


brasileiro ainda apresenta. Passado alguns anos da Constituição, começou a ficar
claro que existem algumas contradições na organização política e na distribuição
de competências políticas e tributárias.

Apesar da natureza descentralizadora da Carta de 1988, o papel da União


no pacto federativo brasileiro é predominante, como demonstram alguns aspectos
cruciais, como: a) o simbolismo e a força da imagem do presidente da República,
que acaba estabelecendo em plataforma a organização da política nacional,
mesmo que o papel do Legislativo como contrapeso seja considerado; b) o
conjunto de prerrogativas e áreas privativas em que somente a União pode legislar
em detrimento de estados e municípios; c) a concentração da receita tributária no
Tesouro do governo federal, que mina (ou regula) a capacidade dos municípios no
cumprimento de suas responsabilidades; d) a melhor estruturação, remuneração
e qualificação da burocracia federal, e a carência e despreparo desse quadro
profissional nas outras esferas, principalmente nos municípios (TORRES, 2012).

Assim, em contraposição ao papel preponderante da União no federalismo


atual, principalmente na arrecadação tributária, a divisão de competências deixou
para os municípios um fardo bastante pesado. A responsabilidade na execução
de políticas e operacionalização dos direitos constitucionais garantidos ao
cidadão são, em grande medida, dever do município, já que é a esfera que de
fato tem contato com o cidadão. Em conjunto com autonomia, a descentralização
poderia significar uma grande concessão de poderes aos municípios. Porém,
a grande crítica atual, que você verá em detalhes no terceiro e último capítulo
deste livro, aponta que essa responsabilidade municipal não é acompanhada de
poderio econômico para seu cumprimento. Principalmente porque o município é
uma instituição historicamente frágil no Brasil, com enorme carência de recursos,
financeiros e humanos. Não raro, permeado por lógicas patriarcais e clientelistas,
consequência da trajetória histórica política do Brasil, que se sobrepõem até ao
mais democrático dos contextos (GADELHA, 2017; COSTA; LIMA; OLIVEIRA,
2018).

Em relação às críticas tributárias, a Constituição de 1988, com suas reformas


posteriores acaba por concentrar em demasia recursos na União, que poderiam
ir para estados e municípios, principalmente aos municípios, uma vez que estes
assumem tamanho papel na execução das políticas públicas.

Outro debate importante que será aprofundado no próximo capítulo, é o


caráter competitivo do federalismo pós-Constituição de 1988. A liberdade que
os estados têm de exercer sua tributação gera a chamada “Guerra Fiscal”. É
quando governos estaduais, na tentativa de atrair empresas para seu território,

45
O Município como Unidade de Governo

ofertam benefícios fiscais para além do que deveriam. Quase como um leilão,
as empresas se beneficiam na guerra entre eles e o Estado acaba por abrir mão
de recursos que fazem falta na promoção de políticas púbicas (SOUZA, 2005;
ABRÚCIO, 2005).

A despeito dos esforços contidos na Carta de 1988 em favor de uma


maior harmonia, cooperação e coordenação federativas, há ainda um caráter
predatório do federalismo, que leva à disputa entre os entes federados, com
impactos negativos na administração pública. Por vezes, é possível perceber um
federalismo corporativo, marcado pelas alianças – muitas vezes desonestas –
entre atores políticos e econômicos, que reforçam ou resgatam os coronelismos
que vigoram em nossa história. Esse cenário desafiador deve ser enfrentado
pelas gestões municipais (TORRES, 2012; OLIVEIRA, 2018).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste capítulo você mergulhou nas bases conceituais que definem as
Formas de Estado, quais são: unitária, federada e confederada. A organização
do território de um Estado pode ocorrer com apenas um nível de governo –
no modelo unitário – ou com dois (ou mais) níveis de governo – nos modelos
federado e confederado. O Estado federado, diferente do confederado, apresenta
apenas uma soberania e identidade-nação, que residem na unidade central do
Estado, também chamada de União.

Os demais estados dispõem de poder para deliberar sobre suas questões


internas com relativa autonomia. A federação surgiu da necessidade de governar
países com grandes extensões territoriais que dispõem de heterogeneidades
socioculturais e econômicas.

Você também viu que descentralização e autonomia são elementos muito


importantes no que tange aos Estados federalistas. São elementos que podem
ocorrer em maior ou menor profundidade, em três aspectos: administrativo,
político e econômico.

Nos Estados unitários, o mais comum é que a descentralização seja


do tipo administrativo. Já nos Estados federados, a expectativa é que haja
descentralização nos três aspectos e que os estados-membros exerçam com
autonomia tudo que é concedido na descentralização.

Obviamente, para boa sustentação do federalismo é preciso que a


autonomia esteja em equilíbrio com a distribuição de poderes, de modo a zelar

46
Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

pela boa relação entre os níveis da federação. Assim, é possível haver unidade
do território, evitar desigualdades socioeconômicas e de promoção de serviços ao
mesmo tempo em que o pluralismo, a diversidade cultural e vocações produtivas
regionais sejam respeitados.

A busca por esse equilíbrio tem sido um aprendizado ao longo da história do


federalismo. Nos períodos iniciais de formação, esse modelo assumiu um modelo
dual em que os entes federados não mantinham muita relação, nem da União
para com estados, nem entre os estados entre si.

Com um governo central pouco forte, sem um projeto de nação, cada estado
agia de forma independente sem planejamento coletivo e coordenação. Isso
acarretava disparidades regionais e prejudicava o desenvolvimento do país como
um todo no que tange a serviços, políticas públicas e desenvolvimento econômico.
Esse modelo dual foi visto nas origens do federalismo nos EUA, mas também é
possível estabelecer analogias com o Brasil, em seus primeiros anos federalistas,
durante a República Velha.

Nas críticas desse modelo federativo, que se demonstrou insuficiente, surgem


outros tipos: o cooperativo e o competitivo. O primeiro prioriza a coordenação
e cooperação entre os entes federados, sobretudo na relação entre União e
estados-membros, na qual a União assume o papel de coordenar e apoiar os
estados membros na promoção de políticas e no desenvolvimento do território
como um todo.

Isso é feito sem que haja desrespeito à autonomia dos entes federados. De
fato, é um equilíbrio difícil de alcançar, o que pode ser percebido no modelo mais
recente de federalismo no Brasil. No segundo modelo, o competitivo, apesar de
haver coordenação da União, há certo estímulo à competitividade nas relações
horizontais, ou seja, entre os estados-membros, o que, em teoria, seria benéfico
na promoção de inovações políticas, sociais e econômicas.

O Brasil é um ótimo exemplo de como o federalismo pode variar de acordo


com fatores históricos e políticos do país. Os moldes federalistas desenhados
na Constituição de 1988 pressupõem um modelo cooperativista, apesar dos
fortes mecanismos promotores da descentralização – com destaque à promoção
do município a ente federado que dispõe de autonomia política, legislativa e
fiscal. Isso fica claro quando a carta constitucional estabelece a distribuição de
competências. Mas nem sempre foi assim.

De acordo com as teorias e conceitos que circundam a temática, pode-se


dizer que em sua origem, o federalismo brasileiro surge por segregação, já que

47
O Município como Unidade de Governo

antes de sua adoção, ainda na época do Brasil Império, o Estado era unitário. Foi
a partir do novo modelo que os estados-membros passaram a ser formalmente
reconhecidos como autônomos e fortalecidos. Porém, isso é discutível, já que
o passado colonial brasileiro imprimiu características de um território bastante
heterogêneo, cujas unidades já se organizavam de forma bastante independentes,
ao contrário de um Estado tipicamente unitário.

Centrífugo em sua origem, ou seja, com o fortalecimento dos estados-


membros em detrimento do governo central, o federalismo brasileiro ao longo dos
anos oscilou para momentos de centralização (centrípeto) com o fortalecimento do
governo central, que coincide com períodos autoritários. Mas, ainda tratando de
classificação de federalismo, é preciso reconhecer que, ao menos formalmente, o
modelo brasileiro sempre adotou um padrão simétrico ao conceder prerrogativas
semelhantes a todos os entes federados, independentemente das características
díspares entre eles. Já na prática, o desenrolar da história demonstrou que em
alguns períodos houve privilégio de alguns estados em detrimento de outros.

A disparidade territorial do país ainda é um grande desafio ao federalismo


brasileiro. A recente Carta Constitucional deu grande destaque ao modelo
descentralizado e democrático, inserindo dispositivos que visam integrar os entes
federados, incluindo também a sociedade civil.

O papel dos municípios na execução de políticas e nas tomadas de decisões


foi bastante engrandecido. Porém, diante de uma história tão conturbada, um
período democrático recente ainda em construção e desigualdades territoriais
imensas, os municípios enfrentam muita dificuldade em exercer seu papel no
cumprimento de suas competências, como veremos nos próximos capítulos.

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Capítulo 1 Federalismo no Brasil: O Município como
Terceiro ente da Federação

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O Município como Unidade de Governo

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50
C APÍTULO 2
O Papel dos Municípios no Novo
Pacto Federativo

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Compreender a distribuição de competências da federação brasileira.


• Enumerar as competências municipais no cumprimento dos direitos e garantias
constitucionais.
• Conhecer os processos de reforma e reequilíbrio da federação rumo ao
federalismo cooperativo.
• Entender o lugar do município nas relações interfederativas e societais.
O Município como Unidade de Governo

52
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
No capítulo anterior, você estudou as bases conceituais que tratam sobre
descentralização e autonomia das unidades de governos em Estados federalistas.
Você associou esses conceitos ao federalismo brasileiro desde sua fundação até
chegar ao modelo atual, em que se desenhou um modelo federativo com três
entes: União, Estados e Municípios. Agora, neste capítulo, daremos continuidade
a compreensão do município como unidade de governo.

Aqui serão aprofundados seus conhecimentos sobre esta peculiar


organização federativa que o Brasil apresenta. Dispondo de três entes federados,
é de se esperar que sua organização seja complexa no que tange à distribuição
de poderes e competências.

A Constituição Federal de 1988 (CF88) traz como proposta a promoção do


equilíbrio do território e integração entre as unidades, distanciando-se de um
federalismo dual. Assim, noções de cooperação e coordenação permeiam a
estrutura federativa disposta na carta constitucional, mas essa transição não foi
um processo fácil de ser alcançado e continua em construção.

Uma das grandes questões quando se trata de descentralização, autonomia


e integração em uma federação, é a questão da distribuição de poderes e
competências entre os entes federados. Desde a fundação de um Estado federal,
é preciso ter claramente estabelecidas as responsabilidades de cada unidade
de governo e até onde vai a liberdade de atuação de cada um, sem que haja
interferência na autonomia do outro. Dada a importância da temática, todo este
capítulo é dedicado ao debate sobre as atribuições de cada nível de poder do
território brasileiro.

A seguir, você verá como União, Estados e municípios se organizam para que
seus governos cumpram suas atribuições e façam valer os direitos constitucionais
aos cidadãos brasileiros em cada parte do país.

2 A DISTRIBUIÇÃO DE
COMPETÊNCIAS: O LUGAR DO
MUNICÍPIO
Você deve se lembrar que ao final do capítulo anterior, os artigos
constitucionais que tratam sobre a divisão de competências foram mencionados,
ainda que de forma breve. Esse é um tema que merece devida dedicação, isso

53
O Município como Unidade de Governo

porque o estabelecimento da divisão de poderes e competências das unidades


de governo é algo muito importante nos países que adotam o modelo federalista,
pois são estes termos que objetivamente definem o grau de descentralização e
autonomia que irão permear o Estado. Este tópico se dedica a mostrar como esta
divisão se dá na atual carta constitucional brasileira.

A CF88 dedica considerável parte do texto à divisão de competência.


Apresenta um ideal afastado do federalismo centralizado, típico do governo
autoritário em período anterior. Na época a descentralização foi um conceito
associado à democratização e à eficiência.

Ao mesmo tempo, porém, os constituintes também quiseram se afastar


do modelo dual, onde as esferas federativas mal se comunicam. Veremos que
na complexidade da existência de três esferas federadas, o texto propõe uma
aproximação de um federalismo cooperativo, que zela pelo equilíbrio entre
autonomia e interdependência entre os níveis do governo.

É válido ressaltar que a integração entre os entes federados não é um caráter


exclusivo do Brasil, e tão pouco do Brasil recente. A interdependência entre os
níveis de governo é algo característico ao modelo federalista.

Andersen (2009) lembra que em todas as federações há considerável nível


de interdependência entre os governos, sobretudo nas federações cujos governos
subnacionais implementam muitos programas ou leis federais, nas quais a
competência comum ou conjunta é exercitada em diversas áreas; e nas quais
as unidades constitutivas são consideravelmente dependentes de transferências
condicionais do governo central.

Andersen (2009) complementa que, em todos os Estados federados, essa


relação entre governos tem alguma medida de colaboração e conflito, e que
muitas vezes o governo central pode se valer de supremacia financeira ou legal
para influenciar os governos das unidades constitutivas. Como você verá, este é
bem o caso do Brasil.

Antes de adentrar no caso específico da distribuição de competências do


texto constitucional brasileiro e da relação entre os entes no cumprimento destas,
vamos observar alguns aspectos importantes para o entendimento do conceito de
“competências”.

Para Silva (2004, p. 479), competência “é a faculdade juridicamente atribuída


a uma entidade ou a um órgão ou agente do Poder público para emitir decisões.

54
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos


ou entidades estatais para realizar suas funções”. O conceito de competência
também está relacionado à capacidade de um ente se impor sobre os demais ao
assumir determinada responsabilidade. 

Princípio da
A tradicional forma de divisão de competências no federalismo Predominância de
se pauta no Princípio da Predominância de Interesses: à União Interesses: à União
cabem as matérias e questões de interesse geral; aos estados, às cabem as matérias
matérias e assuntos de interesse regional; e aos municípios, assuntos e questões de
de interesse local. interesse geral; aos
estados, às matérias
e assuntos de
É importante você lembrar que este é o princípio trazido também interesse regional;
da CF88. Tendo por base este princípio típico do federalismo, podem e aos municípios,
ser adotadas um dos três tipos de técnicas para a repartição de assuntos de
competências (SILVA, 2005): interesse local.

• A Constituição lista as competências e os poderes da União, e


as não listadas, ou seja, residuais, são atribuídas aos estados-
membros. Esta técnica é predominante, por exemplo: EUA,
Suíça, Argentina, México e Austrália.
• A Constituição lista as competências dos estados-membros. As
competências não listadas, ou seja, residuais, são atribuídas
à União. O Canadá é um exemplo de Estado que adota esta
técnica.
• A Constituição lista as competências e poderes tanto para a
União quanto para os demais entes federativos. São exemplos: a
Índia e a Venezuela.

A técnica adotada pelo Brasil pós-CF88, é a terceira, mas com aplicação


um pouco mais complexa, que tenta não só distribuir as competências, mas
integrar a atuação dos entes federados no cumprimento destas. O documento
constitucional tenta harmonizar a existência de responsabilidades exclusivas de
um só ente federado com outras que são de responsabilidade concomitante a
dois ou mais entes.

55
O Município como Unidade de Governo

A ideia de descentralização num contexto federativo,


principalmente neste modelo que se apresenta no Brasil, envolve
dois conceitos cruciais: cooperação e coordenação.
A concepção de cooperação trata-se da necessidade dos
vários níveis de governo trabalharem em conjunto para realizarem a
execução de políticas públicas com eficiência.
A coordenação envolve a preponderância de um do ente
federal maior (a União) em observar “o todo” e coordenar a atuação
cooperativa dos entes federados, com o objetivo de promover um
equilíbrio perante as desigualdades territoriais e de capacidade de
execução dos entes federados envolvidos (TORRES, 2012).

As competências podem ser classificáveis, tanto no que diz respeito a


quantos entes federados ela pertence, quanto no que diz respeito a qual poder
deve se referir. Em relação aos poderes, as competências podem ser legislativas
ou materiais. O que isso significa? Você deve saber que no Brasil, assim como
na maioria dos países que adotam a noção de Estado de Direito, são separados
os três poderes de governar: executivo, legislativo e judiciário. Essa separação
ocorre de forma a estabelecer um mecanismo de freios e contrapesos, no
qual um poder fiscaliza e modera o outro e assim nenhum governante acumula
sobre si o poder de atuar, legislar e julgar sem que alguém possa confrontar suas
decisões.

No modelo federalista, em que há diversos níveis de governo em um mesmo


território, a separação de poderes é uma prática que perpassa a todos os entes
federados. Assim, tanto União quanto estados, e no caso brasileiro, os municípios,
são governos que possuem cada qual seus próprios poderes executivo e
legislativo.

56
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

Estado de direito é aquele em que todos os indivíduos, incluso


os governantes, estão submetidos às leis e às regras instituídas
naquele Estado. É um ideário que se estabeleceu após a Revolução
Francesa, sob os valores de Liberdade, Igualdade e Fraternidade;
fruto da crítica ao Estado absolutista, em que o rei se apresenta
como único soberano. Àquele ideário embute ao modelo de Estado
a necessidade de separação dos poderes, tendo como teórico mais
reconhecido, Montesquieu.
O propósito era que um governante não concentrasse em si
toda a tarefa de governar, julgar e elaborar suas leis, numa entidade
superpoderosa. É nesse sentido que nossa própria CF88, em seu Art.
2º, estabelece: “São Poderes da União, independentes e harmônicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 1988, Art.
2º).
De modo geral, o poder executivo tem a função de executar as
leis e pôr em prática ações para prestação de serviços do Estado
à sociedade. Os cargos-chefe que assumem esse poder, são:
presidente e vice-presidente, governador e vice-governador, prefeito
e o vice-prefeito.
O poder legislativo, por sua vez, tem a função de elaborar e
aprovar as leis, e também de fiscalizar o poder executivo. Exercem
esses cargos: senadores, deputados federais, deputados estaduais
e vereadores.
Por último, o poder judiciário tem o poder de julgar a fim de
decidir se os indivíduos, incluindo ocupantes dos poderes executivo
e legislativo, estão cumprindo ou descumprindo a lei. Esse poder
é composto por juízes, promotores de justiça, desembargadores
e Ministros de Justiça. E aí um detalhe importante: no Brasil, os
municípios não têm a competência de organizar poderes judiciários
em seu âmbito. O poder judiciário é regulado pela CF88 nos Art. 92 a
126, cabendo instâncias apenas aos entes da União e dos estados,
que tratam também das questões de âmbito municipal (AMB, 2005).

57
O Município como Unidade de Governo

É importante que você entenda que a ação de governar um país, pauta-


se tanto através da elaboração de leis, quanto através da implementação de
programas e políticas públicas. Havendo estes dois aspectos da governança, é
fundamental que a constituição preveja tanto os aspectos que cada ente federado
deve legislar, quanto de execução da execução de políticas e administração
pública.

A competência legislativa se refere à capacidade de editar leis e atos


normativos, além de que que a Casa legislativa assume também a fiscalização
do órgão executivo. Você já imaginou o conflito que se daria se dois governos,
com territórios coincidentes, legislassem sobre a mesma matéria em direções
contrárias? Em um exemplo hipotético, considere que o ente federado estadual,
tendo como órgão legislativo a Assembleia Legislativa composta por deputados
estaduais, aprovou uma Lei do Silêncio, regulando as definições e sanções para
a poluição sonora. Tal lei classifica como ilegal a circulação de equipamentos
sonoros acima de 70 decibéis em vias públicas, sem autorização prévia.

Ao mesmo tempo, no âmbito do legislativo de um município pertencente a


esse mesmo estado, a Câmara de Vereadores decidiu outros critérios, permitindo
a circulação de carros de som quem não excedam a 85 decibéis. Para complicar
ainda mais, as duas esferas divergem na penalidade de quem comete infrações.
Enquanto o estado aplica um valor de multa, o município decide pela apreensão
do equipamento sonoro.

Essa situação hipotética demonstra a sobreposição de competências


legislativas e o quão impraticável seria para as autoridades executivas colocarem
duas leis contraditórias em prática. Como seria difícil para que os cidadãos se
orientarem acerca das normas que devem obedecer, distinguindo-as das que são
proibidas.

Por isso, é importante que em um país federativo, onde governos diferentes


atuam sobre um mesmo território, a Carta Constitucional distribua claramente
as competências legislativas para cada ente federado, de forma a evitar
sobreposições decisórias das unidades de governo.

Outro tipo de competência é a material (ou administrativa), que trata da


execução dos comandos e prerrogativas que estão previstos nas normas. Ou
seja, são as ações concretas dos governos através de políticas públicas, ações,
programas e projetos que visam concretizar o serviço ao povo. Por exemplo, a
educação pública é um direito previsto em constituição que cabe aos governos
prover. Mas, se existem três instâncias governamentais que podem atuar sobre
este mesmo tema, se não houver organização prévia sobre a atuação de cada
uma, poderá haver sobreposição em algumas atividades e carência em outras.

58
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

Poderia ocorrer, por exemplo, que dois entes (estado e município) se


dedicassem ao ensino médio, havendo excesso de vagas na rede pública desse
segmento; ao mesmo tempo, a carência de creches, setor que nenhum dos entes
veio a empreender esforços. Em outro exemplo hipotético, a coleta de lixo urbano,
se assumida pela União, que é um ente mais abstrato e distante da localidade,
enfrentaria muitos problemas. É um serviço essencial e urgente. Até que os
cidadãos locais reportassem erros e má prestação de serviço, o lixo acumularia
nas ruas.

Portanto, entenda que as ações políticas, quando assumidas sem


distribuição, coordenação e planejamento, resultam em duplicidade ou omissão, o
que representa aplicação indevida ou desperdício de recursos públicos.

Através desses casos hipotéticos, ficou claro a enorme importância de serem


definidas as responsabilidades de cada ente federado a fim de que não haja
sobreposição de tarefas e leis, e que cada ente se atenha aos limites do que lhe
cabe governar, sem ferir a área de atuação do outro. Nesse caso, é bom recordar
o Princípio da Prerrogativa de Interesses.

Os vereadores de um município não podem exceder seus limites, legislando


sobre coisas que implicam a rotina de outro município, como exemplo: legislar
sobre o uso das águas de um rio que passa por vários municípios de um mesmo
estado. Essa tarefa caberia ao ente estadual. Tampouco, deputados estaduais
podem ferir a autonomia dos municípios, legislando sobre tema de interesse local
que cabe exclusivamente ao município.

A distribuição constitucional das competências aos entes federados


compõe outro critério de classificação de competências. Você estudou que
as competências podem ser classificadas segundo sua natureza, podendo ser
legislativa ou material.

O segundo aspecto de classificação, é a extensão da responsabilidade,


que diz respeito à participação de uma ou mais entidades de determinada
competência. De acordo com a extensão, a competência pode ser (SILVA, 2005):

• Exclusiva: quando a competência é atribuída a apenas um dos entes


federados, sendo vetado que outros entes atuem ou legislem sobre o
mesmo assunto.
• Privativa: quando a competência é atribuída como própria de um dos
entes federados, mas é permitido que esta competência seja, por lei,
delegada a outro ente.
• Comum, cumulativa ou paralela: quando a competência de legislar

59
O Município como Unidade de Governo

ou atuar em determinada esfera é atribuída a vários entes ao mesmo


tempo, sem que o exercício de um venha excluir o outro, podendo assim
ser exercido cumulativamente.
• Concorrente: quando há possibilidade de disposição sobre o mesmo
assunto ou matéria por mais de uma entidade federativa, mas há
primazia da União no que tange à fixação de normas gerais, tendo em
vista o Princípio da Predominância de Interesses.
• Suplementar: é correlativa à competência concorrente, remetendo
à formulação de normas que desdobrem o conteúdo de princípio ou
normas gerais, ou que supram a ausência ou omissão destas.

Outra forma de classificação a ser considerada, é a qual observa as


competências de acordo com a forma em que ela aparece atribuída a algum ente
no texto constitucional. De acordo com o critério da forma, a competência pode
ser (SILVA, 2005):

• Enumerada/expressa: quando a competência é estabelecida no texto


constitucional de modo explícito para determinada entidade.
• Reservada/remanescente e residual: quando a competência não é
enumerada e atribuída explicitamente a um ente (FALCÃO; GUERRA;
ALMEIDA, 2013).
• Implícita ou resultante: refere-se às competências não enumeradas
explicitamente a qualquer ente, mas que são praticadas por um ente
federado sob o entendimento jurídico que são necessárias ao exercício
dos poderes expressos ou reservados.

Para facilitar seu entendimento, as classificações estão sintetizadas na figura


a seguir:

60
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

FIGURA 1 – FORMAS DE CLASSIFICAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS

FONTE: A autora (2020).

Tendo em vista esse aporte conceitual sobre competências nos países


federalistas e suas classificações, você pode analisar mais detalhadamente a
carta constitucional brasileira, observando as responsabilidades que cada ente
deve assumir.

2.1 AS VEDAÇÕES
Um bom ponto de partida para iniciar o estudo sobre competências, é
observar o que é vetado aos entes federados. O Artigo 19 da CF88 diz que tanto
a União quanto os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,


embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou
seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si
(BRASIL, 1988).
É vedada a
Além disso, é vedada a intervenção de um ente federado sobre intervenção de um
o outro. Isso é bem claramente exposto no Artigo 18, que garante a ente federado sobre
autonomia de todos os entes, como também nos Artigos 34 e 35. O o outro.

