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SINOPSE

PRÓLOGO
01 – O MONSTRO DENTRO DE MIM
02 – INIMIGOS EM COMUM
03 – MORTE SÚBITA
04 – DESEJO OBSCURO
05 – OS ALIADOS
06 – FÚRIA
07 – PROVOCAÇÃO
08 – TERMOS & CONDIÇÕES
09 – SUJA & IMORAL
10 – O SEGREDO DA ESMERALDA
11 – O PLANO DE FUGA
12 – TESTANDO LIMITES
13 – ATRAÍDOS
14 – POR MINHA CAUSA
15 – UMA BALA POR ELA
16 – NÃO RESISTA
17 – VOYEURISMO
18 – O FIM DE UMA PROMESSA
19 – FÚNEBRE
20 – QUENTE & LASCIVO
21 – EU QUERO VOCÊ
22 – EFEITO COLATERAL
23 – ENSINA-ME
24 – MÉNAGE À TROIS
25 – SEU RPAZER É MEU PRAZER
26 – MALDITO DETALHE
27 – MEU SEGREDO SUJO
28 – MINHA VIDA POR ELA
29 – ACORDO DE PAZ
30 – ETTORE & GIOVANNA
EPÍLOGO
DARKO
FASCÍNIO FATAL
REDES SOCIAIS
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LAS VEGAS ESTÁ EM PAZ.
Ettore Martini jurou nunca tocar na sua esposa.
Casado com Giovanna De Santis apenas para reforçar laços sanguíneos, garantir aliados para
o seu clã e manter o irmão mais velho na liderança da Mahyas D’Arezzo, o seu juramento era literal.
Ela jamais teria permissão para tocá-lo. De nenhuma forma.
Ainda perturbado com uma perda que sofrera por causa de uma guerra entre as famílias pelo
comando de Las Vegas, ele se tornou um homem cada vez mais explosivo, descontrolado e violento.
Comportamentos e atitudes que o levam a criar uma grande confusão com a máfia russa instalada na
cidade. Enfurecidos e cheios de desejo de vingança, os russos passam a ameaçar a integridade da sua
jovem e virgem esposa.
Importando-se com ela mais do que deveria demonstrar, Ettore terá que proteger a mulher que
jurou nunca desvirginar em meio a um conflito que ameaça a paz estabelecida.
Estou morrendo.
Estou morrendo e nem é pelo sol forte de Las Vegas que fustiga minhas costas cobertas pelo
terno preto. Sinto minha pele quente, as gotículas de suor que se acumulam e começam a escorrer.
Estou morrendo, mas é por dentro. A pior morte de todas.
Morro um pouco a cada dia que passa, cada maldita vez que venho aqui me ajoelhar no
túmulo dela, trazer suas flores favoritas — que quase não enviei quando era viva — e ursinhos de
pelúcia para meu bambino enterrado junto com a mãe. Morro um pouco quando passo meus dedos
ásperos sobre a lápide, os nomes deles entalhado na pedra cedo demais. Abro um sorriso fúnebre e
amargo enquanto seguro uma lágrima e meus dedos escorregam pelas letras e números na pedra.
Margareth e Santino Martini. Minha Maggie e meu pequeno Sonny. Minha esposa e meu filho que eu
nem mesmo conheci, agora mortos. Como uma parte de mim.
A sensação de luto e tristeza se intensifica hoje. Ironicamente, era para ser um dia feliz. A
poucas horas de me casar outra vez, estou aqui lamentando a perda da minha primeira esposa. Aquela
pobre criança de vinte anos nunca poderá substituir Maggie. Eu nem mesmo deveria estar me
submetendo a essa porra de matrimônio, não quando simplesmente faz poucos meses que a perdi
depois de um ataque covarde dos Bianco à minha casa por causa de uma maldita guerra entre as
famiglie. Este casamento é para selar, de vez, a paz em Vegas e garantir a liderança e soberania dos
Martini na Mahyas D’Arezzo. Não deveria estar a um passo de me casar com aquela garota virgem e
quinze anos mais nova, mas estou. É o meu sacrifício para estabelecer a paz, para que não percamos
mais ninguém. Já perdemos gente demais.
Suspiro e me levanto sem desgrudar os olhos do túmulo. Fico aqui por mais algum tempo,
cabisbaixo e quieto, controlando toda a raiva e tristeza que se acumulam dentro de mim, até que
decido que preciso ir porque estou atrasado para a cerimônia. Bato a poeira da roupa e caminho
lentamente até meu carro, estacionado do lado de fora do cemitério. Tento ignorar pela vigésima vez
meu celular tocando dentro do bolso. O que um homem precisa fazer para ter a porra de um segundo
de paz e luto? Exaspero pesadamente enquanto me aproximo do veículo e atendo a ligação de Enrico,
meu irmão mais velho e capo dei capi da famiglia.
— O que foi?
— Ettore. — Sua voz está calma, mas soa como uma ameaça velada. — Não me obrigue a te
caçar até o inferno se for preciso caso esteja pensando em fugir desse casamento.
Dou uma risada esganiçada, sombria, sem nenhum resquício de humor.
— Não sou um covarde de merda, Enrico. Me propus a me casar com a filha de Romeo e vou.
Já estou a caminho. Não tem que se preocupar.
— Venha logo. — É tudo o que ele diz antes de desligar.
Jogo meu corpo para dentro do carro e confiro o retrovisor. Não sou um homem paranoico,
embora devesse ser. Nossa família coleciona inimigos como uma criança coleciona figurinhas de
times de futebol. A questão é que eu vinguei a morte da minha esposa e do meu filho pegando o
maldito de surpresa. Os Bianco estão subjugados, exilados de Las Vegas desde que assumi a
liderança do clã ao dar cabo no maldito Luigi, o responsável por ordenar o assassinato deles. Não
preciso me preocupar muito, de verdade, mas nunca se sabe até que ponto algum aliado do inimigo
está disposto a ir para se vingar. Por isso, desde então, tenho tomado medidas cautelares com mais
afinco. Conferir o retrovisor do carro faz parte.
Os bancos de trás estão vazios. Quando volto o olhar para frente e vejo meus olhos azuis no
reflexo do espelho, isso me assusta mais do que se eu tivesse sido surpreendido por um inimigo.
Noto como estão abatidos, cansados, sem vida. Minha expressão rígida e infeliz me envelhece além
dos trinta e cinco anos que tenho.
Balanço a cabeça de um lado a outro e afasto os pensamentos. Giro a chave na ignição e,
atrasado em quase meia hora, rumo até a cerimônia do meu casamento que acontecerá na mansão de
Enrico, na Langley Estate Street. Levo cerca de vinte e cinco minutos para chegar. Os convidados já
estão por aqui, sentados nos bancos dispostos para o momento. Não quero observar o local, mas
acabo por fazer exatamente isso. Decoração em branco e azul, buquê de tulipas e rosas nos mesmos
tons. Um pouco mais afastado do altar, estão as mesas e cadeiras para a festividade e o bolo de
quatro andares. Uma extrema perda de tempo e de dinheiro organizada pela minha futura esposa, que
prefere chamar esse circo todo de casamento.
Alguém me puxa pelo braço, carregando-me até um local mais aos fundos. Enrico.
— A tradição não é essa — diz, segurando um charuto entre os dedos. — A noiva é quem se
atrasa, Ettore.
Dispenso seu comentário com um gesto de mão.
— Preciso de um uísque. — Sinto a garganta seca.
— Agora não — adverte, soltando a fumaça longe do meu rosto. — Giovanna estava à beira
de um colapso. Vamos logo casar você — ordena, indicando para o altar.
Reviro os olhos e suspiro, caminhando até lá enquanto penso no que meu irmão disse.
Giovanna estava à beira de um colapso. Travo o maxilar, perguntando-me porque raios ela estaria
“à beira de um colapso”. Nós mal nos conhecemos. Se trocamos duas dúzias de palavras desde que
esse matrimônio foi acordado, foi muito. Talvez sua preocupação seja mais com a humilhação que
sentiria se desistisse de me casar com ela no dia do casamento do que por qualquer outro motivo.
Obrigo-me a parar de pensar sobre isso e me disponho no meu lugar. Só demora mais cinco
minutos até que a garota surge na ponta extrema oposta do tapete vermelho, enroscada aos braços do
pai — um homem maior do que ela em largura apenas —, caminhando na minha direção.
Não posso ver seu rosto, coberto pelo véu branco do vestido de noiva comportado. O velho
De Santis finalmente termina o caminho e me entrega sua filha, esticando a mão dela para mim. Olho
fixamente para sua mão delicada, branca, parece-me até que é macia, de unhas fortes, bem tratadas e
pintadas de branco.
Então, eu me recuso.
Recuso-me a tocá-la. Recuso-me a aceitá-la como minha mulher porque uma parte de mim,
isso se não toda a parte de mim, ainda pertence a Maggie. Isso não é um casamento. É um contrato.
Uma anistia. Uma garantia de paz. É tudo. Menos a porra de um casamento.
Por isso, eu me nego a pegar na sua mão e ajudá-la a subir os dois pequenos degraus para o
altar. Tudo que faço é dar um passo ao lado e me virar para o padre, querendo que esse maldito dia
acabe logo de uma vez. Ouço os burburinhos atrás de mim enquanto Giovanna se ajeita ao meu lado a
um palmo de distância.
A cerimônia começa. É uma maldita tortura. São longos trinta minutos. Votos que não quis
trocar e os repeti mecanicamente. Na saúde, na doença e blábláblá. Giovanna tampouco pareceu
sincera ao repetir as mesmas palavras, sempre forçando um sorriso odioso para mim. Então, vêm as
alianças. Enrico é quem as traz. Quebro o protocolo de casamento quando pego o meu anel e coloco
em mim mesmo, esperando que ela entenda e faça igual. Giovanna, agora com o véu erguido, olha-me
de um jeito que não sei explicar, talvez furiosa pela minha recusa em tocar nela. Não sei. Não quero
saber.
— Pode beijar a noiva — o padre diz.
Meu coração dispara dentro do peito nesse momento de uma maneira dolorosa. Não farei isso
com Maggie. Não vou trai-la nesse nível. Dou uma risada interna pensando nas amantes que tive. Não
importa quantas vezes a traí. Eram só trepadas sem sentido. No fim do dia, era para Maggie que eu
ia, era por ela que meu coração batia. Meu pau subia para qualquer uma, mas meu coração só
acelerava quando se tratava da minha esposa.
Essa tola aqui na minha frente nunca substituir o amor da minha vida.
Aproximo-me vagarosamente dela. Vejo seu peito se comprimir, como se estivesse segurando
uma respiração, e desvio minha boca para seu ouvido, mantendo uma distância mínima, e sussurro:
— Você nunca terá permissão para me tocar. Fique longe de mim, Giovanna.
Não espero por sua reação. Afasto-me dela e fujo de toda essa babaquice de festa que vai
começar.
Um ano e meio depois
Ela geme feito uma vagabunda enquanto como com força seu rabo empinado para cima, ela
de quatro igual uma cadela. Pressiono seu rosto com mais força contra o colchão e me arremeto forte,
sentindo o gozo se formar nas minhas bolas. Saio de dentro dela, imediatamente, e arranco o
preservativo.
— Me chupa — ordeno, fazendo-a se virar para mim.
A desgraçada nem mesmo reluta em me abocanhar e me levar até o fundo. Seguro-a pelos
cabelos e travo sua cabeça para que eu possa me movimentar na sua boca. Um segundo mais tarde,
gozo na sua garganta em jatos longos e quentes. Ela tenta se afastar, mas a faço ficar no lugar e
engolir até a última gota de porra. Só depois disso me afasto, passando a cabeça do meu pau nos seus
lábios inchados. A garota tosse um pouco e se recompõe enquanto me levanto da cama e pego minhas
roupas espalhadas pelo quarto.
— Você já vai? — Estirada no colchão de pernas abertas, seus dedos tocam a boceta rosada.
— Nem me fez gozar, Ettore.
Visto minha calça e puxo a carteira do bolso traseiro. Retiro alguns dólares e jogo na cama.
— Não te procurei para você gozar — digo, colocando a camisa no corpo.
A garota faz uma cara de ultrajada, olhando-me como se eu fosse a pior espécie de homem do
mundo. Bem, talvez eu seja. Ela desdenha do meu dinheiro, chutando-o para longe de si.
— Não sou uma prostituta.
Abro um sorriso cínico, terminado de abotoar o colete.
— Mas gemeu feito uma.
Não espero por sua resposta furiosa. Deixo o quarto de hotel muito antes disso. Pago a conta
na recepção enquanto o manobrista vem com meu carro. Dirijo até minha boate, fechada a essas
horas do dia, e estaciono na rua de trás. Colo a testa contra o volante e inspiro fundo, precisando de
um segundo antes de começar meu dia.
Não entendo o que acontece comigo. Não entendo mesmo. É um sentimento estranho de pura
angústia e solidão como nunca senti uma vida toda. Não importa quantas pessoas estejam me
rodeando, não importa que é a coisa mais fácil do mundo conseguir me meter entre as pernas de
qualquer mulher que eu quiser ter. Nada, absolutamente nada, é capaz de arrancar isso de dentro de
mim. Essa mistura de rancor, tristeza, puro ódio. Os ingredientes perfeitos para me transformar na
pior pessoa do mundo. Um verdadeiro monstro. O mostro dentro de mim que me transforma com
facilidade quando alguém me arranca do sério. Não que algum dia da minha vida eu tenha sido
qualquer cidadão honesto e pacífico. Não. Mas a proporção com que facilmente perco a paciência, o
modo extremamente violento até para mim com que tenho agido ultimamente e as explosões de raiva
e a cólera que me tomam por inteiro com o mínimo de qualquer porcaria são grandes demais e me
deixam assustado. Um homem desequilibrado e irracional não é bom nem mesmo para um mafioso.
Foi isso o que me tornei desde que perdi Maggie e Santino. A porra de um homem
desequilibrado e irracional, que surra o primeiro filho da puta que ousa o provocar. Não gosto disso,
desse sentimento sombrio dentro de mim, dessa escuridão corrompendo cada parte da minha alma já
naturalmente obscura.
Expiro bem devagar, dizendo a mim mesmo para entrar lá e apenas dar um recado leve, que
não devo passar dos limites porque Enrico não vai gostar nada, nada do meu comportamento
explosivo. O mesmo comportamento que quase colocou tudo a perder dia desses.
Desço do carro e caminho para dentro da boate. O lugar é escuro mesmo durante o dia.
Alguns funcionários fazem a limpeza do lugar, outros contam e repõem estoque, outros conferem
mercadoria que foi descarregada, e tem um responsável repassando a escala da semana. Um negócio
limpo, lícito, dentro da lei, que serve apenas de fachada para lavagem de dinheiro. Passo por todos
eles, sem ser incomodado ou abordado, e vou até os fundos do local. Frente a uma porta de aço de
folhas duplas, dois homens enormes fazem a segurança.
— Já o trouxeram? — pergunto.
— Sim — o da esquerda, com os braços cruzados frente ao quadril, responde.
Aceno, e eles me dão passagem, abrindo as portas. Lá dentro, entre mesas, sofás, cadeiras e
prateleiras de bebida — um ambiente onde os caras se reúnem para jogar e planejar atos ilícitos —
eu o vejo. Giordano está nu, como sempre preferimos deixar nossas vítimas, suspenso pelos
tornozelos amarrados a uma forte e resistente corrente de aço amarrada ao teto.
— Per favore — o cuzão suplica quando nota que entrei. Mal dei dois passos para dentro e
ele sabe que está fodido nas minhas mãos. — Per favore, Ettore, tenha piedade…
Aproximo-me vagarosamente, calmo feito o diabo, concentrando toda a minha raiva nos
pulsos. Só uma lição, reforço, enquanto puxo uma cadeira e me sento de frente para ele, de ponta-
cabeça. Não demora até que um dos seguranças que estava lá fora venha até mim, trazendo o que
preciso nessas ocasiões. Um copo de uísque e um charuto. O tabaco já está aceso quando me entrega;
e a bebida alcóolica, na minha outra mão, tem exatas três pedras de gelo, como gosto.
— Eu me pergunto — começo com um tom despretensioso — como conseguiu ser tão imbecil
a ponto de querer enganar um Martini.
Giordano não fala nada. Tenta me olhar, mas a posição desfavorável e a diferença de níveis
em que estamos não colaboram muito. Trago meu charuto profundamente e solto a fumaça no ar.
Depois, saboreio o uísque.
— Posso me explicar — o infeliz diz.
Dou uma risada cáustica.
— Claro que pode, mas não vai. — Inclino sobre meus joelhos. Assim, consigo contato
visual. Nas suas íris, vejo o pavor de um rato encurralado, prestes a ser morto com diversas
pauladas. Rato miserável, é isto que Giordano é. Um maldito rato miserável. — Não quero a merda
das suas explicações, capisce?
Ele me ignora.
— Ettore, eu me envolvi com uns malditos mexicanos e…
Irado, não o deixo continuar. Enfio a ponta acesa do charuto na sua bochecha. O homem grita
e se rebate, desesperado.
— Eu disse que você não vai se explicar — falo entredentes, começando a perder a linha
com esse maldito. — Não me interessa se estava enchendo o cu de cocaína e passou a dever até a
puta da tua mãe para os malditos mexicanos, sí!? — Estou cheio de raiva, forçando o tabaco aceso
cada vez mais forte na maldita cara dele. — Não. Se rouba. Um. Martini.
O charuto cai das minhas mãos para o chão. Sinto meu coração ribombando dentro do peito, a
ira serpenteando por minhas entranhas e tomando cada centímetro do meu corpo, cada célula do meu
organismo. Observo um pouco do estrago feito pela queimadura. Rato dos infernos. Era um maldito
da minha confiança, que coletava nossos lucros e taxas mensais na região e os trazia para mim. Meu
contador começou a notar ligeiros desfalques e me comunicou. De início, acreditei que os associados
e comerciantes estavam me passando a perna. Acreditei mesmo porque sempre a palavra de um
membro da famiglia vale mais. Ao confrontar Giordano, ele me garantiu que tudo o que tinha
recebido era aquela quantia. Então, considerei que os desgraçados estavam tentando me enganar. Foi
em um desses momentos que explodi de raiva e soquei um infeliz até quase a morte. Isso deixou
Enrico furioso porque era um dos nossos melhores colaboradores. O uso de violência tão extrema
poderia fazê-los se virar contra nós, até ferir nossos princípios e ajudar as autoridades a nos
derrubar.
Descobrimos, armando um esquema para pegar o rato traidor, que o maledetto do Giordano,
um dos soldados mais fiéis do nosso círculo, é quem estava desfalcando as quantias. Agora aqui
estou eu, sujando minhas mãos com alguém tão insignificante para lhe dar uma punição à altura.
Deveria deixar o serviço para o seu capitão responsável, mas eu preciso disso, preciso da sensação
da tortura cruel correndo pelas minhas veias, da sensação de poder e dominação, preciso ver esse
medo nos seus olhos. Preciso, ou vou enlouquecer. Preciso descarregar essa cólera dentro do peito
que não passa, não vai embora. Muito pelo contrário. Cada vez mais cria raízes em mim,
obscurecendo toda a minha razão, o bom senso, tomando minha alma e me condenando ao inferno.
Eu vinguei a morte de Maggie, mas a vingança não me trouxe nenhum tipo de satisfação
prolongada. Senti prazer quando encurralei o velho Bianco naquela casa e o torturei por vários dias
até a morte. Entretanto, foi momentâneo. Desde então, não tenho um maldito segundo de paz e preciso
estar constantemente agindo contra algum figlio de puttana.
— Ettore — o bastardo suplica —, posso pagar tudo que peguei, posso, sim. Te lo giuro. —
Como se sua jura de merda me valasse alguma coisa.
Ergo o pé direito e apoio contra seu queixo, pressionando-o para baixo com toda força. Vejo
Giordano arregalar os olhos enquanto sente os músculos do pescoço esticarem ao máximo com a
pressão. Ele começa a se engasgar, e o corpo se rebate nas correntes. Pressiono com mais força até
sentir que desloquei a porra da sua mandíbula, talvez até alguns dentes. O homem chora feito um
marica. Cesso a pressão e me ponho na sua altura outra vez.
— Vai pagar, Giordano, cada maldito dólar que pegou da famiglia, e depois será banido.
Deveria matar você, deveria mesmo. Sua sorte é que Enrico não quer punições arbitrárias assim,
sabe? O teu erro não é passível de punição com morte, então… — digo, deixando a frase no ar e me
levantando. — Você se livrou dessa.
Assobio. Um segundo mais tarde, o segurança da porta aparece. Aponto para as correntes, e
ele compreende o que quero. Libera o rato de esgoto para mim, que cai no chão, desengonçado feito
um saco de batatas. Ele respira com dificuldade, nem mesmo consegue manter os olhos abertos, e
parece atordoado por ter ficado tanto tempo suspenso pelos tornozelos. Apoio o pé na sua garganta e
emprego um pouco de pressão.
— Não pense que sairá daqui sem uma lição, maledetto — ameaço, apertando mais sua
garganta. As mãos dele voam para o meu calcanhar, tentando afrouxar o golpe. Isso, agonize filho de
uma puta! Esmago-o mais um pouco, deixando a raiva que corre por mim se libertar neste ato. — Vai
sumir de Vegas, Giordano. E giuro su Dio, se te ver no meu território outra vez, mato você sem
nenhuma piedade, me ouviu?
Ele mal consegue abanar em positivo. Solto-o e o puxo para mim, deixando-o de pé. O
primeiro soco atinge o rosto, bem no olho. Os demais, cada vez mais fortes e mais rápidos, não faço
ideia de onde o acertam. Enquanto o soco impiedosamente, só consigo ouvir o som dos ossos da sua
cara quebrando.

Risadinhas futriqueiras ecoam pela minha sala assim que chego em casa. Paro ao atravessar a
porta, vendo Giovanna de conversinhas com Antonela Martini, a esposa de Enrico, a irmã de Maggie,
filha de Dario, don do clã Parisi. Engulo em seco enquanto observo as duas, meus olhos mais fixos
na minha cunhada do que na minha esposa. É evidente que a Parisi tem traços muito marcantes e
semelhantes aos da irmã. Traços que me trazem recordações e dores que preferia não vivenciar. Ao
lado delas, sentadinho no tapete no centro do ambiente, o filho de Enrico, ainda um bebê com quase
um ano, distrai-se com alguns brinquedos para sua idade.
— Ettore? — Giovanna me chama e, finalmente, desvio o olhar para ela.
Não posso negar a beleza da jovem De Santis, muito realenga e de traços aristocráticos.
Olhos verdes, cabelo loiro, nariz perfeito, rosto simétrico, lábios finos e naturalmente rosados. A
maquiagem diária realça seus atributos naturais. Não me recordo de tê-la visto, em algum momento,
sem essas máscaras, cílios e sombras no rosto. A verdade é que eu mal a vejo. Passo boa parte do
dia cuidando dos negócios do meu clã, auxiliando meu irmão em qualquer coisa que ele precise,
bebendo uísque e comendo algumas putas nesse meio-tempo. Saio de casa quando ela ainda está
dormindo e volto quando já foi se deitar. Raramente esse tipo de encontro como o de agora acontece.
Dormimos até mesmo em quartos separados.
Fiz um juramento de nunca a tocar. Ela nunca teve permissão para tal coisa. De nenhuma
forma. Nunca a beijei. Nunca segurei sua mão. Nunca acariciei suas bochechas ou cabelos.
Logicamente, nunca tirei a virgindade dela, mesmo que uma das condições do nosso casamento tenha
sido gerar um herdeiro para nos fortalecer. Permanecerá assim por todo o tempo que isso durar. Fui
compelido a me casar outra vez, quando ainda estava de luto pela minha primeira esposa, em nome
da famiglia Martini. Aceitei visando vingar a morte de Maggie e Santino. Nem mesmo fiz por Enrico,
o desgraçado que mais se beneficiou oferecendo seus irmãos em casamento. Foi tudo por mim e pela
memória da minha falecida mulher.
— Está tudo bem com você? — ela pergunta, saindo do seu lugar no sofá e vindo na minha
direção.
Como um alerta dentro de mim, recuo dois passos. Ela nota e para a poucos metros de mim,
estudando-me. Analiso seu questionamento. Giovanna nunca demonstrou qualquer interesse desse
tipo. Não a culpo. É um casamento de conveniência e não faço muito por agradá-la. Não a trato mal,
mas simplesmente a desprezo e não estou nem aí para isso. Foda-se. Na mesma medida, minha jovem
esposa ignora minha presença tanto quanto é possível. Bem ou mal, posso dizer que temos uma boa
convivência. Ela não me enche o saco, não tenta se impor por causa das minhas amantes, não me faz
perguntas demais e nem me atormenta. Apenas vive a droga da sua vida perfeita, regada a dinheiro e
luxo que eu conquisto para ela.
Essa merdinha não tem mesmo do que reclamar.
— Não esperava que estivesse em casa — digo apenas, caminhando até o bar, e cumprimento
Antonela com um aceno rápido de cabeça. Sirvo-me com um uísque e completo: — Me disse que ia
visitar o seu pai.
— Eu ia — diz, voltando para o seu lugar perto da amiga. — Mas papai me ligou de última
hora e avisou que não estaria em casa. Alguma reunião súbita com Enrico. Aliás, me surpreende que
não esteja com eles, tratando seja lá o que estejam tratando.
Bebo um gole do álcool, pensando a respeito. Enrico não me ligou. Ou me ligou e eu que não
vi? Confiro meu celular e há uma porção de chamadas perdidas — por causa do modo silencioso —
e algumas mensagens.
“Onde você está?”
“Preciso do meu subchefe, agora, no Paradise Casino & Hotel.”
“Ettore, traga logo essa bunda para cá.”
Afasto-me rapidamente, retornando as ligações do meu irmão, e não dou mais nenhum minuto
da minha atenção para Giovanna. O desgraçado atende no primeiro toque, como a merda de um cão
raivoso, injuriando a mim e toda a minha geração. Ele me pergunta onde estive esse tempo todo.
— Comendo uma putinha e depois fui dar uma lição no Giordano — respondo. — Uma boa
trepada e torturar um filho da puta, Enrico. Duas coisas que um bom Martini ama fazer.
O filho da puta parece se acalmar com a justificativa do meu paradeiro. Então, pergunto o que
há para que tenha organizado uma reunião tão às pressas.
— É uma coisa com os russos. Só falta você aqui para começarmos. Venha logo ou vou aí e
te dou um tiro no rabo.
Dou uma risada ácida e desligo depois de dizer que já estou a caminho.
Passo pela sala. Giovanna e Antonela voltaram a fuxicar. Não me despeço. Ela tampouco se
importa com isso e nem faz qualquer pergunta sobre meu retorno ou coisas assim.
Apesar de tudo, gosto dessa porcaria que chamo de casamento.
No escritório do Paradise, Enrico está sentado atrás da mesa, fumando um charuto e bebendo
uma dose de uísque enquanto conversa com Giovanni, seu mentor. Os capi dos demais clãs da
famiglia também já estão aqui, rodeando o capo dei tutti capi. Romeo De Santis, com seu corpanzil,
ocupa seu lugar de sempre, dentro de um terno grande e suspensório, e ri como um porco velho de
alguma coisa que o velho Dario Parisi acabou de dizer. Os homens param de conversar quando notam
que cheguei e estou parado à porta, observando-os. Meu irmão mais velho acena para mim e me
aproximo, tomando meu lugar à mesa, silencioso.
— Agora que estamos aqui, precisamos falar sobre os russos.
— O que tem esses putos vermelhos? — pergunto, pouco paciente ao se tratar deles.
A Mahyas D’Arezzo propriamente dita nunca entrou em qualquer conflito com os russos, mas
eles entraram em conflito com outras famílias italianas, então somos inimigos só por conta de nossas
ancestralidades.
— Temos uma chance de fecharmos um bom negócio — Enrico se pronuncia, girando de um
lado a outro na sua cadeira.
Franzo o cenho e me viro para os demais chefes, para saber o que pensam disso tudo. Não é
possível que estejam mesmo cogitando aceitar compactuar com os inimigos vermelhos. A expressão
no rosto de Parisi e De Santis, entretanto, faz-me entender que já estão a par do assunto.
— Como pretende fechar um bom negócio com os putos dos russos? — Quero saber.
Ele se levanta do seu lugar, a mão em torno do copo de uísque e o charuto preso entre os
dedos.
— Soube que há uma área na Espanha em que Sergei perdeu influência para os sérvios,
depois de um desentendimento entre os clãs que não procurei entender — Enrico explica.
Ergo uma sobrancelha, curioso com o caso. Russos e sérvios são aliados há muito tempo,
amigos de longa-data. Surpreende-me que uma das famílias mafiosas tenham se voltado uma contra a
outra. Mas também não é incomum. Quando os interesses falam mais alto, nenhuma amizade é forte o
suficiente para suprir a ganância e sede de poder. Guerra entre máfias por mais influência, mais
poder, mais dinheiro e mais território é extremamente comum no nosso meio.
— A questão é que os sérvios expulsaram os russos dessa área da Espanha. Um território
bastante turístico e lucrativo, e firmaram aliança com a Yakuza. Sergei tentou recuperá-los, mas não
conseguiu. Ele ainda tem tentado e segue fracassando e perdendo homens. Está a ponto de sofrer um
colapso dentro da própria organização por conta dessa guerra e de outros problemas que está
enfrentando.
— Que pretensões tem com isso tudo?
Noto que só eu estou fazendo questionamentos. Não entendo por que estou sabendo disso
apenas agora. Talvez porque fiquei incomunicável nos últimos dias, tendo de lidar com o merda do
Giordano.
— Oferecer uma aliança. Ajudá-los a recuperar o terreno e influência e dividirmos os lucros.
O inimigo do meu inimigo deveria ser meu amigo — ele pronuncia, voltando-se para mim —, mas,
neste caso, o inimigo do meu inimigo é um inimigo em comum e vou jogar do lado mais fácil de
vencer.
Enrico abre um sorriso sacana, o charuto entre os lábios.
Então, entendo que ele tem planos diabólicos para os russos. Não é difícil compreender.
Enquanto a ideia vai assentando na minha mente, a sala fica em silêncio. Seria uma idiotice sem
tamanho tentarmos tomar essas áreas na Espanha sozinhos. É um território que não temos influência,
ao contrário dos sérvios e dos japoneses, mas nos unindo aos russos, igualamos as forças e temos
uma chance maior. Depois, quando assentarmos alguma influência sobre a região, é fácil usurpar a
parte dos putos vermelhos e monopolizarmos o poder.
Devolvo o sorriso sacana de Enrico, pensando que ele é um maldito filho da puta inteligente.
— É uma boa ideia — digo, objetando em seguida: —, mas como pretende ganhar a
confiança dos russos e firmar a aliança? Infelizmente, você não tem mais ninguém para oferecer em
matrimônio — ironizo, referindo-se a mim e a Giane.
Já estou malditamente casado, e nossa irmã desapareceu já tem algum tempo. Sabemos que
está bem, só não quer ser encontrada. Giane Martini nunca gostou dessa vida, sempre renegou nosso
sobrenome, e a coisa toda só piorou depois da guerra que travamos contra os Bianco.
— Com uma troca, é claro — Enrico responde, ignorando minha provocação, mas sei que não
deixou passar. Os olhos negros e raivosos sobre mim dizem isso.
— Pensamos em ceder alguns territórios em Vegas — Parisi se pronuncia pela primeira vez,
argumentando de uma maneira que confirma que não é de hoje que eles vêm arquitetando o plano. —
Deixá-los pensar que estão no poder, no controle. No momento certo, recuperamos os territórios
daqui, ao mesmo tempo que tomamos os da Espanha.
— Pode ser — pondero, mão no queixo. — Quando podemos conversar com eles?
Enrico volta ao seu lugar, o copo de uísque agora vazio. Apoia o charuto no cinzeiro e se
recosta à cadeira.
— Vamos marcar uma reunião com Sergei em Moscou. Tentei fazê-lo vir para cá, mas o
homem está sob vigilância extrema, tanto das autoridades locais e internacionais quanto dos
inimigos. O bundão tem medo de se expor e ser pego. A única saída é irmos para a Rússia. Os
homens dele estão fazendo um arranjo seguro para essa reunião. Vão nos informar quando tiverem
uma data.
— Quem deve ir? — indago, olhando para os demais chefes. Romeo segue calado, como um
cachorro abandonado. — Não é inteligente nós quatro irmos.
— Claro que não. Quero que você vá, Ettore.
Dou de ombros, sem pensar duas vezes.
— Tudo bem.
Meu irmão me dá um sorriso de orgulho.
— Deixe suas malas, passaporte e documentos falsos prontos. Assim que tivermos uma data,
você embarca no hangar da famiglia.
Sorrio um pouco, excitado com a perspectiva.
Estou mesmo precisando de um pouco de adrenalina.

Fecho o passaporte no qual meu nome de batismo foi substituído por uma identidade falsa. No
momento em que deixar essa casa, não serei mais Ettore Martini, mas Keelan Jones, apenas um
analista de risco viajando a trabalho. Nada de mais. O documento é verdadeiro, conseguido junto de
um dos nossos homens infiltrados no governo americano. Coloco-o dentro da minha mala e confiro os
demais documentos. Busco pelas as horas. Seis da tarde. Embarco amanhã de manhã. Preciso
descansar bastante hoje porque será uma viagem longa. Aproximadamente quinze horas. Talvez mais,
se fizermos escala, o que provavelmente vai ser necessário.
Uma batida na porta desvia meus pensamentos. Do outro lado, ao abri-la, dou de cara com
Giovanna. Ela está bonita dentro de um vestido que marca sua cintura, a maquiagem no rosto parece
ter sido refeita depois do banho. É estranho reparar nisso nela, conhecer essa sua rotina.
— O jantar está pronto.
Encaro-a um segundo.
Não é do seu feitio vir me chamar para nada. Aliás, nós dificilmente fazemos as refeições do
dia juntos. Semicerro os olhos na sua direção e cruzo os braços, compreendendo que há uma intenção
por trás.
— O que você quer?
Eu apostaria em dinheiro, mas isso não lhe falta. A garota carrega um cartão de crédito
ilimitado, além das transferências semanais que faço para sua conta, exatamente para que não
precisemos interagir com esse tipo de pedido. Giovanna não se faz de rogada, por isso diz:
— Papai me contou que vai a Moscou. — Apenas confirmo com um aceno. — Quero ir junto.
— A firmeza na sua voz me surpreende, preciso confessar.
Levá-la comigo, contudo, está fora de cogitação. Viro-me de costas para ela e fecho a mala,
sentenciando:
— Não. Você fica em Las Vegas. Estou indo a negócios, Giovanna, não a passeio. Capisti?
Giro outra vez na sua direção, esperando que acate com um mover de cabeça e pare de me
perturbar. Minha esposa, entretanto, não diz uma palavra. Apenas segue parada, de braços cruzados e
impassível. Ela não é muito de me contrariar, mas sua postura agora, com uma ligeira conotação de
arrogância demonstra que está fazendo exatamente isso: contrariando-me.
— Este casamento para mim significa o mesmo que para você, Ettore: absolutamente nada. Eu
me casei pelo bem da famiglia, para reforçarmos o laço de poder. Sei que se casou comigo pelo
mesmo motivo.
— Isso algum dia foi segredo? — questiono, com uma pitada de desdém.
Giovanna não parece afetada.
— Não. Mas a questão é que não te perturbo. Não faço objeção às suas amantes, não exijo
nada de você ou do seu papel como marido. No último um ano e meio tudo o que fiz foi te deixar em
paz, não foi?
Quanto a isso, não tenho do que reclamar. Giovanna realmente é uma esposa exemplar nesse
quesito. Temos uma convivência relativamente boa se considerarmos que a interação entre nós é
praticamente zero.
— O que quer provar com essa ladainha toda?
— Se eu for, nem vai se dar conta de que estou junto. Não vou atormentar, vou te deixar fazer
seu trabalho, vou me cuidar, não terá que se preocupar com nada. Só quero… — Ela faz uma pausa,
desviando os olhos e encolhendo ligeiramente o corpo. — Sair de Las Vegas um pouco. Papai nunca
permitiu que eu viajasse muito, sempre me protegendo.
Não seria prudente levá-la comigo, ainda mais ao território de um inimigo em potencial. Mas
eu me importo com a integridade dela? Obviamente não. Se por acaso essa garota se ferrar sozinha,
se acabar morta por qualquer motivo que seja, não vai ser problema meu e consigo me livrar desse
maldito casamento sem ferir as normas do acordo entre De Santis e Martini.
Então, por que não?
— Esteja pronta às seis da manhã. Não vou esperar ninguém caso se atrase — digo, passando
por ela.
Decoro as coordenadas de onde será o encontro com Sergei, marcado para daqui a duas
horas. Fixo os olhos por vários segundos no pedaço de papel que a recepção me entregou mais cedo.
O arranjo dessa reunião foi feito com todo cuidado do mundo, uma vez que o líder da máfia russa
está no alvo de inimigos do crime e de autoridades nacionais e internacionais.
O ponto será em um hotel perto da Praça Vermelha. O lugar não pertence aos mafiosos russos,
mas se trata de uma “proteção forçada” aos donos. Em Vegas, temos esse tipo de negócio aos montes
e é um dos que mais gera renda para a famiglia. Leio as instruções com cuidado pela quarta vez
porque tudo precisa ser feito com extrema sutileza e cuidado. O nome que devo dar no check-in, o
momento certo de ir até o bar do hotel e que drink pedir. Esperar um determinado tempo, tentando
não levantar suspeitas, enquanto degusto da minha bebida. Pedir uma segunda dose e a conta. Quando
o garçom me trouxer, vou receber as instruções para chegar até a sala secreta em algum ponto do
hotel onde faremos a reunião. Tudo meticulosamente planejado para a segurança de Sergei.
Fico no meu quarto da suíte dupla, aguardando o momento, um pouco ansioso por esse
encontro. Do outro lado do cômodo, ouço Giovanna aproveitando o lugar. Pede algo para comer,
assiste televisão, até ouço a jacuzzi sendo enchida. Como prometeu, quase não me dou conta de que
está comigo. Chegamos ontem de manhã aqui em Moscou e todo contato que tivemos foi apenas o
básico. Inspiro fundo e afasto os pensamentos da cabeça porque estou inclinado a ficar agradecido
por essa garota respeitar meu espaço. Ela não respeita meu espaço, ela apenas pouco se fode para
esse maldito casamento.
Uma última vez, confiro meus documentos falsos, repasso as coordenadas e instruções e
decido que é hora de ir. Na sala principal, eu a vejo deitada no sofá branco e macio, vestindo apenas
um roupão da mesma cor, enquanto come uma caixa de bombons. Ela me olha em uma posição de
ponta-cabeça, não exibe expressão nenhuma e volta sua atenção ao programa em inglês no National
Geographic. Por algum motivo desconhecido, aplico uma atenção exagerada nas suas pernas de fora,
que brilham por causa de alguma loção que deve ter passado e que agora impregna o ar com seu
aroma irritante.
Começo a sair quando ela me interrompe:
— Alguma instrução para mim caso não volte?
Paro meu caminho a um metro da porta e não me viro na sua direção. Compreendo sua
pergunta, em um tom completamente despreocupado, como se estivesse perguntando o que cozinhar
para o almoço, não que está sugerindo que posso não voltar vivo dessa reunião. É uma possibilidade.
Estou sujeito a insurreições até dos ítalo-americanos aliados, é claro que estarei sujeito a uma
armadilha dos inimigos.
— Os seguranças foram bem treinados e vão saber agir. Mas, de qualquer forma, aconselho a
ligar para seu pai. Ele também saberá como contornar a situação e te tirar daqui sem um arranhão —
instruo.
— Está bem.
Fico aqui mais um segundo antes de finalmente partir.

O garçom do restaurante do hotel me guia até Sergei depois de todos os procedimentos.


Claramente não é um funcionário do lugar, e sim um agente da máfia russa incumbido de me levar ao
seu líder. É um homem da minha altura, talvez uns dois centímetros mais alto, dentro de um terno
preto bem ajustado. Por baixo da gola da camisa branca, vejo o indício de uma marca de tatuagem na
nuca.
Tomamos o elevador e descemos alguns patamares além da garagem subterrânea. Agora,
caminhamos por um corredor um pouco estreito, de paredes rústicas e mal iluminado. Também é
ligeiramente abafado. Não demora mais que alguns segundos até ele parar frente a uma porta de
madeira maciça que parece pesada e abri-la, empurrando-a com os ombros. Lá dentro, há uma mesa
de blackjack rodeada por alguns homens que bebem, riem e fumam. O “garçom” diz alguma coisa em
russo e, de repente, tudo fica em silêncio, os olhares dos putos sobre mim. Mantenho-me impassível,
sem demonstrar qualquer emoção. Não é difícil porque, de fato, não me importo. Não sinto medo,
nem raiva, nem nada.
Como resposta ao que o homem que me trouxe até aqui disse, um dos mafiosos da mesa se
levanta e vem até mim. Para a dois centímetros de distância e me avalia meticulosamente. Com um
gesto, pede para que eu erga os braços e afaste as pernas. Faço o que me pede. Ele me revista por
completo, passando a mão também nas minhas costas, coxas, no meu saco e na minha bunda,
apertando-a. Deve ser veado para gostar de apalpar assim, esse filho da puta.
— Está limpo — o que me revistou diz em inglês com forte sotaque russo. — Sergei te
espera. — Movimenta a cabeça em direção a um ponto atrás de si.
Sou levado até lá, onde tem uma segunda porta. Atrás dela, está o chefe da Máfia Vermelha.
Sergei é um homem mediano, de cabelos pretos grisalhos, na casa dos cinquenta e tantos anos, que
tem péssimo gosto para ternos, dado ao que ele está vestindo agora: uma peça larga no seu corpo
raquítico, na cor marrom com uma gravata vermelha.
— Ettore Martini. — Sua voz tem aquele sotaque carregado que me desagrada.
O homem não se move por um longo segundo, apenas me observando de cima a baixo
enquanto o encarregado de me trazer aqui se retira. Às suas costas, erguem-se duas figuras
imponentes e ameaçadoras. Dois homens de braços enormes, de bigodes Fu Manchu cheios, cabeças
lustrosas, bandana vermelha amarrada à testa, óculos escuros e usando coletes Kevlar sobre camisas
pretas, calças jeans escuras e coturnos de combate garantem a segurança do chefão, cada um
segurando uma metralhadora Kalashnikov. AK-47, para os leigos. Além disso, nos meus flancos, sob
a penumbra, demoro a notar, outros homens me rodeiam. Pelo menos quatro de cada lado do cômodo.
— Não se preocupa — Sergei diz, levantando-se. Ele pega um charuto sobre sua mesa, já
aceso, e dá uma tragada profunda. O puto faz um gesto para um dos seus homens. Em dois segundos,
está do meu lado, segurando um tabaco e um isqueiro. Aceito e também trago um pouco da nicotina.
— Eles são da família. Homens meus. Meu braço direito, Nikolai Pushkin. — Aponta para o tal, uma
figura alta, de terno mais ajustado que o dele, e brincos na orelha. — Estão aqui para ouvir sua
proposta, Ettore Martini, junto comigo.
— Certo. — Maneio a cabeça. Ele não é burro. Eu teria feito o mesmo e me precavido.
— Você tomar vodca? — Sergei oferece. Antes que eu responda, ele estrala os dedos, e um
homem aparece trazendo uma garrafa e copos.
Dispenso com um movimento de mão. Não vou arriscar ser envenenado. Sergei diz algo em
russo. O homem o serve com uma dose. Ele volta para atrás da sua mesa e aponta a cadeira para que
eu me sente. Aproximo-me, atento aos dois brutamontes em pé atrás do chefe, e aceito o lugar.
— Faça sua proposta, Ettore Martini.
Repasso a Sergei o que combinei com a famiglia nos Estados Unidos. Ele me ouve
atentamente, sempre girando de um lado a outro na sua cadeira, o indicador roçando os lábios,
bebendo esporadicamente doses de vodca que lhe servem.
— É uma proposta interessante — assume, depois de alguns segundos em silêncio desde que
terminei. — Mas preciso pensar. Não é muito do meu feitio fazer alianças com inimigos.
— De quanto tempo precisa?
— Um dia deve ser o suficiente para conversar com meus homens, ouvir o que acham,
debater com Nikolai. Volte amanhã, no mesmo horário. As instruções são as mesmas.
Assinto e me levanto, prestes a sair. Mal giro o corpo e estaco, atendendo a um “Espera” de
Sergei. O homem sai de trás da sua mesa e vem até mim. Estica o braço para o tal do Nikolai, que lhe
entrega um par de cartões magnéticos pretos. A única coisa que há no cartão é um pequeno S
dourado.
— Passe seu tempo se divertindo. Entregue isto na recepção do hotel e vão te disponibilizar
uma devushka pra você. — Franzo o cenho, sem compreender a palavra. — Uma garota —
esclarece. — Bonita, seios fartos, bunda grande. Você gostar, hã?
Pego os cartões e aceno.
No lado de fora do hotel, olho para a dupla nas minhas mãos. Sorrio um pouco.
Nunca comi uma russa.
Vamos mudar isso.
Volto para o hotel logo depois da reunião com Sergei. Eu podia ter seguido seu conselho e
aproveitado a devushka que estaria à minha disposição apenas mostrando o cartão na recepção, mas
decidi que farei isso depois. Primeiro, preciso comunicar Enrico dos últimos acontecimentos.
Ao chegar, jogo meus pertences sobre a mesa de centro — carteira, dinheiro e chaves do
carro alugado — e não encontro Giovanna. A suíte toda parece silenciosa demais e, não podendo
segurar minha curiosidade, verifico seu quarto — separado do meu — e constato que, de fato, não
está. Não me preocupo com seu paradeiro — mas também não deixo de me perguntar por que seu
segurança não me informou de cada passo dela — e sigo para meus aposentos. Sento-me na cama um
instante, baixando a cabeça e inspirando fundo, precisando desse momento sem um motivo aparente.
Então tiro o paletó, sirvo um uísque que encontro no minibar e acendo um charuto que trouxe comigo,
embora uma das regras do local seja não fumar nos quartos.
Foda-se.
Apoio o copo na mesinha de cabeceira — o gelo que começa a derreter transpira no vidro e
deixa uma marca na madeira — e saco meu celular do bolso, discando o número do meu irmão.
Espero alguns toques, que não são atendidos. Tento de novo. Ele atende, com um rosnado raivoso,
quando estou quase desistindo outra vez.
— São três da manhã em Vegas, seu maldito filho da puta.
Não seguro uma risada maior.
— Acordei a Bela Adormecida? — provoco, soltando a fumaça do tabaco no ar e
caminhando até a sacada do quarto. Apoio-me contra a balaustrada e admiro a paisagem do lado de
fora.
— Ettore. — Meu nome nos seus lábios é uma mera advertência.
— Está bem. Liguei para avisar que acabei de vir da reunião com Sergei.
Ouço um farfalhar do outro lado da linha, como se ele estivesse se levantando da cama. Meu
irmão não diz nada por um ou dois segundos, o que me dá a entender que se afastou de Antonela para
conversar comigo. Enrico não fala de negócios perto de mulheres, exceto Brooke, sua amante.
— Ele aceitou o acordo?
— Ainda não. Disse que precisava analisar a proposta, conversar com os homens dele. Essas
coisas. Vamos nos encontrar amanhã de novo. — Dou outra tragada no charuto, agora mais devagar,
apreciando o momento.
— Russo desgraçado — resmunga. — Espero que volte com um tratado, Ettore. Ou teremos
perdido tempo.
Dou de ombros. Não me importo muito em ter perdido tempo. Estava mesmo precisando dar
uma arejada.
— Vou fazer o meu melhor para convencê-lo. — Não darei meu melhor em nada. Se Sergei
não quiser essa aliança, eu é que não vou persuadi-lo do contrário. — Se ele não aceitar, pelo menos
minha viagem para cá não terá sido um desperdício total.
— Do que está falando?
— Vou foder uma prostituta russa. Sergei me deu uns cartões pretos que são tipo um passe-
livre pra isso. Basta que eu apresente lá no hotel e terei uma puta para me chupar — conto e volto
para dentro. Sento-me na cama e pego meu copo de uísque com a mão que seguro o charuto entre os
dedos.
— Então, faça bom proveito, já que tem uma bela esposa e se recusa a comê-la.
Fecho o semblante. Ele sempre vem com essa provocação idiota para meu lado.
— Eu me recuso e seguirei recusando — rebato, precisando de um gole generoso do uísque.
O líquido parece descer com dificuldade, como se fosse viscoso, e engulo um nó que,
inexplicavelmente, forma-se na minha garganta. Depois, dou uma última tragada na nicotina antes de
apagá-la no cinzeiro sobre a mesa de cabeceira e deixá-la ali, ao lado do copo vazio. — Giovanna
vai morrer sem saber o que é ter meu pau na boceta dela. Não que ela esteja realmente muito
preocupada com isso.
— Ainda acho que isso é um desperdício, Ettore. Ela é sua esposa e…
— … e nada, Enrico. Ela também não faz muita questão. Estamos quites. Além disso, a última
coisa que quero é que Giovanna abra as pernas para mim por pura obrigação. Se eu fosse foder
aquela garota, ia ser completamente consensual.
Penso em acrescentar “Como era com minha primeira esposa”, mas sufoco essas palavras.
Posso ser escroto em alguns aspectos, cruel em outros, mas não tolero estupro. As lembranças de
Maggie preenchem minha mente e, quando dou por mim, estou me recordando dos nossos primeiros
meses de casado, em que fui paciente em conquistar sua confiança e carisma o suficiente para que me
abrisse as pernas. É claro que nesse meio-tempo me divertia comendo minhas amantes, porque sou
paciente e compreensivo, mas não sou de ferro, e me orgulho de dizer que respeitei o tempo da minha
mulher.
— Como você quiser, irmão. Desde que mantenha seu casamento e a cabeça no lugar, faça
ou deixe de fazer com sua esposa o que bem entender. Agora, se me permite, vou voltar a dormir.
Não tenho tempo de responder. Enrico desliga antes disso.
Continuo sentado na cama por mais alguns poucos segundos, degustando outra dose de uísque
que servi nesse ínterim. Pego os cartões pretos de Sergei, dentro do meu bolso, e os encaro por um
instante breve antes de colocá-los sobre minha cômoda perto do copo novamente vazio e ir tomar um
banho. Quando saio do chuveiro, ouço a voz de Giovanna no outro lado da suíte. Enrolo melhor a
toalha na cintura e vou até lá. Ela está descarregando algumas sacolas, o que dá a entender que foi às
compras e está conversando com alguém ao telefone. A garota percebe que estou aqui e me olha,
encerrando a ligação. Sua atenção se prende em mim, no meu tórax úmido e na linha da virilha. Ela
não tem vergonha ou receio de demostrar que está me comendo com os olhos.
— Você já chegou — diz, conferindo o conteúdo das sacolas. — Achei que a reunião com o
russo fosse demorar um pouco mais.
Analiso-a por um momento e, ignorando o que me disse, vou até o lado de fora. Volto e
pergunto:
— Onde está seu segurança? — Ele deveria estar na porta da suíte, como de praxe. Mas não
está. E me surpreende que Giovanna tenha saído. O protocolo é que eu seja sempre informado
quando ela sai. Seja aqui, ou em Vegas. O que não aconteceu, por isso estranhei. Não é preocupação,
é só… burocrático.
Não me preocupo com sua integridade física, mas se algo acontece a essa menina sem que o
pobre-diabo do seu guarda-costas esteja junto, vão me encher a porra do saco pelo resto da vida.
Trouxe dois comigo na viagem, um para mim, outro para ela, embora eu tenha dispensado o meu para
o encontro com Sergei, que exigiu que eu fosse sozinho. Mas ela não deve sair sem seu segurança.
Nunca. Ainda mais em terras inimigas.
— Ah, eu lhe dei um dia de folga.
Pisco duas vezes.
— Com que autoridade você o fez?
Giovanna ergue os olhos para mim e, sem se abalar, responde:
— Com a minha. — Uma sobrancelha dela sobe, a mão direita apoiada na cintura, naquela
maldita pose de menina mimada. — Disse que ia me cuidar bem sozinha. Então, ele me deixou em
paz. Você não deu nenhuma ordem expressa e incisiva ao homem sobre me vigiar vinte e quatro
horas, Ettore. Você sabe como são os novatos, não é? Demoram a aprender.
— O idiota deveria saber disso — respondo, entredentes, fazendo uma nota mental de falar
com esse imbecil mais tarde sobre isso, reforçar que sou eu quem manda nessa porra, não minha
esposa. Depois, quando chegarmos aos Estados Unidos, será devidamente dispensado por
incompetência. Porra, onde já se viu!
Giovanna se diverte, soltando um sorrisinho enquanto tira de uma das sacolas um conjunto
branco de lingerie. Ela estica a calcinha de renda muito fina na minha frente, para observar a
pequena peça, e eu, por algum motivo que seja, imagino-a vestindo esse pedaço de pano. Ela logo
passa para a próxima peça do conjunto, a cinta-liga, e minha mente mais uma vez me faz pensar nela
seminua, com essa maldita combinação. Afasto os pensamentos da cabeça.
— Preocupado comigo, esposo? — pergunta, em um leve tom de deboche, guardando a
calcinha e todo resto na sacola e abrindo outra. A nova peça é uma camisola curta. Não deve cobrir
mais do que parte de sua bunda.
Dou uma risada aguda e começo a voltar para o quarto para me trocar.
— Me preocupo com meu rabo, Giovanna. Porque é o meu rabo que vão comer se alguma
coisa te acontecer. Então, não faça nada estúpido capaz de me comprometer.

No banheiro do hotel que é nosso ponto de encontro, depois de descartar a camisinha, confiro
as horas no relógio. Minha reunião com Sergei é muito em breve e quero garantir não me atrasar por
causa de distração. Uma distração de peitos grandes e lábios carnudos que me atendeu ontem à noite
e agora à tarde. Confirmando que tenho tempo para um banho rápido, giro o registro do chuveiro e
entro debaixo da água quente. Cinco minutos depois, visto minha roupa e volto para o quarto. A
garota de programa continua deitada sobre a cama macia.
— Não temos tempo para mais uma? — pergunta, o inglês com forte sotaque que não
reconheço, mas pertence a alguma língua do tronco eslavo. Talvez seja uma polonesa. — Por minha
conta.
A oferta é tentadora, mas, de qualquer maneira, não sou eu quem está pagando. O cartão de
Sergei me absteve disso. Ajeito a gravata no lugar e abro um sorriso forçado.
— Adoraria, doçura, mas agora realmente preciso ir.
— Foi tão rápido hoje. — A reclamação vem junto de um beicinho, enquanto ela rola na cama
e brinca com a boceta.
Fixo meus olhos no seu sexo ao passo que abotoo o blazer, pensando na trepada de um quarto
de hora que tivemos aqui. Bem, estou bem acima da média mundial de cinco minutos e, de qualquer
forma, eu estava com pressa.
— Prometo voltar e te recompensar. — Inclino-me sobre a cama, próximo dela, e, com um
sorriso, completo: — Vou esfolar essa boceta como nenhum outro homem fez antes. Como ontem à
noite.
O gemido que sai dela é obsceno. Deixo-a para trás, divertindo-se com os próprios dedos.
Ao sair do quarto, no final do corredor, um vulto de cabeleira amarela acaba de virar a esquina. Por
algum motivo, pareço reconhecer a estatura da criatura e os cabelos ligeiramente ondulados. Franzo
o cenho, perguntando-me se estou ficando doido ou se ela de fato está aqui. Apresso o passo para
vencer os metros que nos separam. Ao virar a mesma esquina, deparo-me com ela dentro do
elevador, as portas se fechando. Seus olhos verdes arregalam ao notar que foi pega no flagra.
— Giovanna?!
Ela parece prender a respiração.
Corro na sua direção, querendo compreender que diabos está fazendo aqui. Veio atrás de
mim? Veio se meter nos meus negócios? Mas que inferno! Alcanço o elevador, mas não a tempo. As
portas se fecham sem que minha ilustre esposa mexa um músculo do lugar. Maledetta!
Tomo outro elevador e desço até o térreo, rezando para que a desgraçada não tenha parado
em outro andar só para me despistar. Para minha sorte, quando começo a percorrer o saguão
principal, vejo-a atravessando a entrada. Corro outra vez e contenho o ímpeto de envolvê-la pelo
punho e girá-la na minha direção. Ao invés disso, opto apenas por ultrapassá-la e bloquear seu
caminho.
— Aonde pensa que vai? — Giovanna está branca como papel. Fica claro que não esperava
que eu a descobrisse e que estivesse fazendo sabe-se lá o quê. Espionando-me? Seguindo-me? Atrás
de diversão? — Vai me dizer o que veio fazer aqui ou não?
A garota separa os lábios para contar alguma coisa ao mesmo tempo em que noto, por cima
do seu ombro, um sedã preto avançando pela avenida e fazendo uma baliza do outro lado da rua.
— Eu…
Minha esposa não tem tempo de terminar sua explicação. Assim que o carro estaciona e
desliga os motores, ele vai para os ares. O impacto da explosão lança Giovanna para longe de mim, e
eu também sou atirado na mesma direção. Caio ao lado dela alguns metros para dentro do hotel.
Meus ouvidos estão zunindo no instante em que homens de Sergei surgem — reconheço seu braço
direito e o veado que me revistou ontem — e correm até o carro agora em chamas. Nikolai grita algo
em russo. Levanto-me, ainda me sentindo zonzo, e bato a poeira da roupa. Uma recepcionista aparece
e ajuda minha mulher a se colocar em pé e perguntando se ela está bem. Giro na sua direção e dou
uma checada em seu corpo. A queda só lhe rendeu um corte pequeno acima do supercílio e aparenta
estar um pouco desorientada. Nada de mais. Não tenho a mesma preocupação de perguntar se ela está
bem e sigo até Pushkin, ainda gritando no meio da rua com alguns capangas.
— Nikolai — chamo-o —, era um de vocês?
O homem me olha furioso, como se fosse eu o culpado por esse ataque.
— O motorista era um pai de família honrado. O passageiro… era Sergei.
Recebo a informação com a mesma força que meu corpo recebeu a onda de explosão um
minuto atrás. É devastador. Enrico tinha mesmo comentado que Sergei estava na mira de alguns
inimigos, gente do seu próprio clã, as autoridades locais, internacionais e outros mafiosos. Fica
difícil saber quem, de todos eles, executou o chefão da Máfia Vermelha.
— É melhor dar o fora daqui, Ettore. — A advertência carregada de sotaque me traz de volta
ao mundo real. — A polícia vai chegar a qualquer momento. Vamos evitar ao máximo que Keelan
Jones seja vinculado ao chefe. Vá — ordena, movendo a cabeça.
— Minha reunião com Sergei…?
Nikolai solta um suspiro longo, quase impaciente.
— Vou te ligar, ainda hoje, para falarmos disso. Mas agora, preciso limpar essa merda toda
aqui. Suma, Ettore.
Acatando seu conselho, vou até Giovanna, ainda no saguão do hotel, e a intimo a irmos para
nossa hospedagem. Sem contestar, ela me acompanha até meu carro alugado. Acomoda-se no banco
do passageiro, passando o cinto, sem dizer uma palavra, quieta demais, pálida demais, assustada
demais, introspectiva demais. No mesmo modo silencioso, dirijo para nosso hotel, sem tocar no
assunto de ela ter me seguido. Tenho outras preocupações agora. Giovanna que não pense que
esqueci. Não esqueci. Não vou esquecer.
Na hora certa, teremos uma conversa.
As próximas horas me deixam apreensivo enquanto espero por uma ligação de Nikolai.
Penso em comunicar Enrico sobre a guinada de situação, mas resolvo esperar mais algumas horas.
Da última vez que liguei para ele, era madrugada em Vegas e meu irmão não ficou muito satisfeito em
ter sido acordado às três da manhã.
Poderia ter aplacado parte dessa angústia conversando com Giovanna para compreender por
que raios tinha ido atrás de mim, mas, quando chegamos, a garota disparou na minha frente e se
trancou no quarto. Está lá até agora. Não saiu nem para se alimentar. Seu comportamento desperta um
alerta dentro de mim e fico pensativo quanto às suas intenções e como, de novo, essa sem-vergonha
conseguiu sair sem seu segurança — que deveria me informar de cada passo dela.
É pensando nisso que procuro pelo desgraçado. Dei uma dura dele no dia anterior, reforçando
que preciso estar informado de todos os lugares que Giovanna vai. O rapaz — a droga de um garoto
de não mais que vinte e tantos anos!​ — assentiu vigorosamente e garantiu que nada daquilo mais ia
acontecer. Pelo visto, não é homem de palavra.
O guarda-costas está de pé do outro lado da porta da suíte, em posição ereta e quase
inabalável. Apesar de novo, é forte, com músculos alongados e bem definidos. Mas não é bem
treinado. Maldita hora em que me deram um soldado mal treinado. Na outra extremidade, está meu
próprio segurança, bem mais velho e experiente que o de Giovanna.
— Paolo, sì?
O rapaz acena, sem nem mesmo me olhar. Daqui, sinto o cheiro do medo que exala dele. Sua
coluna ereta, o terno preto bem ajustado, e os óculos escuros podem tentar passar uma pose
impassível e despreocupada, quase destemida. Por dentro, contudo, esse bunda-mole está se
cagando. Sei disso porque vejo como seus músculos estão tensos, as veias do pescoço mais
salientes, uma pequena gota de suor descendo pela sua têmpora.
— Pode me explicar por que mais uma vez não fui informado sobre a saída da minha mulher?
Leva um segundo até ele me responder, mantendo a posição e o olhar para frente.
— Acompanhei a senhora Martini até o restaurante do hotel para que ela pudesse almoçar.
Como ela não saiu das dependências, não vi necessidade de informar ao senhor. Antes de voltar para
o quarto, sua esposa quis usar o toalete do restaurante. Quando notei a demora dela, me dei conta de
que tinha fugido pulando a janela do banheiro.
Aperto a ponte do nariz e, em seguida, massageio as têmporas. A porra de uma garota de
quase vinte e dois anos conseguiu driblar um segurança.
— Por que não me ligou imediatamente?
— Não quis causar preocupação. Fui procurá-la e fazer uma varredura nas redondezas antes
de alarmar qualquer coisa. Quando estava prestes a informar…
—… nós chegamos — concluo, recordando-me de encontrá-lo no elevador no saguão,
quando íamos subir para a suíte.
A resposta de Paolo é um gesto de cabeça.
Ele ainda não me olha, mantendo a postura. Eu preciso fazer um esforço descomunal para não
o arrebentar na porrada agora mesmo. Sua incompetência poderia simplesmente ter colocado tudo a
perder. Tudo. Aperto os punhos com tanta força que minhas unhas começam a cortar a carne. Inspiro
fundo e me controlo. Perder a cabeça com Paolo não vai resolver. Ao menos, não agora. No momento
certo, esse bastardo descuidado terá o que merece.
— A partir de agora, quero ser informado de cada maldito passo dela, mesmo dentro do
hotel. Mesmo se ela estiver no banheiro e for para o quarto, quero estar ciente disso. Fui claro,
Paolo?
— Sim, senhor.
— Ótimo.
Saio de perto desse desgraçado antes que eu perca de vez a paciência. Mal dou dois passos
para dentro quando meu telefone toca dentro do bolso. É Nikolai. Já posso me encontrar com ele.
Sigo todo o protocolo e, em pouco mais de meia hora, estou na mesma sala subterrânea de antes. No
lugar de Sergei, na cadeira confortável, seu antigo braço direito parece o chefão agora. Noto sua
postura arrogante enquanto sou, novamente, revistado. Os mesmos outros dois seguranças, fortemente
armados, estão logo atrás dele, protegendo-o. Com um movimento de mão, assim que a revista acaba,
Pushkin oferece um lugar à sua frente. Aceito e não há nada a fazer a não ser esperar que diga se
vamos fechar uma aliança ou não.
— Antes do atentado — Nikolai começa, encurvando-se sobre a mesa —, Sergei, eu e alguns
dos nossos homens conversamos a respeito da sua proposta. Se não estivesse morto, ele estaria aqui
agora, te contando sobre o que decidimos.
— E o que decidiram?
Nikolai se recosta na sua cadeira outra vez.
— A não nos aliarmos. — Não estou verdadeiramente surpreso com sua recusa, uma vez que
era uma possibilidade, mas também não sei por que não acredito nisso. — Temos confiança de que
podemos recuperar nossas áreas de influência na Espanha sozinhos.
— Claro — digo, com uma pitada de desdém. — Como conseguiram todas as últimas vezes
que tentaram, certo?
Muito calmamente, Nikolai puxa uma gaveta na mesa e, de lá de dentro, retira um charuto,
preparando-o sem pressa.
— As coisas vão mudar por aqui agora, Ettore. Infelizmente, serei eu a ficar no comando da
Máfia Vermelha e estou dizendo: vou fazer tudo diferente e vou recuperar nossa influência em terras
espanholas.
Dou de ombros. Fiz minha parte aqui. Não tentarei ludibriá-lo do contrário. Se os russos não
querem uma aliança, então que se fodam sozinhos. Levanto-me, dando por encerrada essa reunião.
— Descobriram que atentou contra Sergei? Soube que ele tinha inimigos para todo lado.
Nikolai traga fundo o charuto, depois solta a fumaça lentamente.
— Ainda não. É cedo para descobrirmos qualquer coisa, mas vou pegar o filho da puta que
fez aquilo com ele, Ettore. E juro por Deus que esse maldito vai se arrepender do que fez.
— Mesmo se for um de vocês?
— Principalmente se for um de nós. Traição se paga com uma morte lenta e bastante
dolorosa. — A convicção na voz dele não me deixa dúvidas sobre isso. — Todos os envolvidos
serão executados como manda a lei. Até mesmo o maldito que conseguiu programar o explosivo no
carro para quando fossem desligados os motores, ao contrário do que se esperava.
— Preciso concordar que o desgraçado é um gênio. — A piada parece não o agradar. De
qualquer forma, não me desculpo. — Então, nada de negócios?
— Nada de negócios.
Dando por encerrada a reunião, volto para o hotel. Encontro os dois seguranças parados à
porta da suíte, quando chego, o que significa que Giovanna segue entocada aí dentro. Melhor assim.
No meu quarto, saco o telefone do bolso e ligo para Enrico. Ele atende, xingando-me porque em
Vegas ainda é muito cedo. Está mesmo na hora de esse vadio levantar e ir tomar conta dos nossos
negócios.
— Espero que tenha me acordado para dizer que tem uma aliança com os russos.
Sento-me na beira da cama, lutando para tirar o paletó enquanto seguro o celular.
— Sinto informar, mas não consegui. Tivemos um imprevisto.
— Que imprevisto?
Conto para Enrico sobre a morte súbita de Sergei, mas mantenho comigo a desconfiança de
que Nikolai mentiu para mim. Sergei parecia disposto a aceitar uma aliança; seu braço direito,
contudo, não aparentava concordar ou estar feliz com o interesse do homem em se juntar a nós. A
questão é que a palavra final seria do chefão. Que está morto agora. Pushkin, na liderança da Máfia
Vermelha, está fazendo a própria vontade e tenho quase certeza disso. Se ele não queria se aliar a nós
antes, agora que está no comando, muito menos.
— Volte para casa assim que possível.
— Ainda hoje, irmão. Não tenho mais o que fazer aqui.
Encerro a ligação e tomo um uísque enquanto solicito nossa partida. O jatinho estará pronto
às onze da noite. Com isso, preciso informar minha ilustre esposa para preparar as malas. Tomo um
pouco de ar e de paciência e vou até ela. Bato à porta do seu quarto e aguardo. Leva uns trinta
segundos até que abra a porta. Por algum motivo, prendo a respiração. Ela está dentro de um robe
azul de seda, curto demais para a minha sanidade mental. Vamos lá, posso não me importar com
minha mulher, mas Giovanna continua sendo jovem e atraente. E eu continuo sendo um homem com
um pau que funciona. Não sou de ferro.
É a primeira vez que passamos tanto tempo juntos em um lugar tão limitado como essa suíte,
embora o espaço tenha bem uns cem metros quadrados, talvez um pouco mais. Para os padrões da
nossa mansão em Vegas, é pequeno. Nós quase não nos encontramos dentro de nossa própria casa —
dada as proporções do lugar e o fato de eu passar muito tempo em serviço —, mas esses dois dias
aqui mudaram drasticamente essa situação. A começar que é a primeira vez que vejo minha esposa
em um traje desses.
— Apreciando alguma coisa? — A voz dela me faz voltar ao mundo real e só então me dou
conta de que estava a analisando de cima a baixo.
Subo meus olhos em direção aos seus e não gosto do divertimento que vejo nas suas íris
verdes.
— Nada que qualquer outra mulher não tenha — digo, tentando afetá-la. O que malditamente
não acontece porque a desgraçada mantém o sorriso convencido. — Arrume as malas. Vamos partir
ainda hoje.
— Fechou negócio com os russos? — pergunta, quando estou prestes a sair.
— Não.
Giovanna morde o canto do dedo indicador, parecendo pensativa. Estranho sua postura e o
interesse. Não é do feitio dela fazer perguntas acerca do trabalho da famiglia. Neste momento,
recordo-me da sua visitinha ao hotel. Dou um passo à frente, o que a faz notar minha aproximação e
recuar outro.
— O que estava fazendo atrás de mim mais cedo? — A mulher arregala os olhos e
empalidece. Engolindo em seco, desvia o olhar e fica muda. — Giovanna — pressiono de novo,
dando outro passo para dentro do quarto.
— Eu só estava… — começa a dizer e me dá as costas, caminhando até a penteadeira.
O movimento me dá uma visão da popa da sua bunda. Travo o maxilar e me amaldiçoo por
gostar do que vejo. A resposta completa não vem. Domado por um instinto desconhecido, eu me
aproximo mais, mantendo-me às suas costas e distante o suficiente para não a tocar.
— Vai me contar ou não? — insisto, começando a perder a paciência.
Ela se assusta e se vira para mim, os olhos verdes ainda mais regalados. Posso quase dizer
que, apesar da distância entre nós, sinto seu coração descompassado.
— Eu…— Dou um soco na penteadeira, cansado dessa gagueira toda.
— Conta de uma vez, caralho!
— Fui ver você! — despeja. Na mesma hora, leva as mãos à boca, como se tivesse contado
um segredo de estado.
Franzo o cenho, não compreendo o que “fui ver você” de fato significa.
— Foi me ver?
Giovanna fica muda de novo, talvez aproveitando-se que não compreendi o que quis dizer.
Deve estar pensando que é melhor não dizer nada e me manter na ignorância. Seria burro demais da
sua parte achar que não vou pressioná-la até arrancar tudo o que quero. Fecho o punho, erguendo-o
de novo.
— Garota, não me faça perder a paciência com você. Posso ter jurado nunca te tocar, mas não
pense que não quebraria essa promessa se tiver um bom motivo.
A infeliz empina o nariz. Ela entendeu o recado, não gostou nem um pouco e agora está me
desafiando.
— Não sou a Maggie, Ettore. — A menção da minha falecida esposa mexe com todos os meus
nervos a ponto de eu moer o maxilar ao sentir a raiva fervilhando dentro de mim. — Se ela era
submissa e aceitava apanhar de você, não pense que vou aceitar o mesmo.
Inclino-me mais na sua direção, sempre mantendo o espaço entre nós, fervilhando de ódio por
esta garota petulante. Essa pirralha não sabe de porra nenhuma da minha vida com Maggie. De porra
nenhuma! Minha aproximação parece assustá-la, que se encurva mais para trás, o tanto quanto a
penteadeira delimitando o espaço permite.
— Nunca precisei erguer um dedo contra Maggie porque ela sabia seu lugar. Ao contrário de
você. E mesmo se me desafiasse como faz, Giovanna, meus corretivos não se aplicam à esfera física.
— O que não deixa de ser escroto — cospe.
Dou outro soco no móvel, completamente insano.
— Abra a porra da boca e me explique o que quis dizer com “fui ver você”! — exijo,
erguendo a voz.
Preciso intimidá-la para que me conte, mesmo que precise blefar sobre lhe dar uns bofetões.
Não sou escroto nesse nível. Temos um código severo contra homens que agridem mulheres —
exceto em alguns poucos casos — e fui criado dentro desse código. São elas que gestam nossos
herdeiros, que cuidam deles e os ajudam a serem aptos para nosso mundo. Merecem mais respeito do
que qualquer outro homem na hierarquia da máfia.
— Te ouvi ao telefone com Enrico — conta, parecendo sem-graça. Noto isso porque não me
encara e molha o lábio inferior constantemente. — Te ouvi falar sobre a prostituta russa…
Penso por um segundo, porque não faz sentido nenhum. Ela chegou depois dessa ligação, não
foi? A menos que… tenha chegado antes e eu é quem não notei. Depois, só fingiu que tinha acabado
de vir das compras.
— … e sobre os cartões pretos.
Giovanna fica quieta, talvez esperando que a informação se assente na minha cabeça e eu
compreenda a dimensão da sua frase anterior. “Fui ver você”. Sinto uma pontada na cabeça, ainda
achando tudo muito confuso. Essa garota está me fazendo me sentir extremamente burro. Que caralho!
Penso em abrir a boca e mandar que me conte de uma vez, mas não é necessário. Olhando dos lados,
ela diz, muito hesitante:
— Eu… gosto de ver. Não seria a primeira vez. Digo, ver você seria a primeira vez. Não
seria…
— Espere — interrompo quando, por fim, entendo tudo. — Está me dizendo que foi até lá
para me ver trepando na prostituta russa?
Giovanna assente, muito devagar, ainda sem coragem de me olhar.
Fico sem reação, principalmente porque ela disse “Eu gosto de ver. Não seria a primeira
vez”. Quem diria que por trás desse rostinho doce e inocente tem uma voyeuse.
— Na ligação, disse ao Enrico que bastava apresentar os cartões “lá no hotel” para conseguir
uma prostituta. Supus que o hotel era o mesmo do seu encontro com os russos. Descobri o endereço
porque você comentou o nome do hotel com seu irmão, no jatinho, quando viemos. Supondo isso, saí
logo depois de você. Minha intenção era subornar um dos recepcionistas para um próximo encontro
porque sabia que ia ter outro. Enquanto estivesse desocupado, ia comer suas putas o quanto pudesse
aproveitar. — Nem posso discordar disso porque ela está certa. Até tinha mesmo combinado em
voltar compensar a devushka após minha conversa com Sergei. — Você já tinha ido na noite anterior
e depois te vi fazendo planos de sair mais cedo para ir hoje de novo, antes da reunião.
— Como pretendia me assistir? — Pego-me curioso. Olho para sua boca pintada de rosa
claro. Um artifício para esconder a safada que há dentro dela.
— Pensei em ficar escondida na suíte que você usaria, chegar antes, não sei. Fui até lá para
tentar encontrar um jeito. O recepcionista de plantão me contou que no quarto ao lado, tem uma…
uma abertura na parede. Aparentemente, aquele local serve exatamente para isso. Eu ia ficar lá e te
assistir.
A notícia não me deixa muito feliz. Se há uma forma de observar o quarto em que estive pelo
aposento ao lado, significa que a qualquer momento alguém poderia me observar.
— Foi bom me ver metendo na puta?
Giovanna respira com um pouco de dificuldade.
— Não vi. Não cheguei a tempo. Quando fui ao quarto te observar, você já estava se
vestindo. Saí na frente para ir embora, mas…
—… te peguei no flagra.
Ela não responde nada. Eu não me afasto, sentindo-me um pouco excitado com ela, com seu
desejo obscuro de querer me ver trepando com uma mulher.
— Me ver enfiando o pau em outra te deixa molhada? — provoco, por algum motivo que
desconheço. Minha voz sai sussurrada, próxima ao seu ouvido, e noto quando estremece. — Sua
boceta fica me desejando, Giovanna?
— N-não. — Sua voz sai engasgada. — Não é você. É o ato. Só tive… tive vontade de te
assistir. Como já fiz com outros casais.
Sorrio, afastando-me para olhá-la.
— Ora, quem diria que você seria tão safada, não é?
Ela faz cara de ultrajada.
— Sou virgem, não inocente.
Pego-me pensando se ela se diverte sozinha, e meu pau dá um salto dentro da calça ao pensar
nela deitada na cama, com as pernas arreganhadas, brincando com o próprio clitóris. Por que diabos
estou imaginando isso, pelo amor de Deus?
— Se apronte. Caso se atrase, vai ficar aqui.
Deixo-a para trás, desestabilizado por essa menina e sem entender o motivo.
Sinto o jet lag massacrar meu corpo quando desembarcamos em Las Vegas, pouco depois de
quatro da manhã, após quinze horas de viagem, com escalas. No hangar da família, uma frota de
SUVs nos aguarda para nos escoltar até em casa. Nossas bagagens são postas nos porta-malas e
seguimos caminho. Giovanna vai em um veículo, com seu segurança; eu vou em outro, com meu
próprio. São cinco horas quando, por fim, chegamos.
— Paolo. — Ele ajuda minha esposa com as bagagens e se vira para mim ao ouvir seu nome.
— Preciso de um segundo com você.
Ele assente e termina de ajudar Giovanna. Marcho na frente, precisando me controlar para
não tomar qualquer atitude precipitada antes da hora. Na minha sala social, preparo um uísque,
esperando-o terminar de descarregar as malas no quarto da minha mulher. Tomo um gole longo,
engolindo o líquido com força, como se fosse difícil ingeri-lo. Minha raiva por esse babaca
imprestável vem sendo cuidadosa e pacientemente administrada.
— Senhor. — Ouço-o me chamar.
Não me viro de imediato. Termino minha bebida primeiro. Bato o copo no balcão e, por fim,
volto-me para Paolo, parado a quatro metros de mim, no meio da minha sala, mãos para frente, na
costumeira posição de segurança. Desabotoo a casa do punho do meu paletó e me aproximo, aos
poucos, arregaçando as mangas.
— Deixei bastante claro que deveria ser informado de cada passo da minha esposa. A
primeira você falhou. Tudo bem, não deixei especificado o protocolo, você é novo por aqui, e,
apesar de eu achar que era algo óbvio, relevei sua falha. — Paro à sua frente, a centímetros do seu
corpo. O homem sequer reage. — Então, você falhou uma segunda vez.
— Senhor…
Eu o atinjo com um soco no estômago. Ele geme e se curva, engolindo qualquer maldita
explicação que estivesse prestes a me dar. Encurvo-me na sua direção, sussurrando no seu ouvido:
— Dessa vez, não vou relevar.
Antes que ele tenha tempo, soco seu estômago outra vez, e outra e mais outra. O soldado não
tenta se defender, recebendo minha fúria sem protestar. Paolo cai no chão, e passo a distribuir os
socos no seu rosto. Desconto toda a minha raiva no filho da puta, ignorando a dor nos ossos da mão.
Tudo que sou nesse momento é ódio e cólera.
Enquanto espanco o desgraçado, penso em Giovanna e no perigo que correu nas vezes em que
saiu sem esse maldito. Minha fúria aumenta ao imaginar que poderia ter se machucado por causa
disso. Por que fico furioso quando penso nisso? Importar-me com essa garota, mesmo minimamente,
deixa-me ainda mais revoltado. O que alimenta minha ira e me faz esmurrá-lo com mais força, um
grito de ódio escapando das minhas cordas vocais.
Alguém me puxa para trás, ao mesmo tempo que ouço meu nome ser gritado. Desvencilho-me
de quem quer que esteja me segurando e retorno para Paolo, decidido a esmagar sua cara até a morte.
Outra vez, um braço forte me tira de cima dele, acompanhado de um “Você enlouqueceu de vez?”,
proferido por uma vez feminina.
Levo um milésimo de segundo para me localizar. Meu guarda-costas está me segurando pelos
braços — e um zumbido irritante entra pelos meus ouvidos — me dizendo para respirar fundo e ficar
calmo. Olho ao redor. Paolo está com a cara ensanguentada, talvez com alguns bons ossos quebrados,
e Giovanna, vestindo uma camisola curta demais para estar na presença de três homens, está
agachada junto dele, horrorizada com seu estado, como se pudesse ajudá-lo de alguma maneira.
— Por que fez isso? — pergunta, indignada, erguendo os olhos verdes para mim.
Peso sua pergunta por um segundo longo demais e me recuso a admitir que, lá no fundo, o
motivo seja ela. Que fiquei emputecido porque a incompetência do seu guarda-costas poderia ter
custado sua integridade e segurança. Argumentei que essa preocupação era mais comigo mesmo
porque se alguma coisa acontecesse com ela era para cima de mim que seu pai, meu irmão e os
demais clãs viriam. Poderiam até achar que foi algo planejado de minha parte, uma vez que nunca
concordei com esse casamento. Agora, não estou tão seguro deste meu argumento.
Importo-me com Giovanna, muito pouco, é verdade, e foi por isso que espanquei esse filho da
puta. Porque me preocupo o suficiente para não gostar de imaginá-la machucada por uma falha tosca
dele. Ela nunca realmente esteve em perigo desde que nos casamos porque nos últimos dezoito meses
tudo o que fez foi ficar em casa, em segurança. Se saía, eu era informado, como manda o protocolo,
rodeada por dois seguranças, e estamos em paz desde que os Bianco foram expulsos daqui. Em terras
russas, contudo, o perigo era real. Eu deveria tê-la mantido em Vegas, mas permiti que viajasse
comigo sob um pretexto idiota de que, se algo acontecesse, estaria livre desse casamento. A verdade
é que, noto agora, odeio-me por ter pensado assim.
— Foi um corretivo para entender como as coisas por aqui funcionam. — Minha esposa me
lança um olhar ainda mais inconformado. — Ele não fez o trabalho direito, Giovanna. Mereceu a
surra.
— Você quase o matou.
Dou de ombros, desvencilhando-me da pegada do meu segurança. Alego que já estou mais
calmo, e ele dá um passo atrás.
— Que fique de recado. Para você também. — Giovanna fica atenta, tentando compreender o
que quis dizer. — Da próxima vez que quiser despistar seu segurança para poder ir atrás de mim,
pense nesse pobre-diabo. — Indico o homem arregaçado. — Porque o próximo terá o mesmo destino
se não fizer o trabalho direito.
Dou mais uma olhada em Paolo, estirado no chão e inconsciente.
— Chame uma ambulância para esse desgraçado. E arranje alguém para limpar o sangue
desse porco do meu tapete marroquino.