61
O Município como Unidade de Governo

primeiro destes (Art. 34) trata da não intervenção da União nos estados e Distrito
Federal, exceto nos casos de: ameaça à integridade nacional, invasão estrangeira
ou de um estado sobre outro, grave comprometimento da ordem pública, para
garantir o livre exercício dos poderes nos estados, reorganizar as finanças,
prover execução de lei federal ordem ou decisão judicial e garantir os princípios
constitucionais.

Já o Artigo 35 defende a não interferência dos estados e da União nos


municípios, exceto se o município: não efetuar o pagamento de dívida por dois
anos consecutivos, prestadas as contas previstas em lei, não tiver aplicado o
mínimo exigido nas áreas de educação e saúde pública.

Para coroar, o Artigo 36 estabelece as condições da intervenção, envolvendo


os três poderes (sistema de pesos e contrapesos) na decisão e ato da intervenção,
prevendo também que será uma ação temporária até que sane a condição
causadora da intervenção.

Cabe o Cabe o entendimento que a não interferência também é


entendimento que entendida como o não exercício daquilo que é de competência
a não interferência
exclusiva do outro ente federado.
também é
entendida como
o não exercício Agora vamos tratar das competências dos entes federados.
daquilo que é O texto a seguir dispõe da abordagem mais tradicional quando se
de competência trata de divisão de competências dos entes federados brasileiros. É
exclusiva do outro aquela que fala sobre os deveres da União, estados e municípios no
ente federado.
que tange à prestação de serviços à sociedade.

Fique ciente que o material a seguir não entrará em detalhes sobre


competências da organização interna da máquina administrativa de cada ente
federado, nem das competências financeiras e tributárias, para que você não se
perca em detalhes como o regime dos servidores, estruturação dos poderes ou
arrecadação de impostos. Mas fique tranquilo, entraremos em detalhes de como
esses temas se apresentam nos municípios no próximo capítulo.

2.2 COMPETÊNCIAS DA UNIÃO


As competências da União aparecem enumeradas no texto constitucional,
por isso são facilmente identificáveis. No Brasil, embora algumas das
competências de estados e municípios também estejam enumeradas, utiliza-se
amplamente o recurso de que estes entes assumam as competências residuais
ou suplementares, ou seja, daquilo que não foi explicitamente atribuído para a
União.

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Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

As competências da União são as mais robustas na CF88. Ela dispõe de


competências materiais exclusivas (enumeradas no Artigo 21); competência
legislativa privativa (enumeradas pelo Artigo 22); competências materiais
comuns com Estados, DF e municípios (enumeradas pelo Artigo 23); e ainda
competência legislativa concorrente com os Estados e DF (nos temas
especificados no Artigo 24).

As competências materiais exclusivas da União são enumeradas no Artigo


21, estando vetadas, portanto, a atuação dos poderes executivos estaduais e
municipais sobre estes assuntos:

I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de


organizações internacionais;
II - declarar a guerra e celebrar a paz;
III - assegurar a defesa nacional;
IV - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que
forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele
permaneçam temporariamente;
V - decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a
intervenção federal;
VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material
bélico;
VII - emitir moeda;
VIII - administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar
as operações de natureza financeira, especialmente as de
crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de
previdência privada;
IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e
social;
X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão
ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos
da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação
de um órgão regulador e outros aspectos institucionais
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão
ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;         
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o
aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação
com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;
c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura
aeroportuária;
d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre
portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham
os limites de Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e
internacional de passageiros;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;
XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público
do Distrito Federal e dos Territórios e a Defensoria Pública dos

63
O Município como Unidade de Governo

Territórios;         
XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia penal, a polícia
militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem
como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a
execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;
XV - organizar e manter os serviços oficiais de estatística,
geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional;
XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de
diversões públicas e de programas de rádio e televisão;
XVII - conceder anistia;
XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra
as calamidades públicas, especialmente as secas e as
inundações;
XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos
hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transportes urbanos;
XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional
de viação;
XXII - executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária
e de fronteiras;
XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer
natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra,
o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o
comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos
os seguintes princípios e condições:
a) toda atividade nuclear em território nacional somente
será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do
Congresso Nacional;
b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização
e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos,
agrícolas e industriais;
c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção,
comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida
igual ou inferior a duas horas;
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da
existência de culpa;
XXIV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;
XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício
da atividade de garimpagem, em forma associativa (BRASIL,
1988).

As competências materiais na União, mas que são também comuns


aos estados, DF e municípios, estão estabelecidas no Artigo 23, que diz: “É
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições


democráticas e conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e
garantia das pessoas portadoras de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor
histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens
naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de

64
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou


cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à
ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em
qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o
abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a
melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de
marginalização, promovendo a integração social dos setores
desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos
de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em
seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a
segurança do trânsito (BRASIL, 1988).

Neste mesmo artigo, há um parágrafo único estabelecendo que as


normas para cooperação entre os entes federados serão por meio de leis
complementares, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar
em âmbito nacional.

Tanto na existência quanto na ainda ausência de tais leis, é válido recordar


o Princípio da Predominância de Interesses, em que a atuação nacional cabe à
União; a regional cabe aos estados e Distrito Federal; a local, aos municípios.

Além das competências materiais enumeradas para a União, a constituição


enumera também competências legislativas privativas e concorrentes, ou seja,
que cabem às instituições legislativas da União, quais sejam: o Senado e a
Câmara dos Deputados.

As competências privativas são enumeradas pelo Artigo 22, no qual é


previsto a competência da União de legislar privativamente sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,


marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
II - desapropriação;
III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e
em tempo de guerra;
IV - águas, energia, informática, telecomunicações e
radiodifusão;
V - serviço postal;
VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos
metais;
VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de
valores;
VIII - comércio exterior e interestadual;

65
O Município como Unidade de Governo

IX - diretrizes da política nacional de transportes;


X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima,
aérea e aeroespacial;
XI - trânsito e transporte;
XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;
XIII - nacionalidade, cidadania e naturalização;
XIV - populações indígenas;
XV - emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão
de estrangeiros;
XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições
para o exercício de profissões;
XVII - organização judiciária, do Ministério Público do Distrito
Federal e dos Territórios e da Defensoria Pública dos Territórios,
bem como organização administrativa destes;        
XVIII - sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia
nacionais;
XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupança
popular;
XX - sistemas de consórcios e sorteios;
XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico,
garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões
das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares; 
XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviária
e ferroviária federais;
XXIII - seguridade social;
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;
XXV - registros públicos;
XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas
as modalidades, para as administrações públicas diretas,
autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal
e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para
as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos
termos do art. 173, § 1°, III; 
XXVIII - defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa
marítima, defesa civil e mobilização nacional;
XXIX - propaganda comercial (BRASIL, 1988).

É muito importante que você note que estas são competências legislativas
PRIVATIVAS. Diferente das competências EXCLUSIVAS, que são restritas à
União e se referem às competências materiais; as competências PRIVATIVAS
são de natureza legislativa e também cabem à União, mas há a possibilidade de
que outros entes federados também legislem sobre esta matéria.

No entanto, isso só poderá ser feito se houver autorização expressa em


mecanismo legal. É o que garante o parágrafo único deste mesmo Artigo 22,
que diz: “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões
específicas das matérias relacionadas neste artigo”. Assim, as competências
legislativas mencionadas no artigo também são extensíveis aos estados, mediante
delegação (BRASIL, 1988).

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Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

Notícias STF
Quinta-feira, 31 de maio de 2007

STF suspende norma catarinense que previa bloqueio de


licenciamento de veículos

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade,


declarou inconstitucional, o artigo 3º, da Lei nº 11223/99, do Estado de
Santa Catarina. A decisão de hoje (31) confirma liminar anteriormente
concedida, julgando parcialmente procedente a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 2407, ajuizada pelo governador do estado
de Santa Catarina contra a edição da lei, pela Assembleia Legislativa
estadual.
A norma prevê a obrigatoriedade de identificação telefônica na
carroceria de veículos de transporte de carga e de passageiros, para
fins de fiscalização e, o seu artigo 3º, sujeitava o infrator ao bloqueio
do licenciamento de seu veículo. O governador alegou que essa
lei estaria invadindo competência legislativa da União, porque
cabe a ela, privativamente, nos termos do artigo 22, inciso XI,
da Constituição Federal, legislar sobre “trânsito e transporte”.
Assim o estado não poderia contrariar o disposto no Código de
Trânsito brasileiro.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha ponderou
que a identificação telefônica nos veículos não ofende o artigo
5º, inciso XII da Constituição Federal, no tocante ao sigilo das
telecomunicações telefônicas, tese do governador estadual. Quanto
ao artigo 22, inciso XI, este também não foi transgredido, porque a
norma se baseia na competência comum para legislar, prevista no
artigo 23, ambos da Constituição.
Para a relatora, de acordo com precedentes da Corte “os estados
membros podem fixar deveres a serem cumpridos por proprietários
de veículos, desde que as obrigações tenham pertinência com suas
competências e digam respeito à segurança pública e à educação
para o trânsito”. De acordo com o legislativo estadual foi exatamente
o que se buscou fazer nesta lei: “facilitar a atuação fiscalizadora
e educativa sobre os veículos licenciados em Santa Catarina”. A
ministra destacou, no entanto, que isto não ocorreu em relação ao
artigo 3º da lei contestada, ao  conflitar com a Constituição sobre a
competência legislativa, que só pode ser exercida pelos estados se
houver lei complementar da União que  autorize os estados-membros

67
O Município como Unidade de Governo

a legislar sobre questões específicas dessas matérias. Assim,


Cármen Lúcia julgou a ADI parcialmente procedente para declarar a
inconstitucionalidade somente do artigo 3º da lei atacada. A decisão
foi acompanhada por unanimidade pelo Plenário.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.
asp?idConteudo=70131. Acesso em: 20 set. 2020.

Outro artigo constitucional que trata sobre mais competências legislativas


da União, diferentemente da competência legislativa privativa do Artigo 22, o
Artigo 24 enumera as competências atribuídas ao mesmo tempo à União e aos
Estados e DF, de modo concorrente.

A competência concorrente, como você viu anteriormente, permite que os


dois entes legislem sobre o assunto, sendo que, considerando o Princípio da
Predominância de Interesses, cabe à União estabelecer as normativas mais
gerais, que se aplicam a todo o território; aos estados, as normativas regionais.
Por isso, as leis dos estados não poderão se sobrepor à lei da União. É nessa
seara que o Artigo 24 estabelece:

Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e
urbanístico;
II - orçamento;
III - juntas comerciais;
IV - custas dos serviços forenses;
V - produção e consumo;
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza,
defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio
ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico
e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico;
IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia,
pesquisa, desenvolvimento e inovação;
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas
causas;
XI - procedimentos em matéria processual;
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de
deficiência;
XV - proteção à infância e à juventude;
XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias
civis.

68
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da


União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais
não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados
exercerão a competência legislativa plena, para atender a
suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais
suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário
(BRASIL, 1988).

Note que os Parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º reforçam o caráter “concorrente” às


competências legislativas desse artigo.

Assim, os estados poderão legislar sobre as matérias enumeradas no


Artigo 24, com as seguintes condições: a) se a União já dispõe de lei sobre a
matéria, o estado poderá legislar também, desde que não contrarie a lei do ente
federal maior, e sim apresente uma lei suplementar que detalhe e complemente
a regulamentação da União no que tange à aplicação regional; b) se a União não
dispõe de lei sobre a matéria, o estado poderá legislar com autonomia naquele
assunto no âmbito de sua região. Mas, caso a União posteriormente lance uma
legislação sobre o tema, que contrarie aquilo que foi colocado na lei estadual,
esta se tornará nula.

2.3 COMPETÊNCIAS DOS ESTADOS


Antes de iniciar as competências atribuídas aos entes estaduais, é válido
recordar aquelas que lhes são vetadas, seja explicitamente, seja implicitamente.
Os vetos explícitos são aqueles já mencionados nos Artigos 19, 34 e 35. Os vetos
implícitos referem às competências enumeradas atribuídas exclusivamente a
outros entes federados.

Você já viu algumas destas no Artigo 21? O qual traz as competências


materiais exclusivas da União. Viu também o cuidado que devem ter os governos
estaduais de não ultrapassarem a primazia legislativa da União nos Artigos 22
e 24, que trazem as competências privativas e concorrentes dela. Outros vetos
implícitos são as competências enumeradas exclusivas aos municípios, dispostas
nos Artigos 29 e 30, que você verá mais adiante.

Após considerar as competências que são vetadas aos estados, é bom


também relembrar as competências a outros entes, mas também aos estados. As
competências materiais comuns do Artigo 23 são atribuídas à União, estados
e municípios, cabendo, portanto, a atuação do Estado em âmbito regional. Os
Artigos 22 e 24 trazem as competências dos estados como suplementar à

69
O Município como Unidade de Governo

legislação da União e legislar sobre a matéria residual que ainda não foi escrita.

Além dessas, o que mais compete explicitamente aos estados, de modo


exclusivo? O modelo federativo instituído com a CF88 adotou como estratégia
atribuir ao estado, em sua maioria, competências remanescentes e residuais,
isto é, aquilo que não foi enumerado como competência da União e nem dos
municípios, é do estado (BERNARDINI, 2007).

É o que traz o Artigo 25, parágrafo 1º: “São reservadas aos Estados as
competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição” (BRASIL,
1988). Ainda sim, há alguma atribuição exclusiva enumerada para os estados,
quais sejam:

• Legislativas:
Elaborar sua própria constituição estadual, respeitando os limites da
Constituição Federal (BRASIL, 1988, Artigo 25).
Instituir, mediante lei complementar, regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos
de municípios limítrofes, para integrar a organização, planejamento
e execução de funções públicas de interesse comum (BRASIL, 1988,
Artigo 25, § 3).
Criar, incorporar, a fusão e o desmembramento de municípios, por lei
estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal
mediante consulta prévia, às populações dos Municípios envolvidos
em plebiscito e divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal,
apresentados e publicados na forma da lei (BRASIL, 1988, Artigo 18, §
4).

• Materiais:
Explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás
canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a
sua regulamentação (BRASIL, 1988, Artigo 25, § 2). 

2.4 COMPETÊNCIAS DOS


MUNICÍPIOS
Até aqui você viu as competências da União e dos estados.
E aos municípios, o que cabe?

70
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

O recente redesenho federativo assumiu postura descentralizadora em


direção aos municípios. O novo regimento modificou profundamente a posição
dos municípios na Federação, agora como entidade estatal integrante, dotada
de autonomia política, administrativa e financeira (SILVA, 2005).

Relembre (como dito no primeiro capítulo deste livro) que o reconhecimento


como ente federado é assegurado no Artigo 18 e sua autonomia é assegurada
pelos Artigos 34 e 35, que não permitem a intervenção de outros entes
federados em seu âmbito, exceto pelos casos previstos pela CF88. Mas para
além do reconhecimento e da autonomia, o texto constitucional também garante
o protagonismo municipal quando dedica especial atenção às competências
desses entes.

Antes de adentrar nas competências atribuídas aos municípios, recorde das


que lhes são vetadas. Não cabe aos municípios – nem a nenhum ente – legislar
ou atuar sobre as matérias trazidas pelo Artigo 19. Tampouco cabe tratar sobre
aquilo que é exclusivo da União (Art. 21), ou de competência da União, mas que
permite aos estados atuar de forma concorrente ou suplementar (Art. 22 e 24).

No ano de 2010, a Câmara dos vereadores do Município de


Cuiabá, no estado do Mato Grosso, promulgou a Lei 5.309, de
01/06/2010. Tal lei visava disciplinar a entrega de correspondências,
folders e similares nas ruas da cidade. Dentre outros detalhes
a lei proibia a entrega e distribuição de correspondências em
domicílios e comércio no horário das 12 às 17h, impondo sanção à
empresa de entregas da correspondência que desobedecesse ao
estabelecido: estaria sujeita à multa e cancelamento de seu alvará
de funcionamento.
A motivação alegada pelos vereadores, foi a de que o sol e a
baixa umidade do ar, exporia os trabalhadores da entrega, incluindo
funcionados dos Correios, à riscos de saúde. Entretanto, a lei
em questão propunha algo inconstitucional, na medida em que a
manutenção do serviço postal é uma competência material exclusiva
da União, estabelecida pelo Artigo 21.
A Advocacia Geral da União (AGU), observando o equívoco da
lei municipal, entrou, em dezembro daquele mesmo ano, com ação
no Superior Tribunal Federal (STF) para que este julgasse sobre a
inconstitucionalidade da lei municipal.

71
O Município como Unidade de Governo

A AGU alegara que Cuiabá estaria violando o pacto federativo


nacional, ao se exceder no exercício de competência privativa da
União. O plenário do STF acatou por unanimidade a arguição da
AGU, e em 2019 a lei tornou-se sem efeito (STF, 2019).

Após listados os vetos, é sempre bom lembrar que tais competências já


foram mencionadas, sendo atribuídas a outros entes, mas que também cabem
aos municípios. São as competências materiais comuns, compartilhadas com
União e estados, e enumeradas pelo Artigo 23.

Lembre-se que vale o Princípio da Predominância de Interesses, em que


os municípios devem se comprometer com aquelas competências, mas com
atuação local, de modo condizente com as peculiaridades locais e respeitadas as
normativas gerais.

Quer conhecer um exemplo de organização entre os entes


federados para cumprimento de competências materiais comuns?
A Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011,
apoia-se no parágrafo único do Artigo 23 – que determina que leis
complementares devem fixar a organização da cooperação entre
União Estados e municípios.
Tal lei regulamenta a atuação da proteção de paisagens naturais,
do meio ambiente, e da preservação das florestas, fauna e flora.
Acesse o texto na íntegra: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
LEIS/LCP/Lcp140.htm

Outras competências enumeradas são atribuídas aos municípios na Carta


Constitucional. Primeiramente, o Artigo 29 atribui a estes entes a competência
legislativa de elaborar seu documento fundador e organizador, semelhante a uma
Constituição: a Lei Orgânica, que deve ser feita, obviamente, dentro dos limites
das Constituições federal e estadual. Em seguida, o Artigo 30 enumera e atribui
aos municípios as competências materiais e legislativas exclusivas:

72
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

Art. 30. Compete aos Municípios:


I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem
como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de
prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação
estadual;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão
ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído
o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União
e do Estado, programas de educação infantil e de ensino
fundamental;
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União
e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento
territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural
local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e
estadual (BRASIL, 1988).

Repare que o texto constitucional reforça, em vários momentos, o


protagonismo da atuação municipal em âmbito local. As experiências
constitucionais anteriores atribuíam-lhes competências exclusivas, governo
próprio e reconheciam a unidade de governo, ainda que não os considerasse um
ente federado em igualdade aos demais.

Os poderes concedidos eram limitados, já que eram os estados que deveriam


organizar seus municípios, assegurando-lhes autonomia. Na nova Constituição,
os estados já não têm mais o poder de organizá-los, de definir suas competências
e estrutura, impondo-lhes limite.
A CF88 dirige-
A CF88 dirige-se diretamente aos municípios, conferindo-lhes o se diretamente
poder de auto-organização, ampliando suas competências exclusivas, aos municípios,
comuns e suplementares (Art. 23, 29, 30 e 182). conferindo-lhes
o poder de auto-
Também se proíbe a nomeação do prefeito por outro ente organização,
ampliando suas
federado, sob qualquer argumento ou hipótese. Os estados não
competências
podem interferir no que cabe a eles, exceto no que é explicitamente exclusivas, comuns
autorizado pela CF88. e suplementares.

Com isso, a descentralização municipal, com desfrute de autonomia,


apresenta-se em quatro áreas (SILVA, 2005, p. 641, grifos nossos):

73
O Município como Unidade de Governo

Capacidade de auto-organização, mediante elaboração de lei


orgânica própria;
Capacidade de autogoverno, pela eletividade do prefeito e
dos vereados às respectivas câmaras municipais;
Capacidade normativa própria, ou seja, capacidade
de autolegislação, nas áreas que são reservadas as
competências exclusivas e suplementar;
Capacidade de auto-administração, ou seja, estruturar sua
própria administração para manter e prestar os serviços de
interesse local.

Nas capacidades descritas, estão permeadas as noções de autonomia/


descentralização administrativa, política e econômica, que são tão preciosas
a um Estado federalistas. Os municípios são, de fato, a instância federativa
mais próxima da população e a mais adequada para atender às peculiaridades
socioeconômicas dela.

Por isso, recai sobre eles a grande responsabilidade de prestar serviços


e organizar, de modo democrático, a prestação desse serviço. Obviamente,
como parte de uma federação deve também atender a normativas gerais das
instâncias da União e dos estados, sobretudo a CF88.

Em suma, por tudo que é disposto na Constituição, cabe aos municípios


legislar sobre assuntos de interesse local, tanto naquilo que for de sua
competência exclusiva, como a Lei Orgânica, a legislação tributária e
financeira local, leis de Planejamento e Orçamento, e leis sobre a disposição
de sua administração pública e de servidores; quanto de modo suplementar
à legislação federal e estadual no que couber. Ou seja, no sentido prático, isso
quer dizer que devem legislar, em observância das normas gerais, sobre as
matérias de: proteção de seu patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico, sobre questões de dano ao meio ambiente, ao consumidor, aos
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico local.
Legislar também sobre as questões de educação, cultura, ensino, assistência
social e saúde no que tange a prestação desses serviços no âmbito local e
sobre o direito urbanístico local e sobre a organização de distritos (observada
o limite da legislação estadual). Incluem-se as questões urbanísticas por meio
do Artigo 182, que coloca como obrigatoriedade do município (SILVA, 2005;
BERNARDINI, 2007).

Em relação às competências materiais, o apanhado da constituição


federal dá aos municípios a responsabilidade de zelar pela guarda da CF, das leis
e das instituições democráticas; de conservar o patrimônio público e de executar
tudo o que já foi regulamentado em lei, o que inclui a arrecadação de impostos

74
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

e aplicação de suas rendas, prestando contas e publicando os balancetes


(em atenção à CF88, as normativas da União e àquilo que foi instituído nas
Leis Orçamentárias e Planejamento locais); de organizar e promover as ações
relativas a políticas urbanas e territoriais, fazendo valer as leis que tratam deste
tema.

Deve também organizar e prestar diretamente, ou em regime de concessão/


permissão, os serviços públicos de interesse local. Manter, em cooperação
técnica e financeira com a União e os Estados, programas de educação pré-
escolar e de ensino fundamental; e os serviços de atendimento à saúde da
população. Promover ações de proteção ao patrimônio e valorização do
patrimônio histórico-cultural local. Em nível facultativo, poderão manter guardas
municipais que se encarreguem da proteção das instalações públicas e dos
serviços municipais (SILVA, 2005; BERNARDINI, 2007).

Enfim, são muitas as competências municipais, das quais voltaremos a


falar sobre no próximo capítulo, quando você entrará em detalhes sobre a auto-
organização, autogoverno, autolegislação e auto-administração nestes entes
federados.

Antes de mergulhar a fundo na administração pública municipal, é preciso


tratar um tema muito caro ao assunto federativo, que exerce impacto direto na
organização municipal: a relação entre os entes federados no Brasil.

1 - O Princípio da Predominância de Interesses é muito claro e


parece fácil até que a complexidade de um país com três esferas
federativas levante alguns casos difíceis de resolver. Por isso,
para além do princípio, os artigos constitucionais tentaram
expor a divisão de competências de forma bastante detalhada
e acrescentam como dispositivo as leis e leis complementares
que objetivam coordenar a ação dos entes federados. A seguir
estão algumas competências. Diga a qual ente federado cada
uma delas pertence. Justifique sua resposta com base na Carta
Constitucional, leis e leis complementares que você encontrar.

a) Os serviços de emissão de cartas postais:


_______________________________________________________
_______________________________________________________
_________________________________________________.

75
O Município como Unidade de Governo

b) O transporte público para as escolas municipais:


______________________________________________________
______________________________________________________
___________________________________________________.

c) Decretar feriado religioso no dia do padroeiro municipal:


______________________________________________________
______________________________________________________
___________________________________________________.

2- Em período eleitoral, é comum que candidatos apresentem


propostas que, pelo nosso ordenamento jurídico, são inexequíveis.
Os motivos vão desde a desinformação do próprio candidato,
ou ainda, do oportunismo destes que utilizam da ignorância da
população para angariar votos com discursos populistas. Nesse
sentido, sabendo que as competências podem ser classificadas
de acordo com sua natureza (materiais e legislativas) e extensão
(a quais entes a competência se aplica), explique por que estas
propostas de campanha e anseios de eleitores são infundadas:
a) Um candidato a prefeito de um município posta ser a favor do
porte e comércio de armas. Em sua campanha promete que,
caso eleito, irá liberar o uso de arma aos cidadãos.
______________________________________________________
______________________________________________________
___________________________________________________.

b) Um vereador interessado em se candidatar novamente quis se


promover. Disse que tomou conhecimento, a partir de denúncias
anônimas, que um professor de escola de ensino médio estaria,
no exercício de lecionar, levantando questões políticas de forma
inapropriada em sala de aula. Ele decide surpreender o professor
e ir presencialmente fiscalizar a aula, anunciando em suas
redes sociais que no seu próximo mandato irá pessoalmente
fiscalizar as escolas. Por que este vereador está excedendo suas
atribuições e fazendo promessa infundada?
______________________________________________________
______________________________________________________
___________________________________________________.

76
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

c) Um cidadão está bastante insatisfeito com a falta de professores


no colégio de sua filha de 10 anos. Muito decepcionado com
essa questão, ele afirma que nas próximas eleições votará em
outro candidato à presidência, pois aquele que ocupa a cadeira
não atende as suas necessidades. Por que este cidadão está
equivocado?
______________________________________________________
______________________________________________________
___________________________________________________.