Confiro o quinto malote das coletas quinzenais das proteções forçadas. Ainda tenho mais
vinte malotes, só hoje, para conferir. Desde o desfalque com Giordano que redobrei minha atenção
nesse quesito e não tenho deixado o trabalho apenas nas mãos de homens da minha confiança. É um
porre conferir dólar por dólar e fazer o balanço, mas prefiro o porre do trabalho a um prejuízo e ter
de lidar com traidores.
Além do mais, é um motivo a mais para ocupar minha cabeça. Tenho precisado disso
ultimamente. Não só porque preciso estar controlado e evitar que espanque o primeiro idiota que
cruzar meu caminho e que tire minha paciência — e tirar minha paciência nunca foi difícil, muito
menos desde a morte de Maggie —, mas também porque não paro de pensar na porra daquela garota
e da sua fantasia suja.
Desde que chegamos da Rússia, há duas semanas, imagens dela nua, ou usando uma daquelas
lingeries indecorosas, vêm permeando minha mente. Já me peguei batendo punheta à noite pensando
nela me assistindo com outra. E isso tem me deixado desatento. Na minha posição, é inadmissível
ficar desatento.
— Ettore? — Ethan me chama, parado à porta de entrada do meu escritório em uma das
minhas boates.
Das que estavam sob o domínio dos Bianco, e que agora são minhas desde que matei aquele
velho filho de uma puta, essa é que mais gosto. Não sei exatamente o motivo, mas deve ser por que a
sala aqui é bem maior e me dá mais liberdade. Não me sufoca tanto.
— O que foi? — pergunto, voltando-me ao meu dinheiro. Ethan é meu braço direito aqui. Já
foi um dos soldados do Enrico, mas ganhou minha confiança e agora é o subchefe do clã que eu
comando.
— Seu irmão me ligou. Tem tentado falar com você pelo telefone, mas não consegue.
Suspiro, olhando para a droga do celular desligado e para o telefone fixo fora do gancho.
Precisava me desligar do mundo um pouco. Às vezes, preciso disso: afastar-me um pouco de tudo e
de todos. Essa vida e esse mundo não permitem que tenhamos um segundo de sossego. Não tem um só
dia em que meu telefone não toca para me trazer problemas, dor de cabeça e preocupação. Hoje,
precisei me desconectar. Para me concentrar no trabalho que tinha de ser feito, para tirar a porra
daquela menina da minha cabeça e porque não queria ser interrompido.
— O que El Diablo quer comigo, agora?
— Uma reunião de última hora, no Paradise. Alguma coisa com os russos.
De novo esses malditos?, penso, cansado, mas sem ter o que fazer. Posso ser capo do meu
próprio clã, mas Enrico é o capo dei capi, o chefão, o que comanda todos os clãs que formam a
famiglia, e eu ainda e infelizmente preciso me reportar ao meu irmão.
— Diga a ele que chego no hotel em vinte minutos. Me prepare um carro, per favore.
Ele acena e se retira, indo cumprir minhas ordens. Assim que sai, levanto-me do meu lugar,
ajustando o suspensório e precisando de duas coisas: uma dose de uísque e uma tragada de charuto.
Preparo os dois e aproveito o momento por um segundo, sozinho com meus pensamentos. Até que
meus olhos vão para a parte mais alta de um arquivo no escritório. Ali, solitária, há uma moldura
minha e de Giovanna. A ocasião era o casamento de Enrico e Antonela, e a foto foi batida pelo
fotógrafo contratado. Ela tinha insistido que dançássemos juntos, e eu fui, apesar de não ter me
aproximado, pegado na sua cintura ou coisas assim. Atendi ao seu pedido mais para ela parar de
atormentar a porra do meu juízo do que por qualquer outro motivo. Lembro-me de que ela moveu o
corpo de um lado a outro, toda animada, enquanto eu mal mexia o meu, nem um pouco entusiasmado.
O idiota do meu irmão quem trouxera esse retrato estúpido para cá. “Para dar um ar mais familiar e
de carinho”, dissera, na ocasião. Não impedi, não dei fim depois, simplesmente deixei ali, sem me
importar.
Agora, pego-me atento a detalhes dessa foto que não notei antes e não deveria estar notando
neste momento: como o sorriso genuíno dela enquanto, erguendo o vestido, dançava e se divertia.
Como posso estar mexido por essa menina? Como tudo pode ter mudado tão radicalmente — uma
girada abrupta de cento e oitenta graus — por causa da porra de dois dias que tivemos um pouco
mais de contato e ficamos ligeiramente mais “próximos”?
É a droga dessa sua fantasia. É isso.
Só pode ser isso. É a única explicação para estar me sentindo assim, tão desestruturado por
essa garota. E, falando nela, recebo uma mensagem no celular do seu novo segurança, informando-me
do seu paradeiro. A desgraçada foi às compras. Ele me manterá atualizado a cada meia hora,
compartilhando comigo sua localização.
— Ettore. — É Ethan de novo, apressando-me.
Inspiro fundo, guardo o celular no bolso e vou até meu irmão para saber o que raios os putos
vermelhos querem agora.
Quando chego ao escritório de Enrico, ele está reunido com os homens de sempre, sentado à
sua mesa, com a tela de um laptop virado de maneira que tanto ele quanto os demais consigam ver o
cidadão do outro lado. Não demoro a compreender que se trata de Nikolai em uma videoconferência.
— Você chegou, finalmente — meu irmão exclama, um pouco irritado, com o charuto entre os
lábios que, sem demora, vai para o cinzeiro sobre a mesa. — Precisamos falar sobre esses seus
sumiços, Ettore. Sempre quando mais preciso da porra do meu subchefe, não consigo contato com
ele. Uma das suas amantes de novo?
— Não é porque estou incomunicável que estou fodendo uma puta, Enrico.
— Na grande maioria das vezes, é isso sim.
Ignoro o que ele disse porque detesto dizer que tem razão e me acomodo no meu lugar.
— Ettore, meu camarada. — O sotaque russo preenche a sala em um tom alegre.
— Não somos camaradas, Nikolai. Sinto informar.
O homem dá uma risada rouca, grossa e alta, divertindo-se como se, de fato, eu tivesse
contado uma piada muito boa.
— Qual o motivo da reunião? — pergunto, franzindo o cenho e querendo entender esse
contato repentino.
— Entrei em contato com Enrico para informar que… — Ele faz uma pausa dramática,
como se fosse um sacrifício dizer o que está prestes a dizer. — Nós reconsideramos a oferta.
Queremos a aliança para recuperarmos nossa influência na Espanha.
Um ódio diferente sobe pelo meu corpo. Viajei horas — horas! — para a Rússia com o
intuito de formarmos essa aliança. O filho da puta não quis. Agora, de repente, quer nossa ajuda? Se
fosse eu o capo dei capi da famiglia mandava esse arrombado ir se foder, mas não sou. Então, a
decisão cabe a Enrico.
Por baixo da mesa, aperto os dedos com força, controlando aquela raiva tão típica com a qual
me acostumei a conviver. Certeza que, quando sair daqui, vou precisar extravasar em alguma coisa.
Ou em alguém. Seja esmurrando um paspalho qualquer ou fodendo forte uma boceta. O efeito, às
vezes, é o mesmo.
— Fez uma boa escolha, Nikolai — respondo, o mais ponderado que consigo. Olho para meu
irmão. — Está decidido a aceitar?
Ele puxa o charuto do cinzeiro e dá uma tragada profunda, soltando a fumaça no ar.
— Estou. Por isso, trouxe vocês todos aqui. Quero que estejam cientes do que vamos decidir
para essa aliança.
Durante a próxima uma hora, acordamos todos os pontos necessários. Como vamos agir para
recuperar as áreas na Espanha, depois como os lucros serão divididos, então os territórios em Vegas
em que os russos poderão comandar e os termos para que tudo isso seja um negócio e uma
convivência de paz. Tem até um trato de não-agressão que, caso seja descumprido, será considerado
como um ato de guerra e nossa aliança será desfeita.
Quando, finalmente, estamos de acordo com todos os pontos, posso voltar para minha boate.
Por todo o restante do dia, simplesmente não consigo me concentrar mais. Uma ideia um pouco
absurda não sai da minha cabeça. Uma ideia que envolve Giovanna. É pensando nisso que tomo uma
decisão.

Ela arregala os olhos quando me vê no seu quarto, sentado na poltrona, acompanhado de um


copo de uísque. E de outra mulher. Parada à porta da suíte, minha esposa carrega sacolas de uma loja
de grife qualquer. O susto e a confusão no seu rosto são nítidos e me divertem.
Sorvo outra dose da minha bebida, observando a roupa que ela veste — um short jeans de
comprimento mediano e uma camisa branca de um tecido fino, e os dois primeiros botões abertos
revelam um decote singelo. A garota de programa atrás de mim, apenas usando uma lingerie preta,
enfia a mão por dentro da minha camisa, acariciando-me no peito.
— O que está fazendo? — Giovanna pergunta sem sair do lugar.
— Disse que queria me ver trepando com outra. Como da última vez perdeu a oportunidade,
pensei em te agradar. — Apoio o copo de uísque na mesinha ao lado e cruzo as mãos na frente do
queixo, encurvando-me um pouco para frente. — Ainda quer?
Seus olhos me vasculham por um segundo. Depois, vão para a puta agarrada ao meu pescoço.
Vários segundos se passam enquanto aguardo uma resposta. Se ela não quiser, tudo bem, levanto-me,
pego a prostituta e vou para meu quarto. Não farei objeção quanto a isso. Mas confesso a mim
mesmo, com certa dificuldade, de que prefiro que ela queira isso. Não entendo o motivo, não procuro
entender. Com um gesto hesitante, Giovanna confirma.
Aponto para a outra poltrona, de frente para a cama, e ela compreende a sugestão. Deixando
as sacolas em um canto qualquer, encosta a porta e se acomoda no seu lugar, corpo ereto, os olhos
nos meus. Um olhar firme, decidido, que mexe com minhas entranhas e desperta em mim um desejo
de desvendar todos os seus segredos mais sujos. Do que mais ela gosta? O que deixa sua bocetinha
virgem molhada; os peitos duros; o clitóris sensível?
Volto ao mundo real quando a garota atrás de mim está entre minhas pernas e nem reparei. Ela
sorri, abaixando o zíper da minha calça. Dou uma olhada na puta por um segundo antes de voltar para
Giovanna, agora parecendo mais relaxada. Seus olhos verdes estão fixos no meu pau ainda coberto.
Outra sensação estranha corta meu corpo de cima a baixo. Cansado da lentidão da garota — e
querendo me exibir para ela —, termino de tirar a calça e baixo a cueca preta.
Daqui, noto que Giovanna engole em seco quando minha ereção salta para fora do tecido.
Não serei nem um pouco modesto, mas cerca de dezoito centímetros de pau é um bom tamanho.
Nunca fiz questão de medir, mas uma putinha drogada com quem saí uma vez fez isso por mim. Uma
mão me envolve, masturbando-me devagar, e desvio o olhar para a prostituta por um instante. Faço-a
se afastar mais para o lado, para que minha esposa veja.
Quando ergo meus olhos na direção dela de novo, para me certificar de que esteja tendo uma
visão completa do meu pênis, sou pego de surpresa e paro de respirar quase na mesma hora. A
desgraçada está esparramada na poltrona, as pernas separadas, amparadas pelos braços do móvel,
com a mão direita dentro do short, brincando consigo mesma. A imagem furta todo o ar dos meus
pulmões e me desestabiliza daquela maneira esquisita. Até me deixa mais excitado. Sinto quando
meu pau dá uma pulsada violenta.
Giovanna, por fim, olha-me de volta. O rosto cora um pouco, mas não faz nenhuma menção de
parar com o que está fazendo. Lentamente, ela se masturba, sem parar de olhar para a performance da
garota comigo. Da mesma maneira, não desvio meus olhos dela, das suas mãos dentro do short,
movimentando-se devagar e ritmado. Mesmo que eu feche os olhos, aproveitando o oral que a
prostituta começa a fazer em mim, não consigo me manter assim por mais do que alguns segundos. A
necessidade de olhar para ela, para suas malditas mãos dentro da calcinha, é maior.
Sinto-me meio frustrado porque achei que o momento seria divertido. Quero dizer, está sendo
divertido. Excitadamente divertido, mas está longe de ser o que eu esperava. Não estava nos meus
planos me pegar tão… interessado e atraído por Giovanna, e é o que exatamente está acontecendo. O
oral quente e bem úmido, completamente safado, com a prostituta me engolindo até o fundo e me
masturbando ao mesmo tempo, está muito bom, e não vou negar que parte do meu prazer, parte do
motivo por meu pau estar duro, é por causa disso. Mas a outra parte… é por vê-la aqui, estirada na
poltrona, mordendo o lábio inferior, uma mão brincando com a boceta, a outra apertando o bico do
seio esquerdo, por dentro do sutiã, enquanto me assiste.
Isso não deveria estar acontecendo, esse tesão todo por assisti-la de volta, o meu corpo febril
por causa dela. Por esse motivo, concentro-me na prostituta e no objetivo para tê-la trazido até aqui.
Não só realizar a fantasia de Giovanna, mas para o meu próprio prazer.
— Já chega — digo, afastando-a. A menina me olha com os lábios inchados.
Viro um pouco para trás e pego a camisinha sobre a mesa de cabeceira, que eu trouxe assim
que cheguei. Coloco a proteção e saio da minha poltrona, puxando, sem qualquer delicadeza, a
prostituta e ordenando que fique de quatro na cama, de frente para minha mulher. Forço seu rosto
para baixo, empinando sua bunda mais para cima, na minha direção. Mantenho o aperto na sua nuca
quando a penetro, devagar, fazendo contato visual com minha esposa. A prostituta geme, e o som
ainda sai alto mesmo abafado. O ato, consequentemente, gera outra ação em Giovanna. Noto, sob o
tecido jeans, que sua mão se move mais rápido. A porra dessa visão me faz aumentar o ritmo das
estocadas na puta, consumido pelo prazer que isso provoca no meu corpo. Fodo a boceta da
vagabunda assim por todo tempo, sem me preocupar em trocar de posição, sempre forçando seu rosto
para baixo, empenhando-se em fodê-la com força, selvagemente, sem dó, cada vez mais fundo.
Mesmo quando protesta um pouco, eu não paro. Trago-a de volta para mim ao tentar escapar e
diminuo um pouco o ritmo dentro dela.
— Você aguenta — resmungo, puxando seu cabelo para trás com toda potência. — É uma
puta, é seu trabalho aguentar. — Forço-a de novo para baixo, tornando a meter mais vigorosamente.
Dessa vez, ela não reclama e nem tenta recuar, só geme, sua boceta me acomodando por inteiro. —
Não disse? Você aguenta. — E solto um tapa na bunda dela.
Um gemido trêmulo e estrangulado preenche o quarto. Ergo os olhos para Giovanna. A
expressão dela, de olhos fechados e cabeça jogada para trás, é de puro deleite. A mão dentro do
short segue fazendo seu trabalho e sei, por algum motivo incompreensível, que está prestes a gozar.
— Olhe para mim — ordeno. Giovanna obedece, como se soubesse que o comando foi para
ela. — Você vai gozar? — Ela acena, confirmando. — Então, não tira os olhos do que estou fazendo
com essa putinha, entendeu? Você queria ver, agora vai ver até o fim.
Giovanna morde o lábio inferior, parecendo que o faz com muita força, e acena. Mantém os
olhos em mim, os gemidos escapando dela, altos, despudorados, trêmulos, roucos. Noto daqui
quando seu corpo começa a entrar em colapso. Os pés encolhem, as pernas tremem, a mão trabalha
mais rápido. Sua boca se abre para deixar um grito exagerado escapar, ao passo que seu corpo
balança quando o orgasmo a atinge com toda força. O conjunto da imagem é minha perdição e acabo
gozando também, metendo fundo e com vigor na prostituta, sem conseguir olhar para nada além da
minha esposa se desmanchando no sofá.
Caio na cama, por cima da puta, ofegante, cansado e repleto de raiva porque não foi por estar
comendo a boceta de uma vagabunda qualquer que gozei. Saio de dentro dela e descarto a camisinha
no banheiro. Ao voltar para o quarto, a prostituta continua aqui, deitada na cama da minha mulher.
Minha mulher, que eu não encontro na poltrona.
Junto as roupas da profissional do sexo e jogo sobre ela, mandando-a embora. Seus
honorários já foram pagos antes, então, não há motivos para continuar aqui. Assim que ela se vai,
recolho minhas próprias roupas e sigo para meu quarto, ainda tentando compreender a porra que
aconteceu dentro de mim. Tomo um banho, esforçando-me para me convencer que gozei porque
estava fodendo uma mulher gostosa, não porque vi Giovanna gozando.
Esforço inútil.
A imagem dela se dando prazer não sai da minha mente. A forma como gozei alucinadamente
por causa dela e junto com ela ainda devasta todo meu corpo. Nós compartilhamos um instante
extremamente íntimo, sexual e estranho, e não posso negar, de forma alguma, a conclusão que, sim, a
causadora de todo meu orgasmo não foi a prostituta e seu buraco quente e escorregadio. A causadora
do meu orgasmo foi Giovanna.
Por mil diabos, como isso pode ter acontecido?
Não estou no meu melhor momento, nem meu humor está no seu melhor dia, mas, ainda
assim, tolero ficar com os homens na sala, fumando seus charutos, bebendo seus uísques servidos por
mulheres seminuas enquanto fazem altas apostas em um jogo de pôquer clandestino, que envolve
muito mais do que dinheiro. Vegas até pode ser a cidade dos jogos de azar, com grande parte
legalizada pelo Estado de Nevada, entretanto, há certas apostas que estão às margens da lei. O que é
muito mais emocionante.
Refugiados em uma sala vip e secreta em um dos meus cassinos, a entrada é rigorosa e
demanda que a pessoa tenha um passe especial, que não se consegue facilmente. A meia dúzia de
homens em seus ternos caros, chapéus e suspensórios que estão aqui hoje, em plena luz do dia, sendo
não mais que quatro da tarde, são gângsteres das redondezas, políticos corruptos, cafetões e agiotas.
Toda a porra da escória humana juntos em uma sala de oitenta metros quadrados.
Estou atento ao jogo quando uma das garçonetes, apenas de calcinha e sutiã, aproxima-se de
mim — sentado no sofá analisando o blefe de um colega — e murmura no meu ouvido. Viro-me na
direção das portas duplas da entrada do salão, notando um funcionário de alto-escalão do cassino
impecavelmente uniformizado me esperando. Deixo minha bebida na mesinha ao lado e vou até ele,
que me encaminha para fora. Sinto o carpete vermelho sob meus pés enquanto ele diz, muito polido:
— Senhor, perdão interromper sua diversão…
— Diga de uma vez o que quer.
O homem pigarreia, ajustando a gravata.
— Sua esposa. Insistiu em falar com o senhor. Está aguardando na cobertura.
Enrugo o cenho, estranhando a visita de Giovanna. Não só porque ela veio até aqui, sabe-se
lá por qual motivo, mas também porque ela mal fala comigo desde o dia em que me assistiu fodendo
a prostituta. Isso já tem pouco mais de um mês. Nunca conversamos sobre esse dia, muito porque
quase não a vi nas últimas semanas, embora moremos no mesmo lugar. Não fiz questão de abordar o
assunto — não vi motivos para tal —, e ela tampouco teve o mesmo interesse. Sua vinda ao cassino
desperta minha curiosidade e por isso, só por isso, decido ver o que quer comigo.
Dispenso o funcionário, agradecendo por ter vindo me informar, e sigo até a cobertura. No
percurso, ligo o celular, que desativei para ter um pouco de paz, e encontro as mensagens do
segurança dela me informando que a traria para cá e todo o trajeto do GPS que fizeram. Entro com
cuidado, varrendo o local à procura dela. O hall de entrada está silencioso, assim como a sala
principal e a de jantar. Não costumo usar muito esse lugar. Tenho meus próprios pontos de encontro
com as prostitutas e nem gosto muito daqui. O cassino fica em um ponto muito privilegiado no centro
de Vegas, é verdade, mas algo neste lugar não me agrada. Talvez seja a decoração brega, que ainda
segue os padrões de Bianco, ou porque esse lugar me traz recordações nada boas do velho Luigi.
Nunca fiz questão de dar um toque mais pessoal por exatamente não o frequentar tanto.
— Giovanna?
— Aqui. — A voz vem do escritório.
Lá, eu a encontro de costas para mim e de frente para a mesa de madeira maciça que tem no
ambiente, parecendo mexer ou observar alguma coisa.
— O que diabos quer comigo?
Quando ela se vira, sinto meu coração entalar na garganta. A garota abraça um pequeno buquê
de flores e um ursinho de pelúcia cinza. Seus olhos verdes me analisam atentamente, estudando minha
reação. A desgraçada sabe que desestabilizou toda a minha estrutura. Que raios pensa que está
fazendo?
— Você esqueceu em casa. Já foi ao cemitério?
Fico parado no meu lugar, sentindo o corpo rígido e frio. Eu não esqueci nada. Simplesmente,
decidi não ir ao cemitério dessa vez. Deixei as flores para Maggie e o ursinho do bambino no meu
quarto, sobre a cama. Se ela achou, significa que foi fuxicar meu ambiente particular ou foi me
procurar. Provavelmente, a primeira opção porque ela sabia que eu passaria o dia no cassino hoje.
Fiz questão que soubesse, ontem à noite, enquanto arranjava tudo com os caras e conversava com
eles pelo celular, na cozinha, onde ela jantava.
— Não — respondo, a voz saindo mais dura do que previ, tentando compreender sua atitude.
Giovanna se vira, põe o buquê e o brinquedo sobre a mesa e depois se volta para mim de
novo.
— Aí está. Não se esqueça outra vez.
Ela dá um passo à frente, fazendo menção de sair. Dou outro passo em sua direção, muito
mais ameaçador e intimidador. Minha esposa entende o recado e para, recuando outro para trás.
— O que você quer?
— O que eu quero? — Parece genuinamente confusa com meu questionamento. Ela tomba a
cabeça um pouco para o lado, olhando-me de uma forma inocente demais para quem desejou me ver
fodendo bocetas alheias.
— Isso de me trazer as coisas que levaria para o túmulo deles. Que pretensões tem,
Giovanna?
A expressão no seu rosto é de ultrajada.
— Pretensão nenhuma, Ettore. Sei que costuma ir todo mês ao cemitério e sempre leva algo
para sua esposa falecida e seu bambino. Como dessa vez esqueceu em casa, pensei que faria bem
trazer pra você. Não precisa me agradecer se não gostou, mas também não seja grosso.
Não gosto do tom de voz que me dirige. Por isso, avanço contra ela, que recua
instantaneamente até esbarrar na mesa atrás de si. Encurralada. Aproximo-me o suficiente apenas
para intimidá-la, mantendo a distância segura para cumprir a promessa de nunca a tocar.
— Meça a porra das suas palavras para falar comigo.
Ela empina o nariz aristocrático, como se me desafiando, e agora não tem mais aquele medo
de mim como tinha segundos atrás. Às vezes, acho que me desafia assim só para ter o prazer de ser
encurralada, testar meus limites e me fazer perder a paciência o bastante para tocá-la. Será que é isso
o que quer? Que eu a toque, de um jeito ou de outro? Mesmo que seja segurá-la pelo braço para lhe
dar um safanão?
— Eu te fiz um favor, na melhor das intenções, porque me compadeço da sua dor. Você é um
babaca sádico e cruel que não consegue manter o pau dentro das calças, mas continua sendo um ser
humano que perdeu duas pessoas importantes e ainda sofre com isso. Só achei que seria significativo
para você.
— Achou errado. — Nunca menti tanto na minha vida. Afasto-me dela, andando de costas.
Ela balança a cabeça em negativo.
— Tudo bem. Finja o quanto quiser que não definha no seu luto. Engrosse essa camada
impenetrável de homem durão na minha frente e na frente das outras pessoas. Mas nós dois sabemos
que, à noite, se tranca no seu quarto e bebe e chora até dormir.
Giovanna passa por mim, deixando um rastro de perfume que me perturba, e vai embora.
Engulo a bílis amarga que sobe até minha boca, odiando que essa menina consiga ver através dos
meus muros e que tenha razão.
Que esteja, malditamente, coberta de razão.

Não consegui não vir aqui. Havia decidido, mais cedo, que não viria. Mas o fato de Giovanna
ter ido até o cassino com suas “boas intenções” me fez reconsiderar. Foi impossível simplesmente
ignorar os objetos sobre a mesa e fingir que eu não queria desesperadamente vir ao túmulo deles
como de costume. Por isso, fingi que não teve influência de minha atual esposa nessa decisão súbita e
vim, embora seja fim de tarde e esteja quase escurecendo. Passo o tempo de praxe aqui, definhando
em minha dor, como ela adorou jogar na minha cara, então recupero o controle da situação e deixo o
cemitério.
Eu deveria ir para casa, mas a última coisa que quero nesse momento é encontrá-la, de um
jeito ou de outro. Aquela menina tem mexido com meu juízo de forma estranha desde que estivemos
na Rússia. Quero dizer, não que nunca tenha chamado minha atenção, afinal, ela tem um belo par de
pernas e seios. Ainda assim, a sensação que vem tomando conta de mim nas últimas semanas não é
nada comparável ao último pouco mais de um ano e sete meses.
Por isso, resolvo amanhecer na rua. Para passar o tempo, vou até uma danceteria, que um dia
pertenceu ao território da Mahyas D’Arezzo, mas há pouco mais de um mês está sob influência dos
russos, como parte do acordo que Enrico e Nikolai fizeram. As áreas na Espanha ainda não foram
reconquistadas completamente, pelo que soube, mas os dois chefes estão trabalhando para isso.
Entro no ambiente, ignorando a garota de programa que sem demora me recebe na porta,
vestindo nada além de sutiã e calcinha de couro. Ela se agarra ao meu braço, oferecendo seus
serviços. Por ora, só quero beber. Dispenso a mulher e me acomodo na área vip em um dos estofados
de cor espalhafatosa, pedindo uma um martini. A garota me dá as opções de preparação do drink e
opto pelo clássico com vermute seco. Tomo minha bebida vagarosamente, atento às pessoas à minha
volta, divertindo-se, ignorando as prostitutas que me abordam e repetindo o preparo mais vezes do
que sou capaz de contar. Agradeço por ser bastante resistente ao álcool.
— Ettore Martini — alguém diz, pondo-se ao meu lado.
O homem de moicano, bigode grosso, tatuagens e piercings no rosto tem um sotaque forte que
reconheço de imediato antes mesmo de encará-lo.
— Yuri Smirnov. — Maneio a cabeça em sua direção, virando outro gole da minha bebida.
Yuri é um dos russos da área, a serviço de Nikolai, que comanda os negócios e lidera o clã
que se instalou na cidade. Não faz tempo que estivemos juntos, dentro de uma mesma sala, selando
nosso acordo russo-americano mafioso.
— Por que está sozinho? — pergunta, massageando o bigode.
— Não estou interessando em nenhuma das suas devushkas.
— Devushki — ele me corrige. Ergo uma sobrancelha, não sabendo a diferença. — O plural
é devushki. — Faço um movimento com as mãos, de puro desdém. — De qualquer maneira, não
estou me referindo às prostitutas.
Sua colocação me deixa curioso a ponto de me inclinar sobre os joelhos e olhá-lo
criteriosamente. Yuri faz um movimento com a cabeça, indicando algo do outro lado da boate. Viro-
me. Correção: ele me indicou alguém. Uma garota, casa dos vinte e tantos anos, loira de cabelos
longos e lisos. Usa um conjunto de couro de minissaia e cropped. Pernas torneadas, seios fartos.
Mesmo relativamente longe — uma distância de uns sete metros — noto que morde o lábio inferior e
me analisa sem qualquer pudor. Está sentada em outro sofá, junto de algumas amigas que conversam e
riem sem parar.
— Ela não para de olhar pra você desde que chegou. Então, volto a te perguntar,
companheiro, por que está sozinho?
Um sorriso leve surge em mim. Não vim aqui atrás de sexo. Ao menos não sexo pago. Mas se
a putinha está se atirando para cima de mim e está mais do que interessada, por que não? Talvez
devesse levá-la para casa e deixar que Giovanna saiba que estou com ela e queira ver de novo. Leva
apenas uma sinapse para compreender a porra que acabou de passar pela minha mente. Viro o
restante do meu martini, dispersando meus pensamentos absurdos.
— Tem razão — digo para Yuri, sem olhá-lo.
Levanto-me do meu lugar, sem me despedir, e caminho na direção da garota. Ela não faz
cerimônia e, assim que me vê, também sai do seu lugar e vem ao meu encontro. Nós trocamos meia
dúzias de palavras. Ofereço um drink, que ela aceita me acompanhar, e, em dez minutos, sua bunda
está arrebitada na minha direção enquanto a penetro com vigor, em um dos quartos improvisados nos
fundos da danceteria que também funciona como prostíbulo.
Depois da foda bem dada, estou exausto e estranhamente sonolento. Rolo de cima da garota,
sentindo os olhos pesarem, e não me importo em fechá-los por um tempo, querendo cinco minutos de
descanso. Não sei exatamente quanto tempo passa, mas a impressão é que só tive a oportunidade de
fechar os olhos quando uma gritaria me traz para a realidade outra vez. Mal me localizo e vejo a
loira sendo puxada do meu lado, ainda nua, por um cara furioso. Ele grita com a mulher, chamando-a
de um monte de nomes baixos.
Pronto, era o que me faltava. A vagabunda é comprometida.
Com a cabeça meio zonza, eu me levanto, procurando pelas minhas roupas. Ignoro que o
desgraçado esteja agredindo a garota e me visto. Estou terminando de colocar minha camisa quando
o cara me puxa pelo ombro e desfere um soco em mim. A agressão me desestabiliza por completo e
cambaleio para trás, pego de surpresa.
Não sinto dor alguma porque estou consumido pela raiva. Se a puta da mulher dele trepou
com outro homem, que se resolva com ela, não comigo que nada tenho a ver com a porra da história.
Ele está partindo para cima de cima outra vez, mas consigo me desviar do golpe. Agarro-o pela gola
de trás da camisa e devolvo o murro. Muito mais forte e potente. Chego a ouvir o nariz dele quebrar.
O homem berra de dor e cai na cama, a mão no local atingido.
Atraídos pela confusão no quarto, outros dois homens aparecem, mas só reconheço um deles.
Yuri. O russo olha para o maldito se retorcendo na cama e depois sobe os olhos para mim. Antes que
possa falar alguma coisa, seu companheiro toma a dianteira:
— Porra, é o Ray!
Yuri o segura pelo ombro, como se quisesse contê-lo. Meus olhos vão para a garota no canto
do quarto, onde está agachada, abraçando o próprio corpo e com os olhos úmidos. O cara que
reconheceu o outro vai até ela na intenção de ajudá-la.
— O que aconteceu aqui, Ettore? — Smirnov pergunta.
Fecho os botões da minha camisa.
— A putinha ali é comprometida. Eu não sabia e levei um murro por isso. Só revidei.
— Ela não é comprometida — Yuri rebate. — Era, mas sei que ela e Ray terminaram já tem
uns três dias.
Não sei de onde eles se conhecem, não me interessa saber, mas não posso evitar a fúria
exagerada nascendo dentro de mim com a nova informação. Em certo nível, até compreenderia a
raiva do cara se ainda fossem a porra de um casal. Mas não são. Se já achei inaceitável ser socado
achando que ela era comprometida, é ruim que vou aceitar ter sido esmurrado por uma puta que não é
nada desse infeliz. Pensando nisso, avanço sobre ele, ainda gemendo na cama com o nariz
arrebentado, decidido a acabar com a raça dele. Pego-o pela camisa, pondo-o de pé, e sei que
deveria deixar para lá. O desgraçado está bêbado, provavelmente sofrendo por uma boceta que não
vale a pena, e já o nocauteei. Mas ele mexeu com uma versão de mim implacável e cruel. Não vou
perdoar. Não vou ceder. No momento que estou para arrebentar a cara do maldito, sou empurrado.
Ergo os olhos e encontro o amigo de Yuri.
— É melhor se afastar dele — avisa. — Vá embora, Ettore. Não queira arrumar confusão
conosco. — O sotaque, agora percebo, revela que é um dos russos.
Procuro pelos olhos de Yuri, que maneia a cabeça em positivo, como se concordasse com os
argumentos do amigo.
— Não faça disso maior do que é, Martini — Smirnov aconselha.
Inspiro fundo. Ele tem razão. Embora não goste da sua intromissão, decido que não vale a
pena. Não vou entrar em confusão com eles. Não quando temos um acordo e um trato de não-
agressão. Aceno em positivo, pego meus pertences sobre a mesa de cabeceira e começo a sair
quando o outro russo murmura:
— Porra-louca dos infernos. Passou da hora de superar o luto.
Viro-me imediatamente na sua direção, compreendo a insinuação na sua voz.
— Alexei! — Yuri adverte.
Olho para o tal Alexei, que me olha de volta, altivo, como se não me temesse.
— O que disse? — pergunto, dando um passo à frente, já sentindo o ódio tomar conta de cada
célula do meu corpo.
— Que passou da hora de superar o seu luto — repete. — Você age assim, todo explosivo e
violento, e coloca a culpa no luto, mas nós dois sabemos que é só um pretexto para ficar
descontrolado quando quiser. Porque, convenhamos, nem amar a sua esposa você era capaz.
Nessa hora, eu vejo vermelho. Yuri tenta me impedir, agarrando-me pelo ombro, mas consigo
me desvencilhar de sua pegada e avançar em Alexei. O soco que o atinge é forte o bastante para
derrubá-lo no chão. Monto nos seus quadris, aproveitando a sua vulnerabilidade, e começo a
esmurrá-lo alucinadamente. Eu tolero muita coisa, muita coisa mesmo, mas nunca vou tolerar que
falem de Maggie ou que ponham em dúvida o que eu tinha — e, de certa forma, ainda tenho — por
ela. Não vejo nada durante os segundos seguintes, ou se noto, simplesmente ignoro. Ignoro que Yuri
esteja tentando me tirar de cima do maldito. Consigo, tomado por uma força alimentada pela fúria,
livrar-me de cada investida dele e ignoro suas advertências. Só paro quando sinto o metal frio na
minha nuca e o cão de uma arma sendo armado. Nesse momento, contudo, é tarde demais.
Alexei está morto.
Um segundo depois, recebo uma coronhada e apago.

Sinto uma dor aguda na nuca conforme desperto e vou me localizando. Meus braços também
estão doloridos; principalmente, os punhos. Quando tento mexe-los, não consigo. Só então me dou
conta de que estou amarrado, minhas mãos nas costas. É o bastante para me despertar completamente.
Remexo-me na cadeira antes de erguer o olhar e me localizar. O que me deixa completamente
confuso.
Que porra está acontecendo?
Estou no escritório de Enrico no Paradise. Pelo vidro da janela logo ali, noto que é de dia e
não deve ser mais que nove da manhã. Meu irmão está na minha frente, fumando um charuto,
encostado à porta de entrada, o pé direito casualmente contra a madeira. A raiva no seu rosto é
visível. Do outro lado da sala, Brooke brinca com sua Glock, os olhos no amante, como se esperando
por qualquer ato impulsivo da parte dele que ela precise conter.
— O que está acontecendo? — pergunto finalmente, tentando me desfazer das amarras de
novo. Por que diabos estou amarrado?
— Você, como sempre, fodendo tudo — Enrico responde, voz controlada, mas sei que tem
raiva em cada palavra. Meu irmão dá um passo na minha direção, ameaçador e firme. — Tem sorte
por eu ter conseguido convencer Yuri a te trazer para mim em vez de te amarrar em um tronco e te
deixar no meio do deserto de Las Vegas para morrer.
Nesse momento, recordo-me dos últimos acontecimentos e compreendo a magnitude do
problema que causei. É por isso que estou nessa situação, amarrado como um porco prestes a ser
abatido, como se fosse a porra de um inimigo dos Martini. Enrico está furioso e vai me punir.
— Tínhamos um pacto, Ettore — meu irmão prossegue, rondando-me. Ele está calmo demais,
o que me deixa um pouco assustado. — Mais. — Subitamente, está às minhas costas, sussurrando no
meu ouvido: — Eu tinha planos de controlar as áreas dos russos na Espanha. Você conseguiu foder
com tudo em uma única noite.
Quero dizer que posso me explicar, mas não posso. Agi fora de mim, cegado por esse ódio
incontrolável.
— Alexei está mesmo morto? — pergunto só para ter certeza.
Enrico suspira pesadamente, ficando de frente para mim.
— Está. Nikolai ficou furioso e já revidou. Perdemos dois homens que estavam na Espanha
para ajudar a recuperar o restante das áreas tomadas pelos sérvios e japoneses. O acordo está
desfeito porque, caso não se lembre, querido irmão, tínhamos um trato de não-agressão que você
infringiu. Estamos em guerra provavelmente.
Vejo o desprezo cortar seu rosto. Custou muito a Enrico a última guerra entre máfias.
Perdemos gente de todos os lados, sacríficos precisaram ser feitos, territórios tiveram de ser
concedidos, e casamentos foram arranjados.
— Nikolai ainda não se pronunciou sobre isso — Brooke diz, estacionada no mesmo lugar,
sem ter movido um músculo. — Ele revidou, mas talvez as coisas fiquem por isso mesmo. Vamos
esperar, Enrico. Solte seu irmão.
Ele dá uma risada alta e desdenhosa. Não serei solto enquanto não receber o que mereço. O
primeiro soco vem antes que eu espere, acertando-me no olho direito. Enrico grita um “você fodeu
com tudo, seu bastardo filho de uma puta!” e desfere outro golpe no mesmo lugar quando mal
processei a dor da primeira investida. O terceiro soco acerta o lado esquerdo, e dessa vez El Diablo
diz que deveria ter deixado Yuri fazer o que quisesse comigo, mais cedo, quando ligou e avisou da
merda que eu tinha feito na boate e que estava comigo prestes a dar dois tiros na minha nuca, mesmo
que eu estivesse desacordado, ou a me levar até o deserto e me largar lá para morrer de insolação. O
quarto soco atinge minha boca, causando um corte na gengiva. Sinto o gosto ocre do sangue. Meu
irmão puxa meu rosto para o seu, erguendo meu olhar.
— Pensando melhor, talvez eu devesse te entregar para Nikolai. Como uma oferta de paz.
Sangue por sangue — rosna, a mão fechada acertando meu estômago.
— Não seria a primeira vez que me oferece para benefício próprio, Enrico — provoco,
quando recupero o fôlego, recordando-me que meu casamento com Giovanna foi arranjado por ele.
Ele brada, cheio de raiva, e me agride em série. No rosto, no estômago, na boca. Estou zonzo
e quase perdendo a consciência quando ele subitamente se afasta. Pelo olho bom, porque o outro
sinto que está um pouco inchado, noto que foi Brooke quem o controlou. Ela o segura pelo rosto,
firme, e diz para se manter calmo e não fazer nenhuma bobagem que vai se arrepender depois. Meu
irmão inspira e expira diversas vezes, acenando em positivo.
De repente, o vibrar de um celular chama nossa atenção para a mesa de Enrico. Levo um
segundo para compreender que é o meu celular. Estico um pouco o pescoço. É o contato da minha
esposa identificado na tela.
— É Giovanna — informo. — Me deixe atender.
— Lide com sua esposa depois — meu irmão determina.
— É urgente, Enrico!
Ele solta uma risada seca.
— E como é que você sabe?
Encaro-o lentamente.
— Faz um ano e sete meses que estamos casados e é a primeira vez que ela me liga.
O homem parece notar a seriedade nas minhas palavras e, embora hesite só por um milésimo
de segundo, ele me desamarra. Meus punhos mal estão libertos quando atendo o celular.
— Giovanna?
Um ofegar do outro lado da linha.
— Ettore! — O tom de desespero atravessa a linha. — Eles estão aqui.
Levanto-me da cadeira, um senso de urgência tomando conta de cada centímetro do meu
corpo.
— Eles quem?
Uma porta se fecha. Mais respiração ofegante, como se estivesse correndo.
— Russos. Acho que são russos. Derrubaram o sistema de segurança, metralharam todos
os soldados do complexo. E estão… estão atrás de mim, Ettore!
Por algum motivo que desconheço, sinto todo meu corpo abalado quando diz isso. O coração
dispara e começo a suar frio com a ideia de ficar viúvo pela segunda vez.
— Esconda-se — ordeno. — Estou a caminho.
Acordo com meu telefone tocando sobre a mesa de cabeceira. Quando atendo, é Antonela do
outro lado da linha querendo saber o que diabos meu marido aprontou dessa vez para que tenha
deixado o dela tão extremamente irritado. Sinceramente, não sei do que ela está falando. Encostando-
me à cabeceira e coço os olhos. Não é a primeira vez que Ettore se mete em alguma confusão e
Enrico se irrita com isso. Talvez nem seja a última. Toda vez, o motivo é quase sempre o mesmo: o
temperamento explosivo de meu amado esposo. Soube que nem sempre ele foi tão temperamental. O
comportamento inconsequente e irresponsável são frutos do seu luto.
— Eu nunca sei as merdas que o Ettore faz, Antonela. Por que ainda insiste em me ligar para
tentar descobrir? — Ela faz isso porque Enrico dificilmente confidencia qualquer coisa com a
esposa. Uma tradição idiota de não falar de negócios na frente de mulheres.
— Tanto faz, Giovanna. A questão é que, dessa vez, parece que ele passou dos limites.
Nunca vi Enrico tão possesso como hoje. Ele saiu daqui umas cinco da manhã, praguejando toda a
descendência do irmão.
— Uma perda de tempo — retruco, conseguindo me levantar e ir até o banheiro — porque
sabemos que Ettore dificilmente terá um herdeiro.
— Ao menos legítimo. — Antonela ri do outro lado da linha, e eu preciso acompanhá-la. —
Vocês realmente nunca transaram?
Não é segredo para ninguém que Ettore se recusa a consumar nosso casamento. Toda a
famiglia sabe sobre isso porque ele nunca fez questão de esconder, principalmente quando, certa vez,
foi perguntado sobre um novo herdeiro. É um pouco crucial que tenha um filho para assumir o clã
quando ele não estiver mais aqui, mas meu marido não se importa muito. Qualquer outro mafioso
pode assumir a liderança — até mesmo Enrico ou seu filho —, então meu marido não se preocupa. E,
por não se preocupar, não vê motivos para se deitar comigo.
Sento-me ao vaso sanitário depois de abaixar a calcinha.
— Não. — É tudo que respondo, dando de ombros.
Nunca me importei muito com a indiferença dele. Em certo nível, até o compreendo. Maggie
tinha morrido não fazia muito tempo, e logo se viu preso a um acordo de casamento. Eu, a vida toda,
fui criada para isso. Sempre soube que jamais me casaria com alguém do meu interesse, por quem
nutrisse qualquer sentimento. Condicionada a essa vida, não foi difícil aceitar. Diferente de muitas
outras mulheres dentro da máfia, que se rebelaram contra a estrutura sexista, machista e patriarcal da
famiglia, aceitei minha sina porque é o que me traz conforto, de qualquer maneira. Não serei uma
Giane da vida que renegou o próprio sangue e vive às próprias custas. Se para ter meus luxos
sustentados preciso me casar com um homem que se nega a me tocar — literalmente de todas as
formas — que assim seja. Não faço questão.
— Não sabe o que está perdendo — Antonela zomba, trazendo-me de volta ao mundo real.
Seguro o telefone com os ombros, termino meu xixi, seco-me e subo a calcinha. Lavo as mãos
na pia, enquanto digo:
— Posso arranjar um vibrador.
Ela ri, de uma forma exagerada. Já pensei no assunto, mas desisti porque não é algo que
fertilize minha imaginação. Não é um pedaço de plástico que vai me trazer satisfação, se querem
saber. Sou virgem, mas não sou idiota. Mesmo que às escondidas do meu pai — porque sexo e
liberdade sexual para mulheres é algo muito tabu ainda no nosso meio —, eu me interessei pelo
assunto e passei a conhecer meu corpo. Sei que um orgasmo depende muito mais de mim do que de
um pau — de plástico ou de carne. Aos dezoito anos, peguei-me muito interessada por voyeurismo e
comecei a assistir casais na internet. Depois, passei a frequentar locais especializados, sem que meus
pais soubessem, é claro, e, desde então, tem sido minha fantasia favorita, meu modo favorito de me
masturbar.
— Não é a mesma coisa, Gio.
— Sei que não.
— Se eu fosse você, seduzia o Ettore. Quero ver ele resistir.
Deixo o banheiro, enrolando-me em um roupão, e rio do seu conselho porque a ideia já me
passou pela cabeça em algum momento desses dezenove meses em que estamos casados. Ora, ele é
um cara bonito e atraente e eu não estou atrás de um romance ou de um marido carinhoso. Só quero
experimentar, saber como é a sensação de um membro dentro de mim. Mas decidi respeitar o espaço
de Ettore e sua vontade de não querer nada comigo e não investi nisso. Se ele não quer transar
comigo, eu é que não vou implorar.
— Prometo que te conto o que aconteceu se souber de algo — alego, querendo encerrar a
conversa. — Mas agora tenho que ir. Vou tomar meu café da manhã.
Na cozinha, a mesa já está posta. Como uma porção de cereais com leite e fruta enquanto leio
alguns noticiários pelo celular. Pergunto de Ettore para seu segurança, quando ele aparece, e o
homem me responde que não o vê desde o dia anterior, quando o dispensou porque garantiu que ia
ficar o dia todo em uma das salas vips do cassino. Ele diz que, para qualquer ordem, está à
disposição e se retira.
Meia hora depois, termino de comer e estou para pegar meu telefone e chamar meu guarda-
costas para me acompanhar até o shopping quando o barulho de um tiroteio no lado de fora me
assusta. Salto da cadeira e corro até a janela da cozinha. Meu corpo congela quando vejo alguns
soldados estirados no chão, ao longe, perto do portão de entrada, provavelmente mortos, outros dois
boiando na piscina. Três homens aparecem no segundo seguinte, dois deles portando rifles de
combate. São altos, musculosos e cheios de tatuagens. Um deles parece ter bem uns cinquenta anos,
se eu for considerar a barba e os cabelos grisalhos. Ele grita algo que não entendo, mas não parece
ser por causa da distância, e sim porque não é inglês ou italiano. Parece russo. Aperto o telefone
entre meus dedos e saio correndo da cozinha no exato momento em que o segurança de Ettore e o meu
surgem sob o umbral.
— Senhora Martini, por favor, venha comigo — o meu guarda-costas diz, urgente,
estendendo-me a mão.
— Agora — o outro reforça, enquanto pede ajuda pelo rádio.
— Quem são eles? Como entraram? — Quero saber, atendendo ao conselho do meu
segurança e o acompanhando. Guardo o telefone entre os seios, considerando um pensamento
instintivo de ligar para Ettore.
— Hackearam o sistema de segurança e o derrubaram. Parte dos nossos homens está morta.
— Atravessamos a sala no momento em que mais tiros ressoam vindo do pátio principal, meu
guarda-costas na dianteira. — Eu os ouvi…
De repente, sua cabeça é jogada para o lado, ao mesmo tempo que o som de vidro
estilhaçando penetra o ambiente. Um milésimo de segundos depois, despenca no chão, com um furo
no meio da têmpora esquerda. Dou um salto para trás, assustada, e olho ao redor. Meu coração entala
na garganta e me pergunto como foi que aconteceu. Foi tão rápido e silencioso. Trêmula, noto um
ponto vermelho na minha mão. Ergo o olhar e vejo a mira laser atravessando uma das janelas ainda
intacta da sala de estar, subindo para minha testa. Abaixo-me e corro no segundo crucial. O tiro passa
raspando no mesmo instante que a porta principal estoura com toda violência, trazendo dois homens
para dentro.
— A garota! — um deles grita, apontando para mim. — Pegue a garota! — ordena e, nesse
instante, estou subindo as escadas para o segundo piso. — Quero a vadia viva, Yuri! Me entendeu?
Viva!
Olho para trás. O tal Yuri, armado, começa a me perseguir ao mesmo tempo em que o guarda-
costas de Ettore aparece na sala e é atingido pelo atirador de elite. Abafo um grito e seguro as
lágrimas quando vejo o homem grande despencando no chão como um saco de batatas.
Na corrida, puxo o celular e disco o número do Ettore. Olho para trás de novo, e não vai
demorar para Yuri me alcançar. Não sei se é sorte ou azar que a casa seja grande o suficiente e que
eu tenha uma oportunidade de despistá-lo, mas tomo como vantagem e aproveito. Por isso, entro em
uma porta à direita, que me leva a uma segunda sala, enquanto rezo para que meu marido atenda logo
à droga do telefone. Penso em arrastar um dos móveis contra a madeira, mas sei que não terei tempo,
forças e nem vai adiantar muito. O russo tem a droga de um rifle! Então, escolho apenas correr,
pensando onde posso me esconder.
— Giovanna? — ele finalmente atende, justo quando estou subindo para o terceiro andar,
correndo escada acima e ofegando.
— Ettore! — Não escondo o tom de desespero. — Eles estão aqui!
— Eles quem?
Saio para a sacada que contorna toda a fachada da casa, protegida por vidro blindado, e torno
a correr, ofegante, atravessando a passarela e pensando apenas em chegar no anexo de segurança que
temos atrás da mansão, que consigo acessar pela escada na lateral ao fim desse infinito corredor.
— Russos. Acho que são russos. Derrubaram o sistema de segurança, metralharam todos os
soldados do complexo. E estão… estão atrás de mim, Ettore!
Seguro as lágrimas nos olhos, o medo subindo por cada poro da minha pele.
— Esconda-se. Estou a caminho. — Ele desliga em seguida, e eu derrapo na minha corrida,
recordando-me que o anexo não deve ser seguro. Os russos derrubaram todo o sistema da casa!
Burra! Burra! Burra!
Só me dou conta disso quando é tarde mais. Acessando a passarela pelo outro lado, o
comparsa de Yuri vem ao meu encontro. O homem fala alguma coisa em um rádio comunicador ​—
não compreendo porque as palavras são em russo — e se aproxima de mim a passos cautelosos; na
mesma medida, eu recuo. Por alguma sorte, ele está desarmado. Engulo em seco, sentindo-me
encurralada. Sem pensar muito, disparo na direção contrária. Não vou muito longe. O russo consegue
me alcançar, dando-me uma rasteira para retardar minha fuga. O impacto só não é maior porque reajo
rápido e espalmo contra o chão, o celular entre meus dedos voando longe. Viro-me no instante em
que ele segura no meu calcanhar, puxando-me, e seus olhos vão para o meio das minhas pernas.
— Só de calcinha — menciona, com um sorriso maldoso e o forte sotaque, olhando para
minha intimidade exposta pela abertura do roupão. — Parece bem depilada. Por que tudo isso se seu
marido não usa?
Aproveito sua distração para girar meu outro pé e conseguir desferir um chute nele. O golpe
sai um pouco desajeitado e quase não o atinge, mas é o suficiente para desnorteá-lo e acertar uma
investida no vão das suas pernas. O homem se curva diante a dor, segurando o saco esmagado, o que
o faz soltar meu calcanhar e me dar a chance de fugir.
— Vadia desgraçada! — esbraveja às minhas costas.
Retorno por onde entrei e desço para o segundo piso, depois para o térreo, desviando-me no
meio do caminho e entrando em outra porta mais aos fundos da casa. Há uma escada em caracol que
leva ao subterrâneo, onde Ettore cultiva uma adega climatizada. Talvez eu tenha alguma chance de me
esconder. Mesmo aqui, consigo escutar as ordens raivosas e altas do russo, agora em inglês, enquanto
vasculha o segundo andar.
— Sei que disse que podiam recuar porque ela estava no papo, mas a vagabunda conseguiu
fugir. Voltem e revirem a porra dessa casa até encontrarem ela!
Mantenho as luzes apagadas e caminho entre os vinhos, esforçando-me para acalmar meu
coração doido. Escondo-me no vão entre uma prateleira e a parede e fico na espreita. Decido por
puxar uma garrafa — Ettore que me perdoe depois caso eu precise usá-la de forma não-convencional
— e a seguro com firmeza contra meu peito. Fico aqui, agachada, conseguindo ouvir os homens
vasculhando todo o lugar. Acho que a casa ser bem grande foi uma cartada de sorte. Fecho os olhos
com toda força e permaneço imóvel, nem sei por quanto tempo, mas o suficiente para que não haja
mais nenhum outro som ambiente. Não ouço mais os russos me procurando nos andares de cima.
Talvez tenham se afastado o suficiente, talvez tenham ficado quietos para me fazer pensar que foram
embora e, assim, eu deixe meu esconderijo, ou podem ter ido, de fato, embora. Ettore está a caminho,
sei que eles sabem disso, e os russos também não querem chamar atenção das autoridades.
Não sei o que fazer.
Então, ouço o ranger da porta da adega. Abro os olhos, não conseguindo enxergar muita
coisa por causa da escuridão, e fico atenta. Engulo em seco e obrigo meu coração a bater mais
devagar. Como faço isso se ouço os gemidos da escada denunciando que alguém está descendo? O
desespero me toma por completo quando as luzes são acesas. Enfio-me mais no vão, apertando a
garrafa contra meu peito, procurando ficar na penumbra, sem coragem de espionar para saber onde
diabos a pessoa está.
Ouço os passos cautelosos, como se à procura de alguém, e não consigo conter um soluço.
Levo a mão à boca, abafando o gemido doloroso, amedrontada que o simples barulho tenha
denunciado minha posição. E, Santo Dio!, ele está mesmo vindo na minha direção. Consigo ouvir
seus passos por trás de mim, aproximando-se. Se ele virar a esquina do cômodo, vai me encontrar.
Quando sinto que está a dois passos de onde estou, saio do meu esconderijo, em uma atitude meio
impensada, bradando o vidro erguido, pronta para agredir quem quer que esteja aqui. Desço o golpe,
que é impelido com um segurar forte pela garrafa, e meus olhos encontram os seus, claros e
impassíveis.
— Calma aí, Kill Bill — Ettore diz, tomando o vinho das minhas mãos e olhando para o
rótulo. Ele enruga o cenho, como se desaprovasse minha escolha. — Sabe quanto tempo faz que estou
envelhecendo essa safra? Você ainda era uma criança quando comecei. — Eu rio, não sei de que, mas
rio. Aliviada que seja ele, levo a mão ao coração e suspiro.
— Grazie a Dio é você — murmuro, dando um passo instintivo na sua direção.
Meu marido recua, e só então me dou conta que ia abraçá-lo. Pigarreio para desfazer o
desconforto.
— O que aconteceu com seu rosto? — pergunto, assustada, notando os hematomas.
Ele trinca o maxilar.
— Tomei uma surra. — É tudo que diz e, pelo seu tom, sei que não vai entrar em detalhes.
— E os russos? — sussurro, decidida a não insistir.
— Foram embora. Já não tinha mais ninguém quando chegamos. Pensei que podia ser uma
armadilha, que estivessem escondidos. Por isso, fui cauteloso ao entrar na adega. Você está bem?
Abano a cabeça em positivo, agradando-me com sua preocupação. Não faço ideia por quê.
— Eles simplesmente foram embora?
— Pelo visto sim. Acho que sabiam que podíamos chegar a qualquer momento, não sei. Eram
em muitos?
— Apenas três, até onde vi, e um atirador de elite.
— Provavelmente ficaram com medo de serem em menor número quando chegássemos com
reforços. Algo assim. O que é meio amador porque… — O homem fica calado, abanando a mão no
ar e dispensando o comentário.
Faz sentido. Se eles tinham pretensões de invadir a casa e me pegar, deveriam ter vindo em
um grupo maior. Estranho. Ou talvez tenham pensado que seria uma tarefa fácil.
— Ettore?! — É a voz de Enrico descendo a adega. — Tudo limpo aí?
— Sim — o irmão grita de volta. — Agradeça às bonecas, mas pode dispensá-las. Os putos
já foram todos embora.
Meu cunhado surge um segundo depois, vindo até nós. Ele me olha dos pés à cabeça e
pergunta como estou. Digo que estou bem. Ele toca no meu lábio um pouco inchado e cortado. Conto
o que aconteceu e tenho a impressão de que Ettore fica tenso no lugar.
— É só um corte. Estou bem. Envolveram as bonecas nisso? — pergunto, mudando de
assunto. “Bonecas” é o apelido para as integrantes das Dark Dolls, a máfia liderada pela amante do
meu cunhado.
— Elas estavam mais próximas daqui do que nós — Enrico explica. — Brooke ordenou que
um grupo viesse para cá, mas já não tinha ninguém quando chegaram. Fugiram como um bando de
ratos, aqueles putos vermelhos.
— Chega de tricotar — Ettore se intromete, exasperando. — Arrume só o necessário.
Precisamos ir. Agora mesmo.
— Para onde vamos?
— A casa está desguarnecida. Não é seguro ficar aqui. Ao menos, não até conversarmos com
Nikolai e resolvermos a situação. — Ele baixa o olhar para o vinho ainda nas suas mãos e abre um
sorriso. — Inacreditável. Tanto vinho mais novo aqui e você escolheu justo esse para se defender.
Francamente, Giovanna.

Arrumo uma mochila com alguns pares de roupa, pertences, um kit de maquiagem e itens de
higiene pessoal, enquanto Ettore faz o mesmo no quarto dele, e coloco algo mais adequado que um
roupão. Depois de pegar meu celular, que caiu na varanda quando o russo conseguiu me derrubar, eu
o espero na garagem. Meu marido não demora muito para aparecer, acompanhado do irmão e de
Brooke. Eles trocam algumas palavras que, por causa da distância que estou, não consigo entender o
teor do assunto.
— Uma escolta vai nos acompanhar — ele informa assim que me encontra. — Alguns dos
nossos homens e umas bonecas da Brooke farão a segurança.
— Para onde vamos? — Quero saber, colocando minha mochila no porta-malas, quando
Ettore o abre para jogar seus pertences lá.
— Para a cobertura de algum hotel dos nossos associados. Ainda não sei qual. Vamos decidir
no caminho. As opções são muitas, então, se aqueles putos quiserem nos pegar, vão demorar um bom
tempo para nos achar.
Rodamos pelas ruas de Las Vegas por alguns minutos até que, finalmente, temos nossa casa
segura. Aparentemente, já estavam sabendo que viríamos porque, quando chegamos, a suíte na
cobertura está preparada com roupas de cama, mesa e banho, além de o café da manhã estar servido.
Um segurança descarrega nossas bagagens, e Ettore está novamente no telefone assim que entramos,
afastando-se para ter privacidade. Belisco alguns pãezinhos, mas estou sem muita fome, então logo
me afasto. Meu marido volta cinco minutos depois e desaba sobre o sofá.
Observo seu rosto lesionado, curiosa em saber o que de fato aconteceu, embora eu tenha
alguma ideia. Não é difícil prever ou adivinhar quando se trata de Ettore. Também tenho outras
perguntas para fazer, mas não me atrevo a colocá-las para fora agora. Vou até o banheiro de um dos
quartos e retorno com um kit de primeiros socorros. Ele não se moveu um centímetro nem abriu os
olhos, mas o faz quando me aproximo, apoiando a caixinha sobre a mesa de centro. Pego uma bolinha
de algodão e aplico um pouco de antisséptico.
— O que está fazendo? — ele pergunta, erguendo uma sobrancelha.
Sento-me ao seu lado.
— Me deixa cuidar desses machucados — peço, já levando o algodão para uma das feridas
no seu rosto.
Ettore se esquiva, como um gato arisco.
— Não preciso de cuidados, Giovanna.
— É claro que precisa. Esse corte no supercílio parece profundo. É bom limpar para não
causar uma infecção maior. Talvez até precise de pontos. É bom dar atenção ao seu olho também, no
que está um pouco inchado. Pode ter…
— Bobagem. Além disso, posso me cuidar sozinho — determina, pegando a maleta de
primeiros socorros e se retirando.
Eu não deveria ir atrás dele. Ettore não merece minha atenção, meu cuidado ou minha
preocupação. Ele me despreza tanto quanto o desprezo e, provavelmente, não teria a mesma atitude
comigo. Não é a primeira vez que aparece lesionado, mas, ainda assim, tem alguma coisa dentro de
mim que me faz me importar com ele mais do que deveria. Decidindo não resistir às minhas
vontades, eu o sigo. No banheiro do seu quarto, ele está em frente ao espelho, dando os pontos
necessários, não escondendo a expressão de desconforto que isso deve causar. Um segundo mais
tarde, nota-me aqui.
— O que quer agora? — O tom não sai tão ríspido, mas ainda tem aquela nota de desprezo.
Encosto-me ao batente e o observo.
— Por que não me deixa te ajudar?
Ele volta sua atenção ao curativo.
— Não preciso de ajuda.
Homem teimoso.
Não digo nada por um tempo. Não quero sair daqui, não quero voltar para lá e ignorar a
existência dele como vinha ignorando há mais de um ano e meio. Quero algumas explicações, quero
entender o que aconteceu com os russos, embora eu tenha uma ideia do que possa ser.
— Essa confusão em que se meteu, foi por causa de uma mulher?
Os olhos azuis dele se desviam para mim por um segundo. Ettore pega uma tesoura e corta o
fio do ponto.
— Indiretamente, sim.
A confirmação não causa nada em mim. Nunca senti ciúme dele e das suas amantes e não vai
ser agora que vou sentir. Ettore não significa muito na minha vida, mas mesmo que não me importe
com quem se deita ou deixa de se deitar, tem um ponto nisso tudo que me incomoda agora.
— Por que vieram atrás de mim?
Ettore se vira na minha direção, encostando os quadris na bancada da pia.
— Para tentar me atingir, é claro.
Dou uma risada meio ácida, completamente sem humor.
— São um bando de idiotas porque você não se importa comigo, não é?
— Te tirei de lá, não tirei? — rebate, dando-me as costas outra vez. Ele pega uma gaze e
começa a aplicar em outro hematoma.
— Isso significa que se importa? — questiono de volta, só para provocá-lo.
Ettore me olha pelo reflexo do espelho, um pouco furioso, talvez compreendo a provocação,
mas logo fica indiferente outra vez. Torna a dar atenção ao seu curativo e responde:
— Não me importo, mas isso não significa que sou completamente desprovido de emoções.
Além do mais, se deixo os russos fazerem o que quiserem com você, isso ia foder para o meu lado.
E, sinceramente, Giovanna? Não vale a dor de cabeça.
Babaca idiota.
Ele pensa que me atinge com isso, só que na verdade não me atinge. Não faz diferença na
minha vida que meu marido não se preocupe comigo. Não me preocupo na mesma medida. Ou não
me preocupava, porque vim até aqui oferecer ajuda.
— Posso te fazer uma pergunta?
Ettore exaspera, impaciente. Fecha o kit de primeiros socorros com força e se vira para mim.
— Faça logo.
— Por que não me toca?
O questionamento parece pegá-lo desprevenido. Seguro um sorrisinho ao ver que até a
postura dele muda um pouco, como se tivesse sido chacoalhado e precisasse de um ponto de apoio
— noto como aperta a bancada atrás dele. Não espero me dar uma resposta e avanço um passo,
fazendo outra pergunta:
— Por que prefere foder um monte de prostitutas aleatórias a se deitar comigo, a me tocar? O
que elas têm que eu não tenho?
— Elas são só isso, Giovanna — responde, por fim. — Um bando de prostitutas. E vão
continuar sendo apenas umas putas que eu como vez ou outra. Minhas amantes nunca sequer chegaram
perto de estar onde você está, mas não deveria.
Engulo em seco, porque isso sim me afetou agora. Não é como se eu quisesse estar casada
com esse homem, não é como se eu tivesse culpa pela morte de Maggie ou que tenha tomado o lugar
dela propositalmente. Ele não tem motivos para me tratar dessa maneira. A menos que… Dou mais
um passo na sua direção e quase posso dizer que o sinto ficar tenso com minha aproximação.
— Você tem medo de se apaixonar por mim? — As narinas dele inflam. — É por isso que se
recusa tanto a me tocar? Tem medo que eu tome o lugar de Maggie na sua vida?
Ettore não responde, mas a expressão dura no seu rosto, de contrariado, é toda resposta que
preciso.
— Não diga besteiras, Giovanna — rebate, virando de costas para mim, espalmando contra a
pia.
— Não vejo outra explicação — provoco-o mais um pouco.
Ele dá uma risada esganiçada e me olha de novo, através do espelho.
— Por que está tão doida para eu te tocar, para que enfie meu pau na sua boceta?
Dou de ombros, indiferente.
— Só quero experimentar. Diferente de você, que pode sair se enfiando entre as pernas de
qualquer uma, eu não posso abrir as pernas para qualquer um.
Meu marido não muda de expressão. Ele continua demonstrando que não se importa com
nada. Não sei se de fato não está nem aí ou se atua muito bem.
— Por que você não pode? — pergunta, tombando a cabeça um pouco para o lado. — Nosso
casamento é mera formalidade, Giovanna. Quer dar essa bocetinha para um macho qualquer? Dê.
Estou pouco me fodendo. Se é disso que precisa, de uma autorização, então eu autorizo.
Ettore acha que é disso que se trata. Se esse casamento fosse em qualquer outra esfera, não
teria pensado duas vezes em experimentar com outro homem, a fazer o que ele faz comigo. Mas uma
mulher adúltera dentro de um núcleo mafioso nunca sai ilesa.
— Não preciso de autorização. Você sabe que é aceitável, e até é visto como um direito, um
membro masculino da famiglia ter uma amante. O mesmo direito para as esposas deles é
inadmissível, e sempre há punições para esse tipo de conduta. E, sinceramente, Ettore? Um pau não
vale a dor de cabeça — devolvo suas palavras.
— No vou contar a ninguém — diz, girando na minha direção.
— E arriscar minha cabeça quando por acaso ficar irritado comigo ou com alguma coisa e
usar isso contra mim? Não, obrigada. Preferia que essa regra machista, arcaica e sexista não
existisse. Já que ela existe e…
Ettore não me deixa terminar de falar.
— Regra machista? Arcaica tudo bem, mas sabe que essas normas foram criadas mais por
política do que por machismo.
Odeio concordar com o bastardo, mas, até certo nível, ele tem razão. Em diversas ocasiões,
os filhos sucedem os pais. Para que seja garantida uma linhagem de sangue dos líderes, suas
mulheres não podiam ter vários companheiros porque, na época, era impossível comprovar a
paternidade do herdeiro.
— Uma mulher sempre sabe que o filho é dela — respondo, revirando os olhos. — Hoje em
dia, temos exames de DNA. Sua regra idiota continua sendo machista.
— Tornou-se — rebate, balançando a mão no ar. — Não vou debater História com você,
Giovanna. Além do mais, não é uma regra minha. É uma regra da famiglia. Que estou te incentivando
a burlar. Vá e faça o que bem entender, deite-se com qualquer um. Já disse que não me importo. —
De novo, ele se vira de costas para mim.
Recuo um passo, de repente, pensando nas palavras de Antonela. Se eu fosse você, seduzia o
Ettore. A ideia já me passou pela cabeça, mas respeitei o espaço dele. Talvez, agora, deva fazer isso
mesmo. Não porque estou interessada nele, mas porque quero provocá-lo. É isso o que vou fazer.
— Não quero experimentar com qualquer um — digo, um tom mais baixo, e o encaro pelo
espelho. Ettore fica atento em mim. — Quero experimentar com você.
“Quero experimentar com você.”
Engulo em seco, não sabendo por que meu corpo todo estremece diante essas palavras, e
tento afastar todas as imagens obscenas que passam pela minha cabeça. Levo alguns segundos para
notar que Giovanna está me olhando daquele jeito pelo reflexo do espelho, e isso tudo é o inferno
para mim. Odeio ter que admitir que ela está mexendo com meu juízo. Por Deus, como isso pode
estar acontecendo?
Fecho os olhos e regulo minha respiração que, de repente, deu de ficar descompassada.
Obrigo meu coração a desacelerar e meu pau a murchar. Não é possível que eu esteja mesmo
excitado por essa menina, por causa do que ela acabou de dizer — e confesso que fertilizou minha
imaginação quase na mesma hora. Imagens de todas as formas como eu poderia foder essa garota
permearam minha mente um segundo depois.
— Eu sou virgem e… — Giovanna diz, sua voz agora mais próxima. Quando ergo as
pálpebras outra vez, vejo-a às minhas costas, perto demais de mim.
Deslizo para o lado, fugindo dela, e deixo o banheiro. É claro que ela vem atrás de mim para
perturbar a porra do meu juízo.
— Ettore!
Viro-me na sua direção, já farto com essa história que mal começou. Já entendi que está
tentando me seduzir. Está desesperada para foder e como o casamento não permite que saia abrindo
as pernas por aí, a garota está obstinada a me enlouquecer até que eu ceda e me enfie entre suas
coxas. O que não vai acontecer. Jurei que nunca tocaria nela e vou até o fim!
— Esqueça — determino, irredutível, a voz firme e grossa. Sinto cada músculo tenso porque
estou lutando contra minha razão, que de forma alguma quer qualquer contato sexual, e contra meu
próprio corpo, que responde aos pequenos estímulos que essa menina me causa.
— Por quê? — O questionamento parece realmente genuíno, realçado pela forma como põe
as mãos na cintura. — Tem medo de se apaixonar por mim?
— Você de novo com isso — digo, impaciente, até com um pouco de raiva. Não dela, mas de
mim porque talvez o problema seja esse mesmo.
Não vou admitir em voz alta nunca, porque mal admito para mim mesmo, mas de fato tenho
receio de cair de amores por essa desgraçada. Giovanna mexe comigo desde muito antes. Não
começou porque descobri sua fantasia suja ou porque ela se masturbou me vendo foder outra. A
verdade é que o sentimento sempre esteve aqui, surgiu em algum momento desde que nos casamos,
mas eu o sufoquei de todas as formas possíveis: ocupando-me com os negócios da famiglia,
comendo minhas putas e evitando minha esposa a todo custo, de todas as maneiras. Essa garota não
vai tomar o lugar de Maggie no meu coração. Não posso permitir que isso aconteça. O contato físico,
o contato sexual pode intensificar essa… essa… coisa que venho sentindo por ela há algum tempo.
— Pois é o que parece — insiste. Passo a mão pelos cabelos, ignorando a dor nos pontos que
eu mesmo tive que dar no meu supercílio. — Ainda vou seduzir você, Ettore — promete. Ao erguer
os olhos para suas íris verdes, vejo certa determinação ali.
Dou uma risada ácida.
— Espere deitada, porque sentada vai formigar sua bunda.
Afasto-me dela imediatamente, refugiando-me na minha suíte, porque sei que basta uma
pequena investida e eu cedo. Fácil assim.

Embora não seja seguro deixar o hotel tão cedo, é o que faço. Ao entardecer do mesmo dia ao
ataque à minha casa, com uma escolta reforçada, saio do hotel e sigo até o Paradise. No banco
traseiro do carro, durante o percurso, não consigo evitar que meus pensamentos me levem até
Giovanna. Passei todo o resto do dia enfurnado na minha suíte — com a porta trancada — no intuito
apenas de evitar a menina e controlar meus instintos.
Nunca foi difícil resistir a ela. Meu luto ajudou, meus trabalhos ajudaram, minhas amantes
ajudaram, a própria Giovanna — deixando-me em paz e fazendo pouco caso da minha existência nos
últimos dezenove meses — ajudou. Mas agora, se ela estiver realmente obstinada a me seduzir para
“experimentar comigo” não sei quanto tempo sou capaz de aguentar. Minha esposa é bonita, é
gostosa, e desde a ocasião do seu voyeurismo já bati uma meia dúzia de punhetas pensando nela,
além de ter trepado com uma puta ou outra a imaginando no quarto, assistindo tudo. A possibilidade
de eu resistir à minha mulher se ela jogar com todas as suas cartas é mínima. Não sou um bunda-mole
qualquer. Vou me esforçar para manter meu pau longe dela.
— Ettore?
Ergo os olhos, notando que estamos no estacionamento subterrâneo do Paradise Casino &
Hotel. A porta do meu lado do passageiro da SUV está aberta, e, do lado de fora, Dario Parisi me
encara, talvez notando que eu estava perdido no mundo da lua.
— Oi, Dario — digo, por fim. Desço do carro e passo a acompanhá-lo até o elevador
privativo. Meus capangas vêm atrás, na frente e nos flancos, fortemente armados. — Enrico já
chegou?
— Creio que sim — responde, ajeitando seu chapéu na cabeça. — Também acabei de chegar.
Seu irmão disse que você não precisaria vir, se não quisesse.
Liguei mais cedo para Enrico, querendo saber como resolveríamos a questão com os russos.
Ele me garantiu que tentaria uma reunião por videoconferência com Nikolai, mas que eu não
precisava participar. Aconselhou-me a não deixar as dependências do hotel, argumentando com um
monte de protocolos de segurança, mas ignorei cada um deles e fiz questão de vir.
— Eu quis. Aquele russo maldito foi atrás da minha mulher, Dario.
Mal me dou conta de como enfatizo “minha mulher”. Tem todo um tom de possessividade que
não deveria existir. A nota de preocupação com sua integridade que não deveria existir. O senso de
proteção com ela que não deveria existir. O medo de perdê-la e eu me ver de luto de novo que não
deveria existir.
— Compreendo. Eu teria feito o mesmo.
Entramos no elevador. Cinco minutos depois, estamos reunidos no escritório de Enrico. Ele
já está por aqui quando chegamos, andando de um lado a outro na sala, um charuto entre os dedos ao
mesmo tempo em que segura um copo de uísque. Usando calça social, camisa branca e suspensórios,
ele parece nervoso e irritado. Romeo De Santis e Giacomo Vitali, chefes de seus respectivos clãs, já
estão presentes, acomodados em seus lugares, em silêncio, apenas assistindo o capo dei capi
andando para lá e para cá. Ninguém se atreve a dar um pio quando El Diablo está possesso.
— Você veio — diz ao me ver, apoiando seu copo na mesa. — Muita coragem a sua, não
acha, Ettore? Essa confusão toda. — Ele movimenta o indicador no ar, em círculos. — Só começou
por sua causa. Porque não sabe manter o pau dentro das calças e porque não sabe controlar seu
temperamento.
Exaspero, sem cabeça para as ladainhas de Enrico.
— O puto do Nikolai já está on-line? — desconverso, ajeitando-me no meu lugar.
Meu irmão me lança um olhar mortífero — daqueles que prometem me esquartejar vivo e
espalhar meus pedaços em sacos de lixo por toda Las Vegas — e inspira fundo. Ele vai até sua mesa
e vira o notebook na nossa direção, conectando, por fim, a chamada com o russo desgraçado. Na tela
do computador, vejo um Nikolai descontraído, sentado na poltrona de couro que foi de Sergei,
balançando-se para lá e para cá.
— Nikolai? — Enrico chama, dando uma tragada rápida no seu charuto. — Está nos ouvindo
bem? A conexão está boa?
— Perfeitamente. — Seu sotaque nojento preenche o ambiente. — Vamos logo ao assunto
porque tenho mais o que fazer, Enrico. — O puto olha para alguém atrás da sua tela, abana a cabeça
em positivo e faz um gesto de mãos. ​— O que querem?
— Uma trégua. — É Romeo De Santis quem diz, logo atrás de mim. Sua voz sai entrecortada,
provavelmente porque está fadigado. Também, um porco enorme desse tamanho. A gordura em sua
barriga deve estar comprimindo seu par de pulmões.
— Uma trégua? — O tom do russo é puro desdém.
Meu irmão suspira, acomodando-se na sua cadeira — na primeira fileira, frente ao notebook.
Cruzando as pernas, dá outra tragada no seu tabaco e suspira.
— Isso mesmo. Não há necessidade de entrarmos em uma guerra.
Do outro lado, o homem solta uma risada insana, meio histérica, eu diria até psicótica.
Pushkin se curva sobre a mesa, seus olhos direto na câmera, fazendo contato visual conosco.
— Tínhamos um pacto de não-agressão que vocês quebraram.
— Ettore quebrou. — Dario Parisi faz questão de lembrá-lo. Maldito desgraçado. — As
burradas que esse garoto faz não podem refletir nos nossos acordos, Nikolai.
Noto que os homens estão, de fato, empenhados em esquecer essa questão. É crucial que a
paz permaneça e que as alianças com os russos sigam firme. Só assim para meu irmão colocar em
prática o plano de passar a perna nos putos no momento propício.
— Querem que a morte de Alexei fique barato? Ele era um dos meus melhores homens.
— Você já revidou — Enrico pronuncia, estranhamente calmo. — Matou alguns dos nossos na
Espanha. Estamos quites.
O russo dá um soco na mesa, e o barulho que atravessa a videoconferência é alto e ao mesmo
tempo abafado.
— Não, não estamos quites, Enrico Martini! — O homem desvia o olhar para mim,
apontando o indicador na minha cara. Uma pena ele estar do outro lado do mundo porque se estivesse
na minha frente fazendo o mesmo, eu arrancaria seu dedo fora com um alicate. — Você é uma bomba-
relógio. Quem me garante que não vai ter outro acesso de raiva e matar mais um dos meus
meninos?
Estou abrindo a boca para dizer que é só esse bando de filho da puta não me provocar, mas
meu irmão toma a dianteira e responde por mim:
— Eu garanto. Vou manter esse bastardo na linha. Pode confiar na minha palavra, Nikolai.
O russo olha atentamente para a tela, como pudesse vasculhar nossos olhos, e volta
lentamente para sua cadeira, ajustando-se ao encosto como se estivesse relaxando no fim de uma
tarde longa de trabalho.
— Esse menino precisa de uma punição, Enrico, isso sim. A máfia não é terra sem lei. Ele
matou um homem sem qualquer motivo. Precisa puni-lo ou não teremos mais acordo.
Meu irmão olha para mim. Sinceramente, ainda não sei como não explodi com esses malditos.
Dario me chamando de garoto, Enrico falando em “manter esse bastardo na linha” como se eu fosse a
porra de um adolescente encrenqueiro, e agora esse russo chupa-pau me chamando de menino e
querendo que eu seja punido. Deveria mandar todos eles tomar no cu, mas sei que já fiz bobagem
demais e preciso me manter no controle. Por esse motivo, só por esse motivo, administro meu
temperamento e fico na minha. Sem estresse, Ettore. Sem estresse.
— Ele já teve o que merecia, Nikolai — Giacomo diz. — Enrico mesmo já cuidou de surrá-
lo. Não está vendo como está com a cara arrebentada?
O velho russo dá outra risada sinistra.
— Ettore não é mais uma criança, meu camarada. Acha que uma surra de cinta vai
resolver o problema dele? Se fôssemos pessoas comuns, eu o aconselharia a procurar uma
terapia… Como não somos, o castigo precisa fazer jus à nossa organização, ao que somos e à
gravidade do que ele cometeu. Garanta-me que ele será corrigido conforme espero, sob minhas
condições, e prometo que dou uma trégua e retomamos os negócios.
Enrico outra vez me olha. Por um segundo, seu rosto está suave, quase compadecido, como se
sentisse por mim. No instante seguinte, contudo, a suavidade se transforma em raiva e vejo quando as
suas pupilas pretas se dilatam e o maxilar fica tenso.
— Ettore será punido com todo rigor da máfia — meu irmão concorda desviando o olhar de
mim para os demais chefes logo atrás, buscando a aprovação deles. Há um instante de silêncio,
pesado e intenso, e eu não me atrevo a me virar e ver o semblante desses velhos nojentos. Tudo que
ouço são burburinhos afirmativos. — Sob suas condições, Nikolai. O que quer fazer com ele?
Torturá-lo por uma semana inteira? Privá-lo de comida, água e sono? Arrancar suas unhas? Tomar
seu clã?
Nikolai abre um sorriso fácil e cínico e torna a balançar na sua cadeira de couro, de um lado
a outro.
— Não. Não acredito muito que afligir dor física nele seja eficaz para puni-lo e corrigi-lo.
— Tortura psicológica, sério? — Me manifesto, soltando uma risada esganiçada. — Foda-se,
vão em frente. Sou um ferrado mesmo. Não vão conseguir muita coisa.
Parecendo interessado, o russo se curva novamente sobre sua mesa.
— Pois eis aqui minhas condições, Ettore. Entregue-me sua esposa.
Dou um salto na cadeira na mesma hora, assustado com seu pedido. Enrico também se
levanta, empurrando-me de volta ao meu lugar, mas sem sucesso. Acontece que apenas de imaginar
Giovanna nas mãos desses putos vermelhos faz meu sangue subir à cabeça, tão desordenadamente
que mal me vejo pegando o notebook de cima da mesa e gritando com o homem do outro lado da tela,
como se pudesse pegá-lo pessoalmente e amassar sua cara ordinária no soco.
— Seu grande filho da puta! — grito, espirrando saliva contra a tela do computador. — Fique
longe dela, está me entendendo? Russo desgraçado!
Enrico consegue tomar o laptop da minha mão e voltá-lo a mesa. Ele me empurra de volta no
meu lugar e me manda calar a porra da boca e a me controlar. Estou vendo tudo vermelho ao passo
que meu irmão fala comigo, chamando-me de volta. Estou tão possesso com a exigência do
desgraçado que demoro a me recuperar. Preciso tomar dois tapas na cara para que isso aconteça.
— Fica calmo, porra — meu irmão adverte, entredentes.
Inspiro fundo, retomando o controle, enquanto Enrico se volta para Nikolai, mas é Romeo
quem se manifesta:
— Que pedido absurdo é esse?
Ando de um lado a outro, nervoso. Fico aflito só de imaginar esse asqueroso colocando suas
mãos sujas em Giovanna. Eu nem deveria estar me importando assim com essa menina. Por que
simplesmente não ligo o foda-se e deixo que o russo faça o que bem entender com ela?
— É um pedido justo, Romeo. Me entregar Giovanna é um bom castigo para Ettore e
equivale à perda que sofri.
Ainda indo de lá para cá, dou uma risada alta e sádica, inconformado com a comparação
ridícula. Desde quando Alexei e Giovanna têm o mesmo nível de importância? Ela é casada com um
capo do clã Martini, enquanto aquele rato de esgoto não era ninguém.
— Por favor, Nikolai ​— Enrico diz, com o mesmo inconformismo que estou sentindo.
— É a verdade. Tinha Alexei como um filho. Uma vida pela outra. Sangue por sangue.
— Ah, conta outra! — resmungo.
— Nikolai — El Diablo diz, virando-se para a webcam —, isso está completamente fora de
cogitação.
O homem une as mãos em triângulo na frente do queixo, o rosto está calmo, sereno, os lábios
curvados para baixo, em uma expressão que denota que não era a resposta que esperava de nós.
— Podemos negociar. Poupo a esposa do Ettore, mas, ainda assim, quero que a entreguem
para mim, por um tempo. Soube que os dois pombinhos não consumaram o casamento ainda. —
Um sorriso nojento se manifesta nele e, nesse instante, fico ainda mais enojado com o que esse
maldito está propondo. — Me deixem deflorá-la e continuaremos com os negócios.
Sem poder me segurar mais, explodo, olhando na câmera como se fosse os olhos de Nikolai:
— Mato você antes que tenha a chance de tocar um só dedo nela, está me ouvindo?! —
Novamente, Enrico precisa me controlar, segurando-me pelos ombros e me afastando do laptop.
Romeo, Dario e Giacomo se levantam dos seus lugares e vão até meu irmão, meu sogro
apoiando a mão no ombro de Enrico. Os três trocam algumas palavras, De Santis cochichando que
podem dar um jeito de lidar com os russos, mas que é inaceitável tal pedido. Ofende sua honra, a
honra de sua filha. Porra, eu me sinto extremamente ofendido também! Meu irmão concorda, também
achando que é um tremendo disparate.
— Nikolai — Dario Parisi se manifesta agora, com um suspiro cansado —, tudo o que está
fazendo aqui é ganhando tempo e nos provocando, não é?
A cara de debochado dele é uma resposta afirmativa.
— Puto maldito — meu irmão resmunga, olhando para câmera.
— ​Sou homem de palavra — Nikolai responde, erguendo as mãos. ​— Estou dizendo que
basta aceitarem que eu desvirgine aquela gostosinha que relevo a quebra do pacto de não-
agressão e dou uma trégua.
— Então, suponho que vamos entrar em uma guerra. — A voz de Enrico está concentrada,
carregada de ódio e convicção. — Você não vai tocar na Giovanna.
Um breve instante de silêncio e tensão recai sobre nós, preenchendo toda a sala e se tornando
quase palpável, antes de o antigo braço direito de Sergei se curvar sobre sua mesa e seus olhos
encontrarem os meus.
— Vou caçar sua esposa, Ettore — diz, sem emoção alguma. — E quando eu a encontrar,
vou estuprá-la na sua frente. Depois, vou matá-la também na sua frente. Vou poupar sua vida para
que viva com essa lembrança o resto dos seus malditos e miseráveis dias.
Mal noto quando saio do meu lugar e pego o notebook em minhas mãos, desejando estar
pegando o russo para socá-lo até a mote.
— Se tocar em um só fio de cabelo dela, é bom que me mate, Nikolai, porque se me deixar
vivo, não vou descansar enquanto não encontrar você e te matar muito lentamente — ameaço,
entredentes, mantendo-me no controle, por mais incrível que pareça.
O russo dá uma risada enigmática antes de encerrar a chamada.
Nesse momento, sinto meu coração acelerado e aperto os dentes tão forte que tenho medo de
quebrá-los com a mordida. Os homens à minha volta começam a discutir a questão da nossa
segurança — minha e de Giovanna — e de como precisam se preparar para uma guerra. Disperso-me
nesse instante, ainda administrando tudo isso dentro de mim.
— Você está me ouvindo? — Enrico pergunta, pegando no meu ombro e me virando na sua
direção.
— O que você falou?
O homem aperta os olhos, impaciente.
— Trocar de endereço, redobrar a segurança, talvez deixar Las Vegas por um tempo. Você e
Giovanna. Temos domicílios na Itália e…
— Não vou me refugiar na Itália. Não por causa daqueles malditos. Por acaso tenho cara de
Michael Corleone?
— Ettore, estamos em guerra — Romeo interfere, a voz preocupada.
— Eu sei. Não é a primeira, nem será a última.
— Giovanna… — Enrico está tentando dizer, mas eu o interrompo:
— Vou protegê-la. — A afirmação mexe com todas as minhas entranhas e não parece
realmente ter saído da minha boca. Desde quando me preocupo com aquela pirralha mimada? —
Custe o que custar.
Todos eles me olham por um instante bastante longo, provavelmente não confiando muito na
minha palavra porque nunca fui de esconder o desprezo que sempre senti pelo meu casamento. Não
foi segredo para ninguém que jamais me importei de verdade com minha esposa, e é claro que minha
recente postura desperta desconfianças. Não me importo, digo a mim mesmo, como uma forma até de
me convencer que de fato não me importo e só estou me propondo a protegê-la porque Giovanna não
tem culpa das minhas merdas, dos meus surtos e descontroles, não tem culpa das confusões que me
meto e não merece pagar por nada disso.
Convencidos de que estou falando sério, os homens acenam em positivo. Uma vez que não
tenho mais o que fazer aqui, anuncio que preciso voltar para minha cobertura, mas Enrico me chama.
— Tem mais uma coisa — diz, pegando um charuto e mastigando a ponta do filtro antes de
acendê-lo. — Você está proibido de ter amantes.
A risada involuntária que escapa de mim é seca, como se eu portasse alguma doença crônica
de pulmão.
— Adorei a piada — respondo, virando nos calcanhares para me retirar.
— Não é uma piada — meu irmão diz, muito firme, muito convincente, mas também muito
calmo. Quando viro para ele outra vez, o homem continua no mesmo lugar, mascando o filtro do seu
maldito charuto, os olhos negros e ameaçadores sobre mim. — Estou falando muito sério. Você está
terminantemente proibido de ter amantes.
Moo o maxilar, a raiva subindo das minhas entranhas e parando na garganta. Quem ele pensa
que é para querer mandar na minha vida? Nem Giovanna tem o direito de me impor algo assim, quem
dirá esse maldito!
— Talvez você não saiba, Enrico, mas na minha vida mando eu.
— Sou obrigado a concordar com seu irmão, Ettore — Giacomo se pronuncia. — Andamos
conversando e isso é uma medida necessária.
Ah, então eles andaram conversando.
— Medida necessária? — Mas do que é que esses homens estão falando? — Ter uma amante
é um direito meu! Como vocês têm ou já tiveram as suas.
Suspirando pesadamente, Dario olha para mim.
— Escute, garoto, sabemos que é um direito seu, mas você não está sabendo se portar. Desde
que Maggie se foi. — Sua voz baixa um pouco aqui, e sei que ele está sentindo falta da filha como
sinto falta da minha esposa. — Você tem pulado de cama em cama. Isso, mesmo para um mafioso, não
é bom. Ainda mais para um mafioso explosivo e descontrolado como você. Foi por causa de uma
mulher qualquer que essa confusão toda começou. Então, até que volte a se portar de modo a não
atrapalhar mais nossas vidas e nossos negócios, não vai ter amantes.
Estou pensando em rebater essa sua posição absurda quando Enrico se põe entre nós dois, o
charuto agora aceso.
— Se quiser, tenha uma amante fixa que…
— Não — rebato, quase sem abrir a boca. — Você sabe o que aconteceu com minha última
amante fixa. — Meu irmão troca um olhar rápido com os outros capis, entendendo a que estou me
referindo. — Foi exatamente por esse motivo que decidi não ter amantes fixas. Evito que uma
vagabunda qualquer se infiltre na famiglia de novo.
— Vamos ser mais cuidadosos na hora de investigar o passado dela.
— Eu não quero! — digo, mais incisivo.
Enrico suspira e sai de perto de mim, voltando para sua mesa. Ele se ajeita na sua cadeira de
couro.
— Então não vai ter amante nenhuma. Nem fixa, nem momentânea.
Eu vejo tudo vermelho, ficando cada vez mais irado com eles.
— Agora, vão me obrigar a entrar em uma abstinência sexual?
Meu irmão abre um sorriso jocoso.
— Você tem uma esposa, Ettore. Trepe com ela.
A ideia mexe com todo o meu interior de uma maneira que não sei dimensionar. Até parece
um maldito complô. Se Enrico e Giovanna fossem um pouco mais próximos poderia supor que se
trata exatamente disso: um complô. Minha esposa de um lado, determinada a me seduzir; meu irmão
do outro, proibindo-me de ter minhas amantes, forçando-me a me aliviar com minha mulher.
— Maldito hipócrita! — grito, quase salivando. Avanço e espalmo fortemente contra sua
mesa, inclinando-me na sua direção e o olhando nos olhos. Enrico não mexe um músculo. — Preciso
te lembrar que parte da guerra que travamos com os Bianco foi por causa da boceta da sua amante?
Que, olhe só a ironia, tinha planos de enfiar uma bala na sua testa e tomar todo o poder do comando
de Vegas?! Ninguém te proibiu de continuar com ela, seu saco de bosta!
Enrico se levanta, os olhos impassíveis, controlado, mas sei que por dentro sua vontade é de
esmagar minhas bolas e encher minha boca de formiga.
— Não vou discutir e nem perder a cabeça com você, Ettore, porque não é o melhor
momento. Minhas ordens são essas e se não as acatar, serei obrigado a te deserdar. Te deserdo e te
exilo da famiglia e de Vegas. Eu fui claro, irmão?
Dou um soco potente na mesa, que balança com o impacto. A dor esmaga meus ossos, mas
não o suficiente para que eu me importe. Sem dizer mais uma palavra, deixo a sala do Paradise
repleto de fúria em cada passada que dou, sabendo que agora estou fodido.
Realmente fodido.
Seguro o ar frente à suíte, sentindo-me psicologicamente inapto para encontrá-la. Não posso
deixar que aquela menina mexa assim com meus nervos e com a minha mente, mas parece que não
tenho mais controle sobre meus próprios sentimentos quando o assunto é Giovanna. Inspiro ar para os
pulmões, apoio a mão na maçaneta e abro a porta devagar. Três seguranças ficam no lado de fora
quando entro e me deparo com o hall de entrada vazio.
Parece que um alívio instantâneo recai em todo meu corpo ao me dar conta que ela não está
aqui porque assim não terei de lidar com meus sentimentos que envolvem minha esposa. Avanço com
cuidado sobre a sala, esperando que Giovanna surja a qualquer momento, determinada a me
ensandecer com suas pernas longas e despidas, mas isso não acontece até que estou no meu quarto.
Não me preocupo com seu aparente sumiço. Os seguranças têm ordens categóricas de não a deixar
sair, nem mesmo fortemente escoltada, e estamos na cobertura de um prédio de trinta andares. Minha
mulher não teria por onde fugir.
Tiro essa garota dos meus pensamentos e afrouxo a gravata. Desfaço-me do paletó e deixo o
suspensório cair na minha cintura ao passo que me aproximo de um minibar instalado no ambiente.
Sirvo-me com uma dose de uísque e mergulho três cubos de gelo. Movo o copo por um instante,
vendo o líquido marrom acompanhar a cinesia, o gelo tilintando no vidro, antes de virar um gole pela
garganta. Como uma maldição prestes a me consumir por inteiro, sinto o aroma dela.
Pior.
Reconheço o aroma dela. Reconheço o perfume do xampu de camomila que usa para manter
os fios loiros — outro dia, eu a ouvi falando disso com Antonela por telefone —e a fragrância do seu
perfume Gucci. Mesmo que esteja de costas e não possa vê-la, sei que está aqui, logo atrás de mim.
Consigo até sentir o ar um pouco úmido e o cheiro do seu sabonete de frutas vermelhas, revelando-
me que acabou de sair do banho. E — por tudo quanto é mais sagrado — só de imaginar a cena dela
sob o chuveiro sacode todas as minhas bases.
— Você já voltou. — Seu tom sai baixo, quase como um silvo cuidadoso, na intenção,
certamente, de mostrar sua presença sem me assustar. Mal sabe ela que eu já sabia que estava aqui
antes mesmo de abrir a boca.
Suspiro pesadamente e giro nos calcanhares.
Preciso fazer um esforço mental quando a vejo. Como supus, ela acabou de sair do banho —
noto isso pelos cabelos molhados — e traja apenas um robe branco de seda, curto até o meio das
coxas, e está descalça. Seguro o ar por um instante, avaliando-a de cima a baixo, o coração dando
daquela batida arrítmica. Pigarreio e me recupero do golpe.
— Não, Giovanna, eu ainda estou na reunião com Enrico. O que está vendo aqui é uma
projeção. É claro que já voltei. — Viro o restante do meu uísque, engolindo com uma força
desnecessária porque o líquido parece viscoso demais.
— Está estressado — zomba, aproximando-se a passos vagarosos, exalando sedução de uma
supermodelo. — Dizem que sexo é ótimo para descarregar o estresse. — A mão dela segura a barra
do robe, e um sorriso sapeca surge nos lábios enquanto, em um movimento muito lento, vai subindo a
vestimenta.
Meus batimentos disparam e, em um ato instintivo, eu me viro e caminho de volta ao minibar,
colocando outra dose de álcool para mim. Fico assim, de costas para ela, resistindo a todas as
minhas vontades de me virar e ver se minha esposa teve a audácia de terminar de erguer a peça.
— Até faria — respondo, enfim, conseguindo manter minha voz firme e neutra —, mas Enrico
me proibiu de ter amantes. — Dou de ombros, encarando o líquido marrom, sem vontade de bebê-lo.
— Você tem a mim. Não precisa das suas amantes.
Solto uma risada esganiçada e viro o álcool goela abaixo, em uma única vez, e o líquido
desce queimando minha garganta.
— Desista dessa ideia absurda, Giovanna — falo, cansado, e me viro para ela de novo. Para
o bem da minha sanidade mental, ela está a dois metros de mim, com as mãos comportadas ao lado
do corpo, e o robe no lugar onde deve estar. — Não vai conseguir me seduzir e sabe por quê? Você
não faz o meu tipo.
Minha segunda tentativa de atingi-la falha tão bem quanto a primeira. Ela não se abala. Não
esboça reação alguma a não ser escárnio, como se estivesse se divertindo em me ver tentando,
desesperadamente, ser um babaca e diminui-la. Mas Giovanna, apesar da idade e da cara de
menininha inocente e recatada, tem uma força diferente. Uma determinação diferente. Ela não se
abala. Sempre foi claro que um nunca significou nada para o outro, e talvez seja por esse motivo que
é tão difícil comovê-la. Minha esposa não sente nada por mim, não se importa, então qualquer
tentativa de provocar ciúmes ou atingir sua autoestima é desperdício de tempo.
A falta de interesse deveria ser recíproca. Foi, até semanas atrás, mas agora, sinto como se
estivesse nas mãos dela. Um bonequinho fácil de ser manipulado. Balanço a cabeça de um lado a
outro, devagar, tratando de me esquecer disso. Não estou nas mãos de ninguém. Esse sentimentalismo
todo é apenas eu pensando com a cabeça do pau.
— Um dia vou te provar o contrário — diz, antes de finalizar. — Tome um banho. Se arrume.
Vou pedir o jantar.
Giovanna gira nos calcanhares e sai do meu quarto, levando um pouco do meu juízo junto com
ela.

Eu deveria pedir que o jantar fosse servido no meu quarto, para evitá-la, mas a verdade é que
a necessidade de estar perto dela é maior. Por esse motivo, tomo um banho e visto um terno limpo.
Na sala, a pequena mesa redonda está posta, e Giovanna termina de descer um par de talheres
delicadamente enrolado no guardanapo de pano ao lado de um prato. Ela nota minha presença e se
vira para mim. Esforço-me para fingir que sua beleza não me causa aquele efeito devastador de
sempre. Minha esposa está trajando um vestido vermelho justo, que agarra cada curva do seu corpo
de forma perfeita e tem um decote que valoriza seus seios. Os cabelos, que antes estavam molhados,
agora estão secos, escovados e ligeiramente ondulados, caídos como uma cascata sobre seus ombros.
O rosto também está maquiado com uma sombra marrom, delineado e batom rosa-nude. Saltos
completam seu look. Giovanna abre um sorriso pequeno para mim, desviando o olhar um instante
para a mesa delicadamente posta.
Ela não diz nada, eu tampouco. Não consigo me lembrar, ao passo que me aproximo, quando
foi a última vez que fizemos uma refeição juntos. Talvez nunca tenha acontecido. Puxo uma cadeira e
me sento, avaliando a comida que o serviço de quarto disponibilizou. Giovanna faz o mesmo,
acomodando-se de frente para mim. Ela corta uma fatia de bife Wellington e se serve com legumes
defumados. Opto por purê de batata, brócolis e um pedaço de bife grelhado. Durante os primeiros
minutos, comemos em silêncio. É ela quem diz primeiro:
— Como foi a reunião com seu irmão e Nikolai? Conseguiram uma trégua? Papai me ligou
pouco antes de você sair, queria saber como eu estava, e aproveitou para comentar que…
Suspiro alto, interrompendo sua faladeira. Não há necessidade de ficar me dando detalhes de
tudo.
— Não, não conseguimos — respondo, secamente, levando um pedaço de brócolis à boca.
Sem engoli-lo por completo, incluo, apontando o garfo na direção dela: — Ele chegou a fazer uma
proposta para darmos uma trégua.
Por baixo da mesa, sinto quando cruza as pernas e fico tentado a dar uma espiada.
— Que proposta? — Ela limpa os lábios com o guardanapo de pano delicadamente, e fico
meio impressionado porque o batom não mancha o tecido, uma tecnologia feminina que certamente
desconheço.
Desço os olhos para meu prato de comida e corto um pedaço do bife.
— Nikolai queria você.
Busco pela sua reação. Giovanna está boquiaberta, os olhos um pouco arregalados e um
pedaço do seu bife Wellington fincado no garfo a meio caminho da boca.
— Eu?
— Sì. Alguma coisa sobre me dar um corretivo, mas me atingindo indiretamente. O puto
achou que exigir você era uma boa lição. Sabe, uma vida pela outra? Mas seu pai e Enrico,
obviamente, não aceitaram a proposta.
— Meu pai e Enrico? — Seu tom tem um pouco de incredulidade, surpresa e até de ultraje. É
claro que não vou dizer que tive um pequeno surto quando o desgraçado fez a proposta absurda. Que
continue pensando que eu a desprezo para tirar da cabeça essa ideia de querer me seduzir. — Você
não se opôs?
Dou de ombros e continuo minha refeição, sem dizer sim, mas também sem negar. Giovanna
que tire suas próprias conclusões. Outros segundos em silêncio se passam, mas a atmosfera não fica
estranha. Novamente, minha esposa não se abala com minha falta de sensibilidade e parece muito
tranquila, muita segura e muito plena de si. Por que diabos isso me irrita? Por que me irrita o fato de
ela não se sentir abalada com minhas provocações e tentativas de feri-la e humilhá-la? O meu
desprezo não a atinge, mas o dela me atinge. Inferno.
— O que farão agora? — ela pergunta, afastando seu prato vazio. Olhando ao redor,
completa: — Vamos ficar aqui até quando?
— Ainda não sei. Para as duas perguntas — digo a verdade e suspiro. Também termino de
comer e empilho meu prato com o dela. ​— Vamos nos reunir amanhã de novo para decidirmos como
lidaremos com essa guerra. E, por enquanto, continuaremos aqui. Ao menos, por mais uns dias.
Depois, nos mudamos para outra cobertura. É mais seguro e vai dificultar que nos encontrem.
Ela apenas acena, concordando, e se acotovela na mesa, os olhos verdes muito atentos em
mim, cheios de intensidade. Ou é isso ou sou eu quem estou projetando essas coisas. Enquanto reflito
se Giovanna está mesmo me olhando com paixão ou se sou eu que acredito nisso, sinto que ela
descruza as pernas e está trazendo seu pé na minha direção, na intenção de me tocar e me provocar,
para variar. Antes que tenha tempo de me alcançar, eu levanto. Todo meu corpo está tenso e rígido,
minha respiração descompassada. Essa garota está me testando. Essas investidas, provocações e
tentativas de me fazer ceder estão me tirando a paciência.
Começo a caminhar para meu quarto — sem me despedir ou dizer qualquer outra palavra —
quando estaco no meio do caminho ao ouvir a voz dela.
— Quando podemos fazer aquilo de novo?
Droga-droga-droga-droga.
Giovanna não precisa ser mais específica para eu compreender a que se refere. Está falando
em me assistir transando com outra mulher. Porra, qual é a dessa garota com essa fantasia suja e
imoral? E por que isso mexe tanto comigo de uma forma que não deveria?
Viro-me na sua direção, devagar, à medida que tento controlar minha respiração e os
batimentos cardíacos, rezando para que ela não note como sua menção fez meu pau ganhar vida quase
instantaneamente — mais pelo prazer de vê-la se masturbando do que pelo prazer de comer outra
mulher.
— Aquilo o quê? — Dou uma de desentendido.
Ela ri, de um jeito um pouco gracioso, e joga os cabelos para trás.
— Como se você nãos soubesse. Mas vou ser mais específica de qualquer forma. Quando
posso te ver transando com outra de novo?
Aquele tremor me atinge mais uma vez, de cima a baixo.
— Não vai acontecer — respondo, voz controlada.
— Por quê? — Sua curiosidade é genuína. Giovanna se levanta, coloca a cadeira no lugar e
fica apoiada no espaldar, esperando-me responder.
— Já disse. Enrico me proibiu de ter uma amante. — Soo hesitante, em um falar baixo,
entredentes, odiando admitir que aquele filho da puta desgraçado tem o controle da minha vida
sexual. Eu deveria desobedecê-lo, mas não quero arriscar ser exilado de Vegas e deserdado da
família. Meu irmão mais velho seria bem capaz disso, sim.
— Se precisa de uma autorização, eu autorizo — debocha, parafraseando-me. Maldita.
Tento não ficar irritado com ela e com seu deboche e apenas abano a cabeça em negativo.
Mas então, alguma coisa surge em minha mente. Nunca parei para pensar nesse seu fetiche e nunca a
questionei sobre isso. Talvez agora seja o momento. Coloco as mãos nos bolsos e volto os passos
que me distanciei, parando atrás da cadeira onde estive sentado minutos atrás. Inclino a cabeça um
pouco de lado e pergunto:
— Por que essa necessidade tão grande de me ver trepando com uma puta qualquer?
Giovanna me encara por um segundo inteiro antes de dizer:
— Vem comigo.
Antes que eu possa dizer “Não vou a lugar nenhum com você”, a desgraçada já me deu as
costas e caminha na direção do seu quarto. Movido quase que por instinto, obedecendo ao seu
comando, eu a sigo. No percurso, não deixo de reparar na sua bunda redonda. Na sua suíte, ela
aponta a cama para mim enquanto pega o celular no aparador. Sento-me na beirada, esperando-a.
Giovanna se senta ao meu lado, e seu perfume me desorienta só por um segundo. Ela me olha, sorri,
joga os cabelos para trás de novo e me mostra a tela do celular. Tem um vídeo pausado. Está escuro e
não consigo ver muita coisa até ela dar play.
A filmagem roda, e lá pelo primeiro minuto do vídeo vou entender o que é e o que está
acontecendo. É uma casa de Swing pelo que consigo entender. Na cama à frente da câmera, tem dois
casais trepando — um cara com a mulher do outro. No terceiro minuto, a gravação muda de ângulo,
mostrando uma bocetinha de pelos castanhos aparados e um par de dedos no clitóris, revelando uma
voyeuse. Não entendo o objetivo disso tudo. Estou para perguntar para ela o que isso tudo tem a ver
com a pergunta que lhe fiz minutos atrás, mas sou interrompido quando outra vez a perspectiva do
vídeo muda. Agora, posso claramente ver o rosto de Giovanna. É ela no vídeo!, constato, sentindo
uma pulsada no pau ao vê-la revirando os olhos, arquejando e mordendo o lábio inferior de uma
maneira terrivelmente sexy.
— Puta que pariu — solto, sem querer.
Giovanna dá uma risadinha e pausa o vídeo.
— Entende agora? Não tenho necessidade de ver você. Gosto de ver casais, pessoas. Antes
de nos casarmos, eu conseguia escapulir e assistir. — Ela guarda o celular entre os seios e baixa os
olhos por um instante. — Mas depois, ficou mais difícil. Acho que só assisti um ou dois casais desde
o casamento e nem foi ao vivo. Foi on-line. — Giovanna franze os lábios. — Não é a mesma coisa.
Tento disfarçar as batidas irregulares do meu coração, enquanto assimilo tudo o que me disse.
Não é a primeira vez que alega que gosta de ver pessoas transando e sua fantasia não se resume a
mim, mas meu ego machista é grande demais para aceitar uma coisa dessas. Como ela pode não
desejar me ver com outra mulher?
— Então, você é minha única diversão no momento. Por isso, quero saber quando podemos
repetir. — Abro a boca para dizer uma estupidez qualquer, mas não consigo pronunciar uma sílaba.
— Não se faça de rogado, Ettore. O que tem a perder com isso? Você precisa se aliviar, eu preciso
me aliviar. Os dois saem ganhando.
Pigarreio, sentindo-me engasgado. De repente, parece fazer mais calor do que o habitual. Em
vez de respondê-la, questiono:
— Por que não aproveitou essas escapulidas e perdeu a virgindade? — Meu tom sai curioso
e genuíno, como se isso fosse um dos maiores mistérios da humanidade. — Já que queria tanto
experimentar.
Giovanna ri e se levanta, ficando de frente para mim.
— Uma vez, uma De Santis rompeu o hímen fazendo atividade física. Só descobriu quando
foi fazer uma consulta de rotina no ginecologista e não contou nada a ninguém. Quando se casou e o
marido sentiu que não tinha tirado a virgindade dela, automaticamente ele considerou que a esposa
tinha dado para outro antes dele e não acreditou na versão da mulher. Resultado: ela foi espancada.
— Giovanna me dá as costas, caminhando lentamente pelo quarto, cruzando um pé na frente do outro,
como se estivesse brincando. — Meu pai me criou para ser pura e virgem até me casar, Ettore. Acha
mesmo que eu ia me arriscar em um meio machista como nosso? Quero dizer, já era um risco muito
grande eu me esgueirar para casas de Swing. Já era sujo e imoral o bastante e eu levaria uma surra de
Romeo se ele descobrisse. Decidi não me arriscar e optei por nem me masturbar com penetração de
brinquedos ou dos meus dedos. Só estimulo o clitóris.
Fecho os olhos, imaginando a cena. Giovanna deitada na cama, as pernas bem arreganhadas,
brincando consigo mesma e assistindo um casal aleatório trepar. Porra-porra-porra-porra. Outa
vez, meu pau dá aquela pulsada violenta e preciso ajeitá-lo dentro das minhas calças. Está tão duro
que chega a doer. Nem acredito que depois dessa conversa vou ter que bater uma punheta no
chuveiro.
Merda, garota.
Levanto-me, decidido que preciso sair daqui ou vou ser contaminado.
— Talvez eu providencie — anuncio, caminhando para a saída. — Prefere que seja no seu
quarto ou no meu? — pergunto, parando na porta.
— No meu.
Assinto e vou para minha suíte. Mal entro e sigo direto para o banheiro, arrancando a roupa
no meio do percurso. Sob o chuveiro, bato uma punheta violenta, imaginando meu pau dentro dela,
sua bunda empinada, minha mão forçando seu rosto para baixo. Gozo com força em um jato longo de
sêmen jorrando contra o box de vidro. Encosto-me à parede, deixando a água cair no meu rosto ao
passo que recupero meus batimentos cardíacos e puxo oxigênio para os pulmões.
Maldita Giovanna.
Junto a louça e chamo o serviço de quarto para levá-la embora, pensando no que preciso
fazer com certa urgência. A questão que fica é como farei isso, uma vez que não posso sair dessa
droga de cobertura. Mesmo se pudesse, é algo que preciso fazer sozinha, sem um monte de
brutamontes na minha cola, reportando tudo a Ettore. Cerca de vinte minutos depois que meu marido
se recolhe aos seus aposentos, acho que já tenho uma solução para meu problema e, por isso, eu o
procuro no quarto. Bato à sua porta, devagar, e espero seu comando para entrar. A voz grave que
atravessa a madeira vem cinco segundos depois. Ettore está parado no meio do ambiente, só com
uma toalha amarrada na cintura (e daqui consigo ver sua ereção generosa), o tronco e os cabelos
molhados.
— Precisa de algo? — pergunta, caminhando descalço até o minibar e preparando um dry
martini. Esse homem parece que é movido a álcool.
— Vai se encontrar com seu irmão e os outros chefes amanhã de novo, não é?
Ettore murmura um “uhum”, ainda de costas para mim, preparando sua bebida, e completa:
— Enrico me ligou quando eu voltava para cá e já deixou tudo combinado. — Evito perguntar
por que ele combinou isso com o irmão por telefone, e não pessoalmente, uma vez que estiveram
juntos não muito tempo antes. — Por que o interesse?
— Acha que pode convencê-lo a deixar Antonela passar umas horas comigo amanhã? Não
quero ficar sozinha aqui.
Meu esposo se vira para mim, segurando a taça típica da bebida e terminando de engolir a
azeitona, o palito ainda entre seus dentes, que ele descarta logo em seguida. Toma uma dose do seu
martini e se senta na cama, sem cessar o contato visual comigo.
— Não prometo nada, mas vou tentar — é tudo que diz antes de apontar para a saída do seu
quarto. — Se era só isso, a porta da rua é serventia da casa.
Contenho o ímpeto de revirar os olhos — ele acha que realmente me atinge sendo grosso
dessa maneira, mas a verdade é que pouco me importo — e aceno apenas, atendendo ao seu pedido.
Na minha suíte, tranco a porta, tiro os saltos e caminho até um quadro na parede frente à minha cama.
Retiro-o do seu lugar e encaro o cofre à minha frente. Olho ao redor, só para me certificar de que
estou mesmo sozinha, antes de inserir a senha e pegar uma caixinha retangular que repousa lá dentro.
Abro-a e encaro a joia ali, solitária e valiosa. Deus, muito valiosa. A gargantilha de esmeralda tem
um formato de gota e é encrustada de diamantes nas bordas e eu trouxe comigo entre meus pertences
depois do ataque. O valor que o objeto carrega vai muito além do monetário. Torno a guardar a joia
no cofre, sem fechá-lo, e vou até a escrivaninha. Puxo papel e caneta de dentro da gaveta à direita e
escrevo. Quando termino, dobro a carta em quatro partes, volto par o cofre e a coloco junto com a
caixinha. Tranco-o e devolvo o quadro no lugar de origem.
Sento-me na cama, pensando que não posso falhar no que venho planejando.
Não posso.

Antonela abre os braços assim que passa pela porta e me vê, vindo na minha direção em
saltinhos alegres. Sou esmagada pelo seu abraço antes mesmo de perceber sua invasão. Por cima do
seu ombro, vejo meu cunhado parado à porta, com o pequeno Vincenzo no colo. Ettore está ao seu
lado — foi ele quem atendeu a porta — com cara de tédio enquanto mexe no celular.
— Amiga, eu fiquei tão preocupada com você! — Parisi exclama, sufocando-me no seu
abraço apertado. — Você está bem? Aqueles homens te machucaram? Fizeram algo com você? —
Ela me afasta e me avalia de cima a baixo, realmente preocupada.
— Ela está bem, Antonela — Ettore diz, parecendo um pouco distraído, os olhos no celular
enquanto digita algo muito rapidamente. — Não tem que se preocupar com a Maggie…
A tensão que surge na atmosfera é instantânea. Meu esposo ergue os olhos para nós
imediatamente, dando-se conta do que acabou de dizer. O irmão pigarreia forte e lhe oferece um
olhar de compaixão. Antonela olha para ele, depois para mim, com a mesma clemência de Enrico, e
não sei se a piedade é por mim — por ter sido chamada pelo nome da falecida — ou por Ettore, que
aparentemente ainda não se recuperou do luto.
— Giovanna está bem — meu marido se corrige. A cara nem queima. — Podemos ir agora,
Enrico?
— Acho melhor — o irmão concorda. Deposita um beijo no rostinho do filho e o entrega à
mãe. — Vamos passar parte do dia fora, Antonela — avisa. — Não se esqueça que às duas te quero
em casa. Alguém virá te buscar. À noite, vocês viajam.
— Sim, querido. — Seguro uma risadinha com o tom de deboche que sai dela.
Assim que nossos respectivos maridos vão embora, nós nos reunimos em torno da mesa de
café da manhã, que já está posta. Sirvo uma xícara de café para Antonela, ocupada contendo o
pequeno bagunceiro que não para em seu colo, e depois me sirvo.
— Não liga para o Ettore — ela diz, tomando um pouco da sua cafeína. Não digo nada por
um segundo, passando um pouco de geleia em uma torrada integral. — Senti que ele não falou por
mal.
Dou uma risada seca.
— O que é um milagre, convenhamos — provoco depois de dar uma mordida na torrada. —
Porque noventa e nove por cento das falas dele é por mal, para tentar me magoar. — Debruço-me
sobre a mesa, como se fosse confidenciar um segredo de Estado para ela. — Mas advinha? Eu nem
sofro.
Antonela balança a cabeça em negativo e me acompanha na risada por um instante. Por fim,
ela desce o filho no chão, tirando um brinquedinho de dentro da bolsa de bebê pendurada na cadeira
e dá para ele brincar. O menino fica distraído, deixando a mãe conversar. Minha amiga também
prepara um pão com pasta de amendoim, enquanto comenta:
— Não quero dizer para te magoar, de verdade, mas é nítido que ele ainda ama a minha irmã,
sabe?
Ettore não me irrita com suas provocações mesquinhas. Nunca liguei para suas escapadas e
suas amantes, mas não posso deixar de admitir que ter trocado o meu nome pelo de Maggie causou
algum efeito em mim. Ainda não sei explicar o que é ou por que senti, mas o sentimento se instalou
aqui, mesmo que por apenas um segundo.
— Esses homens têm uma visão bem deturpada de amor, não acha? — brinco, entornando um
gole do meu café depois de terminar de comer a fatia de torrada.
— Culpe o meio em que cresceram, Gio. — Ela dá uma mordida no seu pão. — Foram
criados assim. Socialmente construídos assim. Mas eu acredito que mesmo não conseguindo manter o
pau dentro das calças, Ettore realmente amou a Maggie.
Antonela fica entristecida por um instante, com toda certeza pensando na irmã. Essa perda
não é só do Ettore. É de toda a família Parisi também. Uma perda tão súbita e cruel. Bianco mereceu
as coisas terríveis que meu marido fez com ele para se vingar — pelo que fiquei sabendo.
— Enrico tem lá a sua amante — comenta, contraindo um pouco o rosto bonito, também não
aprovando a ideia, mas sabe que não pode fazer nada a respeito, e termina de comer sua fatia de pão.
Os homens da máfia acreditam que ter outra mulher é um direito deles, cresceram acreditando nisso e
agem acreditando nessa lei. Não há muito que possamos fazer. — Mas ele não sente nada por mim,
sabe? É isso que me incomoda. Enrico ama a Brooke e os dois só não ficaram juntos porque ela
nunca esteve disposta a dar um herdeiro para ele.
— E porque ele precisava de um acordo de armistício — incluo.
— Para a Brooke. Nosso casamento só existe por causa da Brooke, Giovanna. Isso é terrível.
— É, mas ainda não entendi aonde quer chegar. — Sou sincera. Baixo minha xícara de café,
agora vazia, e me sirvo com mais uma dose.
Antonela desvia o olhar par ao filho, conferindo se ele está comportado, então se volta para
frente outra vez e pega um cacho de uva. Come uma por uma e diz:
— As amantes da maioria deles são só isso. Amantes. Uma distração, uma diversão, um
passatempo. Quando se enjoam, eles as dispensam e pronto. Pelo menos, na maioria das vezes. Com
o Ettore nunca foi diferente. A Maggie compreendeu isso logo cedo e, mesmo não gostando, conviveu
bem com as escapadas do marido porque acreditava no amor deturpado dele. O Enrico nem isso tem
por mim. Ele ama mesmo a Brooke. Nunca sequer me amou. É muito mais triste saber que seu marido
ama a amante ao invés de você.
— O Ettore nem eu nem as amantes — brinco um pouquinho, para descontrair, porque senti
que falar desse assunto a deixou um pouco triste. — Acha que um dia ele vai esquecer sua irmã?
Antonela termina de engolir uma uva e suspira.
— Sinceramente? Acho que não. Mas isso não significa que ele não é capaz de amar de novo.
Só precisa saber investir direito — aconselha, enviando-me um olhar sugestivo.
Como se eu fosse mesmo querer investir nesse tipo de coisa. Deus me livre. Eu decidi seduzi-
lo só para ter a oportunidade de fazer sexo, mas nunca esteve nos meus planos fazê-lo me amar — ou
querer isso. Só quero o pau, o dono não.
— Você teria investido? — pergunto, só para provocá-la porque os chefes cogitaram casá-la
com Ettore. Por sorte, eles notaram que era meio repugnante forçá-los a um casamento, então Enrico
se propôs a assumir a responsabilidade, e eu fiquei com a bomba de aturar o mal humor daquele
homem.
Sina.
Certeza.
— Pra não morrer virgem? — debocha. — Com toda certeza.
— Que nojo, Antonela! — exclamo, porque eu não teria coragem de dormir com o viúvo da
minha irmã. Se eu tivesse uma.
Nós duas rimos juntas por um instante e terminamos o café da manhã falando de outros
assuntos. Assim que o serviço de quarto retira toda a mesa, vamos até a sacada apreciar um pouco o
calor de Vegas e nos acomodamos em um banco cheio de almofadas.
— Vocês vão viajar? — pergunto, sentando-me sobre minhas pernas.
Antonela balança Vincenzo de um lado a outro no colo, o garotinho quase se rendendo ao
sono da manhã.
— Vamos para a Itália. Enrico e meu pai acharam melhor mandar nós dois para lá até as
coisas aqui se acalmarem — explica, apontando o pequeno com o queixo. — Na última guerra,
perdemos muitas pessoas importantes.
Abro um sorriso fúnebre, sabendo que ela está se referindo à irmã grávida.
— Você vai ainda hoje? — Ela diz que sim. Fico um instante reflexiva. É agora ou nunca. —
Antonela, eu preciso de um favor. — Minha amiga me olha atentamente, sentindo a urgência no meu
tom de voz. — Não fica magoada comigo e tem que me prometer que não vai contar nada a ninguém.
Ninguém mesmo.
— Você está me assustando, Giovanna.
Ela se levanta, pedindo-me um minuto, e volta lá para dentro. Retorna um instante depois sem
o pequeno, que sucumbiu ao sono e agora dorme tranquilinho no sofá.
— Do que precisa?
Inspiro ar para os pulmões, tomando também uma dose de coragem.
— Preciso falar com a Brooke. — Antonela enruga o cenho, mais confusa com meu pedido do
que enciumada. — Não posso pedir o contato dela para o Ettore nem para ninguém da famiglia,
então…
— Está sugerindo que eu revire o celular do meu marido e pegue pra você o telefone da
amante dele para fazer sabe-se lá o quê?
Colocando assim parece uma coisa horrível.
— Exatamente.
— Gio… — começa a protestar, mas não deixo que termine.
— Por favor, Antonela, confie em mim. Não estaria te pedindo isso se não fosse muito
importante.
— Não vai mesmo me contar o que pretende fazer?
Nego com um gesto de cabeça.
— Quanto menos pessoas souberem, melhor. É para segurança de todos. Inclusive do Ettore e
do Enrico.
A garota suspira e acena em positivo.
— Tudo bem — concorda. — Vou confiar em você e no que está fazendo. Farei o possível
para conseguir o número dela. Só tome cuidado, por favor — pede, segurando minhas mãos e as
apertando com real preocupação.
Eu a puxo para um abraço e murmuro:
— Vou tomar. Prometo.
Antonela vai embora pouco antes do fim da manhã, escoltada pelos próprios seguranças.
Apenas duas horas depois, ela me envia uma mensagem com o número de telefone de Brooke.
Pergunto como foi que ela conseguiu acessar a lista eletrônica de contatos do marido tão rápido e
toda sua resposta é um emoticon de carinha safada.
Não preciso de muito para compreender.
Minha amiga também me informa que os irmãos Martini estão na sua casa e ficarão por lá até
o anoitecer, traçando alguma estratégia para recuperar as áreas de Las Vegas que cederam aos russos
no acordo — segundo o próprio Enrico informou. Envio um “boa viagem e se cuida” e não nos
falamos mais. Sem perder tempo, ligo para Brooke. Ela atende no terceiro toque, parecendo ofegante.
Aos fundos, consigo ouvir sons de pessoas treinando, como se socassem um saco de boxe. Talvez ela
esteja em algum tipo de academia.
— Brooke, sou eu. Giovanna.
— Giovanna? — Ela me reconhece, pois o tom é de surpresa, não de dúvida. — Como
conseguiu meu número?
— Pouco importa. Preciso falar com você. Pessoalmente. — Caminho até meu quarto,
fechando as portas. — Se importaria em me encontrar na cobertura onde estou ficando?
— Por que estou sentindo que Ettore não sabe que está me ligando?
Sento-me na minha cama e suspiro.
— Ele não sabe e gostaria que não soubesse. Posso confiar em você, Brooke? De mulher para
mulher.
Brooke Elliot suspira pesadamente do outro lado da linha, e quase posso dizer que está
passando a mão pelos cabelos loiros.
— Está bem. Chego em breve.
Ela sequer me espera passar o endereço e desliga na minha cara. Olho para o telefone na
minha mão, tentada a ligar de novo ou a passar uma mensagem com as coordenadas da minha
localização. Fico assim alguns poucos minutos, indecisa no que fazer, até que uma batida na porta do
quarto me assusta, fazendo-me dar um pulinho na cama.
— Senhora Martini?
— Sim? ​— respondo e corro atender a porta.
Do outro lado, dou de cara com duas figuras. Um é alto e forte como um armário. Usa terno
todo preto, o cabelo é raspado à escovinha e tem uma escuta no ouvido direito. O segundo rosto é
mais familiar. Ethan. É o braço direito de Ettore. Até estranho que esteja aqui porque ele
normalmente anda para cima e para baixo com meu marido. Então me dou conta de que foi ele quem
me chamou dez segundos atrás.
— Ettore ligou — Ethan informa. — A senhorita Brooke Elliot está a caminho daqui para uma
visita. Ele não me deu detalhes. Só pediu para te informar.
Assinto, segurando um suspiro maior, e agradeço a informação. Os dois pedem licença e
retornam aos seus postos. Fecho a porta de novo, compreendendo o que Brooke fez. Ela pediu o
endereço direto para Ettore, com alguma desculpa que escapa do meu raciocínio, porque assim ele
pensa que foi ela quem veio me procurar, não o contrário. Ou a mulher abriu todo o bico para ele e
estão me atraindo para uma armadilha.
Trato de confiar nela e a ficar calma.
Cerca de vinte minutos depois, Brooke chega. Eu a trago para meu quarto, fecho as portas e
as tranco.
— Qual a necessidade disso, Giovanna? — pergunta, referindo-se à chave girada na
fechadura.
— Só quero privacidade. — Indico uma mesa redonda e pequena no meio do ambiente e duas
cadeiras acolchoadas em torno dela. — Por favor, sente-se.
Ela o faz. Brooke é uma mulher bonita. No momento, está usando calças de couro, camisa
branca, um colete preto que me parece uma imitação da peça de Daryl Dixon, por conta das asas
desenhadas atrás, e botas de salto alto.
— Você pegou o endereço daqui com o Ettore, não é? — indago, indo até o minibar no
ambiente. — O que quer beber?
— Não quero nada, obrigada. — Assinto e preparo apenas para mim. Vodca. — Os
seguranças normalmente reportam tudo aos chefes — Brooke explica. Ao olhar por cima dos meus
ombros, ela está cruzando as pernas. — Se apareço aqui sem mais nem menos, Ettore ia querer saber
como consegui encontrar a localização. Você disse que não quer que ele saiba que me ligou, então…
liguei para ele e disse que queria te fazer uma visita, saber como estava, se precisava de alguma
coisa.
Viro um shot de vodca de uma única vez, segurando uma risada, e preparo outro.
— E ele aceitou?
— Logo de cara não. Falou um monte de bobeira sobre querer preservar o local onde estão,
que eu podia ser seguida, que os russos iam encontrar vocês… Esse exagero todo. Como se eu fosse
a porra de uma amadora.
Dou uma risada, aproximando-me com o copinho de destilado na mão, e me sento na cadeira
vazia.
— Então, você o convenceu a dar o endereço?
— Sim. Prometi que ia ser cuidadosa. E fui. Agora — reforça, puxando a bebida da minha
mão quando estou prestes a virá-la na boca. — Me diga o que quer comigo. — Inspiro fundo,
pensando no colar de esmeralda escondido no cofre. Antes que possa dizer, Brooke toma a frente: —
Quero apenas o básico. Nada de detalhes. Quanto menos eu souber, melhor. Principalmente, se o que
está pensando em fazer for me colocar em enrascadas.
E como vai, penso, conseguindo virar o shot goela abaixo.
— Tudo bem. Apenas o básico. Sem detalhes. — Engulo em seco, preparo-me e digo: —
Preciso sair dessa cobertura. Sozinha. Sem escolta, sem Ettore, sem que ninguém saiba. Achei que
pudesse me ajudar de alguma maneira.
— Por quanto tempo? — Brooke se inclina sobre a mesa, toda a atenção em mim.
— Poucas horas. Talvez apenas a parte da manhã. Antes do meio-dia, estou de volta.
Brooke assente com um gesto de cabeça.
— Quando?
— Na próxima oportunidade que Ettore não estiver aqui.
Brooke reflete por um instante, encarando-me com seus olhos castanhos. Estou confiando
cegamente nela e espero, de verdade, que não vá me dedurar para meu cunhado ou para meu marido.
— Tudo bem. Já tenho uma ideia de como te tirar daqui. Vamos fazer o seguinte…
Inclinando-se mais sobre a mesa, Brooke conta como será nosso plano de fuga.
Brooke afofa meu cabelo depois de fazer um penteado simples — ela amarrou parte dele e
os ondulou com o modelador — e me olha com um sorriso através do espelho da penteadeira no meu
quarto.
— Você está muito bonita — elogia, dando um último retoque.
— Obrigada — agradeço, levantando-me do meu lugar.
Ela já deveria ter ido embora, mas assim que terminou de me explicar como vai me tirar
daqui, Ettore ligou no telefone dela, com toda certeza para espionar, e ele disse que já estava
voltando para a cobertura. Então, a mulher decidiu esperar apenas para não levantar suspeitas.
Quando termino de me virar por completo, sob os hematomas ainda no seu rosto, encontro os
olhos azuis frios de Ettore na entrada do ambiente. Ele está travado no lugar, observando-me como
um predador prestes a atacar. Avalio-me uma outra vez, gostando de como estou — um vestido preto,
saltos, o cabelo recém-feito e uma maquiagem singela. Estou bem simples, mas pelo modo como olha
para mim — como um idiota — infla um pouquinho o meu ego e gosto de saber que, de alguma
forma, está atraído.
— Oi, Ettore.
Brooke se vira assim que cumprimento meu marido. Parecendo sair do seu transe, ele
caminha para dentro, as mãos nos bolsos, pose despreocupada.
— Oi. — Seus olhos analíticos vão de mim para Elliott, quase semicerrados e
questionadores. Aponta o dedo de mim para Brooke. — O que está acontecendo aqui?
A mulher solta uma risada e se põe às minhas costas, apoiando-se nos meus ombros.
— Ela está linda, não está, cunhado? — pergunta, cheia de malícia na voz. Ah, mas era só o
que me faltava ela também me jogando para cima desse homem. Meu corpo todo fica tenso no lugar,
esperando a reação dele, que resposta vai dar.
Não deveria me decepcionar com o fato de meu esposo me olhar de cima a baixo e não
responder, mas por algum motivo desconhecido me decepciono.
— O que está acontecendo aqui? — repete.
Brooke suspira, saindo de trás de mim.
— Vim ver se Giovanna precisava de alguma coisa depois do que passou ontem com os
russos. Te contei isso por telefone. Se você não se importa há quem se importe, Ettore.
Dificilmente vejo meu marido perder a pose, mas quando Brooke termina de proferir suas
palavras, é exatamente isso o que acontece. É leve e muito sutil, quase imperceptível, mas vejo a
vacilada nas pernas, seu pomo de adão que sobe e desce ao engolir em seco e a segurada de ar em
seguida, demonstrando que ficou afetado com o que a mulher disse.
— É claro que me importo. Tanto é que fui atrás dela, não é? — responde, sentando-se na
minha cama. — Se eu não me importasse, teria deixado os russos fazerem com ela o que bem
entendessem e teria me livrado desse casamento. Não foi o que aconteceu. — Ele dá um sorriso frio,
olhando de mim para ela e outra vez pergunta: — O que estavam fazendo?
— Nada demais — sou eu quem respondo agora. — Ela veio, perguntou como eu estava, se
precisava de alguma coisa, e pedi para ficar um pouco porque queria companhia. Ainda mais agora
que Antonela vai para Itália e eu terei de ficar isolada até sabe Deus quando. A Brooke só arrumou
meu cabelo e me maquiou.
— Bem amadoramente — a mulher o intervém. — Embora tenha feito um bom serviço, não
acha, Ettore? — sugere outra vez, com aquele ar malicioso, apontando para mim. Ele está para
responder, e não sei se vai confirmar ou fugir do questionamento, mas não há tempo de nenhuma
resposta porque Brooke completa: — A questão é que sua esposa precisa de cuidados profissionais.
Alguém para fazer unha, cabelo, depilação, talvez uma massagem? Cuidar da pele e essas coisas.
Uma sobrancelha dele sobe.
— Não. — É toda sua resposta. Ele nem ouviu o que ela tinha a dizer! — Giovanna não sai
desse prédio nem mesmo com uma escolta forte. — Ettore se levanta e vai em direção à saída. —
Não quero arriscar a integridade dela. Preciso lembrar de que estamos guerra? Já perdemos gente
demais no nosso último conflito. Não quero perder mais ninguém. Nem mesmo a Giovanna.
Eu sei que não deveria soar romântico ou qualquer merda do gênero nessa última parte de sua
fala — Nem mesmo a Giovanna —, mas confesso que isso tremula alguma coisa dentro de mim, bem
lá no fundo, e bem pouco. Afasto os pensamentos da cabeça quando Brooke diz:
— Ninguém precisa sair daqui, Ettore. Tenho uma amiga de confiança e ela pode vir para cá e
prestar todos os serviços.
Ele balança a cabeça vigorosamente em negativo.
— Nem pensar! E arriscar que ela entregue o local em que estamos? Não mesmo.
— Brooke disse que a amiga dela é de confiança — intrometo-me, tentando persuadi-lo. —
Ela não vai contar nada a ninguém, não é, Brooke?
— Se te deixa mais confortável, eu mesma posso trazê-la de olhos vendados e só tiro a venda
dela quando estivermos dentro desse quarto.
Ettore nos olha atentamente por um instante inteiro, talvez reconsiderando. Com um suspiro,
ele cede.
— Tudo bem. Vou deixar os seguranças de sobreaviso que vai trazer essa sua amiga. Quando
é que vai ser?
Nós duas trocamos um olhar.
— Preciso confirmar um horário vago com ela. — Brooke se vira para mim. — Te mando
uma mensagem assim que tiver uma resposta dela, está bem? — Abano a cabeça em positivo, porque
é nosso código.
— Não — Ettore murmura. — Tem que ser algo bem combinado. Nada de qualquer dia, ou
“assim que der”. Converse com ela para vir amanhã. Se for preciso pagar todos os horários que ela
terá de desmarcar para vagar um para Giovanna, eu pago, não tem problema. Mas não quero confiar
no acaso, Brooke.
— Está preocupado demais para quem não suporta esse casamento, não acha? — Brooke
alfineta, e eu seguro uma risada, um modo também de ignorar aquela coisinha se remexendo no meu
estômago.
Ele não diz nada por um segundo.
— Estou sendo cauteloso e talvez um pouco controlador. É, eu quero ter controle sobre tudo
porque é assim que garanto o bem-estar da minha mulher. — O ar fica preso na minha garganta
porque o modo como ele diz “minha mulher” é completamente diferente de qualquer outro modo que
tenha dito um dia. Se é que disse. Ettore não ergue o olhar para mim, concentrado em Brooke. — É
isso ou nada.
— Está bem. Vou ver o que consigo com Hadassa.
Ettore acena em positivo e se vira de novo, pronto a sair, mas desiste, como se recordasse de
algo mais.
— Ah, se importa se te pedir um favor, Brooke? — A mulher faz que não com a cabeça. Os
olhos azuis dele de repente encontram os meus e tenho medo do que está prestes a dizer. — Você
pode confiar nessa sua amiga, mas eu não confio porque nem sei quem ela é. — Move a cabeça em
negativo. — Se importa em ficar com Giovanna amanhã até essa sessão de beleza acabar? Não
estarei aqui até pouco depois do almoço e não quero deixá-la com uma completa estranha.
A oportunidade perfeita, penso, quando Brooke olha para mim, e sei que está pensando a
mesma coisa.
— E os seguranças dela? — Brooke desconversa. Até eu estive tentada a fazer essa pergunta,
mas a verdade é que nunca foi do feitio do Ettore manter os guarda-costas dentro dos nossos
ambientes, a não ser em ocasiões muito específicas. Desde sempre, eles fazem minha segurança no
lado de fora desse quarto ou da nossa casa, quando ainda estávamos lá, sem invadir minha
privacidade.
Ettore sustenta o olhar de Brooke por um instante que parece longo demais.
— Os seguranças dela estarão no lado de fora, cuidando que ninguém entre. Além do mais,
sei que vão precisar de privacidade. Um grandalhão parado ao lado dela enquanto se depila não lhe
dará privacidade alguma.
Sem mais delongas, meu marido se retira, fechando a porta. Aproximo-me de Brooke e
sussurro:
— Amanhã cedo. Espero você.