3 A INTEGRAÇÃO DOS ENTES


FEDERADOS NAS POLÍTICAS
PÚBLICAS
Um Estado federativo pode vir a apresentar muitos conflitos se a divisão de
competências não for trazida de forma clara pelo texto constitucional. Como você
viu, em nosso caso, a CF88 dedicou-se bastante ao tema, com a preocupação de
garantir um caráter mais descentralizador ao novo federalismo brasileiro.

Uma tendência condizente com o contexto da época. De acordo com


Almeida (1995), a crise do regime autoritário e a transição da democracia
geraram poderosas correntes descentralizadoras. A descentralização se tornou
um sinônimo de democracia e de devolução da cidadania e autonomia perdida
nos governos militares.

As políticas sociais advindas do regime autoritário eram muito As políticas sociais


criticadas pelo seu caráter hipercentralizado e institucionalmente advindas do regime
fragmentado, sendo atribuída a isso o motivo da má distribuição dos autoritário eram
serviços e benefícios. muito criticadas
pelo seu caráter
hipercentralizado e
A descentralização, portanto, foi vista também como instrumento
institucionalmente
de universalização do acesso e de aumento do controle dos fragmentado,
beneficiários sobre os serviços sociais. sendo atribuída a
isso o motivo da
As correntes descentralizadoras permearam o ideário da má distribuição
Assembleia Constituinte, provendo uma revolução. A CF88 rejeitou dos serviços e
benefícios.
em parte a ideia do federalismo clássico norte-americano, no qual

77
O Município como Unidade de Governo

a distribuição de poderes e a repartição de competências seria apenas entre a


União e os Estados membros.

Com vistas a uma descentralização ainda maior, o Município foi promovido


como ente federado; e a todos os entes foram atribuídos autonomia, conforme as
limitações da repartição de competências. Mas, para além da descentralização
das políticas, os constituintes optaram também pelo afastamento do modelo
norte-americano Dual, estabelecendo, além de autonomia aos entes federados, a
cooperação intergovernamental (COSTA, 2012).

A ideia era reduzir as disparidades territoriais e a participação dos entes


subnacionais nas deliberações da União e promover o apoio da União nos entes
subnacionais, principalmente daqueles menos favorecidos.

A questão da interdependência federativa foi tratada pela CF88 em três


aspectos:

na definição de medidas de combate à desigualdade entre


os entes, principalmente de cunho financeiro; na manutenção
de um grande poder legislativo para União propor políticas
nacionais; e na proposição de que haveria mecanismos e
instrumentos de cooperação entre os níveis de governo para
a produção de políticas públicas, tema que foi destacado
em algumas políticas, e de maneira geral pelo artigo 23 da
Carta Constitucional. Pela primeira vez na história, foi criada
uma engenharia institucional que levava em consideração a
complexidade da federação brasileira (ABRÚCIO, 2010, p. 1).

A cooperação intergovernamental fica muito clara quando o texto


constitucional dá ênfase às competências comuns, concorrentes e compartilhadas.
Isso pode ser notado em vários momentos, como no parágrafo único do Artigo
23, que define as competências comuns à União, estados e municípios: “Leis
complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e
do bem-estar em âmbito nacional” (BRASIL, 1988, Artigo 23).

Em outros momentos, essa ideia é reforçada, como no Artigo 30, que trata
das competências municipais:

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União


e do Estado, programas de educação infantil e de ensino
fundamental,
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União
e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população
[...] (BRASIL, 1988).

78
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

Obviamente, a instituição da lógica cooperativa não ocorreu de forma


abrupta, pois dependia de um processo transitório, envolvendo a promulgação de
legislação complementar aos dispositivos da Constituição, que definiriam regras
e novos instrumentos para realocação, consolidação ou devolução de funções. O
processo de transição por si só era complicado, ainda mais somando a perda de
comando do governo central e suas dificuldades de financiamento.

O país ainda em crise financeira, o governo central sofria com a diminuição


da arrecadação tributária após a CF88, com rigidez das despesas federais e grave
processo inflacionário. Isso limitava as margens de manobra e capacidade efetiva
de atuação para instauração e coordenação de mecanismos de interpelações
governamentais (ALMEIDA, 1995).

O diminuto poder do governo central estava em desequilíbrio com o poderio


dos governadores, na época, o que imprimiu no federalismo brasileiro, em sua
fase inicial, um caráter pulverizado e descoordenado.
Inicialmente, não foi possível instaurar a descentralização e cooperação
governamentais em plenitude. Houve muitas disparidades entre municípios e
muitos deles apresentaram escassez de recursos, dependência financeira e baixa
capacidade administrativa.

Problemas históricos, como o clientelismo, o excesso de poder na


figura do prefeito, inviável participação de outros atores políticos e controle
sobre os governantes, dificultaram bastante a participação e o controle das
políticas municipais que era esperado que ocorresse automaticamente com a
descentralização.

Além disso, a má distribuição dos gastos públicos municipais e a dificuldade


em criar parcerias com entes subnacionais também foram fatores que tornaram
a implementação daquela engenharia institucional problemática, gerando várias
revisões após a CF88 (ABRÚCIO, 2010).

Por tudo isso, você deve entender que apesar de o texto constitucional ser
descentralizado e cooperativo, na prática, os primeiros anos do federalismo foi
estabelecido amplo processo de descentralização, tanto em termos financeiros
quanto políticos.

Houve também um processo predatório e não cooperativo de relações


intergovernamentais, com predomínio dos entes estaduais. De 1982 a 1994,
vigorou um federalismo “estadualista”, com a preponderância dos governadores
estaduais, e “compartimentalizado”, no qual cada esfera governamental ficava
estanque em si mesmo e com poucos incentivos para a parceria e entrelaçamentos
entre as unidades federativas (ABRÚCIO, 2005, 2010).

79
O Município como Unidade de Governo

Por outro lado, paralelamente, como tentativa de efetivar o cooperativismo,


começam a ser criados mecanismos de cooperação e coordenação entre os
níveis de governo, que começaram a reduzir o caráter centrífugo e competitivo
que tinha se estabelecido, com isso se aumenta a pactuação de políticas públicas.

A partir da década de 1990 são iniciadas várias iniciativas para implantar


mecanismos de cooperação e coordenação entre os níveis de governo, que
vão desde mudanças institucionais de cunho mais normativo-estruturante e de
iniciativas mais vinculadas às políticas públicas.

Uma das grandes críticas ao federalismo brasileiro após o período da ditatura


foi o vertiginoso aumento do número de municípios. O crescimento descontrolado
aumentava a descentralização, mas de forma pulverizada e descontrolada, e
diminuía cada vez mais as chances de se efetivarem mecanismos efetivos de
coordenação.

O aumento descomunal foi consequência do caráter descentralizante da


CF88, que previa a possibilidade de criação de novos municípios. Obviamente
que se a carta constitucional defendia a autonomia municipal, incluindo a
instituição e arrecadação de impostos, a criação dessas unidades de governo
seria interessante para muitas elites regionais.

Somado a este fator, outro atraente critério deu origem ao crescimento


exacerbado de municípios: o aumento na distribuição de recursos da União para
os municípios. O percentual de repasse feito através do Fundo de Participação
dos Municípios (FPM), havia aumentado nos últimos anos, o que fez com que
muitas Assembleias Estaduais – quem detinha essa competência à época –,
deliberassem pela criação desenfreada de municípios. Como resultado, teve-se
o aumento de 1181 municípios somente entre os anos de 1989 a 2001 (TOMIO,
2005; BRANDT, 2010).

A princípio, supôs-se que a criação ou emancipação de um município


beneficiaria a população residente, incrementaria a atividade econômica local e
repercutiria positivamente na região. Mas o que ocorrera de fato, é que muitos
municípios criados, principalmente os menores, em regiões mais pobres,
apresentavam baixa capacidade de arrecadação de receitas próprias e forte
dependência das transferências da União.

Instaurava-se um jogo de pressão constante para que o valor dessas


transferências aumentasse, sendo que elas não necessariamente se converteriam
em políticas que promovessem a geração de renda nas localidades. Além disso,

80
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

outros estudos começaram a apontar que parcela considerável dos municípios


gastava considerável valor de arrecadação própria com pagamento de pessoal e
manutenção da estrutura administrativa em detrimento da prestação de serviços
à comunidade (BRANDT, 2010).

Estava claro que se a tendência de crescimento dos municípios prosseguisse


sem interferência, o federalismo brasileiro ficaria ainda mais desequilibrado. Foi
assim que houve uma das mais importantes iniciativas de caráter reestruturante
para redução de um sintoma centrífugo do federalismo inicial: a Emenda
Constitucional nº 15, de 1996, que alterou o parágrafo 4º do Artigo 18 da
Constituição.
O dispositivo passou a introduzir mais exigências para a criação, incorporação
e o desmembramento de municípios. Com a mudança, foi definido que a criação
de municípios não dependeria apenas da deliberação das Assembleias Estaduais.
Desde então, além de leis estaduais, é preciso de uma Lei Complementar Federal
que determine período para este processo de criação.

Como essa lei complementar ainda não foi elaborada, há aí um grande


impedimento para que estes processos se iniciem. Além disso, a alteração da
emenda exige a necessidade de consulta à população dos municípios envolvidos
através de plebiscitos e de Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados
e publicados em forma de lei. Essas dificuldades frearam a multiplicação de
municípios. Aqueles criados depois da Emenda Constitucional, em sua maioria,
foram provenientes de ações iniciadas antes de sua aprovação e inclusão na
CF88.

Outras iniciativas reestruturantes foram as reformas constitucionais no


campo tributário, que levaram ao aumento das receitas da União e, no caso dos
entes subnacionais, mudanças no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e
Imposto sobre Serviços (ISS) de modo a garantir mais harmonia tributária entre os
municípios. A distribuição de poder começava a se equilibrar e a organização da
federação começava a se estabilizar, o que permitiu outras iniciativas (ABRÚCIO,
2005).

Para além dessas iniciativas reestruturantes, outras vinculadas à elaboração


das leis complementares definiam as cooperações de políticas públicas entre
entes federados de extrema relevância no arranjo federativo. Anos depois da
CF88, em meados da década de 1990, com a economia mais estabilizada, via
Plano Real e com arranjos políticos mais estáveis, o governo federal voltou a
se fortalecer perante a federação, tanto economicamente quanto politicamente
(ABRÚCIO, 2005).

81
O Município como Unidade de Governo

Isso viabilizou a instauração de leis e programas de políticas públicas que


funcionassem de forma coordenada entre os entes federados. Tem-se como
exemplo, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério (Fundef).

O Fundef foi instituído em 1996 como fundo de financiamento,


composto por recursos contábeis advindos dos três níveis federados
para financiar a Educação Pública. Os entes usufruíam desses
recursos, mas tinham por obrigação depositar nele percentuais de
suas arrecadações tributárias. Esse fundo foi reformulado em 2007,
dando origem ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica (FUNDEB) e tinha uma previsão de funcionamento
até o ano de 2020.
No ano de 2020, apesar dos esforços do Poder Executivo
para não renová-lo, o Poder Legislativo, não só decidiu pela sua
manutenção, mas também pela sua ampliação e transformação em
um Fundo permanente.
Leia mais sobre este assunto no site do senado: https://
www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/08/25/pec-do-fundeb-
permanente-e-aprovada-no-senado-por-unanimidade

Em pesquisas aprofundadas sobre os mecanismos de cooperação e


coordenação de políticas públicas que vieram sendo criados após a CF88,
Arretche (2012) conseguiu romper de vez com a literatura recorrente sobre
federalismo brasileiro. Estabeleceu-se por um tempo, um consenso de que
o modelo era demasiadamente descentralizado, o que acarretava impactos
negativos, como a paralisia decisória e o comprometimento do legislativo federal
pelo poder dos entes estaduais super-representados.

A autora observou que a federação brasileira se tornou, de fato, altamente


integrada, ainda que cada nível de governo seja dotado de autoridade política
própria. Na verdade, passados alguns anos, ao invés de uma descentralização
descomunal e aleatória, havia um sistema federativo firme, mas complexo, com
uma dinâmica constante nas relações verticais entre as esferas subnacionais.

82
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

A integração e a cooperação, segundo Arretche (2012), estabelecem-se


principalmente nos mecanismos que permitem ao governo central coordenar
políticas nacionais mesmo com a autonomia política dos entes federados
garantidos em Constituição. O que faz essa dinâmica são os mecanismos de
coordenação federativa, tais como: as obrigatoriedades constitucionais, a lei de
responsabilidade fiscal e o estabelecimento de regras que vinculam o repasse de
verbas aos governos subnacionais.

Esses mecanismos, aplicados principalmente à saúde e à educação, limitam


a autonomia decisória das unidades constituintes com relação à alocação de
seus próprios recursos. Pode parecer um pouco autoritário vincular obrigações
aos entes subnacionais, mas a finalidade é garantir um mínimo de equidade nas
políticas públicas mais básicas em todo o território, que visam garantir os direitos
fundamentais trazidos na própria constituição. De todo modo, há participação
dos entes e da população na elaboração das leis complementares que tratam
esses mecanismos, via poderes legislativos. Assim, as obrigatoriedades não são
autoritárias, e sim decisões partilhadas.

Como resultado, a descentralização brasileira é uma dinâmica entre


instâncias federativas, na qual nenhuma das partes é superpotente.

A União é forte em sua capacidade de regular programas


nacionais que são executados de modo descentralizado, ao
passo que os governos municipais têm progressivamente
fortalecida sua capacidade institucional de executar políticas.
Ambos os níveis de governo são fortes, porém em diferentes
dimensões da produção de políticas públicas (ARRETCHE,
2012, p. 24).

O exemplo mais acabado dessas iniciativas de ações O exemplo mais


coordenadas são os Sistemas de Políticas Públicas. São desenhos acabado dessas
organizacionais que entrelaçam entes federados, sociedade civil, iniciativas de ações
mecanismos de apoio e financiamento com regras específicas para coordenadas são
os Sistemas de
distribuição. O modelo mais conhecido é o pioneiro Sistema Único
Políticas Públicas.
de Saúde (SUS), um audacioso projeto de reforma descentralizada e
coordenada de política (ALMEIDA, 1995).

O SUS rompeu com um legado de centralização das políticas de saúde


no país. As bases para sua estrutura hierarquizada entre os entes federados já
tinham sido estabelecidas na CF88 e posteriormente foram definidas as divisões
de competências pelas Leis 8.080/90 e 8.142/90 e por Normas Operacionais
Básicas (NOBs) ao longo da década de 1990.

83
O Município como Unidade de Governo

Em termos federativos, o SUS se orienta por princípios organizacionais


que compõem uma rede hierarquizada entre os entes federados, quais sejam:
a regionalização, a descentralização e a participação da comunidade, tendo em
vista o equilíbrio das políticas públicas de saúde na redução das desigualdades
regionais (COSTA, 2012).

O financiamento do SUS é regrado pelo Decreto nº 1.232, de 1994, que


regulamenta as condições e a forma de repasse regular de recursos e estabelece
que a alocação das finanças destinadas aos serviços de saúde é feita do
Fundo Nacional de Saúde a fundos estaduais, municipais e do Distrito Federal.
Os repasses são condicionados à existência de um plano e de um conselho
específicos da área e também à contrapartida dos entes menores.

As despesas relativas às ações de saúde devem ser prescritas nos planos de


cada membro da federação. Isso tem por intuito a integração das políticas públicas
do setor, condicionando a atuação de forma coordenada e descentralizada
(COSTA, 2012).

Por tal complexidade, é que se diz que o SUS não se reduz a acordos
intergovernamentais que regulam repasses de recursos em troca da
implementação de programas em abrangência nacional, o que já seria um grande
feito. Na verdade, foi ali inaugurado um sistema ainda mais complexo, pois sua
estrutura, além de organizar a prestação de serviços de forma hierarquizada e
regionalizada, institui fóruns permanentes de negociação intergovernamental com
a participação de gestores de todos os entes federados e fóruns entre gestores e
sociedade civil (FRANZESE; ABRÚCIO, 2013).

A participação da comunidade na gestão do SUS, que ocorreu com a Lei


nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, estabeleceu sem prejuízo das funções
do Poder Legislativo, a obrigatoriedade de cada esfera de governo possuir duas
instâncias colegiadas basilares: a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde.
Sem essas estruturas, os estados e municípios não podem receber o repasse.

A norma ainda regula que os conselhos devem ser paritários entre


sociedade civil e Poder Público, e imprime ao órgão uma composição variada
de representantes dos governos, prestadores de serviço, profissionais de saúde
e usuários, de caráter permanente e deliberativo, para atuar no controle da
execução das políticas de saúde. Cabe ao conselho a aprovação dos planos de
políticas públicas da saúde em cada nível de governo (COSTA, 2012).

A Lei do SUS também criou a figura das Comissões Permanentes de


Gestores. As tripartites reúnem gestores dos três entes federados, e as bipartites

84
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

reúnem gestores estaduais e municipais. Essas comissões atuam como foros de


negociação e pactuação de aspectos operacionais, financeiros e administrativos
de gestão, tendo em vista o que dispõem os planos de políticas públicas, além de
possuírem competências para fixar e definir diretrizes a respeito da organização
das redes de saúde e nos aspectos ligados à integração das ações e serviços nas
regiões.

Os critérios de repartição de competências pautam pelos graus de


complexidade. Assim, os Municípios seriam responsáveis pela atenção
básica, os Estados pelos atendimentos de médio porte e a União pelos de alta
complexidade. O que diferencia um nível do outro, são a tecnologia empregada,
as especialidades médicas e do material a elas relacionados, além do volume de
investimentos necessários e possibilidades de recursos de cada ente (COSTA,
2012).

Você quer aprender mais sobre o SUS e sua aplicação no


âmbito municipal?
Leia o Manual do Gestor Municipal do SUS. A publicação é uma
parceria é entre o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de
Saúde, o conselho de Secretários Municipais de Saúde do Rio de
Janeiro e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Saiba mais sobre como um gestor público pode estruturar as
Políticas de Saúde de seu município, acesse: https://www.conasems.
org.br/wp-content/uploads/2019/07/manual_do_gestor_F02_tela.pdf

O espírito descentralizador cooperativo de estruturação de políticas


públicas em nível federalista já estava imbuído na CF88. A evolução conceitual
e experimental do SUS, bem-sucedido, gerou a transposição da mesma lógica
de organização para outras áreas de políticas públicas. As estratégias de
coordenação têm sido implantadas desde a metade da década de 1990, em
setores como Educação, Assistência Social, Cultura, Ciência e Tecnologia e
Segurança Pública.

Alguns exemplos de organização sistêmica, para além do SUS, podem ser


nominados. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) tem como marcos
a própria CF88, a Lei Orgânica da Assistência Social, de 1993 e as NOBs de
1997, 1998, 2005 e 2012 (BEZERRA, 2015); o Sistema Nacional de Cultura já

85
O Município como Unidade de Governo

está incluído na CF88 pela Emenda Constitucional 71 de 2012, já em processo


de organização, mas ainda carecendo de lei complementar (SEMENSATO; LIMA,
2015); o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) foi incluído
na CF88 pela Emenda Constitucional 85, em 2015, e se orienta pelo plano
estratégico (BRASIL, 2016); o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) foi
instituído pela Lei 13.675, sancionada em 11 de junho de 2018.

Na área da educação, embora ainda não exista institucionalmente um


sistema nacional de educação, ele é previsto pela Emenda Constitucional 59, de
2009, e pelo Plano Nacional de Educação. De todo modo, a estruturação das
políticas educacionais de modo cooperativo, já é estabelecida desde a Emenda
Constitucional 14, de 1996, que dentre vários dispositivos, do Artigo 211 da CF88,
estabelece que os municípios devem atuar prioritariamente na educação infantil e
fundamental; e os Estados e o DF, no ensino fundamental e médio.

De modo geral e sintetizado, a organização de um Sistema de Política


Pública, em sua estrutura básica, deve ter:

a) um órgão gestor, qual seria, por exemplo, o Ministério da Saúde,


responsável pelo funcionamento e gestão do Sistema e das politicas;
b) uma instância de compartilhamento entre os gestores, que reúne
representantes dos estados e dos municípios, chamada de Comissão
Intergestores Tripartite;
c) instâncias que articulem a gestão pública com a sociedade civil, como
Conselhos e Conferências de Políticas Públicas, qual seria, por exemplo,
o Conselho Nacional de Saúde;
d) um Plano de Políticas Públicas, para execução de politicas em curto,
médio e longo prazo, que explicite as diretrizes, estratégias e metas, tudo
isso pautado naquilo que foi proposto pela Comissões Intergestores,
pelo Conselho e Conferências;
e) um Sistema de Financiamento, com Fundo Público, que preveja as
fontes de arrecadação para sustentação do sistema e que a destinação
de recursos se atrele ao que foi estabelecido pelo Plano. O Sistema
Único ou Nacional de Política Pública contempla os entes federados que
optam por se integrar a ele.

A autonomia de estados e municípios, garantida na Constituição, legitima a


opção de o ente federado não aderir ao sistema. Mas em geral, os programas de
políticas públicas lançados no interior do Sistema, e o repasse de verbas, são
atrativos, fazendo com que a adesão ocorra.

Ao aderirem, o ente federado assume que constituirá em sua própria esfera


um sistema com estruturas semelhante, e a similaridade do modelo de gestão

86
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

facilita o relacionamento entre os entes federados. No caso dos Estados, o sistema


engloba os sistemas municipais e mantém uma Comissão Intergestores Bipartite
(e não tripartite), que reúne os gestores da esfera estadual e dos municípios.

FIGURA 2 – ESTRUTURA BÁSICA DOS SISTEMAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

FONTE: A autora (2020).

Essa é a lógica básica do sistema, mas tenha em mente que cada área
apresenta alguma particularidade. Alguns Sistemas incluem, além dessas
instâncias mencionadas, outras instâncias, como um sub-sistema de Informações
e Indicadores, Subsistemas de Formação e Profissionalização de profissionais,
e Conferências de Políticas Públicas, que são instâncias amplas de negociação
com a sociedade civil.

Os sistemas, além da coordenação e compartilhamento de competências


entre os federados, foi também uma forma de indução que a União encontrou
de estimular investimentos em algumas áreas de políticas públicas por todo o
território, alcançando, de modo amplo, as municipalidades.

Para receberem o repasse de fundos vinculados a determinadas áreas de


políticas públicas, municípios e estados que se integram ao sistema são obrigados
a cumprirem as condições e contrapartidas contidas nas leis complementares e
demais normativas operacionais.

87
O Município como Unidade de Governo

São exemplos: a manutenção dos conselhos, a aprovação de planos em


lei, manutenção de mecanismos de controle e monitoramento de gestão, e
contrapartidas em recursos, seja em dinheiro de arrecadação própria, seja em
estruturas físicas e equipamentos.

O processo indutor dos Sistemas cria demanda local para atuação na área
específica da política pública, concretizando processos de institucionalização e
execução das políticas para o setor, até mesmo nas prefeituras mais remotas,
que não tinham tradição ou intenção de investir em determinados setores.

De fato, Arretche (2010) demonstra que políticas reguladas através de


mecanismos indutores, como os sistemas, criam um cenário de maior investimento
municipal e menor desigualdade entre as municipalidades. O que não ocorre com
políticas não articuladas, como a infraestrutura urbana.

Claro que a descentralização de políticas públicas, através da instituição


de programas coordenados entre os entes federados, não é algo simples.
Dependem de alguns fatores como engajamento de atores políticos, coalização
de especialistas no tema, a opinião pública e movimentos favoráveis do legislativo
na instituição de emendas constitucionais e leis complementares que regulem os
sistemas integrados (ALMEIDA, 1995).

O SUS foi um marco, cada vez mais estendido a outros setores. Por isso,
as gestões municipais, de modo pertencente ao país, devem entender a lógica
sistêmica que paira sobre a instauração de políticas federativas, caso queiram se
integrar a elas.

A maioria dos municípios, dada a carência de recursos de arrecadação


própria, tem nos repasses uma arrecadação fundamental para subsistência de
Mesmo assim, o seus governos e políticas. Por isso, uma boa alternativa é a adesão
atendimento às aos Sistemas Únicos, com o cumprimento dos requisitos para
normativas é uma integração a eles.
tarefa fácil, visto
que os municípios Na verdade, essa tarefa de cumprimento dos requisitos pode
carecem de
ser interpretada como algo positivo, pois os Sistemas são também
modernização
na máquina modelos de gestão que ajudam a gestão pública local a organizar
administrava suas políticas.
pública e de quadro
qualificado para Mesmo assim, o atendimento às normativas é uma tarefa fácil,
o entendimento visto que os municípios carecem de modernização na máquina
e implantação
administrava pública e de quadro qualificado para o entendimento e
daqueles modelos
de gestão. implantação daqueles modelos de gestão.

88
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

Você verá um pouco mais sobre estas dificuldades enfrentadas nas


gestões municipais no último capítulo deste livro. O mais importante é que
essas dificuldades municipais, gradativamente têm se revertido. Prova disso, é
o gradativo crescimento da qualificação de profissionais nas gestões públicas
municipais. Você, leitor, é uma prova disso.

4 A INTEGRAÇÃO DA SOCIEDADE
CIVIL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Você leu que os Sistemas de Políticas Públicas compõem uma arquitetura
institucional condizente com o modelo federativo cooperativo e ganharam grande
espaço na gestão pública após a CF88. Embora que de alguma forma esses
modelos possam ser criticados por serem rígidos, impondo uma lógica que
descaracteriza as particularidades locais, é preciso admitir que as instâncias dos
Fóruns na arquitetura tornam os sistemas vivos e dinâmicos.