Como prometido, Brooke só tira as vendas dos olhos de Hadassa quando ela está dentro da
cobertura. Ettore fez questão de esperar pela chegada delas — e enquanto esperava, tirou tudo do
quarto que pudesse denunciar onde estamos: menus, blocos e logotipos do hotel — e agora, de
braços cruzados, parado perto da porta da varanda, encara as duas figuras que acabaram de chegar,
com uma sobrancelha arqueada, nitidamente curioso com a mulher um pouco excêntrica no meio da
nossa sala temporária.
Hadassa tem mais ou menos a minha altura, usa uma peruca rosa com uma bandana de alguma
banda de rock indie e óculos de sol redondos — que ela botou assim que tirou a venda—, jaqueta de
couro preta e calças jeans boca de sino. Junto com todo esse visual, ela carrega uma grande mala de
viagem e uma bolsa transversal pendurada ao ombro.
— É ela? — Ettore pergunta para Brooke apontando para Hadassa.
— Uhum. Diferentona, né?
Ettore sobe as sobrancelhas, como se dissesse “diferente demais”. Ele se volta na minha
direção, parada entre as duas mulheres.
— Divirta-se — é tudo o que diz antes de passar por mim e parar de frente para Brooke,
sussurrando alguma coisa para ela que não sou capaz de ouvir. Ela abana a cabeça em positivo.
— Não se preocupa. Vou cuidar bem dela — diz, olhando para mim.
Uma última olhada em nós três e Ettore finalmente vai embora. Assim que ele se vai e fecha a
porta atrás de si, eu as arrasto para meu quarto e nos trancamos lá dentro. Hadassa abre sua mala que
está realmente abarrotada de coisa que serviria para me dar um dia de princesa, mas o que me
interessa de verdade é no conjunto de roupas idênticas às que usa. Tecnicamente, o plano é simples.
Vou me vestir igual a ela e, antes de sair desse quarto, informo aos seguranças que a mulher esqueceu
qualquer coisa no salão e precisa ir buscar. A verdadeira vai ficar aqui no meu quarto, enquanto eu
— acompanhada de Brooke — saio da cobertura, torcendo para não ser descoberta. Visto as roupas,
e Hadassa me ajuda a arrumar a peruca rosa na cabeça, junto com a bandana. Para finalizar, penduro
na gola os mesmos óculos escuros de armação redonda e me olho no espelho.
— Dá para enganar aqueles brutamontes com ervilha no lugar do cérebro — Brooke comenta
atrás de mim. — Pronta para partir, querida?
Olho no relógio digital sobre a mesa de cabeceira. Tem pouco mais de meia hora que Ettore
saiu. Já deve ser seguro eu sair também. Solto um suspiro longo, preparada para mergulhar nessa
missão suicida, e aceno em positivo.
— Pronta.
Brooke estica meu celular para mim. Disco o número do meu segurança. Ele atende no
segundo toque.
— Daniels, escute — começo, despretensiosamente. — A Hadassa esqueceu a cera de
depilação no salão de beleza dela e vai precisar ir lá buscar. — O homem começa a protestar do
outro lado da linha, mas o interrompo: — A Brooke vai acompanhá-la e vamos seguir o protocolo. A
garota vai e volta com os olhos vendados. Não tem com que se preocupar, está bem?
— Preciso reportar isso ao Ettore.
— É claro, é seu trabalho mantê-lo informado. Ela já está saindo. Enquanto Hadassa estiver
fora, peço que não me incomodem. Vou estar bem relaxada hidratando meu rosto e corpo na jacuzzi.
Desligo e guardo o telefone no bolso da minha calça. Corro até o cofre e pego a caixinha com
o colar de esmeralda e a carta, guardando-as dentro da minha bolsa transversal — também uma
réplica idêntica da de Hadassa — além de pegar alguns dólares em espécie. Brooke me venda
enquanto eu oriento a garota que ficará aqui a manter a porta da suíte trancada. Tudo pronto, podemos
partir. Elliot vai me guiando pelo caminho, e sinto a tensão crescer a cada passo para fora da
cobertura. Ela cumprimenta os seguranças com um sussurro baixo e quando menos espero, ela me diz
que já passamos por eles. Continuo vendada até chegarmos ao seu carro na garagem subterrânea do
hotel e nem acredito quando me dou conta de que conseguimos mesmo enganar aqueles paspalhos.
— Isso foi incrível! — digo, muito animada, batendo palminhas e dando pulinhos no banco
do passageiro.
— Não comemore antes da hora, garota. Ettore ainda pode descobrir tudo e comer nosso
fígado com especiarias. — Seguro uma risadinha e concordo porque é verdade. — Aonde quer que
eu te leve?
Abraço a bolsa contra meu colo e respondo:
— Ao banco.
É incrível o poder que um nome e um sobrenome têm. É claro que o fato de parte dos
funcionários desse banco, inclusive alguns dos gerentes e sócios, ser associada da famiglia ajuda
bastante. Por isso, não é difícil conseguir conversar em particular com o gerente do lugar assim que
informo meu nome e sobrenome — tanto o de casada, como o de solteira — sem precisar ter
marcado um horário.
O homem me recepciona com um sorriso caloroso e um terno marrom que parece uma
combinação duvidosa demais. Oferece-me café, mas recuso a oferta. Sinto que dá uma espiada no
meu look um pouco extravagante — tirando a peruca rosa e a bandana que deixei no carro com
Brooke, dois quarteirões atrás — todo o resto da vestimenta permanece no meu corpo.
— Em que posso ajudar, senhora Martini? — pergunta, pondo-se atrás de sua mesa.
— Quero alugar um cofre e exigir silêncio absoluto sobre minha vinda aqui hoje.
Ele acena em positivo e dá início à parte burocrática da coisa. Imprime contratos que preciso
assinar, faz perguntas habituais e recebe uma caução do aluguel. Tudo isso leva algum tempo e só
quando assino a última folha do contrato e coloco a última nota sobre o montante de dinheiro é que
recebo minha chave. Mais algumas etapas burocráticas de segurança até ter acesso ao local dos
cofres — uma área extremamente segura e cheia de tecnologia de ponta. Procuro pelo número do meu
cofre entre tantos outros, andando com cautela pelo corredor, até finalmente encontrá-lo. Olho ao
redor, apenas um modo instintivo porque nem mesmo o gerente tem autorização para entrar aqui, e
insiro a chave na fechadura, girando-a. Puxo a portinhola e encaro o vazio lá dentro um instante antes
de pegar a caixinha de esmeralda, a carta e colocar tudo lá dentro. Torno a trancar o cofre e fico
muito mais aliviada sabendo que meu segredo agora está em segurança. Vai me custar uma pequena
fortuna manter esse aluguel, mas não é nenhum gasto capaz de chamar atenção do meu marido. O
importante é que isso está em segurança agora. Nem mesmo o governo seria capaz de conseguir pôr
as mãos nesse objeto. Ao voltar para a sala da gerência, o homem está me esperando, em pé, com o
mesmo sorriso amigável de antes.
— Está feito. Agradeço muito sua atenção. — Ele move a cabeça em negativo, dispensando
meus agradecimentos. — Só tem mais uma coisa que gostaria de te pedir. Talvez seja necessário
anexar ao contrato. — A postura dele se vai um pouco, e o gerente fica atento às minhas palavras,
aguardando-me dizer o que quero. — Se acontecer alguma coisa comigo… quero que entregue o
conteúdo do cofre ao meu marido Ettore Martini.

Penso em um lugar para esconder a minha cópia do contrato junto ao banco e a chave do cofre
porque não quero que ninguém descubra sobre isso — a menos que eu seja assassinada ou
gravemente ferida, como consta no contrato que o gerente teve de redigir novamente com as novas
exigências — enquanto Brooke dirige de volta para a cobertura, emudecida. Ela não fez qualquer
pergunta em relação ao que vim fazer aqui e a agradeço por isso. Esse segredo deve ficar em
segurança e longe de mãos erradas. Sejam as mãos dos russos, ou as do meu esposo.
— Já estamos quase chegando — informa. — É bom colocar a peruca e a bandana.
Aceno em positivo e faço o que me sugeriu. Também aproveito e coloco a venda nos meus
olhos. Estou terminando de ajeitá-la quando meu telefone toca. Tateio o banco à procura dele e
esbarro nos dedos quentes de Brooke.
— É o Ettore — informa, a voz um pouco tensa.
— Ai, droga! O que eu faço?
Antes de obter uma resposta dela, sinto meu corpo sendo jogado para trás e para o lado —
obrigada, inércia! — quando Brooke acelera e faz uma curva brusca.
— Se segura. Se atender, ele pode ouvir os sons do trânsito e desconfiar. Estamos quase
chegando.
Agarro-me com força ao banco conforme ela acelera. Meu coração dá saltos irregulares e
para no meio da garganta com a adrenalina que começa a tomar meu corpo. Penso em tirar a venda e
acompanhar o percurso — porque percorrer o caminho a essa velocidade alta com os olhos tapados
está me dando enjoo —, mas me seguro e decido que é melhor não. Vai só nos atrapalhar e nos
atrasar ainda mais. O celular continua tocando, insistente, e não paro de pensar que meu marido
voltou mais cedo para a cobertura, não me encontrou lá e agora está me caçando. Inferno-inferno-
inferno! O meu telefone para de tocar, e o de Brooke começa. Ela olha um instante para o aparelho
preso ao suporte no painel, resmunga alguma coisa e decide atender, colocando no viva-voz.
— Oi, Ettore.
— Onde é que você está?
Brooke me olha um instante.
— Estou voltando para a cobertura com a Hadassa. Ela esqueceu a cera depilatória e tive de
trazê-la para pegar. Não quer sua esposa toda depiladinha para você?
Meu rosto esquenta na hora e sinto o vão das minhas pernas se contrair sem que eu
compreenda o motivo.
— Não estou para piadinhas, Brooke. Esse não foi o nosso combinado, sabe disso.
— Imprevistos surgem, Ettore. Não se preocupe, estou mantendo a Hadassa alheia ao hotel
em que estão. A Giovanna ficou lá e está em segurança. Por que você não relaxa?
Uma risada seca e ácida atravessa os alto-falantes do telefone.
— Relaxar? Aquela pirralha não atende ao celular. Como é que posso relaxar?
— Ela deve ter cochilado. Não acha que está preocupado demais?
Sinto uma curva à esquerda e preciso me segurar ao banco porque a mulher ainda mete o pé
no acelerador.
— Não estou preocupado ​— responde, parecendo balbuciar um pouco. — De qualquer
forma, vou até lá para conferir. Estou com um mal pressentimento.
Seguro um gritinho e aperto os olhos sob a venda, desejando que ele desista dessa ideia
absurda ou que ao menos não chegue antes de nós. Porque se chegar…
— Que besteira, Ettore — Brooke tenta contornar a situação. — Sua esposa está bem.
Outra curva e de repente ela freia com tudo. Meu corpo é jogado para frente, contra o painel
— obrigada de novo, inércia! —, mas o golpe é amortecido pelo cinto de segurança, então não me
machuco muito.
— Merda! — resmunga. Viro-me na sua direção, esperando que me explique o que aconteceu
porque não posso ver nada. — Trânsito. Maldito trânsito.
Meu coração outra vez entala na garganta e mais uma vez meu corpo acompanha o carro, que
agora está andando de ré e fazendo manobras sinuosas que, mesmo sem ver, sei que são perigosas
demais.
— Não é besteira. Meus seguranças não respondem ao walkie-talkie nem atendem aos
celulares. Já mandei alguém para averiguar e também estou a caminho. Chego em cinco minutos.
— Ele desliga antes de qualquer resposta.
Um frio esquisito sobe pela minha espinha — não sei se pelo fato de os seguranças estarem
incomunicáveis ou pelo fato de ele estar a cinco minutos do hotel — e nesse momento tiro a venda,
no exato instante em que Brooke manobra o carro, engata a primeira e pega uma via alternativa para
fugir do engarrafamento.
— Brooke! — Minha voz tem urgência, e ela não precisa de mais para entender o porquê do
meu desespero. Ettore não pode chegar e não me ver lá!
— Se segura, garota! — avisa, enfiando o pé ainda mais no acelerador.
Leva mais pelo menos seis minutos até chegarmos ao hotel, e rezo a todos os deuses para que
Ettore tenha se atrasado e que não tenha acontecido nada demais. Ela estaciona o carro na garagem
sem se preocupar em ocupar apenas uma vaga e corremos até o elevador, despreocupadas em colocar
a venda e mantermos a farsa. Ao alcançarmos o corredor da cobertura, a cena que vejo mexe comigo
de tantas maneiras que não consigo nem as numerar. Os seguranças estão caídos no chão e, mesmo de
longe, reconheço poças de sangue ao redor deles. Ettore está aqui, mas tenho a impressão de que
também acabou de chegar — talvez alguns poucos segundos na nossa frente — pelo modo
desesperado que olha para seus homens, passando a mão no cabelo, e pela maneira como reage um
segundo depois: pulando sobre os corpos e adentrando a suíte como um touro indomável, gritando
por mim tão alto que todo o hotel deve ter ouvido.
Corremos atrás dele, e agora estou completamente despreocupada que ele descubra minha
farsa, ocupada demais tentando entender o que foi que aconteceu aqui. Levo a mão à boca quando
vejo os homens mortos com tiros nas testas enquanto Brooke passa por mim. Um instante mais tarde,
corro em direção ao meu quarto e encontro meu marido confuso, segurando uma Hadassa morta nos
seus braços, com tiros no rosto e no peito. Ele ergue os olhos na minha direção assim que sente
nossas presenças. Ao me reconhecer, vejo no azul dos seus olhos frios algo que jamais imaginei
presenciar.
Alívio em me ver viva e bem.
Eu sou um homem cético. Há pouquíssimas coisas em que realmente levo a sério e acredito.
A existência de um deus — seja Javé ou Mitra —, astrologia, destino, reencarnação, seres
sobrenaturais ou simpatias são coisas as quais não sou o maior dos crédulos e sempre torço o nariz
para quem acredita nessas baboseiras.
Intuição, premonição e sexto sentido não costumo ignorar. E desde que Brooke inventou essa
história de dia de beleza para Giovanna que fiquei com um aperto no peito, um sentimento entalado
na garganta, uma sensação esquisita que não me abandonou nem por um segundo desde que deixei
minha esposa na cobertura na companhia daquelas duas.
Por mais que eu tenha tentado controlar toda a situação para manter a segurança de Giovanna,
o pressentimento continua me martelando. O sentimento se intensifica quando cerca de quarenta
minutos depois que saí, Daniels me liga e informa que Brooke e Hadassa deixaram a cobertura para
ir buscar alguma coisa no salão da mulher e que vão voltar em breve, mantendo o mesmo protocolo
de quando haviam chegado pela primeira vez.
Eu concordo, embora minha vontade seja de estrangular Brooke Elliot. Ela não tinha o direito
de fugir do combinado, de tirar o controle das minhas mãos daquela maneira, mas engulo todas as
minhas vontades de ligar para ela e injuriá-la e volto a me concentrar na minha reunião com Enrico e
os demais chefes, ocupando-me com a tarefa de traçarmos uma estratégia para expulsarmos os russos
da cidade e reestabelecermos a paz. Ignoro minha intuição nesse momento pela primeira vez.
Primeira e última.
Mal consigo me ater à conversa com os capi porque há alguma coisa lá no fundo me dizendo
que tem algo fora do lugar, que uma coisa terrível vai acontecer. Estou preocupado com Giovanna,
mesmo que ela esteja em segurança na cobertura, mesmo que não queira admitir para mim mesmo que
estou preocupado com ela. Por horas demais, trato de não dar atenção aos meus pressentimentos e a
não demonstrar minha preocupação. Entretanto, não podendo mais administrar a agonia que avança
sobre meu corpo e minha mente, decido me comunicar com meus homens para saber se Brooke já
voltou e para conferirem se está tudo bem com minha esposa. Daniels não responde no walkie-talkie
nem atende o celular. Isso já intensifica minha aflição de modo que não consigo sequer dimensionar.
Tento mais duas chamadas pelo radiocomunicador e mais dois telefonemas antes de tentar o mesmo
com o outro segurança, Harold.
Deixo meu irmão e os outros homens na sala, alegando que preciso resolver um problema, e
de imediato ligo para Ethan arranjar um reforço e ir até o hotel conferir o que aconteceu ao mesmo
tempo em que engreno a marcha e sigo na mesma direção. Arrisco ligar para Giovanna. Se ela
atender ao telefone e me disser que está bem, parte da aflição que pressuriza meu peito vai embora.
Não é o que acontece. O desespero bate com mais força quando ela não atende. Minha última
tentativa é Brooke, que alega que já está chegando.
Minha paranoia atinge níveis estratosféricos nesse instante. Desligo na cara dela assim que
informo que estou a caminho porque tenho um mal pressentimento e afundo maldito acelerador. Ao
pôr os pés no corredor da cobertura, a oito metros longe, vejo meus homens jogados no chão perto da
porta e, por mais improvável que seja, desejo apenas que estejam apagados. O sangue em torno deles
e o tiro no meio da testa jogam todas as minhas esperanças fora. Passo a mão na cabeça, girando as
engrenagens da minha mente para me forçar a entender o que aconteceu aqui. Isso dura apenas um
segundo porque me lembro de Giovanna.
Passo por cima dos corpos e invado a suíte, gritando seu nome. O quarto dela está trancado,
então sou obrigado a arrombar a porta. Arranjo forças na raiva e no sentimento desconhecido que
nasce dentro de mim para tal. Não sei explicar a emoção que corta cada uma das minhas terminações
nervosas de fora a fora quando invado o cômodo e vejo um corpo ensanguentado jogado sobre a
cama. Em um primeiro momento, ignoro qualquer característica física — pouco visíveis a essa
distância — e só o que projeto na minha mente é Giovanna ali, morta. Essa perspectiva desperta o
pior dos meus temores e ameaça trazer à tona meus demônios mais cruéis — sem que eu consiga
compreender o porquê. Sem que eu queira compreender o porquê.
Ao tomar a garota nos braços, uma parte da aflição vai embora porque não é minha esposa. É
Hadassa, furada como uma peneira. Nos segundos seguintes, tento entender o que aconteceu, como os
russos — se é que os responsáveis por isso são eles — encontraram nosso refúgio, onde está Brooke
porque tecnicamente Hadassa deveria estar com ela. E Giovanna. Onde está minha mulher?
Minha mente traiçoeira começa a serpentear pelos piores cenários quando sinto duas
presenças no ambiente. Desvio o olhar do corpo de Hadassa para encontrá-las paradas na entrada no
cômodo. O alívio que perpassa meu corpo é o mesmo que se tivessem tirado o peso do mundo de
cima dos meus ombros. Minha esposa está bem. Está viva. Nunca pensei que ficaria feliz e aliviado
por causa dela, mas fico.
Solto o corpo de Hadassa e me levanto da cama, caminhando instintivamente na direção de
Giovanna. Ela recua, como uma presa, e Brooke se põe na minha frente na intenção de me impedir.
Só então me dou conta de que avançava na direção dela não porque estou furioso e ia agredi-la de
alguma forma, mas porque ia abraçá-la. Volto a mim na mesma hora, como se tivesse tomado um
choque, e paro minha caminhada. Inspiro fundo e fecho os olhos por um instante. Quando os abro de
novo, é que me dou ao luxo de realmente reparar em minha esposa. Ela usa as mesmíssimas roupas
de Hadassa. Não leva nem mesmo um segundo para compreender o que fizeram. Raiva fervilha meu
sangue.
— Ettore — Brooke diz, como se previsse que estou a ponto de explodir. Viro-me na sua
direção, controlando todos os meus instintos raivosos porque ela faz parte disso! Ela ajudou
Giovanna a sair dessa cobertura! — Nós vamos te explicar tudo, mas…
Dou uma risada sádica. Ela deve me achar com cara de corno que acabou de pegar a mulher
trepando com outro para vir com esse discursinho de “vamos te explicar tudo”.
— Vocês vão — digo, sacando meu celular pronto para ligar para Montanari. Cadê a porra
dos homens que mandei vir para cá averiguarem o local? — Mas antes, vamos sair desse lugar antes
que nos matem.
Passo pelas duas apressadamente e quando chego no hall encontro Ethan e mais três homens
que deveriam ter chegado antes de mim. Não os deixo questionar qualquer coisa. Começo a cuspir
ordens para evacuarmos daqui. Meu braço direito escolta Giovanna ao mesmo tempo em que faz
ligações para encontrarmos um novo refúgio.
Quarenta minutos depois, estamos em uma nova cobertura em um condomínio residencial
fechado. Ethan conseguiu acesso ao local — às pressas e sob ameaça — com o proprietário, que faz
parte da nossa folha de “proteção forçada”. Brooke e Giovanna vão se refugiar em um dos quartos, e
eu fico com toda a porra da responsabilidade de manter o local seguro. Distribuo ordens para
avisarem meu irmão e os outros chefes do ocorrido, para fazerem uma varredura por todo o
condomínio em busca de qualquer perigo e reforço ainda mais a segurança: quero homens na frente
da minha porta, em cada andar do edifício, no saguão, na portaria e na calçada vinte e quatro horas
por dia. Ordeno que aumentem minha frota de carros para que eu não use sempre o mesmo e ordeno
que se certifiquem de que não há dispositivos explosivos instalados sob o assoalho antes de cada
uso.
Apenas quase duas horas depois desde tudo é que realmente consigo ir até Giovanna.
Temos que conversar.

Elas estão em uma das suítes de luxo. Brooke afaga as costas da minha mulher — como se
fossem melhores amigas desde sempre —, dizendo alguma coisa para Giovanna que, da distância na
qual me encontro, não consigo compreender. Sentadas na beira da cama, as duas param de conversar
assim que me veem. A garota olha para mim com os olhos estalados, medo explícito no verde de suas
íris.
— Você a ajudou — digo para Brooke, controlando a raiva atrás dos dentes. — E você. —
Aponto para a insolente da minha esposa. — Outra vez foi contra as minhas ordens e recomendações.
Você deixou a cobertura!
— E foi isso que salvou a minha vida! — Giovanna rebate, colocando-se de pé. — Estaria
morta nesse momento se não tivesse deixado o hotel.
Brooke também se levanta, mantendo-se ao lado da minha esposa.
— Odeio te contrariar, Ettore, mas Giovanna está certa. Foi um golpe de sorte termos saído.
Eu provavelmente também estaria morta agora se não tivéssemos feito isso.
Ando de um lado a outro, tratando de me acalmar e a não pensar no que teria acontecido se as
duas não tivessem armado todo esse plano para escaparem. A aflição soca meu peito e ainda estou
desesperado com a ideia de que nem mesmo dentro de casa minha mulher está segura. Mas como foi
que aqueles filhos de uma puta nos localizaram com tanta facilidade? Claro que não estava contando
que nunca nos encontrassem, por isso parte do plano era nos movermos com certa frequência até
montarmos uma espécie de fortaleza, mas fomos encontrados rápidos demais. Tinha pouco mais de
quarenta e oito horas desde o ataque à minha casa.
Como é possível?
Afasto os pensamentos da cabeça porque não posso focar nisso agora. Inspiro e expiro.
Inspiro e expiro. Inspiro e expiro. Quando sinto que estou um pouco mais calmo, viro-me para
Giovanna.
— Aonde você foi?
— A ideia foi minha — Brooke se intromete. — Giovanna disse que queria sair, ver gente,
tomar um ar, mas não podia. Eu arranjei tudo. Só demos uma volta no shopping, estando ela
devidamente disfarçada.
Trinco os dentes.
— Não é como se ela tivesse ficado presa naquela cobertura por décadas, pelo amor de
Deus. Só fazia um dia. Um. Maldito. Dia. — Dou um passo à frente, controlando-me para não
explodir de vez com essas duas.
— E ela esteve mais segura fora do que dentro daquela suíte, Ettore.
Dou um murro no ar, odiando que ela me recorde disso outra vez. Fico possesso só de pensar
nessa porra. Tomei todas as providências para garantir a segurança de Giovanna, e ela esteve mais
segura na rua — com um disfarce hippie ridículo — do que em uma cobertura com seguranças e
câmeras por todo lado.
Mas que inferno!
— Isso foi pura sorte — argumento, tomando uma grande respiração. — Não podemos ficar
abusando dessa maneira. — Olho para minha mulher. — Preciso que você pare de ficar saindo à
espreita desse jeito. Se queria “tomar um ar”. — Reforço as aspas com os dedos. — Era só ter me
pedido. Não precisava ter armado todo um circo e ter fugido.
— Sim, precisava — ela rebate, empinando o nariz aristocrático. — Você não ia permitir que
eu saísse da cobertura, mesmo se tivesse pedido.
— Para o seu próprio bem! — argumento. — Estava pensando em te manter segura.
— Eu sei, Ettore. — Giovanna se aproxima com um passo, determinada e altiva. — Mas as
coisas não podem ser oito ou oitenta como está querendo que sejam. Não pode ser tão inflexível na
hora de negociar minha própria liberdade e direito de ir e vir.
Massageio as têmporas, cansado dessa conversa. A verdade é que tenho tanta merda para
resolver que não posso me dar ao luxo de ficar discutindo com minha esposa por coisas tão banais e
esquentando a cabeça por causa disso.
— Da próxima vez — murmuro, suspirando em seguida, completamente exausto —, fale
comigo e prometo que vamos entrar em um acordo. Está bem assim?
O sorriso que ela me dá balança algo dentro em mim. Sinto uma leve pontada no coração ao
pensar que ela poderia estar morta nesse momento e no fato de que eu não tenho a capacidade de
protegê-la integralmente, nem mesmo se mantê-la presa em uma cobertura. Talvez deva reconsiderar
o conselho de Enrico e mandá-la para a Itália. Ela vai ficar mais segura lá, e vou ficar mais aliviado
sabendo que está em segurança. Fecho os olhos e deixo outro suspiro involuntário escapar, dando-me
conta de que enfrentaria o mundo para proteger essa pirralha.
— Agora que os pombinhos se entenderam — Brooke diz, quebrando a leve tensão que se
instalou na atmosfera —, tenho que ir. Meu carro ainda ficou no hotel e…
— Vou mandar Ethan te leva até lá — digo, já sacando o celular do bolso para repassar a
ordem.
Ela acena e agradece. Vira-se para Giovanna e a toma em um abraço longo.
— Se cuida, garota.
Brooke nos deixa a sós. Encerro a rápida ligação e, de repente, começo a entrar em pânico.
Estou sozinho com Giovanna aqui. O efeito que essa menina vem exercendo sobre mim, sobre meu
corpo e minha mente não me agrada. Não quero cair no seu jogo de sedução, mas ela parece que nem
precisa fazer muito esforço para me deixar atraído.
— O que vamos fazer agora? — ela pergunta, com um sussurro baixo.
Decido ser sincero.
— Giovanna, acho melhor você também ir para a Itália.
Ela me olha, confusa, e se aproxima mais de mim. Fujo dela de novo para evitar que fique
perto demais do meu corpo, que facilmente reage às suas investidas.
— Por quê?
— Para sua segurança — aponto o óbvio. — Estará mais segura lá do que aqui.
Giovanna abana a cabeça em negativo.
— Não quero ir. Não quero ficar longe de você, Ettore.
Prendo a respiração, sem saber como reagir exatamente. Ergo os olhos para ela, que não se
atreveu a se aproximar mais e me olha com todas as expectativas do mundo.
— Por quê? — pergunto, completamente confuso. — Sou péssimo para você, te destrato
sempre que tenho a oportunidade e não escondo que desprezo esse maldito casamento. Por que faz
questão de querer ficar perto de mim? Não entendo.
Giovanna diminui o espaço entre nós e dessa vez não consigo recuar ou fugir dela.
Corrigindo: não faço questão de recuar ou de fugir dela. Se minha esposa ousar me tocar, não vou
resistir. Mas não é o que acontece. Ela para a pouquíssimos centímetros de mim, seu rosto muito
perto do meu, tanto que consigo sentir sua respiração quente contra minha pele. Baixo os olhos e
instantaneamente me sinto tentado a agarrá-la pela cintura e tomar um beijo forte, duro, cruel,
punitivo. Porque ela me desobedeceu, desafiou-me e me enganou de novo. Preciso de um esforço
muito grande para manter minhas mãos longe de Giovanna, cumprindo religiosamente minha
promessa de não a tocar. O fato de ela manter o espaço seguro não sei se é para respeitar minha
vontade ou se é apenas para me provocar — porque minha esposa sabe que me provoca, que isso é
testar meus limites.
— Se eu estiver longe — diz, a voz muito rouca, com uma pitada sexy que faz meu pau ganhar
vida na mesma hora. — Como é que vou te seduzir, Ettore? Como é que vou ter o prazer de ver você
desmanchando toda essa pose e quebrando sua promessa de não me tocar?
— Giovanna… — advirto, não gostando do tom pretensioso na sua voz. Definitivamente, ela
está testando meus limites e me provocando.
Recusa-se a viajar para a Itália não porque gosta de mim o suficiente para pôr sua integridade
em risco. Ela está se recusando a viajar para Itália para se arriscar a ficar perto de mim porque quer
me ver cedendo.
— Grave bem o que estou te dizendo — sussurra, erguendo um indicador na altura da minha
bochecha, mas mantendo aquele espaço mínimo longe da minha pele, seus olhos intensos nos meus.
— Ainda vou ter você dentro de mim.
Penso em recuar, mas ela o faz primeiro, caindo de bruços na cama. Giro nos calcanhares e
deixo seu quarto, tentando estabilizar meus batimentos cardíacos.

Enrico aparece um tempo depois. O homem está completamente fora de si pelos mesmos
motivos que fiquei horas atrás: por Brooke ter ajudado Giovanna a sair do hotel e pelos russos terem
nos achados tão rapidamente. A pergunta que fica é como fizeram essa proeza. Mandei averiguar meu
carro, talvez eles tivessem plantado algum rastreador, mas nada foi encontrado.
— E se houver um informante? — Enrico teoriza, andando de um lado a outro no escritório
onde estamos.
Sentado atrás da mesa de madeira, fumando um charuto, reflito sobre sua suposição. Solto a
fumaça no ar.
— Pode ser. Desconfia de alguém em específico?
Ele dá uma risada amarga.
— As possibilidades são muitas — diz, suspirando. Ele se senta em uma das poltronas de
frente para mim. — Pode ter sido qualquer um. Até mesmo gente do hotel. Aliás, já solicitou as
imagens da câmera de segurança?
Aceno em positivo.
— Ethan ficou encarregado de trazer para mim. Estou na esperança de encontramos alguma
coisa.
— Espero que sim. Ettore, você precisa tomar muito mais cuidado agora — aconselha, sua
voz descendo um tom mais grave e sombrio, com uma nota até de preocupação. — Acho que deveria
evitar sair daqui por qualquer razão.
Calafrios percorrem todo meu corpo. Só de pensar em ficar encarcerado nesse apartamento
vinte e quatro horas por dia com Giovanna simplesmente me deixa apavorado. Ficar fora de casa o
tanto quanto fosse possível sempre foi meu modo de não me deixar ser enfeitiçado por aquela garota.
Me permitir passar tanto tempo com minha esposa vai ser minha ruína. Não estou preparado para ver
meus muros ruírem.
— Isso é um exagero — respondo, devolvendo o charuto ao cinzeiro e soltando mais um
pouco de fumaça. — Tenho tomado cuidado.
— Já parou para pensar que você é que pode ter denunciado a localização do hotel?
Franzo o cenho, confuso com sua sugestão. Segui rigorosamente os protocolos de segurança
nesse caso. Meus guarda-costas sabem que precisam ter certeza de que não estamos sendo seguidos,
que rotas devem ser sempre trocadas. Duvido muito que eu tenha delatado nossa posição.
— Fui muito cuidadoso nesse requisito, Enrico.
O homem balança a cabeça em negativo.
— Você subestima demais os inimigos, Ettore. — De repente, Enrico fica pensativo. — Tenho
quase certeza que você foi seguido. — Meu irmão soca a mesa, demonstrando raiva extrema. — Não
é segredo que estávamos reunidos no Paradise durante nossa videoconferência com Nikolai. Os
russos ficaram esperando você sair e te seguiram. — Estou abrindo a boca para dizer que não porque
me certifiquei disso, mas meu irmão me interrompe: — Eles te seguiram, Ettore, você só não
percebeu. Foram mais espertos.
Penso nisso por um segundo e pondero que talvez tenha razão. Pode ter sido isso que
aconteceu. Eles descobriram nossa localização e estudaram o perímetro antes de atacar. Foram
cautelosos e metódicos. Me esperaram deixar o hotel para agirem. Os malditos só não contavam que
Giovanna tivesse saído da cobertura disfarçada.
— Se for isso mesmo, precisamos de um novo ponto de encontro, ao menos até chutarmos
esses malditos russos daqui.
Meu irmão concorda ao mesmo tempo que batem à porta do meu escritório. Permito a
entrada, e Ethan surge. Em um gesto com o indicador, peço para se aproximar. Ele entra e estica um
pen drive para mim.
— As imagens das câmeras de segurança do hotel.
— Obrigado, Ethan — agradeço, indicando a saída em seguida. Assim que ele sai, insiro o
objeto na entrada USB do meu notebook.
Enrico vem para trás da mesa, mantendo-se atrás de mim, encurvado e com as mãos
espalmadas no tampo de madeira. Abro o primeiro vídeo, nomeado como “Câmera Cobertura”, e vou
avançando até ver dois homens surgirem do elevador que dá acesso ao local. O primeiro vai na
frente, escondendo uma arma nas costas, preso ao cós da calça. Ele parece dizer algo aos meus
homens, erguendo a mão em rendição. Daniels dá dois passos para longe de sua posição, também
dizendo alguma coisa, mas o segundo homem — que vem logo atrás — saca outra arma muito
rapidamente e atira contra meu soldado. A bala atravessa a cabeça de Daniels, que cai como um saco
de batatas, o rosto expressando o horror momentâneo de ter sido pego de surpresa. Dentro do mesmo
segundo, o primeiro russo saca sua arma e atira no meu outro segurança.
Eles correm para dentro da suíte e ficam lá apenas por um minuto. Saem conversando no
telefone, talvez informando que não encontraram Giovanna e que mataram a pessoa errada. Não sei
se atiraram primeiro e depois se deram conta de que não era minha mulher ou se executaram Hadassa
por crueldade pura, para deixar algum tipo de recado. Pauso o vídeo quando os russos estão saindo
da suíte, no intuito de tentar reconhecê-los. Um deles, noto agora, é Yuri Smirnov. Aperto o maxilar,
sentindo a raiva subir pelas minhas entranhas.
— É o Yuri. — Enrico também o reconhece.
Não respondo. Troco o vídeo, acessando o que está nomeado como “Câmera Um –
Recepção”. Vou avançando o vídeo até o momento que Yuri e seu comparsa chegam. Eles param no
balcão, trocam algumas palavras com a recepcionista e, ao que tudo indica, recebem um cartão
magnético em troca, após fazerem um pagamento. Pelo registro do vídeo, isso foi perto do fim da
manhã, umas três horas depois que deixei o apartamento.
— Fizeram uma reserva para conseguirem entrar no hotel — constato. — Devíamos ter
reforçado a segurança do último andar, Enrico.
— Não adianta chorar por isso agora. A verdade é que fomos descuidados em muitos
aspectos. O jeito é aprendermos com nossos erros e reforçamos nossos pontos mais vulneráveis.
Aceno com a cabeça, concordando com ele. Passamos mais um tempo analisando as câmeras
de segurança, em uma busca infrutífera de tentarmos entender como nos acharam. Já está
entardecendo quando Enrico vai para sua casa. Fica combinado que vamos nos encontrar no dia
seguinte para terminamos nossa reunião de hoje — interrompida por conta dessa merda toda — e
traçarmos um bom plano para vencermos os russos. Ele vai me informar assim que tiver um lugar
seguro para nos encontrarmos.
Passo o resto da noite preso no escritório, fugindo daquela menina. Giovanna bate à porta, em
certa hora, chamando-me para jantar, mas não respondo. Só mais tarde que sigo para meu quarto e,
ainda assim, demoro a pegar no sono. Não consigo parar de pensar no que ela me disse mais cedo.
Eu ainda vou ter você dentro de mim.
Bato uma punheta violenta me imaginando dentro dela. Só então consigo dormir. No dia
seguinte, acordo com meu celular berrando sobre a mesinha de cabeceira. Atendo coçando os olhos e
meio sonolento:
— Alô?
— Ettore. — É Ethan do outro lado da linha. — Os russos invadiram sua casa — informa, o
que me faz despertar na mesma hora. Sento-me na cama e me encosto à cabeceira. — Reviraram
tudo, cara. Acho que estavam atrás de alguma coisa. Vem para cá. Agora!
Ethan não estava mentindo quando disse que os russos reviraram tudo. Não existe uma
parte dessa casa que não esteja fora do lugar. Todas as gavetas, armários, closets, gabinetes de pia,
prateleiras e estantes de cada cômodo foram bagunçados. Cozinha, quartos, banheiros, áreas de lazer.
Cada canto do lugar que os russos tiveram contato parece ter passado um pequeno furacão.
— E o sistema de segurança? — parado no meio do meu closet, pergunto para meu braço
direito. — Conseguiram derrubar outra vez?
Minhas roupas estão espalhadas por todos os lados tanto no closet quanto no quarto —
jogadas sobre a cama, poltrona e chão —, muitas escapam pelas gavetas, outras estão mal
penduradas nos cabides, e algumas foram arremessadas de qualquer forma. De frente para um cofre
no fim do corredor, minha preocupação com toda certeza não foi terem desorganizado minha coleção
de ternos Armani.
— Pelo histórico, conseguiram burlar o sistema com um pequeno apagão. Os russos
invadiram a casa aproveitando-se dos segundos de brecha antes do geradores reativarem a
segurança. Então…
— … conseguiram desativar o sistema antes que a luz fosse restabelecida — completo, já
imaginando como foram capazes de invadir o local sem acionar os alarmes.
— Isso, chefe.
Afago o rosto, os olhos fixos no cofre. A porta está aberta, indicando que os malditos
conseguiram ter acesso. Para minha sorte, eu tirei tudo o que tinha de valor no mesmo dia ao ataque
— setenta e duas horas atrás — e os levei comigo para a cobertura do hotel e depois para o
apartamento no condomínio residencial. Eram alguns documentos importantes e uma dúzia de maços
de mil dólares cada. A questão é que os desgraçados estão atrás de alguma coisa. Fica evidente pela
casa revirada e pelo fato de terem conseguido acessar todos os cofres disponíveis aqui. Um no meu
quarto, um no quarto de Giovanna — que aliás, também está uma bagunça de roupa e móveis fora do
lugar —, um na sala e um em meu escritório. Do de minha esposa, foram levadas algumas joias de
valores bem relevantes, e os dois últimos não foi levado nada porque não tinha o que levar.
— Ettore — meu irmão me chama, surgindo à porta. Viro-me na sua direção e ele faz um
gesto com a cabeça, indicando para eu segui-lo. Deixo tudo para trás e o acompanho até o andar
debaixo, ao meu escritório, Ethan vindo ao meu encalço. — A Penny conseguiu passar um rastro no
seu computador de mesa.
Penny Smith é uma gênia da computação, integrante das Dark Dolls. É ela quem normalmente
faz qualquer serviço para a famiglia que envolva a rede de computadores. No percurso para cá, meu
irmão achou por bem chamá-la para nos ajudar, principalmente porque Ethan nos informou que
aparentemente haviam acessado meu dispositivo. Então, seria interessante garantirmos que não teria
nada na máquina capaz de nos prejudicar. No meu escritório, a mulher de quadris largos e cabelos
pretos longos e escorridos está sentada atrás da minha mesa, os olhos atentos na tela do computador.
— O que descobriram? — questiono, parando à sua frente.
— Dois dias atrás, tentaram hackear seu computador remotamente — ela explica, saindo do
seu lugar. — Para sua sorte, o seu sistema anti-hacker é muito bom. — Não tenho muito tempo para
pensar no que Penny acabou de me dizer, porque ela continua: — Mas hoje, durante a invasão, eles
instalaram um malware na máquina para conseguirem essa falha e terem acesso remoto aos seus
dados. Estava bem camuflado como um arquivo simples, mas teria sido devastador se eu não tivesse
o eliminado e reforçado a segurança.
Fecho os punhos, completamente irritado. Irritado porque esses russos estão sendo um bando
de pedras nos nossos sapatos. Maldita hora em que Enrico enfiou na cabeça que queria aquelas áreas
na Espanha. Nada disso estaria acontecendo se não tivesse inventado de fazer negócios com o
falecido Sergei.
— Esses putos malditos estão atrás de alguma coisa — Enrico pronuncia com um murmuro
raivoso. — O que poderiam querer hackeando o computador do Ettore?
Penny dá de ombros, sentando-se à borda da mesa.
— Informações sigilosas, talvez? Que tipos de informações costumam guardar nos
computadores?
— Todo tipo de dados dos negócios da famiglia. Operações de lavagem de dinheiro, dos
contrabandos de armas e drogas, as arrecadações das proteções forçadas, listas de associados e
earners, que incluem muitas figuras públicas que contribuem conosco, dados da nossa hierarquia…
— Ou seja — ela completa — coisas importantes demais que, em mãos erradas, podem
desmantelar a Mahyas D’Arezzo.
Enrico, Ethan e eu trocamos um olhar tenso. Começa a ficar claro aqui o que pode ser que os
russos estivessem tentando fazer.
— Acha que eles estavam atrás de provas que pudessem ajudar o governo e nos prejudicar?
— sou eu quem pergunto.
A garota outra vez dá de ombros.
— Eu diria que sim. Os russos tentaram hackear dados importantes, Ettore. Como não
conseguiram…
—… invadiram a casa para instalarem o malware — Enrico completa.
Penny assente.
Fico pensativo por um segundo, analisando a situação como um todo. Se tudo o que queriam
era só instalar esse malware para conseguirem uma falha que permitisse uma invasão ao meu sistema,
por que revirar a casa toda? Por que não entrar sem ser notado e sair sem ser visto? Por que
praticamente anunciar para toda Las Vegas que estiveram aqui? Isso seria imprudente demais se
tratando dos russos.
— Não sei — digo, com um murmuro, andando de um lado a outro. — Tem alguma coisa
errada nessa história.
— É — Ethan concorda. — Se tudo o que queriam era instalar um programa para hackear o
computador remotamente, por que reviraram a casa toda? — Aponto o dedo para Ethan. “Eu pensei
nisso também!”.
— Parece que foi de propósito — teorizo, tornando a andar de um lado a outro. — Acho que
queriam que a gente soubesse que estiveram aqui.
— Com qual propósito? — Penny questiona.
A pergunta pesa no ar por um segundo. Depois disso, a resposta vem com uma saraivada de
tiros adentrando as janelas do escritório.

Eu me abaixo e me jogo no chão instintivamente quando os primeiros tiros atravessam o vidro


da janela e um deles acerta o ombro de Enrico. Meu irmão solta um grito — uma mistura de dor e
raiva — e se agacha, jogando-se contra a parede da porta. Dentro do primeiro segundo do ataque,
todos nós nos protegemos do modo como conseguimos: Penny se esconde sob a mesa de madeira,
Ethan se joga no chão comigo, embora eu comece a me rastejar na direção do meu irmão, que segura
o ombro baleado, para ajudá-lo.
— Jackson! — Ethan berra. Olho para trás, a meio metro de Enrico, e vejo que Montanari
conseguiu sacar o walkie-talkie do bolso para se comunicar com os soldados rondando a casa.
Ignoro a conversa que se desenrola a partir disso — Ethan comandando um plano
improvisado para nos manter vivos — e termino de me arrastar até meu irmão.
— Acho que já sabemos por que queriam que soubéssemos que estiveram aqui — Penny
grita. Parte dos tiros para de nos ter como alvos, e um embate de armas de fogo começa a acontecer
no lado de fora da casa.
Consigo alcançar Enrico e avalio seu ferimento.
— A bala atravessou — constato, arrancando meu paletó e a camisa. Rasgo um pedaço do
tecido e amarro no ombro dele, para ajudar a estancar o sangue que jorra, e recoloco o paletó em
meu corpo em seguida.
— SAIAM DAQUI! — Enrico berra, de repente, os olhos exalando loucura. — PENNY, SAIA DAÍ!
Meu irmão me empurra com toda força, em um claro comando para deixarmos o cômodo.
Viro-me para Penny e nesse instante compreendo o motivo da sua exaltação. Ethan parece ter visto o
mesmo que ele viu — a porra de um explosivo escondido debaixo da mesa — e, um pouco agachado,
está correndo na direção da garota para tirá-la de lá.
— Merda! — esbravejo, ajudando Enrico, que se levanta com dificuldade.
Nós quatro alcançamos a saída na mesma hora que o explosivo cumpre seu objetivo. O
barulho é ensurdecedor, e a força da explosão nos repele para frente. Sinto lascas de madeira
atingirem minhas costas e minha nuca. Rolo para o meio do corredor que dá acesso ao escritório,
batendo a cabeça contra um vaso que orna o local. O mundo gira rápido demais por um segundo
inteiro e tento ignorar a dor nos ferimentos ainda recentes da surra que levei dias atrás e do impacto
de agora. Quando consigo me localizar de novo, vejo Penny saindo de cima do meu irmão, também
parecendo zonza demais, e noto parte do braço de Ethan sob a soleira da porta, noventa por cento do
seu corpo ainda dentro do escritório. Arrasto-me na sua direção, meus ouvidos zunindo, ignorando
que a troca de tiros continua acontecendo no lado de fora e que os pontos no meu supercílio abriram.
— Ethan! — grito, puxando seu rosto para cima. O homem está semiconsciente e balbucia
alguma coisa. Dou um tapa forte no seu rosto, e a ação parece o suficiente para trazê-lo de volta à
terrível realidade. — Você está bem? Está consciente? Consegue se levantar?
Ethan reflete por um instante, como se estivesse se analisando, enviando os comandos
corretos para seu cérebro se certificar de que não há nenhum ferimento grave em seu corpo.
— Estou bem — responde, por fim, levantando-se com certa debilidade.
— Saiam logo daqui! — uma pessoa grita, surgindo de repente. Ao me virar, reconheço
Jackson se aproximando como um integrante destemido da SWAT e portando um rifle de assalto,
acompanhado de mais dois soldados que nos dão cobertura. Seu rosto está salpicado de sangue e tem
urgência em cada traço das suas feições e em cada gesto que faz. — Não vamos conseguir segurar os
russos no lado de fora por muito tempo!
O segurança — que tem ao menos um metro e noventa, cem quilos, cabelos curtos e barba
cheia escura — começa a empurrar todos nós, conduzindo-nos até a saída. Agora recuperado, Ethan
fica junto dos outros dois soldados, ajudando a nos dar cobertura e impedir que os malditos
vermelhos avancem para dentro da casa.
— Andem logo! — Ethan grita, olhando para trás. A distração faz com que ele não veja o
inimigo surgindo sorrateiramente do escritório. Para sua sorte, um dos dois soldados está atento e
nota as intenções do russo. Uma bala acerta a cabeça do canalha antes que tenha tempo de qualquer
outra reação.
É a última coisa que vejo antes de virar a esquina e correr em direção à saída.

Jackson tem a missão de nos conduzir até nossos carros, estacionados na garagem. Isso nos
obriga a atravessar o hall de entrada e a cozinha — onde tem uma porta que desemboca direto na
garagem. A questão é que atravessar a sala nos torna um alvo fácil por causa das janelas e paredes de
vidro. Os desgraçados estilhaçaram parte delas no último ataque, e o conserto ainda está em
andamento. Por isso, quando estamos para arriscar nossas cabeças cruzando o cômodo, ele para atrás
de uma parede e, com um gesto de mão, pede para que esperemos.
O homem olha bem ao redor, estudando se é seguro corrermos. Portando uma AK-47
atravessada no peito e uma pistola semiautomática guardada no coldre, Jackson estuda o perímetro
como um falcão prestes a atacar sua presa. A troca de tiros segue, em sua maioria, no lado de fora,
mas noto que uma parte dos russos conseguiu invadir a casa, dada as balas ricocheteando nas
pilastras e paredes atrás de nós.
— Fugindo como maricas — Enrico resmunga, segurando o ombro machucado. —
Deveríamos ficar e enfrentar esses filhos da puta. — Ele toca na sua arma na cintura, olhando para o
corredor atrás de nós.
— Fale por você — Penny reclama. — Sou a única desarmada aqui.
— O que é estranho, porque vocês sempre andam armadas — ressalto, limpando o sangue
que escorre dos pontos que abriram.
— Não achei que fosse precisar!
— Ficar e enfrentá-los é suicídio — Jackson murmura, seus olhos ainda atentos. Parece que
faz horas que está analisando o entorno, mas mal deve ter quinze segundos. — É para isso que
existem os soldados da famiglia, não é?
Penny olha de mim para Enrico.
— Concordo com o grandalhão.
Sinceramente, por mim, eu também ficava e enfrentava esse bando de ratos, mas Jackson está
certo. Enrico está ferido, Penny está desarmada, e embora eu esteja com minha pistola, sozinho não
seria páreo para os russos. A julgar pela intensa troca de tiros e pelo modo como nos encurralaram
com facilidade, não teríamos nenhuma chance.
— Agora! — Jackson diz, entre os dentes. — Rápido-rápido-rápido!
Com dois dedos em riste, faz um gesto para atravessarmos o hall. Em dois segundos, estamos
na cozinha, cruzando-a e com os miolos intactos. Jackson se joga no banco do motorista assim que
alcança meu carro. Enrico se acomoda no lado do passageiro e Penny se ajeita nos bancos traseiros.
Eu sou o último. Prestes a entrar, uma bala acerta a lataria do veículo e me impede por um instante.
Agacho-me, no mesmo ato instintivo de sempre, e me viro para encarar um dos russos vindo da
cozinha na nossa direção, arma em punho, furioso como um touro de tourada. Eu só tenho tempo de
sacar a pistola e atirar ao mesmo tempo que ele. Nós dois erramos o alvo. Disparo outro em seguida,
o que o faz usar a parede da cozinha como proteção. Isso me dá oportunidade de me jogar para
dentro do carro. Jackson dá a ré, e mais uma bala ricocheteia na lataria.
— Segurem-se! — o soldado avisa, enfiando o pé no acelerador. — E SE ABAIXEM!
Outra bala disparada acerta o capô no momento em que o carro avança contra o portão da
garagem. A madeira se parte ao meio e é mandada para longe. Jackson manobra o carro com a
maestria de um piloto, engata a primeira e acelera — os pneus derrapando um instante antes de o
carro se mover para frente.
Em dez segundos, estamos longe o bastante da troca de tiros.

— Ah, meu Deus, você está bem? — Giovanna pergunta assim que atravesso a porta do
apartamento, carregando um Enrico baleado comigo. Ela faz menção de vir na nossa direção, mas
dispenso toda essa preocupação, e a menina para sua caminhada.
Já tem uma hora que os russos nos atacaram ​— de novo —, e Jackson resolveu rodar um
pouco a cidade antes de virmos para cá, um modo de despistar qualquer um que pudesse nos seguir.
Não muito tempo depois que saímos de lá, Ethan entrou em contato pelo telefone de Jackson e avisou
que conseguiram repelir os malditos e que não tivemos tantas baixas — apenas três mortos e cinco
soldados feridos.
Em breve ele virá para cá, mas antes terá de molhar as mãos de algumas pessoas — inclusive
autoridades locais — para lidarmos com isso. A imprensa logo vai noticiar o tiroteio, as mortes,
talvez até levantando hipóteses de que se trata de outra guerra rotineira entre as máfias, mas isso
pouco importa. O que não podemos permitir é que sejamos prejudicados pelos órgãos oficiais —
polícia, FBI, essas merdas.
— Eu estou bem — digo, por fim, ajudando Enrico a se sentar no sofá. Ele o faz com um
resmungo.
— Eu me referi ao seu irmão — Giovanna alfineta, pondo-se ao lado dele e averiguando o
ombro machucado. Penso em abrir a boca e ser grosseiro, mas a risadinha sarcástica de Enrico mais
o comando dela que vem a seguir me impedem: — Pegue o kit de primeiros socorros, o Ethan trouxe
um ontem. Vou cuidar desse ferimento.
Contrariado e completamente irritado, faço o que ela pede. Retorno um minuto depois. Minha
esposa desenrola com cuidado a faixa de tecido que estanca o sangue e o ajuda a tirar a camisa. Fico
aqui, de braços cruzados, assistindo a pequena interação entre os dois e sentindo alguma coisa dentro
de mim. Giovanna me lança um olhar rápido, e nesse olhar vejo que analisa minha situação, os olhos
fixos no meu tronco parcialmente despido — sem a camisa, mas de paletó, e o rosto com um rastro
de sangue do ferimento que abriu.
— O que foi que aconteceu? — ela pergunta, suavemente, e se direciona para mim.
Agora a mocinha está falando comigo?
— Os russos nos atraíram para lá — respondo, carrancudo e mal-humorado. Não porque
acabei de sofrer uma tentativa de homicídio, mas porque minha esposa está dando atenção para meu
irmão.
Giovanna limpa o ferimento com um algodão embebido em iodo, dando batidinhas leves na
ferida.
— Atraíram? — indaga, um pouco confusa.
— É. Reviraram a casa, como se… estivessem atrás de alguma coisa.
Ela me olha no mesmo instante, as pupilas dilatadas, parando um momento com sua tarefa.
Giovanna pigarreia e descarta o algodão, separando algumas gazes, faixas, linha e agulha.
— O que eles estariam procurando?
— Nada. — É a voz grave de Enrico. — Foi só para nos atrair. Começaram um tiroteio logo
depois e até tinha um explosivo plantando no escritório do Ettore. Sorte nossa que o timing deles não
foi dos melhores, e é por isso que estamos vivos.
Giovanna fica em silêncio até terminar de cuidar do ferimento de Enrico — dar pontos e
enfaixar —, e eu estranho um pouco sua postura, mas decido não pensar nisso no momento. Tenho
outras coisas com que me preocupar.
— Enrico, o que vamos fazer agora? Estamos dando bandeira demais e esses malditos estão
aproveitando cada brecha. Eles já nos atacaram não sei quantas vezes e nós ainda nem conseguimos
traçar uma estratégia para neutralizar esses merdas!
— Diz como se eu não soubesse disso — meu irmão resmunga, jogando a cabeça para trás.
Ele solta um suspiro longo e depois olha para minha esposa. — Obrigado, querida, mas pode nos
deixar sozinhos agora?
Giovanna se levanta, juntando o kit de primeiros socorros.
— Estarei no meu quarto, se precisarem de mim. — Ela me olha por um instante, morde o
lábio inferior e se retira.
Sento-me ao lado de Enrico, coçando os olhos.
— Precisamos de uma reunião urgente com os capi — Enrico informa, ainda com a cabeça
jogada para trás e outra vez de olhos fechados. — Esses malditos estão passando dos limites.
— Vamos dar continuidade à nossa ideia inicial?
Ontem, antes de perceber que nem meus seguranças nem minha esposa respondiam ao meu
chamado, havíamos nos reunido para pensarmos em um modo de expulsarmos os russos da cidade e
acabar de vez com essa guerra. Consideramos algumas possibilidades e uma delas era fazer uma
aliança com os sérvios, enviar alguns homens para a Rússia e emboscar Nikolai.
— Ainda não sei — confessa, por fim me olhando. — Os sérvios também devem estar putos
conosco agora, mas…
—… se prometermos devolver os territórios que tomamos, eles podem se aliar a nós e nos
ajudar.
— Não quero ter que confiar só neles, Ettore. Parece uma boa ideia, mas… acho por bem
pensarmos em uma alternativa antes de considerarmos fazer outra aliança com outro inimigo.
Aceno em positivo, concordando.
— Tem notícias da Espanha, de como andam as coisas por lá?
— Parece que nossos homens estão conseguindo controlar tudo. Nossas áreas estão intactas e
apesar das baixas que tivemos logo depois de você matar o Alexei. — Ele me olha, o maxilar
apertado. — A situação não está crítica. Nikolai está concentrando seus esforços aqui, o cerne de
tudo. Não faz sentido mesmo atacar os territórios na Europa.
Saio do seu lado.
— Vou pedir ao Jackson para buscar Parisi, De Santis e Vitali e trazê-los para cá. Precisamos
nos reunir o quanto antes.
Ele concorda com um aceno de cabeça, aparentando estar cansado demais. O homem continua
com a cabeça tombada para trás e novamente fecha os olhos. Deixo-o sozinho e vou incumbir meu
subchefe de sua tarefa de convocar os chefes e de chamar um médico para o capo dei capi.

Sem muitas alternativas, nós decidimos tentar uma aliança com os sérvios. A proposta será
devolver parte da área que tomamos em troca de eles nos ajudarem com Nikolai e seus homens.
Enrico fica encarregado de entrar em contato com o líder da máfia sérvia para fazer a proposta. Só
depois, se aceitarem o acordo, é que vamos pensar em um modo de lidarmos com os russos. Eu
cheguei a propor algo como Cavalo de Tróia, e meu irmão concordou em analisar o plano assim que
tiver uma resposta de Darko.
Os demais capi vão embora logo em seguida, no final da tarde. Fico até o inicio da noite no
escritório, tentando lidar com outras questões do clã, além dessa maldita guerra. Ethan me faz
companhia, ajudando-me a contabilizar lucros, levantar nosso inventário de armas, atualizar nossa
lista de recebimentos dos variados negócios — lícitos e ilícitos —, organizar o balanço das nossas
folhas de pagamento e recuperar alguns documentos e dados importantes que havia no computador de
mesa que foi para os ares com o explosivo sob a mesa. Para nossa sorte, eu tinha cópias em
servidores on-line bem protegidos.
É perto de oito da noite e estamos rindo de uma piada suja e fumando charuto quando batem à
nossa porta. Antes que eu permita a entrada, Giovanna aparece, elegante dentro de um vestido azul
muito justo e decotado, de maquiagem feita, cabelos amarrados em um rabo de cavalo baixo e
sandálias de salto.
— Estou atrapalhando?
Ethan se vira na cadeira e olha para minha mulher — de um jeito muito inadequado se
tratando da esposa do chefe dele — como se estivesse a vendo pela primeira vez na vida.
— Não, você não está — respondo um pouco rude. Mais porque me desagrada que Ethan
ainda esteja a admirando do que pela sua intromissão. — Precisa de algo? — Deixando o charuto no
cinzeiro, levanto-me do meu lugar e paro entre ela e meu braço direito intencionalmente para tapar a
visão dele.
— Vou pedir o jantar. Queria saber se tem alguma preferência. — Giovanna inclina o corpo
um pouco para o lado e sei que o sorriso e olhar que envia são para Montanari. — Ethan vai jantar
conosco?
Sinto meus dentes apertarem, como se eu sofresse de bruxismo, e não gosto da insinuação na
sua voz, da provocação velada. Que inferno de mulher! Que inferno de sentimento!
— Talvez uma outra hora — Ethan se intromete. Eu me viro para ele, que está saindo do seu
lugar e vindo até nós, após apagar seu tabaco e deixá-lo ao lado do meu. — Já está no meu horário.
Se não precisar mais de mim, Ettore…
Saco meu telefone do bolso e estico na sua direção.
— Gostaria que me deixasse a sós com minha esposa. Peça uma pizza para mim, por favor. O
mesmo sabor de sempre. Depois, pode ir.
Ethan sustenta o olhar no telefone esticado para ele por um segundo inteiro antes de decidir
pegar o aparelho e se retirar. Não sem antes, claro, dar outra conferida em Giovanna. Assim que
fecha a porta, estou tão consumido por esse sentimento negativo que não sei como ainda não fui atrás
dele para arrebentar aquele nariz empinado só pela audácia que teve em secar minha esposa dessa
maneira.
Giovanna passa por mim, e só me dou conta disso porque o rastro do seu perfume pelo
caminho atinge minhas narinas. Viro-me para trás e a vejo sentada na minha mesa, pernas cruzadas,
apagando o charuto que deixei no cinzeiro.
— O que quer falar comigo? — pergunta, em tom baixo, olhando-me de relance.
— Você só entra no meu escritório quando eu permitir, entendeu?
Ela abre um sorrisinho debochado.
— Tudo isso por que entrei aqui sem permissão? Que dramático.
— Estou falando sério com você, Giovanna — advirto, mas a vontade que tenho mesmo é de
mandá-la parar de flertar com a porra do Ethan. Mas não vou fazer porque seria demonstrar que
estou… Estou com o quê? Ciúme? Abano a cabeça de um lado a outro, querendo espantar esse tipo
de pensamento. — Não quero ter de chamar sua atenção de novo sobre isso.
Um segundo depois, eu me arrependo de ter dito o que disse. Isso porque a desgraçada abre
outro daquele sorriso safado e sexy que mexe com todas as minhas estruturas — porra, mas que não
deveria. De repente, ela separa as pernas e sobe o vestido, deixando sua boceta toda à vista. A
desgraçada nem calcinha está usando! Eu quero segurá-la pelos braços e enxotá-la daqui, mas não
consigo sequer mover um músculo, atraído demais pela cena, arrebatado demais, em transe demais,
incapaz de conseguir olhar para outra coisa senão para sua boceta parcialmente depilada.
— Se eu não for uma boa menina — sussurra, levando dois dedos até o clitóris e começando
a brincar com ele. — Vou receber algum tipo de castigo? Talvez… alguns tapas? — Ela morde o
lábio, joga a cabeça para trás e circula o ponto de nervos com mais intensidade. — Acho que gosto
de tapas.
— Porra — sussurro, apertando as mãos com tanta força que estou sentindo as unhas
cravarem nas minhas palmas. Sem me dar conta, estou me aproximando dela, disposto a quebrar a
maldita promessa de não a tocar. Não só vou tocar, como vou socar e me enterrar nela e que se foda
todo o resto.
Minha esposa nota que estou avançando na sua direção e coloca todas as expectativas nos
seus olhos. Estou a apenas alguns centímetros dela quando sou interrompido com o abrir da porta
atrás de mim. Recuo instantaneamente ao mesmo tempo que Giovanna desce da mesa, ajeitando o
vestido no corpo.
— Desculpe, eu… — Ethan diz, um pouco sem jeito. — Vim avisar que já pedi a pizza. Vai
chegar em no máximo uma hora.
— Tudo bem — respondo, um pouco ofegante. — Pode tirar o resto da noite de folga, Ethan.
— Ele assente e se retira. Eu me volto para Giovanna. — Preciso de um banho.
— Sei que precisa — zomba, saindo logo em seguida.