Tais fóruns são os Comitês Intergestores, os Conselhos e as Conferências.


Compostos por pessoas que representam as várias correntes de demandas das
localidades são capazes de dar dinamicidade aos sistemas, gerando debate
sobre quais as políticas públicas que entrarão nos Planos: quais as prioridades,
como e para quem elas devem ser direcionadas.

As deliberações que ocorrem nessas arenas públicas, fruto de intenso e


permanente debate, é que geram a adequação dos Sistemas às particularidades
de cada estado e município. Sob esta perspectiva, os Sistemas não são
arquiteturas que aprisionam os entes federados, e sim apenas modelos de gestão
que devem ser preenchidos com demandas e lógicas locais.

Os mecanismos de participação direta da sociedade civil são um ponto


importante a ser destacado na lógica sistêmica do federalismo de tipo cooperativo.
Instâncias como Audiências Públicas, Conselhos e Conferências A Carta
de Políticas Públicas, institucionalmente constituídos, são uma das Constitucional
grandes inovações introduzidos no contexto político a partir da CF88. defende a
participação da
A Carta Constitucional defende a participação da sociedade civil sociedade civil
na construção de
na construção de políticas públicas, um dos motivos pelos quais ela
políticas públicas,
é chamada de constituição cidadã (CORTES, 2007; TATAGIBA, um dos motivos
2010). pelos quais ela
é chamada de
constituição cidadã.

89
O Município como Unidade de Governo

Um dos canais de participação mais recorrentes, os conselhos de política


pública, são canais de participação permanente que articulam diversos
representantes da sociedade civil e membros do poder público em práticas que
dizem respeito à gestão de bens públicos (GOHN, 2011).

Embora sejam estruturas existentes há muito tempo no Brasil, após a CF88


passam a constituir uma grande novidade em termos de políticas públicas, pois
têm buscado instaurar um regime de ação política com maior interação entre o
governo e a sociedade. Essas estruturas passaram a integrar os órgãos gestores
com poder deliberativo e fiscalizador que não possuíam antes. Além disso, se
antes os representantes da sociedade civil eram indicados pelo chefe do poder
executivo, a partir da CF88, como regra geral, passaram a ser escolhidos pela
sociedade civil através de mecanismos democráticos.

Você já viu que os processos de descentralização de políticas públicas de


determinadas áreas têm como característica comum condicionar a transferência
de recursos financeiros da esfera federal para as subnacionais à existência de
mecanismos de participação social. A exigência, tanto para instituição desses
mecanismos quanto para o regramento do órgão, vem das normativas gerais,
federais, cabendo às instâncias estaduais e municipais instituí-las em lei e
regulamentar sobre a atuação local e condições administrativas.

Essas exigências têm propiciado tanto o aumento de Conselhos Municipais


quanto a abertura do processo político decisório, anteriormente restritos a cúpulas
tradicionalmente dominantes do cenário político, a novos atores e agentes
(CORTÊS, 2007).

Atualmente, as atribuições dos conselhos envolvem a participação nas


atividades de planejamento e fiscalização das políticas públicas e dos recursos
transferidos. Por isso, possuem um potencial para reordenação de tais setores
públicos em formas de governança mais democráticas.

Em muitos municípios, os conselhos têm apresentado resultados na


instauração de um novo regime de ação política, que apresenta maior interação
entre o governo e a sociedade civil, compondo, de fato, instâncias de mediação
entre poder público e sociedade na qualidade de instrumento de expressão,
representação e participação da população (GOHN, 2011).

O interessante é que estes instrumentos expandem a democracia


representativa, que praticamente se restringe ao momento de escolha dos
representantes políticos. Com os conselhos, o diálogo entre poder público e

90
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

sociedade civil passa a ser mais constante, indo além do período eleitoral, em
direção à democracia participativa.

Nas leis federais, as áreas básicas dos conselhos gestores são: educação,
assistência social, saúde, habitação, criança e adolescente e emprego. Na
esfera municipal, além destes, têm sido criados outros tipos ligados a políticas
urbanas, agrícolas, cultura, negro, portadores de deficiências físicas, idosos, meio
ambiente, direitos das mulheres etc. (GOHN, 2011).

Os conselhos criam condições para um sistema de vigilância sobre a gestão


pública e implicam maior cobrança de prestação de contas do poder executivo. Por
isso, é preciso pensar sobre questões relativas à criação e implementação dessas
instâncias, tais como: a representatividade dos diferentes segmentos sociais,
territoriais e de forças políticas organizadas em sua composição; o percentual
quantitativo, em termos de paridade, entre membros do governo e membros
da sociedade civil organizada que o compõe; o problema da capacitação dos
conselheiros – sobretudo os advindos da sociedade civil; o acesso à informação
tornando públicas as ações dos conselhos; a fiscalização e o controle sobre os
próprios atos dos conselheiros; o poder e os mecanismos de aplicabilidade das
decisões do órgão etc.

É bom frisar que a paridade entre membros do poder público e sociedade


civil não deve ser só quantitativa; deve ser também de condições de acesso
às informações, disponibilidade de tempo e estrutura mínima. Os membros
do poder público trabalham nas atividades em jogo rotineiramente, de forma
remunerada e com suporte administrativo; já os membros da sociedade civil não
são remunerados, não têm infraestrutura de suporte administrativo e nem estão
habituados com a linguagem tecnocrática (GOHN, 2011).

É importante destacar que, no novo regime, as leis federais preconizam


o caráter deliberativo e a composição paritária dos conselhos, e as leis locais,
em atenção àquilo que foi estabelecido nas normativas gerais, devem atender a
esses critérios nas localidades. Ainda sim, alguns municípios desatendem a essa
demanda e mantêm conselhos apenas consultivos, que em geral já existiam, já
que as instâncias consultivas, compostas por indicados pelo poder público, era
uma prática bem comum antes da CF88.

Entenda que, hoje em dia, gestores municipais devem se adequar e


estarem atentos às novas legislações, reformulando (ou criando) as estruturas
participativas conforme orientado pelos novos regramentos.

Outros municípios apresentam um quadro mais grave. Embora estabeleçam


o regime-jurídico orientado para essas instâncias de participação, o fazem apenas

91
O Município como Unidade de Governo

por formalidade, interessados em cumprir os requisitos para o recebimento de


verbas. Na prática, o poder público apresenta muita resistência em partilhar os
processos decisórios, e quase como estratégia, impõem diversas dificuldades
para que as decisões dos conselheiros não alcancem um poder deliberativo.

A negociação entre poder público e sociedade civil nem sempre é uma tarefa
fácil, tanto para um lado quanto para o outro. Em muitos casos, a sociedade
civil possui dificuldade de entender a máquina da administração pública, com
demandas e celeridade que é inviável. Por outro lado, o poder público, em muitos
casos, não olha os conselheiros como legítimos representantes e ainda entende
os processos participativos como causadores de mais morosidade das ações
públicas.

De todo modo, apesar de difícil entendimento, esses espaços de fóruns


estão instituídos no ordenamento de Estado do Brasil após a CF88. Por mais
difícil que pareçam, devem ser instituídos, ou, do contrário, cabe inclusive ações
de agentes da sociedade civil junto ao Ministério Público ou justiça, fazendo valer
esse direito de participação, conforme relatado por Pereira et al. (2019).

Partindo do entendimento que essas instâncias são obrigatórias nos dias


de hoje, é muito mais conveniente que os governantes, tão tradicionalistas em
suas práticas políticas, reinventem-se e entendam o propósito desses órgãos e os
utilizem da melhor forma possível.

Quando bem instituídas, de forma participativa, legítima e


Quando bem com integrantes realmente representativos, os Conselhos tendem
instituídas, de a contribuir com a gestão pública, apontando as políticas mais
forma participativa,
necessárias e urgentes.
legítima e com
integrantes
realmente São demandas que, provavelmente, não seriam atendidas por
representativos, os estarem invisíveis aos olhos do gestor que, pela própria dinâmica da
Conselhos tendem política e da administração pública, afasta-se da população após o
a contribuir com período eleitoral. Por outro lado, como instâncias de mediação que
a gestão pública,
são, os conselheiros têm o potencial de elevar o entendimento da
apontando as
políticas mais sociedade civil sobre as ações mais e menos viáveis nas decisões
necessárias e públicas. Ou seja, os Conselhos são fóruns que precisam, segundo
urgentes. o novo ordenamento jurídico, ser instaurados. Se assim é, é melhor
que sejam ressignificados e utilizados como instrumento, tanto
do poder público quanto da sociedade civil em prol de políticas públicas mais
efetivas.

92
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

3 - Você aprendeu sobre a importância dos Conselhos de Políticas


Públicas no exercício da participação social junto à elaboração
e fiscalização de políticas públicas. Faça uma pesquisa sobre
as leis que pautam a existência de Conselhos Municipais de
Educação. Continue sua busca. Acesse o site da prefeitura de
seu município ou o site da Câmara dos Vereadores, e encontre
a legislação municipal que regulamenta o Conselho Municipal
de Educação. Localize no texto da lei quais são as cadeiras que
compõem o órgão.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste capítulo, você se aprofundou nas questões sobre a distribuição de
competências e poderes estabelecidos no Brasil após a CF88. Viu que a Carta
Constitucional se imbuiu de um propósito não só descentralizador, como também
cooperativo, de modo a dotar aos municípios grande responsabilidade, mas
ao mesmo tempo entrelaçar os entes federados no cumprimento dos direitos e
garantias dos cidadãos.

Na divisão de competências, a CF88 pauta-se no Princípio da Predominância


de interesses, em que a União fica responsável pelas matérias e questões de
interesse geral a todo o país; os estados ficam responsáveis pelas matérias e
assuntos de interesse regional, que abarcam o coletivo de municípios pertencentes
ao seu território; e os municípios são os responsáveis por assuntos de interesse
local. Ou seja, as gestões públicas municipais devem observar as competências
materiais e legislativas que envolvem seus habitantes.

Um importante fenômeno do federalismo brasileiro recente é a autonomia


dada a todos os entes federados, com destaque aos municípios, algo inédito até
a CF88. Agora eles têm total autonomia para se auto-organizarem, instituírem
seus próprios representantes, formularem suas próprias leis de aplicação local
e organizarem a prestação de seus serviços aos cidadãos, obviamente, sempre
respeitando aquilo que é definido pela Carta Constitucional.

É bom você recordar que, apesar do estabelecido na Assembleia


Constituinte e do texto constitucional, na prática, o contexto político e econômico
dos anos iniciais do novo federalismo resultou num país com entes federados

93
O Município como Unidade de Governo

desarticulados e competidores entre si. Todavia, com o passar dos anos, nos
processos de estabilização econômica e política, principalmente do governo
central, gradativamente a federação foi caminhando em direção àquela lógica
expressa em seu documento fundador. Cabe saber que esse processo contém
pequenos avanços e retrocessos, e ainda está em construção.

Foram grandes os avanços através de mecanismos reestruturantes


(por Emendas Constitucionais) e de redesenho de políticas públicas (via leis
complementares que regulam, por exemplo, os Sistemas de Políticas Públicas).
Estes mecanismos tiveram sucesso em frear a tendência centrífuga que rumava
o Brasil para um federalismo dual e colocaram o Estado federado nos trilhos em
direção ao federalismo cooperativo. Mas esse caminho ainda está muito longe e não
é fácil de alcançar. A descoordenação e a competição ainda ocorrem entre as redes
municipais, principalmente nas regiões metropolitanas ou em municípios que
circundam um município maior.

Há enorme desarticulação entre as cidades, que jogam a cargo umas


das outras algumas responsabilidades, principalmente da área da saúde. Isso
ocorre com mais frequência quando o ente estadual se ausenta das esferas
de negociação, já que muitos desses entes não entenderam seu papel numa
federação em que três unidades de governo coexistem.

Apesar de enormes avanços, infelizmente, esse cenário de municipalização,


com tanto ganho de autonomia e responsabilidades pós-CF88, não veio
facilmente acompanhado de ampla capacidade administrativa e financeira
dos municípios. Por isso, ainda paira nas localidades muita dificuldade para o
cumprimento de suas competências. Num contexto de reformas estruturantes e
de construção de políticas públicas articuladas, para o cumprimento de lei (sejam
aquelas de Responsabilidade Fiscal, seja para o cumprimento das normativas
de recebimento de repasse de fundos), as gestões públicas são cada vez mais
pressionadas a se aprimorarem.

As inegáveis dificuldades de modernização da máquina pública municipal


e a qualificação do serviço público, esse não é necessariamente um processo
negativo. Afinal, as respostas municipais demandadas a nova lógica constitucional
têm o objetivo claro de potencializar a democracia na participação e fiscalização
dos serviços e no zelo para políticas mais eficientes.

Esperamos que com este estudo, você esteja mais ciente de seu direito de
participação nas questões públicas locais, ou da importância de sua qualificação
como servidor para uma gestão pública municipal mais efetiva.

94
Capítulo 2 O Papel dos Municípios no Novo Pacto Federativo

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O Município como Unidade de Governo

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97
O Município como Unidade de Governo

98
C APÍTULO 3
A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Examinar o panorama das municipalidades brasileiras em sua diversidade.


• Compreender a estrutura de uma Lei Orgânica e sua função na regulação
municipal.
• Descrever a organização e o processo de escolha, e o regime dos
representantes do poder público municipal: prefeito, vice-prefeito e vereadores.
• Versar sobre a importância dos órgãos de controle do judiciário e da sociedade
civil, e a necessidade municipal no cumprimento de seus princípios.
• Identificar as dificuldades da administração pública municipal e refletir
criticamente na formulação de soluções e alternativas.
O Município como Unidade de Governo

100
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Os capítulos anteriores foram a base para você entender o funcionamento
de um Estado federalista, em especial, o Estado brasileiro após a Constituição
Federal de 1988 (CF88), que traz consigo a peculiar coexistência de três unidades
de governo.

Você também observou o lugar das municipalidades, com suas competências


exclusivas e compartilhadas, após a proclamação de uma Constituição Federal
assumidamente descentralizadora. Inicialmente confuso, o novo ordenamento
federativo tem passado por reformas que visam ao equilíbrio federativo, mas
ainda estão em construção.

Agora você adentra no capítulo específico sobre o funcionamento de um


governo municipal. A intenção é que você entenda como um município deve se
organizar para garantir o cumprimento de suas competências e quais são os
instrumentos que ele deve utilizar para tal.

É importante se atentar para como a autonomia política, administrativa e


financeira do município é concedida, mas, antes, ele deve atentar-se para os limites
estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e suas leis complementares.
Só depois de atender a essas leis maiores, o município deve trabalhar em seu
principal instrumento fundador e organizador: a Lei Orgânica.

Como você verá, a seguir, a Lei Orgânica deverá indicar todo funcionamento
do município, inclusive das matérias que tratam da organização dos poderes
Executivo e Legislativo, da prestação do serviço público e garantias sociais e das
Leis de Planejamento e Orçamento.

Ao final, você deverá entender que a atual organização federativa do Brasil,


municipalista, é um processo em construção desde 1988. Houve avanços, mas
as dificuldades enfrentadas pelos municípios demonstra que ainda há muitos
desafios a serem superados.

101
O Município como Unidade de Governo

2 O PERFIL DOS MUNICÍPIOS


BRASILEIROS NA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA MUNICIPAL
Ao longo dos capítulos, você viu que a atenção dedicada aos municípios na
CF88 concedeu ampla autonomia a estas unidades. Com um efeito não esperado,
isso desencadeou um processo descontrolado de criação de municípios no país.
Embora, a descentralização e a autonomia possam ter seu lado positivo no que
tange ao potencial democrático e eficiente da máquina pública, mais próxima de
seus governados, o aumento de municípios traria alguns efeitos negativos.

Na ausência de um planejamento, o crescimento de municípios


Na ausência de
um planejamento, tornou-se uma ameaça à estabilidade do ordenamento federativo,
o crescimento de gerando desequilíbrios na distribuição fiscal e instabilidade na
municípios tornou- gestão das políticas públicas. A gestão de políticas locais através
se uma ameaça das relações intergovernamentais, tão frisadas pela CF88, era um
à estabilidade processo impossível de condução, tendo em vista que os municípios
do ordenamento
se transformavam o tempo todo, ainda mais quando grande parte
federativo.
das prefeituras criadas não tinha a menor condição de organizar
uma estrutura administrativa (TOMIO, 2005b).

Por isso, das mais importantes reformas constitucionais, a Emenda


Constitucional nº 15, de 1996, teve o poder de frear a criação de municípios. De
todo modo, o quadro gerado pela CF88 e suas reformas, bem como toda trajetória
histórica do país, culminou no panorama de municipalidades que se apresenta
hoje:

Uma enorme Uma enorme quantidade de municípios, bastante diversificados


quantidade de em suas condições socioeconômicas e, obviamente, em suas
municípios, bastante condições de governo. Atualmente, segundo o IBGE (2020), são
diversificados em 5570 municípios existentes no país. Muitos destes gerados pelo
suas condições
processo de fragmentação de municípios maiores após a CF88 e
socioeconômicas
e, obviamente, em que apresentam uma quantidade pequena de habitantes, enquanto
suas condições de em outros há grande concentração.
governo.

102
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

TABELA 1 – MUNICÍPIOS E POPULAÇÃO RESIDENTE

FONTE: IBGE (2020), s.p).

Somente o município de São Paulo (SP) possui 12,3 milhões de habitantes,


seguido pelo Rio de Janeiro, com 6,75 milhões, e Brasília, com 3,05 milhões. Em
2020, apenas 49 municípios brasileiros apresentam população acima de 500 mil
habitantes, sendo 17 os que superam a marca de 1 milhão. Ou seja, há enormes
discrepâncias populacionais entre os municípios no país.

Por que o número de habitantes é um dado importante?


As estimativas populacionais municipais são um dado importante
na Federação brasileira porque é utilizado como parâmetro pelo
Tribunal de Contas da União para o cálculo do repasse do Fundo de
Participação de Estados e Municípios.
Esta divulgação anual da estimativa é regrada pelo Artigo 102,
da Lei nº 8.443/1992 e pela Lei complementar nº 143/2013. O órgão
responsável pela pesquisa e publicação, é o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
No ano de 2020, a tabela com a população estimada para cada
município foi publicada no Diário Oficial da União, de 27 de agosto
de 2020.
Além da publicação oficial, a base de dados está acessível
em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-
estimativas-de-populacao.html?edicao=28674&t=resultados

103
O Município como Unidade de Governo

Além das diferenças populacionais, os municípios brasileiros também


possuem enorme disparidade em seu potencial econômico. Um dos marcadores
que apontam isso é o Produto Interno Bruto municipal, que se refere à soma de
valores de todos os bens e serviços produzidos por aquela unidade territorial.

Quando esse valor é dividido pela quantidade de habitantes residentes no


município, tem-se o PIB per capita, que, sabemos, não indica a igualdade social,
mas serve como parâmetro para observar a produção de riquezas no município.

Na tabela a seguir, é possível observar como é desigual o PIB per capita


entre os municípios brasileiros:

TABELA 2 – MUNICÍPIOS E PIB PER CAPITA

FONTE: IBGE (2017a, s.p.).

O PIB é um indicador de desenvolvimento econômico importante, mas que


não transparece a realidade da população local, uma vez que não há garantias
que aquele valor esteja em circulação, significando qualidade de vida. Para
observar os municípios nesse aspecto, é melhor usar como indicador o Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).

Embora existam algumas críticas metodológicas da forma de medição, o IDH


é mais fiel à análise das condições sociais, uma vez que contempla três dimensões:
longevidade, educação e renda. No Brasil, os dados de 2010 demonstraram
evolução significativa neste indicador quando comparado às décadas anteriores.
Ainda assim, é possível ver grande discrepância entre os IDHM no país, conforme
o mapa a seguir.

104
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

FIGURA 1 – MAPA DE DESENVOLVIMENTO HUMANO MUNICIPAL

FONTE: PNUD, IPEA e FJP (2013, s.p.).

Quando se trata de tecer um panorama geral das municipalidades brasileiras,


é importante ainda observar a disparidade territorial no que tange à proximidade
dos grandes centros urbanos. Nas cidades com maior grau de urbanização, há
maior oferta e diversidade de serviços e qualificação profissional, já em zonas
mais rurais, a disponibilidade de serviços é menor, e isso inclui a dificuldade
de modernização e profissionalização da máquina pública governamental. Em
2017, visando-se o censo de 2020, o IBGE propôs a seguinte classificação dos
municípios:

TABELA 3 – MUNICÍPIOS RURAIS E URBANOS

FONTE: IBGE (2017b, s.p.).


*Não foram contabilizados 5570 municípios, pois a base utilizada é a do
Censo de 2010.

105
O Município como Unidade de Governo

Ressalta-se, nesta classificação, que boa parte dos municípios (60,4%) são
identificados como rurais, e estes reúnem apenas 17% da população. Esse é um
dado que condiz com a trajetória de criação de municípios após a CF88 (GOMES;
RENAUX, 2017).

Foram muitos os municípios distantes das zonas urbanas que se


fragmentaram, resultando em pequenos municípios do interior. Muitos destes são,
inclusive, comunidades predominantemente rurais, que perderam população nas
últimas décadas (TOMIO, 2005b).

Condições adversas Esse breve panorama ilustra a diversidade dos municípios


que muitos deles brasileiros e demonstra as condições adversas que muitos deles
enfrentam para
enfrentam para constituírem uma sólida estrutura administrativa
constituírem uma
sólida estrutura e governamental. Isso sem falar nas relações clientelistas que
administrativa e permeiam as práticas de municípios, sobretudo, aqueles menores e
governamental. de baixo potencial econômico, cujos repasses governamentais viram
moeda de troca para fortalecimento de tradicionais bases partidárias
ou uso para fins eleitoreiros sem grandes benefícios para a população (COSTA;
LIMA; OLIVEIRA, 2018).

É sempre válido relembrar que, no Brasil, a federação é estruturada em


três níveis (União, estados/Distrito Federal e municípios) não hierarquizados,
ou seja, no mesmo patamar de importância, com suas competências políticas,
administrativas e fiscais determinadas em documento constitucional.

Também que, diferente de tempos passados, a CF88 imprimiu um novo


regime de ampla autonomia aos municípios, em que os estados não possuem
gerência ou poder formal sobre a extensão e qualidade de suas decisões. A
intervenção só é permitida temporariamente nos casos previstos pela própria
CF88 (TOMIO, 2005a).

Pelo princípio da interferência dos estados e pelo tratamento equivalente


dado aos entes no espírito constitucional federalista, a autonomia e as
competências são universalizadas e padronizadas a todos os municípios
brasileiros, independentemente da complexidade socioeconômica, extensão
geográfica, quantidade e densidade populacional.

Isso significa que todos os municípios devem eleger, da mesma forma, os


mesmos tipos de governantes (que só variam na quantidade de vereadores,
conforme a população local), têm a mesma independência e as mesmas
subdivisões político-administrativas (distritos), podem cobrar os mesmos tipos
de impostos, devem prover os serviços e direitos garantidos pela CF88 (TOMIO,
2005a).

106
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

Assim, a disposição da autonomia municipal em texto constitucional traz um


paradoxo. Por um lado, a previsão detalhada protege e reafirma os municípios
como unidades de governo. Por outro, é também um limitador, à medida em
que a administração desses territórios deve respeitar e cumprir tudo aquilo
que é definido na Constituição e nas leis complementares que trazem matérias
referentes às relações federativas.

É por isso que o título deste capítulo se chama “A organização municipal:


autonomia e constrangimento”. O novo ordenamento federalista concede aos
municípios ampla autonomia nas três esferas possíveis de descentralização:
administrativa, política e financeira. Todavia, isso de forma alguma significa que
os governos municipais poderão agir nesses três âmbitos como bem entendem.

Se por um lado os municípios ganharam a autonomia, por outro ganharam


explícitas obrigações, as quais devem ser respeitadas na organização e
administração dos governos. A autonomia municipal configura-se pela capacidade
de auto-organização e normatização própria, autogoverno e autoadministração.

Para tanto, o município auto-organiza por meio de Lei Orgânica e outras leis
que venham normatizar suas condutas; autogoverna por meio de eleição direta
que escolhe prefeito, vice-prefeito e governadores e, por fim, autoadministra
por condução do prefeito, no exercício de suas competências administrativas,
tributárias, financeiras e legislativas (IBAM, 2020a).

Estas condutas se estendem de igual forma a todos os municípios,


independentemente da localização, população e do grau de desenvolvimento
econômico local. Essas obrigações e os mecanismos legais para cumpri-las,
sobretudo a Lei Orgânica, perpassam toda e qualquer municipalidade do Brasil.

3 A LEI ORGÂNICA MUNICIPAL


A Lei Orgânica Municipal (LOM) é o documento basilar de fundação de um
município. Ele exerce no município a mesma função que a CF88 exerce na União.
Ela deve descrever a organização do município, seus poderes constituintes,
seu ordenamento administrativo, as matérias de governança de competência
exclusiva, bem como o que cabe nas competências comuns/suplementares com
outros entes federados (SILVA, 2005).

É o Artigo 29 da CF88 que estabelece que os municípios devem ser regidos


pelas suas LOMs, elaboradas pela Câmaras dos Vereadores. O processo de

107
O Município como Unidade de Governo

legislativo exige dois turnos, com o intervalo mínimo de dez dias entre eles, e
aprovação de ao menos dois terços dos vereadores em ambos os turnos.