Estive a ponto de bater uma punheta violenta pensando naquela diaba loira. Me masturbar
imaginando nós dois fodendo em cima da minha mesa do escritório seria permitir potencializar esse
sentimento que venho cultivando por Giovanna. E não posso deixar que isso aconteça. Não posso
permitir que ela vença minhas barreiras, derrube meus muros e me conquiste. Não posso.
Por esse motivo, sou um bom menino e não me masturbo. Opto por tomar um banho gelado,
que me ajuda a manter os pensamentos longe dela e o pau murcho. Depois da ducha, visto jeans,
camisa, blazer e sapatos. Confiro as horas e dou por mim que meu pedido para o jantar já deve estar
quase chegando. Inspiro ar para os pulmões e sigo até a sala. Ela está aqui, diferente da última vez
que a vi. Traja um robe de seda branco e curto demais para a minha sanidade. Os cabelos estão
úmidos e a maquiagem foi embora. Ao me ver chegando, Giovanna para de distribuir os talheres na
mesa e me encara. Parece notar o ponto de interrogação nos meus olhos, afinal, ela já estava bem
arrumada anteriormente, e esclarece:
— Também precisei de um banho. — A explicação vem junto de um sorriso tendencioso e
uma olhada maliciosa direcionada ao vão das minhas pernas. — Eu me diverti pensando em você.
Fez o mesmo por mim?
Meu coração acelera como um carro potente de corrida — cem quilômetros por hora em dez
segundos! — e preciso afastar a imagem dessa mulher se masturbando enquanto pensa em mim.
— Giovanna… — Estou ensaiando uma resposta, mas novamente sou interrompido. Meu
telefone toca. Reconheço o número de Jackson e atendo. — Diga. Tudo bem, deixe subir. — Encerro
a ligação e guardo o telefone no bolso. — A pizza chegou. Vou buscar uma gorjeta para o entregador.
Sem esperar resposta, eu me retiro e sigo para o escritório. Pego alguns dólares para pagar a
pizza e para a gorjeta. Recupero o ar por alguns minutos, ainda tentando afastar os pensamentos da
minha cabeça — das imagens dela nua ao fato de não conseguir compreender o que sinto por ela — e
só então retorno para a sala. Quando chego, todo o meu corpo parece receber uma descarga elétrica.
Giovanna está parada no meio do ambiente, atrás do sofá, enquanto dois homens com uniformes de
uma pizzaria apontam uma arma para ela. A pizza encomendada está jogada de qualquer maneira
sobre o sofá.
— Nem tente, chefia — um deles avisa, o forte sotaque russo preenchendo a sala, mirando o
cano da arma na minha direção no momento que minha cabeça pensa em alguma solução para sair
dessa. — Seus homens na porta estão todos apagados e vão ficar assim por tempo suficiente para
resolvermos essa merda aqui. E os lá de baixo estão sendo bem vigiados pelos meus homens.
— O que querem? — pergunto, segurando a raiva atrás dos dentes.
Sinceramente, se eu estivesse sozinho, mesmo desarmado e sem meus seguranças, partiria
para cima desses malditos. Mas não estou sozinho. Não posso arriscar a integridade de Giovanna.
Parado a dois metros atrás dela, noto que seu corpo todo está tenso. Completamente amedrontada.
O que falou comigo aponta o queixo para Giovanna.
— Nikolai quer justiça pelo que fez ao Alexei. Vocês não aceitaram a proposta de entregá-la
ao chefe, então… estamos tentando tomá-la a força.
Trinco o maxilar, raiva em estado líquido e viscoso correndo nas minhas veias no lugar de
sangue. Esses malditos não podem estar sugerindo que…
— O chefe disse que se contenta que um de nós se divirta por ele — o outro comparsa diz,
cortando minha linha de raciocínio. — Existem boatos de que sua esposa ainda é virgem, Ettore.
Mesmo daqui, dois metros longe dela, consigo sentir que sua respiração acelera e fica mais
ruidosa.
— Os boatos são verdadeiros.
Giovanna se vira para mim imediatamente, assustada por eu corresponder à pergunta idiota.
— Veja — Número Um diz casualmente, sua arma apontada para minha mulher, a arma do
Número Dois na minha direção. — Podemos acabar com essa guerra e perseguição em um pequeno
acordo. Você me deixa foder sua esposa e esquecemos a confusão que causou conosco. O que acha?
— Ah meu Deus! — Giovanna exclama, procurando fazer contato visual comigo. — Você não
está pensando…?
— Ela não precisa nem mesmo deixar o apartamento. — Número Um dá de ombros,
interrompendo Giovanna. — Posso fazer isso aqui mesmo.
— Ettore, você não…?
Impassivelmente e sem pensar duas vezes, digo:
— Tudo bem. Tem um quarto nos fundos. Pode levá-
la.
— Você enlouqueceu? — minha mulher grita, mas eu não movo um músculo do lugar.
Número Um avança na direção dela e a pega pela cintura, jogando-a sobre seus ombros.
Giovanna grita e se debate ao passo que o homem a carrega para o quarto. Eu fecho os olhos e trato
de me concentrar para conseguir ignorar os gritos desesperados dela.
Eu me debato, esperneio e grito enquanto sou carregada pelo russo, jogada como uma
boneca descartável sobre seus ombros. Lágrimas se formam no meu rosto, causadas pela raiva e
desespero que estão tomando conta de mim agora.
Sempre soube que Ettore era um maldito desgraçado que nunca se importou comigo. Um
homem frio, sem sentimentos e egoísta. Mas daí para permitir que eu simplesmente seja estuprada
para acabar com uma guerra que ele começou é demais até se tratando do meu marido. Não consigo
acreditar que ele tenha mesmo sido conivente com esse ato cruel e asqueroso. Não quero acreditar
nisso. Entretanto, a cada passo do russo apartamento adentro, em direção a um quarto qualquer,
minhas esperanças vão caindo por terra.
Ettore vai mesmo me deixar ser estuprada.
Cada vez que penso nisso — Ettore vai me deixar ser estuprada! —, uma raiva descomunal
nasce de dentro de mim, uma força avassaladora que nunca pensei que teria cresce exponencialmente.
O instinto de sobrevivência grita alto e, por mais que eu não tenha força nem chances suficientes para
enfrentar esse homem que pode — e vai — me subjugar facilmente, não desisto. Luto com toda a
minha garra. Grito, esperneio, esmurro suas costas, finco minhas unhas em sua jaqueta azul-marinho
com o logotipo da Giordano’s.
— Cale a boca, piranha! — o russo exclama, metendo o pé na porta e, em seguida, joga-me
contra a cama.
Meu corpo quica no colchão e me levanto quase imediatamente, meu instinto me obrigando a
tomar tal atitude na vã esperança de conseguir escapar. É claro que é inútil, um modo tosco de gastar
minhas energias, porque mal estou em pé e meu algoz me empurra de volta, montando nos meus
quadris.
— Mandei calar a porra da boca, sua piranha desgraçada! — ele brada, puxando meu cabelo
com toda força ao mesmo tempo em que aponta o cano da sua arma contra minha têmpora.
A ameaça me faz ceder por um instante. Amedrontada demais, com a perspectiva de morrer
com uma bala na cabeça, fico quieta, encarando os olhos escuros frente aos meus. Ele abre um
sorriso forçado, gostando que eu tenha me aquietado, e vejo um ou dois dentes de ouro entre os
verdadeiros, que tem o amarelo típico de quem é viciado em nicotina. O russo desce devagar o cano
da arma pelo meu corpo, encaixando-se melhor entre minhas pernas. Fecho os olhos, segurando as
lágrimas e o nó que se forma na minha garganta, rezando para que isso acabe logo.
— Boa menina — murmura, repuxando meu cabelo de novo. Solto um gemido de dor e
reprimo a vontade de voltar a me debater. — Posso te poupar, Giovanna. — O cano da sua arma
chegando na altura da minha coxa. Sinto quando ele usa a ponta metálica para subir um pouco mais a
vestimenta, já curta. — Tudo o que tem que fazer é me dizer onde está.
Abro os olhos imediatamente, e o mar negro de maldade que são suas íris me encara de volta.
Meu coração dá uma acelerada bruta e repentina, entendendo perfeitamente a que se refere quando
quer saber onde está. Eu sabia que Nikolai descobriria que sou eu por trás de tudo, mas esperava
que, quando isso acontecesse, a famiglia já tivesse os eliminado com o plano inicial de tomar as
áreas na Espanha. Até desconfiei, hoje mais cedo, de que ele já tinha descoberto tudo quando Enrico
mencionou que os russos pareciam estar procurando algo na minha casa com Ettore. Não sei se
realmente estavam ou se apenas atraíram meu cunhado e meu marido para lá, como pareceu que de
fato fizeram, mas fica claro agora que talvez essa guerra tenha começado não por causa do
temperamento do meu esposo, mas por minha causa.
— Não sei do que está falando — desconverso.
O russo dá uma risada sarcástica.
— Sabe sim, sua vagabunda. — A arma está contra minha bochecha agora, e ele aplica uma
pressão ameaçadora. — Nós rastreamos o IP de uma máquina em um cybercafé na East Tropicana
Avenue depois que recebemos o arquivo. Conseguimos acesso às imagens das câmeras de segurança
do lugar e adivinha quem vimos usando o mesmo computador? — Outra risada seca e meio lunática.
— Faz jus a esse cabelo loiro porque só sendo muito burra para achar que basta usar um computador
em um cybercafé e um e-mail falso para não ser descoberta.
Engulo em seco, odiando-me por ter sido estúpida nesse nível. É claro que me descobririam
com muita facilidade. Por que não pensei nisso com mais cuidado? Burra, burra, burra!
— Está em um lugar seguro — respondo, não me deixando ser intimidada, e cuspo no rosto
dele, enojada com sua outra mão subindo por dentro do robe e quase alcançando meus seios ao passo
que a sua arma volta para a parte interna da minha coxa, perto demais da virilha. Volto a me remexer
debaixo dele, tentando escapar da sua pegada. — Se me matar, não vai saber onde está e, de quebra,
Ettore descobre tudo. É isso o que querem?
O russo desfere um tapa generoso no meu rosto, que faz meu pescoço virar para a direita.
Fico nessa posição por dois segundos inteiros, parando de me debater. Dois segundos que me
permitem visualizar um abridor de cartas sobre a mesinha de cabeceira da cama. É minha pequena,
única e milagrosa chance. Não acredito que ele tenha visto a lâmina ali e nem tenha se dado conta de
que basta eu esticar o braço para alcançá-la. Só preciso ganhar tempo. Giro o pescoço na sua direção
mais uma vez. Ele está terminando de limpar meu cuspe do seu rosto na manga da jaqueta.
— Onde. Está? — pergunta de novo, pausadamente, virando-se para mim, o indicador e o
polegar dando um beliscão dolorido no bico do meu seio esquerdo.
— Diga ao Nikolai que se eu morrer, Ettore fica sabendo de tudo. Sabe que seria catastrófico
se aquilo cair nas mãos de um inimigo. Meu marido não vai pensar duas vezes em usar o arquivo
para destruir o breve reinado dele.
Os olhos do homem se transformam na mesma hora, tornando-se ainda mais escuros, como se
fosse mesmo possível. Ele está possesso, inflado de raiva. Sabe que realmente não pode me matar,
não enquanto não colocar as mãos no arquivo.
— Vou fazer você falar — ameaça, conseguindo me manter presa para abrir a braguilha da
calça jeans. — Por bem ou por mal. — Ouço a fivela do cinto batendo e, nesse instante, volto a me
remexer com toda fúria.
O russo puxa meu cabelo, ameaça me bater, manda-me ficar quieta e colaborar — “Não, não
colabore! Quanto mais lutar, mais divertido e gostoso vai ser me enfiar nessa sua boceta!” —, mas eu
não cedo. Ocupado demais para conciliar entre me manter quieta e conseguir abaixar a calça, ele não
nota que estico o braço no intuito de alcançar o abridor de cartas. Eu não o poupo sequer por um
segundo. Segura de que não vai me matar porque precisa de mim viva, não cedo, não paro, não me
curvo. Giro de todo lado. Tento acertar suas bolas, morder seu braço. Grito cada vez mais alto,
embora não resolva muito porque sei que toda a cobertura é a prova de som — uma exigência
luxuosa do dono que adora dar festas barulhentas até tarde da noite.
— Continue lutando, sua puta de merda! — esbraveja, a mão alcançando minha vagina.
Fecho as pernas e tento me livrar do seu toque, ao mesmo tempo em que estico mais meu
braço — droga, falta tão pouco! — para alcançar minha salvação. Os cinco centímetros que nos
separam parecem tão distante neste momento.
— Continue lutando — repete, conseguindo abaixar um pouco a minha calcinha. — Vou fazer
você falar tudo o que quero saber.
De repente, as coisas acontecem simultaneamente dentro de um único segundo. No instante em
que o russo consegue abaixar minha peça íntima o suficiente para me violar, alcanço o abridor de
cartas e o fecho contra meus dedos com toda força. Sem sequer pensar duas vezes, desço a lâmina
contra a lateral do seu pescoço. Assim que enterro a arma na sua pele com toda força e com todo
ódio que reúno dentro de mim, sangue espirra da sua têmpora, seguido de um estampido de disparo.
Pisco duas vezes, levando mais um milésimo de segundo para entender que o sangue que espirrou
dele foi por um ferimento de bala.
O corpo, que desfalece sobre o meu por um rápido instante, logo é puxado de cima de mim.
Então, vejo Ettore aqui. Seu rosto sujo de sangue, assim como a camisa, o paletó e os nós dos dedos.
Seus olhos enfurecidos alternam entre o vão das minhas pernas e o russo morto caído no chão. Nem
sei o que sinto ao olhar para ele. Não sei se fico aliviada porque apareceu e não me deixou ser
violada, ou se fico furiosa porque permitiu — mesmo que por cinco minutos infernais — que aquele
homem me tocasse.
Antes que eu tenha tempo de qualquer outra reação, Ettore puxa o abridor de cartas do
pescoço dele e começa a esfaqueá-lo, desferindo golpes violentos, furiosos, enquanto grita como se
fosse um maluco psicótico, e mais sangue salpica por todo seu rosto e roupa já sujos. Assustada
demais com tudo o que aconteceu nos últimos minutos para reagir, eu o deixo ter os seus quinze
segundos de acesso de raiva. Quando acaba, meu marido deixa o corpo todo perfurado jogado no
chão, tira seu blazer e o joga em cima de mim.
— Cubra-se e vamos sair daqui.
Ele não espera por uma resposta minha e começa a se retirar. Nesse instante, então, uma onda
de ódio me invade por completo. Subo rapidamente a calcinha pelas minhas pernas e visto o paletó.
Corro atrás dele antes que alcance a porta, abotoando o blazer para esconder meu corpo, e grito:
— Seu idiota! Ia me deixar ser estuprada! — Estou prestes a desferir uma sequência de tapas
nas suas costas, mas ele se vira na minha direção, bruscamente, impedindo os golpes com um passo
para trás.
Ettore me encara de um jeito irado e possessivo demais. Sinto minha respiração falhar frente
a esse olhar tão… predatório e cheio de fúria. Ele avança um passo; eu recuo. Ele avança outro, e
mais outro, e eu vou recuando na mesma medida, sentindo-me encurralada. O medo que senti do
russo dois minutos atrás se iguala ao que meu marido me faz sentir agora. Esbarro na parede da
cabeceira da cama, um aviso de que o espaço para fugir acabou.
— Não, eu não ia.
Empino o nariz, tentando não demonstrar medo.
— Ele me arrastou para cá. Abaixou minha calcinha! Aquele maldito esteve a ponto…
— Mas cheguei a tempo! — Ettore me interrompe, impaciente. — E mesmo se eu não tivesse
chegado, você soube se defender muito bem.
Faço menção de xingá-lo de novo e fechar os punhos para esmurrá-lo no tórax, mas ele
parece notar minhas intenções e a fisionomia do seu rosto se torna ainda mais sombria e colérica.
Encolho mais contra a parede, como se fosse possível, mas sustento o nosso olhar.
— Não sabe o medo que eu senti — murmuro, engolindo minhas lágrimas salgadas. Meu
corpo todo passa a tremer porque realmente agora estou me permitindo pensar e avaliar aqueles
minutos horríveis.
Ettore suspira e espalma contra a parede, a mão direita distante apenas alguns centímetros da
minha cabeça.
— Os dois estavam armados e não tínhamos como pedir ajuda. Eu precisava lidar com um
russo por vez.
— Você me usou como isca — constato, murmurando. Estou calma por fora, mas por dentro,
estou com muito ódio. Ele me usou como isca! — E se não tivesse chegado a tempo? E se eu não
tivesse conseguido me proteger? E se…?
Ettore suspira alto e impaciente, cortando minha ladainha.
— É, te usei como isca e como distração, e isso está me ajudando a te tirar viva daqui.
Cheguei a tempo, não cheguei? Nunca deixaria aquele maldito se enfiar no meio das suas pernas,
Giovanna, com ou sem o seu consentimento. Você me entendeu?
Pisco um par de vezes, encarando suas íris azuis frias como o oceano que me olham de volta
de uma maneira que Ettore nunca me olhou. Parece ter de tudo um pouco por trás desses olhos
enlutados e sombrios. Paixão, loucura, obsessão, cólera, desejo.
— Vamos logo ​— sussurra, antes de se afastar e começar a sair. — Você tem dois minutos
para pegar só o necessário.
Depois de me limpar na pia do banheiro, visto uma calça jeans e uma camisa limpa. Dispenso
o paletó dele, optando por um casaco meu. Preparo uma mochila com uma troca de roupa e, nos
fundos dela, escondo o contrato e a chave do cofre do banco. Ainda não tive a oportunidade de
guardá-los em um local realmente seguro e longe da vista de todos. Não tivemos paz desde o
primeiro ataque à minha casa e não sei quando vamos nos fixar em um lugar protegido para que eu
tenha a oportunidade de escondê-los decentemente. Até lá, ficam comigo, na minha bolsa. Na sala,
vejo o outro russo esticado no chão. Seu rosto não existe mais. Levo a mão à boca, reprimindo a
vontade de vomitar. Toda a sua face está arrebentada e consigo imaginar um Ettore desvairado
socando o inimigo até a cara dele se resumir a carne esmagada.
— Pronta? — diz atrás de mim, o que me faz dar um saltinho de susto.
Ettore lavou o rosto, as mãos e trocou de camisa. Aceno em positivo. Sem dizer uma palavra,
ele começa a se retirar para os fundos, onde tem um elevador privativo.
— Espere, espere. — Corro para alcançá-lo. — Não vai informar mais ninguém sobre o que
aconteceu aqui? Não vai sair escoltado? Ettore, por favor…
Ele bufa, entrando no elevador.
— Entra logo — ordena. — Chega de perguntas.
Sem muitas opções, entro no elevador. Dez minutos depois, estamos no carro dele, rumando
pelas ruas de Las Vegas iluminadas pelos letreiros de neon das boates e dos cassinos que ladeiam a
Avenida Strip. Meu marido não disse uma só palavra desde que saímos à espreita. Não deu uma
explicação. Olhando para a paisagem noturna correndo lá fora, arrisco perguntar:
— Como conseguiu matar aquele russo?
Olho para ele, e ele me olha de volta por um instante. Depois, volta sua atenção para a
estrada.
— Eu o desarmei ​— responde, sério e impassível. — Me aproximei dizendo que ia sentar no
sofá e esperar o amigo dele terminar o serviço. Reagi sem que ele esperasse assim que estivemos
frente a frente. Segurei o punho dele, afastei a arma da minha direção e girei o braço dele para trás.
Forcei a pistola para baixo, e isso quebrou o dedo dele que estava no gatilho. Depois, eu o esmurrei
até a morte. Quando terminei, fui atrás de você.
Abano a cabeça em positivo, estranhando não ter ouvindo gritos de dor ou coisas assim.
Provavelmente, porque estava ocupada demais tentando não ser violada e porque eu mesma gritava
muito alto.
— Ele te machucou? — Ettore pergunta, olhando para mim de relance.
Suspiro, um pouco trêmula.
— Não muito. Um tapa, um puxão de cabelo. O pior, graças a Deus, não aconteceu.
Meu marido solta uma risada seca.
— Você esfaqueia o cara, e eu estouro os miolos da cabeça dele para impedir que fosse
estuprada, mas foi graças a Deus que o pior não aconteceu?
Reviro os olhos e decido não dizer mais nada. Ficamos em silêncio assim por mais um tempo
até chegarmos ao número três mil quinhentos e setenta da Las Vegas Boulevard South. Ettore adentra
o estacionamento do icônico Caesars Palace e eu, outra vez, resolvo questionar:
— Por que não avisou ninguém, Ettore? Os seguranças nos andares, o seu irmão? O Ethan!
Vejo maxilar dele ficar mais tenso quando pronuncio esse último nome.
— Fiz pela nossa segurança — é tudo que diz, e decido não insistir.
Ao menos, por enquanto.
Ettore consegue uma suíte presidencial sem fazer reservas e rumamos para lá. No percurso,
dou-me ao luxo de me sentir cansada e com fome.
— Vou comprar algo para nós — fala, assim que adentramos o lugar. Pareceu ter adivinhado
nossos pensamentos. — Sei que está com fome. Também estou. Para não correr risco, eu mesmo vou
buscar no restaurante do hotel. Não quero confiar nem no serviço de quarto.
Solto uma risada baixa, não achando nada exagerada a sua preocupação.
— Está bem. — Ele se vira para sair, mas eu o chamo de volta. — Ettore, não devo mesmo
avisar ninguém?
— Giovanna, já faz bem uma meia hora que aqueles homens subiram para “entregar a pizza”.
— Ele reforça as aspas com um gesto. — Não acha que todos lá, meus seguranças e os russos que
vigiavam o local, já não estranharam a demora?
— Ainda não entendi…
— É claro que não entendeu! — Ettore grita, descontrolado. — É por isso que você não
comanda a porra da famiglia, Giovanna! — O homem respira fundo e fecha os olhos, tratando de
ficar calmo. — Vai ser mais seguro pra todo mundo se não souberem onde estamos. Pelo menos, por
ora. Só preciso comer alguma coisa, tomar um banho decente, descansar um pouco e só então
começar a pensar em como vou resolver essa merda toda.
De repente, o telefone dele começa a tocar. Ele saca o aparelho do bolso e ignora a ligação
que era do irmão — pude ver a identificação da tela.
— Enrico está preocupado com você.
— Eu sei.
É o meu celular que toca agora. Estico para Ettore, que decide atender.
— Oi, Enrico. Estamos bem. Sim, saí sem os seguranças e tive meus motivos. Não vou te
dizer onde estamos, está bem? Por enquanto, é melhor assim. — Ettore se vira de costas para mim,
mas ainda assim, consigo escutar o que ele diz: — Não envolva o Ethan nisso, entendeu? Não quero.
Por quê? — Ele gira de novo, fitando-me profundamente nos olhos. — Porque acho que ele é a porra
de um traidor.
Nosso jantar é resumido a alguns hambúrgueres, batata frita e milkshake de chocolate. Ettore
come em um sofá da suíte, e eu como no de frente para o dele, por algum tempo em silêncio. Fico
remoendo o que disse ao irmão mais cedo, sobre sua desconfiança de que Ethan pode ser quem esteja
nos traindo e dando informações valiosas aos russos — inclusive, nossa localização.
— Acha mesmo que é ele? — pergunto, quebrando a quietude entre nós.
Encaro meu marido enquanto espero por uma resposta — que eu acho que dificilmente virá
porque ele não costuma tratar desses assuntos na minha frente ou comigo — e sugo o canudo de metal
do milkshake. Ettore limpa os dedos em um guardanapo de papel antes de erguer os olhos para mim e
dizer:
— Acho. Os russos apareceram lá com o uniforme da pizzaria, Giovanna. Pedi para o Ethan
comprar pra nós. Suspeito, não concorda?
Concordo, mas não acho que Ethan seria tão idiota a esse ponto. De qualquer maneira,
resolvo não exprimir o que penso porque isso pode fazer com que Ettore fique ainda mais irritado
achando que estou o defendendo.
— O que vai fazer com ele?
Meu esposo joga mais algumas batatas na boca.
— Ainda não sei. Mas isso não vai ficar barato. Não mesmo.
— E os russos?
Ettore franze o cenho, nitidamente não gostando do rumo da conversa, de que eu esteja
interessada nos negócios da famiglia. Além disso, noto como no seu rosto tem traços de uma raiva
velada. É claro que ele está com raiva. Os inimigos já nos atacaram diversas vezes, e eles ainda não
foram capazes de revidar.
— Vamos dar um jeito neles também. — Ettore se levanta, conferindo as horas. — Está tarde
e estou cansado. Aconselho que vá descansar.
Ele se retira sem esperar por qualquer resposta minha. Vejo-o se afastar e só quando adentra
a sua suíte que junto toda a bagunça da nossa refeição e decido ir me deitar. Assim que coloco uma
camisola e me deito, meu celular toca sobre a mesa de cabeceira. Encaro a tela por longos segundos,
estranhando a ligação de um “Número Desconhecido”. Fico na dúvida se aceito ou não e, após o
décimo ou décimo quinto toque, resolvo saber quem é.
— Alô?
Silêncio do outro lado da linha.
— Posso estar rastreando a ligação.
A voz que atravessa o telefone me faz dar um salto no meio da escuridão e me sentar na cama.
— Nikolai? — arrisco.
— Seus instintos são bons, devo admitir.
Meu coração acelera na mesma hora, assustada. Como diabos ele conseguiu meu telefone?
Então, penso no que disse assim que atendi. Posso estar rastreando a ligação. E se ele realmente
estiver localizando onde estou? Penso em desligar — ele não vai conseguir nada se não me segurar
ao menos um minuto —, mas o sotaque russo me impede:
— Nem pense em desligar, querida. Não estou te rastreando. Sua linha é muito segura,
sabia? Seu marido te protege bem.
Fico um pouco mais aliviada quando me recordo de que realmente ele não pode rastrear meu
telefone.
— O que você quer? — pergunto, um tanto quanto rude.
— Quero acabar com essa guerra, querida. Basta me dizer onde está.
— Para depois me silenciar porque não confia que não fiz algumas cópias? Não, obrigada.
Ouço a respiração ruidosa dele e sei que está com raiva, começando a perder a paciência —
se é que já não perdeu.
— Não vou tocar em você, Giovanna, prometo. Palavra de homem. Basta me entregar o
arquivo.
Dou uma risada irônica, como se eu fosse mesmo acreditar nisso.
— A localização secreta desse arquivo é o que me mantém viva, querido. Não pode tocar em
mim. Se eu morrer, Ettore terá acesso e vai usar isso para te destruir. Esqueça, Nikolai.
Nikolai inspira fundo e consigo ouvi-lo andando de um lado a outro.
— Você tem razão. Não posso te matar. Mas, acredite, querida, posso te machucar o
suficiente para te fazer me dizer onde está. — Ele faz uma pausa rápida e então torna a falar, como
se reconsiderasse alguma coisa: — Ou melhor ainda, posso machucar ou matar as pessoas
próximas a você. — Minha autoconfiança começa a ir embora diante sua ameaça. — Te dou uma
semana. Se não me entregar esse maldito arquivo ou se ao menos não me disser onde está, vou
parar de te caçar e começar a caçar as pessoas que ama.
Abro a boca para dar alguma resposta — embora nem eu mesma saiba o que responder —,
mas Nikolai encerra a ligação antes disso.
Neste momento, um medo avassalador acerta meu coração.
— Você está estranha. — Em volta da mesa, noto que Giovanna, enrolada em um roupão
branco, não parece muito legal. Aparenta estar aflita, talvez nervosa ou prestes a ter uma crise de
ansiedade. Ela ergue os olhos na minha direção, parando de passar um pouco de pasta de amendoim
na fatia de pão. — Está se sentindo bem? Teve uma noite tranquila?
Bebo um gole do meu Irish coffee, ainda atento às suas feições e comportamento.
— Tive — responde, engolindo em seco. Volta a passar a manteiga de amendoim no pão e
completa: — Só estava distraída, pensando em… ontem.
Sinto um nó se formar na minha garganta só de imaginar aquele desgraçado colocando as
mãos nela. Sobe pela minha garganta uma raiva doentia e quase incontrolável ao imaginar a cena. De
verdade, eu me odeio por ter permitido que ele a levasse à força, mas ali, naquela hora, desarmados
e desprotegidos, não vi outra solução para nos salvar. Eu precisava ganhar tempo e me aproveitei da
brecha que o próprio russo abriu para nos tirar daquela situação ameaçadora. Odeio-me por ter
precisado tomar aquele tipo de decisão, mas não tive alternativas.
Estamos vivos, de qualquer maneira. É só o que importa.
Mas também não consigo não me preocupar com ela, não consigo não pensar nos minutos de
terror que vivenciou. Sei que deve ter sido horrível. Isso fica bastante claro no seu tom de voz ao
dizer que estava pensando em ontem. A lembrança ainda deve mexer com ela.
— Sinto muito. — É tudo que posso dar a Giovanna neste momento. E é sincero. De fato,
sinto que tenha passado por esse susto.
Minha esposa dá uma risada seca, como se não acreditasse nas minhas palavras.
— Não foi o que pareceu quando permitiu que aquele homem me violasse.
Inspiro fundo e baixo minha xícara sobre a mesa.
— Primeiro, você não foi violada. Segundo, jamais permitiria algo tão asqueroso. Fazia parte
do plano. Não seja ingrata e me agradeça por ter me preocupado o suficiente para me arriscar com
um homem armado no intuito de te proteger.
Não queria ter soado tão arrogante, mas acho que é exatamente como soo. Minha esposa faz
cara de ultrajada enquanto mastiga um pedaço do seu sanduíche de pasta de amendoim. De repente,
ela fica pensativa. Abre e fecha a boca como se estivesse considerando me contar alguma coisa, mas
parece desistir e torna a tomar seu café da manhã em silêncio.
— Tem algo para me dizer, Giovanna? — arrisco. Talvez a desgraçada esteja com um
“obrigada” entalado na garganta, mas é orgulhosa demais para dizer em voz alta.
— Quem, eu? — Parece pega de surpresa, a julgar pela hesitação na sua voz, o modo como
aperta os lábios e as pupilas dilatadas. Estranho essa sua reação. — O que eu teria para te dizer?
Analiso-a por um instante inteiro, desconfiado. Essa pirralha está escondendo alguma coisa
de mim?
— Nada — respondo, decidido a me esquecer disso por ora, e me levanto do meu lugar na
mesa. — Vou me encontrar com Enrico para lidar com essa merda de situação. Por favor, fique quieta
aqui. Não chame atenção, não saia do quarto, não atenda a porta, não fuja. Não me dê mais
preocupações e trabalho. Estamos entendidos?
Giovanna pisca diversas vezes, ensaiando uma inocência que sei que ela não tem.
— Não faço essas coisas, sabe disso.
Preciso me concentrar e forçar os músculos do meu rosto a permanecerem rígidos. É isso ou
teria sorrido com sua gracinha. Sem dizer mais nenhuma palavra, abotoo uma casa do meu blazer e
começo a me retirar. Ao chegar à porta, eu me viro para ela. Não sou capaz de entender exatamente o
motivo disso, mas imploro:
— Por favor, se cuide.

Amasso uma bituca de cigarro no chão arenoso e ignoro os gritos de Ethan. Olho para o céu
que está azul e límpido e depois me viro para meu irmão, encostado ao contêiner e verificando
alguma coisa no celular. Confiro as horas no meu relógio de pulso — três e meia da tarde — e
decido que o tempo de tortura pode durar mais alguns minutos.
— Espero que esse seu plano funcione — Enrico murmura, dando uma última olhada no
celular antes de guardá-lo no bolso da calça. — Principalmente, porque estou cozinhando debaixo
desse sol.
— Ossos do ofício, bro. — Ele faz uma careta para a gíria tão aleatória. — Se ele não quiser
morrer cozido aqui dentro — digo, batendo contra a lataria do contêiner —, vai dizer.
Mais cedo, assim que saí da minha suíte no Caesars Palace, rumei à espreita até a casa do
meu irmão, na Langley Estate Street. Deixei-o atualizado sobre ontem e sobre minhas suspeitas, e
então armamos um plano para fazer Ethan falar. Enrico ligou para ele e o atraiu até a sua casa,
enquanto eu delegava alguns soldados a conseguirem a caixa de metal e transportá-la até o meio do
deserto de Vegas. Trazê-lo para cá, amarrá-lo dentro do contentor e deixá-lo horas cozinhando lá
dentro foi a parte mais fácil.
— Não bastasse os russos, ainda temos que lidar com um traidor — meu irmão resmunga. —
O que acha que ele está ganhando em troca de repassar essas informações?
Dou de ombros.
— Não tenho ideia, mas pretendo descobrir. — Ethan grita mais uma vez. Deve estar a ponto
de morrer de insolação. — Você conseguiu falar com Darko? — Refiro-me ao líder da máfia sérvia.
Antes do ataque, tínhamos concordado em formar uma aliança com os sérvios para
conseguirmos eliminar de vez os russos da cidade. Quanto a Nikolai, não há muito o que possamos
fazer porque ele está do outro lado do mundo. Vingar as mortes que tivemos e expulsá-los de Las
Vegas é o suficiente por enquanto.
— Consegui. Ele vai nos ajudar. Assim que acabarmos aqui, vamos nos reunir para traçarmos
um plano. Vamos considerar sua ideia de cavalo de troia.
— Fácil assim? — Estranho a naturalidade com que Enrico diz isso tudo. Meus instintos, que
dificilmente falham, apitam dentro de mim. Tem alguma coisa errada aí. — O que ofereceu para
conseguir convencê-lo com tamanha facilidade?
— As áreas dos russos aqui e na Espanha.
Solto uma risada ácida e movo a cabeça em negativo. Ainda não confio cem por cento nos
sérvios.
— As áreas na Espanha já eram deles, Enrico. Não acredito que Darko foi passivo dessa
maneira. Acho melhor não colocar as mãos no fogo por ele. O desgraçado pode muito bem se aliar
aos russos e jogar nos dois lados, como agente duplo.
— Ele não vai. Os territórios na Europa se referem não só as que já pertenciam a eles, mas
abrange uma região maior, que eram da Yakuza. — Enrico faz uma pausa, arrastando o pé na areia.
Outro grito de Montanari ecoa pelo deserto afora, dessa vez um “POR FAVOR, ME TIREM DAQUI!”, antes
de meu irmão continuar: — Além do mais, fiz outra oferta bastante tentadora.
Giro lentamente na sua direção, pegando a insinuação na sua voz. Ele não está se
referindo…?
— Não ofereceu nossa irmã em casamento, ofereceu?
Enrico olha para mim com um sorrisinho contido. Reviro os olhos e bufo. Isso é muito típico
dele e nem é a primeira vez que tenta casar Giane com um mafioso influente em troca de alguns
benefícios para a família. O casamento só não foi pra frente porque ela ficou “viúva”. Acontece que,
depois desse episódio, nossa irmã ficou tão furiosa com o mais velho, tão magoada porque a morte
de Bianco foi culpa dele, que sumiu no mundo algum tempo depois.
— Enrico, pelo amor de Deus, você precisa urgentemente parar com isso.
Ele dá uma risadinha e encosta o pé direito contra o metal.
— Fique calmo, Ettore. Sei o que estou fazendo.
Massageio as têmporas, um pouco confuso com o rumo dessa conversa.
— Nós nem sabemos onde Giane está.
— Você não sabe onde nossa irmã está, Ettore. Eu sei de cada passo que ela dá. Deixo ela
pensar que está nos despistando, mas não tem um dia que não esteja a vigiando.
— Sabe que ela não vai aceitar isso. É capaz de viver fugindo a se submeter a um casamento
arranjado. Principalmente pela famiglia. Giane sempre detestou nosso meio e não moveria uma palha
para nosso benefício.
— Você me subestima demais, querido irmão. Não se preocupe porque já tenho tudo
esquematizado.
Penso em perguntar o que foi que ele e Darko acordaram, mas deixo para lá. Não vou me
meter nesse assunto.
— Tudo bem. Você sabe bem o que está fazendo. — Mais um berro desesperado de Ethan, e
para mim é o suficiente. Aponto para a caixa de metal com a cabeça e digo: — Vamos acabar logo
com isso.
Ele concorda e me acompanha. Abro as portas do contêiner e, assim que nos nota, Ethan
levanta o pescoço. O homem está amarrado por correntes, os braços esticados na direção do teto,
vestido com calças, casaco de inverno e botas para neve. Seu rosto está todo vermelho e pingando de
suor.
— Ettore. — Sua cabeça pende para frente, como se não conseguisse sustentá-la. —​ O que
está acontecendo?
Pulo para dentro do contêiner e caminho na direção dele, rondando seu corpo que balança
conforme ele se mexe. Enrico permanece nos fundos, apenas vigiando e deixando que eu lide com
essa situação porque, afinal, o maldito trabalha para mim.
— A regra é clara, Ethan — respondo, parando de frente para ele. — Traidores precisam ser
punidos.
O homem consegue erguer os olhos para mim quando paro em sua frente.
— Do que está falando?
Ignoro sua pergunta e estralo o pescoço. Por consideração, decidi deixá-lo apenas
cozinhando aqui dentro, mas poderia ter feito coisa pior, muito pior.
— Esse jogo comigo não. Só me diz o que está ganhando ao trabalhar para os russos, e talvez
eu seja um pouco misericordioso antes de dar um fim na sua vida.
— Dios mio, Ettore! — exclama, arranjando forças para falar um pouco mais alto. Ethan faz
uma pausa rápida, agonizando de calor. Gosto de ver a cena. — Não estou trabalhando para os
russos. De onde tirou essa ideia absurda?
Trinco o maxilar, não me agradando muito com o seu modo arrogante de me dirigir a palavra,
mas resolvo relevar.
— Ontem, fomos atacados. Os russos conseguiram entrar no condomínio disfarçados de
entregadores de pizza. Você era o único que sabia! Você pediu a pizza. Fica bem claro que informou
ao inimigo a nossa localização e não foi a primeira vez.
Ethan me olha por um segundo inteiro antes de começar a rir.
— Eu não era o único que sabia.
Fico atento nas suas palavras, esperando que continue sua explicação. Enrico se aproxima,
parecendo interessado no rumo da conversa.
— Avisei aos guarda-costas que uma entrega chegaria pra vocês e que não era pra deixar
subir sem te consultar antes. Até orientei o Jackson a te telefonar. Eu informei todos os seguranças,
Ettore. Pergunte aos que estavam de plantão ontem se não é verdade.
Troco um olhar com meu irmão, pedindo silenciosamente sua opinião. Ele pode estar falando
a verdade, mas também pode ser um truque. Ethan é um cara esperto. Talvez tenha avisado todo
mundo para que as suspeitas não ficassem só nele.
— Por favor, tem que acreditar em mim! — Ele arfa, começando a perder as forças. O
maldito é resistente, mas as longas horas de insolação estão cobrando seu preço. — Sou fiel a
famiglia, Ettore. Sempre… sempre fui. — Ethan começa a perder a consciência e isso fica evidente
na voz baixando e na cabeça pendida.
— Detesto admitir — Enrico diz, indo até as costas de Ethan —, mas me parece que ele está
falando a verdade. Nosso traidor pode ser outra pessoa, Ettore. Qualquer um daqueles outros
seguranças. E, sinceramente, você foi bem estúpido em permitir que os caras subissem. Estamos em
guerra, não dá para confiar nem na própria sombra.
Aperto o maxilar, tendo que admitir que meu irmão está certo. A verdade é que não estava
com a cabeça no meu devido lugar por conta de Giovanna e acabei agindo sem pensar. Ando de um
lado a outro, indeciso no que fazer. Ethan realmente sempre se mostrou fiel a nossa causa e nunca deu
motivos para desconfianças. E o que ele ganharia se aliando a Nikolai? O que aquele maldito
ofereceu ao meu homem que nós já não oferecemos? Também preciso admitir que não faz muito
sentido, e ele pode de fato estar falando a verdade. Se estiver sendo sincero, procurar o delator entre
os guarda-costas não vai ser difícil.
— Pegue água para ele — peço para meu irmão, andando até Ethan e soltando as correntes
que prendem seus punhos.
O homem cai com toda força no chão. Arranco as camadas de roupa que cobrem seu corpo.
Enrico me estica uma squeeze que ele pegou nos fundos do contêiner, guardado em um cooler, e
ajudo Ethan a virar o líquido goela abaixo de forma que não se afogue. Ele toma praticamente um
litro de água em goladas longas e desesperadas. Do pouco que sobra, jogo em seu corpo para ajudar
a refrescar. Agachado à sua altura, vendo o estado lamentável em que se encontra, menciono:
— Não me decepcione, Ethan. Se descobrir que é sim a droga de um traidor, não vou pensar
duas vezes em tirar sua vida da forma mais cruel que minha imaginação fértil encontrar. Fui claro?
Ethan tosse e se senta, respirando com dificuldade. Confere os punhos, em carne viva por
conta as correntes e das longas horas que passou sustentando o resto do corpo a cinco centímetros do
chão, e então diz:
— Você ofende minha honra desconfiando assim de mim. Sempre fui e sempre serei fiel aos
Martini, Ettore. Sempre.
Dou um tapinha amigável nas suas costas e me levanto.
— Eu acho bom, Ethan. Acho muito bom.

— Você precisa de seguranças, Ettore — meu irmão diz, atrás do balcão do minibar na minha
suíte no Caesars Palace enquanto sirvo duas doses de uísque.
Suspiro, jogando alguns cubos de gelo na bebida antes de esticar o copo para ele.
— Não sei em quem confiar nesse momento. Talvez eu esteja mais seguro assim.
Enrico bebe um pouco do seu destilado, acomodando-se no banquinho alto perto do balcão.
Então, apoia os braços sobre o mármore e me olha atentamente.
— O que seus instintos dizem sobre Ethan?
Analiso sua pergunta por um segundo e chego à conclusão que Ethan me inspira confiança.
Não sei se está tendo a proeza de conseguir me enganar, se estou cometendo um erro terrível ao
colocar minhas mãos no fogo por ele, ou se de fato meu braço direito não é um traidor, que tudo o
que me disse no contêiner mais cedo é verdade. Prefiro acreditar que qualquer outra pessoa está nos
ludibriando e nos traindo, mas não Montanari.
— Que posso confiar nele.
Meu irmão acena uma vez.
— Então confie. Deixe sua segurança nas mãos dele. Peça para Ethan selecionar homens
confiáveis para serem seus guarda-costas, ficar de olho, investigar e te ajudar a descobrir quem pode
ser o traidor no meio de nós.
Bebo meu uísque todo em um único gole, considerando seu conselho.
— Vou pensar no assunto. Por enquanto, fico sem. Ninguém além de você sabe do nosso
paradeiro.
— Não confie na sorte, Ettore. Mesmo com toda segurança reforçada, aqueles malditos
russos foram capazes de te encontrar e atacar, imagine estar completamente desguarnecido?
— Eu sei — murmuro, servindo outra dose de uísque para mim. — Não se preocupe, prometo
não ficar desprotegido por muito tempo.
Ele acena e toma o resto da sua bebida.
— Na verdade. — Seu tom cai uma oitava ao apoiar o copo vazio na superfície. — Acho que
você e Giovanna deveriam deixar Vegas e se abrigarem na Toscana.
Movo a cabeça de um lado a outro.
— Não vou sair de Vegas, Enrico. Vou ficar e lidar com esses malditos. Custe o que custar.
— Entendo que queira acabar com eles, irmão, mas já ficou bastante claro que você e
Giovanna são os alvos principais dessa guerra. Deveria reconsiderar ou, ao menos, mandar sua
esposa para fora do país. Sabe muito bem o que aconteceu da última vez que não tomou uma decisão
sábia assim. Maggie e Santino estariam vivos hoje.
Sinto minhas narinas inflarem com a passagem de ar quando respiro pesadamente, odiando
essa menção. Enrico toca na minha maior ferida e detesto cada lembrança que vem junto com ela —
dos malditos invadindo minha casa com a porra de um carro-forte ao momento que tiro uma viga de
cima da minha mulher grávida. Não gosto de me recordar do sentimento de impotência, da dor que
me acometeu, de como foi difícil, em meio as chamas que tomavam a casa, aceitar que Maggie estava
morta.
— Tome medidas que protejam Giovanna de verdade — termina, trazendo-me de volta ao
mundo real.
Então, todos os meus sentimentos mudam e meus pensamentos sobre Maggie e meu bambino
se dispersam. Meu foco agora volta para o centro dessa conversa. Deixo toda a tristeza de lado e
franzo o cenho, não gostando muito de como ele diz “medidas que protejam Giovanna de verdade”.
Dá a impressão de que não estou me esforçando o suficiente para manter intacta a integridade dela.
— Sugeri mandá-la para Itália, mas ela não quis. — Porque tem uma ideia absurda de me
seduzir e não conseguiria fazer isso estando em outro continente.
Meu irmão solta uma risada meio insana e balança a cabeça em negativo. Então, aponta o
dedo indicador para mim e diz:
— Você sugeriu? Não tem que sugerir nada, Ettore. Tem que se impor. Se for necessário
amarrá-la, amordaçá-la e enfiá-la em um jatinho da famiglia com destino a Toscana, é isso o que
você tem que fazer.
Não gosto de como fala, de como impõe sua vontade sobre a minha. Não gosto do seu tom de
voz, mas resolvo relevar. A última coisa de que preciso nesse momento é de um conflito com meu
irmão mais velho. Bebo mais um pouco da minha segunda dose de uísque, organizando meus
pensamentos para dar uma boa justificativa sobre por que eu realmente não impus minha vontade. Em
certo nível, Enrico está certo. Ele enfiou a mulher e o filho em um jatinho e os mandou para a Itália e
é por isso que os dois estão em segurança lá. Eu deveria ter feito o mesmo com Giovanna. Mas como
admitir — para mim mesmo e para meu irmão — que, por mais que seja arriscado, eu a quero perto
de mim, embora não haja nenhum interesse da minha parte de quebrar minha promessa de tocá-la?
Nem sei se chego a encontrar alguma justificativa convincente, porque ele, de qualquer maneira,
corta minha linha de raciocínio.
— Sabe o que eu acho? Que você torce para que algo de ruim aconteça a sua esposa.
Encaro meu irmão como se esse filho da puta tivesse uma boceta no meio da testa.
— Que porra está falando aí, Enrico? — Raiva escorre por cada palavra minha. Não, ele não
pode estar insinuando que…
— Ah, por favor, Ettore. Esse casamento nunca te agradou, você sempre pouco se fodeu para
Giovanna e agora está proibido de transar com as suas putinhas. Se ficar viúvo de novo, se livra do
compromisso. — O maldito abre os braços, como se estivesse apontando alguma obviedade.
Dou uma risada sem humor — rindo de nervoso — e procuro na parte mais profunda do meu
ser uma paciência que raramente tenho. Não quero surtar com meu irmão, mas não vou permitir que
me ofenda dessa maneira. Esse puto está errado de tantas maneiras que nem sei por onde começar.
— Eu tenho colocado meu cu na reta por aquela desgraçada e você vem me dizer uma asneira
dessas? — digo entredentes, dando um soco no mármore.
Aquela raiva que me domina com facilidade começa a subir pelas minhas entranhas. Preciso
de um esforço muito grande para não pular sobre o balcão, agarrar o colarinho da camisa dele e
esmurrá-lo até retirar tudo o que disse e me pedir desculpas.
— Não tem feito o suficiente! — rebate, também erguendo o tom de voz. — É, eu tenho a
impressão de que, sim, faz pouco caso porque quer se ver livre desse casamento. Você nem se
importa com Giovanna!
Jogo o copo que está na minha mão com toda força contra o chão.
— Eu tomaria uma bala por ela! — grito, e é a coisa mais verdadeira que já disse em relação
a Giovanna.
A sinceridade disso também me pega de surpresa e sinto aquela pontada incômoda no fundo
do coração só de pensar em passar pela experiência da viuvez de novo. Uma dor insana ameaça
avançar sobre mim enquanto pensamentos mórbidos começam a se formar na minha mente. Eu sempre
soube o motivo de querer evitar Giovanna, de não a tocar ou permitir ser tocado, mas camuflei isso
tudo com justificativas tolas e pretextos fajutos. Só agora admito para mim mesmo o real motivo de
não querer deixar essa menina me contaminar e nada tem a ver sobre ela tomar o lugar de Maggie.
Isso é comigo. Sou eu que não quero passar outra vez pela experiência de perder alguém
importante. Sou eu que não quero vivenciar essa dor devastadora de novo, sou eu que não quero
chorar em cima de um caixão e me tornar um homem ainda mais descontrolado e mentalmente fodido.
É por isso que não permito que Giovanna entre e me contamine. No nosso meio, amar alguém é
perigoso demais.
Enrico parece disposto a dizer alguma coisa, mas algo chama minha atenção. Ergo o olhar por
sobre seus ombros e a vejo parada ali, entre a sala e o corredor dos quartos. Giovanna me encara
atentamente, sem uma expressão que eu consiga decifrar, mas sei que, se não ouviu toda a droga da
conversa, ouviu a parte em que confesso que ela é tão importante para mim a ponto de eu tomar um
tiro no seu lugar. Meu irmão nota que fico diferente — afinal, não queria que minha esposa tivesse
ouvido nada do que disse — e se vira para trás.
Sem dizer nada, Giovanna gira nos calcanhares e se retira.
— Escuta, irmão — Enrico sussurra, o tom mais compadecido agora, encarando-me
complacentemente. — Acredito que tomaria uma bala pela Giovanna se fosse preciso, mas a questão
que fica é: estará lá toda vez que ela precisar entre na frente de uma arma por ela?
Sua pergunta cai com peso em mim, e sinto meu estômago embrulhar só de pensar que a
resposta é não. Eu também teria tomado um tiro pela Maggie, também teria enfrentado o mundo por
ela, morrido no lugar dela. Mas quando minha mulher mais precisou, eu não fui capaz de protegê-la.
Estava a menos de cinquenta metros dela e não pude protegê-la!
São por volta de onze da noite quando decido ir até o quarto dela. Desde que Giovanna ouviu
parte da minha conversa com Enrico que não nos vemos. Meu irmão foi embora logo depois disso,
convencido de que estou sim fazendo o necessário para proteger minha esposa. Passei as próximas
horas no cassino do hotel, usando chapéu e óculos escuros na tentativa de passar despercebido. A
verdade é que naquele momento, tão cheio de raiva com a insinuação injusta de Enrico, não me
importei com minha segurança e fui negligente dessa maneira. Perto das vinte e três, cansado do
blackjack que estava perdendo, deixei a mesa de apostas e subi para minha suíte, determinado a ter
essa conversa necessária com minha mulher.
Bato à sua porta e espero pela permissão. Um silêncio paira no ar um instante inteiro e até
estou desistindo porque acredito que ela está dormindo, mas logo Giovanna solta um “pode entrar”.
Faço-o com cuidado. A garota está sentada na cama, encostada à cabeceira, a televisão do quarto
ligada, transmitindo alguma série dos anos noventa.
Adentro mais o local e me sento aos seus pés. Sem dizer uma palavra, Giovanna se arrasta na
minha direção, sentando-se ao meu lado, mantendo aquele espaço mínimo que ainda faz questão de
respeitar. Sorrio um pouco, sem saber o motivo exatamente, quando vejo nossas mãos perto uma da
outra. Ela sempre atendeu meu desejo de manter essa distância entre nós. Não me lembro de, alguma
vez, minha mulher ter tentado me tocar, salvo ontem quando quis me esmurrar. No geral, nunca forçou
a barra entre nós, nem mesmo agora que está com essa ideia insana de me seduzir. A desgraçada sabe
que não precisa relar um dedo em mim para conseguir me deixar maluco.
— Precisamos conversar — digo, por fim, erguendo meus olhos aos seus.
— Sobre o que falou com Enrico mais cedo? Sobre me mandar para longe.
Assinto vagarosamente.
— Escuta, Giovanna, ele tem razão. Você não está segura aqui. Preciso que saia do país.
Seus olhos claros me estudam atentamente por um minuto inteiro.
— O que falou para o seu irmão é verdade? — desvia um pouco do assunto. — Sobre tomar
um tiro por mim.
— Eu provavelmente agiria mais por instinto e por reflexo, mas sim, tomaria um tiro por
você. — Tento afetá-la querendo soar desinteressado, mas é claro que falho miseravelmente. Afinal,
quem estou tentando enganar?
Giovanna abre um sorrisinho e abana a cabeça em negativo, percebendo que estou apenas
querendo manter meu orgulho intacto. Ela sabe que jamais admitiria na sua frente que a protegeria
com minha própria vida.
— Por que não admite que se importa comigo?
Afago a barba, abrindo um sorrisinho cínico.
— Não me importo no sentido sentimental da coisa, Giovanna. Isso não significa que desejo
que morra. — Faço uma pausa breve, convencido que se eu insistir nessa mentira de que não sinto
nada por ela pode ser que passe a não sentir nada por ela. — Você é uma De Santis, é uma Martini, é
parte da máfia, e é meu dever proteger um membro da Mahyas D’Arezzo.
Ela me encara por longos segundos, talvez analisando meu discurso e tentando entender o que
é sincero e o que é puro pretexto para disfarçar minhas emoções.
— Não quero sair do país, Ettore — diz um tempo depois.
Suspiro e fecho os olhos por um segundo antes de encará-la seriamente.
— Esqueça essa bobagem de tentar me conquistar. Depois que essa guerra acabar, quando
estiver segura, pode perturbar o meu juízo o quanto quiser, pode me seduzir o quanto desejar, mas até
lá, te quero sã e salva. Preciso que esteja em segurança.
— Não é por isso que não quero ir embora — admite, jogando a cabeça um pouco de lado.
— Não?
Ela faz um gesto negativo.
— Não quero ficar longe das pessoas que amo, entende? E se os russos… — Minha esposa
faz uma pausa pequena. — Se começarem a ir atrás de quem amamos? Terror psicológico que chama,
não é?
Acho justa a sua preocupação.
— Não tem que se preocupar com isso. Prometo que vamos fazer de tudo para manter seus
pais protegidos. Romeo também concordaria em te mandar para Itália.
Giovanna fica cabisbaixa por um instante, parecendo entristecida.
— Não quero ir para longe, Ettore. Esse país é grande o suficiente. Pode me esconder em
qualquer lugar, inclusive dentro de Nevada, que já dificultaria. Não há necessidade de me exilar
tantas milhas longe de você.
A declaração me pega de surpresa e não sei como reagir em um primeiro momento.
Conseguindo recuperar o controle sobre meu coração disparado, digo:
— Uma fazenda isolada no Texas te agrada?
Ela abre um sorriso bonito e acena em positivo.
— Seria ótimo.
Suspiro e também concordo, parecendo que o assunto acabou, mas não acabou.
— Não posso mais confiar nos meus homens para fazer sua segurança. Por isso, estive
pensando em mandar Brooke e algumas bonecas junto com você para te vigiar. Quem sabe pode
aproveitar seus dias de isolamento para aprender autodefesa e tiro?
Giovanna abre outro sorriso grandioso, gostando da ideia. Esse sorriso que começa a me
desestabilizar. Levanto-me quase imediatamente, precisando sair daqui ou vou cair em tentação.
— Arrume seus poucos pertences. Assim que chegar ao Texas, providenciamos mais coisas
para você.
Ela apenas assente, e eu me retiro em seguida. Do lado de fora, recosto-me à porta e inspiro
fundo, pensando que a pior guerra que estou travando não é contra os russos, mas contra meus
sentimentos por Giovanna.
Sinto no fundo do meu coração que vou perder essa batalha.

Nós nos reunimos às escondidas em uma sala privativa de um Hotel Cassino em North Las
Vegas. O líder da máfia sérvia veio com mais dois conterrâneos — um deles segura uma caixa e
papelão — e um amigo romeno. Darko Stanković é um homem alto, cabelos castanhos compridos
amarrados em um coque, olhos claros e barba grossa. O corpo grande e musculoso é escondido por
uma camisa e uma jaqueta preta. Ele está em uma ponta da mesa oval, em pé; meu irmão está na outra
ponta, fumando seu charuto; e os demais capi se distribuem ao redor da mesa. O grandalhão não me
inspira muita confiança para fazermos esse acordo, mas Enrico garantiu que ele e seus homens serão
fiéis a nossa causa.
Eu deveria estar prestando atenção ao pequeno debate que acontece ao meu redor — de
início, sei que estavam terminando de acertar as recompensas que os sérvios terão assim que
eliminarmos os russos ​—, mas minha mente mesmo está em Giovanna. Ela se isolou em uma fazenda
no Texas, como combinamos, já tem pouco mais de uma semana. Brooke aceitou acompanhá-la e
levar alguma de suas meninas para fazer a segurança dela. Desde então, não falo com minha esposa.
Decidimos tomar precauções extremas para evitar que os malditos homens de Nikolai a encontrem
outra vez — e isso inclui cortar todo e qualquer tipo de contato. Um dedo estrala na frente dos meus
olhos, trazendo-me de volta ao mundo real, e noto que Enrico está chamando minha atenção.
— Onde está com a cabeça? — meu irmão pergunta.
Pisco um par de vezes e olho ao redor. Através da fumaça dos charutos que os chefes fumam,
encaro seus olhos analíticos.
— Me distraí por um segundo — argumento, ajeitando-me no meu lugar à mesa.
— Faça o favor de focar, então, porque precisamos combinar os pormenores da nossa
estratégia. Vamos usar sua ideia de cavalo de troia. Explique ao Darko como iremos atacar.
Viro-me para o tal Darko — em pé e espalmando contra a mesa, ligeiramente inclinado para
frente, os olhos atentos em mim.
— Os russos trabalham com tráfico humano — começo, e o sérvio abana a cabeça em
positivo. — A ideia é negociar uma carga com eles e quando formos entregar o caminhão com as
meninas, nós metralhamos os filhos da puta. — Procuro pelo olhar do meu irmão um instante antes de
continuar: — Podemos chamar algumas bonecas das Dark Dolls para nos ajudar.
— Interpretando as moças traficadas — Dario esclarece. — Mas elas todas estarão
fortemente armadas. Também vamos colocar nossos homens nas redondezas na área da entrega como
reforço.
— Uma vez que conseguirmos adentrar o território inimigo, damos cabo no restante deles
atacando com tudo.
Darko nos estuda com atenção. Endireita a postura e diz:
— É uma boa ideia. — Seu sotaque acentuado preenche a sala. — Mas temos que fazer um
serviço limpo e, de preferência, silencioso. Não queremos chamar atenção desnecessária.
Nós concordamos. Andando de um lado a outro, Stanković conta como podemos dar cabo nos
malditos sem fazer muito barulho. A ideia é nos infiltrarmos no território deles aos poucos e, no dia
que formos colocar o cavalo de troia em prática, atacamos. Não é um plano difícil, uma vez que os
russos se reúnem diariamente em cassinos, bares e boates dentro de sua região.
— Antes de qualquer coisa — Darko ressalta —, precisamos ganhar a confiança deles. Nem
os italianos nem os sérvios conseguirão isso, neste momento. Seria óbvio demais. Precisamos de
gângsteres de outras etnias e de outras nacionalidades para fechar esse negócio.
Stanković caminha até um dos seus homens ​ — o romeno —, apoia a mão sobre o ombro dele
e diz:
— É aí que entra Skender. A máfia romena está acima de qualquer suspeita, e os russos vão
confiar neles mais facilmente.
— Em quanto tempo poderemos colocar esse plano em prática? — Romeo pergunta,
brincando com o suspensório.
Darko suspira e volta a caminhar pela sala.
— Não sei quanto tempo vamos levar para ganhar a confiança dos homens de Nikolai e
conseguir fechar negócio. Talvez alguns dias, semanas, meses. É impossível dizer, mas estejam
preparados para agirmos a qualquer momento.
— Até lá — Enrico se pronuncia, levantando-se do seu lugar —, vamos tomar cuidados mais
que redobrados para manter nossa segurança. O alvo dessa guerra está sendo Ettore e Giovanna, mas
é bom não abusar da sorte. Se puderem mandar suas esposas e filhos para longe, mandem.
Darko faz um gesto de mão para o sérvio que segura uma caixa e este imediatamente começa
a nos entregar alguns celulares descartáveis.
— A partir de hoje — Stanković diz —, não repassaremos mais nenhum tipo de informação
importante por telefones, mensagens, e-mails ou radiocomunicadores. Endereços, localizações,
nossos planos… Esse tipo de coisa pode ser facilmente interceptado pelos russos e, em um estalar de
dedos, veremos nossa estratégia de ataque ser anulada. Tudo o que for informação de extrema
relevância deve ser conversada pessoalmente, de preferência longe dos nossos celulares. Por isso é
essencial que desliguem os aparelhos sempre que estiverem em uma reunião importante ou os deixem
em salas separadas, como fizemos hoje.
Mais cedo, assim que chegamos, nossos celulares ficaram com um dos homens de Darko, que
os acomodou em uma caixa plástica e a levou para uma sala ao lado. A medida pode parecer
paranoica, mas é melhor prevenir a remediar.
O sérvio termina de distribuir os aparelhos e volta para seu lugar. Giacomo Vitali pergunta
qual o objetivo dos telefones.
— Aconselho que troquem de aparelho e de número de celular — Enrico explica. — Os
russos já devem ter conhecimento dos nossos dados, por isso é importante que os destruam. Os
celulares descartáveis deverão ser usados como forma de despistar qualquer interceptação caso seja
de extrema necessidade repassarmos alguma informação relevante e não exista possibilidade de se
fazer pessoalmente. Podem ser usados também para se comunicarem com seus entes ou entre si, sem
que haja possibilidade de rastreamento. Os aparelhos devem ser descartados com frequência, de
preferência a cada uso, e um novo deve ser adquirido.
— Também é bom eliminarmos qualquer tipo de rotina ou hábito — Darko toma a palavra. —
Não saiam no mesmo horário, não frequentem os mesmos lugares, não façam sempre o mesmo
percurso. Não criem margem para que os russos possam conhecer nossa rotina e usar isso contra nós.
Nós conversarmos por mais uma meia hora, combinando os últimos ajustes do plano e uma
reunião com as meninas da Dark Dolls para acertarmos recompensas e os pormenores da parte delas.
Na ausência de Brooke, quem está comandando tudo é o irmão dela, Steve Elliot, e a melhor amiga,
Penny Smith. Enrico também quer saber como iremos negociar com os romenos, mas Darko garante
que isso é com ele. Ao final da reunião, Ethan traz nossos celulares — novos smartphones e números
e os antigos para destruirmos assim que possível.
A maioria dos mafiosos já deixou a sala privativa, restando apenas Enrico e eu. Meu irmão
vem na minha direção e aponta para o dispositivo descartável que o sérvio me entregou.
— Providenciei um para Giovanna também. — Ele me estica um pedaço de papel e completa.
— Caso esteja com saudade da sua esposa. — Abrindo um sorriso cínico, bate no meu ombro direito
duas vezes e se retira.
Encaro o pedaço de papel, sentindo-me tentado a ligar para ela.
A viagem até Blanco, no Texas, leva umas cinco horas. Duas horas e meia de Vegas até a
capital Austin no jatinho da famiglia e depois mais quase cem minutos do aeroporto até a fazenda
onde Giovanna está escondida. Mil e duzentas milhas e mais de trinta dias nos separam. Quando
chego — por volta de três da tarde e escoltado por Ethan e mais três seguranças que ficam nas
redondezas da propriedade —, eu a encontro atrás do casarão, que tem uma área bastante extensa,
praticando tiro. Brooke está ao lado dela, as duas usando protetores de ouvido. Minha esposa está
segurando com firmeza a sua pistola semiautomática, preparando para atirar no alvo vermelho logo à
frente, amarrado a um monte de feno.
Elliot parece dar alguma última instrução antes de Giovanna apertar o gatilho. A bala viaja
375 m/s em direção ao escopo, perdendo parte da sua velocidade no trajeto até atingir o meio do
alvo. A garota pula e grita com os braços para cima, comemorando seu feito. Sorrio quase de forma
involuntária, vendo a alegria genuína dela. Quando minha esposa abraça Brooke, ela finalmente me
vê aqui, encostado na quina de uma parede. O sorriso nela some por um segundo inteiro antes de
ressurgir novamente — bem mais intenso — ao me reconhecer.
Ao passo que ela se aproxima com sua mentora, enquanto ambas tiram os fones de proteção e
os deixam sobre um toco de madeira no trajeto, trato de tirar o sorriso do meu rosto. Não sei nem por
que estou feliz em vê-la e não quero que Giovanna note essa felicidade atípica em mim por sua
causa.
— Por que não avisou que viria? — minha esposa pergunta.
Dou de ombros.
— Quis fazer uma surpresa.
Tenho a impressão de ver os olhinhos dela brilharem antes de Brooke vir até mim e me dar
um abraço, convidando-me para entrar. A casa está cercada por seguranças femininas fortemente
armadas, que agora têm companhia dos meus poucos homens. Na cozinha, a mesa está posta para um
café da tarde farto. Brooke se senta na ponta, Giovanna se acomoda no primeiro lugar à esquerda
dela, e eu me acomodo de frente para minha mulher. Deixo-as inteirada sobre algumas coisas em
Vegas — poupando-as dos pormenores do plano de ataque — e asseguro que estão todos bem
protegidos. Depois que comemos, Elliot arruma um quarto para mim e um para meus guarda-costas, e
descarrego minha pequena bagagem — roupas para não mais que três dias.
Aproveito para descansar da viagem e dos últimos dias. Durmo o restante da tarde e só
acordo quando batem à minha porta, informando que o jantar está pronto. Encontro Brooke e
Giovanna nos mesmos lugares de antes, conversando animadamente enquanto comem. Abstenho-me
de conversar durante a refeição, embora não possa evitar olhares em direção à minha esposa. Ela
termina primeiro e reclama de cansaço, alegando que vai subir para seu quarto. Permaneço com
Brooke mais algum tempo, ela querendo saber do meu irmão e se ele está se comportando. Rio e
tomo um pouco do meu vinho, achando graça no seu ciúme. Ela não é muito dada disso.
— Desculpe, mas não posso te deixar informada sobre a vida sexual do Enrico.
Brooke ri e acena. Já são bem umas nove da noite quando decido subir para meu quarto.
Durante o percurso, vou tirando a gravata, que começa a me sufocar. Quando acendo a luz do
ambiente, tomo um susto em um primeiro momento, pego pela surpresa da sua presença. Depois, sinto
o desejo subir por todo meu corpo, como fogo que se alastra rapidamente.
Giovanna está aqui, deitada na minha cama, usando apenas uma lingerie branca, pernas
dobradas e separadas e os dedos… Arfo, perdendo o ar dos meus pulmões… Os dedos dela estão no
clitóris, massageando-os com cuidado. Seus olhos verdes se fixam em mim, mas não consigo
sustentar nosso contato visual por muito tempo. A necessidade de vê-la se masturbando é maior.
Encosto a porta, em silêncio, mas sei que deveria enxotar essa menina daqui.
— O que está fazendo? — pergunto, quase me engasgando com minha própria saliva.
Paro no meio do ambiente, não conseguindo avançar, hipnotizado demais. Todo o conjunto da
cena — a lingerie sexy, a calcinha de lado, os dedos brincando com a boceta, os cabelos loiros
revoltos, os seios bem acomodados no bojo do sutiã — faz meu pau ganhar vida. Já estou duro como
pedra antes mesmo de me dar conta disso.
— Me divertindo — devolve, com um murmuro baixo e sensual, passando a língua nos lábios
e abrindo um sorriso safado. — Por que não se diverte também?
— Giovanna… — Minha voz sai entrecortada. Engulo em seco de novo, resistindo a todos os
meus instintos.
Resisto ao instinto de me aproximar, jogar meu corpo em cima do dela e penetrá-la sem
cuidado, mergulhar na sua boceta e fodê-la tão duramente como forma de punição por me provocar,
seduzir-me e perturbar meu juízo dessa maneira. Por algum milagre, consigo resistir a todos os meus
instintos e permaneço no meu lugar, apenas acompanhando.
— Não vou tocar em você — consigo completar.
Ela se ajeita na minha cama, entre as almofadas, mas não para de se masturbar.
— Não precisa me tocar. Só se toque pra mim.
A sentença envia outra daquela onda de desejo que queima minhas veias. Meu pau até pulsa
de tesão, e minha mão direita se fecha com toda força porque estou contendo o impulso de abaixar a
calça e me tocar. Porra. É difícil demais resistir.
Como se estivesse lendo meus pensamentos, Giovanna sussurra:
— Não resista. Vai ser só uma brincadeira. — Com a cabeça, ela indica uma poltrona atrás
de mim. — Relaxe, Ettore, e se divirta.
Inspiro profundamente, odiando-me por ceder com tanta facilidade, por atender seu comando
sem poder resistir um pouco mais. Quando me dou conta, já estou tirando os sapatos, a calça e a
cueca. Os olhos dela brilham ao ver meu pau ereto. Tem desejo, luxúria, paixão e erotismo nesse
olhar, o que só me deixa ainda mais excitado. Acomodo-me na poltrona e relaxo. Um segundo depois,
começo a me masturbar. Fecho os olhos, deixando as sensações que isso me traz invadir todo meu
sistema. O coração acelera, o corpo começa a entrar em combustão, o prazer aumenta, e alguns
gemidos intervalados e baixos escapam dos meus lábios ao passo que ouço os murmúrios baixinhos
dela — e esse som é todo meu maldito inferno. Abro os olhos de novo, desejando vê-la. Um choque
instantâneo atravessa minha pele com a imagem dela — as pernas ainda separadas, a cabeça
completamente para trás, lábios entreabertos e suspiros baixos. É a minha perdição e sei que não vou
aguentar muito tempo. Maldita abstinência forçada.
— Não tem que se segurar — ela sussurra, olhando para mim. Então me dou conta que pensei
alto. — Você pode gozar. — Ao dizer isso, ela engatinha até a beira da cama, deita-se de costas e
dobra as pernas, deixando os pés sobre o colchão, e se abre ainda mais. — Goza em mim, Ettore. —
Seu pedido é uma súplica erótica, cheia de lascívia e excitação, os dedos na boceta trabalhando mais
intensamente, como se ela própria estivesse a ponto de alcançar o ápice.
Sem sequer pensar uma única vez, eu saio do meu lugar e me ponho entre suas pernas,
permanecendo em pé, e bombeio mais meu pau. Imagino minha boca na sua boceta, meu pau
enterrado nela, as posições que colocaria essa menina — de joelhos, em pé, contra uma parede, no
chão — e leva apenas mais um ou dois minutos para que eu goze. Um jato de sêmen espirra por entre
suas coxas, melando a entrada da sua vagina, o monte de Vênus, a barriga e até um pouco do meu
lençol. O orgasmo me atinge de uma forma alucinante. O grasnado que sai da minha garganta
conforme esporro nela é quase animalesco e irreal — é alto, rouco e incontrolável.
Quando termino, deixando mais alguns gemidos ofegantes e entrecortados no ar, meu coração
está batendo a mil por hora. Caio na cama ao seu lado, mantendo aquela distância mínima, e começo
a rir. Rio de tremer a barriga e juntar lágrimas nos olhos. Giovanna se vira sobre os cotovelos e me
estuda com atenção. Tem um sorriso gostoso nos lábios bonitos quando pergunta:
— Do que está rindo?
Viro-me na sua direção, notando como seus olhos estão perto demais dos meus — como
nunca estiveram um dia. Meu coração, que deveria estar se acalmando agora, dá outra daquela
guinada insana. Minha risada vai sumindo aos poucos.
— Estou rindo do absurdo que é essa nossa relação, Giovanna — respondo, colocando-me
em pé em seguida. Caminho até minha cueca e a visto. Depois vou ao banheiro, umedeço uma toalha
de rosto e volto, jogando o tecido para ela. — Limpe-se.
Ela o faz, passando a toalha por toda parte em que esporrei nela. Ao terminar, Giovanna atira
a toalha para longe e se enfia debaixo das minhas cobertas depois de trocar os lençóis, mantendo
apenas o rosto para fora. Movendo a cabeça de um lado a outro, e estranhamente nem um pouco
irritado com essa invasão, eu me deito no lugar vazio.
— A nossa relação só é absurda — diz bem baixinho, atenta ao espaço que nos mantém longe
um do outro — porque você quer. Podíamos ser um casal normal, sabia? — Desvio meu olhar do
dela e não digo nada porque não sei o que responder neste momento. — Me deixa tocar você. — Sua
voz baixa me traz de volta ao mundo real e quando volto meu olhar para ela, Giovanna está levando
sua mão em direção do meu rosto.
Afasto-me do seu toque, arrastando-me alguns centímetros pela cama.
— Acho melhor ir para seu quarto.
— Ettore, não quero tomar o lugar da Maggie.
Encaro-a um instante, compreendendo o que quis dizer.
— Não tomaria o lugar dela nem se quisesse — respondo, com um suspiro tristonho e sem
soar rude.
— Então, por que resiste tanto? — pergunta de volta, com outro sussurro quase inaudível. —
Por que se fecha tanto? Por que mantém essa promessa idiota de não me tocar quando não evita em
tocar qualquer outra mulher?
Suspiro alto e pesado, saindo do seu lado, começando a ficar cansado desse assunto. Nunca
tivemos uma DR e não vai ser agora que vamos ter.
— Giovanna, você já se divertiu, eu já me diverti. Volte para o seu quarto agora, está bem?
Vencida, ela se levanta e se enrola em um robe que pega jogado no chão. Ao chegar à porta,
ela se vira para mim e ajeita os cabelos.
— Você me fez uma promessa, esqueceu? Pouco mais de um mês atrás. — Enrugo o cenho,
sem saber do que ela está falando. — Prometeu fazermos aquilo de novo.
Então, eu me recordo. Foi logo depois do ataque dos russos à minha casa e de Enrico me
proibir de sair com minhas amantes. Prometi providenciar alguma coisa.
— Não sei seria viável agora — respondo, odiando admitir para mim mesmo que gosto da
ideia.
Não da ideia de transar com outra mulher, mas de sentir o que senti quando fizemos isso a
primeira vez. Foi uma experiência diferente.
— Por que não?
— Vou embora em dois ou três dias, Giovanna, e não posso me dar ao luxo de me arriscar
encontrar alguém na cidade que…
— Ah. Se for isso, tenho alguém que toparia.
Pisco duas vezes, assimilando o que ela me disse.
— Você tem alguém que toparia? Fazer, tipo, hoje ou amanhã?
Giovanna abana a cabeça em positivo, não contendo um sorrisinho.
— Tenho. Uma das seguranças. Fiquei bem próxima dela nas últimas semanas, sabe? Nos
conhecemos melhor e…
Solto uma risada meio seca, completamente sem humor, não precisando que ela termine de me
dizer que contou toda a sua vida e intimidade para uma das meninas de Brooke. Ela para de tagarelar,
notando que minha paciência está por um fio.
— Você prometeu… — diz com um sussurro baixo.
Aperto a ponte do nariz, perguntando-me por que não consigo ser firme com Giovanna.
— Promessa é dívida, não é o que dizem? Amanhã à noite.
Minha esposa abre um sorriso enorme e finalmente vai para o seu quarto.
No meio da madrugada, por algum motivo, perco o sono. Não sei se é porque girei de um
lado a outro pensando nas últimas horas, na loucura que foi o que fizemos, ou se porque prometi que
à noite vamos fazer aquilo de novo. A questão é que não consigo pregar os olhos. Por isso, enrolo-
me em um roupão preto e desço até a cozinha. No percurso, contudo, eu a encontro na sala, sozinha e
com a televisão ligada. Envolta em uma manta fina, seus olhos estão presos à programação noturna e
ela não nota que estou aqui, parado ao sopé da escada, detendo minha atenção nela mais do que
deveria.
Continuo meu percurso até a cozinha e procuro algo forte para beber. Encontro uma garrafa de
uísque e me sirvo de uma dose. Volto lá para sala e me sento ao seu lado, sem saber por que
simplesmente não voltei para meu quarto. Giovanna, por fim, nota minha presença e se vira na minha
direção, abrindo um sorriso sucinto.
— Insônia? — pergunta.
— Deve ser. — Dou de ombros e bebo mais do meu destilado.
Ficamos um tempo em silêncio, meus olhos fixos em um filme Old West que passa na
televisão.
— Queria saber como está tudo em Vegas — sussurra, sem tirar a atenção da tevê e se
encolhendo mais dentro da sua manta.
— Te disse assim que cheguei.
Giovanna move a cabeça de um lado a outro e me encara. Noto em suas íris verdes algo como
medo e preocupação. Não é algo que já tenha visto algum dia nos seus olhos.
— Os negócios, Ettore. Tudo o que me disse foi superficial. Quero detalhes.
Suspiro e torno a me atentar ao filme bobo e estereotipado da programação. Dois homens
estão prestes a se enfrentar em um duelo, cada um de um lado de uma arena quase desértica,
rodeados por fenos que o vento traz e casas de madeira com alpendre, munidos de chapéu de caubóis
e mãos ao coldre.
— Não falo de negócios com você e nem com qualquer mulher, sabe disso mais do que
ninguém.
Ouço um bufar vindo dela.
— Pois deveria porque pessoas importantes para mim estão no meio desse fogo cruzado.
Quero saber como está toda essa coisa com os russos. Como pretendem repeli-los de Vegas, quando
posso retornar e…
Movo a mão no ar, dispensando sua tagarelice. Já entendi aonde quer chegar e nada vai saciar
essa menina senão contar os pormenores. Viro outro gole do meu uísque, inclino-me na direção da
mesinha de centro e deixo meu copo com apenas um dedo da bebida no fundo do vidro e finalmente
me volto para ela.
— Tudo bem. Você quer saber, eu vou contar.
Os olhinhos dela novamente parecem brilhar. Giovanna tem uma coisa que me atrai e me
deixa intrigado ao mesmo tempo. Horas atrás, no meu quarto, esparramada na minha cama, estava
uma mulher bem segura de si, despudorada e determinada a me seduzir. Uma versão sensual e
empoderada dela enquanto tocava a própria boceta e gemia como uma meretriz experiente. Mas
agora, enrolada em uma manta fina e vestindo um baby doll de unicórnio — pelo pouco que posso
ver pela abertura que há no encontro das duas pontas da coberta ao redor do seu corpo —, sua
postura é quase infantilizada. O brilho nos seus olhos, algo como uma esperança ingênua de menina, e
o sorriso pequeno dão a ela um aspecto de inocência que não combina e que contrasta com a
Giovanna sexy.
— Temos um plano de cavalo de troia — explico, por fim, voltando ao mundo real e decidido
a me concentrar no que preciso me concentrar.
Repasso todo o esquema que desenvolvemos mês passado, falando sobre a ideia de
negociarmos uma carga de tráfico humano com os russos, mas que, assim que receberem a entrega
serão metralhados, ao mesmo tempo em que outros russos serão subjugados por toda a sua região por
soldados infiltrados.
— Quando pretendem colocar isso em prática? — Giovanna está sentada de lado agora, o
ombro contra o encosto do sofá, as pernas dobradas sob a bunda, o corpo ligeiramente inclinado para
frente, como se eu estivesse contando uma história épica de aventura.
— Ainda essa semana. No último mês, estivemos preparando o terreno. Os romenos
conseguiram ganhar a confiança dos russos que toparam fechar o negócio da carga. Outros homens da
famiglia também já estão bem infiltrados na área, se passando por clientes ou turistas. Em breve,
atacamos, e essa guerra acaba.
Minha esposa fica quieta de repente, o olhar distante do meu, mordendo o lábio inferior.
Inclino a cabeça um pouco para o lado, estranhando sua postura.
— O que foi?
Ela se vira para mim e sorri forçado.
— Não é nada. Só quero voltar para Vegas o quanto antes.
— Tudo ao seu tempo, Giovanna — digo, suavemente. — Aproveite seus dias de isolamento.
Aliás, não conversamos sobre isso desde que cheguei. Vi que está muito boa no tiro. Brooke tem sido
uma ótima mentora, hum?
Ela sorri daquele jeito de menina, acompanhado do mesmo brilho de ingenuidade, esperança
e agora tem até um pouco de… orgulho.
— Brooke está sendo maravilhosa! Ocupei todos os meus dias em horas e horas de tiro e
autodefesa. Estou muito boa. Quer ver?
Nisso, ela se levanta do meu lado, ficando em posição de ataque: as duas mãos fechadas,
paralelamente, a mão direita um pouco mais para frente em relação à esquerda. Pés separados,
joelhos um pouco dobrados. Ela se balança para frente e para trás como uma boxeadora e, vez ou
outra, solta um murro no ar. Como a coberta cai, ela revela que de fato está com um baby doll de
unicórnios completamente ridículo.
Eu rio, contagiado por esse momento, e jogo uma almofada nela.
— Não vou lutar com você, Giovanna.
A garota cai de volta no sofá, gargalhando.
Ficamos em silêncio mais algum tempo, apenas o som do bang-bang do filme entre nós. Até
que, não podendo mais conter minha curiosidade, pergunto:
— Tudo certo para amanhã à noite? Quero dizer… — Pigarreio. — Conversou com a sua
amiga? — Giovanna apenas assente, mordendo o lábio inferior. Agora, ela se transmutou naquela
mulher de sensualidade fatal. Outro instante de quietude até eu, novamente, perguntar: — Me explica
esse fetiche.
A garota me olha com atenção, roendo a unha do dedo mindinho.
— É um fetiche, Ettore. Não tenho como explicar por que gosto do que gosto.
Assinto devagar e suspiro.
— Eu sei, mas quero entender como isso começou. Como descobriu que é uma voyeuse.
Giovanna inspira fundo e molha o lábio inferior. Amarra os cabelos em um coque desajeitado
— usando os próprios fios para prendê-los — e começa:
— Eu deveria ter uns quinze ou dezesseis anos quando passei a conhecer meu corpo. Sabia
que não poderia fazer sexo antes de me casar, porque cresci ouvindo Romeo dizer que estava
guardando minha “pureza” para algum mafioso influente.
Assinto de novo, sabendo que no nosso meio é muito comum prezarmos pela virgindade
feminina. Dificilmente um homem da máfia, ainda mais na minha posição, se casaria com uma mulher
que já tenha se deitado com outro. Giovanna diria que é um pensamento machista, e talvez realmente
seja, mas é assim que as coisas na famiglia funcionam.
— Mas sempre fui curiosa e decidi que não era porque eu não podia fazer sexo com
penetração que significava que eu não podia sentir prazer. Comecei lendo sobre masturbação
feminina e orgasmo. Então, passei a me conhecer. Conhecer minhas vontades, minhas necessidades,
melhores posições. A minha favorita é ajoelhar, esconder o rosto contra o travesseiro e me estimular.
Perco a respiração por um segundo ou dois, imaginando a cena dessa menina de quatro,
acariciando o clitóris e gemendo. Preciso soltar o ar muito devagar para que expiração não saia
trêmula e ela note que sua descrição me fez imaginá-la e fiquei excitado com isso.
— No início, gostava de imaginar… sabe? Imaginar alguém comigo, mas aí, em algum
momento, senti que isso não surtia mais muito efeito sobre mim. Demorava a ficar excitada,
demorava a gozar e deixou de ser bom.
— Foi quando começou a procurar casais para se estimular? — pergunto, genuinamente
curioso e interessado na conversa.
— Quase. Passei a assistir pornografia. Casais amadores, na verdade. Nunca curti essas
produções pornográficas de grandes indústrias porque é tudo muito superficial, irreal e que explora
demais as atrizes. Sabia que a estimativa de vida de uma atriz pornô é de trinta e cinco anos?
Rio com sua preocupação. Ela é filha da porra de um mafioso, passou a vida sendo sustentada
por dinheiro de, inclusive, exploração, e está preocupada com o quanto a indústria pornográfica
explora as atrizes? Giovanna me encara seriamente e eu paro de rir.
— Continue.
Pegando a manta do chão, ela se enrola novamente e continua:
— Eu assistia pornografia, mas só de casais amadores. De preferência, gostava de comprar
vídeos deles, em vez de assistir em sites específicos porque… Bem, você sabe. — Abro outro
sorriso pequeno, achando graça na sua preocupação em não colaborar com uma pornografia ruim, se
é que existe alguma boa. — Então, comecei a me divertir com esses vídeos. — Ela ri, escondendo o
rosto ligeiramente corado. — Eles me supriram por muito tempo. Tinha até um casal que virei
cliente. — Sua voz sai um pouco abafada.
— Sempre estava assistindo filmes deles — pondero, e ela ergue os olhos de novo para mim.
— Ao menos uma vez na semana, eu adquiria uma gravação amadora de sexo desse casal. Um
dia, eles me convidaram para assistir ao vivo em vez de gravado. Hesitei um pouco, mas topei no
final. — Ela deixa um suspiro escapar. — Foi muito bom, Ettore. Foi a primeira vez que eu tive um
orgasmo esplêndido me masturbando. Quero dizer, já tinha gozado outras vezes, até aprendido a
identificar um orgasmo, mas naquele dia, a sensação que atravessou meu corpo. — Ela se estremece
toda, com um sorriso gigante no rosto. — Foi a melhor coisa que tinha sentido até então.
Mordo o interior da bochecha, um desejo súbito e quente se alastrando por todo meu corpo
— dos pés à cabeça — de querer ser o responsável de dar o melhor orgasmo da vida dela. Preciso
de algum esforço e concentração para esquecer esses pensamentos absurdos — minha língua na sua
boceta, meu pau enterrando-se nela com toda velocidade enquanto ela está de cara contra uma parede
depois de já tê-la levado a exaustão e a colocado em outras posições — e voltar ao mundo real e ao
que está me contando.
— Depois desse dia, os vídeos não me supriram mais com tanta satisfação. Cada vez mais
queria assisti-los pessoalmente, sentada na poltrona de frente para cama deles. Ah, deveria ter visto,
Ettore! Eles eram um casal e tanto. Tinham uma química, uma intensidade… — Giovanna se abana
com a mão.
— Não, obrigado — digo, debochado. — Sou mais do tipo que gosta de fazer, e não de
assistir.
— E de ser assistido?
Penso nisso por um segundo e não chego a uma conclusão satisfatória. Exceto semanas atrás,
nunca transei com uma mulher sob o olhar de um voyeur, fosse homem ou mulher. Nunca pensei se
ser observado enquanto como uma vagabunda qualquer é prazeroso para mim. Recordando-me
daquela noite, reconsidero um pouco. Ainda não sei se gosto de ser assistido ou se gosto de ser
assistido por Giovanna.
— Talvez. — Pigarreio e me ajeitando no sofá.
— Enfim — continua. — Um dia, quando insisti que queria vê-los mais vezes na semana, a
garota me disse “você é a voyeuse mais nova que conheço”. Não tinha ideia do que significava o
termo e fui atrás. Tenho a impressão que é mais comum que homens tenham esse tipo de desejo, só
que conheci outras garotas com o mesmo fetiche, inclusive mulheres que gostavam de ver os
companheiros com outras.
— Tipo você — provoco.
Ela ri e me joga uma almofada.
— Você é muito convencido. Já disse que gosto de ver casais, não você. Não gosto de ver
porque é meu marido, mas porque é um homem com uma mulher, fazendo sexo. Como seria se você
fosse qualquer outro homem.
Não sei dimensionar o sentimento que me atinge com toda força ao final dessa frase. Nunca
me importei sentimentalmente com Giovanna, ela nunca se importou sentimentalmente comigo, e isso
nunca foi problema para nenhum de nós dois durante esses mais de um ano e oito meses de casados.
Não deveria dar importância para o fato de não ser o responsável pelo fetiche dela, mas dou. Não
gosto disso. Não gosto do ciúme, da mágoa e da raiva que crescem dentro de mim porque pareço
insignificante na vida dela.
— Você está bem? — Giovanna pergunta cuidadosamente, dispersando meus pensamentos.
— Estou — respondo de imediato. — Só pensando se você uma hora vai inventar de querer
transar com algum cara e que eu assista.
A ideia não me agrada. Franzo o cenho e movo a cabeça de um lado a outro, querendo tirar
essa imagem terrível da minha mente. Sei que um tempo atrás disse que ela estava livre para foder
com quem quisesse, que a “autorizava”, mas retiro o que disse. Minha boca fica amarga só de
imaginar outro homem tocando nela, fazendo com ela o que me recuso a fazer.
Giovanna ri um pouco e se levanta, ainda enrolada na manta.
— Não se preocupa. Meu fetiche é assistir, não ser assistida. Além do mais — sussurra,
inclinando-se na minha direção e deixando sua boca muito perto da minha. Tão perto que consigo
sentir seu hálito quente e gostoso contra meu rosto. — Nós dois sabemos que você se importa comigo
o suficiente para jamais permitir que alguém toque no que é seu.
Esqueço de como se respira por um instante, preso nas suas palavras, nos seus olhos e na
porra do decote do baby doll antes de ela se afastar e subir as escadas em direção ao seu quarto.
Quando expiro de novo — forte e descontrolado — sinto que estou completamente fodido nas mãos
dessa mulher.
Da minha mulher.

Já estou pronto quando elas chegam ao meu quarto. Deitado na cama entre as almofadas,
apenas de cueca e com a mão por dentro da peça, acalmo meu corpo ansioso. A garota da qual
Giovanna comentou é bonita. Pele negra, cabelos lisos, olhar ferino, postura confiante. As duas estão
enroladas em um robe de seda quando entram com cuidado no ambiente.
— Dispensamos apresentações? — minha esposa pergunta, fechando a porta e passando a
chave.
Apenas sorrio como resposta, esperando que elas comecem. Giovanna vai se acomodar na
poltrona. Não sem antes abrir o robe e mostrar o corpo nu por baixo do tecido. A visão é um inferno
para mim e não consigo me atentar a outra coisa — nem mesmo na garota engatinhando na minha
direção — por vários segundos. Mesmo quando a menina senta no meu colo e roça sua boceta no meu
pau coberto pela cueca, minha atenção ainda está em Giovanna, que se acomoda no seu lugar,
colocando as dobras dos joelhos nos braços da poltrona. Aberta. Exposta. Excitantemente
arreganhada. Os dedos voam para seu clitóris sensível e, finalmente, ela me olha. Sorri, morde o
lábio inferior e começa a brincar consigo mesma, alternando o olhar entre mim e minha
acompanhante.
— Dê atenção a Lilly agora, querido — pede, voz baixa e manhosa.
Pisco um par de vezes, sentindo o coração acelerado, e me dou conta de que ela se refere à
garota negra comigo. Recuperando um pouco do meu autocontrole e decidido a não me deixar
contaminar por Giovanna, eu volto meu olhar para Lilly. Agarro sua nuca, envolvendo seus fios cor
de chocolate com uma mão, e a puxo para mim. Enfio minha língua nela, urgente, aspirando cada
partícula de ar. Abro o maldito robe e estudo seu corpo exposto. Os seios rígidos, a barriga chapada,
a boceta parcialmente depilada e carnuda. Empurro-a contra o colchão e fico entre suas pernas, de
forma que consiga fazer contato visual com Giovanna.
Vou beijando o corpo dela, dando atenção devida ao par de seios. Quando mordisco um
mamilo amarronzado e a putinha solta um gemido estrangulado, ergo os olhos na direção de
Giovanna. Estranhamente, preciso ver a reação dela a cada investida, preciso ver o sorriso e a
expressão de deleite dela ao me ver com Lilly. Quando nossos olhos se encontram, ela realmente
expressa todo o prazer que sente com essa situação. E é o prazer no seu rosto — o efeito que isso
tudo causa nela — que faz meu pau dar uma pulsada violenta dentro da cueca.
— Chupe a boceta dela, Ettore — Giovanna comanda e isso envia uma onda de arrepios
gostosos por toda a extensão do meu corpo.
— Não — respondo, tornando a mordiscar os peitos de Lilly. — Hoje não. — Vejo quando
um brilho de expectativa se apossa dos olhos de Giovanna, que sorri e assente, sabendo que no
momento certo vou dar a ela o que ela quer.
Afasto-me de Lilly apenas o suficiente para pegar uma camisinha que Giovanna trouxe mais
cedo e que a própria garota providenciou na cidade. Revisto-me e volto para ela. Separo mais suas
pernas e faço contato visual. Ela também está na expectativa.
Aperto seu seio esquerdo quando a penetro com força, sem delicadeza, e Lilly solta um
gemido alto e estrangulado, encurvando as costas para trás. Outro gemido de mesma intensidade vem
dos fundos do quarto. Ao procurar pela minha mulher, ela está ofegante, os olhos alternando entre
mim e minha amante estirada na cama.
— Satisfeita? — pergunto entredentes, arremetendo-me para dentro de Lilly com mais vigor,
mantendo suas pernas bem abertas. — Satisfeita com meu pau enterrado nessa boceta? — A pergunta
não é direcionada para nenhuma delas em específico, ainda assim, as duas respondem juntas:
— Sim.
A cavidade de Lilly é apertada, quente e gostosa. Isso e a soma de que estou de castigo há
mais de um mês — embora tenha ejaculado ontem e com alguma frequência desde então, sempre com
masturbação — fazem com que o orgasmo ameace vir mais cedo do que o de costume. Eu me
concentro para aguentar mais que sete minutos.
Faço Lilly ficar de joelhos e a como por trás, puxando seu cabelo o bastante para que tenha a
mesma visão que estou tendo de Giovanna brincando com sua bocetinha. Porra-porra-porra.
Simplesmente não consigo parar de olhar para ela. Por mais que foder Lilly esteja bom — esteja
muito bom — a principal fonte da minha excitação parece vir da imagem da minha esposa se
masturbando enquanto me assiste.
Então, chego à conclusão que não cheguei antes: gosto de ser assistido, mas quando a pessoa
que me assiste é ela. Não sei por que exatamente, pois não se trata de um prazer proveniente da
sensação de poder ou de humilhação que deveria ser comer uma mulher na frente da sua esposa. Não,
não é isso. Não sou capaz de explicar, do mesmo modo como ela não conseguiu explicar esse seu
fetiche. A verdade é que gosto do nosso joguinho, dessa nossa relação absurda, da nossa dinâmica
tão diferente. Sinto um tesão desgraçado com isso e o desejo de sair de dentro de Lilly e me enfiar
entre as pernas de Giovanna cresce exponencialmente. Cresce de tal modo que preciso me segurar
mais para não fazer isso do que para não gozar precocemente.
Então, ela sai da sua poltrona e caminha na nossa direção. Acompanho passo por passo,
investindo furiosamente contra Lilly, sem cessar nosso contato visual. Prendo a respiração por um
segundo quando Giovanna se ajoelha no chão, ficando na beira da cama e na altura da amiga. Ela a
toca no rosto, vasculha seus olhos, passa o indicador pelos lábios dela que gemem
despudoradamente.
— Está gostoso dar pra ele? — Giovanna sussurra, colocando uma mecha do cabelo da
garota atrás de sua orelha. — Ele fode direitinho, Lilly?
Engulo em seco, praguejando o pulsar que sinto no pau enquanto presencio a cena. Não tenho
ideia de por que isso é excitante pra caralho. É a primeira vez que a vejo falando essas putarias e
isso está dificultando para mim. Inferno.
— Meu marido fode direitinho, Lilly? — refaz a pergunta porque a amiga não respondeu na
primeira vez.
Um trêmulo e baixo “sim” sai da boca dela. Minha esposa ergue os olhos na minha direção e
me dá um sorriso completamente depravado. Antes que eu tenha tempo de prever sua próxima
investida, Giovanna toma Lilly em um beijo na boca. Profundo, lascivo, exigente, forte.
— Caralho — resmungo, gostando da porra da imagem à minha frente.
Minha esposa sorri e me olha. Então, levanta-se e volta para sua poltrona.
— Aqui — ela comanda.
Não entendo direito o que ela pede, mas parecendo já ter combinando com Lilly, a garota
escapa de mim para atender seu chamado. Senta no colo dela e olha para trás, direto para mim.
— Vem comer ela, Ettore.
Um segundo depois, já estou encaixando o pau na boceta de Lilly de novo. Abrindo sua bunda
para penetrar mais fundo, aumento o ritmo das estocadas. Ouço um “Olhe para mim enquanto fode
ela” e atendo na mesma hora. Um instante depois, Giovanna está beijando a garota de novo, lento e
sensual, sem tirar os olhos dos meus, enquanto Lilly parece estar atingindo o próprio prazer, dado o
gemido abafado que escapa dela e o seu corpo que começa a tremer.
Isso tudo é demais para minha sanidade mental.
Puxo Lilly de cima de Giovanna, arranco a camisinha e fico entre as pernas da minha mulher,
bombeando o pau a toda velocidade. Estou gemendo como a porra de um homem inexperiente
comendo uma puta gostosa, mas nem me importo com isso. Só me concentro em esporrar na boceta
dela.
— Prepara-se, Ettore — ela diz, com um sussurro rouco e sexy demais, contorcendo-se na
sua poltrona. Acho que ela está falando sobre meu orgasmo, mas o que vem a seguir comprova que
não: — Hoje vai gozar sobre minha boceta, mas muito em breve, vai gozar dentro dela.
A imagem dessa menina debaixo de mim invade minha mente e leva só mais um segundo para
que um jato longo de sêmen atinja toda sua barriga e vagina ao mesmo tempo em que ela abafa um
grito e se treme inteira, encontrando o próprio ápice. Assim que termino, cambaleio para trás até cair
no colchão, cansado, exausto e ofegante.
— Se lembra que eu disse que meu melhor orgasmo foi na minha primeira experiência de
voyeurismo? — Giovanna sussurra.
Ainda ofegando, procuro por ela no quarto. Lilly está estirada no chão, com as pernas
abertas, massageando devagar o clitóris inchado, e Giovanna ainda está na poltrona, brincando de
espalhar minha porra no seu corpo.
— Lembro.
Ela abre um sorriso pequeno.
— Retire o que eu disse. Hoje, tive o melhor orgasmo da minha vida. — Dou uma risada seca
e balanço a cabeça em negativo, voltando a deitar contra o colchão. — Isso até você me comer de
verdade.
Olhando para o teto acima de mim, digiro suas palavras, tentando ignorar a corrente elétrica
que volta a percorrer meu corpo com essa ideia, tentando ignorar o desejo cada vez mais crescente
que tenho de mergulhar na boceta dessa garota. Venho resistindo bem até aqui, mas a verdade é que
se continuarmos com esses joguinhos e fetiches, não vou resistir por muito tempo.
Sei que agora é questão de tempo até eu quebrar minha promessa.
Minha maldita promessa.
— Quanto tempo mais você vai resistir? — Ouço a voz de Brooke logo atrás de mim, com
aquela pitada de deboche.
Tento fingir não ter ouvido o que me disse e continuo caminhando em direção ao Honda Jet, o
jato executivo de pequeno porte da famiglia. O piloto já está de prontidão, parado frente à escada da
aeronave. Ethan e os seguranças vieram na frente e agora fazem uma varredura no hangar,
certificando-se de que estamos todos protegidos.
O toc-toc dos saltos dela se intensificam — como em um trote rápido para me alcançar —, e
um instante depois, ela está aqui, ao meu lado, sorrindo.
— Me responde, vai. — E me empurra com os ombros.
Fujo dos seus olhos e continuo meu percurso, olhando sempre para frente, para o piloto bem
uniformizado a vinte metros de distância.
— Te responder? — Me faço de sonso. — Te responder o quê?
Brooke para na minha frente e coloca a mão na cintura. Ela usa um conjunto de calça e
jaqueta de couro, além das botas de salto. Os cabelos loiros estão soltos e ondulados, caídos sobre
os ombros. De longe, poderia ser confundida com uma garota de estilo bad girl comum, mas sei que
esconde uma pequena faca de combate no cano da bota e uma pistola Taurus no bolso interno da
jaqueta, o que faz dela uma mulher fatal.
— Você ouviu, mas vou repetir: quanto tempo mais vai resistir?
Ela não precisa dizer nada além disso para que eu a compreenda, até porque nunca foi
segredo para ninguém a minha recusa de tocar em Giovanna.
— Não estou resistindo.
— Ah Deus! Quer enganar quem? Se quer que eu seja sincera, Ettore…
— Eu não quero. — Torno a caminhar, desejando poder entrar logo de uma vez no maldito
jatinho e rumar para Vegas. Tenho um plano para pôr em ação e não vou ficar aqui jogando conversa
fora com Brooke.
A mulher me acompanha, não se dando por vencida.
— Se quer que eu seja sincera… — retoma, e eu bufo. — Está na cara que está caidinho pela
Giovanna.
Interrompo minha caminhada subitamente e olho para Brooke Elliot como se ela não fosse
desse planeta. Não, ela não insinuou mesmo que estou apaixonado por Giovanna, insinuou? Solto
uma risada meio lunática quase sem perceber.
— De onde tirou esse absurdo?
— Ettore, você não engana ninguém, está bem? Por que insiste em tentar se enganar também?
— Não sinto nada pela Giovanna.
A mulher cruza os braços e ergue uma sobrancelha, desafiando-me. Bufo e continuo meu
percurso até o jato executivo. Será que realmente estou apaixonado por aquela pirralha insolente e
está tão na cara assim? Ou Giovanna quem comentou alguma coisa com Brooke nas últimas semanas
sobre sua missão de me seduzir e agora a mulher está tentando me jogar para cima da minha esposa
só para me ver perdendo a cabeça, para me ver completamente rendido? É disso que essas diabas
gostam: de ver um homem sendo subjugado por um rabo de saia. Principalmente quando você está
convicto de não se enfiar entre as pernas delas.
— Senhor — o piloto diz e mal noto que já alcancei a aeronave. O homem aponta para minha
bagagem, oferecendo-se para pegá-la. Deixo que faça seu serviço e me viro para encontrar Brooke
perto de mim, a apenas um metro de distância.
Ela abre a boca para dizer alguma coisa, mas Ethan surge por trás do jatinho, dando os
últimos comandos aos guarda-costas e me informando que a área está limpa e que podemos partir em
segurança quando eu quiser. Assinto uma única vez para ele com um olhar que Montanari
compreende prontamente. Movimentando o indicador para o interior do avião com capacidade para
seis passageiros, ele acena para que os homens comecem a se acomodar em seus lugares. Ele também
entra em seguida, deixando-me a sós com Elliot, que aproveita para dizer o que ia dizer antes de ser
interrompida:
— Negue o quanto quiser, Ettore, mas depois não reclame se ela encontrar alguém que faça o
que se recusa a fazer.
Aperto o maxilar, não gostando da ideia.
— Giovanna não seria estúpida nesse nível.
O olhar que Brooke me lança congela todo meu corpo. É bastante ameaçador e intimidador
até mesmo para um cara como eu.
— Se estiver sozinha, realmente, porque a vida e a integridade dela valem mais do que um
pau qualquer, e sabemos como Giovanna seria punida pelo clã caso desrespeitasse esse casamento.
Mas ela não está sozinha, Ettore. Eu não pensaria duas vezes em ajudá-la, acobertá-la, apoiá-la e
protegê-la se for do desejo e da felicidade dela encontrar alguém que a valorize. Ou ao menos que
seja para se divertir.
Não consigo dimensionar nem explicar a sensação que atinge meu peito diante essa
perspectiva. Jamais faria qualquer coisa contra Giovanna, mesmo se ela decidisse “desrespeitar esse
casamento” porque não me vejo fazendo qualquer mal àquela menina, embora a ideia amargue a
minha boca e eu saiba que eu surtaria se isso acontecesse, com toda certeza. Eu não faria nada, mas
isso não significa que o clã não faria.
— Não tem problema nenhum gostar da sua esposa, Ettore. De amá-la. Mas se continuar se
negando a admitir que está de quatro por aquela menina, você vai perdê-la. E farei questão de ajudá-
la no que for preciso. Pense nisso — finaliza, batendo no meu ombro. — Boa viagem. — Deixando
um beijo no meu rosto, ela se vira para sair.
Subo os quatro degraus para dentro do jatinho, pensando no que me disse, e afundo na minha
poltrona, ignorando alguma coisa que Ethan, atrás de mim, começa a me dizer.
Não estou com humor para isso.

Trago meu charuto profundamente, estudando o corpo dela à minha frente, enquanto a garota
caminha na minha direção, apenas de lingerie preta, em passos sensuais e vagarosos, como que para
me provocar. Ela é bonita. Alta como uma supermodelo, seios fatos, quadris e curvas generosas,
magra e barriga chapada. É, eu burlei a maldita regra de Enrico, porque aquela bastardo filho de uma
puta não vai ter controle sobre minha vida sexual.
Não mesmo.
Estirado no meu sofá — voltei para casa assim que a segurança foi reforçada, vidros foram
repostos e blindados, e isso já tem cerca de quinze dias —, estudo seu caminhar vindo até mim,
perguntando-me o que é isso que estou sentindo.
Um imenso e vazio nada.
Em qualquer outra circunstância normal, eu já estaria duro, pronto para foder a boceta dela
em todas as posições que eu quisesse. Agora, não sinto nada. Absolutamente nada. Tudo em que
consigo pensar é em Giovanna muitas milhas longe de mim, na conversa que tive com Brooke três
dias atrás, em como ter planejado isso tudo parece errado demais, como um dia nunca pensei que
seria.
Nas minhas convicções, ter uma amante sempre foi um direito do homem da máfia. Os
membros da famiglia jamais me julgariam por isso — pelo contrário, eles incentivariam —, minha
esposa nunca poderia se opor, e jamais teria qualquer crise de consciência como estou tendo agora.
Jamais brocharia por causa disso. É exatamente o que está acontecendo comigo neste momento e é
sobre isso que estou pensando, perguntando-me por que não estou sentindo nada. Nem um pingo de
vontade de transar com a beldade que se ajoelha na minha frente e espalma contra as minhas coxas e
me olha mordendo o lábio inferior. Será possível que aquela desgraçada me contaminou?
Afasto todos os meus pensamentos da cabeça e me concentro no momento, aqui e agora,
decidido de que essa minha brocha é momentânea e é porque não estou concentrado o suficiente.
Olho para baixo, para a garota de programa de luxo que começa a baixar minha calça — preciso
erguer um pouco os quadris para ajudá-la a me despir —, e trato de forçar meu pau a subir. Vai ficar
duro, sim! Ora essa, negando-se a sexo!
A garota brinca comigo, acariciando o pênis murcho. Mas que caralho. Fecho os olhos por
um instante, tentando gostar desse toque, mas parece mais invasivo do que convidativo. Ela diz
alguma coisa que não dou ouvidos antes de colocá-lo na boca. Não é bom. É estranho para caralho.
Esforço-me para ficar duro na boca dela e começo a imaginar coisas obscenas que também não
surtem muito efeito.
Abro os olhos e deixo que os pensamentos que eu vinha bloqueando até minutos atrás tomem
conta de mim. Então, eu a vejo. Sei que sua presença é uma mera projeção da minha cabeça, mas é o
que me ajuda a endurecer. Giovanna está na minha cama, só com uma calcinha branca de lado,
enquanto brinca com o clitóris e me olha com aquele desejo descarado de sempre.
— Isso, muito bom. — A voz da garota chega até mim. Quando olho para ela rapidamente,
estou de fato duro, e ela me masturba com dedicação.
Volto meu olhar para a cama, ainda imaginando Giovanna aqui com sua maldita fantasia,
assistindo-me e tocando na sua boceta rosada e pequena, o sorriso de satisfação para mim, o
semblante de prazer, os olhos que rolam de puro deleite. É só assim que a vontade insana e a sede
por sexo me tomam por inteiro. Então, leva só um segundo para compreender essa nova dinâmica do
meu corpo e das coisas que me proporcionam prazer. Tudo gira em torno da minha mulher e do seu
fetiche.
Antes de contratar a prostituta de luxo por uma agência — da qual nem me importei com o
nome, só mandei que mandassem qualquer uma que tivesse uma boceta no vão das pernas —, eu
estava uma pilha de nervos. A um dia de colocarmos o plano de cavalo de troia em prática, estava a
ponto de explodir e precisava descarregar toda essa tensão. Punheta não adiantou. Álcool não
adiantou. Pôquer, blackjack e roleta-russa não adiantaram. Eu achei que sexo ajudaria, mas não está
ajudando quando todos os meus pensamentos são nublados por aquela menina. Não está ajudando
quando, se não estou desejando fodê-la, estou desejando que ela esteja me vendo foder outra. Se
minha esposa não está aqui, se não está fazendo parte disso, não consigo nem ter uma maldita ereção.
Volto a mim quando a garota senta no meu colo, tomando meus lábios em um beijo suave. Eu
correspondo, mais por reflexo do que por qualquer outra coisa. Fecho os olhos de novo por um
segundo e quando torno a abri-los, é Giovanna que vejo aqui, sentada em mim, beijando-me com todo
vigor e prestes a me colocar dentro dela. Como se tivesse levado um choque, afasto a puta de mim.
Ela me encara, sem entender nada.
— Não posso fazer isso.
— É alguma coisa que fiz de errado?
Abro um sorriso complacente.
— Não, doçura. De verdade, você é perfeita. Eu só… não consigo. Não mais.
Engulo todo o restante da minha explicação. É patético o suficiente que eu não consiga transar
com ela porque minha consciência está pesada, não tornarei isso ainda pior contando meus motivos.
Afasto-a de mim e me levanto. Visto de volta minha cueca e a calça, sacando a carteira do
bolso. Tiro alguns dólares para pagá-la e entrego as notas junto com suas roupas. Contato Ethan,
encarregando-o de tirá-la daqui em segurança. Deixo-a sozinha na sala e vou para meu escritório.
Desabo na cadeira, massageando as têmporas, sem conseguir parar de pensar em Giovanna, na minha
conversa com Brooke e, por fim, em Maggie.
De repente, estou questionando meus próprios sentimentos pela minha esposa falecida. Sei
que a amei de verdade. Do meu jeito hipócrita e distorcido, mas amei. Não à toa chafurdei em luto
por meses, não à toa me tornei um homem completamente incontrolável. Eu amei Maggie, mesmo me
enfiando entre as pernas de qualquer vagabunda que cruzasse meu caminho, sem nunca pesar minha
consciência. Então, por que agora não consigo fazer o mesmo com Giovanna? Por que não consigo
nem fazer que meu pau funcione com outra mulher e apenas sou capaz disso se eu a imaginar comigo,
assistindo e participando?
Uma onda de raiva vai crescendo dentro de mim. Junto as mãos frente ao queixo,
controlando-me para não surtar. Aperto os dedos com força e tento não ficar me questionando sobre
nada dessa merda. Maggie foi importante para mim, e o fato de não ser mais capaz de dormir com
uma amante porque não paro de pensar em Giovanna não faz dela mais importante que minha
primeira mulher, não faz dos meus sentimentos menos importantes, menos reais.
De repente, estou varrendo a mesa com meus braços, ao passo que um grito raivoso deixa
minha garganta. Tudo sobre a superfície de madeira vai ao chão — um modo de descontar esse ódio,
esse sentimento esquisito dentro de mim. Abaixo a cabeça contra meus braços e me permito chorar
compulsivamente.
Sem saber o motivo.

— Tem certeza que quer fazer isso? — Enrico pergunta, parado no lado de fora do caminhão
de carga. — Ettore, temos soldados o suficiente para realizar o serviço sujo. Não tem que se arriscar.
Puxo a gola do pea coat que estou usando a ajusto o chapéu na cabeça. Sentado no lugar do
passageiro, tendo Skender ao meu lado no banco do motorista, estamos indo colocar nosso plano em
ação. Las Vegas não dormiu. Las Vegas nunca dorme. É quase uma da manhã, e nosso encontro em
uma garagem subterrânea de um bar que também funciona como boate está marcado para dentro de
meia hora.
— Tenho certeza — respondo, convicto, passando o cinto em seguida. Olho para frente, para
a noite escura quebrada pelos faróis do caminhão. — Vamos acabar logo com isso.
Antes da partida, Enrico toca no meu ombro.
— Volte vivo para casa.
— Farei o máximo para isso.
Meu irmão dá um passo atrás, liberando nossa passagem. Skender engrena a primeira e sai
devagar, tomando as ruas do bairro tranquilo em direção ao centro movimentado de Vegas. O
percurso todo é feito em um silêncio denso, de expectativa. São nossas vidas em jogo. Não poderia
ser diferente. Quando estamos quase chegando, eu me certifico de que todos lá trás — as bonecas da
Dark Dolls, Darko e os demais homens, escondidos atrás de caixas e mais caixas, que vão agir no
momento certo — estão a postos e prontos para atacar.
— Estamos a duzentos metros — Skender avisa.
É um risco enorme eu ter vindo porque posso ser reconhecido antes da hora e acabar
estragando nosso plano. Por esse motivo, quando o romeno informa que estamos a poucos metros do
bar, puxo mais a aba do chapéu e ergo mais a gola do pea coat. Retiro em seguida um par de óculos
sem graus do porta-luvas do caminhão e os visto, junto com uma revista pornográfica que começo a
folhear apenas como parte do disfarce. Rio baixinho, sentindo-me como Clark Kent que basta vestir
as armações para não ser reconhecido como o Superman. Isso deve ser o suficiente, de qualquer
forma, porque vão abordar mais o romeno do que a mim.
O caminhão vai perdendo velocidade, e Skender faz uma curva suave à direta. O veículo para
completamente. Ele baixa o vidro. O barulho de música alta e de toda a atividade noturna de Vegas
entra pela abertura, tomando conta do espaço pequeno. Ergo os olhos rapidamente, dando de cara
com a boate toda iluminada pelas luzes neons — a marca registrada da cidade —, os letreiros
grandes e chamativos, as pessoas andando pelas calçadas: homens, mulheres, bêbados. Luzes
estroboscópicas saem de dentro do bar-boate e, mesmo daqui, através das portas que se abrem e
fecham conforme os clientes chegam e saem — portas essas controladas por um quarteto de
seguranças mal-encarados — consigo ver algumas dançarinas no pole dance, duas delas seminuas,
com calcinhas de couro, meia-arrastão e seios para fora.
— Boa noite — Skender diz, e o seu sotaque romeno me faz voltar ao mundo real. Torno a
dar atenção à revista em minhas mãos, virando mais uma página. — Viemos tratar de negócios com
Yuri Smirnov.
— Seu nome. — A voz que diz tem o acento típico dos russos.
— Skender Gabor.
Pela visão periférica, sinto o romeno dar uma conferida rápida em mim e mantenho minha
posição. O russo repassa a ordem em sua língua nativa. Só consigo compreender o nome de Skender
e o de Yuri.
— Pode entrar — ele diz, ao terminar sua conversa.
— Mulțumiri — Skender diz, e eu não sei se foi em russo ou se foi em romeno, mas pela
tonalidade e pelo rápido gesto de cabeça que vem junto, compreendo que talvez tenha sido um
“obrigado”.
O romeno engrena a primeira marcha e coloca o caminhão em movimento mais uma vez. O
terreno se inclina um pouco quando começamos a acessar as galerias mais abaixo da boate, o som e
batidas de música ficando ao longe e abafadas. Enquanto ele vai descendo os níveis — fazendo
curvas sinuosas —, começo a me preparar para o ataque. Levanto o banco do caminhão e tiro dois
rifles de assalto que estavam escondidos sob o assento. Uma famosa AK-47, que os russos chamam
de Kalashinikov, e uma de origem alemã, minha HK-MR223. Encho os bolsos com mais dois pentes
do rifle alemão e separo os da AK-47 para Skender. Coloco os rifles sob meus pés e apenas aguardo
o momento certo.
À frente, quando terminamos de descer os níveis e a garagem se estende por metros de
concreto plano e pilares de cimento, vemos um furgão estacionado na horizontal, portas abertas, e
dois russos frente ao veículo, mãos cruzadas na frente do corpo, também portando armas de assalto.
Skender desliga o caminhão, recheia os bolsos com munição da sua arma e desce. Eu permaneço
aqui. Olho bem no entorno, estudando o terreno. Os russos parecem ter vindo desguarnecidos e isso é
burro demais até para eles. Com uma análise mais atenciosa, noto que, na verdade, há seguranças
escondidos atrás das pilastras. Pelo menos quatro deles. Um logo atrás do furgão; o segundo à minha
direita — e sei que terei de lidar com ele assim que descer —, o terceiro à minha esquerda e o
último à noroeste do caminhão. Sinto meu coração acelerado dentro do peito. Nosso timing precisa
ser perfeito ou seremos facilmente fuzilados.
O romeno está conversando animadamente com os russos — reconheço Yuri agora —, os três
rindo como se fossem velhos amigos. Smirnov faz um gesto de comando com a cabeça e,
imediatamente, o outro se afasta para dentro do furgão, voltando com uma maleta prateada. Ele a abre
e mostra seu conteúdo para Skender. Notas de dinheiro. O romeno ri e balança a cabeça, chamando-
os com os dedos. Baixo os olhos de novo para a revista, no intuito de o russo não me reconhecer, e
espero pelo momento que combinamos. Inspiro fundo. Inclino-me para pegar os rifles de assalto.
Espero. Conto os segundos.
Um.
A voz de Skender dizendo alguma coisa sobre a carga ser excelente e que eles não vão se
arrepender.
— O lucro é garantido.
Dois.
O destrave da fechadura das portas de metal do caminhão, junto com a conversa de Skender,
que treme todos os erres das palavras, no sotaque típico dos troncos linguísticos indo-europeus.
— As garotas são incríveis, Smirnov. Carga de primeira.
Fecho o dedo com força na coronha da AK-47 e me preparo.
Três.
A portas se abrem.
— E sabe o que mais, Yuri? — É a minha deixa. Abro a porta do caminhão e pulo para fora,
carregando os rifles comigo. Neste momento, as coisas acontecem simultaneamente. — Elas são de
matar!
O segurança à pilastra mais próxima de mim — talvez quinze ou vinte metros de distância —
nota que desci carregando as submetralhadoras e está pronto para revidar. Mas, já sabendo com
antecedência da sua posição e já tendo me preparado para isso, eu o fuzilo primeiro com meia dúzia
de balas. O corpo do russo é jogado para trás, que cai como um saco de batatas, ao mesmo tempo em
que tiros de dentro do caminhão — engendrado por Darko, seus homens e as bonecas — são
disparados. Venço a extensão do veículo até a traseira e jogo a AK-47 para Skender assim que o
vejo. Acerto um russo filho da puta, mais ao sul da garagem, que estava prestes a fuzilar o romeno,
que mal pega no rifle e está tendo de lidar com outros dois homens. Stanković e as garotas, todas
fortemente armadas, descem da área de carga pisoteando o corpo de Yuri e de seu amigo, já nos
dando cobertura porque mais homens além dos quatro que contei surgem por trás das pilastras e de
dentro do furgão.
Com o lado direito do caminhão livre, usamos a lataria como proteção e damos início ao
tiroteio. Balas ricocheteiam nas pilastras e no chão, e uma fumaça de cordite logo toma conta do
lugar. Skender volta para atrás do volante e dá a partida, gritando para que todo mundo entre. Darko
gesticula ferozmente para as meninas, dando-lhes cobertura para voltarem para a área de carga em
segurança, e eu o ajudo na missão, ficando às suas costas.
— Vá, Ettore! — ele grita. — Entre no caminhão!
Nego com a cabeça e quase acerto outro puto vermelho. A bala passa raspando, tirando uma
lasca grande de concreto de uma pilastra a dez metros. Estou cheio de ódio. Raiva ferve em minhas
veias no lugar de sangue. Quero acabar com cada maldito homem de Nikolai. Quero exterminar cada
um que se revele uma ameaça a Giovanna. Quero estourar os miolos de cada um que trabalhe para
aquele desgraçado que tentou machucar a minha mulher.
— Eu te cubro! — Darko insiste, disparando mais uma vez. O grito vindo de algum lugar aos
fundos revela que derrubamos mais um. — Volte para o caminhão.
— Darko… — Tento protestar.
— Não quero ter de dizer à minha futura esposa que o irmão dela morreu sob meus cuidados,
Ettore. — A voz de Stanković tem uma linha tênue de humor e seriedade. — Volte para o caminhão!
Descarregando mais um pouco do meu pente — talvez ainda restem umas trinta balas —,
solto um grito psicótico, fuzilando o desgraçado atrás da pilastra ao sul. Só então corro de volta ao
banco do passageiro. Assim que me acomodo e fecho a porta, as portas traseiras batem com todo
vigor, fechando também por dentro em um sistema que improvisamos para facilitar a fuga,
dispensando que a tranca fosse acionada apenas pelo lado de fora.
Um segundo mais tarde, Skender está acelerando o caminhão e pegando as rampas de saída.
Ao mesmo tempo, pelo retrovisor lateral, a cinquenta metros de distância, vemos mais homens de
Nikolai chegando, com certeza atraídos pelo tiroteio. O romeno enfia o pé no acelerador a fim de
ganhar alguma vantagem. Coloco o corpo para fora e disparo contra os desgraçados em sedãs pretos.
O da frente consegue desviar, mas eu não facilito. Uma curva fechada desalinha minha mira e acerto
o nada.
O gatilho estrala.
Enfio a mão no bolso e tiro outro pente, reabastecendo a submetralhadora rapidamente.
Coloco a cara para fora, mas recuo institivamente quando o russo no banco do passageiro do sedã
dispara. De repente, a porta da área de carga bate com vigor contra o chassi do veículo e uma série
de disparos sobe no ar. Não fica difícil entender que Darko está tomando conta dos desgraçados.
Por fim, Skender vence as rampas de saída e chega ao fim dos túneis, saindo para a avenida
movimentada em alta velocidade. O caminhão chega a dar uma empinada, levitando alguns
centímetros e por um milésimo de segundo, e o motor ronca com a arrancada brusca. Gabor vira o
volante com tudo, evitando uma colisão com uma limosine, que também freou bruscamente. Então,
tomamos as ruas de Vegas e conseguimos despistar os russos.
Ao menos dessa vez, saímos vitoriosos.

Na manhã do mesmo dia, fazemos um balanço do nosso plano. Enquanto atacávamos com o
caminhão de carga — nosso cavalo de troia mafioso e modernizado —, outros dos nossos homens
investiam contra os russos em outras áreas comandadas por eles. O foco do plano era acabar com os
líderes sitiados na cidade — Yuri Smirnov e outros três cabeças. Quando um núcleo hierarquizado
perde seu líder, ele perde sua base, sua confiança e fica sem saber o que fazer, o que torna mil vezes
mais fácil desmantelar qualquer sistema. Yuri está morto e, pelo que soubemos, os demais líderes
também. A ação dos soldados da Mahyas D’Arezzo, liderados e comandados pelos capitães da
famiglia, foi praticamente perfeita. Os líderes russos, espalhados pelos quatro cantos das áreas que a
eles pertenciam, foram eliminados, mas no processo também tivemos baixas.
Acontece.
O importante é que os dirigentes russos estão mortos e parte de seus aliados também.
Infelizmente, restam alguns poucos na região, que seguem resistindo — mesmo com um acordo de
poupá-los, bastava que se entregassem —, mas não lutarão por muito tempo. Às duas da tarde do
mesmo dia, os sérvios já tomaram as áreas que, agora, são deles, segundo nosso acordo, e
reforçaram a proteção para impedir qualquer tipo de retaliação russa (não me surpreenderia se
Nikolai mandasse mais de seus homens diretamente de Moscou).
A guerra está prestes a acabar. E logo Giovanna poderá voltar para casa.
Sorrio ao pensar nisso, com um uísque nos dedos, atrás da minha mesa no escritório de casa,
olhando fixamente para a única foto de Giovanna que tem no ambiente e que, por algum milagre,
sobreviveu a todos os ataques. Uma foto que nem fui eu que trouxe para cá, mas que agora não
consigo sequer ter o pensamento de me desfazer. Já faz um mês e meio. Nunca pensei que sentiria
falta daquela pirralha intrometida. Engulo em seco e viro o restante do uísque goela abaixo quando
meu telefone fixo toca. Bato o copo na mesa, limpo os lábios com o dorso da mão e atendo à
chamada.
— Diga.
Ouço o que a voz de Enrico tem a me dizer. E ele diz. Sem cerimônia, sem nem me preparar.
Recosto-me à cadeira, afundando nela, estarrecido com a notícia que recebo. Ele me conta como
aconteceu e sinto raiva de tamanha estupidez. Suspiro e jogo a cabeça para trás.
— Não posso ficar aqui — digo, assim que termina de me contar.
— Não te pediria algo assim. Vá agora mesmo.
Quando Enrico desliga, vou atrás de Ethan, que está ao redor da casa, fazendo seu trabalho.
— Prepare uma operação de segurança e o jatinho executivo. Quero sair em uma hora.

— Está tudo bem? — Giovanna pergunta, parada no meio da sala.


Cheguei tem exatamente trinta segundos. Ela estava terminando de jantar, na companhia de
Brooke e Lilly, parecendo feliz. Dentro do estúpido baby doll de unicórnios, estava à vontade,
saboreando um pedaço de pizza. Então, ela me viu, abriu aquele sorriso que vem mexendo comigo
mais do que deveria e se levantou, na sua ânsia ingênua de querer me abraçar — como se eu fosse,
sei lá, a porra do marido dela que acabou de voltar do Afeganistão.
A minha expressão rígida — mais rígida do que costuma ser — a impediu de continuar
avançando. Por um segundo, fez aquela mesma cara de quem notou que estava prestes a me tocar e eu
apenas fechei a cara como um aviso para não se aproximar mais. Entretanto, no instante seguinte,
como se tivesse um sexto sentido, Giovanna entendeu que a austeridade em mim não era por causa de
sua invasão ao espaço que sempre delimitei entre nós. Então, ela me perguntou se está tudo bem.
— Podem me dar um segundo com a minha mulher? — peço, olhando para Brooke e Lillly,
ainda à mesa.
As duas se levantam, trocam palavras com Giovanna e se despedem. Elliot passa por mim,
lançando-me um olhar de quem quer saber o que está acontecendo, mas não vai ser preciso contar
para ela. Enrico o fará em cinco minutos via ligação telefônica.
— O que aconteceu, Ettore? — pergunta cautelosamente.
Inspiro ar para os pulmões, tomando alguma coragem. Não tenho modo de contar isso sem ser
de forma direta, como Enrico fez comigo, seis horas atrás.
— Seus pais estão mortos, Giovanna. — Ela pisca uma infinidade de vezes, como se ainda
estivesse processando a informação, parada a dois metros de mim. — Os russos os pegaram, hoje,
mais cedo. — Fecho os olhos, suspirando com a imbecilidade que foi sua morte. — Aconselhamos a
não manter rotina, nem hábitos, mas Romeo foi negligente.
Ela me encara por longos segundos, seus olhos, pouco a pouco, ficando úmidos pelas
lágrimas, como se as informações fossem chegando na ordem, mas fragmentadas, por partes. Quando
minha esposa parece finalmente compreender, ela cai em um choro doloroso. As mãos vão ao rosto,
enquanto um grito angustiante escapa das suas cordas vocais. Permaneço no meu lugar, assistindo o
luto tomar seu corpo centímetro por centímetro, compadecido por ela, mas sem saber o que fazer
para acalentá-la.
Minha mulher chora alto e grita, em um pranto desolador. Sei que com Romeo sua ligação e
afeto eram superficiais. Mas não com a mãe. Ela tinha uma estima fora de comum pela mulher que a
colocou no mundo. Por isso, tenho a impressão de que seu choro e seu luto são mais por Madelyn do
que pelo pai.
Sinto meu coração apertado, a garganta fechada e uma emoção diferente. Odeio ver esse seu
sofrimento, vê-la chorando assim. Odeio ver a tristeza que deforma seu rosto bonito, os olhos
injetados, úmidos e vermelhos quando ela me olha e balança a cabeça de um lado a outro, pedindo-
me para dizer que não é verdade.
Não movo um músculo do lugar e digo:
— Eu sinto muito.
A tristeza a toma com mais força, e o choro agora vem em ondas fortes e entrecortadas.
Giovanna cai no chão — com um baque oco — e se encurva sobre as próprias pernas, enfiando a
cabeça entre as coxas. A imagem me deixa muito assustado e é nesse momento que me aproximo dela
rapidamente, esquecendo-me de qualquer promessa idiota de não a tocar.
Eu me ajoelho à sua altura e envolvo seu corpo trêmulo com meus braços, tentando acalmá-la.
Ela nem mesmo dá importância ao fato de que estou a tocando pela primeira vez desde que nos
conhecemos. Giovanna se agarra à minha camisa com toda força que encontra dentro dela e enfia o
rosto contra meu tórax, inconsolável.
Pego-a nos meus braços em um ato instintivo, marital e protetor e a carrego para seu quarto.
Deito-a na cama e me deito junto, deixando seu corpo vulnerável e trêmulo junto do meu, seu rosto
ainda escondido no meu peito. Aperto-a forte em meus braços, querendo tomar toda a dor dela para
mim, e deixo um beijo úmido nos seus cabelos amarelos.
Quando desperto, estou completamente desorientada. Sobre um colchão macio, debaixo de
lençóis quentes e confortáveis, sentindo um braço rodear meu corpo, vou tentando me localizar aos
poucos. Ao abrir os olhos, com um pouco de dificuldade por conta da claridade que atravessa os
vidros da janela, não tenho ideia de como vim parar aqui. Minha última recordação é de estar na sala
de estar com Lilly e Brooke na noite passada.
Lilly e Brooke.
Meus olhos lacrimejam quando, finalmente, todas as lembranças vêm à tona e o apagão que
tomou minha mente com a notícia que recebi chega ao fim. Lembro-me de tudo agora, mas preferia
esquecer até mesmo de quem sou.
Aperto os lábios com toda força, reprimindo o choro preso na garganta que ameaça vir. Os
olhos ardem e meu coração está estraçalhado, tomado de tristeza, mas me esforço para não pôr nada
disto para fora porque sei que posso acordá-lo. Então, leva mais um segundo para me dar conta da
situação atual. De Ettore deitado comigo, seu ronronar baixo, calmo e ritmado, seu braço pesado
circundando minha cintura, sua respiração quente contra minha nuca, seu corpo grande em contato
direto com o meu como nunca esteve desde que seu irmão arranjou esse casamento. Ele me pegou no
colo e me trouxe para cá. Em choque com a notícia da morte de Madelyn e Romeo, eu devo ter
apagado.
Aperto os olhos com toda força, decidida a não pensar nisso agora — no fato de meu marido
ter sido atencioso o bastante para me amparar —, e forço a culpa para baixo quando ela ameaça fazer
mais estragos no meu coração e no meu emocional. Apesar da tentativa, não consigo me livrar desse
sentimento de que fui responsável pelo ataque.
Nikolai avisou. Eu o subestimei, acreditando que meus pais estavam seguros o suficiente e
que os russos não seriam capazes de lhes fazer mal algum. Deus, como eu estava enganada. Ele me
deu uma semana para entregar o arquivo ou dizer onde o guardei, mas fui teimosa e arrogante. Não
dei meu braço a torcer, paguei para ver, e agora, meus pais estão mortos. Um soluço involuntário
escapa de mim e, instantes depois, eu o sinto me apertar contra seu tórax, em um gesto tranquilizador.
— Gio… — Ettore sussurra, resvalando o nariz pela minha nuca. — Sinto muito.
Em qualquer outro momento, teria gostado do apelido e da forma carinhosa como está me
tratando, a sua preocupação que agora é mais descarada e exibida nesses pequenos gestos de
acalento. No momento, contudo, não consigo apreciar nada disto.
Lentamente, eu me viro na direção ele. No seu rosto, tem um pequeno rastro de quem acabou
de acordar de um cochilo breve. Será que ele nem mesmo dormiu essa noite? Será que ficou ao meu
lado o tempo todo ou só voltou há pouco tempo, antes de eu despertar? Engulo em seco e encaro seus
olhos azuis. Estão diferentes hoje, sem a frieza e indiferença as quais me habituei. Tem ali resquícios
de compaixão, pesar e condolência.
— Como… — Tento dizer, mas minha boca está amarga e minha voz sai muito baixa e
arranhada. Pigarreio e desvio o olhar, concentrando-me na faixa de pele do tórax dele, à mostra por
conta de três botões da camisa que estão abertos. — Como aconteceu?
Ettore enfia seus dedos nos meus cabelos, em uma carícia suave e atípica. Não vou dizer que
nunca pensei em como seria o toque dele porque pensei. Pensei demais. E nada me preparou para que
a primeira vez que nos tocássemos fosse tão bom em uma ocasião tão fúnebre. Fecho os olhos e
suspiro, aproveitando o carinho dele, que massageia atrás do meu pescoço com a ponta dos dedos.
— Fomos aconselhados a não manter uma rotina, entre outras coisas — sussurra. — Seu pai
seguiu à risca a maioria de nossas orientações, mas pecou ao não abrir mão de sua massagem
semanal.
Balanço a cabeça em positivo, encontrando alguma coragem para encará-lo enquanto ouço
seu relato. Papai tinha mesmo esse costume. Mamãe também. Os dois frequentavam um spa
semanalmente, de forma muito religiosa, e não duvido que ele tenha resistido a mudar seus horários e
dias de massagem, principalmente porque a massagista favorita de Romeo tinha dias e horários fixos.
— Os russos estavam em alerta e é claro que notaram uma mudança na rotina, mas não no dia
de massagem. Não fizeram muito esforço. Se infiltraram no spa, trocaram a escala da moça que
sempre os atendia, colocaram um deles para atender seus pais, que, ao que tudo indica, só souberam
dessa mudança quando já estavam preparados para a sessão.
Meu peito aperta de tristeza. Se bem conheço aqueles malditos bárbaros, meus pais foram
terrivelmente massacrados. Aperto os olhos e uma lágrima solitária desce.
— Não quero te ouvir dizer que as mortes deles foram brutais, Ettore.
Meu corpo começa a tremer, e me pego imaginando o falso massagista os esfaqueando, ou os
metralhando, ou os decapitando ou… Minha respiração falha e entreabro os lábios para arquejar. O
toque de Ettore desce para meu rosto, acariciando-me na bochecha. Seu polegar áspero não me deixa
menos afetada por causa do seu contato.
— Respira, Giovanna, e se acalma. Eles não morreram de forma brutal.
Abano a cabeça em positivo e faço o que me pediu. Inspiro profundamente e depois expiro,
bem devagar, regulando meus batimentos.
— Mas temo que tenham sofrido um pouco — completa.
— Como foi? — pergunto, embora algo dentro de mim diga que não deveria querer saber
algo desse nível.
Ettore cessa nosso contato visual por um segundo antes de me olhar novamente, sem nunca
parar com seu toque suave no meu rosto. Ele até me observa por um instante rápido — como se me
estudasse, estudasse cada detalhe do meu rosto, como se estivesse me conhecendo agora ou
analisando minuciosamente meus traços.
— Foram envenenados. Os russos diluíram algum veneno no óleo de massagem, que foi
absorvido pela pele deles e… — Ettore solta um suspiro exausto no lugar do restante da frase.
As lágrimas mais uma vez forçam meus olhos. A culpa bate com toda força. Nikolai avisou
que atingiria as pessoas que eu amava, mas eu não dei atenção! Tomada por pavor, medo e culpa,
corro para o banheiro. Fecho a porta, mas não a tranco, e deslizo pela madeira até estar sentada no
chão frio, abraçando meus próprios joelhos e chorando. Fico um longo tempo aqui, apenas
assimilando tudo, tentando aceitar a morte deles, perguntando-me o que faço agora. Não posso deixar
que mais ninguém se fira por causa desse maldito arquivo. Por isso, estou decidida a entregá-lo aos
russos.
Primeiro, Ettore não pode saber desse arquivo. Toda essa droga de guerra só começou por
causa disso. Eu só estava tentando ajudar a Mahyas D’Arezzo, mas minha imprudência acabou por
provocar mais danos do que benefícios. Se meu marido souber que tudo isso é minha culpa, vai ficar
furioso. A verdade é que nem sei como ele e os demais ainda não se deram conta de que o fato de os
russos voltarem atrás e aceitarem a proposta de tomarem as áreas da Espanha dos sérvios e
japoneses e aquela confusão envolvendo meu esposo surtado foram completamente deliberadas. Tudo
milimetricamente planejado. Havia um pacto de não-agressão, mas é claro que Nikolai não ia feri-lo.
Por isso, armou a ocasião que Ettore espancou até a morte um de seus homens, para que assim tivesse
um motivo para declarar guerra e poder vir atrás de mim. Vir atrás do arquivo. Eu me dei conta disso
mais rápido do que todos eles, mas isso porque eu sei os verdadeiros motivos do chefe russo.
Segundo ponto, não posso confiar que Nikolai não vai tentar me silenciar acreditando que
posso voltar a chantageá-lo com outra cópia. Ele não é idiota. Assim que puser as mãos no arquivo,
vai me matar. Se eu quiser o mínimo de proteção, preciso contar ao meu marido o verdadeiro motivo
de estarem atrás de mim. E isso nos leva ao primeiro ponto. Entre a cruz e a espada, não sei o que
fazer. Então, só me resta apenas chorar. Ao menos pelos próximos minutos.
— Giovanna. — A voz dele atravessa a porta de madeira, seguida de um leve lance de
batidas. Seco minhas lágrimas e me coloco em pé, nada recuperada.
Tiro a roupa e não o respondo quando me chama de novo, perguntando se estou bem ou se
preciso de alguma coisa. Abro o chuveiro e jogo meu corpo sob a água, sem me preocupar em
esperar que esquente um pouco, e torno a me sentar no meio do box, abraçando meus joelhos, incapaz
de controlar as lágrimas que descem torrencialmente. Dói tanto. Dói a morte dos meus pais, mas dói
mais ainda a culpa de saber que tenho sangue deles em minhas mãos.
Ouço a porta abrir e fechar e não me atrevo a erguer os olhos. Segundos se passam — durante
os quais eu me desligo completamente, por isso, não ouço ou não percebo nada — até senti-lo me
pegar pelos braços e me trazer para cima. Deparo-me com seus olhos, que têm coisas que jamais vi e
jamais pensei em ver. Ele realmente está preocupado comigo, sentindo por mim e sentindo minha dor.
Ettore me abraça de novo, e por um segundo, permito-me apreciar a temperatura do seu corpo nu no
meu. Afundo o rosto no seu tórax molhado e aperto meus braços contra seu tronco grande, usando-o
como minha via para descarregar a dor, a angústia e o remorso que me assolam.
— Você é forte, Giovanna — murmura, estalando um beijo no alto da minha cabeça. — Sei
que pode suportar essa dor.
— Não posso — murmuro em resposta, minha vontade de contar toda a verdade na ponta da
língua. Se ele soubesse que essa dor excruciante vai muito além de apenas ter perdido meus pais.
Ettore me afasta e me olha, segurando meu rosto com as duas mãos.
— É claro que pode.
Fujo do nosso contato visual, descendo para seu corpo despido. Não é a primeira vez que o
vejo nu, e a visão não é menos agradável agora. Estou apreciando seu abdômen — uma forma
mórbida e errada de tentar desviar meus pensamentos do luto — quando ele puxa meu queixo e me
obriga a encará-lo.
— Sei que está doendo, mas você é mais forte do que isso.
Dou um soco no peito dele, irritada.
— Me deixa chorar a morte dos meus pais, Ettore! — grito, mal notando que dou outra série
de socos no seu tórax, apenas querendo descontar meus arrependimentos, minhas dores e minha fúria
em alguma coisa. — Ninguém te impediu de chorar a morte da Maggie!
Um milésimo de segundos depois, eu me dou conta do que foi que disse. Recuo um passo,
instintivo, até encontrar a parede de ladrilhos frios. Não deveria ter tocado nessa ferida e sei disso.
Espero por sua reação explosiva, pela raiva descontrolada e pelo ódio genuíno. Mas não acontece.
Então, espero que ele se vire e deixe o box. O que também não acontece. Ettore, na verdade, vem até
mim. Um único passo e estou sendo prensada na parede, sua ereção potente contra a minha virilha,
seu rosto expressivo muito perto do meu, seus olhos azuis impassíveis sobre mim. Prendo a
respiração, completamente intimidada por ele, incapaz de prever o que meu marido vai fazer.
— Não estou dizendo que não deve chorar a morte deles — diz, e por incrível que pareça, o
homem está controlado, apesar de sua voz densa e sombria. — Estou… — Ele para, molha os lábios,
pisca. — É meu modo de te dizer que vai ficar bem. De te consolar.
Sou eu quem pisco agora, um pouco perdida com seu argumento.
— Ettore, eu…
— Não sei como fazer isso. Não sei como tirar essa dor que está sentindo, como te consolar,
fazer que se sinta melhor ou que sofra menos. — Ele dá uma risada baixa e amarga. — Não soube
nem quando Maggie morreu, então não sou a melhor pessoa pra te confortar. Só estou tentando porque
não consigo… não suporto… te ver nesse estado.
Queria dizer que não me sinto comovida com sua sinceridade e suas intenções porque me
sinto. Nem sou capaz de dimensionar o quanto fico comovida com isso e talvez seja só porque já
estou um pouco vulnerável com a notícia. De qualquer maneira, influenciada por isso, levo a mão até
seu rosto. Acaricio a barba molhada, devagar, tentando desvendar esse homem, os sentimentos dele
por mim — se é que existem — e os meus por ele — se é que existem. Prometi seduzi-lo, tê-lo
dentro de mim, e esse joguinho parece estar me levando por um caminho que não planejava cruzar.
Ettore fecha os olhos e suspira, inclinando o rosto um pouco mais para meu toque. Eu sorrio e
levo a outra mão até seus cabelos, afundando os dedos nos seus fios volumosos e úmidos. Até
instantes atrás, era ele quem estava me tocando, mas agora sou eu que estou e quero aproveitar, testar,
experimentar e sentir, mesmo que não seja a melhor hora para isso. Antes que eu tenha tempo de
tatear todo o resto do seu corpo, ele abre os olhos e me abraça, esmagando-me contra si.
— Obrigada — consigo dizer, por fim, retribuindo o abraço.
Ele não precisa perguntar por que estou agradecendo. Ettore sabe.