As propostas de emendas também demandam o mesmo procedimento. Em


geral, no primeiro turno se vota artigo por artigo; no segundo turno a votação é
global. Quando a votação se refere a emendas, ela é feita mencionando cada
emenda, nos dois turnos. Depois de aprovada, cabe ao prefeito sancionar a Lei
Orgânica (ou suas emendas), não podendo vetá-la (BERNARDI, 2007).

Ainda de acordo com Artigo 29 da CF88, para uma LOM válida, os municípios
devem observar o que dizem as normas superiores: a CF88 e a Constituição
Estadual do estado, o qual o município pertence, tendo zelo para não as contrariar,
ao mesmo tempo em que devem contemplar as competências que são atribuídas
por estes documentos maiores. Essa observância se dá tanto no momento de
elaboração da LOM, quanto nos momentos em que se pretende reformulá-la
através de emendas. Caso o texto, mesmo que aprovado, fuja a estes princípios,
a LOM poderá ser considerada inconstitucional pelo Poder Judiciário (BERNARDI,
2007).

Em junho de 2003, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro


promulgou Emenda à Lei Orgânica nº 15. Ela estabeleceu que
o município passaria de 42 para 55 vereadores, tendo em vista a
interpretação dos vereadores ao artigo constitucional 29, IV; que na
época dizia que o número de Vereadores em municípios com mais
de 5 milhões de habitantes seria de no mínimo 42 e máximo de 55.
Porém, no ano de 2004, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na
Resolução nº 21.702 de 2 de abril de 2004, deu maior especificidade
ao número de vereadores a serem votados em proporção à
população municipal.
O TSE se pautou nos critérios estabelecidos pelo Superior
Tribunal Federal, em sua interpretação do Artigo 29, que na época
era bastante impreciso. No Rio de Janeiro, coube então ao Tribunal
de Justiça Estadual julgar pela inconstitucionalidade da Emenda à
LOM.
O Tribunal Eleitoral Regional do Rio de Janeiro, com base na
resolução do (TSE) definiu que o número de vereadores a serem
eleitos no ano de 2004 seria de 51, e não 55, em acordo com a
normativa estabelecida pelo TSE. O curioso é que apensar de
inconstitucional, a nova redação não pode ser substituída pela

108
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

redação original, pois prevalece a Resolução nº 21.702/2004 do


TSE, que tem prevalência em comparação a ela. Assim, a LOM do
Rio de Janeiro dispõe até hoje em seu artigo, esta redação sem
efeito, sendo explícitas naquele ponto as normativas que justificam a
inconstitucionalidade do texto (RIO DE JANEIRO, 2010).

A partir da CF88, tendo em vista o que traz o Artigo 29, a LOM elaborada
nesses moldes passou a ser obrigatória a todos os municípios brasileiros. Antes
disso, somente os municípios do Rio Grande do Sul e algumas capitais possuíam
esse documento fundante. Usualmente, os municípios eram regidos por LOMs
elaborados pela Assembleia Legislativa estadual (BERNARDI, 2007).

Entenda que a LOM é não só um documento obrigatório, como


também carrega a importância de fundar as bases de uma unidade A LOM é não só
territorial e de governo, e orientar sua ordem política, administrativa e um documento
obrigatório, como
tributária. Incumbida de tantas responsabilidades, qual deverá ser o
também carrega
seu conteúdo? Sobre quais matérias exatamente ela deve tratar? a importância de
fundar as bases
A LOM deve conter alguns pontos fundamentais para a de uma unidade
estruturação de um município: a) estruturar os órgãos políticos do territorial e de
Município; b) estabelecer as relações entre o Poder Executivo e o governo, e orientar
sua ordem política,
Poder Legislativo; c) fixar as competências do Município de acordo
administrativa e
com o critério do interesse local; d) fixar as atribuições privativas tributária.
do Prefeito e da Câmara Municipal; e) fixar as regras referentes ao
processo legislativo; f) fixar o número de Vereadores; e g) detalhar os
objetivos relacionados com as políticas públicas (IBAM, 2020a).

Diante de tanta coisa, surge a dúvida sobre o que a LOM não deve ou não
precisa conter. Um equívoco recorrente dos legisladores municipais é trazer no
texto da LOM questões que poderiam ser reguladas em lei complementar ou
ordinária (infraconstitucionais). Isso torna a LOM sobrecarregada de minúcias,
muitas vezes desnecessárias. Ou ainda, saturada de normas presas em seu
tempo, que em poucos anos se tornarão obsoletas. Como estudamos, você viu
que os processos de reformulação das LOMs são muito mais complexos do que
as normativas de ordem infraconstitucionais (IBAM, 2020a).

Outra prática frequente e desnecessária na elaboração das LOMs, é a


repetição de comandos que já estão consagrados na CF88 e nas Constituições
Estaduais. Isso não chega a ser um erro, mas é algo desnecessário, visto que
ambas as Cartas já são ordenadoras dos municípios e estes já devem atender

109
O Município como Unidade de Governo

aos seus princípios e obrigações ali colocados (IBAM, 2020a).

Por exemplo, é bem comum que as LOMs repitam o que traz a matéria do
inciso I, II, IV, do Artigo 29 da CF88, sobre: a duração de 4 anos do mandando
dos prefeitos e vereadores, o período da eleição e a posse dos Prefeito e Vice-
prefeito no 1º de janeiro do ano subsequente à eleição (SILVA, 2005).

Ora, é óbvio que são fenômenos que ocorrem nos municípios. Porém, são
normativas que cabem à União, que são direcionadas a todas as municipalidades,
não tratando de competências legislativas específicas de determinado município.
Portanto, o município pode até repetir estes textos em sua Lei Orgânica, já que
não contraria a Lei Maior, mas não terá qualquer efeito normativo em âmbito local.
Caso a lei maior, ou normativa maior, venha alterar estes dispositivos, a LOM
também deverá ser alterada, do contrário estará inconstitucional.

Outra prática bastante comum, é a cópia de LOMs de outros municípios,


sobretudo das capitais do estado. É uma prática lastimável, que deve ser
evitada, pois cada comunidade tem a sua identidade, particularidades, grau de
desenvolvimento e problemas específicos a serem enfrentados. Esses aspectos
característicos da localidade devem ser contemplados pela sua LOM, uma vez
que este é o documento que rege o município. Copiar o documento de outro
município, além de demonstrar imaturidade política, gera problemas futuros já que
ele foi feito em atendimento a outra realidade e não dará conta das peculiaridades
do município (IBAM, 2020a).

3.1 A ESTRUTURA DA LEI ORGÂNICA


Logo em seu início, as LOMs costumam apresentar o preâmbulo, o qual
contextualiza o município e a ocasião da elaboração daquela Lei. Não é algo
obrigatório, mas é bastante usual. Veja um exemplo de preâmbulo, do município
de Porto Alegre:

FIGURA 2 – PREÂMBULO DE LEI ORGÂNICA

FONTE: Disponível em: <https://legislacao.camarapoa.rs.gov.br/lei-organica/>.


Acesso em: 15 ago. 2020.

Após o preâmbulo, segue-se o texto da LOM, propriamente. Em geral, o texto


é elaborado tendo por base a estrutura da própria CF88, com: títulos, capítulos,
seções, subseções; artigos, parágrafos e incisos.

110
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

Os Títulos são as grandes temáticas que o município deve se responsabilizar.


Essas grandes temáticas poderão se subdividir em capítulos, que por sua vez
podem se subdividir em seções e subseções (BERNARDI, 2007). Veja, como
exemplo, o sumário da LOM do município de São Paulo:

FIGURA 3 – SUMÁRIO DE LEI ORGÂNICA

FONTE: São Paulo (1990, s.p.).

Uma LOM é como um grande regimento municipal, que deve contemplar,


em seus títulos, as temáticas que vão desde a contextualização do município
até os serviços públicos, passando pela organização político-administrativas.
Um exemplo básico de como podem ser uma divisão que traga os elementos
essenciais é descrito por Bernardini (2007, p. 26):

I. Da Organização do Município;
II. Da organização dos Poderes;
III. Da Organização e Administração do Governo Municipal;
IV. Da Tributação e dos Orçamentos;
V. Da Ordem Econômica e Social;
VI. Das Disposições Finais e Transitórias.

Embora estes títulos estejam longe de ser um modelo a ser seguido, são
temáticas de uma forma ou de outra que precisam ser contempladas na lei basilar
de uma municipalidade. Por isso, a seguir, estes pontos são tomados como guia
para nossa abordagem sobre como estas temáticas se aplicam aos municípios.
Mas, desde já, saiba que, na prática, há pequenas variações na organização do
texto das LOMs, já que cada Câmara Municipal tem a liberdade de redigir seu
próprio documento. De todo modo, fique atento aos estudos, pois tudo que será

111
O Município como Unidade de Governo

tratado a seguir é muito importante, seja para elaboração dos textos das LOMs,
seja na organização de uma municipalidade.

3.2 O TÍTULO I: ASPECTOS


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS E
COMPETÊNCIAS
O primeiro título geralmente leva as denominações de “Das disposições
preliminares”, “Dos Princípios Fundamentais” ou “Da Organização do Município”.
Ele traz em seus artigos questões introdutórias que visam fornecer um contexto
ao documento: onde se situa o município no estado, a forma de soberania popular,
os símbolos municipais e a menção às competências municipais.

Porto Alegre (2019), por exemplo, em seu artigo primeiro, traz:

Art. 1º O Município de Porto Alegre, pessoa jurídica de direito


público interno, parte integrante da República Federativa do
Brasil e do Estado do Rio Grande do Sul, no pleno uso de
sua autonomia política, administrativa e financeira, reger-se-á
por esta Lei Orgânica e demais leis que adotar, respeitados os
princípios estabelecidos nas Constituições Federal e Estadual
(PORTO ALEGRE, 2019).

O texto segue mencionando os símbolos em seu Artigo 5º “São símbolos


do Município de Porto Alegre o brasão, a bandeira e outros estabelecidos em lei”
(PORTO ALEGRE, 2019).

Fortaleza (CE) iniciou sua LOM de modo semelhante e seguiu explicitando


os princípios, diretrizes e compromissos norteadores do município:

Art. 2º- O Município, entidade básica autônoma da República


Federativa do Brasil, garantirá vida digna aos seus munícipes
e será administrado com base na legalidade, impessoalidade,
moralidade, transparência e participação popular, devendo
ainda observar, na elaboração e execução de sua política
urbana, o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e da propriedade urbana, o equilíbrio ambiental e a
preservação dos valores históricos e culturais da população”
(...)
Art. 6º O Município promoverá vida digna aos seus habitantes
e será administrado com base nos seguintes compromissos
fundamentais: I - transparência pública de seus atos; II -
moralidade administrativa; III - participação popular nas
decisões; IV - descentralização político-administrativa; V
- prestação integrada dos serviços públicos (FORTALEZA,
2017).

112
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

O Título I é ainda o ponto do texto em que os municípios explanam as


competências municipais. A referência são os textos da CF88, o Art. 30, que trata
das competências municipais; e o Art. 23, que trata das competências que são
comuns a todos os entes federados, incluindo os municípios.

Embora seja desnecessário repetir o texto igual à Constituição, muitos


municípios utilizam esse momento não só para fazer referência ao texto
constitucional, como também para detalharem mais as competências em âmbito
local.

Veja como Porto Alegre aproveita isto para discorrer de outras competências
além de aquelas estabelecidas nos Art. 30 e 23, da CF88:

Art. 8º Ao Município compete, privativamente: I - elaborar o


orçamento, estimando a receita e fixando a despesa, com base
em planejamento adequado; II - instituir e arrecadar os tributos
de sua competência, e fixar e cobrar tarifas e preços públicos,
com a obrigação de prestar contas e publicar balancetes nos
prazos fixados em lei; III - organizar e prestar diretamente
ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através
de licitação, os serviços públicos de interesse local e os que
possuem caráter essencial, bem como dispor sobre eles; IV -
licenciar para funcionamento os estabelecimentos comerciais,
industriais, de serviços e similares, mediante expedição de
alvará de localização; V - suspender ou cassar o alvará de
localização do estabelecimento que infringir dispositivos legais;
VI - organizar o quadro e estabelecer o regime único para seus
servidores; VII - dispor sobre a administração, utilização e
alienação de seus bens, tendo em conta o interesse público; VIII
- adquirir bens e serviços, inclusive mediante desapropriação
por necessidade pública ou interesse social; IX - elaborar os
planos diretores de desenvolvimento urbano, de saneamento
básico e de proteção ambiental; X - promover adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle
do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
XI - estabelecer normas de edificação, de loteamento, de
arruamento e de zoneamento urbano, bem como as limitações
urbanísticas convenientes à organização de seu território; XII
- criar, organizar e suprimir distritos e bairros, consultados os
munícipes e observada a legislação pertinente; XIII - participar
de entidade que congregue outros Municípios integrados à
região, na forma estabelecida pela lei; XIV - regulamentar e
fiscalizar a utilização dos logradouros públicos, especialmente
no perímetro urbano; XV - sinalizar as vias urbanas e as
estradas municipais; XVI - normatizar, fiscalizar e promover a
coleta, o transporte e a destinação final dos resíduos sólidos
domiciliares e de limpeza urbana; XVII - dispor sobre serviço
funerário e cemitérios, encarregando-se dos que forem
públicos e fiscalizando os pertencentes às entidades privadas;
XVIII - regulamentar, autorizar e fiscalizar a fixação de cartazes
e anúncios publicitários de qualquer peça destinada à venda

113
O Município como Unidade de Governo

de marca ou produto; XIX - estabelecer e impor penalidades


por infração de suas leis e regulamentos; XX - dispor sobre
depósito e venda de mercadorias apreendidas em decorrência
de transgressão à legislação municipal; XXI - estabelecer
servidões administrativas necessárias à realização de serviços
públicos (PORTO ALEGRE, 2019).

Observe que não cabe ao texto da LOM, principalmente nesse momento


inicial, expor minúcias sobre cada uma dessas competências. A LOM é um
local para fundar as bases e obrigações municipais, aquilo que é considerado
tão importante que deverá perdurar por longo prazo. O detalhamento sobre
o regramento, procedimentos, fiscalização e sanções no que tange a essas
competências, poderão ser tratados em leis complementares e ordinárias, feitas
pela Câmara dos vereadores em outros momentos.

3.3 O TÍTULO II: DA ORGANIZAÇÃO


DOS PODERES
Após as tratativas mais gerais e introdutórias do Título I, é comum que as
LOMs tragam no Título II a matéria referente à organização dos poderes no
município. Esse é um tema delicado, já que a autonomia política municipal foi
bastante enfatizada na CF88 em decorrência do tolhimento de períodos anteriores,
sobretudo tempos autoritários, quando os municípios sofriam intervenções de
outros entes federados.

Entretanto, apesar de ampla, a autônoma política é limitada pelo próprio


texto constitucional, já que todos os municípios, como pertencentes a uma
federação que os tratam em igualdade, devem se submeter ao ordenamento.
Por isso, visando ao mesmo tempo garantir a autonomia política, mas também
a equiparação das unidades de governo municipais, a CF88 estabelece amplo
regramento sobre o tema, principalmente no Artigo 29.

Assim, mesmo que não haja necessidade de repetir o que é trazido pela lei
maior, todo município deve observar e cumprir aquilo que é disposto no Artigo
29 e 29-A. Lá são estabelecidas as condições gerais de: eleições municipais,
posses do prefeito e vice-prefeito, a relação entre a quantidade de vereadores
e a população municipal, os subsídios dos cargos eletivos, o limite de gastos da
Câmara dos Vereadores, a inviolabilidade dos Vereadores na expressão de suas
opiniões, as condições de candidatura e permanência nos cargos eletivos e os
projetos de lei de iniciativa popular.

114
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

É importante se atentar para o Artigo 31 da CF88, que regra sobre os


controles dos governos: a responsabilidade fiscalizadora do poder legislativo
municipal e o controle interno do Poder Executivo Municipal – falaremos mais
sobre isso no próximo tópico deste capítulo.

Na organização de seus municípios, tanto os vereadores e os prefeitos,


quanto os cidadãos, devem observar todos estes aspectos mencionados no texto
da LOM, não necessariamente os repetindo, mas os elaborando em atendimento
à particularidade local e nunca contrariando.

A LOM também deve detalhar como se dará a organização e o funcionamento


dos poderes Executivo e Legislativo no município, em aspectos como: as
atribuições do prefeito e do vice-prefeito, a existência de comissões e mesa
diretora na Câmara, os procedimentos para escolha do Presidente da Câmara,
a definição de quem ocupará o cargo de prefeito na ausência deste e do vice-
prefeito – que normalmente fica a cargo do Presidente da Câmara.

O processo legislativo, que compreende a submissão de Projetos de Lei


e outros instrumentos sem força de lei, como moções e indicativos, também
deve ser tratado, ainda que detalhamentos mais minuciosos fiquem a cargo do
Regimento Interno da Câmara.

Por último, é muito importante que se estabeleçam as formas de relação entre


o Poder Executivo e Legislativo, principalmente porque cabe ao Poder Legislativo
o controle externo sobre as atividades e finanças do Poder Executivo. Assim, é
preciso desde já dispor dos instrumentos para o exercício dessa atribuição.

A LOM de Curitiba (PR) serve como bom exemplo de como a matéria desse
Título pode ser trazida. Com o nome de “Da Organização dos Poderes”, o município
primeiro estabeleceu as disposições gerais, em seguida tratou detalhadamente
o Poder Legislativo; e somente depois o Poder Executivo. No que tange ao
legislativo, obedeceu essa ordem: da definição, composição e competências
da Câmara Municipal; do trato para com os Vereadores, do processo legislativo
(reuniões, instalação da Legislatura, da mesa (composição, eleição, competência,
presidência, comissão executiva), das comissões, deliberações, da elaboração e
aprovação de lei e por último da Fiscalização contábil, financeira e orçamentária e
sua relação com o Tribunal de Contas do Estado. A respeito do Poder Executivo,
foi dito a quem cabe à competência (prefeito e vice-prefeito), a ocasião da posse
do cargo, as condições para a retirada de licença, as atribuições, e as infrações
político-administrativas do prefeito e dos secretários.

Veja alguns um trecho sobre as disposições gerais:

115
O Município como Unidade de Governo

Art. 17. O Poder Legislativo é exercido pela Câmara Municipal,


composta de Vereadores, eleitos na forma da Constituição
Federal.
Art. 18. É de trinta e cinco o número total de Vereadores,
número que poderá ser alterado nos termos do disposto no
parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. Observadas as normas constitucionais
quanto à proporcionalidade em relação à população, os ajustes
necessários no número total de Vereadores serão feitos em lei
complementar (CURITIBA, 2006).

Note o cuidado em atender e não contrariar a CF88, e o artifício do parágrafo


único, de fazer referência à Lei Complementar nas matérias que não precisam
vir exaustivamente tratadas em LOM. Isso é um ótimo recurso em pontos que
são passíveis de alterações mais constantes. Além de não tornar a LOM
desnecessariamente longa, também pode ser útil quando os integrantes do
legislativo não acham conveniente deliberar detalhadamente sobre determinado
assunto no conturbado contexto em que se debate a LOM.

Sobre as competências da Câmara Municipal, a LOM de Curitiba organiza


dividindo aquelas que se referem às deliberações em lei voltadas para o município
de aquelas que tratam das atividades de funcionamento do órgão e das atividades
políticas municipais:

Art. 19. Compete à Câmara Municipal deliberar sob forma de


projetos de lei, sujeitos à sanção do Prefeito, sobre as matérias
de competência do município, especialmente sobre:
I. Matéria Financeira, tributária e orçamentária [...]
II. Matéria Urbanística [...]
III. Regime jurídico dos servidores municipais, criação,
transformação e extinção de cargos [...] fixação e aumento de
remuneração [...]
IV. Organização dos serviços municiais e sua forma de
prestação [...]
Art. 20. Compete privativamente à Câmara Municipal:
I. Eleger sua Mesa e destituí-la.
II. Votar o seu Regimento Interno [...]
V. Fixar a remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos
Vereadores, em cada Legislatura, para a subsequente, até
sessenta dias antes das eleições municipais, observado o que
dispõem os arts. [...] da Constituição Federal.
VI Julgar os Vereadores nos casos especificados nesta lei.
VII. Conceder licença ao prefeito, ao Vice-Prefeito e aos
Vereadores.
VIII. Criar comissões de inquérito [...]
XVIII. Convocar plebiscito e autorizar referendo. XIX Sustar os
atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder
regulamentar. XX. Fiscalizar e controlar os atos do Poder
Executivo [...] (CURITIBA, 2006).

116
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

São Bernardo do Campo (SP), além das tratativas dos tipos mencionados,
dispõe sobre a organização da administração do Poder Executivo naquilo que
está diretamente ligado ao Prefeito:

Art. 82 São auxiliares diretos do Prefeito:


I - os Secretários Municipais;
II - os Subprefeitos;
III - os Administradores Distritais;
IV - o Comandante da Guarda Civil Municipal;
V - os Coordenadores das Coordenadorias criadas pelo
Município; e,
VI - o Procurador Geral do Município.
Art. 83. A Lei municipal definirá, a critério da Administração, a
criação dos cargos de auxiliares diretos do Prefeito, fixando-
lhes atribuições, competências, deveres e responsabilidades
(SÃO BERNARDO DO CAMPO, 1990).

3.4 O TÍTULO III: DA ORGANIZAÇÃO


DO GOVERNO E DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA

Nesse título, a LOM deve trazer os aspectos basilares da organização da
administração pública direta, tais como a existência de secretarias e autarquias;
e da administração pública indireta, composta pelas fundações públicas,
sociedades de economia mista e empresas públicas. Também deve tratar dos
bens municipais, das obras e serviços públicos e dos servidores públicos.

A CF88 traz essa temática em seu Capítulo VII - Da Administração Pública,


pertencente ao Título III - Da Organização do Estado. Ali são colocados alguns
princípios e obrigações a todos os entes federados, incluso municípios. O Artigo
37, por exemplo, menciona os tão falados princípios da administração pública
“legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” incutindo-os
também às administrações públicas municipais. Além disso, outros aspectos caros
aos municípios são mencionados, tais como: investidura de cargo ou emprego
público, concursos, limites dos vencimentos dos cargos públicos, acumulação
de cargos; regras para licitação e publicidade da contratação de obras, serviços,
compras e alienações, dentre outras questões.

O Artigo 39 diz que os Municípios devem instaurar regime jurídico único


e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das
autarquias e das fundações públicas. Deverão também ter conselhos de política
de administração e remuneração de pessoal, Menciona que estes entes devem
estabelecer os subsídios e vedações às gratificações de secretários municipais, e
regimes de previdência e estabilidade dos cargos.

117
O Município como Unidade de Governo

Claro, a LOM não precisa repetir o texto constitucional, mas o município deve
ter atenção a tudo isso que é estabelecido na lei maior para constituir sua LOM em
atendimento aos aspectos particulares da realidade municipal. Obviamente são
muitos assuntos e muitos deles demandam desdobramentos em mais detalhes.
É por isso que a LOM pode trazer em si tratativas mais fundamentais e gerais,
e fazer referência a leis ordinárias e complementares que tratarão do assunto
futuramente. Veja a seguir como algumas leis orgânicas trazem a temática
referente a esse título.

A LOM de Cuiabá (MT), em seu Título III – Governo Municipal e Administração


Pública, estabelece primeiramente a definição e os princípios, como de praxe, e
em seguida, algumas normativas gerais, de modo bastante semelhante ao texto
constitucional:

Art. 48 A Administração Pública Municipal é o conjunto de


órgãos e entidades institucionais, orçamentários, financeiros
patrimoniais e humanos dotado de poder normativo,
regulamentar, de polícia, disciplinar e hierárquico, destinado ao
fomento, intervenção, serviço público, legislativo e execução
das decisões do governo para a consecução dos interesses
coletivos. [...]
§ 2º A Administração Pública indireta compreende as entidades
dotadas de personalidade jurídica própria realizada por:
I - autarquia;
II - fundação de direito público ou privado;
III - empresa pública; e
IV - sociedade de economia mista; [...]
Art. 49 A Administração pública direta e indireta de todos os
Poderes do Município de Cuiabá obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos
brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em Lei,
assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de
aprovação prévia em concurso público [...]
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente
por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, preenchidos por servidores de carreira nos casos,
condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-
se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
[...]
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo
determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público; [...]
XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia
e autorizada instituição de empresa pública, de sociedade de
economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar,
neste último caso, definir as áreas de sua atuação; [...]
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as

118
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

obras, serviços, compras e alienações serão contratados


mediante processo de licitação pública que assegure
igualdade de condições a todos os concorrentes, com
cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento,
mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei,
o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica
e econômica indispensável à garantia do cumprimento das
obrigações (CUIABÁ, 1990).

Repare mais uma vez o uso de referência à lei específica a ser criada
futuramente para detalhar aquilo que é disposto de modo mais genérico na LOM,
pois coube ao documento estabelecer o ordenamento geral sobre a administração
pública e às normativas específicas o detalhamento sobre estas questões.

A LOM de Curitiba também menciona de forma bastante genérica a estrutura


da administração direta e indireta:

Art. 76. O governo do Município é exercido pelo Prefeito, a


quem incumbe, com o auxílio dos Secretários Municipais e
Presidentes das entidades da administração indireta, a direção
superior da Administração Municipal.
§ 1º Compete aos Secretários Municipais e Presidentes das
entidades da administração indireta exercer a orientação,
coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da
Administração Municipal. [...] A administração direta estrutura-
se a partir de Secretarias Municipais, podendo ser criadas
administrações regionais (CURITIBA, 2006).