Ele sai primeiro e se enrola em uma toalha. Fico mais algum tempo aqui, sentindo a água cair
sobre mim, com meus pensamentos divididos entre o luto e minha relação com meu marido,
recordando-me do rápido momento sob o chuveiro e toda carga emocional que nos envolveu. Ainda
tenho a impressão de que vou acordar e tudo isso não vai ter passado de um sonho — da morte dos
meus pais ao fato de meu esposo ter finalmente me tocado. Quando acabo, visto um roupão e saio
para o quarto. Ele já está vestido com as mesmas roupas de ontem e digita alguma coisa no celular.
Sobre a cama, tem uma bandeja de café da manhã. Ao me ver, Ettore guarda o celular no bolso
interno do paletó e vem até mim.
— Coma alguma coisa antes de irmos.
Olho para o desjejum, e meu estômago embrulha.
— Não sinto fome.
Ettore me segura pelo pescoço com uma mão, esfregando o polegar na minha bochecha, seus
os olhos nos meus de um jeito que me dá um borboletário inteiro no estômago.
— Precisa comer alguma coisa. — Sua voz está baixa e calma, com uma nota de zelo que ele
nunca demonstrou. Parece que Ettore está finalmente parando de resistir a mim, ao nosso
relacionamento. — A viagem até Vegas vai levar horas e mesmo que o jatinho esteja bem abastecido,
não é saudável ficar muito tempo se comer.
Suspiro, abrindo um sorriso convencido. Ele assim, todo preocupado comigo. De verdade,
não reconheço esse homem, mas não vou reclamar porque gosto da sua atenção, do seu zelo e, acima
de tudo, do seu toque. Concordo com um aceno de cabeça e me sento para comer. Ele diz que vai
terminar de preparar nossa partida e me deixa sozinha.
Sem muita vontade de comer, escolho um cacho pequeno de uva e como uma fatia de pão.
Durante todo o resto dos minutos até ele voltar, avisando que vamos partir, apenas brinco com a
comida. Ao que tudo indica, meu marido já organizou tudo durante a noite anterior porque minhas
bagagens estão prontas.
Brooke e Lilly estão na sala quando desço, Ettore educada e milagrosamente carregando
minhas malas. Elas vêm até mim, desejam condolências e me abraçam. Quero saber se não voltarão
para Las Vegas conosco, e Elliot troca um olhar rápido com meu marido.
— Por ora, vamos ficar aqui para caso você precise voltar.
Viro-me para trás, para Ettore, e o encaro seriamente. Ele não está mesmo pensando que
pretendo retornar para cá depois disso, não é?
— Eu ficarei em Las Vegas — imponho. Isso é inegociável.
Meu esposo suspira e apoia as bagagens no chão.
— Podemos conversar sobre isso depois do funeral? Não é hora de discutirmos esse assunto.
Quero negar e contrariá-lo, mas concordo que não é o momento. Por isso, abstenho-me de
iniciar uma confusão com meu marido. Aceno em positivo e me volto para as meninas.
— De qualquer forma — Ettore diz atrás de mim —, a ocupação no jatinho está no seu limite.
Caso decidamos que pode ficar em Vegas, mando buscá-las.
Brooke acena para mim.
— Seu marido tem razão.
Abraço-a uma última vez antes de partirmos, sentindo que Brooke, Lilly e todas as outras
meninas vão me fazer falta. Muita falta.

Ettore me encaminha até uma área mais privativa no jatinho, sua mão forte na base da minha
coluna, minutos depois de decolarmos. Duas poltronas viraram uma cama de casal — um luxo que
essas aeronaves executivas oferecem —, além de ter uma pequena tela rodando um filme que
desconheço, água e frutas em uma mesa acoplada ao lado.
— O que isso tudo significa? — pergunto, sentando-me na beira da cama e olhando para o
lado de fora.
— Conforto? — Ettore devolve, acomodando-se ao meu lado.
Seus dedos se fecham nos meus, apoiando nossas mãos sobre minha coxa, e noto quando ele
baixa a cabeça e fica ali, olhando para nossos dedos emaranhados.
— Quero saber por que está se esforçando tanto para me agradar.
Ele me analisa por um segundo sem dizer nada. Gosto do leve aperto da sua mão na minha e
fico tentada a acrescentar à pergunta por que ele agora não consegue ficar longe de mim, por que não
consegue parar de me tocar e de sempre arranjar algum pretexto para ter minha pele na sua, mas
engulo minhas palavras. Não é o melhor momento para conversarmos sobre isso e, conhecendo bem
o orgulho desse homem, sei que vai se negar a admitir que está deliberadamente me tocando em todas
as oportunidades que consegue encontrar.
— Pode achar que sou um idiota insensível, mas não é verdade. Você perdeu seus pais. Só
estou… me certificando que vai ficar confortável.
Olho para nossas mãos e me limito a um sorriso pequeno. Mentiroso. Aceno e encontro suas
íris azuis de novo, atrevendo-me a me aproximar dele e deixar um beijo rápido no seu rosto. Ele
parece ficar sem reação por um segundo, mas depois também sorri e se levanta.
— Vou te deixar descansar.
Não digo nada e o acompanho com os olhos enquanto sai. Quando estou sozinha, sinto o luto e
a dor avançando sobre mim outra vez, ameaçando comprometer minha lucidez. Deito-me na cama e
olho para o céu que sobrevoo. Não consigo segurar a vontade de chorar por muito tempo e durmo
depois que não tenho mais lágrimas.

O funeral acontece dois dias depois da morte deles. Pudemos nos reunir em um cemitério sem
nos preocupar com ataques porque Nikolai, depois de fazer contato com Enrico, propôs uma semana
de trégua para que enterrássemos nossos mortos e eles pudessem enterrar os deles. Apesar disso, o
russo deixou bem claro que a guerra não acabou. Ele continua obstinado a vingar a morte de Alexei e
só vai parar quando conseguir o que quer. Aproveito esses dias de trégua para sepultar dignamente
meus pais. É um dia quente em Vegas, e eu me apego às palavras do padre diante à sepultura deles.
Ettore está comigo. Vestido todo de preto, ele quase não saiu do meu lado por nada nas
últimas trinta e seis horas desde que foi me buscar em Blanco. Levou-me para nossa casa e,
surpreendentemente, instalou-me em seu quarto. Deu-me privacidade em certas ocasiões, mas à noite,
ele se deitava comigo, envolvia-me em um abraço e adormecia ao meu lado. Não falamos sobre esse
seu súbito comportamento, e, por enquanto, permitirei que continue assim. No percurso para cá, meu
marido foi condolente e compreensivo, caminhando ao meu lado e me abraçando pela cintura.
Leva mais algum tempo até a cerimônia acabar. Algumas pessoas vêm me cumprimentar e as
recebo com abraços, enquanto Ettore se limita a apertos de mãos. Assim que todos vão embora,
incluindo o padre, meu marido e eu ficamos sozinhos frente ao túmulo. Ele me aperta contra seu
corpo e deixa um beijo na minha têmpora, no seu atípico gesto carinhoso. Fixo meus olhos na lápide,
esforçando-me para não permitir que a tristeza me abata. Meu esposo tem razão. Sou capaz de
suportar essa dor. Não posso sucumbir agora. Preciso me concentrar e encontrar um modo de,
discretamente, contatar Nikolai e dizer que estou disposta a entregar o arquivo.
— Quer ir para casa?
Viro-me lentamente na sua direção e encontro seus olhos pouco acima dos meus. Sem que eu
espere, Ettore ergue o véu pequeno e preto que cobre meu rosto e me olha com toda sua atenção.
Não sei o que responder — apesar de ser uma resposta simples e só haver uma opção entre
duas. Fico em silêncio por longos segundos, apenas o encarando. Em um rompante, estou chorando as
lágrimas que não derramei durante toda a cerimônia fúnebre. Ettore me puxa para seus braços de
novo e acaricia meus cabelos. Sem dizer nada, apenas fica aqui comigo, atado a mim. Ainda não me
acalmei quando ele puxa o meu rosto e me leva a encará-lo. Sua mão fica no meu queixo e, em meio
às minhas lágrimas, não consigo cessar nosso contato visual. Minha mente leva alguns segundos para
notar a aproximação dele. Sorrateira. Lenta. Inesperada.
Um segundo mais tarde, seus lábios estão nos meus. É um beijo suave, lento, mas muito, muito
suculento. Eu aspiro, ficando sem fôlego por um breve momento. Sinto o gosto das minhas lágrimas
na ponta da língua e, parecendo sentir o mesmo, Ettore me aperta nas suas mãos, em um ato que me
transmite consolo. Sua boca me toma com mais vigor, como se o objetivo dele não fosse só arrancar
meu ar, e sim minhas dores também. Ele intensifica o beijo. Apertando-me mais, querendo me fundir
em seu corpo, força mais seus lábios nos meus. Retribuo cada investida, esquecendo-me por um
rápido momento do meu luto.
Ergo-me no pé para alcançá-lo melhor. Sua mão forçando a base da minha coluna me sustenta
para atingir meu objetivo. Quando começo a analisar melhor o gosto e a textura da sua boca, Ettore
me afasta delicadamente. Seus olhos se fixam em mim antes de eu dizer:
— Quero ir pra casa.
Nós voltamos à estaca zero.
Depois do funeral, Ettore tornou a se isolar, a fugir de mim e a me evitar. Continuei instalada
no seu quarto, mas ele não compareceu mais para dormir comigo. Não compareceu nem mesmo na
noite de quando nos beijamos no cemitério. Meu marido sequer mencionou o assunto logo após isso.
Assim que chegamos, ele estalou rapidamente seus lábios na minha têmpora, disse que tinha algo que
precisava resolver e foi se refugiar no escritório.
Desde então, eu mal o vejo.
Ele sai antes que eu acorde e volta quando já estou dormindo. Como já era do seu costume
durante o casamento. Fui meio ingênua achando que estava conseguindo vencer suas barreiras e não
sei por que me machuca de uma forma tão incompreensível sua falta de atenção. Nunca fiquei afetada
pelo seu modo frio, a indiferença e a distância. Não sei se estou assim agora porque perdi meus pais
tem apenas pouco mais de uma semana — e eu estava gostando mesmo de todo seu apoio — ou se
estou mais envolvida do que planejei.
Aproveito esses dias em que ele se distancia para pensar em um modo de fazer contato com
Nikolai. Não é preciso muito esforço, na verdade, porque ele mesmo se comunica comigo primeiro.
Agora, estou aqui, com a garganta queimando, as mãos trêmulas, o coração descompassado e os
olhos marejados, lendo as duas únicas palavras no e-mail que recebi e a assinatura abreviada.
Eu avisei.
NAP.
NAP. De Nikolai Aleksandrovich Pushkin.
O ar, de repente, fica rarefeito, e sinto meu coração pressurizado. Ele avisou. Estou levando a
mão ao mouse para responder o e-mail quando outra mensagem chega. Meus batimentos cardíacos
quase param por causa das imagens que recebo e com o que vem escrito junto delas.

Sei que não são muito ligadas, mas o Ettore é. Já imaginou o estrago que eu faria
naquele psicológico fodido que ele tem se eu mexesse com a Martini mais nova?

Anexadas ao e-mail, várias fotos de Giane em algum lugar, alheia ao perigo que a rondava,
em momentos sociais, no trabalho, no caixa-eletrônico sacando dinheiro, na fila do cinema. Aperto
os lábios com força, reprimindo a vontade de chorar. Com os dedos tremendo, consigo responder à
mensagem dele.

Vou te entregar. Me dê mais algum tempo para pegá-lo no


local em que está guardado sem que eles saibam.

Clico em enviar e espero. Só se passa um minuto até eu ter uma resposta.

Já fui paciente demais com você, Giovanna. Dez dias e nada além disso. Se vencer mais
esse prazo, vou enviar a cabeça de Giane para sua casa pelos correios.

Levo as mãos ao teclado uma porção de vezes, pensando no que digitar em resposta. Inspiro
fundo, fecho os olhos e consigo responder um “Terá o que quer”. Contudo, a mensagem volta, como
se o endereço eletrônico não existisse. Fico encarando a tela do meu notebook por um minuto inteiro,
tentando reenviar a mensagem, mas ela sempre volta por não existir um destinatário eletrônico
válido.
Nikolai já desativou o e-mail.
Pulo da cama quando a porta do quarto se abre de repente. Fecho a tela do computador e
levanto os olhos para encontrar um Ettore dentro de um terno bem alinhado, cabelos bagunçados e
olhar hesitante. Olha só quem resolveu aparecer.
— Quer o seu quarto de volta? — pergunto, levantando-me da cama. Caminho até o closet
dele e analiso minhas roupas em meio às suas.
A verdade é que nem sei por que não voltei para minha suíte assim que notei que ele se
distanciou de mim outra vez. Talvez tenha sido a esperança idiota de senti-lo sorrateiro no meio da
noite se deitando sob as cobertas, talvez tenha sido o perfume dele impregnado nos lençóis e em cada
canto do cômodo — até mesmo no banheiro, infestado de aroma de perfume amadeirado e hidratante
para barba —, talvez tenha sido minha vontade de ocupar seu espaço e sua vida de uma forma que
nunca senti antes.
Começo a tirar as peças distribuídas nos nichos, jogando-as em meus braços com puro ódio.
Quem esse cretino pensa que é? Acha que pode agir dessa forma comigo? Uma hora demonstra toda
preocupação do mundo e me acalenta, cuida de mim, fazendo-me me sentir importante e querida; e no
outro momento some por dias e me evita, não fala comigo, agindo como se eu fosse insignificante na
porra da sua vida. Nem percebo que as lágrimas descem sem cerimônia pelo meu rosto, embaçando
minha visão, e que choro compulsivamente, de soluçar.
Tiro tudo do primeiro nicho e quando me viro para avançar para o próximo e arrancar minhas
roupas daqui, esbarro no seu corpo forte. Tento passar por ele, mas Ettore não deixa e bloqueia meu
caminho. Ele pega as roupas das minhas mãos e as atira para longe. Tento esmurrar seu peito, mas
sou impedida pelas suas mãos rodeando meus punhos.
— O que quer comigo, Ettore? — grito, esforçando-me para soltar da sua pegada e esmurrá-
lo com todas as minhas forças. — O que quer de mim?
— Por que está nesse estado? — Sua voz está grave e rouca. O desgraçado parece realmente
preocupado comigo. — Por que está chorando assim, Giovanna?
Eu grito, libertando uma angústia de dentro de mim que há dias vem me consumindo. Não
aguento mais guardar isso comigo, não aguento mais essa guerra e não aguento mais que Ettore não
saiba a verdade por trás dessa obstinação de Nikolai. Quero bater nesse maldito e dizer que estou
assim por causa dele, por causa do seu abandono no momento que mais precisei de apoio,
principalmente depois de ter demonstrado um pouco de afeto e fugido logo em seguida. Não digo
nada porque não sei se meu estado atual é por causa disso ou por causa da mensagem de Pushkin,
fazendo-me lembrar que Romeo e Marelyn estão mortos por minha causa.
— Giovanna — tenta de novo, mas consigo me soltar dele e corro para o banheiro.
Fecho a porta, mas não a tranco porque quero que ele venha atrás de mim como veio da
última vez em que chorei em um banheiro. Arranco toda minha roupa e entro debaixo do chuveiro,
acionando o jato quente de água. Soluço mais forte, mais alto, as dores se misturando. O luto por
meus pais, a indiferença dele. Por que a indiferença dele me machuca agora se nunca machucou
antes?
A porta abre e fecha e dessa vez, ergo os olhos para vê-lo aqui dentro. Ele me encara
enquanto tira a roupa, deixando apenas a cueca boxer azul-marinho. Dou um passo atrás, encostando-
me à parede de ladrilhos, quando ele adentra o box e me encara, apoiando o braço acima da minha
cabeça. Um pouco mais calma, consigo sustentar seu olhar sem parecer uma garotinha indefesa.
— Vai me contar o que te deixou nesse estado? — pergunta de novo.
— Ainda estou de luto, sabia? Por que você sumiu?
Ele baixa os olhos por algum tempo, em silêncio. A resposta está tão óbvia. Esse homem é
orgulhoso demais para admitir qualquer sentimento por mim. Talvez até venha com o discursinho de
que não vai voltar mais a me tocar, que nosso beijo foi um erro ou qualquer coisa assim. Mas, penso,
reconsiderando, se for isso mesmo, por que ele estaria aqui agora?
— Porque sou teimoso. Porque ainda estou resistindo a tudo isso, resistindo ao que começo a
sentir por você.
Sua sinceridade me pega de surpresa. Não esperava de verdade que fosse admitir esse tipo
de coisa. Também não esperava que meu coração fosse dar uma batida a menos frente sua confissão,
frente à perspectiva de que esse homem comece a nutrir qualquer tipo de sentimento por mim.
— Por quê? — sussurro de volta, concentrada na sua boca.
Se eu tentar beijá-lo, Ettore retribui ou me afasta?
— Estamos em guerra e Nikolai está decidido a me atingir usando você. Não sei se suporto te
perder, Giovanna.
Ergo meus olhos aos seus de novo e pisco um par de vezes, tentando digerir sua declaração.
Algo se remexe no fundo do meu estômago. Estou prestes a dizer alguma coisa, mas, de repente, ele
me cala. Seus lábios cobrem os meus com urgência, em um ato que denota desespero, saudade,
desejo e paixão. Ettore me prensa mais contra a parede e eu gemo, quase de forma involuntária.
— Porra — solta, beliscando meu lábio inferior, esfregando sua ereção em mim. — Porra,
Giovanna. Não geme assim.
Abro a boca de novo, na intenção de dizer para ele, então, não me pegar dessa maneira, não
me beijar gostoso assim e não se esfregar desse jeito em mim, mas o desgraçado aproveita e me beija
de novo, mais forte, mais rude, mais possessivo, mais exigente. É tão patético a forma como me
entrego com facilidade e derreto sob seu toque, mas a combustão que ele me causa e o fogo que
desperta no vão das minhas pernas são difíceis demais de ignorar.
Agarro nos seus cabelos pretos ao mesmo tempo em que ele crava os dedos nas minas coxas.
Procurando um ponto de apoio, ele me impulsiona para cima. Minhas pernas abraçam sua cintura, e
meu marido me esmaga mais contra a parede. Sua barba molhada roça minha pele à medida que ele
vai migrando sua boca para outras partes da minha pele. Pescoço, colo, ombros. Sustentando-me
contra a parede, Ettore solta minha coxa e usa as mãos para acariciar meus seios, aplicando uma
pressão deliciosamente dolorida. Tento me mover sob seu corpo, buscando sua ereção potente que
desponta contra minha boceta. Presa assim, não consigo muita coisa. Completamente excitada e fora
de mim, estou quase implorando para que ele me coma. Uma dorzinha aguda no bico do meu peito me
faz abrir os olhos que nem notei que tinha fechado. Ao olhar para Ettore, ele está com a boca no meu
peito esquerdo, olhando para mim enquanto me mama gostoso.
— Ah-ah-ah.
Fecho os dedos com mais força nos seus cabelos, descarregando a eletricidade que percorre
todo meu corpo. Ettore troca de peito, chupando agora o direito com a mesma veneração e a mesma
dedicação que deu ao anterior. Ele cumpre sua missão, sem nunca desviar os olhos azuis cheio de
luxúria dos meus.
— Ettore… — gemo, contorcendo-me debaixo dele, não suportando mais esse toque lascivo.
Preciso que ele entre em mim.
Em resposta, ele geme de volta, quase como se fosse um resmungo. Sua boca volta para a
minha, em um beijo profundo e severo. Quando uma mão vai para trás do meu pescoço, a outra
desliza até minha coxa e ele finca o dedo na minha carne macia. Empurrando seu quadril de encontro
ao meu e roçando o pau duro contra mim, sussurra:
— Estou louco pra comer sua boceta.
Não consigo responder de imediato. Apenas aprecio o vaivém preguiçoso da sua pélvis
contra a minha e o modo como meu marido acaricia meu rosto com o seu — um resvalar leve e suave
— e, em seguida, mordisca a ponta da minha orelha.
— Come.
Ettore suspira pesadamente, escondendo o rosto na curva do meu pescoço. Sinto sua língua
ali, dedicada, experiente e deliciosa.
— Giovanna… — Sua voz sai trêmula, um pouco estrangulada, junto da respiração irregular.
— Você não tem ideia do tesão que estou sentindo. — Ele se afasta e me olha através da água que cai
entre nós dois. — Se eu começar, sei que vou querer te surrar com toda força.
Outro gemido involuntário escapa de mim e minhas paredes vaginais contraem frente suas
palavras.
— Era para me assustar? — sussurro de volta, esfregando-me nele. — Por que isso me
deixou com mais vontade de me arreganhar pra você.
As narinas dele inflam; a respiração falha, entrecortada. Aqui, tão pertinho dos seus olhos,
vejo as pupilas ganharem tamanho e ficarem mais escuras.
— Não quero te machucar — diz, massageando meu peito. — Se eu estiver indo forte demais,
me avisa, e eu paro.
Tudo que sou capaz de fazer é acenar desesperadamente e procurar de novo sua ereção.
Ettore me desce do seu colo, mantendo-me encostada à parede. A expectativa cresce dentro de mim e
cada vez mais sinto minha vagina contraindo e implorando. Ele não faz nada pelos próximos
segundos a não ser me olhar de cima a baixo, quase me comendo com seus olhos. Faço o mesmo,
analisando seu corpo. Não é a primeira vez, mas agora posso tocar e ver mais de perto. E é o que
faço. Deslizo meus dedos pelo seu abdômen, seguindo a trilha fina de pelos até o cós da sua cueca.
Enrosco meus dedos ali e paro. Ergo os olhos, e Ettore está me olhando de volta, segurando a
respiração. Sorrio um pouco e continuo o percurso, invadindo sua cueca e segurando seu pau
majestoso.
Ele geme assim que nossas peles entram em contato. Rodeio-o com meus dedos, testando a
circunferência, o tamanho e sua pele macia. Mordo o lábio inferior, nosso contato visual ainda
permanece, e brinco com seu pau, subindo e descendo, enroscando os dedos na sua glande, enchendo
a palma com suas bolas. Demoram apenas dez segundos até sua respiração estar arrítmica.
— Será que cabe? — pergunto, bombeando-o devagar.
O homem inspira fundo e fecha os olhos por um segundo.
— Se Deus fez é porque cabe.
Dou uma risadinha e fico séria de novo. Baixo sua cueca, e a ereção dele salta para fora,
majestosa. Estou a meio caminho de me ajoelhar e tentar abocanhá-lo — minha boca chega a salivar
com a ideia —, mas Ettore não deixa. Ele me traz para cima de novo e, dessa vez, é sua mão máscula
que invade minha calcinha.
Um gritinho de prazer escapa de mim quando seu polegar aciona meu clitóris. Jogo a cabeça
para trás, sentindo-o me invadir devagar. Começa com um roçar de leve nos lábios vaginais antes de
ele inserir o indicador lentamente em mim. A penetração dura só um instante, então ele tira e
preenche sua mão com minha vagina, o que é tão gostoso quanto.
— Porra de boceta gostosa — resmunga. — Nem fodi ainda, mas não tenho dúvida de que é
gostosa.
— Fode logo, Ettore.
Meu marido desliga o registro do chuveiro e puxa uma toalha. Sem entender nada, eu o
assisto me enrolar no pano e depois enrolar outra na sua cintura. Ettore me puxa para fora do box e
me leva até o quarto, jogando-me sobre a cama e me secando dolorosamente lento. Já entendi o que
está fazendo. Eu o provoquei vezes demais, e agora o desgraçado está apenas se vingando. Afundo no
colchão e me obrigo a respirar normalmente outra vez, enquanto ele passa o tecido pelo meu corpo.
Cada maldito toque dele desperta todos os meus nervos e sentidos e me faz ficar molhada.
Quando menos espero, ele está sobre mim, entre minhas pernas, seu pau cutucando minha
entrada. Ettore junta minhas mãos acima da minha cabeça e me toma em um beijo calmo. Sua mão
direita desce pelo meu corpo, em um toque quente e lascivo, até alcançar minha intimidade outra vez.
Ele fica aqui por um tempo, brincando com meu clitóris e os lábios íntimos enquanto me beija.
— Tudo isso — diz, colocando um dedo dentro de mim e com um sussurro que manda um
choque para o vão das minhas pernas — é pra receber meu pau? — Ele traz seu indicador de volta,
lubrificado com meus fluidos, e o coloca na minha boca, para que eu sinta meu próprio gosto.
Chupo seu indicador, contorcendo-me debaixo dele. Quanto mais essa tortura vai durar?
Como se para dar uma resposta, Ettore desliza para baixo e abre mais minhas pernas, jogando-as
sobre seus ombros. Antecipando o que vai fazer, eu seguro um gemido estrangulado e o agarro pelo
cabelo.
— Quero sentir o gosto da sua boceta.
De repente, sua boca inteira está ali, sugando-me como se fosse uma fruta afrodisíaca. Aperto
minhas pernas contra suas têmporas enquanto ele toma tudo de mim para si. Rebolo no seu rosto e me
agarro aos lençóis em uma tentativa inútil de aguentar a corrente de prazer que corta meu corpo de
ponta a ponta. Ele é dedicado e talentoso, lambendo e chupando com uma sucção perfeita e deliciosa,
agarrando-me pelas coxas para manter minha vagina na sua boca. A ponta da língua por vezes brinca
de me penetrar ou de bolinar meu feixe de nervos. Quando ele cobre minha vagina por inteira com
sua boca e suga, eu paro de resistir e deixo o orgasmo vir. Gozo na boca dele, remexendo
desesperadamente os quadris nos seus lábios. Ettore me acalma com mais algumas lambidas antes de
inserir o dedo novamente em mim, como se quisesse constatar alguma coisa, e então diz:
— Molhadinha. Pronta para engolir meu pau. — Deitando-se sobre mim, ele me beija e
encaixa a cabeça do pênis na minha entrada, seus olhos nos meus. — Vou comer sua bocetinha
gostosa agora.
Sorrio, sentindo-me vitoriosa. Eu disse que ia tê-lo dentro de mim.
— Come. Mas come gostoso.
O homem trinca o maxilar e começa a me penetrar, sem tirar os olhos de mim, bem devagar.
Tomando-me centímetro por centímetro.
— Porra de boceta apertada — gemo e escondo o rosto contra o pescoço dela.
Giovanna joga suas pernas ao redor da minha cintura, em um ângulo que facilita eu ir mais
fundo, e escorrega as unhas pelas minhas costas, gemendo baixinho contra minha pele. Seguro a
vontade de socar impiedosamente nela e continuo indo devagar para não a machucar. Ela está muito
úmida, o que possibilita que eu a penetre com facilidade. Forço meu pau lentamente para dentro dela,
e o hímen resiste um pouco mais até se romper. Um gemido involuntário escapa de mim nesse
momento e paro de me movimentar. Busco pela minha esposa, encontrando seus olhos verdes.
— Continua.
Fecho minha mão direita na sua e encaro meus dedos apertando os seus quando volto a me
mexer dentro dela, entrando e saindo devagar, fazendo um esforço sobre-humano para não a foder
com toda força. Essa garota me atiçou e me provocou demais. Estou com o juízo comprometido por
causa disso. Não quero sexo lento. Quero meter forte, rápido e de forma selvagem na boceta dela.
Por ora, tenho que ser cauteloso. Por isso, trato de me concentrar nas nossas mãos unidas ao passo
que sinto suas paredes se contraírem ao redor do meu pau. Ela aperta minha mão e o gesto me parece
tão… bom.
— Olha pra mim — comanda.
Obedeço em um segundo. Giovanna me puxa para si, beijando minha boca. Eu aspiro e arfo,
retribuindo e acompanhando o ritmo dela, que é desesperado, mas também é lento. Aperto mais
nossas mãos e, com a que está livre, tateio seu corpo, tocando cada centímetro de pele nua que
encontro no caminho. Quero senti-la sem perder nada porque já perdi mais em um ano e nove meses.
As pontas dos meus dedos escorregam pela lateral do seu corpo e afundam na sua coxa; depois,
voltam pelo mesmo caminho, amaciando os seios, até subir mais alguns centímetros e encontrar seu
rosto bonito, mechas de cabelo grudadas na sua pele que começa a transpirar. Sem deixar sua boca,
tiro fios loiros do seu rosto e fito seus olhos. Um calor diferente vai se apossando de mim durante
esse contato visual, mas não sei explicar o que ou por que acontece.
Escondo o rosto contra a curva do seu pescoço e pego na sua coxa à minha esquerda,
afundando ainda os dedos na sua carne macia, o orgasmo se formando a partir das minhas bolas. Ela
é tão quente, apertada, úmida e gostosa. Sem que eu perceba, começo a me perder nela, nas curvas do
seu corpo, nos seus lábios que me tomam com desespero, nas suas unhas que fincam nas minhas
costas e em cada expressão que faz conforme me enfio nela — os olhos fechados, a boca entreaberta,
a cabeça jogada para trás. Todo esse conjunto é a porra da minha perdição e não sou mais capaz de
me segurar.
— Vou encher sua boceta de porra — aviso, trincando os dentes porque preciso aguentar mais
um pouco. — Mas não antes de você ter o seu orgasmo. Consegue gozar ou…? — Deixo a frase no
ar, mas sei que ela entende.
Comi virgens o suficiente pra saber que muita mulher não goza na primeira vez, que primeiras
vezes são terríveis, dolorosas e pouco prazerosas. Giovanna, mesmo nunca tendo trepado até
segundos atrás, não é como a maioria delas. Aprendeu a conhecer o próprio corpo, descobriu sobre
si mesma e sobre se dar prazer. É experiente e sabe como gozar e como reconhecer que teve um
orgasmo. Ela acena positivamente e apenas pede para trocar de posição. Minha esposa se debruça
sobre a cama e empina a bunda na minha direção. Acaricio sua pele branca, apertando-a e dando
tapinhas.
— Gosta de foder meu juízo, não é? — sussurro, distribuindo todo meu peso corporal nos
meus braços e me encaixando na sua entrada. — Como espera que eu não esfole sua boceta
empinando essa bunda assim? Estou tendo que ter muito autocontrole.
Ela gira o rosto um pouco para mim conforme a penetro.
— Se controle e prometo que em breve vai poder me comer com força.
Ofego diante sua promessa. Escorrego lentamente para dentro dela outra vez. É tão
maravilhoso e incrível quanto segundos atrás. Sua umidade perfeita, seu canal estreito me rodeando,
o modo como ela contrai os músculos vaginais e me aperta.
— Vai dar essa boceta pra mim até se acostumar com meu pau — murmuro no seu ouvido,
indo fundo e devagar. Giovanna geme alto e aperta o dedo contra os lençóis. — Quando estiver
acostumada, vou te foder forte e sem dó, em todas as posições que eu conseguir imaginar.
— Ettore — ela choraminga, subindo e descendo a bunda ao mesmo tempo que soco nela.
Olho um pouco para abaixo, e a visão da sua pélvis batendo na minha, do meu pau entrando e saindo
dela, é deliciosa. — Ettore…!
Meu nome assim, entre seus gemidos, deixa-me mais duro do que pensei ser possível. Separo
mais suas pernas, deixando-a bem aberta, e experimento aumentar o meu ritmo, ela ainda rebolando
no meu pau.
— Sei o que disse um tempo atrás — murmuro, forçando levemente seu rosto contra o
colchão, arremetendo-me para dentro dela um pouco mais rápido porque noto que está aguentando.
Faço-a parar de subir e descer porque preciso ter o controle agora. — Mas retiro tudo, Giovanna.
Você me ouviu? Essa boceta tem dono, e o dono sou eu.
Ela estremece, lamuriosa, excitada, fora de si, e esconde o rosto entre os travesseiros. Seus
gemidos agora mais escandalosos e descontrolados saem abafados.
— Essa boceta é minha. Entendeu? — reitero, apertando com força sua bunda branca e macia.
— Me diz de quem é essa boceta gostosa! — Ao exigir, eu afundo mais nela.
Minha mulher grita, contorcendo o corpo e tornando a subir e descer os quadris contra minha
pélvis, à procura do seu próprio prazer.
— É sua! — grita, apertando o lençol entre os dedos. — Essa boceta é sua! Eu estou… estou
gozando! Aaaaaah!
Sua explosão de prazer é acompanhada pela minha. Eu gozo dentro dela, forte e gostoso, entre
gemidos altos e roucos. Nossos corpos viram uma confusão durante os dez segundos seguintes de
orgasmo. Peles suadas, gritos de prazer, respirações ofegantes, ritmo desacelerando pouco a pouco,
pernas e braços entrelaçados, confusos.
Rolo de cima dela e me deito ao seu lado e tento recuperar meus batimentos cardíacos. Ela
continua na mesma posição, de olhos fechados, respirando com dificuldade. Admiro-a por um
instante, analisando seus traços bonitos, a serenidade e felicidade no rosto belo — cara de mulher
feliz porque foi bem comida —, seus cabelos desgrenhados. Quando estico a mão e acaricio sua
bochecha, ela abre seus olhos verdes para mim e me fita por um longo instante, sem dizer nada.
— Sua boceta tem dono — sussurro de novo, sério, impassível, sem tirar minha atenção dela.
— Mas não pense que quero só essa parte do seu corpo. — Puxo-a pela nuca para mais perto de
mim. — Quero tudo, incluindo você.
Não a deixo responder. Tomo seus lábios nos meus, devagar, saboreando cada segundo que a
boca dela está na minha. Eu decidi parar de negar que estou completamente subjugado por Giovanna.
Não sei se é amor, se é paixão, se é apenas tesão, mas sei que sinto alguma coisa e não vou deixar
para descobrir o que é só quando a perder.
— Você é minha.
Ela abre um sorriso preguiçoso e se acomoda no meu tórax.
— Eu sou.
Um segundo depois, ela cai no sono.

Levanto-me do seu lado cautelosamente para não a despertar e vou para o banheiro. Tomo
outro banho rápido e me visto, optando apenas por uma calça de moletom. No quarto, velo por algum
tempo o seu sono. Sentado na beira da cama, puxo um lençol e a cubro. Acaricio seu rosto, tentando
entender o que sinto por essa menina. Por quase dois anos, eu resisti. No começo, não foi difícil
aguentar e evitá-la. Depois, aos poucos, durante nossa superficial convivência, ela foi me invadindo,
contaminando-me, entrando no meu sistema, tomando posse dos meus pensamentos. Sufoquei
qualquer indício de sentimento e emoção porque não queria me permitir sentir esse tipo de atração
por outra mulher, não quando meu luto ainda era tão recente.
Giovanna, entretanto, começou a abalar mais fortemente minhas estruturas e a invadir mais
incisivamente meu sistema desde nossa viagem à Rússia e depois com sua promessa de me seduzir,
de conseguir me fazer me enfiar entre suas pernas. Ela foi decidida, e resisti o tanto quanto foi
possível. Vê-la vulnerável por causa da morte dos pais me fez quebrar minha promessa, deixando
que parte do restante das minhas barreiras ruísse. A partir do momento em que a peguei nos meus
braços, eu me dei conta que não conseguiria mais suportar ficar longe dela, não conseguiria manter a
promessa de não a tocar. Aproveitei cada oportunidade para sentir sua pele debaixo dos meus dedos.
Ainda criando alguma resistência — mais para me proteger do que por qualquer outro motivo —, o
que restava dos meus muros caiu de vez quando a beijei.
Em casa, coloquei na balança tudo o que estava sentindo e decidi que reergueria meus muros.
Não podia deixá-la entrar, não podia permitir que o que estivesse cultivando por ela se intensificasse
mais. O perigo a rondando e a iminência de que poderia perdê-la me fizeram tomar essa decisão
teimosa e estúpida. Tornei a ser frio e a evitá-la, mas nada que tenha durado muito. Em cada maldito
segundo desses poucos dias, senti falta dela, de compartilhar a cama com ela. Entendi que não era
mais capaz de reerguer minhas barreiras. Giovanna tinha abalado minhas estruturas a tal ponto que
meus muros não seriam mais tão fortes. Eu perdi a batalha, e ela venceu a guerra. Decidido a não
resistir mais nem negar de que estou irremediavelmente apaixonado pela minha esposa, vim procurá-
la.
Deixo um beijo no seu rosto e desço até a cozinha. Antes de subir para chamá-la, arrumei a
mesa do jantar enquanto planejava cozinhar algo para o jantar, talvez uma das receitas de lasanha da
família, mas decidi comer a sobremesa antes do prato principal. Sob a bancada, meu telefone está
vibrando. Apresso-me até o aparelho e atendo.
— Preciso de uma linha segura — Enrico diz.
— Me dê um minuto. — Encerro a ligação, desligo o aparelho e pego um telefone descartável
dentro de um armário da cozinha. Espero-o iniciar enquanto aciono um bloqueador para que não seja
possível interceptar a conversa ou gravá-las, caso haja eventuais escutas pela casa. Com tudo pronto,
disco para um número que meu irmão me passou mais cedo, que também é de uma linha nova e
segura. — Não me diz que temos problemas. — Sento-me em uma das banquetas e suspiro quando
ele atende.
Enrico dá uma risada baixa.
— Por enquanto, não. Darko e Skender querem uma reunião. Sabe que ainda temos russos
resistindo e precisamos de um plano para lidarmos com eles antes que se proliferem.
— Tudo bem. Já temos um local de encontro?
— Sua casa.
Franzo o cenho. Minha casa?
— Não acha imprudente…?
— Escuta, os malditos podem estar mais espertos, esperando que todos nós nos reunamos.
Seria imprudente fazermos o que eles esperam. — Acomodo-me na minha banqueta, tentando
entender o raciocínio de Enrico. — Por isso, você vai dar uma pequena festa. Inventa que é
aniversário da Giovanna. Então, vai contratar um buffet e essas coisas para a comemoração.
Aceno em positivo, embora ele não possa ver, porque já entendi onde quer chegar. A intenção
deles é vir aqui em casa como se fossem algum dos funcionários do buffet.
— Entendi.
— Ótimo. Organize tudo.
Quando Enrico desliga, eu tiro o chip do telefone e jogo fora, junto com o aparelho, depois de
lhe dar algumas pancadas com o martelo de carnes, e desabilito os bloqueadores. Religo meu celular
principal e confiro as horas. Pouco para as nove da noite. Cozinhar pode demorar demais; por isso,
comunico-me com a portaria e repasso um pedido. Enquanto espero pela comida, arrumo uma
bandeja com os pratos e guardanapos. A refeição não demora a chegar — cerca de meia hora depois
—, e a distribuo nos recipientes antes de subir para o quarto.
Eu a encontro acordada sobre a cama e de cabelos molhados — indicando que saiu do banho
—, enrolada em um roupão. Ela engatinha até mim rapidamente, como se farejando o ar.
— Pad Thai?
Apoio a bandeja na cama, ao seu lado.
— Uhum. Pedi para o jantar.
— É meu prato favorito! — Giovanna se senta, cruzando as pernas enquanto entrego um prato
e os hashis para ela.
— Eu sei, foi por isso que pedi. — Sento-me ao seu lado, puxando minha refeição e os
palitinhos de madeira. Ela me olha em silêncio, como se não me reconhecesse, e eu a olho de volta,
rindo um pouquinho. — O que foi? Por que essa cara?
— Acabou de dizer que sabe que Pad Thai é minha comida favorita.
Enrolo um pouco do macarrão frito nos hashis.
— Na verdade — digo, levando a comida à boca —, comida tailandesa em geral é sua
favorita, mas você come Pad Thai com mais frequência. O de camarão principalmente. — Aponto
para sua refeição que é feita com o crustáceo que acabei de mencionar. — Espero que tenha acertado
no pedido.
— Como pode saber disso? — inquire e, por fim, começa a comer.
Dou de ombros.
— No faturamento das compras da casa sempre tem comida tailandesa.
Ela ri e puxa meu rosto, apertando as minhas bochechas. Quase me engasgo por causa disso, o
que a faz rir um pouco mais.
— Então, você andava me observando, hein?
Enrolo outra porção do meu Pad Thai, feito com tofu, e levo em sua direção. Giovanna abre a
boca e suga os fios de macarrão, sem tirar os olhos de mim.
— Eu observava as contas, Giovanna. Sempre tinha um valor considerável de compras em
comida tailandesa. Não precisa ter um cérebro inteiro para entender que quem consumia era você.
Minha mulher abre um sorriso pequeno, olhando-me de um jeito um pouco diferente, e volta a
comer. Mastigo minha comida em silêncio por uns dois segundos, optando por jogar um pouco de
molho picante, antes de perguntar:
— Você está bem? — pergunto. Engulo um pedaço de um vegetal qualquer e mordo um
pedaço de tofu em seguida. — Digo, não está doendo, nem nada? Acho que nem sangrou.
— Estou bem. — Tem um sorriso enorme nela. A desgraçada sabe que conseguiu me seduzir.
Giovanna prometeu e cumpriu. — Ajudou muito ter me deixado bem molhadinha e confortável para o
momento.
Um nó se forma na minha garganta. Sinto o pau dar uma pulsada, porque o modo como ela diz
molhadinha não é inocente. É lascivo e safado. O sorriso nela vai desaparecendo aos poucos, dando
lugar a um semblante mais abatido e triste. Estranho sua postura e tento contato visual, mas minha
esposa não me olha e continua brincando com seu macarrão.
— Não vou sumir de novo — digo, e ela se volta para mim. — Já nadei demais contra a
correnteza. Se me quiser, eu quero você.
Giovanna molha o lábio inferior, pensativa, e eu fico na expectativa. Estou ciente de que pisei
na bola o suficiente com ela e posso simplesmente ser dispensado. Sua promessa era clara: ter-me
dentro dela. Agora que conseguiu, não sei se vai voltar a pouco se foder para mim ou se vai aceitar
levarmos essa relação adiante, como um…
… casal.
Pisco um par vezes, pensando na palavra e pensando na minha disposição em fazer esse
relacionamento funcionar. Eu a quero e não vou mais fugir disso. Só espero que o desejo seja
recíproco.
— Podemos não pensar nisso agora? — Sua declaração é como uma facada no meu peito e
me causa uma dor confusa.
Tento lhe dar um sorriso de compreensão e volto a comer. Quando terminamos, junto toda a
louça e levo para a cozinha. Fico um tempo sozinho, apoiado contra a pia e a cabeça baixa. De
repente, sinto seus braços pequenos rodeando meu tórax, sua cabeça contra minhas costas.
— Está irritado comigo?
Eu me viro, e Giovanna aproveita para se encaixar no meu abraço. Não hesito em contornar
sua cintura.
— Por que estaria irritado com você?
Ela me olha atentamente por alguns segundos. Sei que seu questionamento está relacionado ao
fato de não ter me dado uma resposta satisfatória sobre como nós vamos ficar. Mas, de verdade,
apesar de incomodado com isso, não estou irritado. Giovanna respeitou meu espaço quando eu não a
quis, vou respeitar seu espaço se ela não me quiser, embora esteja disposto a não desistir dela.
Abaixo os olhos, um pouco assustado com meus próprios pensamentos e decisões a respeito da
minha esposa. Assusta que eu esteja apaixonado por ela tão forte a ponto de querer conquistá-la.
Assusta que eu esteja cultivando algo tão profundo e perigoso por ela. Assusta porque pensei que
nunca mais fosse sentir algo minimamente parecido, e a força com qual desejo essa garota é
avassaladora.
— Eu quero você — ela sussurra, e eu torno a olhá-la. — Mas tenho medo de lutar contra sua
mania de fugir do que sente. Ou você admite e aceita que gosta de mim em algum nível, ou vamos
continuar como sempre estivemos.
Agarro seu rosto com as duas mãos e a beijo, sereno e exigente. Ela joga os braços em torno
do meu pescoço e retribui, erguendo-se nos pés para me alcançar melhor. Cingindo sua cintura, eu a
puxo mais para mim. Por conta do impulso, trago-a para meu colo, e suas pernas me abraçam na
mesma hora. Levo-a até a mesa redonda no ambiente e fico entre suas pernas. Separo nossas bocas, e
gosto de vê-la ofegante. Afago suas bochechas ligeiramente coradas.
— Não vou mais fugir. Prometo. Fugi esse tempo todo e não adiantou nada, Giovanna. Me
apaixonei por você da mesma forma.
Ela aspira e arregala os olhos. Talvez não esperasse que eu fosse tão aberto. Devagar, ela
assente.
— Também não quero substituir a Maggie — diz, com cuidado, examinando-me. — Digo.
Não quero que me use para…
Não deixo que termine de falar. Encosto dois dedos em seus lábios e balanço a cabeça em
negativo.
— Sei que tem motivos para duvidar de mim, mas juro que nunca tentaria algo assim. Eu
jamais seria capaz de apagar Maggie da minha vida, mesmo se quisesse. O que sinto por você não
anula o que senti por ela. Levei muito tempo para compreender e aceitar isso, Giovanna, e agora
posso ser o homem que você merece ter.
Ela me puxa para outro beijo, que dura mais dois ou três segundos.
— Tem outra coisa — murmura, e eu espero que diga. Giovanna parece refletir, talvez esteja
escolhendo a melhor forma de me dizer isso. Ela molha o lábio inferior, abre e fecha a boca algumas
vezes, até que, por fim, diz: — Suas amantes… — A voz é cautelosa. — Sei que é seu direito e não
deveria me opor, mas só posso aceitar estar em um relacionamento com você se parar de se encontrar
com elas. Ao menos, parar de encontrá-las sem mim.
Minha esposa me encara com toda a expectativa, mas não demonstra nada além de altivez.
Ela está segura sobre seu pedido, com o nariz aristocrático arrebitado, em um sinal claro de
petulância, e o olhar firme em mim. Se fosse qualquer outra mulher, em qualquer outro contexto, seu
pedido seria visto como um absurdo. Qualquer outra mulher da famiglia, na verdade, jamais teria a
audácia de fazer tal exigência. Mas Giovanna não vai abaixar a cabeça para isso, não mais. Eu
também não me sinto incomodado com o que ela exige de mim, principalmente, porque deixa claro
que não devo vê-las sem ela.
— Logo depois que voltei de Blanco — sussurro, perscrutando seus olhos verdes —, tentei
dormir com uma puta qualquer.
— Tentou?
— É. Não consegui. — Ela dá uma risadinha e aperto sua coxa para que pare de rir do fato de
eu ter brochado. — Não consegui porque queria que você estivesse comigo, que estivesse me
assistindo, cheguei a desejar você sentando no meu pau. Não tentei outras vezes, mas acho que ter
uma amante agora não vai mais fazer sentido pra mim. Não se você não vai estar comigo, vendo ou
participando.
— Então… nada de amantes. Sem mim?
Abro um sorriso e mordo seu lábio inferior.
— Nada de amantes sem você.
Giovanna se agarra com força em mim e afunda seus lábios nos meus. Meu corpo se acende
na mesma hora. Desesperadamente, quero estar dentro dela. Fundo. Intenso. Forte. Tempestuoso.
Inclino-me mais sobre ela, o que a obriga a se curvar para trás, quase se deitando sobre o tampo da
mesa. Minha mão direita desce até o vão das suas pernas, afastando o tecido do roupão, e encontro
sua boceta pequena. Brinco com ela, passando os dedos pelos lábios vaginais e beliscando o clitóris.
— Quero te comer outra vez. — Ela geme contra minha boca, e suas pernas se abrem quase
que automaticamente. — Aguenta dar essa bocetinha pra mim de novo agora? — sussurro no seu
ouvido, arrastando beijos do seu rosto até o colo.
Giovanna se agarra aos meus cabelos e suspira, trêmula.
— Aguento.
Ergo os olhos na sua direção.
— Certeza? Não quero forçar seus limites e te machucar.
Testo a umidade da sua boceta e constato que ela está mais do que pronta para me receber.
Espalho sua lubrificação por toda parte íntima, deixando-a bem meladinha. Giovanna se agarra aos
meus braços, fecha os olhos e joga a cabeça para trás.
— T-tenho.
Ajeito-a sobre a mesa e separo mais suas coxas, arreganhando-a por completo. Admiro sua
boceta aberta para mim, à minha espera, e a faço apoiar os pés no tampo da mesa. Resvalo a mão
pela sua intimidade, devagar, provocante, estudando a reação do seu corpo diante meu toque.
Giovanna está gemendo baixinho, movendo a pélvis contra minhas carícias. Vez ou outra me olha,
com um semblante de súplica.
— Vou me enterrar em você até as bolas — prometo, inserindo o indicador e o médio nela.
Eu a fodo com os dedos por alguns segundos, gostando do seu melado que escorrega para minha mão
e deixa brilhosa toda sua pele ao redor da área íntima. — Mas antes, quero mamar nos seus peitos e
na sua boceta.
Eu a ouço chamar meu nome e se engasgar um pouco. Puxo-a de volta para mim e caio de
boca no seu peito direito. Sugo seu bico, sedento e excitado, enquanto meus dedos ainda estão dentro
dela, fodendo-a lentamente. Rodopio a língua no mamilo intumescido, beliscando-o com a ponta dos
dentes, e aplico uma pressão confortável no peito dela com a mão livre. O trabalho em conjunto — a
massagem no seio, minha língua no bico e os dedos dentro dela — arrancam de minha mulher
gemidos escandalosos e súplicas.
— Olha pra mim — ordeno.
Assim que ela o faz, começo a mamar o outro seio, meus olhos grudados nos dela. Repito o
mesmo procedimento de antes, sugando, lambendo, chupando e massageando — tudo isso ao mesmo
tempo em que sincronizo dois dedos fodendo sua entrada apertada.
— Ah, Ettore…!
Eu fico ainda mais duro — tanto que chega a doer — ao ouvi-la gemer meu nome. Giovanna
afunda os dedos nos meus cabelos, apertando-os em desespero, e me pede para foder gostoso.
— Deita e abra bem as pernas.
Ela atende meu comando na mesma hora. Enfio a mão por dentro da minha calça e tento
acalmar meu corpo desesperado pelo dela. Bato uma punheta rápida, vendo-a sobre a mesa,
brincando com o clitóris enquanto me espera, o peito subindo e descendo, a respiração
descompassada. Agarro suas coxas e me lambuzo na sua boceta, chupando cada centímetro dela com
vigor e determinação. Ela tenta me prender pelas têmporas, mas a mantenho exposta para mim,
alternando entre sugadas e lambidas que vão da sua entrada à ponta do seu clitóris. Sua lubrificação
está por todo meu rosto, e eu me delicio no seu gosto incrível de fêmea doida para foder. Giro minha
língua no seu feixe de nervos e seguro seu corpo quando a sinto estremecer sob mim, deleitando-me
nos seus gemidos prazerosos. Escorrego mais para baixo e enfio a língua nela, sentindo parte dos
seus músculos internos ao redor da minha língua. Sorvo sua excitação, adorando-a em meu paladar
— uma mistura agridoce e afrodisíaca — e no meu olfato. Seu gosto é incrível. Seu cheiro é
maravilhoso.
— Se concentra e goza pra mim. — Aperto seu monte de Vênus como um incentivo. — Me
fala como você quer, Giovanna. Língua? Boca? Dedos? Língua, boca e dedos?
— Língua no meu clitóris — pede, um pouco ofegante — e dedos dentro da minha boceta.
Atendo seu comando. Danço a língua no seu botão sensível, alternando entre sugadas e
lambidas mais extensas, e movo três dedos dentro dela. Minutos depois, o corpo dela se contorce de
todo lado e ela anuncia que está gozando. Assim que acalmo seu corpo, subo de volta para ela,
abaixando minha calça. Puxo-a mais para beira da mesa e me encaixo na sua boceta toda encharcada.
Escorrego devagar para dentro dela, aproveitando cada instante, sua carne quente ao redor da minha.
— Você está tão molhada que mal sinto sua boceta me apertar. — Ela me dá um sorriso
safado e me abraça pelo pescoço. Estoco fundo nela, lentamente, e seguro um gemido exagerado. —
Gostosa. — Beijo sua boca, mantendo um ritmo calmo e constante, e depois a abraço com força.
Estou me concentrando para não ultrapassar nenhum limite. Minha vontade é de virar essa
garota com o rabo pra cima e foder sem piedade, mas até que tenha se acostumado comigo, não vai
rolar. Ficamos assim algum tempo: ela na beira da mesa, eu entre suas pernas, agarrado ao seu corpo,
metendo dentro dela mais devagar, e Giovanna alternando carinhos e arranhões nas minhas costas e
puxões no meu cabelo com as pernas em volta dos meus quadris.
Deito-a na mesa de novo, mantendo suas pernas bem separadas, e tiro meu pau de dentro
dela. Pincelo a cabeça na sua entrada e brinco com seu clitóris esfregando minha glande nela. Então,
escorrego mais para baixo, até sua outra entrada que permanece intacta. Sinto seu corpo se retesar, e
Giovanna ergue o corpo um pouquinho, o bastante para me olhar. Continuo circulando meu pau na sua
bunda e a olho de volta.
— Quero foder esse rabo.
— Ettore…
— É cedo demais, eu sei disso, amor — interrompo-a. Volto a passar o pau na sua boceta,
melando-o com sua lubrificação, e retorno para a porta da sua bunda, circundando ali mais um pouco.
— Mas vou ter paciência. Você me disse que um dia ia me ter dentro de você e conseguiu. Hoje,
prometo que um dia vou comer sua bunda.
— Aaaah!
Sorrio, gostando do seu gemidinho safado e gostoso. Brinco mais um pouco ali, ao mesmo
tempo em que aciono seu botão de nervos, até decidir voltar para dentro da sua boceta molhada.
Puxo-a outra vez para mim, colando seus peitos nos meus, e beijo sua boca. O beijo acompanha o
ritmo das minhas estocadas, que continuam vagarosas, mas profundas.
— Um dia ainda vou meter o pau na sua bunda, mas até lá… — Dou uma enfiada mais
vigorosa, e Giovanna grita de prazer — vai me ver comendo o cu de outra que é pra você aprender a
foder pelo rabo.
A respiração dela fica acelerada e o corpo estremece em ondas de prazer e excitação. Ela
gostou disso. Da ideia, do palavreado, da estocada. Seus sinais são tão claros e óbvios. Emaranho
meus dedos nos seus fios loiros e a faço me olhar.
— Gostou disso? — exijo saber, dando estocadas preguiçosas agora.
— G-gostei. — Ela suspira, jogando a cabeça para trás. Então volta pra mim um segundo
depois e me prende em um beijo gostoso e suculento. — Prometo que vou aprender direitinho.
— Safada. — Sorrio e arrasto sua boca para a minha de novo, incapaz de ficar longe demais
dela. — Preciso gozar.
Eu a deito de costas na mesa e arreganho suas pernas tanto quanto consigo. Dois minutos e
estou esporrando dentro dela, não conseguindo controlar um gemido rouco e grave. Caio por cima do
seu corpo e me escondo na curva do seu pescoço, apreciando o sobe desce da sua mão macia nas
minhas costas.
Um instante depois, ela diz:
— Quando começamos nossas aulas? — sussurra e consigo sentir que ela está sorrindo.
Não evito uma gargalhada alta.
— Safada.
— Ettore?
Ao sair do banheiro, depois de um banho rápido para despertar, tenho a impressão de ver
alguém na porta do quarto, como se estivesse saindo. Aproximo-me mais e o vejo de costas, parado
sob o umbral. Um segundo mais tarde, ele se vira para mim. Meu marido está devidamente arrumado,
segurando uma bandeja de café da manhã. Estranho sua postura, porque me parecia que ele estava
prestes a fugir.
— Bom dia. — Ele se aproxima e apoia a bandeja sobre a cama. Depois, vem até mim,
agarra minha cintura e deixa um beijo rápido na minha boca. — Feliz aniversário — diz, balançando
as sobrancelhas.
Sorrio e movo a cabeça de um lado a outro. Não é exatamente meu aniversário. É mais um
pretexto para a festa que ele vai dar em casa para se reunir com o irmão e os demais. Olho para a
bandeja sobre a cama e me sento ao lado dela, pescando um morango dentro de um ramequin com
chantilly. Depois de mastigar um pedaço, olho para ele, que continua parado na minha frente, sua
atenção em mim.
— Café na cama, hein?
Inclino a cabeça um pouco para o lado, tentando compreender seu comportamento. Não estou
reclamando, mas Ettore está completamente diferente do homem frio e distante com quem me casei.
Às vezes, fico na dúvida sobre suas atitudes, se posso confiar nelas, se são sinceras ou se tem alguma
intenção por trás. Nunca esperei qualquer tipo de romantismo por parte dele e confesso que tem me
surpreendido.
— É pra você poupar esforços — responde. É claro que ele vai preferir procurar uma
resposta qualquer a admitir que fez isso para me agradar ou qualquer coisa assim. — Quero você
bem disposta depois do café. Pretendo foder sua boceta.
Prendo a respiração, vendo-o se aproximar e se inclinar sobre mim. Meu centro se contrai e
aperta, clamando por ele. Engulo o restante do morango, sem desgrudar os olhos dele.
— Não a comeu o suficiente nos últimos três dias, desde que tirou minha virgindade?
— Nunca vou ter o suficiente de você, Giovanna.
Antes que eu tenha tempo de responder, Ettore me beija, puxando-me pela nuca. Ele me
mantém presa em seu beijo robusto e gostoso, e eu não reclamo. Acho até que vou pular o desjejum e
aproveitar a disposição do meu marido.
Ele se afasta, pega um pouco de chantilly com o dedo, passa nos meus lábios e me beija de
novo. Eu já estou completamente rendida e pronta para implorar por seu membro dentro de mim
quando meu esposo se afasta, faz um afago rápido na minha bochecha e diz que precisa terminar de
resolver algumas questões da festa de hoje à noite. Ettore está alcançando a porta quando o interrogo:
— Por que estava saindo com a bandeja?
Ele para. Se não o tivesse visto saindo na furtiva, não teria recebido café na cama. O homem
se vira novamente para mim, encarando-me. Cruzo as pernas, aguardando sua resposta, e acompanho
seus olhos que me analisam.
— Fiquei na dúvida se deveria ou não te fazer um agrado.
Esperava que procurasse um monte de desculpas para explicar uma atitude tão fora do seu
feitio, mas ele foi sincero, o que me deixa um pouco surpresa. Convenhamos, admitir coisas não é o
forte do meu marido.
— Por quê?
Ele volta e se senta do meu lado, olhando para baixo um instante. Pegando na minha mão,
ergue os olhos para mim.
— Quando Maggie era viva — começa, sem desviar sua atenção de mim, as palavras saindo
cautelosas —, eu tentava agradá-la como podia. Minhas demonstrações de afeto não eram raras, mas
só aconteciam em momentos um pouco mais específicos. Quando eu queria sexo ou quando vinha da
rua. — Ele não precisa esclarecer o que “vir da rua” significa. — Toda quarta-feira, levava café na
cama pra ela. Às sextas, jantávamos fora. Durante a gravidez, evitava deixá-la estressada, o que
diminuiu nossas brigas. Fora disso, raramente mostrava afeto. Saía sem lhe dar um beijo e chegava
do mesmo jeito. Nem consigo me lembrar quando foi a última vez que disse que a amava antes de ela
morrer.
Aceno uma vez, mas não sei se compreendo aonde quer chegar com isso tudo. Sua mão aperta
mais meus dedos antes de meu esposo prosseguir.
— Quando ela morreu e passei a sentir sua falta, percebi que nunca tinha a valorizado de
verdade. Eu a amei, Giovanna. Pode pensar que não, mas amei. Fui descuidado quanto a isso porque
achava que fazia o suficiente; porque não imaginava que fosse perdê-la tão cedo; porque acreditava
que não era importante um “Eu te amo” sem motivo, sem intenções, no meio do dia; porque estava…
— O homem para, engole em seco, desvia o olhar. — Ocupado demais com minhas amantes. Não tem
um maldito dia desde então que não me arrependa por não ter sido mais dedicado.
Encaro-o em silêncio e sei que tudo o que diz é verdade. Sinto isso. Ettore não é de
desabafar, de ser sincero, mas quando o é, dá para notar que não está mentindo.
— Não quero repetir o mesmo erro com você. Quis te agradar, mas quando cheguei ao quarto,
pensei na Maggie, em como parecia injusto à sua memória o que estava prestes a fazer pra você.
Então, desisti da ideia e estava voltando para a cozinha.
Molho o lábio inferior, sem saber como reagir exatamente. Não posso apagar Margareth
Martini da vida dele, mas também não quero viver à sombra de sua primeira esposa. Ele puxa meu
queixo — só então noto que virei o pescoço para o lado —, e encaro seus olhos azuis.
— Preciso que tenha paciência comigo. Eu ainda sou uma confusão, Giovanna, mas quero
mesmo me esforçar para ser um bom marido. Vou me empenhar para não ter mais esse tipo de
pensamento, sì? Fui descuidado com Maggie e não quero ser com você. — Ele me beija, enfiando os
dedos por trás da minha nuca.
Eu retribuo, mas logo o afasto e me levanto.
— Não quero ser a sua redenção, Ettore — digo, sentindo-me um pouco amargurada. — Não
quero que seja todo carinhoso e atencioso assim porque está com a consciência pesada por conta de
Maggie e quer compensar alguma coisa, se redimir ou se sentir melhor.
Ele balança a cabeça em negativo e vem na minha direção.
— Não faço pela Maggie. Ela está morta, e nunca poderei consertar meus erros com ela.
Jamais me perdoarei por ter sido um marido de merda e não busco redenção em você, Giovanna.
Maggie era importante e fui negligente. Você é importante e não vou cometer o mesmo erro de novo.
Deixo que ele se aproxime e me tome em seus braços fortes. Não entendo por que me sinto
tão vulnerável perto dele, tão incapaz de resistir às suas investidas, por que fico tão mexida com sua
aproximação e cada mínimo gesto de afeto. Sua indiferença nunca me incomodou, e agora, sua
atenção parece ser tudo o que mais quero no mundo. Em que momento meus sentimentos por Ettore
— em um dia, éramos insignificantes um para o outro, hoje, ele é mais importante do que um dia
pensei que seria — podem ter mudado tão rapidamente? Não tenho muita certeza, mas acho que estou
apaixonada por ele.
— Tenho que me acostumar com um Ettore todo carinhoso agora?
Ele abre um sorriso gostoso contra minha boca. Sua mão desce até o vão das minhas pernas e
procura pela minha boceta. Sua carícia começa a despertar todo o meu desejo e separo mais as
coxas, dando-lhe total acesso.
— Prefere o Ettore indiferente? Que fez uma promessa idiota não te tocar porque tinha medo
de se apaixonar por você e ter de correr o risco de ficar viúvo de novo? — sussurra, colocando um
dedo dentro de mim.
— Gosto do Ettore carinhoso. Ele perdeu esse medo irracional?
Meu marido nega.
— O medo continua aqui. Só decidi que ele não vai mais me controlar, nem decidir por mim,
e porque estou mais do que disposto a matar e morrer para proteger você. — Seus olhos sobem aos
meus, seus dedos ainda me acariciando. — Não vou te perder, Giovanna. Se for preciso dar meu
sangue para isso, eu darei.
Jogo a cabeça para trás quando ele me golpeia com seus dedos, fazendo-me gemer baixinho.
— Agora, vou comer sua boceta. — Ele abre meu roupão, expondo meu corpo.
Acaricia meus peitos, quase os venerando, enquanto a outra mão brinca com meu feixe de
nervos.
— Come. Mas come gostoso.

— Já disse que vou ficar em Vegas.


Ettore revira os olhos e faz uma cara de contrariado. Ele apoia a mão na minha cintura e me
olha pelo reflexo do espelho do banheiro, onde estou terminando de me maquiar para a festa. A
música já está alta e alguns convidados já chegaram. Contudo, não estou com clima para festas. Por
mim, eu ficaria quietinha no nosso quarto, mas soube que Brooke vai estar aqui e preciso falar com
ela.
— Você é teimosa demais. Em Blanco, estaria bem mais segura, sabe disso.
Nos últimos dias, meu marido vem tentando me convencer a me isolar novamente na fazenda
em Texas. Mas não posso voltar para lá. Preciso entregar o arquivo para Nikolai se eu não quiser que
mais ninguém morra. Deveria contar para Ettore, só que vou tentar resolver isso sozinha. Talvez o
russo seja um homem de palavra e cumpra o que me prometeu tempos atrás: poupar minha vida em
troca do arquivo.
— Ficaria longe de você. — Termino de passar um batom vermelho e o guardo na minha
nécessaire sobre a bancada de mármore. — Não quero ficar longe de você.
Seus dedos cravam com certa urgência na minha carne, e seus olhos azuis ainda me fitam,
agora com um brilho de desejo cru.
— Preferia que estivesse longe, mas protegida. — Sua voz está rouca, baixa e um pouco
sombria. Seus dedos passam a dedilhar a minha lombar, subindo e descendo pelo tecido vermelho do
meu vestido. — Devemos eliminar aqueles malditos a qualquer momento e poderia voltar para cá em
segurança.
— Vou ficar — repito, mais incisiva. Curvo-me um pouco sobre a bancada para me olhar
mais de perto enquanto passo o rímel. A posição me faz empinar a bunda, e o safado aproveita para
me encoxar. — Marquei uma consulta com uma ginecologista para amanhã — menciono, chamando
sua atenção para mim.
— Aconteceu alguma coisa?
— Só quero que ela me prescreva um anticoncepcional. Isto é, se você já não tiver me
engravidado. Espero que a tabelinha tenha surtido efeito.
Ele franze o cenho.
— Por que isso agora? — pergunta, muito sério. Suas mãos rodeiam minha barriga por um
instante. — Ficaria bastante satisfeito se me desse um filho. Um dos objetivos desse casamento,
aliás, era exatamente esse: gerar um herdeiro de dois clãs.
Termino de passar o rímel e afofo meus cabelos soltos.
— Eu sei, mas precisa ser pra já? Eu mal tenho vinte e dois anos, Ettore, e acabei de perder a
virgindade. — Ergo meus olhos aos seus, mordendo a pontinha do lábio inferior. — Queria
aproveitar pra dar bastante antes de ter um bebê que vai sugar cada segundo do meu dia.
Ele ri um pouco e acena.
— Devo te lembrar que eu tenho trinta e sete anos? Se esperar muito, ficarei velho demais.
Viro-me na sua direção, ficando encaixada no seu abraço.
— Podemos pensar em um bebê para daqui a cinco anos. O que acha?
— Terei quarenta e dois — resmunga.
— Eu vou ter vinte e sete. Terei aproveitado bastante você — comento, escorregando a mão
pelo seu tórax até o vão das suas pernas. Começo a acariciar seu pau que já está duro e me divirto
com sua expressão de prazer.
— Cinco anos parece ótimo para mim — sussurra, fechando os olhos e movendo os quadris
lentamente contra minha mão. Sem que eu espere, ele me vira com brusquidão, colando seu peito nas
minhas costas. — Este vestido te deixa gostosa demais.
Sinto suas mãos na minha coxa, alisando a meia-calça sete-oitavos preta que eu uso, subindo
até minha intimidade. Ele resmunga alguma coisa quando sente a cinta-liga e me agarra com mais
força, esfregando-se na minha bunda.
— Estou viciado em você. — Ouço a fivela do seu cinto se abrindo. Separo um pouco mais
as pernas e empino a bunda na sua direção. — Acho que é o efeito colateral de ter me privado tanto
de te tocar.
Ettore pincela a ponta do pau na minha entrada depois de colocar minha calcinha de lado. Ele
me olha através do espelho com um sorriso safado e ébrio. Um instante mais tarde, seu pau está
dentro de mim, em um ritmo lento, profundo e muito gostoso. Ele geme comigo, agarrando firme
minha cintura.
— Não consigo ficar longe de você. O tempo todo quero estar dentro dessa boceta apertada e
gostosa, te fodendo forte e fundo. Você é meu vício, Giovanna.
Ele me dá uma estocada vigorosa que alcança um ponto mais longe, o que me faz dar um
gritinho. Sua mão forte corre até minha boca, impedindo-me de gemer. Ettore aumenta o ritmo e me
traz para si, encostando-me no seu tórax, mantendo a mão forte em minha boca e minha bunda
empinada. A posição permite que ele me coma gostoso e fundo, o que aumenta meu tesão. Sua mão
abafando meus gemidos também contribui para que toda a minha libido seja intensificada.
Desde que transamos pela primeira vez, Ettore está respeitando meu ritmo, mas sei que sua
vontade é de ser cruel, impiedoso e lascivo. De arrebitar minha bunda e me foder sem dó. Eu, o meu
íntimo, quero o mesmo. Sem que eu espere, ele me abaixa contra a bancada e separa mais minhas
pernas com um chute leve nas canelas.
— Você é meu vício — repete, estocando ainda mais fundo.
Agarro-me à borda do mármore, fecho os olhos e me entrego.
Completa e irremediavelmente.