É bem comum que a LOM disponha sobre a estrutura da


administração pública de forma genérica, permitindo que o prefeito
proponha ao Poder Legislativo, logo no início de seu mandato,
ou a qualquer tempo, lei que reformule sua estrutura. Isso é feito
porque cada prefeito terá em seu Plano de Governo uma estrutura
de gestão, podendo criar ou suprimir secretarias municipais. É o que
ocorreu, por exemplo, com o município de Itatiaia (RJ), quando na
criação da Lei nº 959/2019, que alterou a Reforma Administrativa já
implementada em leis anteriores. A nova lei visou à readequação do
quadro funcional da administração direta municipal de acordo com as
necessidades de operacionalização das políticas de Governo e teve o
efeito de mudar nomes de secretarias, extinguir e criar determinados
cargos, criar setores dentro das secretarias, e tratar de valores de
vencimentos e gratificações (ITATIAIA, 2019).

119
O Município como Unidade de Governo

Em geral, as LOMs dedicam capítulo específico desse título para tratamento


do servidor público municipal, que muitas vezes apresentam seu próprio regime
de previdência. Assim fez o município de Porto Alegre, que traz em seus Art. 30
ao 49, assuntos sobre vencimentos, associação sindical, licenças, férias, auxílios,
regime jurídico, previdência, entre outros.

Veja apenas um trecho:

Art. 33. O regime jurídico dos servidores


da administração centralizada do
Município, das autarquias e fundações por ele instituídas será
único e estabelecido em estatuto, através de Lei complementar,
observados os princípios e normas da Constituição Federal e
desta Lei Orgânica.
Art. 34. Fixada a isonomia de vencimentos, será vedado
conceder aumento ou reajuste de vencimentos ou realizar
reclassificações que privilegiem categorias funcionais em
preterição de outras, devendo as correções ou ajustes, sempre
que necessários, em razão das condições da execução do
trabalho, ser feitos quando da revisão geral do sistema.
Art. 38. Os servidores somente serão
indicados a participar em cursos de
especialização ou capacitação técnica profissional custeados
pelo município quando houver correlação entre o conteúdo
programático de tais cursos com as atribuições do cargo
exercido ou outro integrante da mesma carreira, além de
conveniência para o serviço (PORTO ALEGRE, 2019).

3.5 O TÍTULO IV: DA TRIBUTAÇÃO E


DOS ORÇAMENTOS
Comumente, reserva-se Título específico para tratar das questões financeiras
e orçamentárias dos municípios, tais como: a previsão de fontes de renda
(impostos, taxas, contribuições); e os instrumentos que definem suas formas de
aplicação (Plano Plurianual, as Diretrizes Orçamentária e o Orçamento Anual).

Antes de entrar nos exemplos, é bom que você observe o que é a lei maior,
pois lá são atribuídas competências importantes aos municípios. A CF88 traz esse
tema em seu Título VI - Da Tributação e do Orçamento. O Artigo 145 permite aos
municípios a instituição de impostos, taxas (em razão dos serviços públicos) e de
contribuição de melhoria (para obras públicas).

O Artigo 149-A permite também a instituição de contribuição para iluminação


pública. O Artigo 150 trata das limitações dos municípios na instituição de tributos,
com destaque para o regramento de que toda tributação deve ser prevista em

120
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

lei local, que só poderá ter efeito no ano fiscal seguinte e ao menos depois de
noventa dias corridos à sua aprovação (BRASIL,1988).

O Artigo 156 é um dos mais relevantes por enumerar os tributos que são
de competência municipal, quais são: propriedade predial e territorial urbana; a
transmissão de bens ou direitos sobre os imóveis de pessoa viva a outra pessoa;
e, serviços (desde que não sejam os do Art. 155, II, de competência estadual).

A respeito do imposto sobre serviços, é necessário que a lei local fixe


alíquotas máxima e mínima, e regule as formas e as condições de aplicação,
isenções, incentivos e benefícios fiscais que serão concedidos e revogados.
Por último, não cabe ao município incidir sobre exportações de serviços para o
exterior.

QUADRO 1 – IMPOSTOS MUNICIPAIS

FONTE: Adaptado de Costa, Lima e Oliveira (2018).

Uma vez definidas as fontes de recursos locais, sempre tendo em mente as


limitações e condições trazidas pela CF88, cabe à LOM apontar como será feita
a destinação desses recursos. Este é um trecho bastante importante já que a
administração pública, nos últimos anos, tem aprimorado seus instrumentos de
gestão.

A CF88 veio reiterar, fortalecer e ampliar, estendendo até os municípios, os


mecanismos criados pela Lei nº 4.320/1964 e pelo Decreto-Lei nº 200/1967, que
tratam sobre as obrigações em relação às finanças da administração pública;
e mais recentemente, à Lei Complementar 101/2000, conhecida como Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF).

Essa lei complementa a CF88, estabelecendo normas de finanças públicas


voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal (inclusive dos municípios),
com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição. Por isso, a importância
dos municípios em sua observância no que tange a normas de Planejamento,
Orçamento, Receita, Despesa, Dívida Pública e Endividamento, além de
estabelecer instrumentos de planejamento orçamentário e de controle, inclusive
para municípios (XAVIER; BRASIL; TAVARES, 2015).

121
O Município como Unidade de Governo

Em atenção às questões das finanças, o conjunto de normativas citado,


obriga os entes federados, incluso municípios, a disponibilizarem “suas
informações e dados contábeis, orçamentários e fiscais, conforme periodicidade,
formato e sistema estabelecidos pelo órgão central de contabilidade da União”
(BRASIL, 1988, Art. 163-A).

O Artigo 165, da CF88, define os três instrumentos de gestão a serem


utilizados pelo Estado, que se estende aos municípios pela LRF: I - o plano
plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. Os
instrumentos devem ser elaborados pelo Poder Executivo e apresentados ao
Legislativo que, ao aprová-los, transforma-os em leis que devem ser cumpridas.
Em conjunto, esses três instrumentos compõem as Leis de Planejamento e
Orçamento (BRASIL, 1988).

A lei do Plano Plurianual (PPA) define as prioridades e metas do governo


para o período de 4 anos. A lei deverá conter as diretrizes, objetivos e metas
para as despesas de capital e outras delas decorrentes. É um instrumento de
planejamento de médio e longo prazo, e, portanto, deve ser complementado
com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual
(LOA). Em geral, é enviado pelo poder Executivo ao Legislativo até o mês de
agosto do primeiro ano de mantado do prefeito. O documento norteará as ações
governamentais nos próximos três anos daquele mandato e no primeiro ano do
mandato do próximo prefeito.

A LDO funciona como uma ponte entre o PPA (mais subjetivo e de médio/
longo prazo) e a LOA (de curto prazo). Objetiva estabelecer as diretrizes, metas
e prioridades da administração com o fim de orientar o orçamento para o próximo
exercício, ajustando os planos e programas de longo prazo do PPA nas fases de
aplicação mais imediata.

Deve compreender as metas e prioridades da administração pública,


incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientar
a elaboração da LOA, dispor sobre as alterações na legislação tributária. É um
dos meios de se planejar a contenção do déficit e da dívida da administração
municipal. Deve estabelecer metas e prioridades para a LOA e indicar os
resultados esperados com o equilíbrio das contas públicas. Geralmente é
apresentada pelo ao Legislativo no mês de abril.

A LOA é o planejamento das ações mais imediatas que foram estabelecidas


no PPA e na LDO, e estima a receita e despesas do município para o cumprimento
do exercício do ano seguinte. Detalha programas e projetos, e nela são definidas
as fontes de receitas e alocação das despesas que foram revistas na LDO,

122
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

compreende o orçamento fiscal e os fundos dos órgãos e entidades públicas a


serem mantidas e o orçamento da seguridade social.

Seu projeto de lei deve ser acompanhado de demonstrativo das receitas e


despesas, das isenções, subsídios e benefícios de natureza financeira tributária
e creditícia. Em geral, é apresentada pelo executivo ao legislativo no segundo
semestre para o próximo exercício (BRASIL, 1988, Art. 165).

Há um grande debate jurídico a respeito do caráter do


orçamento público brasileiro. Você viu que ele é estabelecido em
lei, pela LOA. Mas, como impor ao Poder Executivo a obrigação de
cumprimento da despesa se a arrecadação ou as demandas podem
sofrer alterações?
Assim, fica a discussão se o Orçamento Público é “autorizativo”
ou “impositivo”.
Na perspectiva autorizativa, o Poder Executivo é protagonista
nas deliberações. A lei é interpretada como se o autorizasse a gastar
com o que foi definido, mas com flexibilidade para priorizar demandas
e deixar de executar outras.
Já na perspectiva impositiva, o Poder Legislativo é protagonista,
obrigando ao Executivo o cumprimento do orçamento aprovado
em lei e, caso haja alteração de arrecadação/demanda, deve ser
consultado e aprovar novamente
A Constituição de 1967 deixava claro o caráter autorizativo do
orçamento e despesa. Mas, a CF88 caminhou para um caráter mais
impositivo, sobretudo nos anos mais recentes, com as Emendas
Constitucionais nº 86/2015 e nº 100/2019. Ainda assim, há margem
para ambas as interpretações, por isso há juristas que caracterizam o
orçamento como impositivo, outros como autorizativo, e há inclusive
os que o classificam como um misto de elementos dos dois pontos
de vista.
De fato, o orçamento no Brasil, com a evolução das Leis de
Planejamento e Orçamento e do Controle público, remete à LOA
como impositiva.
No entanto, há dispositivos que podem ser usados pelo
Executivo, como o decreto de calamidade pública ou a inclusão de
créditos adicionais não previstos, que permitem uma atuação mais
flexível.
Esse é um debate bastante interessante no sistema político
brasileiro, já que envolve não só aspectos governamentais

123
O Município como Unidade de Governo

administrativos, como também a relação entre poderes, na


concepção que vem se formando de Estado.
Aprofunde sua leitura sobre o tema. Sugerimos o artigo
acadêmico escrito por Gasparini e Santos (2020).
Disponível em: www.scielo.br/pdf/rbcpol/n31/2178-4884-
rbcpol-31-339.pdf

Você deve ter percebido que são instrumentos e leis temporárias e,


claramente, não cabe à LOM trazer em si estes instrumentos. Mas, dada a
importância desses instrumentos no planejamento municipal e a obrigatoriedade
em normativas maiores da existência periódica desses instrumentos, é papel da
LOM dispor sobre seu formato, prazos e procedimentos de sua apresentação,
análise e aprovação.

É interessante que nesse Título, a LOM dedique ao menos um capítulo


para as questões de planejamento orçamentário: PPA LDO, LOA, da execução
orçamentária e do cumprimento das metas.

Ademais, que traga também, em outro capítulo, uma seção para as questões
sobre a receita pública e a arrecadação; e outra seção para as questões da
despesa pública: da geração da despesa, da despesa obrigatória de caráter
continuado; das despesas com a seguridade social; e de pessoal.

É possível, caso o município ache adequado, vincular percentuais


orçamentários para determinados setores de política pública, em especial
observância a obrigatoriedades trazidas em leis maiores, como educação e
saúde. Também é importante que em algum momento trate das condições e
limites de endividamento público.

Por último, que sejam trazidas as questões de controle da execução do


planejamento e orçamento. Você já viu que, em acordo com o equilíbrio dos
poderes, cabe ao Poder Legislativo o exercício do controle externo ao Pode
Executivo na execução orçamentária, em conjunto com outros órgãos estaduais
e federais, como Ministério Público e Tribunais de Contas. Assim, a LOM deverá
explanar as condições e procedimentos para que essa prática de controle seja
viabilizada, preferencialmente atrelando os instrumentos de Planejamento e
Orçamento nessa tarefa.

Veja alguns exemplos do tratamento dado a questões financeiras e


orçamentárias de dois municípios. A LOM de Vila Velha (ES), no Título que traz

124
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

a temática, abre uma seção para falar dos impostos municipais. Inicia seu texto
delimitando quais são eles em uma redação bastante parecida com a CF88:

Art. 114 Compete ao Município instituir impostos sobre:


I - propriedade predial e territorial urbana;
II - Transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso,
de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos
reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão
de direitos a sua aquisição;
III - vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos,
exceto óleo diesel;
IV - serviços de qualquer natureza, não compreendidos nos
de competência estadual, definidos em lei complementar (VILA
VELHA, 1990).

Em seção seguinte, o município regra sobre incentivos e isenções:

Art. 119 O Município poderá, no interesse da municipalidade,


por meio de legislação própria, conceder incentivos fiscais,
mediante estudos, análises e relatórios conclusivos aprovados,
informados e fundamentados nos fatores e elementos técnicos
da pesquisa metodológica.
Art. 120 Estão isentos dos impostos sobre a propriedade predial
e territorial urbanos movimentos comunitários e associações
de moradores organizados no Município (VILA VELHA, 1990).

Você reparou que a LOM de Vila Velha diz que poderão ser
criadas leis próprias de incentivos fiscais? Esse é um recurso muito
comum em que o governo concede abonos de parte do imposto
devido do contribuinte para estimular atividades econômicas.
No próprio município de Vila Velha, é possível citar como
exemplo a Lei nº 6.285/2019, que concede isenção de IPTU para
empresas Startups que desejarem se instalar no município (VILA
VELHA, 2019).
Outro tipo de lei de incentivo bastante comum são as Leis de
Incentivo Cultural, que concedem às empresas patrocinadoras
de projetos culturais abater parte do imposto municipal devido. O
município do Rio de Janeiro usa este recurso com a Lei nº 5.553/2013,
concedendo a CNPJ um desconto de até 20% do recolhimento
do Imposto sobre Serviços (ISS). No caso do Rio de Janeiro, com
a preocupação de que muitos CNPJ reivindiquem o abono, o que
prejudicaria a arrecadação municipal, a própria lei determina um
limite no montante total de benefícios concedidos: “anualmente,

125
O Município como Unidade de Governo

a Lei Orçamentária fixará o montante, que deverá ser no mínimo


correspondente a um por cento da receita de ISS no ano anterior do
referido tributo, a ser adotado para a concessão do incentivo fiscal
de que trata esta Lei” (RIO DE JANEIRO, 2013).

A LOM de Campinas (SP) dispõe sobre os instrumentos de planejamento e


detalha em particular a LOA:

Art. 166. Leis de iniciativa do Executivo estabelecerão, com


observância dos preceitos correspondentes da Constituição
Federal:
I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias;
III - os orçamentos anuais.
§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá as
diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública para as
despesas de capital e outras dela decorrentes e as relativas
aos programas de duração continuada, em consonância com
o Plano Diretor.
§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas
e prioridades da administração pública, incluindo as despesas
de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará
a elaboração da lei orçamentária anual e disporá sobre as
alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de
fomento.
§ 3º A lei orçamentária anual compreenderá:
I - o orçamento fiscal referente aos fundos, órgãos e entidades
da administração direta e indireta, inclusive fundações
instituídas ou mantidas pelo Município;
II - o orçamento de investimentos das empresas em que o
Município, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital
social com direito a voto;
III - o orçamento de seguridade social, abrangendo todas as
entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta
e indireta, bem como os fundos e fundações instituídos ou
mantidos pelo Município.
§ 4º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de
demonstrativo dos efeitos decorrentes de isenções, anistia,
remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira,
tributária e creditícia.
§ 5º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho
à previsão da receita e a fixação da despesa, não se
incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos
suplementares e contratação de operações de crédito, ainda
que por antecipação de receita, nos termos da lei (CAMPINAS,
2019).

Regra também sobre a apresentação dos instrumentos ao Poder Legislativo


e como deverão ser as alterações propostas aos Projetos de Lei:

126
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

Art. 168. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual,


as diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos
créditos adicionais, bem como suas emendas, serão
apreciadas pela Câmara Municipal.
§ 1º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou
aos projetos que o modifiquem serão admitidas desde
que:
I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei
de diretrizes orçamentárias;
II - indiquem os recursos necessários [...]
III - relacionadas: a) com correção de erros ou omissões;
§ 2º As emendas ao projeto de lei de diretrizes
orçamentárias não poderão ser aprovadas quando
incompatíveis com o plano plurianual.
§ 3º O Prefeito poderá enviar mensagem
à Câmara Municipal para propor
modificações nos projetos a que se refere este artigo,
enquanto não iniciada, na comissão competente, a
votação da parte cuja alteração é proposta [...]
§ 5º Os recursos que, em decorrência de veto, emenda
ou rejeição parcial do projeto de lei orçamentária anual,
ficarem sem despesas correspondentes, poderão ser
utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais
ou suplementares, com prévia autorização legislativa
(CAMPINAS, 2019).

É interessante observar como as LOMs devem ser específicas ao contexto


de cada município. Enquanto a LOM de Campinas (SP) estabeleceu regramento
mais amplo em relação aos instrumentos de planejamento e orçamento, a LOM de
Vila Velha (ES) optou por ser sucinta neste tema, dedicando apenas dois Artigos
121 e 122, que estabelecem os instrumentos PPA, LOA e LDO, mas de forma
bastante genérica. Sua escolha foi tratar desse assunto mais detalhadamente em
momento posterior:

Art 122 [...]


§ 9º Lei Complementar disporá, no que couber, sobre o
exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a
organização do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias
e dos orçamentos anuais e estabelecerá normas de gestão
financeira e patrimonial da administração direta e indireta e de
concessão de subvenções sociais e econômicas, bem como
as condições para a instituição e funcionamento de fundos
(VILA VELHA, 1990).

Veja só que interessante: a LOM de Belo Horizonte (BH), além dos já


mencionados PPA, LOA e LDO, acrescentou através de Emendas à LOM no ano
de 2012, a apresentação de um Plano de Metas de gestão, como atribuição do

127
O Município como Unidade de Governo

prefeito. Tal instrumento deve estar condizente com o PPA e deve conter também
indicadores de aferição dessas metas:

Art. 108-A O Prefeito apresentará, no prazo de até 120 (cento


e vinte) dias, a contar de sua posse, o programa de metas de
sua gestão, que conterá as prioridades, as ações estratégicas,
as metas quantitativas e qualitativas e os indicadores de
desempenho por órgão e programa de governo, observando-
se as diretrizes de sua campanha eleitoral e os objetivos, as
diretrizes, as ações estratégicas e as demais normas do plano
diretor do Município de Belo Horizonte.
§ 1º O programa de metas será amplamente divulgado
em meio eletrônico e na mídia impressa, radiofônica e
televisiva e será publicado no Diário Oficial do Município
no primeiro dia útil seguinte ao de sua apresentação.
§ 2º O Poder Executivo promoverá, nos 30 (trinta) dias
seguintes ao término do prazo de que trata o caput deste
artigo, audiências públicas com a finalidade de debater sobre
o programa de metas.
§ 3º O Poder Executivo divulgará semestralmente os
indicadores de desempenho relativos à execução do programa
de metas (BELO HORIZONTE, 1990).

3.6 O TÍTULO IV: DA ORDEM


ECONÔMICA E SOCIAL
Este título trata das políticas dos setores econômico e social. Incluem-se
nessa seara as políticas referentes à economia, urbanismo, educação, saúde,
assistência social, saneamento básico, habitação, meio ambiente, família, criança
adolescente idoso etc. É um Título que detalha um pouco mais como serão
conduzidas as competências municipais trazidas pelos Artigos Constitucionais
30 e 21, que provavelmente foram mencionados de forma pontual nos primeiros
artigos da LOM.

A CF88 dedica ao assunto o Titulo VII - Da Ordem Econômica e Financeira,


em que dispõe sobre a ação do Estado no estímulo à economia, tendo dentre
seus princípios a função social da propriedade, a livre concorrência, a redução
das desigualdades e a busca pelo pleno emprego. Logicamente, a CF88 dispõe
a esse respeito no âmbito da União, mas são artigos e princípios bastante
inspiradores para os municípios, lembrando que estes devem atender as mesmas
demandas em âmbito local. Ainda nesse título são trazidas as questões urbanas,
política agrícola e fundiária.

Já as demais questões sociais, como saúde, educação e seguridade


social e cultura, na CF88, são temas do Título VIII - Da Ordem Social. Embora
a maior parte do texto remeta diretamente à União, assim como no Título VII,

128
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

os municípios devem se atentar ao que é descrito, não somente como questões


inspiradoras, mas também porque é obrigação do município zelar pela guarda
da Constituição e reger também sob seus princípios. Além disso, boa parte das
competências de caráter social são aquelas de comuns entre União, estados e
municípios, trazidas pelo Artigo 23. Sendo assim, é fundamental observar como a
União trata isso e as referências às leis complementares, para que o município se
informe sobre as ações coordenadas e compartilhadas, e promova equilíbrio do
desenvolvimento e bem-estar em âmbito municipal.

Apesar de textos mais amplos e diretivos à União, alguns artigos desses


títulos fazem referência direta aos municípios. Vale a pena destacá-los aqui, pois
se o município julgar adequado, pode trazê-los na LOM, ainda que de forma ampla
e mais detalhadamente em leis posteriores. O Artigo 179, a respeito das atividades
econômicas, dispensa tratamento jurídico diferenciado às microempresas e
empresas de pequeno porte na simplificação de suas obrigações administrativas
e tributárias, visando, assim, incentivar a economia. Desse modo, no que compete
aos municípios, a respeito de regulação e tributação dessas atividades, cabe ao
Poder Legislativo instituir em lei estes regimes diferenciados e ao Poder Executivo
aplicar tais leis e facilitar os trâmites burocráticos dentro dos limites da licitude.

O Artigo 180 frisa que os municípios encarem o turismo como fator de


desenvolvimento social e econômico. Sobre a política urbana, o Artigo 182
determina a existência de política de desenvolvimento urbano fixada em lei
municipal, que vise ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar dos habitantes. No caso de cidades com mais de
vinte mil habitantes, o Plano Diretor é colocado como obrigatório, devendo ser
aprovado em Câmara Municipal, através de lei (BRASIL, 1988).

Em relação à Saúde, o Artigo 198 imputa aos municípios a aplicação anual


em ações e serviços públicos de saúde, recursos mínimos derivados da aplicação
de percentuais calculados sobre o produto da arrecadação dos impostos
municipais e dos recursos repassados pela União. Nesse caso, deve-se observar
também os percentuais nas leis complementares da União.

Em relação à educação, o Artigo 211 da CF88 atribui aos municípios a


atuação prioritária ao ensino fundamental e à educação infantil, e cooperar com as
formas de colaboração entre os entes federados para assegurar a universalização,
qualidade e equidade do ensino. O Artigo 212 vincula à educação ao menos
25% da receita resultante de impostos e de transferências na manutenção e no
desenvolvimento da Educação (BRASIL, 1988).

129
O Município como Unidade de Governo

Por último, em relação à Cultura, o Artigo 2016-A propõe que os municípios


organizem seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias, em conformidade
com o Sistema Nacional de Cultura, estabelecido neste mesmo artigo.

Obviamente, as questões relativas às políticas econômicas e sociais devem


ir muito além dessas menções trazidas aqui, já que a realidade local apresenta
demandas muito mais complexas, das quais as disposições estabelecidas pela
CF88, de forma mais genérica, não dão conta. A seguir você pode observar como
algumas LOMs abordam essas temáticas.

A LOM de Florianópolis (SC) dispõe sua política econômica estabelecendo


princípios amplos de atendimento, note que seu Artigo 95 traz a obrigatoriedade
constitucional que os municípios devem ter no trato das micro e pequenas
empresas, fazendo referência à lei futura que tratará do assunto:

Art. 92  O Município, atendendo o seu interesse,


organizará a ordem econômica, baseado no respeito e
valorização do trabalho humano, conciliando a liberdade
de iniciativa com os interesses da coletividade, tendo por
fim assegurar a todos a existência digna e prevalência
da solidariedade e justiça e social.
Art. 93  O Município regulará a atividade econômica,
objetivando compatibilizar o estímulo à produção com
a satisfação das necessidades humanas básicas,
respeitando as potencialidades e a qualidade ambiental
e intervindo diretamente na produção por motivo de
interesse público, expressamente definido em lei. [...]
§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico,
estimulará a livre iniciativa e a livre concorrência,
sujeitando os infratores às sanções compatíveis, nos
atos praticados contra a ordem econômica, financeira e
contra a economia popular.
Art. 94  O Município incrementará o desenvolvimento
econômico adotando entre outras, as seguintes
providências:
I - apoio e estímulo ao cooperativismo e outras formas
de associativismo;
II - apoio e estímulo à pesquisa científica e tecnológica;
III - apoio e estímulo ao aproveitamento do potencial
piscicultor, à pesca artesanal e à agricultura;
IV - estímulo ao turismo integrado às condições do
ambiente natural e aos valores culturais.
Art. 95  O Município dispensará à microempresa e a
empresa de pequeno porte, assim definidos em Lei,
tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las

130
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

pela simplificação de suas obrigações administrativas


e tributárias ou pela eliminação ou redução destas, por
meio de lei (FLORIANÓPOLIS, 1990).

A LOM de Belo Horizonte (MG) dispõe neste Título um capítulo somente


sobre as Políticas de Saúde. E dentre outras tratativas, dedica um artigo específico
sobre a saúde pública municipal, pertencente ao SUS:

Art. 144 Compete ao Município, no âmbito do Sistema Único


de Saúde, além de outras atribuições previstas na legislação
federal:
I - a elaboração e a atualização periódica do plano municipal
de saúde, em consonância com os planos estadual e federal
e com a realidade epidemiológica; II - a direção, a gestão, o
controle e a avaliação das ações de saúde ao nível municipal;
III - a administração do fundo municipal de saúde e a elaboração
de proposta orçamentária;
IV - a fiscalização da produção ou da extração, do
armazenamento, do transporte e da distribuição de substâncias,
produtos, máquinas e equipamentos que possam apresentar
riscos à saúde da população;
V - o planejamento, a execução e a fiscalização das ações de
vigilância epidemiológica e sanitária, incluindo os relativos à
saúde dos trabalhadores e ao meio ambiente, em articulação
com os demais órgãos e entidades governamentais;
VI - o oferecimento aos cidadãos, por meio de equipes
multiprofissionais e de recursos de apoio, de todas as formas de
assistência e tratamento necessárias e adequadas, incluídas a
homeopatia e as práticas alternativas reconhecidas [...].
XI - a instalação de estabelecimento de assistência médica de
emergência em cada área regional do Município;
XII - a adoção de política de fiscalização e controle de
endemias;
XIII - a prevenção do uso de drogas que determinem
dependência física ou psíquica, bem como seu tratamento
especializado, provendo aos recursos humanos e materiais
necessários;
XIV - a informação à população sobre os riscos e danos à
saúde e medidas de prevenção e controle, inclusive mediante
a promoção da educação sanitária nas escolas municipais [...]
(BELO HORIZONTE, 1990).

Veja só que interessante. O município de São Paulo (SP) traz em sua LOM,
no título que trata da Ordem Social, um capítulo sobre Direitos Humanos. Ali institui
uma Comissão de Direitos Humanos. Destaca-se que a LOM tem um caráter
perene, de fundamentar as bases dos municípios, cujo processo de alteração de
texto para retirada de artigos é bastante difícil. Parece um grande avanço para a

131
O Município como Unidade de Governo

área de políticas sociais e garantia dos direitos fundamentais trazidos na própria


CF88 e dos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Sobretudo,
porque o texto da LOM de imediato deixa clara as principais atribuições de tal
comissão, que deverão se fazer cumpridas:

Art. 237 - É dever do Município de São Paulo apoiar e


incentivar a defesa e a promoção dos Direitos Humanos,
na forma das normas constitucionais, tratados e
convenções internacionais.
Art. 238 - Fica criada a Comissão Municipal de
Direitos Humanos, órgão normativo, deliberativo e
fiscalizador, com estrutura colegiada, composto por
representantes do poder público e da sociedade civil,
que deverá definir, apoiar e promover os mecanismos
necessários à implementação da política de direitos
humanos na cidade de São Paulo, segundo lei que
definirá suas atribuições e composição (SÃO PAULO,
1990).

3.7 DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E


TRANSITÓRIAS
Por fim, dedica-se espaço da LOM ao estabelecimento de prazos para
regular os artigos que foram postos de modo mais genérico, para elaboração e
aprovação das leis complementares, para aprovação do regimento interno da
Câmara Municipal, entre outros assuntos.

Veja, como exemplo, alguns artigos da LOM de Fortaleza (CE), que


nas disposições finais e transitórias, reforça o compromisso dos Poderes no
cumprimento da Lei, estabelece data para processo revisional, dispões sobre um
programa anual educativo sobre o documento e estabelece data para aprovação
de novo Regimento Interno da Câmara Municipal.

Art. 1º- O Prefeito e o Presidente da Câmara Municipal


prestarão, no ato e na data da promulgação, o juramento
de cumprir e manter esta Lei Orgânica.
Art. 2º- A Câmara Municipal promoverá a revisão
desta Lei Orgânica até o dia 31 de dezembro de 2016,
garantindo-se a mais ampla participação popular no
processo revisional.
Art. 6º- A Câmara Municipal publicará, sozinha ou em
cooperação com entidades da sociedade civil, a edição
de cartilha e a realização de um programa educativo
anual com o propósito de tornar amplamente conhecidos
os mecanismos de participação popular previstos nesta

132
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

Lei Orgânica.
Art. 8º - A Câmara Municipal deverá proceder, até o dia
31 de dezembro de 2008, a revisão de seu regimento
interno (FORTALEZA, 2017).

4 A ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


EXECUTIVO E LEGISLATIVO, E OS
MECANISMOS DE CONTROLE
Como você pôde ver no tópico anterior, a CF88 dá grande espaço a matéria
referente às LOMs em seu detalhado Artigo 29, como também no Art. 30 e 31.
Especial atenção é dedicada às questões da organização dos poderes em
âmbito municipal. Afinal, já que todos fazem parte da mesma federação, o texto
constitucional tratou de equiparar a forma como se organiza e como se elegem os
representantes do povo, em todos os entes federados. Este é um tema de suma
importância, pois são os ocupantes destes cargos é que vão elaborar as leis e
executá-las. Portanto, vamos entrar em maiores detalhes sobre estas questões.

No Brasil, em conformidade com a noção de Estado Democrático de Direito,


o poder de governar é separado em três: Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.
Esse sistema se chama Freios e Contrapesos. Você já viu um pouco sobre isso
no capítulo dois. A intenção é que cada um exerça suas funções, mas ao mesmo
tempo fiscalize o outro, evitando que haja fuga ou abuso de funções.

A Advocacia-Geral da União tem um canal do Youtube dedicado


a elucidar conceitos da Administração Pública e informar as
atividades do governo que são de sua competência.
Faça uma pausa em seus estudos e assista este vídeo
explicativo sobre o Sistema de Freios e Contrapesos no Brasil:
https://www.youtube.com/watch?v=vlYBWII2YZ0
Aproveite para dar uma olhadinha no canal e ver outras matérias
que podem ser do seu interesse.

133
O Município como Unidade de Governo

No caso de municípios, você deve entender que embora haja três


No caso de poderes em todo o Brasil, não cabe ao município estruturar um poder
municípios, você judiciário. Isso não significa que o Poder Judiciário não é exercido
deve entender que
no território do município. Ele se faz presente, mas não compete ao
embora haja três
poderes em todo o município, e sim a outras esferas da federação.
Brasil, não cabe ao
município estruturar O Sistema Judiciário, regulado pelos Artigos 92 a 126 da CF88,
um poder judiciário. possui órgãos que funcionam no âmbito da União e dos estados e DF.
O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição
em todo o território nacional. Os Tribunais Regionais (TRFs, TREs, TRTs) têm
jurisdição em sua respectiva região (formada por um conjunto de Estados) e os
Tribunais de Justiça têm sua jurisdição delimitada pelo território de cada Estado.
São, portanto, de competência estadual, conforme disposto no Artigo 125, que
diz: “Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos
nesta Constituição”. A competência do Tribunal de Justiça estadual deve ser
definida na Constituição de seu Estado, embora a lei de organização judiciária
deva ser de iniciativa do próprio tribunal.

O Tribunal de Justiça estadual, caso queira, poderá funcionar de forma


descentralizada, constituindo Câmaras regionais ou Comarcas. Também, visando
a descentralização e o acesso, deve ser itinerante, com realização de audiências
e demais funções da atividade jurisdicional em equipamentos públicos e
comunitários dentro do estado ao qual pertence. A competência desses Tribunais
é definida na Constituição do Estado, mas a lei de organização judiciária é de
iniciativa do próprio Tribunal de Justiça (BRASIL, 1988, Art. 125, § 6º).

O exercício da justiça nos municípios fica sob a responsabilidade desse


sistema judiciário, com cada órgão cumprindo suas atribuições trazidas pela
CF88, não cabendo ao poder público municipal criar órgãos desse tipo. Os
Tribunais superiores, que tomam decisões em caráter definitivo, estão vinculados
ao Poder Central, isto é, à União. Os estaduais assumem questões de seu
território, incluindo julgar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos
estaduais ou municipais (BRASIL, 1988, Art. 125, § 6º). Tudo aquilo que não for
resolvido definitivamente nos tribunais estaduais poderá ser objeto de apreciação
dos tribunais federais (TEIXEIRA, 2012).

Visto isso, veja como se organizam os poderes e as instituições que o


compõem em cada ente federativo no Brasil:

134
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

QUADRO 2 – ORGANIZAÇÃO DOS PODERES NOS ENTES FEDERADOS

Ente federativo Poder Executivo Poder Legislativo Poder Judiciário

Deputados Federais, Conselho Nacional


na Câmara dos Dep- de Justiça, tribu-
Presidente e
utados; Senadores nais superiores,
União Vice-presidente
no Senado. Juntos tribunais regionais
da República
formam o Congresso e juízes de primeira
Nacional instância
Governador e Deputados Estadu- Tribunal de Justiça
Estado Vice-governador ais, na Assembleia e juízes de primeira
do estado Legislativa instância
Prefeito e
Vice-prefeito das Vereadores, nas
Município não possui
prefeituras mu- Câmaras Municipais
nicipais

FONTE: Adaptado de Teixeira (2012).

Conforme explicitado no quadro, cada ente federativo tem sua própria


organização de poderes. Essa organização, assim como o funcionamento
e suas atribuições, deve ser delineada em legislações específicas do ente
federado, observando aquilo que já está estabelecido na CF88. Aos municípios
cabe a preocupação de organizar seu Poder Executivo e Poder Legislativo,
independentes e harmônicos entre si, conforme zela o Artigo 2º da CF88.

Por independência, entende-se que um não pode ficar submisso ao outro


nas atribuições que são de sua competência. Por Harmônico, entende-se que
apesar de independentes, suas atribuições se complementam na constituição do
governo de uma sociedade. Ou seja, apesar de independentes, eles precisam
também trabalhar cooperativamente, respeitando as interferências que cabem
um ao outro, previstas em regramento e que embasam o Sistema de Freios e
Contrapesos (vide o Capítulo 2).

Para Silva (2005), os trabalhos do Legislativo e do Executivo:

só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se


subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem
o domínio de um pelo outro, nem a usurpação de atribuições,
mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente
colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o
mecanismo), para evitar distorções e desmandos (SILVA,
2005, p. 111).

135
O Município como Unidade de Governo

4.1 O PODER EXECUTIVO MUNICIPAL


O Poder Executivo é exercido pelo prefeito, tendo como substituto o vice-
prefeito, ambos eleitos em chapa, pela maioria absoluta dos votos válidos. No
caso de municípios com mais de 200 mil habitantes, se nenhum candidato tiver
acima de 50% dos votos válidos, haverá segundo turno da eleição 20 dias após a
proclamação do primeiro resultado. No pleito do segundo turno, haverá somente
as duas chapas dos candidatos mais votados (BERNARDI, 2007).

O Poder Executivo O Poder Executivo tem sob sua responsabilidade dois tipos de
tem sob sua funções, uma de ordem administrativa e executiva; a outra, de ordem
responsabilidade política. As funções de ordem administrativa e executiva são aquelas
dois tipos de
que dizem respeito ao funcionamento do município no cumprimento
funções, uma de
ordem administrativa de tudo aquilo que já é estabelecido em leis.
e executiva; a outra,
de ordem política. No exercício do Poder Executivo, a estrutura da administração
pública municipal pode estar dividida em setores específicos de
políticas públicas. São as secretarias, departamentos, coordenadorias de cada
setor como educação, saúde, transporte, planejamento etc. Elas ficam sob o
comando do prefeito, que nomeia pessoas de sua confiança como chefe dessas
pastas para apoiá-lo na execução dos programas e ações. Pode haver também
nomeação de cargos comissionados de assessoria.

Veja a seguir como é organizada a estrutura administrativa direta de um


município.

FIGURA 4 – EXEMPLO DE ORGANOGRAMA DA ADMINISTRAÇÃO


DIRETA, MUNICÍPIO DE POMPÉIA (SP)

FONTE: <https://www.pompeia.sp.gov.br/organograma/>. Acesso em: 14 ago. 2020.

136
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

É importante que o prefeito nomeei pessoas que tenham qualificação


adequada e experiência para gerir políticas públicas. Afinal, a atuação nesses
cargos exige muito mais do que boa vontade e amadorismo. É preciso dominar
saberes técnicos para produção de diagnósticos que captem as demandas
locais, para elaborar e implementar projetos de políticas públicas, que incluam
mecanismos de monitoramento e avaliação, ter conhecimento da legislação
constitucional e de direito público, lidar com instrumentos de participação social,
dentre outras habilidades. Mas, infelizmente, é comum que estes cargos sejam
utilizados como moeda política de interesses eleitoreiros, como demonstra Costa,
Lima e Oliveira (2018).

Com o apoio de sua equipe administrativa e dos chefes de cada uma


dessas pastas, o prefeito deve cumprir com suas atribuições, dispostas em LOM,
as quais estão incluídas: organizar e dispor dos serviços públicos, elaborar o
planejamento e a execução do orçamento, nomear e exonerar servidores, fixar
preços de serviços, contratar empresas para realização de obras e serviços
para a população, impor sanções por violação das leis municipais, administrar o
patrimônio público, arrecadar e proteger as receitas públicas, solicitar força policial
e exercer o poder de política quando for necessário fazer o que determina a lei,
desapropriar bens particulares por interesses públicos, responder e despachar
petições e certidões, prestar contas de suas ações ao Tribunal de Contas e à
Câmara Municipal (IBAM, 2020a; BERNARDI, 2007). Tudo isso, conforme o que
está previsto em legislação e observados os princípios da administração pública.

Muitos municípios mantêm na estrutura de sua administração pública direta,


com status de secretaria, uma Procuradoria, cuja existência organização e
atribuições devem estar previstas em lei. Com função semelhante à Procuradoria
Geral da União (Capítulo IV da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de
1993), a Procuradoria Geral do município representa judicialmente o município
nos interesses desta entidade.
Atenção! O
procurador-geral
Atenção! O procurador-geral tem por função representar os
tem por função
interesses do município e não os interesses pessoais do prefeito. representar os
Nessa função o órgão acaba por se preocupar com o planejamento interesses do
a coordenação e o controle da cidade, visando defender seus município e não os
interesses, como se fosse advogado dela. interesses pessoais
do prefeito.
Nos municípios em que há procuradoria, o cargo de procurador
é ocupado por um advogado, com registro na OAB, aprovado em concurso
público municipal. Ele deve prestar assessoria jurídica ao prefeito e secretários
na condução de suas atividades, na abertura de processos licitatórios e de

137
O Município como Unidade de Governo

concursos públicos, dando pareceres e orientando juridicamente estes agentes


em suas funções. Sua função é zelar para que a administração caminhe dentro
dos trâmites legais para que o município não venha enfrentar processos judiciais.
Caso os enfrente, o procurador será o responsável por representar o município
nos tribunais, junto ao prefeito responsável pela administração pública. Tendo
em vista a defesa dos interesses do município, é fundamental que o prefeito e o
procurador trabalhem de forma colaborativa e harmônica.

Outro órgão de extrema importância na administração pública é a


Controladoria. A CF88 valoriza e reforça as práticas de controle governamental,
que também estão dispostas em outras leis como a LRF. O Artigo 31 da CF88
exige do município a existência de um Sistema de Controle Interno. Isso significa
que, no âmbito da administração pública municipal do Poder Executivo, deve
existir um órgão controlador. Ele deve constar em lei própria, que lista suas
atribuições, que devem conter a avaliação do cumprimento das metas previstas
no PPA, LDO e LOA; verificar a legalidade dos atos do executivo e avaliar os
resultados, quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e
patrimonial; e apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional
(BRASIL, 1988, Art 74; CRUZ et al., 2014).

A atuação da Controladoria deve compreender o controle preventivo,


concomitante e corretivo. Ou seja, o órgão deve atuar: na identificação de
problemas que estão por vir, antecipando-se ao erro e comunicar ao gestor;
deve evitar falhas no momento da execução dos atos da administração pública;
e ainda, agir após a realização do ato, averiguando a legalidade e probidade de
todo o processo. Caso identifique problemas e irregularidades já consumadas,
deverá notificar aos órgãos competentes pelo Controle Externo (SILVA, 2013).

A Secretaria de Planejamento, em geral, fica responsável pela elaboração


dos Projetos de Lei de Planejamento e Orçamento, e também pela aferição da
execução destes na conformidade das leis que foram aprovadas pela Câmara
Municipal. Pela função basilar desses instrumentos na condução das políticas
municipais, é fundamental que as tarefas da Secretaria de Planejamento,
da Procuradoria e da Controladoria estejam em relação harmônica, sob a
coordenação do prefeito.

Você deve entender que relação harmônica não significa submissão


e subserviência de algum desses órgãos. Significa que cada uma deve ter
claro entendimento de suas atribuições, tanto em relação aos interesses dos
municípios, quanto em relação a umas sobre as outras, respeitando mutuamente
o desempenho desses papéis. Não é uma tarefa fácil, mas cabe ao prefeito
coordenar a relação entre estes órgãos.

138
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

As controladorias, em especial, possuem um papel delicado, já que apontam


internamente os erros e estabelecem contato com os órgãos de Controle Externo
e com a sociedade ao fomentar o Controle Social. Exercem papel relevante
na identificação de corrupção e por isso sua atuação deve ser exercida com
autonomia. Infelizmente, muitos municípios ainda não criaram sistemas de
controle interno, ou criaram, mas suas unidades ainda não são capazes de atuar
de forma mais incisiva no cumprimento de suas funções (CRUZ et al., 2014).

A atuação da controladoria ainda não foi entendida por muitos prefeitos que
as veem mais como cerceamento de seus trabalhos do que como instrumento
de orientação da legalidade de suas ações. É preciso elevar este entendimento
dos chefes de poderes executivos. Afinal, a LRF, dentre outras atividades, obriga
a emissão do Relatório de Gestão Fiscal, que deve ser assinado pelo prefeito
e pelas chefias do controle interno, ambas responsabilizadas por tudo que
esteja ali registrado. Se tal responsabilidade recai sobre os dois, é mais do que
compreensível que ambos trabalhem de forma colaborativa na gestão pública
municipal.

O segundo tipo de função do prefeito são as de cunho político. São


atribuições do prefeito, também previstas em LOM, tais como: sancionar,
promulgar e fazer publicar as leis, decretos e outros atos municipais; vetar
projetos de lei, prestar contas à Câmara Municipal, celebrar convênios com outros
entes federados, convocar extraordinariamente a Câmara Municipal. Também se
enquadra nessa seara a função de representar o Município em atos de caráter
legal ou administrativo, nas relações com as demais esferas de Governo, ou no
plano puramente social.

Outras funções políticas são mais subjetivas. Como líder político local, o
prefeito deve buscar apoio da maioria dos Vereadores da Câmara Municipal para
que os projetos de sua iniciativa sejam aprovados e ele possa implementar seu
plano de governo. Deve fazer isso mostrando que seu projeto é o melhor para
o município, tendo sido legitimamente eleito. Mesmo assim, às vezes o prefeito
enfrenta oposição dos vereadores até nos assuntos de interesse vital para a
coletividade. Resta então mobilizar a opinião pública em favor daqueles projetos
na expectativa de que os vereadores acatem a vontade do povo (IBAM, 2020a).

Além da esfera municipal, o prefeito deve conseguir apoio nas esferas


estadual e federal, tanto no legislativo desses entes, quanto no executivo.
No legislativo, para elaboração de leis que defendam os interesses das
municipalidades (exemplos: Lei Aldir Blanc e emenda da Jandira); No executivo,
para viabilizar convênios de transferências voluntárias e no apoio técnico para
execução de políticas (BERNARDI, 2007).

139
O Município como Unidade de Governo

O Poder Executivo não deve se distanciar das demandas do povo, pois a


representação não se dá apenas no momento eleitoral. Como líder político, o
prefeito e seus secretários devem dialogar com a população, com as organizações
comunitárias e outros grupos organizados, lideranças locais, buscando apoio e
consultando-os para conhecer suas aspirações e necessidades e integrá-los ao
processo decisório municipal (IBAM, 2020a).

Atualmente, a CF88 e as leis complementares estabelecem e institucionalizam


os Conselhos de Políticas Públicas como espaços de participação permanente. É
um dos canais de diálogo com a sociedade civil que devem ser valorizados.

Nas relações com o poder legislativo, o prefeito deve analisar os projetos de


lei produzidos pela Câmara Municipal, com prazo de 15 dias para se manifestar.
Ele pode sancionar ou vetar, justificando as razões de seu veto. O motivo de
veto deve estar na inconstitucionalidade da proposta ou na contrariedade aos
interesses municipais. Se o veto é mantido pela Câmara, o projeto é arquivado.
Mas a Câmara pode derrubar o veto e aprovar mesmo assim, restando ao prefeito
a promulgação. Se não o fizer dentro do prazo devido, caberá ao presidente
da câmara a promulgação da lei. Prefeito e procurador poderão, se avaliarem a
legislação imprópria, recorrer à justiça para sua impugnação (BERNARDI, 2007).

4.2 O PODER LEGISLATIVO


MUNICIPAL
O poder legislativo é exercido pela Câmara Municipal, na figura dos
Vereadores eleitos, na quantidade definida em CF88, pelo Art. 29. O sistema de
votação é o proporcional em lista aberta, para o mandato de quatro anos.

Sistemas Proporcional e Majoritário

Você já deve ter reparado que alguns deputados, ou vereadores,


apesar de terem recebido pouquíssimos votos, se elegeram,
enquanto outros com mais votos ficaram de fora. Isso é estranho,
mas ocorre porque, no Brasil, o sistema para eleição de presidente,
senador, governador e prefeito é o majoritário, ou seja, é eleito
quem tem maioria de votos.

140
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

Já para deputados e vereadores, o sistema é proporcional.


Funciona assim: primeiro contabiliza-se todos os votos válidos
(os nominais e os de legenda) e divide-se pelo total de cadeiras em
disputa. O resultado é o Quociente Eleitoral. Somente os partidos/
coligações que alcançaram uma quantidade acima do quociente
eleitoral terão direito à vaga.

Por exemplo:
Quantidade total de votos válidos de um município: 1.000
Quantidade de cadeiras para vereador: 10
Quociente eleitoral: 1.000/10=100
Somente os partidos que alcançaram mais de 100 votos terão vaga.

Em seguida, aplica-se um segundo cálculo, o Quociente


Partidário. Trata-se do número de votos válidos obtidos pelo partido
ou coligação, dividido pelo quociente eleitoral. O saldo dessa conta
corresponde ao número de cadeiras a serem ocupadas pelo partido.

Por exemplo:
Partido X recebeu 200 votos (Quociente partidário é: 200/100= 2)
Coligação Y recebeu 101 votos (Quociente partidário é: 101/100=
1,01)
Considerando o Quociente Partidário, tem-se que o Partido X
ocupará duas cadeiras, e o partido Y ocupará uma.

Se após este cálculo sobrar vaga, aplica-se outro cálculo:


Divide-se o número de votos válidos recebidos pelo partido (ou
coligação) pelo número de lugares obtidos mais um. A cadeira vaga
é atribuída ao partido que tiver um maior resultado nessa conta.
Por último, após estabelecido o número de cadeiras que cada
partido/coligação tem direito, são finalmente eleitos os candidatos
que mais tiveram votos. Em nosso exemplo, as duas cadeiras do
Partido X serão atribuídas aos dois candidatos desse partido que
mais receberam votos. O mesmo ocorre com a Coligação Y, sendo
eleito o candidato dessa coligação que mais recebeu votos (ROSA,
2013).

141
O Município como Unidade de Governo

A Câmara tem atribuída a si dois tipos de funções: uma legislativa, que


trata de elaborar e reformular as leis; e outra, a fiscalizadora/judiciante, que trata
de fiscalizar as ações do poder executivo e dos próprios vereadores, e quando
encontra equívocos da parte desses, faz juízo, absolvendo-os ou condenando-os
a perda do mandato. Todas estas funções devem ser detalhadas na LOM e em
leis específicas, e os procedimentos, em Regimento Interno.

Nas tarefas legislativas, cabe aos vereadores propor, analisar e votar leis
de matérias que são de competência municipal estabelecidas em CF88, legislar
a cada legislatura a remuneração do prefeito, do Vice-prefeito e Vereadores;
analisar os projetos de Leis PPA, LOA e LDO remetidas pelo Poder Executivo.
Cabe analisar também os projetos de lei de iniciativa do prefeito e de iniciativa da
sociedade civil, desde que tenham 5% de aprovação do eleitorado (BERNARDI,
2007).

Também faz parte dessa função deliberar, por intermédio de decretos


legislativos ou leis, homologando ou referendado convênios e acordos praticados
pelo Poder Executivo, aprovando ou não operações de crédito, dívida municipal,
concessão de subvenções e auxílios, criação de cargos públicos, alienação ou
concessão de bens, denominação de vias e logradouros, sustar atos do Poder
Executivo que assuma o poder regulamentar do Poder Legislativo, entre outras
(IBAM, 2020b).

Para o exercício de suas funções legislativas e deliberativas, a Câmara pode


se organizar em Comissões Permanentes ou Transitórias, que tratam de temática
específica, como exemplo: a Comissão Permanente de Educação e Cultura.
Essas comissões reúnem Vereadores com mais afinidade à temática que, junto
aos seus assessores, estudam, opinam e propõem assuntos de sua alçada. A
existência das Comissões deve estar regrada na LOM ou em lei complementar, e
em Regimento Interno (IBAM, 2020b).

A função fiscalizadora da Câmara Municipal é prevista no Artigo 31 da CF88,


que atribui ao Poder Legislativo Municipal o exercício do controle externo ao
Poder Executivo, com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados. Aqui é válido
ressaltar que a CF88 veta ao município criar Tribunais de Contas municipais,
sendo os Tribunais de Contas Estaduais os responsáveis pela análise das contas
das prefeituras, que apoia a Câmara Municipal no exercício do Controle Externo
(BRASIL, 1988, Art. 31, § 4º).

O Controle tem por objetivo observar se a administração local, principalmente


em relação à execução contábil, financeira, orçamentária e patrimonial, tem sido
conduzida licitamente e com eficiência pelo Poder Executivo. Os instrumentos
para a fiscalização são estabelecidos em LOM e/ou lei complementar, que

142
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

devem regrar sobre os documentos e período de envio do relatório anual


de prestação de contas remetidos pelo prefeito à Câmara Municipal e demais
documentos e relatórios que venham a ser requeridos. A Câmara também poderá
convocar os auxiliares do prefeito, como secretários das pastas, para prestarem
esclarecimentos. Por último, poderá instaurar Comissões de fiscalização ou
Comissões Especiais de Inquérito, na forma prevista pela CF88 e na LOM.

Além de fiscalizar o prefeito, a Câmara também deve observar os próprios


vereadores em seus atos ilícitos e naquilo que é incompatível com o exercício
de vereança, previsto em LOM, como exemplo: ser proprietário de empresa que
goze de favor decorrente de contrato com o município, desde a posse; ou ser
titular de mais de um cargo eletivo (BERNARDI, 2007).

Ao identificar condutas indevidas do prefeito ou vereador, a Câmara


Municipal assume o papel de Tribunal, decidindo pela condenação ou não destes.
Mas ressalta-se que a LOM deve ser muito clara ao estabelecer os casos em
que o prefeito e os vereadores estão sujeitos ao julgamento. A pena é a perda do
mandato. No caso da fiscalização de contas do prefeito, é necessária a anuência
de dois terços do total de vereadores da Câmara para derrubar o parecer dado
pelo Tribunal de Contas do Estado. Se isso não ocorrer, o parecer é mantido
(BRASIL, 1988, Art, 31, § 2º).

Entre todas as suas atribuições, a Câmara dos Vereadores não pode perder
de vista a sua principal missão, a representação do povo. Por isso, as sessões
legislativas são abertas ao público, assim como deve ser a publicização das
deliberações ali realizadas. Também cabe à Câmara, por iniciativa dos Vereadores
ou das Comissões, a realização de audiências públicas que visam esclarecer aos
munícipes sobre questões das políticas do Poder Público, ou mesmo levá-las ao
debate para que a sociedade civil se posicione contrariamente sobre determinado
assunto que está sendo aventado pelo Poder Público. Nas audiências, podem
ser convidados especialistas, representantes do poder executivo ou agentes do
Ministério Público. As audiências e reuniões públicas devem ter seu processo
de convocatória estabelecidos em LOM ou lei específica, bem como constar no
Regimento Interno do órgão.

143
O Município como Unidade de Governo

1 - Pesquise e responda: qual é o número de integrantes da Câmara


Legislativa em um município que tem 100.000 habitantes?
____________________________________________________
____________________________________________________
______________________________________________.

2 - Tendo em vista os princípios do sistema de Freios e Contrapesos,


explique qual é o papel do poder Legislativo frente ao Executivo.
____________________________________________________
____________________________________________________
______________________________________________.

3 - A LOM de um município X determinava que entre as competências


privativas da Câmara Municipal caberia a convocação do
prefeito para prestar esclarecimentos. Em uma reformulação
anda mais recente, os vereadores estabeleceram através de
Emenda que caberia ao prefeito e aos secretários municipais o
envio de balancetes mensais à Câmara. O prefeito, insatisfeito
com tais questões, acionou o Tribunal de Justiça, pedindo ação
direta de inconstitucionalidade para as duas normas: tanto de
sua convocação quanto da exigência dos balancetes mensais.
Após um longo processo, o Tribunal aceitou a argumentação do
prefeito. Justifique a decisão acertada do Tribunal.
____________________________________________________
____________________________________________________
______________________________________________.

5 AS DIFICULDADES DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
MUNICIPAL
O atual ordenamento federativo brasileiro concedeu ampla autonomia aos
municípios. É conferida a mesma importância aos demais entes federados e
tratamento de igualdade entre todas as municipalidades. Ao mesmo tempo em
que foi concedida autonomia, também foi atribuída a esta unidade de governo

144
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

muitas competências e obrigações. Isso significa que todos os municípios devem,


de igual forma, cumprirem as responsabilidades enumeradas pela CF88 e
também em leis complementares.

O ordenamento constitucional, visando a uma atuação coordenada


entre os entes federados, utiliza de mecanismos de integração de ações, como
os Sistemas de Políticas Públicas, vistos no capítulo 2. Mas, para além disso,
fazendo jus à autonomia financeira municipal, a CF88 também lança mão da
descentralização de recursos da União, através de repasses valores ganhos com
a tributação (COSTA; LIMA; OLIVEIRA, 2018).

A finalidade das transferências governamentais vai além da garantia de


autonomia financeira dos entes federados. Ela é também estruturada com a
intenção de sanar desequilíbrios resultantes e disparidades entre as fontes
de receitas dos entes federados e suas obrigações de despesas. Afinal, em
decorrência de diversos fatores históricos e geográficos, muitos entes são
privilegiados no que tange à concentração de agentes contribuintes de impostos
e de riquezas naturais que geram royalties. Já outros são menos favorecidos.
A despeito dessa disparidade, todos possuem as mesmas responsabilidades no
cumprimento de suas competências e, em alguns casos, isso gera uma despesa
muito maior do que a arrecadação. Por isso, o rateio das receitas provenientes
de arrecadação de impostos entre os entes federados representa um mecanismo
fundamental para amenizar as desigualdades regionais na busca de promover o
equilíbrio socioeconômico entre Estados e Municípios (COSTA; LIMA; OLIVEIRA,
2018). A este esforço, dá-se o nome de Equalização Fiscal.

O esforço da transferência de recursos no Brasil decorre da


busca pela EQUALIZAÇÃO FISCAL. A equalização fiscal é a
tentativa de equilibrar a distribuição fiscal da federação brasileira. Os
desequilíbrios fiscais existentes na federação brasileira são de dois
tipos: vertical e horizontal.
O desequilíbrio vertical é aquele caracterizado pela
disparidade entre o poder de arrecadação e as competências, que
são atribuídas a cada um dos três entes federados. Assim, esse
desequilíbrio é identificado quando se compara União X Estados X
Municípios.
Já o desequilíbrio horizontal ocorre na disparidade de receitas
entre entes federados semelhantes, que têm as mesmas obrigações
de despesas, mas por consequências históricas e geográficas,
possuem valores de arrecadação dispares. Assim, esse tipo de

145
O Município como Unidade de Governo

desequilíbrio é observado quando se compara entes federados de


um mesmo nível de governo: municípios X municípios ou estados X
estados) (STN, 2016; GADELHA, 2017).

Atualmente, a União é a unidade federativa com maior poder de arrecadação.


O Artigo 153 concede a essa esfera a competência de instituir impostos sobre:
importação de produtos estrangeiros; exportação para o exterior de produtos
nacionais ou nacionalizados; renda e proventos de qualquer natureza; produtos
industrializados; operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos
ou valores mobiliários; propriedade territorial rural; grandes fortunas, nos termos
de lei complementar. Ainda por cima, o Artigo 154 também permite à União
instituir, mediante lei complementar, outros impostos, ressalvados os limites
constitucionais.

Apesar de o alto potencial de arrecadação, a própria CF88 estabelece a


distribuição de parte desses recursos aos demais entes federados. Primeiramente,
o próprio Artigo 153, § 5º, define que parte do imposto sobre operações relativas
ao metal ouro como ativo financeiro (IOF-Ouro) seja transferido aos municípios de
origem. O Artigo 158 fornece as principais bases das transferências da União aos
Municípios, afirmando que:

o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda


e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre
rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias
e pelas fundações que instituírem e mantiverem (BRASIL,
1988, Art, 158, Inciso I).

Ou seja, trata-se dos Impostos sobre a renda dos servidores municipais.


A União também deve aos municípios “cinquenta por cento do produto da
arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural [...]”
(BRASIL, 1988, Art. 158, Inciso II).

Além destes, o artigo também regula o repasse de estados para municípios,


afirmando que: “cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto
do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus
territórios” (BRASIL, 1988, Art. 158, Inciso III), e “vinte e cinco por cento do produto
da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação
de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação” (BRASIL, 1988, Art. 158, Inciso IV). Por último, o
Artigo 159 da CF88 diz que a União deve passar parte do produto da arrecadação

146
Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

de impostos de renda e de produtos industrializados ao Fundo de Participação


dos Municípios (FPM).

Para facilitar a visualização sobre os repasses previstos em CF88, veja o
que cabe aos municípios:

QUADRO 3 – FLUXO DAS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS

FONTE: Adaptado de Costa, Lima e Oliveira (2018).

O FPM é um dos mais importantes mecanismos de repasse constitucional.


Teve sua origem na Emenda Constitucional nº 18, de 1965 e foi regulamentado
pelo Código Tributário Nacional (CTN – Lei 5.172/1966). Posteriormente foi
ratificado pela CF de 1967 e também na de 1988. Inicialmente, o critério de
distribuição do FPM era baseado unicamente na população dos Municípios.
Em 1967, foram criadas duas categorias de municípios: “Capitais” e “Interior”,
sendo que as capitais recebiam 10% do montante total, o interior o restante. Em
uma nova normativa, dada pelo Decreto-Lei nº 1.881/1981, foi criada mais uma
categoria, denominada “Reserva”, para aqueles municípios com população acima
de 156.216 habitantes, mas que não eram capital. Desde então, a distribuição do
FPM ficou 10% para as Capitais, 3,6% para a Reserva e 86,4% para o Interior.
Embora tenha passado por mais algumas reformulações, a divisão desses
percentuais entre os municípios se mantém ainda hoje (SNT, 2016).

O FPM passou por várias reformulações, mas, de modo geral,


alterações importantes são: a diminuição do número de habitantes
dos municípios “reserva” para 142,633 e o aumento do percentual
destinado ao FPM, que era de 22,5% e, após alterações em
leis complementares e da Emenda Constitucional nº 84/2014, o
percentual, a partir de 2016, passou para 24,5% da arrecadação
líquida de IR e IPI.

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O Município como Unidade de Governo

Se você tem interesse em aprofundar suas leituras e


pesquisas sobre o FPM, e também sobre outras transferências
intergovernamentais.
Lá você vai encontrar material explicativo, todas as normativas
já lançadas sobre o assunto e o mais importante: pode acompanhar
os valores e as estatísticas das transferências realizadas no país ao
longo dos anos, inclusive de seu município.
É um rico material de pesquisa, pois o usuário pode interagir
com o site, correlacionando dados de seu interesse.
Acesse: https://www.tesourotransparente.gov.br

Outra transferência importante, é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento


da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB),
citado no Capítulo II. Alterado pela Emenda Constitucional nº 108/2020, o FUNDEB
passou a ter caráter permanente e vincula repasses da União e dos estados aos
municípios, tendo como fim o investimento público na educação básica.

Todas essas transferências mencionadas até aqui são de caráter


constitucional. Isso significa que é responsabilidade da União e dos estados
transferirem aos municípios o que é previsto em Constituição, incondicionalmente:
sem que o município tenha que cumprir qualquer formalidade para recebê-las e
sem a necessidade de contrapartida. Em geral, esses recursos não podem ser
retidos, exceto quando há débitos do ente federativo com a União, ou se houve
descumprimento do gasto mínimo com saúde. Estes recursos não podem ser
contingenciados nas LOAs da União e dos Estados (STN, 2016).

Além das Constitucionais, outro tipo importante de transferência que compõe


as receitas municipais são as previstas em lei específica. São aquelas não
definidas em constituição, mas regulamentadas em lei que estabelece os critérios
para habilitação do ente federado para o recebimento do recurso, os mecanismos
de transferência, a aplicação dos recursos na localidade e a prestação de contas
pelo ente federado. São exemplos: o repasse de Royalties e os programas de
apoio ao transporte escolar e de apoio à alimentação, todos regulamentados em
lei específica.

Tanto as transferências constitucionais quanto as legais são obrigatórias.


Mas existem também transferências não obrigatórias, ou discricionárias. Dentre
elas, a mais conhecida é a chamada Transferência Voluntária. Pela definição da
LRF, Artigo 25, são aquelas não determinadas pela CF88, nem em lei específica
e nem são aquelas destinadas ao SUS. Diferente das constitucionais, elas são

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Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

condicionais, ou seja, os municípios que as recebem precisam cumprir algum tipo


de formalidade, como um contrato. Em geral, exige-se algum tipo de contrapartida
como um investimento próprio em recurso financeiro, instrumental ou humano.
Normalmente, para solicitação desse benefício, o município deve elaborar um
projeto de uso dos benefícios e de execução de sua contrapartida, do qual a
União e estados precisarão aprovar antes de aprovar o repasse. Após repasse,
a transferência é celebrada entre entes federados através de algum termo de
convênio ou contrato de repasse.

As transferências estudadas até aqui e outras transferências discricionárias


menos mencionadas na literatura são dispostas no quadro a seguir:

QUADRO 4 – TIPOS DE TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS

FONTE: Adaptado de STN (2016).

Como você deve ter entendido, a intenção das transferências entre entes
federados visa minimizar os desequilíbrios da federação brasileira. Ao mesmo
tempo, servem também para reduzir o problema de externalidades e para
redistribuir os recursos entre as regiões com diferentes níveis de renda e de
desenvolvimento. Mas, o Sistema Tributário Federativo brasileiro, ainda é passível
de muitas críticas. Brandt e Costa (2010), Lima e Oliveira (2018), por exemplo,
ressaltam um claro desvio na metodologia de cálculo do FPM, pois os coeficientes
não crescem na mesma proporção que as faixas populacionais. Como resultado,
as Municipalidades menores recebem maiores cotas de repasses per capita em

149
O Município como Unidade de Governo

comparação com as demais, inclusive mais que algumas capitais. Os municípios


intermediários seriam os mais afetados.

Outra disfunção, é que a maior parte dos municípios criados após 1988 é
completamente dependente das transferências federais, já que a receita tributária
arrecadada é insuficiente até mesmo para pagar os cargos políticos gerados pela
emancipação (prefeitos, vereadores, secretários municipais etc.). Normalmente,
a atividade econômica nesses municípios é fraca, por isso não são fontes
geradoras de impostos. Não raro, o chefe do executivo à frente dessas prefeituras
não domina a ciência da Gestão Pública e da boa governança, nomeando por
indicação e não por competência seus cargos decisórios. Isso acaba por nutrir
a cultura clientelista em detrimento de uma Administração Pública eficiente na
gestão dos recursos públicos. Assim, as transferências do FPM acabam por
aprofundar esses males, sem contribuir, de fato, para mudança da realidade
(BRANDT, 2010).

Uma crítica ao sistema de transferências recai especificamente sobre


as voluntárias. Realizadas através dos problemáticos convênios, esse tipo
de transferência advém muitas vezes de emendas parlamentares e não
correspondem as reais necessidades e prioridades da localidade. Em muitos
casos, não é feito um crivo com rigor técnico ou profissional antes da liberação dos
recursos, que acabam por se orientar por critérios políticos patrimonialistas. Há
casos em que, por força política ou relações pessoais ou partidárias, um município
recebe em duplicidade e sem necessidade, determinado equipamento, enquanto
outra população é desfavorecida neste recebimento. Assim, as transferências
voluntárias, sem rigor técnico e método de escolha por diagnóstico, acabam por
intensificar e perpetuar desigualdades na implementação de políticas públicas,
geralmente prejudicando municípios com poucos eleitores e pequena relevância
política (TORRES, 2012).

Por fim, é preciso apontar a enorme disparidade entre a geração de


receitas e as responsabilidades obrigatória dos municípios. Se por um lado há
excessiva descentralização político-administrativa para os municípios, por outro
há excessiva centralização reguladora e arrecadatória para a União. Mesmo com
as transferências, que tem por fim minimizar os desequilíbrios do país, cria-se
no federalismo brasileiro uma enorme dependência dos municípios da União.
Para alguns teóricos municipalistas, há excessivo controle do poder central e
constrangimento à autonomia dos municípios. Sob o argumento do federalismo
cooperativista estaria se escondendo, na verdade, um demasiado controle de
poder do governo central.

O modelo brasileiro demonstra ser centralizador e prejudica a


autonomia dos governos subnacionais. Isso porque os recursos
arrecadados ficam concentrados na União enquanto os

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Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

Estados/Distrito Federal e os Municípios têm mais obrigações


do que recursos. Além disso, a indefinição de competências
concorrentes entre União e entes subnacionais dificulta a ação
dos legisladores estaduais na melhoria da educação, saúde e
segurança, por exemplo (GADELHA, 2017, p. 15).

Como agravante da desigualdade vertical da arrecadação tributária (em


que a União arrecada muito mais), tem-se, nos últimos anos, que a União optou
por aumentar as contribuições que não são compartilhadas com estados e
municípios, ao invés de aumentar as alíquotas do IR ou do IPI (sobre produtos
industrializados), cuja parte são repassados aos entes subnacionais através dos
fundos constitucionais (TORRES, 2012).

Outro mecanismo que aprofunda esse poço orçamentário entre União e


municípios, é a Desvinculação das Receitas da União (DRU), instrumento legal e
jurídico que permite à União gastar 20% de suas receitas livremente, observando
as vinculações constitucionais apenas em 80% de sua receita tributária. Instituído
por Emenda Constitucional n 93/2016 a regra tem validade até 2023 (TORRES,
2012). Em sentido parecido, temos hoje a Emenda Constitucional 95/2016, que
institui o Teto de Gastos Públicos, que poderá impactar nas transferências de
cunho social aos municípios, aumentando ainda mais o estrangulamento fiscal
desses entes mais frágeis da federação.

Outro ponto passível de crítica, é a baixa capacidade administrativa dos


governos municipais. Torres (2004) aponta que as administrações municipais
são a estrutura mais fragilizada na federação brasileira, padecendo, em
muitos casos, de baixa institucionalização e quadro profissional despreparado.
Contraditoriamente é a que mais recebeu responsabilidades após a CF88. A
União, ao contrário, há anos vem trabalhando para o aprimoramento de seus
quadros profissionais e infraestrutura para desempenho de suas funções. As
carreiras definidas como típicas do Estado são especializadas em Escolas de
Governo e por vezes recebem incentivos para melhor desempenharem suas
funções.

Em nível municipal, esse quadro é bem diferente. Em geral, os servidores


públicos municipais são mal remunerados, não dispõem de treinamento ou
profissionalização, nem planos de carreiras atrativos. Muitas vezes, em decorrência
de crises municipais, a remuneração ou décimo terceiro sofre atraso. Para além
da dificuldade de qualificar profissionais, a própria máquina pública é pobre de
infraestrutura: faltam computadores, internet, sistemas operacionais e softwares
de gestão. Obviamente, diante desse quadro, são muitas as municipalidades
que não conseguem dar conta de organizar sua gestão e finanças, muito menos
de angariar repasses voluntários, já que não conseguem elaborar/submeter os
projetos e planos de ação necessários para reivindicar estes recursos. Quando

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O Município como Unidade de Governo

conseguem, enfrentam dificuldades com a execução dos recursos e a prestação


de contas (TORRES, 2004).

Decerto que a administração pública em muito avançou nas últimas


décadas. No Brasil, a descentralização e a municipalização trouxeram consigo
um grande potencial para eficiência das políticas públicas e democratização,
quando viabiliza a participação social e política a um maior número de cidadãos.
Por outro lado, as dificuldades apresentadas neste capítulo demonstram que
ainda há um grande caminho a percorrer para real efetivação desse potencial. As
dificuldades enfrentadas pelos municípios e pelos cidadãos munícipes devem ser
exaustivamente debatidas no sentido de aprimorar a distribuição tributária; e em
busca de estratégias para modernizar as gestões públicas municipais.

As leis de Planejamento e Orçamento, junto às tarefas de controle e


fiscalização, por um lado contribuem com o avanço da administração pública no
sentido de minimizar as tradicionais práticas de patrimonialismo, clientelismo e
corrupção. Por outro lado, impõem aos municípios mais desafios na condução
da administração pública. Urgem rediscutir os papéis da União e dos estados na
federação brasileira, principalmente no que tange ao apoio técnico aos municípios.
(TORRES, 2012).

Para tanto, é preciso que a própria CF88, ou normativas complementares,


estabeleçam a divisão das competências compartilhadas de forma mais precisa
e menos genéricas, tal como se apresentam hoje (IBAM, 2020a). As questões
tributárias, seja no que tange às competências de arrecadação, seja no que tange
às normas de transferência, é também algo que deve ficar em constante debate
e reajuste, tendo em vista o equilíbrio da federação e uma proporcionalidade
entre as competências obrigatórias dos munícipios e seu poder de arrecadação
(GADELHA, 2017).

Outra questão que é preciso estar atento, é a regulamentação do Artigo


18 da Constituição, naquilo que foi reformulado pela Emenda Constitucional nº
15/1996, que freou a criação dos municípios, exigindo a partir de então plebiscito
e estudo de viabilidade municipal a serem regrados em Lei Complementar. Ocorre
que o Congresso Nacional já está agindo sobre esta normativa, pelo Projeto de
Lei Complementar nº137/2015, de proposição do Senado.

Após transitar nas Casas Legislativas, o Projeto aguarda aprovação do


Plenário da Câmara dos Deputados. Embora a alteração dos municípios deva
ser algo tratável em federações democráticas, a lei pode ocasionar novamente o
desequilíbrio da federação, presenciado após a CF88, com o aumento exorbitante
de municipalidades. Assim é preciso olhar crítico ao texto da lei e aos efeitos que
ela poderá acarretar.

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Capítulo 3 A Organização Municipal:
Autonomia e Constrangimento

Por último, é importante investir na qualificação de profissionais (e cidadãos)


que atuem nos municípios. Estes devem entender a organização do Estado
brasileiro, na distribuição de poderes e competências entre seus entes federados.
Devem se atentar para o funcionamento das transferências de recursos no
sentido de ampliar as receitas municipais e a implantação de programas e ações
em cooperação com outros entes federados. Devem também atenção às práticas
de planejamento, eficiência e licitude, executando políticas sem desperdício e
com prestação de contas, sempre tendo em vista o desenvolvimento local e o
bem-estar da população.

Apesar das dificuldades que as gestões municipais passam, o


quadro no Brasil tem mudado aos poucos. Hoje, existem algumas
iniciativas para qualificação de profissionais, como o da Escola
Nacional de Administração Pública (ENAP).
Além de seus conceituados cursos presenciais, a ENAP tem
empreendido na educação a distância, inclusive com ofertas gratuitas
de cursos, seja direcionado a servidores públicos, seja aberto a todos
os cidadãos.

Acesse: https://www.escolavirtual.gov.br/.

Outras organizações importantes têm se firmado como redes


de apoio aos prefeitos, gestores públicos e legisladores municipais.
Elas orientam gestores e legisladores na implementação de
leis locais e programas da União, fiscalizam as transferências
intergovernamentais, fornecem diagnósticos para políticas setoriais
e até mesmo se constituem como canais de comunicação com os
Poderes Executivo e Legislativo da União, na reinvindicação pelas
demandas municipais. Entre elas estão: a Confederação Nacional
dos Municípios (CNM); a Associação Brasileira de Municípios (ABM);
o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM); e algumas
em nível estadual como: a Associação Estadual de Municípios do Rio
de Janeiro (AEMERJ), Associação Mato-grossense dos Municípios,
Associação Rondoniense de Municípios (AROM). Pesquise sobre
estas instituições, e veja se no seu estado já se organizou assim.
Observe a atuação desses órgãos e seu material produzido.
Pode ser bastante útil para seus estudos!

153
O Município como Unidade de Governo

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste capítulo você observou, a partir de um panorama atual, a enorme
quantidade de municípios brasileiros e o quão dispares eles são em sua quantidade
populacional, potencial econômico e distribuição territorial. Boa parte está distante
de grandes centros urbanos e não apresenta potencial de arrecadação tributária,
o que imprime dificuldade às administrações públicas locais.

Além das tradicionais e infelizes práticas patrimonialistas e clientelistas,


os municípios brasileiros enfrentam os desequilíbrios fiscais do federalismo
brasileiro. A Carta Constitucional atribui aos municípios muitas e complexas
competências de âmbito local, em contraposição ao seu minguado poder de
arrecadação tributário. A maioria dos municípios torna-se então completamente
dependente das transferências fiscais do estado e da União, que estão cada vez
mais minguadas; e por vezes são distribuídas mais por critérios politiqueiros do
que por critérios técnicos.

No mais, muitos municípios ainda engatinhando em sua autonomia política,


administrativa e financeira, devem aprender, ou aprimorar, sua constituição e
organização através de instituições formais, sendo as principais: a Lei Orgânica
e as Leis de Planejamento e Orçamento. Isso tudo, a despeito de uma máquina
burocrática precária, da carência de profissionais qualificados e, muitas vezes,
sob a condução de prefeitos e vereadores ímprobos ou amadores, que não
contribuem para o desenvolvimento governamental do município e nem para o
bem-estar do povo.

Esperamos que este livro e seu empenho nestes estudos, seja como cidadão
munícipe, seja como profissional da administração pública, tenha contribuído para
suprir um pouco dessas carências nos municípios. Que você possa contribuir para
qualificar o debate nas questões que tratam do aprimoramento do federalismo
brasileiro, um processo ainda em construção.

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