Viro um gole do ponche no copo descartável enquanto ando pela casa, abrindo caminho pela
multidão. Nem sei de onde saiu essa gente toda, meu Deus! Enrico e os demais chegaram algum
tempo atrás, disfarçados de funcionários do buffet que organizou a festa. Agora, meu marido e seus
amigos estão em um escritório privativo no terceiro andar, tentando encontrar um modo de se
livrarem de vez dos russos e findar a guerra.
Ando mais um pouco pela casa, na tentativa de encontrar Brooke. Eu não a vi desde que desci
para esta festa estúpida. Pelo caminho, recebo um ou outro “Feliz aniversário” que respondo com um
aceno de cabeça e um sorriso forçado. Será que a garota realmente vem? Ettore me garantiu que sim.
Viro mais um gole do ponche, dessa vez até acabar, e deixo o copo em um canto qualquer.
Refugio-me em um canto da mansão que está menos barulhento, perto dos banheiros e do
escritório no térreo, porque estou cansada dessa barulheira. Sem nenhum clima para festa. Primeiro
porque ainda sinto o luto e a culpa sobre mim; segundo, porque estou preocupada com meu prazo
com Nikolai, que está vencendo. Só tenho mais uns sete dias para pegar o arquivo no banco e
entregá-lo.
Não sei como farei isso.
A mansão toda está reforçada com guarda-costas e câmeras de vigilância. Os soldados de
Ettore estão fazendo proteção dentro de casa, rodeando os cômodos, sempre a postos. O sistema de
segurança está mais forte, dificultando que invadam ou que eu saia sem ser notada. Pensei em
aproveitar minha consulta com a ginecologista para dar uma escapada e ir ao banco, mas não sei se
vou conseguir. Se meu marido não cismar de ir comigo, vou ter meia dúzia de brutamontes no meu
calcanhar.
Por isso, preciso falar com Brooke.
Ela é mestre em sair na furtiva e pode me ajudar.
Resolvo voltar para a festa e continuar minha saga de procurá-la. Quando estou me
aproximando da sala principal — abarrotada de gente dançando ao som do DJ contratado para a festa
—, eu a vejo vindo na direção contrária.
— Brooke! — Corro até ela e a abraço. — Que bom que você veio.
A mulher sorri e abana a mão no ar.
— Não sabia que minha vinda era tão desejada assim. — Fico encabulada porque minhas
pretensões são outras. — Vim procurar um banheiro. Os reservados para a festa estão lotados.
Pego-a pelo punho e a puxo até as escadas.
— Tem um no último andar, perto da sala de tevê. Pode usar o de lá.
O terceiro piso é o único que não está abarrotado de gente, exatamente porque é aqui que
acontece a reunião da Mahyas D’Arezzo. Eu a espero usar o lavabo e, quando está livre, puxo-a para
um dos sofás no ambiente.
— Preciso falar com você.
Brooke cruza as pernas e ergue uma sobrancelha.
— O que você aprontou dessa vez?
Coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha e cruzo as pernas também, puxando o vestido
vermelho um pouco para baixo. Ele é curto e rodadinho, decotado também, e Ettore fez uma cara
nada amigável quando notou que ficaria assim na festa. Tentou me convencer a trocar de roupa, mas
aleguei que o aniversário era meu e ia vestir o que eu quisesse. Ele prometeu que me daria um
corretivo mais tarde por ser uma esposa desobediente e, se não fosse esse assunto com Nikolai me
deixando aflita, estaria ansiosa.
— Não aprontei nada. Só… preciso da sua ajuda para sair sem ser notada. De novo.
Brooke suspira.
— Giovanna, no que está metida?
Mordo o lábio inferior, fugindo do contato visual.
— É complicado, Brooke. Não posso te contar. É para sua segurança mesmo, entende? Só o
que preciso é sair daqui e ir até o Nevada State Bank recuperar algo que deixei lá quando me ajudou
a fugir aquela vez.
Elliot me analisa por longos instantes antes de dizer:
— O que tem lá? — Abro e fecho a boca, surpresa por seu interesse e indecisa se conto ou
não a verdade, e ela prossegue: — Não perguntei antes, mas agora estou realmente preocupada com
você e com o rumo que isto pode tomar. Se é algo que pode colocar todos em risco, tenho que saber.
Remexo-me no meu lugar, decidida a contar apenas o necessário.
— É algo que Nikolai quer. Ele está atrás de mim por causa disso, não por conta de o Ettore
ter socado o Alexei até a morte.
— Giovanna!
Engulo em seco e a olho, como uma menininha que acabou de fazer uma travessura e está
arrependida.
— Ettore nem sonha com uma coisa dessas e nem pode, Brooke! Me promete que não vai
contar nada, por favor.
Ela balança a cabeça de um lado a outro, desaprovando minha decisão.
— Todos eles precisam saber do que Nikolai está atrás e como conseguiu… isso — diz,
gesticulando para mim. — Seja lá o que for.
Balanço a cabeça em negativo.
— Não. Contar para eles seria intensificar essa guerra, Brooke. Os capi, junto com Skender e
Darko, estão perto de expulsar os russos. Se eu entrego para Nikolai, ele vai parar de me perseguir.
Se conto para Ettore, tenho certeza que meu marido estourado vai querer se aproveitar para atingir
Nikolai, e aí esta guerra não vai acabar nunca.
Em um ato instintivo, eu a pego pela mão, quase suplicando.
— Isso que tem contra Nikolai, é muito grave?
Abano em positivo.
— Quem colocar as mãos nisto pode conseguir uma vantagem enorme sobre os russos.
Conhece Enrico e Ettore, Brooke. Sedentos por poder, dinheiro, influência e vingança, vão usar toda
essa informação para derrubar Pushkin. Não sem antes derramar mais sangue em uma guerra entre as
máfias.
Brooke fica um tempo em silêncio, refletindo o que eu disse.
— Se você não entregar isso para o Nikolai, o que acontece?
Suspiro.
— Eu o subestimei a primeira vez. Ele me ameaçou, prometeu que pararia de vir atrás de
mim e começaria a caçar as pessoas que amo. — Uma lágrima repentina e furtiva escapa de mim. —
E ele veio. Meus pais estão mortos por conta disso. Recentemente, recebi um e-mail dele. Havia
anexadas várias fotos da Giane. Ele prometeu que ela seria a próxima a morrer se não entregasse
para ele. Nikolai sabe onde minha cunhada está e vai atingi-la. Isso seria devastador para todos,
principalmente para o Ettore. Preciso entregar o arquivo para Nikolai urgentemente.
— Então, é um arquivo?
Confirmo.
— O Está em um cofre no meu nome, hospedado em um pen drive camuflado de colar de
esmeraldas. Pode me ajudar com isso, por favor?
Ela suspira pesadamente.
— Quanto tempo temos?
— Três dias no máximo — determino, porque preciso de ao menos mais três dias como
margem de segurança.
Brooke massageia as têmporas, exasperando. É pouco tempo para bolarmos um plano de fuga
eficiente como o anterior, e ela sabe disso.
— Me dê um tempo para pensar em alguma coisa. Entro em contato. — Brooke se levanta,
deixa um beijo no meu rosto e se ausenta.
Só espero que ela consiga pensar em alguma coisa. E rápido.
São onze e dois da noite quando meu irmão e os demais homens vão embora. Estivemos em
reunião nas últimas quatro horas e não chegamos a nada muito definitivo ou viável. Estamos sedentos
por eliminar de vez os malditos russos, mas temos que ser cautelosos. No momento, não há muito o
que possamos fazer porque desde o ataque com a carga falsa, aqueles ratos de esgoto estão mais
reclusos e espertos. Darko prometeu pensar em alguma coisa, encontrar algum ponto fraco nas áreas
que ainda pertencem aos russos e vai nos reportar em breve. Enrico fez a mesma promessa de se
empenhar para encontrar algo que possamos usar contra nossos inimigos e vamos nos comunicando
aos poucos.
Sozinho no escritório, que depois da passagem de uns quinze homens — entre chefes,
mentores, capitães e subchefes — ainda cheira a tabaco e álcool, acendo outro charuto e dou uma
tragada boa. A casa está silenciosa. A festa acabou pouco antes da nossa reunião e nem quero
imaginar a zona que deve estar nos andares abaixo. Pensando nisso e na minha esposa, apago meu
charuto e saio à sua procura. Não demoro a encontrá-la. Ela está na sala de tevê daqui do terceiro
piso, sentada no carpete, ainda vestida com seu maldito e provocante vestido vermelho e meia-calça
sete-oitavos, o ambiente escuro, iluminado apenas pela luz da tela do eletrônico. Os olhos verdes
estão fixos em uma programação qualquer da televisão, e Giovanna tem a companhia de uma taça de
vinho, chocolate e um prato com um pedaço de bolo do seu falso aniversário.
Aproximo-me e me sento ao seu lado. Com um sorriso, ela me oferece um pedaço da barra de
chocolate. Aceito e tiro uma mordida, roubando sua taça e bebendo uma dose pequena. Ela reclama e
eu rio da sua cara.
— Como foi a reunião? — pergunta, apoiando o cristal à sua esquerda, longe de mim.
Espertinha.
— Boa para clarearmos as ideias, mas… ainda não temos nada. Vamos precisar de mais uns
dias até traçarmos uma estratégia eficiente.
Ela balança a cabeça e se volta para a tevê, levando outro pedaço do chocolate aos lábios.
Um instante mais tarde, deita a cabeça no meu ombro, em um gesto que, para mim, é quase
inconsciente e inocente. E gosto disso. Gosto demais disso. Deixo um beijo suave nos seus cabelos
— e tenho a impressão de que minha esposa abre um sorriso pequeno — e assisto alguns minutos do
filme com ela.
— Como foi a festa? Você se divertiu? — Corro carinhosamente os dedos ao longo da sua
perna.
— Comi até me empanturrar. Tinha tanta coisa gostosa! — Pegando o bolo no pratinho entre
nós dois, ela tira um pedaço no garfo e leva à minha boca. — Experimenta esse bolo de falso
aniversário. Está uma delícia!
Mastigo o doce, precisando concordar. Está mesmo muito bom.
— Separei algumas coisas pra você. — Giovanna me entrega o restante do bolo, que eu como
sem desgrudar meus olhos dela. — O buffet trouxe uns docinhos super diferentes. Tem uns docinhos
franceses, italianos também, claro, não poderiam faltar. — Ela ri e emenda que guardou para mim os
meus doces italianos favoritos. — Ah, e teve até doce brasileiro, uma bolinha de chocolate com
granulado, sabe? Chamam de brigadeiro e é maravilhoso!
Abro um sorriso grande, sentindo-me emocionado com a alegria tão genuína dela e com seu
gesto. Ela se preocupou em guardar docinhos para mim. Por que estou tão afetado com algo tão
simples? Deixo o prato de bolo, agora vazio, ao meu lado e me volto para Giovanna, que continua
contando animadamente sobre como foi a festa. Elogia o DJ, a música, a decoração. Para um
aniversário falso, foi uma festa bem incrível, ao que tudo indica. Ela ainda está falando quando a
puxo para meu colo.
— Vem cá.
Giovanna ri de novo e se cala quando a beijo. É um beijo lento e molhado e aproveito muito
da sua boca. Escorrego minhas mãos até suas coxas e depois as subo por dentro do vestido, subindo-
o junto, e paro nos seus quadris, acariciando-a ali. A danada se esfrega em mim, bem devagar,
roçando seu ponto no meu pau. Gemo contra seus lábios, incendiado pela sua provocação, e bato
meus quadris contra o seu.
Meus dedos vagueiam para sua boceta e dedilham o tecido da calcinha. Coloco-a de lado e a
penetro, sentindo toda sua umidade, prontinha para me engolir. Adiciono outro dedo. Ela geme e se
contorce, mordendo meu lábio inferior. Sua boceta totalmente escorregadia por conta da lubrificação
me deixa ainda mais duro, com um desejo incontrolável de me enfiar entre as pernas dela. Estou
viciado nesta menina. Na sua boca, na sua pele, no seu toque, na sua boceta doce, quente e apertada.
Coloco a mão entre nossos corpos e abaixo o zíper da minha calça.
— Senta no meu pau. — Com a ordem, eu encaixo meu pênis na sua entrada.
Ela desce pouco a pouco, tomando-me devagar e, junto, a minha sanidade. Giovanna cavalga
lentamente, as mãos nos meus ombros, minhas mãos na sua cintura, acompanhando seu ritmo, nossas
bocas unidas, nossos gemidos em uníssono. Meu corpo entra em combustão e meus sentimentos ficam
alvoroçados. Tudo o que sinto por Giovanna me acerta em cheio e me asfixia de uma maneira que só
senti uma vez na vida.
Puxo ar para os pulmões e jogo a cabeça para trás, controlando meus batimentos cardíacos e
a vontade precoce e insana de esporrar dentro dela. Essa garota me desestabiliza por completo e não
envolve só o tesão. Tem algo muito mais profundo, mais enraizado, mais avassalador, real e
perigoso. Porra, eu a a…
Nem consigo terminar de raciocinar porque fico assustado com a minha constatação e porque
essa maldita começa a subir e descer em mim mais intensamente, flexionando os joelhos. Agarro sua
cintura com mais força e travo seus movimentos, precisando eu mesmo me movimentar dentro dela.
— Tem preferência de como gozar? — pergunto, travando o maxilar. Ela pisca um par de
vezes para mim, sem entender. Então reformulo: — Prefere gozar como? Com meu pau estocando sua
boceta ou com minha boca te chupando?
Ela abre um sorriso de deleite.
— O verdadeiro significado de tanto faz.
É tudo que preciso ouvir.
— Ótimo, porque preciso gozar. Agora. Prometo não te deixar na mão.
Giovanna rebola no meu pau, provocadora, e sorri apertando meus ombros.
— Então goza.
Firmo os dedos na sua cintura e estoco fundo nela. Travo seus movimentos e ergo os quadris
para me arremeter para dentro dela vigorosamente. Gemidos entrecortados escapam de mim quando
o orgasmo se forma e se transforma em jatos longos e quentes. Giovanna acalma meu corpo, enfiando
a mão por dentro da minha camisa e me acariciando enquanto me beija lentamente.
— Sua vez.
Com um único movimento, troco nossas posições, deitando-a no tapete, suas pernas
enroscadas nas minhas, nossas partes ainda conectadas. Tomo seus lábios em um beijo forte e desço
até sua boceta melada. Separo suas coxas e começo a chupá-la. Ela tem um gosto incrivelmente
delicioso, e seu cheiro é afrodisíaco demais. Eu me lambuzo nela, lambendo toda sua extensão,
brincando com o clitóris, sugando com vigor, por vezes penetrando-a com os dedos. Giovanna rebola
na minha cara e agarra firme nos meus cabelos. O oral nela é incrível e épico. A garota demora uns
dez minutos até gozar — e durante esse tempo, eu me dedico com afinco — e quando goza, é a coisa
mais linda que já vi. Seus gemidos, sua respiração, seu corpo trêmulo. Deito-me por cima dela,
cobrindo sua boca com a minha. Ficamos assim por um pequeno tempo, beijos leves e quentes até
nossos corações voltarem ao ritmo normal.
— Giovanna…
Ela me olha com atenção, esperando que eu termine. Vasculho seus olhos e coloco uma mexa
do seu cabelo atrás da orelha. As palavras estão aqui, na ponta da língua, mas não sei se devo dizer.
Se é o momento certo, se vai deixá-la confortável.
— O que foi?
Engulo em seco.
— Nós estamos bem, não é?
Minha esposa franze o cenho.
— Do que está falando, Ettore?
— Você e eu. Nosso casamento. Sei que antes não me importava, mas agora me importo.
Quero fazer nossa relação funcionar. Te desprezei por tanto tempo que…estou na dúvida se quer isso
tanto quanto eu quero agora.
Ela move a cabeça de um lado a outro. Com um impulso, consegue ficar por cima de mim.
Giovanna acaricia meu rosto, seus olhos nos meus, e passa o indicador no contorno da minha barba.
— Você ainda estava de luto e se viu preso a um casamento com uma mulher que nem
conhecia e não nutria absolutamente nada por ela. Entendo por que me desprezou, Ettore, de verdade.
Nunca sofri com isso porque… — Seus olhos verdes fixam em mim, e ela dá de ombros,
despreocupada. — Também não sentia nada por você. Era uma via de mão dupla. Era recíproco.
Minha esposa fica em silêncio por um segundo, e aproveito o momento para deslizar minha
mão pelo seu corpo, fazendo o percurso que fiz anteriormente: chegando até a coxa e depois subindo
por dentro do vestido.
— Quando enfiei na cabeça que ia te seduzir só pra poder fazer sexo, não esperava nada além
de apenas sexo. Só que… as coisas saíram do meu controle, Ettore. Quero fazer essa relação
funcionar tanto quanto você quer agora.
Um sorriso pequeno surge em mim, e eu levanto um centímetro as costas do chão para beijá-
la. Ela retribui, acariciando meu rosto, e nesse pequeno gesto tem todo o carinho e conforto que há
muito tempo eu não sentia. É bom e me deixa mais leve, mata um pouco dos meus demônios.
— Então, marido e mulher? — brinco, deixando um beijo no seu pescoço.
— Marido e mulher. Senhor e Senhora Martini. — Sorri, mordendo meu queixo. — E pra
comemorar. — Ela ergue o tronco, sentando no meu colo e espalmando contra meu tórax. — Acho
que podíamos brincar. Lilly está na cidade e ela gostou mesmo de você.
— Com uma condição — imponho. — Quero que participe dessa vez. Não só assista. Estou
doido pra comer vocês duas ao mesmo tempo.
A safada passa a língua nos lábios e concorda.
— Quando podemos? — pergunta.
Eu me levanto e a trago para meu colo. Giovanna ri, abraçando-me pelo pescoço e rodeando
minha cintura com as pernas. Começo a nos levar até nossa suíte, no final do corredor.
— Quando você quiser — respondo, jogando-a na cama. — Peça para Lilly providenciar uns
exames. Se vou comer duas bocetas ao mesmo tempo, não quero estar encapado.
Ela concorda e me rouba um último beijo antes de me arrastar para o banheiro e tomarmos um
banho.
Uma batida na porta me tira dos meus pensamentos e me faz erguer os olhos de alguns
documentos. Quando Giovanna atravessa a porta, vestida com uma das minhas camisas, usando meia-
calça sete-oitavos, cinta-liga, saltos, de cabelos soltos e carregando duas taças em uma mão e uma
garrafa de vinho na outra, é que me dou conta de que devo ter passado mais tempo aqui do que
deveria.
Ela entra e fecha a porta, caminhando na minha direção com aquele ar de mulher fatal. Dou
uma conferida no seu corpo e sinto meu pau pulsar dentro da cueca. Giovanna está simplesmente
linda demais. Sexy demais. Gostosa demais.
Porra, ela consegue foder meu juízo mais do que o normal.
— Você não apareceu para almoçar e está aqui a manhã toda. Achei que precisasse de uma
pausa para relaxar um pouco.
Ela apoia tudo na mesa e vem até mim. Arrasto a cadeira para trás para acomodá-la no meu
colo. Giovanna afrouxa minha gravata e abre alguns botões da minha camisa.
— Perdi a noção do tempo. — Analiso seu corpo mais um instante e franzo o cenho. —
Andou assim pela casa? — Aponto com o queixo para seus trajes. Uma das medidas que tomei
recentemente foi colocar seguranças, inclusive, dentro da mansão. Minha boca amarga só de pensar
nela desfilando por aí esse corpo gostoso que me pertence.
Um sorriso safado e divertido surge na boca dela enquanto desata o nó da minha gravata.
— Andei.
— Giovanna… — Meu tom é de advertência.
— Ethan me viu. Meu atual segurança também. — Travo o maxilar, não gostando da sua
provocação. — Montanari ficou sem graça e cobriu os olhos — diz, retirando a gravata. — Já o meu
guarda-costas… — A sugestão fica no ar e não preciso de mais para compreender que o desgraçado
a comeu com os olhos.
— Bom saber. Amanhã esse seu segurança vai aparecer morto e com as pupilas perfuradas.
Giovanna sorri e se inclina para me dar um beijo.
— Deixa o rapaz, Ettore. O que é belo deve ser apreciado.
Nego com a cabeça.
— Não quando esse belo é meu.
— Que homem possessivo.
Aperto minhas mãos contra sua cintura e a beijo, rude e forte, mostrando com cada gesto que
ela é minha e isso é incontestável. Giovanna me afasta, esfregando-se no começo da minha ereção.
Virando-se para a mesa, pega as duas taças, entregando-me uma, e nos serve com o vinho.
— Falei com Lilly hoje. Ela vai providenciar os exames. Mexi alguns pauzinhos e deve pegar
o resultado amanhã à tarde. Então, à noite… — Ela vira um gole do seu vinho, e preciso fazer o
mesmo, ansioso.
— Ótimo — sussurro. Tomo a taça de suas mãos, coloco a dela e a minha sobre a mesa outra
vez e dou atenção ao seu decote. Ela está sem sutiã, com dois botões abertos e o restante abotoado
errado, o que faz com que a barra da camisa esteja um lado mais alto que o outro. A combinação,
porém, deixa minha esposa sexy pra caralho. — Enquanto esperamos, vamos nos divertir, só eu e
você.
— Vim aqui exatamente para isso — diz em resposta. Puxando a gravata da minha camisa,
leva até meus olhos e me venda. Fico curioso com o que vai fazer, mas não protesto nem resisto às
suas investidas.
Depois que termina de amarrar o tecido nos meus olhos, Giovanna me pega pelos punhos e
me encaminha até o sofá no ambiente, acomodando-me nele e subindo no meu colo em seguida. Ela
me beija, devagar e úmido, agarrando nos meus cabelos e se esfregando em mim. Suspiro contra seus
lábios, deixando que ela conduza o momento, e deslizo minhas mãos pelo seu corpo, apalpando os
centímetros de pele que encontro pelo caminho. Preciso confessar que a sensação de estar vendado é
incrível. Minha esposa escorrega os lábios até o lóbulo da minha orelha.
— Quero te sentir na minha boca — sussurra, mordiscando minha pele. Arfo com a pulsada
violenta que sinto no pau e a aperto mais em meus dedos. — Quero te chupar até sentir sua porra
quente na minha garganta.
— Caralho, Giovanna.
Um segundo depois, ela está entre minhas pernas, abrindo o zíper da minha calça e a
abaixando até minhas canelas. Suspiro e jogo a cabeça para trás, antecipando o prazer. Ela me
acaricia por cima da cueca um segundo antes de abaixá-la e segurar minha ereção.
— Você me ensina? — pergunta, aos sussurros, masturbando-me devagar.
Aceno em positivo.
Sinto seu hálito quente se aproximando de mim e me preparo. Ela me abocanha e começa a
me chupar, um pouco devagar e hesitante, raspando os dentes na minha pele.
— Sem os dentes — instruo.
Ela atende o comando e vai até o seu limite, o que não é muito, mas, ainda assim, gostoso
demais. Giovanna espalma contra minhas coxas e continua a sucção. Vez ou outra, dou-lhe alguma
instrução, como deixar o boquete mais úmido e passar a língua na minha glande. No geral, ela faz um
bom trabalho, ora me engolindo, ora passando a língua pela minha extensão, por vezes me
masturbando enquanto me chupa ou acariciando minhas bolas.
— Está gostando? — pergunta, segurando-me com as duas mãos, subindo e descendo em um
ritmo latente e alucinante. Respondo um entrecortado e quase inaudível “muito” no instante que ela
chupa só a cabecinha e intensifica as mãos em torno do meu pau.
— Porra! Giovanna, porra!
— Na minha garganta, por favor.
Suspiro e me afundo mais no sofá, sentindo o orgasmo que começa a se formar nas minhas
bolas. Giovanna some por um segundo e quando volta, suas mãos me empurram para me deitar no
lado mais comprido do estofado. Sinto-a montando em mim, esfregando a boceta na minha cara.
Enfio a língua nela, agarrando sua bunda, e ela faz o mesmo, caindo de boca no meu pau.
Gemo com os lábios contra sua vagina e esfrego a barba entre suas pernas, retribuindo o prazer que
está me proporcionando. Inspiro seu cheiro gostoso de fêmea excitada e a chupo mais, levando um
dedo até sua bunda.
Um gemidinho gostoso escapa dela conforme estimulo esse seu ponto. Lubrifico suas pregas
com seus próprios fluidos e vou inserindo um dedo pouco a pouco. Giovanna suspira alto, sem tirar a
boca de mim, e rebola a boceta na minha cara. Ela não retrai o corpo por causa dos meus estímulos.
Pelo contrário. Parece gostar da combinação de boca no seu clitóris e dedo na sua bunda.
— Ettore…
Afundo os dedos na sua carne e me dedico mais ao seu feixe de nervos, reconhecendo o tom
que meu nome sai dos seus lábios. Ela está prestes a gozar. Endireitando-se no meu rosto, aumenta o
ritmo das suas esfregadas na minha boca. Meu dedo continua dentro dela, amaciando e laceando seu
cuzinho apertado, até que, em uma explosão, anuncia que está gozando.
Seu gosto é incrível e amo sugar e engolir cada gota do seu deleite. Chupo-a mais devagar,
acalmando seu corpo trêmulo, enquanto ela volta a mamar no meu pau. Estou viciado em Giovanna.
Quando não quero estar com ela, ou dentro dela, quero estar com a boca na sua boceta ou mamando
seus peitos. Quero sentir o sabor da sua lubrificação, dos seus beijos safados e do suor da sua pele.
Isso quando não desejo apenas que esteja entre meus braços, pele a pele, olho no olho.
— Me dá sua porra, Ettore — provoca, levando-me ao meu limite.
Leva só um instante para esporrar na sua garganta, com um gemido estrangulado e libertino.
Meu Deus, essa mulher um dia ainda vai acabar com minha saúde física e mental. Ela também me
acalma por alguns segundos antes de desmontar de cima de mim e tirar a gravata no meu rosto.
Giovanna cai sobre meu corpo, com um sorriso peralta e um olhar safado antes de me dar um selinho.
Escorro a mão pela sua lombar e deslizo o nariz pelo seu pescoço. Ficamos um tempo assim, apenas
trocando carinhos, até que minha esposa se levanta e sobe a calcinha pelas pernas — que ela deve ter
tirado enquanto eu estava vendado — e visto minha cueca e calça.
— Vai estar ocupado agora à tarde? — pergunta, arrumando os botões da camisa em suas
respectivas casas.
Coloco a gravata de volta, sem dar o nó, pensando se, exatamente agora, é uma boa hora para
dizer isso.
— Vou ao cemitério. — Estudo sua reação, mas ela apenas assente, sem qualquer resquício
de incômodo nos seus olhos. — Por quê?
— Por nada. — Giovanna dá de ombros e pega a sua taça ainda com vinho sobre minha mesa
e bebe um gole. — Se estivesse desocupado, ia sentar em você. — Rio um instante, balançando a
cabeça de um lado a outro, e me aproximo dela. ​— Tive consulta com a ginecologista pela manhã.
Ela me receitou um anticoncepcional, mas só posso começar a tomar quando descartar uma gravidez.
Sabe, por causa das vezes que gozou em mim.
Ela pega minha mão e leva até sua boceta, com um sorriso sapeca.
— Não vou me importar se estiver carregando um Martini.
— Até confirmarmos ou descartamos, vamos ser mais prudentes, tá? Lembra que, se tudo der
certo, o plano de ter um bebê é daqui cinco anos. — Ela vira a última dose do vinho e devolve a taça
à mesa.
Giovanna arruma minha gravata e deixa um selinho suave e amoroso em mim.
— Já tem as flores e o ursinho? — pergunta, erguendo os olhos aos meus.
— Ainda não.
— Vou providenciar.
Ela me dá um último beijo, pega meu celular sobre a mesa e pede o buquê e o brinquedo que
costumeiramente levo ao cemitério. Não sei o que sinto enquanto a ouço no telefone, só sei que é…
algo bom.

Um ódio descomunal e incontrolável me atinge assim que chego à lapide deles. É um


sentimento tão potente e gigantesco, que fico assustado com sua magnitude. Não é algo que eu já
tenha sentido um dia, nem mesmo pelo homem que matou minha mulher grávida, e isso acaba por
desadormecer meus demônios e originar outros piores. As flores que carrego caem das minhas mãos,
e o ursinho se parte ao meio tamanha a força que emprego nele para descarregar todo a raiva que ver
isso acarreta em mim.
Depredaram o túmulo deles. Picharam e fizeram desenhos obscenos. Mancharam a memória
de minha esposa com adjetivos infames e injustos. Alegraram-se com a morte de meu filho.
Arruinaram o gramado do túmulo, arrancaram as flores em torno dele, deixando boa parte da
sepultura na terra. A menor das injúrias é direcionada a mim — “porco imundo” — e me importo
muito pouco com isso. Caio de joelhos frente à lápide, as lágrimas tomando-me por completo, e
externo um grito cavernoso e visceral.
Se eu não fizer um buraco no chão, vou acabar ficando sem minhas unhas. A ansiedade e
nervosismo que tomam meu corpo têm nome e sobrenome. Brooke Elliot e Ettore Martini.
Aperto a chave do cofre entre meus dedos e confiro o celular a cada dois minutos, em busca
de um contato de Brooke. Ela ficou de encontrar uma maneira de me tirar daqui sem os seguranças no
meu pé, mas até agora nada. Tudo bem que mal tem quarenta e oito horas, só que estamos correndo
contra o tempo, e Nikolai já provou que é homem de palavra. Paro de caminhar de um lado para
outro no meu quarto e inspiro fundo, tratando de me acalmar. Olho para a chave em minhas mãos. Ela
ficou comigo esse tempo todo — enquanto estivemos pulando de lugar em lugar, depois quando me
fixei algumas semanas no Texas e agora aqui em casa, dentro do cofre do meu antigo quarto.
Como se não bastasse a falta de contato de Brooke, para intensificar meu nervosismo, Ettore
também sumiu. Saiu à tarde para ir ao túmulo da falecida esposa e do filho e até agora não voltou.
Alivia-me um pouco porque ele não foi desguarnecido — meia dúzia de guarda-costas o
acompanharam. Ethan ficou na casa, encarregado de manter todo o resto em ordem e em segurança,
mas nem mesmo o braço direito do meu marido quis me dizer onde o homem se meteu. E ele sabe.
Sei que sabe! Só não quis me dizer por qualquer motivo que seja.
Pela centésima vez dentro de um único minuto, confiro o celular. São dez da noite. Começo a
ficar mais do que preocupada. Será que aconteceu alguma coisa de grave com Ettore? Talvez seja por
isso que Montanari não quis me dizer nada. Talvez esteja esperando o momento certo? Expiro forte,
irritada com essa falta de notícias. Guardo a chave no fundo da minha gaveta — local provisório até
eu decidir ir ao meu antigo quarto e deixar no cofre lá — e ligo a televisão, como um modo de me
distrair e não ter um ataque de nervos.
Um segundo mais tarde, alguém bate à porta. Ethan surge quando permito que entre. Ele não
precisa dizer uma palavra sequer. Só pela expressão do seu rosto sei que Ettore apareceu e está
fisicamente bem.
— Ele está no escritório no térreo — é tudo que diz.
Saio do quarto em disparada e desço correndo as escadas. Quando chego no escritório,
encontro um Ettore completamente abatido, semblante derrotado, cabelos bagunçados, parecendo
sujos de terras, assim como o terno e a pele do rosto. Ele está atrás da mesa, com um copo de uísque
nas mãos trêmulas, cabisbaixo. Quando ergue os olhos na minha direção, eu me sinto partir ao meio.
Tem tristeza ali que não caberia em palavras. Uma tristeza que eu nunca vi nele. Uma lágrima
solitária escorre pelo rosto marcado, e ele a seca rapidamente.
Aproximo-me cautelosamente.
— O que aconteceu? — pergunto, com um sussurro baixo. — Onde esteve?
Ele funga e vira uma dose da sua bebida.
— Macularam o túmulo deles. — Prendo a respiração e uma pontada acerta meu coração. —
Encheram a lápide com ofensas e destruíram o gramado. — Ettore fecha os olhos e inspira fundo. —
Fiquei lá até agora há pouco limpando a sujeira.
Permaneço no meu lugar, sem saber como agir ou reagir, atenta apenas na postura dele. Não
sei devo me aproximar, não sei se ele quer que eu me aproxime, e não tenho ideia do que dizer. Sinto
muito? Quem fez isso? Você está bem? Toda pergunta que surge para quebrar o silêncio breve entre
nós parece estúpida em níveis estratosféricos. E a verdade é que tenho medo de deixá-lo irritado
com qualquer questionamento idiota. Porque é visível que ele não está bem e foram os russos que
aprontaram essa para cima dele — uma das coisas mais baixas e cruéis que poderiam ter feito.
Maggie e Santino estão mortos há tempos. Não mereciam ter a memória violada dessa maneira, terem
sido alvos dessa guerra sem sentido.
— Tem alguma coisa que eu possa fazer por você neste momento? — A pergunta sai
cautelosa. Foi a única coisa que surgiu em minha mente que não parecia estúpida demais.
Ele ergue os olhos na minha direção. Estão marejados. Muito. De uma maneira dolorosa e
profunda. Eu nunca o vi nesse estado. Isso parte meu coração em tantos pedaços… Por pior que esse
homem seja, ele não merecia passar por nada disso. Nem pela perda da esposa grávida, nem por essa
crueldade sem limites. Seus olhos fixam em mim por um longo tempo. Até acho que ele vai me
mandar embora, pedir para ficar sozinho e lidar com isso tudo da sua maneira esquiva e solitária.
— Acho que preciso de um abraço.
Avanço na sua direção imediatamente. Ettore afasta a cadeira para trás, e eu me sento no seu
colo. No mesmo instante, sou esmagada em seus braços, e ele enfia o rosto na curva do meu pescoço.
Abraço-o de volta, ainda sem dizer nada. Ouço um soluço escapar dele, e sinto meu coração ficar
apertado.
Ettore chora.
Como nunca o vi chorar antes.
Suspiro quando sinto que alguém atrapalha meu banho de sol. Abro os olhos e me sento
imediatamente na cadeira de praia, surpresa em vê-lo. Ettore está parado na minha frente, dentro de
um terno preto, mesmo com o calor que faz em Vegas. Sua expressão está mais suave do que ontem à
noite, quando chegou transtornado. Depois de chorar nos meus ombros, nós fomos para o quarto, ele
tomou um banho e dormiu. Não conversamos. Não transamos — e achei mesmo que ele fosse
descontar toda sua raiva em sexo —, e hoje quando acordei, às dez da manhã, ele ainda estava
dormindo. Deixei meu marido descansar porque senti que precisava disso. Almocei sozinha e depois
vim para cá, tentar relaxar um pouco porque estou ficando paranoica com a falta de comunicação de
Brooke. Vai fazer setenta e duas horas desde que ela esteve aqui. Meu tempo com Nikolai está
acabando.
— Oi — digo.
Ele se senta ao meu lado e olha para a piscina por um instante.
— Dormi demais.
— Você precisava descansar. — Afago seu braço direito. — Está melhor?
No mesmo instante, acho que foi uma pergunta idiota. Recolho meu toque, esperando que seja
estúpido, mas Ettore me puxa pelos punhos e me beija suavemente.
— Estou um pouco melhor, sim. — Meu marido fica em silêncio, atento em mim. — Obrigado
por ontem, Gi. Por ter ficado comigo.
Afundo meus dedos nos seus cabelos e abro um sorriso pequeno.
— Não tem que me agradecer. Você esteve comigo quando precisei e… — Molho o lábio
inferior. — Não é isso que um casal faz? Se apoia nas horas difíceis também?
Ettore me dá um sorriso fúnebre e assente.
— Acho que é.
— O que está havendo? — pergunto, porque noto que ele está estranho comigo.
Meu esposo move a cabeça de um lado a outro.
— Estava com medo — confessa, com um sussurro baixo.
— Medo de quê?
— Ontem, quando cheguei e me viu naquele estado por causa do que fizeram ao túmulo da
Maggie. — Ele engole em seco e me olha rapidamente. Depois, prefere atentar-se às pequenas ondas
na piscina causadas pelo vento suave. — Temi que ficasse com ciúme ou… qualquer coisa assim.
Que não gostasse de me ver chorando por causa dela.
Ajeito-me no meu lugar.
— Por que eu sentiria isso?
Ele ergue os ombros.
— Disse que não queria viver à sombra de Maggie, e aí eu apareço naquele estado… por
causa dela. — Dessa vez, ele me olha. — Não consegui me controlar, Giovanna. O modo como
depredaram o túmulo deles. Isso acabou comigo e…
Coloco dois dedos sobre seus lábios.
— Não tem que me explicar nada, homem, pelo amor de Deus. — Balanço a cabeça em
negativo. — Disse que não quero viver à sombra de Maggie, mas também sei que não posso, e nem
quero, apagar ela da sua vida. Eu jamais exigiria que não sentisse nada diante à maldade que fizeram
contra a memória dela e de Santino. — Eu pulo no seu colo, deixando uma perna de cada lado, e laço
seu pescoço. — Está tudo bem.
Ele suspira, como se estivesse aliviado, e me abraça. De repente, tenho a sensação de que ele
vai falar algo importante. É o modo como se afasta e me olha nos olhos, entreabrindo os lábios
diversas vezes. Apesar disso, nenhum som sai. Ettore apenas sorri e acena. Um segundo depois, torna
a me abraçar e sussurra alguma coisa contra minha pele, mas não compreendo direito o que é.
Entretanto, tenho a impressão de que foi um “eu te amo, porra”.

— Você gosta mais quando está vendado? — pergunto, abraçando-o por trás. Ettore está
sentado na poltrona no nosso quarto, com uma gravata amarrada nos olhos e um uísque nas mãos.
Busco por Lilly, ajoelhada entre as pernas dele, tocando-o em uma carícia sensual que sobe
até uma altura da virilha e volta. Gosto de como ela o provoca.
— Não sei dizer — ele responde, com um sussurro rouco — porque é a segunda vez que vou
experimentar assim. Gosto de surpresas, então… me surpreendam, meninas.
Deixo um beijo na curva do seu pescoço e enfio a mão por dentro da sua camisa, fazendo um
carinho no seu peitoral. Sua pele está febril, quente como o inferno, e me agrada tanto sua maciez e
temperatura. Beijo-o novamente no mesmo ponto anterior e vou deslizando os lábios por outras
partes — lóbulo, nuca, queixo — até que o faço virar um pouco o rosto para eu o beijar na boca.
Tomo o copo das suas mãos e o apoio na mesinha de cabeceira. Junto-me a Lilly, ajoelhando-
me na frente dele, e o ajudo a tirar a calça e a cueca. O homem já está incrivelmente duro. Faço um
carinho nos cabelos dela antes de levá-la até o pau de Ettore. Quando ela o abocanha — com gosto,
indo até o fundo —, meu marido solta um gemidinho gostoso demais. Levanto os olhos para ele,
estirado no seu lugar, cabeça jogada para trás, lábios entreabertos, e a imagem do seu prazer atinge
meu ponto de nervos. Sinto a boceta se contrair e lubrificar. Ele é tão lindo gemendo baixinho assim.
Volto minha atenção para Lilly, que segue com um boquete úmido e suculento. Ela também é
linda e me atrai de um jeito que ainda não tinha descoberto. Quero dizer, sempre me senti um pouco
atraída por mulheres quando assistia aos casais. Eu assistia e não desejava só ser a garota com o
cara gostoso, mas queria estar com os dois. Demorei a entender esse conflito de sentimentos. Com
Lilly, tive a liberdade de experimentar melhor este meu lado e descobri que também gosto de
meninas. Ou, ao menos, gosto dela.
— Minha vez — digo, tirando o pau de sua boca.
Coloco-o inteiro entre meus lábios e testo meus limites. Ainda não é muito, mas nada que
algum tempo de prática não resolva. Rodeio-o com as mãos e aumento minha sucção, aplicando um
sobe e desce também. Ele ofega e arfa, alto o suficiente para demonstrar que está gostando. Evito os
dentes, como me instruiu ontem, e me dedico mais a chupar sua glande e lambê-lo da base ao topo.
Procuro por Lilly e descubro que ela já tirou toda a roupa e, em pé, recebe uma chupada bem
intensa de Ettore. Agarrado na bunda dela, meu marido esfrega a barba entre suas coxas e chupa tão
gostoso que consigo ouvir os sons da sua boca na boceta dela. Fecho os olhos e levo dois dedos ao
meu clitóris, precisando um pouco disso.
— Dividam meu pau.
Lilly imediatamente volta para mim e se ajoelha. Enquanto ela chupa a glande rosada, dedico-
me a sua extensão e às bolas. Por vezes, nossos lábios se encontram e a beijo com o pênis dele entre
nossas bocas. Sem que eu espere, Ettore arranca a gravata dos olhos e nos puxa até a cama. Coloca
Lilly ajoelhada sobre o colchão e desce um tapa generoso na sua bunda, apertando a carne em
seguida. Acaricia a pele dela por um instante antes de me olhar e dizer:
— Por que ainda está de roupa, querida?
Abro um sorriso gostoso e tiro a camisa e a saia que estou vestindo. Devagar, também me
livro da calcinha e do sutiã. Ettore não tira os olhos de mim durante esse pequeno tempo e sinto que
seus olhos veneram meu corpo nu.
— Deitem por cima uma da outra, de frente para mim.
Lilly se deita de barriga para cima e eu me encaixo por cima dela. Baixo o olhar um instante,
encontrando seus olhos cheios de luxúria. Um dedo no meu queixo me faz erguer o olhar. Aos poucos,
Ettore coloca o pau na minha boca. Eu o chupo até o meu limite. A posição permite que sua extensão
e as bolas fiquem ao alcance de Lilly, que entende as intenções dele e começa a passar a língua nele
e a sugá-lo. Vez ou outra, ele tira de mim e coloca o pau na boca dela, forçando um pouco mais no
fundo.
É bom. É excitante. É erótico. E me deixa satisfeita e estranhamente realizada. Quando Ettore
se cansa dessa posição, ele se deita no colchão, chamando por nós duas. Não é difícil adivinhar suas
intenções.
Ela se senta sobre meu marido e começa um sobe e desce lento e preguiçoso. Observo a
imagem à minha frente por um instante antes de encaixar minha boceta na boca dele, em uma que
posição nos deixa de frente uma para a outra. O choque da sua língua em mim é delicioso, como
sempre é. Ele me agarra firme pelas pernas, afundando os dedos potentes na minha carne, e me
proporciona um sexo oral incrivelmente maravilhoso enquanto Lilly cavalga com toda força nele.
Ettore emite alguns suspiros e gemidos, que saem abafados. Tem algo de delicioso em vê-lo assim,
sentindo todo esse prazer, à nossa mercê. Tem algo de delicioso em dar prazer a ele. Proporcionar
prazer me dá prazer. É exatamente por isso que gosto tanto dessa nossa fantasia, da nossa dinâmica,
do nosso sexo. Isso tudo é muito mais para me satisfazer do que para satisfazê-lo. É para minha
satisfação que gosto de assisti-lo com outra garota ou de “dividi-lo”. Se isso gera satisfação para ele
também, então é consequência.
Sem que eu perceba, Ettore me puxa mais para baixo. Tenho a vaga impressão de que ele
disse alguma coisa, mas estava perdida demais na sua boca maravilhosa para conseguir assimilar
com exatidão. Lilly saiu de cima dele, dando-me espaço. Meu marido me mantém na mesma posição
em que estive sentada no seu rosto — de costas para ele —, e preciso espalmar contra o colchão,
mãos e dedos para trás, apoiando meus pés em suas coxas torneadas. Movo os quadris, sentindo-o
maravilhosa e profundamente dentro de mim. Na minha frente, Lilly amacia minha pele, acariciando-
me e me incentivando com um palavreado obsceno e excitante. Suas palmas escorregam pelo meu
corpo — travando um duelo com as de Ettore, que passeiam entre os seios e a barriga — e
intervalam carinhos no meu clitóris e nas bolas dele.
Fecho os olhos e suspiro, concentrada em reter toda a fonte de prazer e energia que eles
causam em mim. Um gemido exagerado escapa da minha boca quando Ettore trava meus quadris e
dita seu próprio ritmo para dentro do meu canal. Ele é forte, vigoroso, impiedoso, e sinto suas bolas
baterem contra minha entrada tamanha força e rapidez ele me come. A posição é propícia para que
ele foda forte assim, sem me machucar, e também para provocar o início do meu primeiro orgasmo
da noite. Então, diminui um pouco a intensidade, segurando ambas as minhas coxas com as palmas,
perto das nádegas, ajudando-me a subir e descer no seu pau, erguendo os quadris ao meu encontro.
Lilly massageia meu clitóris ao mesmo tempo em que brinca com meus seios, e toda essa combinação
é demais para mim.
— Mais forte — peço, jogando meu corpo para trás o tanto quanto a gravidade permite. —
Eu vou…
Ettore estoca mais fundo e mais rápido.
— Me dá essa boceta gostosa até gozar — ele diz, com um gemido grosso e trêmulo. Uma de
suas mãos voa para meu peito, disputando o espaço com os de Lilly por alguns segundos. Com os
dedos fortemente fechados agora na minha cintura, ele me faz sentar com mais vigor, o som de nossas
carnes se chocando reverbera pelo quarto. — Isso. Senta gostoso assim. Senta no meu pau e goza.
O orgasmo vem em ondas violentas que me estremece por inteira. Eu gozo. Meu corpo
balança com a intensidade que me atinge, e um gemido alto de prazer sai por entre meus dentes.
Diminuo o ritmo, rebolando nele, acalmando-me, e Ettore me acompanha. Ele me deita na cama um
instante depois, de barriga para cima, e me lambe fazendo contato visual. Lambidas lentas e
preguiçosas, Lilly ao meu lado, deslizando beijos no meu rosto.
Ettore sobe e me dá um beijo na boca antes de puxar Lilly e colocá-la de joelhos. Continuo
esparramada na cama, ainda me recuperando, e apenas os assisto se divertirem, massageando de leve
meu feixe de nervos. Reviro os olhos quando ele a agarra pelos cabelos e dá um puxão sensual
seguida de uma estocada. Lilly geme e se agarra aos lençóis. Ettore geme e vai mais rápido. Gosto
tanto dessa visão… Afundo mais no colchão, aumentando o ritmo dos meus dedos no clitóris, e
começo a sentir meu corpo se acender novamente.
Um tapa estala na bunda de Lilly, e isso chama minha atenção para eles. Ergo um pouco o
tronco e mordo o lábio inferior. Engatinho até Ettore. Ele me olha e me beija em seguida, sem parar
de meter na nossa amante. Agarro seu rosto com as duas mãos e aprofundo o beijo, deixando-o sem
ar.
— Porra, Giovanna. — Ele morde meu lábio inferior. Minhas mãos brincam com o tórax
dele, carinhosamente. — Fica de quatro pra mim que eu quero te comer mais. Agora.
Eu obedeço. Ajeito-me ao lado de Lilly, mas ele parece ter uma ideia melhor e mais
excitante. Monto nas costas dela, minha bunda ainda empinada na sua direção, e faço um pouco mais
de esforço para não distribuir todo meu peso em Lilly.
Ettore acaricia minha carne, sem parar de se mover para dentro de Lilly, e rodeia minha
bunda com a ponta do dedo depois de lubrificá-la com meus próprios fluidos. Suspiro e mordo o
lábio. Sei que ele está doido para se meter aí, mas ainda não me sinto confiante para darmos esse
passo. Ele não fica muito tempo ali. Entende que ainda não é hora. Um segundo depois, sinto a ponta
do seu pau se forçando para dentro da minha boceta até estar todo dentro de mim, na sua velocidade
deliciosa e intensa.
Sua mão corre pela minha coluna até meus cabelos. O repuxe que vem junto com uma
estocada é meu paraíso, minha perdição, o motivo que me faz contrair os músculos ao redor dele.
— Quero chá de boceta — ele pede, descendo um tapa gostoso em mim. — Me aperta de
novo.
Eu o faço, e Ettore geme descontroladamente.
Sinto um vazio imenso quando ele me deixa e volta para Lilly. Para não me desamparar, ele
se inclina e coloca sua boca em mim. Ettore me chupa com a mesma energia de sempre, sem perder o
ritmo por estar dividindo a atenção com Lilly, e sobe sua língua até o ponto proibido.
— Aaaah! — grito ao sentir seu toque me rodeando ali. Gostoso, suculento, bem úmido.
Gemo mais quando ele volta para mim, estocando forte. — Ettore…
— Sua bunda é deliciosa. Não vejo a hora de te foder por trás. — Sua mão torna a escorregar
pelas minhas costas, em um ato quase protetor e carinhoso. — Quero tanto sentir seu cuzinho
apertado e esporrar nele.
Fecho os olhos, o calor subindo por todo meu corpo. Meu centro se aperta de prazer e
antecipação. Estou quase dando o que ele quer agora mesmo.
— Quando isso acontecer — sua voz está rouca e ofegante —, prometo que vai ser bom,
diferente e vai gozar como uma putinha.
Meu corpo treme violentamente e eu gozo em seguida, desejando toda a sua promessa. Ele
estoca mais fundo em mim, devagar e intenso, até eu desabar no colchão, exausta. Abro os olhos para
eles.
— Eu já gozei duas vezes. — Sorrio, inebriada. — Acho que está na hora de me ensinar. —
Procuro Lilly e acaricio seu rosto. — Pode ser agora?
Ela acena e se inclina, arrebitando mais a bunda para Ettore.
— Ainda não sei como estou com meu juízo no lugar — ele comenta, inserindo devagar o pau
no ânus dela depois de lubrificá-la. Lilly geme baixinho, tocando o clitóris furiosamente. Quando
está todo dentro dela, Ettore joga a cabeça para trás e fecha os olhos.
Os movimentos começam devagar, ele abre a bunda dela para que seja melhor recepcionado,
e vai aumentando o ritmo. Eu gemo baixinho quando ela solta um “me come forte” e Ettore a atende
na mesma hora. Os dois suspiram e gemem alto, e fica nítido que estão prestes a gozar.
— Giovanna — Ettore me chama e vou até ele. — Me beija. — Cubro sua boca, e ele me dá
um beijo exigente, violento, selvagem e excitante. — Vou gozar. Porra, vou gozar. Me beija mais.
Ele geme contra meus lábios conforme atinge o próprio orgasmo. Lilly chega lá um minuto
depois, desmanchando-se sobre o colchão, cansada e ofegante. Os dois ficam conectados mais alguns
segundos antes de Ettore girar para o lado e eu me pôr entre os dois.
Recuperando a respiração e olhando para o teto, meu marido sussurra:
— Porra, isso foi bom demais.
Sorrio e concordo.
— Foi incrível.

— Dorminhocas. — Ouço uma voz murmurar ao meu lado. Levo algum tempo até abrir os
olhos e a noite passada preencher minhas lembranças. Nós nos divertimos mais depois da primeira
rodada. Fizemos sexo de novo no quarto e quando fomos tomar um banho. Lilly dormiu aqui e
continua aqui, consigo sentir seu calor corporal ao meu lado. — Giovanna?
Inspiro fundo, sonolenta.
— Oi.
— Trouxe café pra reporem a energia. — Uma mão acaricia meu rosto e brinca com um
pouco do meu cabelo. — Queria ficar, mas tenho que sair resolver uma coisa. Nada de se divertir
com Lilly sem mim, me ouviu?
Abro um sorriso preguiçoso e aceno.
— O café está na mesa. — Sinto um beijo estalado na minha boca e volto a dormir instantes
depois.
Acordo mais tarde porque Lilly me chama e diz que também precisa ir. Digo para ela tomar o
café que Ettore trouxe, mas não saio de baixo dos lençóis. Estou exausta e alegremente dolorida. Ela
parece aceitar a oferta, porque a ouço mastigando os cereais. Ela também deixa um beijo na minha
bochecha, agradece pela noite incrível e afirma que quando quisermos, é só chamar. Durmo o
restante da manhã e só acordo por volta de meio-dia, um pouco mais revigorada. Tomo outro banho e
me visto. Ligo a televisão do quarto e coloco em um canal qualquer enquanto como alguma coisa da
bandeja.
Está passando o telejornal do almoço. Assim que acaba uma reportagem sobre o
desaparecimento de uma garota, a imagem muda para uma área sendo sobrevoada. Reconheço as ruas
e, logo em seguida, o local. A faixa informativa diz: “Assalto ao Nevada State Bank”. Homens
armados e encapuzados entraram no banco, renderam os clientes e forçaram o gerente a levá-los até a
área dos cofres cerca de meia hora atrás.
Sorrio na mesma hora, entendendo o que aconteceu. Preciso dar um beijo em Brooke assim
que a vir! A mulher é simplesmente uma gênia! É por isso que não entrou em contato comigo! Porque
estava planejando esse assalto. Parece que foi mais fácil invadir o local do que me tirar daqui sem os
seguranças. De qualquer forma, apenas para confirmar, ligo para meu gerente. Do outro lado da linha,
o homem está nervoso. Ele confirma minhas suspeitas: levaram o conteúdo do meu cofre. Ele me
pede para que, assim que possível, eu comparecer à agência para tratarmos sobre isso — seguro,
indenização, essas coisas. Garanto que vou em breve e desligo o telefone, radiante de felicidade.
Essa guerra vai acabar. Deus, nem acredito.
Uma batida na porta me disperda dos meus pensamentos. É Ethan.
— Brooke está aí e quer falar com você.
Eu nem lhe dou tempo de dizer mais nada, saio em disparada, quase saltitante, e desço as
escadas pulando dois degraus de cada vez. Eu a vejo na sala, parada no meio do ambiente, à minha
espera. Assim que me vê, começa a abrir a boca para me falar alguma coisa, mas a abraço apertado,
interrompendo suas intenções.
— Você é incrível! — exclamo e me afasto. Ela me olha como se não me reconhecesse. — De
verdade, Brooke. Você é a mulher mais inteligente e destemida que eu conheço! Obrigada, muito
obrigada.
Ela dá uma risadinha.
— Aceito e fico muito lisonjeada com os elogios, mas… por que mesmo está assim tão
eufórica e me agradecendo?
— Como assim, mulher?! — Rio um pouco. — O assalto ao Nevada State Bank para
recuperar o colar — sussurro para que apenas ela me escute. — Foi genial! Foi uma sacada genial!
Eu te amo, sabia? Trouxe o colar para mim?
Brooke move as duas mãos.
— Espera, espera. Assaltaram o Nevada State Bank?
Meu coração fica apertado na mesma hora. Por que ela está me fazendo esse tipo de
pergunta?
— Sim e… levaram o colar. Foi você, não foi, Brooke? Orquestrou o assalto ao banco pra
tirar o colar de lá, não é?
Sinto uma pontada estranha no peito com a possibilidade que…
Brooke move a cabeça de um lado a outro, em negativa.
— Não, Giovanna. Não orquestrei assalto nenhum. Vim aqui te dizer que pensei em um modo
de tirar da mansão sem os seguranças do Ettore no seu pé.
Sinto que o sangue para de correr pelo meu sistema. Minha visão embaça e preciso me sentar.
Elliot me ajuda, perguntando-me se estou bem. Dou uma risada de nervoso e lágrimas pinicam meus
olhos.
— Brooke, se não foi você que foi lá pegar o colar… Então, quem foi?
Ela me olha cheia de compaixão.
— Não sei, Giovanna. Talvez… os russos tenham descoberto o paradeiro desse colar?
Abano a cabeça em positivo, considerando essa possibilidade. Talvez seja isso mesmo. Meu
celular apita dentro do bolso da calça e o pego imediatamente. É um e-mail. Pelo endereço
eletrônico — nap@outlook.com — sei que se trata de Nikolai. Com as mãos tremulantes, abro a
caixa de entrada, na esperança de ver uma mensagem ali que confirme que os russos agora estão em
posse do arquivo. Ao ler as poucas linhas, contudo, sinto todo meu mundo desabar.
Seu tempo está acabando. Já está com meu arquivo?
A dor vem de forma incontrolável e lancinante. É como se, aqui e agora, eu pudesse reviver
aquele dia terrível. É como se pudesse ver o carro-forte vindo nessa direção, destrambelhado, em
alta velocidade e determinado. Então, ele invade meu jardim e se choca contra minha casa,
explodindo em seguida. Sinto a sensação zonza e de desespero tudo de novo, ouço o grito que
reverberou da minha garganta e me vejo correndo para dentro da casa em chamas. Consigo ver
novamente Maggie caída na sala, uma viga grossa do telhado sobre sua barriga gestacional, e o
desespero soca meu coração enquanto tento, de todas as maneiras, socorrê-la.
— Você tem certeza?
A pergunta me traz de volta ao mundo real. Forço a dor e as lágrimas garganta abaixo e pisco
duas vezes. Viro o pescoço para o lado e encontro os olhos compreensíveis do meu corretor me
encarando de volta. Volto-me para frente outra vez e inspiro fundo. A casa onde vivi com Maggie
ainda está destruída depois do que aconteceu. Voltei aqui em ocasiões esporádicas. Adentrava os
cômodos e ficava zanzando aqui e ali, principalmente entre a sala e o quarto que minha esposa estava
preparando para nosso garoto — que não sofreu com o impacto da explosão por conta da extensão do
imóvel. Até hoje, tudo está do mesmo jeito. Não tive coragem de fazer qualquer coisa em relação à
propriedade. Não até essa semana.
Preciso superar, seguir em frente, e agora tenho uma chance. Uma chance de sair da escuridão
que tomou minha vida, dos demônios que tomaram posse de mim. Tenho uma oportunidade de
recomeçar e não vou desperdiçá-la. Essa casa me traz lembranças boas e dolorosas e faz parte de
uma outra era da minha vida. Nunca vou me esquecer de Maggie, do seu jeito amável e passivo, das
poucas vezes que ousava me contrariar e de como se aproveitou da gravidez para fazer isso com
mais frequência porque notou que acatava todas as suas vontades e ordens pelo bem do nosso bebê.
Jamais vou me esquecer dela, mas essa casa não pertence mais à nova vida que quero construir daqui
para frente.
— Tenho certeza — digo, por fim, e o encaro novamente. — Quero reformar e pôr à venda.
Metade do dinheiro, você doa para qualquer instituição de caridade, não importa qual. A outra
metade é sua. Não quero um dólar da venda dessa casa.
Ele me dá um sorriso compreensivo, mas sei que por dentro está radiante de felicidade e está
se segurando para não demonstrar — o homem conhece as implicações e dramas que envolvem
minha vida. Depois de reformada, essa mansão vale fácil mais de um milhão de dólares.
— Como quiser, senhor.
Nós conversamos por mais algum tempo, combinando outros detalhes antes de eu deixar todo
o resto em suas mãos e seguir até o Paradise Casino & Hotel. Não tenho nada com Enrico no
momento, só quero mesmo fumar, beber e jogar conversa fora. Talvez contar para ele sobre minha
relação com minha esposa, que agora mudou. Não disse nada desde que cedi às investidas dela e me
enfiei no meio de suas pernas. Preparo-me para ouvi-lo debochar de mim, mas não me importo com
isso.
Giovanna é minha chance de recomeçar.

— Onde você estava? — pergunto quando saio do banho e a encontro no quarto, encostada à
porta fechada.
Passei o dia todo fora e voltei perto de sete da noite. Quando cheguei, não a encontrei em
lugar nenhum da casa. Seus seguranças me asseguraram que ela não saiu do complexo, e as câmeras
de vigilância confirmaram. Brooke apareceu para uma visita, mas foi embora sozinha. Cheguei a
considerar que, de novo, teria fugido, mas os vídeos não deixavam dúvida que ela estava por aqui,
escondida em algum lugar. Por isso não me preocupei. Talvez só quisesse ficar sozinha, ter um tempo
para si mesma. Às vezes, preciso disso também.
— No meu antigo quarto.
Ergo uma sobrancelha e tiro a toalha que envolve minha cintura. Pesco o olhar dela que
analisa meu corpo e sinto o desejo vindo das minhas entranhas. Não acredito que essa garota
consegue ter esse efeito sobre mim só me olhando dessa maneira.
— Ah, é? Te procurei lá e não achei.
— Estava no closet. Escondida em um dos nichos.
Aceno, porque só dei uma olhada por cima. Não pensei que estaria enfiada em uma das
reentrâncias do lugar.
— Por quê? — Passo a toalha pela pele, secando-me.
Giovanna dá de ombros.
— Me senti emocionalmente mal hoje. Precisava ficar sozinha. Se não for hormônio de
grávida, é só minha TPM. Fico sensível por qualquer besteira.
Abro um sorriso pequeno, estranhamente desejando que seja hormônio de grávida. Sei que é
cedo para termos qualquer confirmação disso. Deixo a toalha sobre a cama e diminuo o espaço entre
nós. Envolvo sua nuca com uma mão e com a outra acaricio sua bochecha.
— Está melhor?
Ela sorri pequenino, como se apreciasse minha preocupação.
— Estou, sim. Nada que uma barra de chocolate e chorar até não ter mais lágrimas por
motivo algum não ajude.
Inclino-me na sua direção e deixo um beijo suave na sua boca.
— Que bom. Tome um banho. Tenho uma surpresa para você antes do jantar.
Ela assente e, parecendo um pouco mais feliz, vai se levar. Minutos depois, Giovanna sai
enrolada em um roupão. Ainda nu, vou em sua direção, tirando o tecido que a cobre.
— Para o que tenho pra você, não precisa estar coberta.
Ela ri e me beija antes de eu pegar minha gravata e vendá-la.
— Ah, estamos invertendo o jogo?
— Sim, senhora. — Amarro as duas pontas do acessório e a conduzo até a cama. — De
quatro pra mim.
Giovanna suspira — um suspiro trêmulo e devasso —, e eu a observo nessa posição um
instante antes de pegar as coisas que comprei, guardadas em uma sacola perto da poltrona. Apoio
tudo ao seu lado e fico de pé na beira da cama, acariciando sua carne macia. Brinco com os lábios
vaginais e insiro um dedo dentro dela, depois, dois, e a chupo por longos minutos em seguida. Ela
geme e se contorce até estar encharcada ao extremo. Nesse momento, sei que posso iniciar nossa
brincadeira.
Começo rodeando sua bunda com o indicador. Ela já se acostumou com esse tipo de toque
pretensioso e sei que gosta. Giovanna sabe que estou a preparando aos poucos, ganhando sua
confiança, deixando-a confortável, por isso não se retrai com o carinho.
— Foi tão bom te foder com o dedo ontem — sussurro, lembrando-me de uma das nossas
rodadas de sexo da noite passada.
Giovanna estava de joelhos, ao lado da amiga, que eu comia vigorosamente com o pau
quando inseri o polegar nela. Acho que foi a primeira vez que meu toque foi um pouco mais longe.
Ela gostou. Gemeu deliciosamente. Mantive o dedo no cuzinho dela quando meti em sua boceta
melada, e não demorou para que gozasse.
— Foi… incrível — concorda, balançando o quadril mais um pouco contra meu toque. — Foi
delicioso.
— Você gostou mesmo? — Minha voz sai baixa, o toque ainda rodeando sua bunda. Forço um
pouco mais o dedo para dentro. — Gostou de verdade de ter meu pau na sua boceta e o dedo no seu
cu apertadinho?
Ela balança a cabeça em afirmativo.
— Eu amei. Amei mesmo. — Ela geme baixinho quando meu polegar está todo dentro dela,
laceando seu aperto. — O que tem… — Outro gemido prazeroso, a bunda rebolando mais rápido. —
O que tem para mim, Ettore?
— Vai descobrir agora, amor — sussurro de volta, retirando meu dedo de dentro dela.
Ao seu lado, pego o pênis de borracha e o lubrificante. Jogo um pouco no acessório e nela
antes de rodear a cabeça do brinquedo na sua entrada. Giovanna retesa na mesma hora, talvez
pensando que é o meu pau ali.
— Ettore… — Tenta dizer, mas não a deixo continuar.
— Você confia em mim, Giovanna? — Não paro a carícia com a cabeça do pau de borracha e
levo uma mão ao seu clitóris. Ela suspira de prazer e relaxa.
— Confio.
— Então, me deixa fazer isso. Vai ser bom, te garanto. Relaxe e confie em mim. Se doer, se
ficar desconfortável e se quiser parar, me fala, eu paro e tentamos outro dia. Tudo bem?
A danada empina a bunda um pouco mais para mim.
— Tudo bem.
Sorrio e apoio a mão esquerda no seu quadril. Com a direita, começo a inserir o pênis de
plástico nela. Coloco só a cabeça, bem devagar, esperando que ela se acostume com a espessura.
Não comprei um exageradamente grande. Ela não precisa de um vinte e cinco centímetros para sentir
prazer. De nada adianta algo desse tamanho se não souber os ponto-chaves na hora de satisfazer uma
mulher: uma boa preliminar, procurar saber do que ela gosta, deixá-la confortável, confiante e
subindo pelas paredes.
— Separa mais as pernas.
Giovanna o faz. Empurro um pouco mais para dentro dela e acaricio suavemente seu clitóris.
Sua boceta está muito escorregadia e aproveito dos seus próprios fluidos para espalhá-los ao redor
da sua bunda. Empurro mais. Ela geme e se contrai. Eu paro. Pergunto se continuo ou se quer que eu
pare. Minha esposa suspira e pede só um instante. Depois, posso continuar. Leva uns minutos até que
consigo colocar tudo. Mantenho uma distância segura dela, para que não sinta meu pau na sua pele,
porque a surpresa propriamente dita não é essa e não quero estragá-la antes da hora.
— Está gostando desse pau na sua bunda? — sussurro, movendo vagarosamente o brinquedo
dentro dela. Para frente e para trás.
— Ah-ah-ah. Sim! — ela geme. — Está… doendo um pouco, mas…
— Devo parar?
Ela balança a cabeça em negativo.
— Não. Continua. Devagarinho. Está bom.
Diminuo mais o ritmo, agora um leve para-frente-e-para-trás, quase sem tirar o acessório de
dentro dela. Só um movimento bem suave. Coloco um dedo dentro de sua boceta úmida e, com o
polegar, sigo acariciando o clitóris. Giovanna solta todo o tronco na cama, separa mais as pernas e
deixa a bunda mais inclinada.
Visão dos infernos.
Brinco com seu cuzinho mais um pouco, entrando e saindo dele com o pênis de plástico,
sendo minha perdição seus gemidinhos safados contra o colchão, o rebolar da sua bunda contra o
plástico, como se estivesse procurando mais dele, mais do que estou oferecendo. Mantenho o ritmo
vagaroso que ela aguenta até eu não aguentar mais.
— Gio… — chamo-a, escorregando a mão pelas suas costas até alcançar o cabelo solto.
Puxo-a para mim, em um movimento firme no nível que eu sei que ela gosta: nem bruto demais, nem
delicado demais. — A surpresa vem agora.
Encaixo meu pau na entrada de sua boceta e a penetro devagar. A mulher se entrega
completamente e dá um grito de prazer que abala todas as minhas estruturas. Meto em sua bocetinha
no mesmo ritmo que como sua bunda com o pau de plástico. É incrivelmente maravilhosa não só a
visão dela tomando nos dois lugares, mas também o que tudo isso envolve. O seu prazer cru e
revigorante, suas reboladas vagarosas e o modo como geme descontroladamente agora, pedindo-me
para fodê-la. Com a mão livre aperto a carne da sua bunda e solto um tapa, marcando a pele branca.
— Quer que eu pare? — pergunto, mais para provocá-la.
Ela grita:
— Não! Pelo amor de Deus, NÃO PARA!
— Isso significa que está gostando de dar o cu e a bocetinha ao mesmo tempo?
Giovanna não responde. Com o rosto enfiado na cama, apenas geme e repete diversas vezes
“não para, não para, não para”. Como se eu fosse mesmo parar. Não vou. Não enquanto nós dois não
estivermos satisfeitos. Inclino-me um pouco sobre suas costas, ficando na altura do seu ouvido, e
digo:
— Sei que gosta de dividir meu pau, que ama me ver comendo outra boceta, mas não espere o
mesmo de mim. Eu nunca vou deixar outro homem tocar você, me entendeu? Nunca vou deixar que
outro cara sequer chegue perto dessa boceta gostosa que me pertence. Me ouviu, amor? — Ela
suspira. Eu volto à minha posição inicial e torno a mexer o pau de plástico dentro de sua bundinha
gostosa. — Eu. — Estocada na boceta. — Nunca. — Estocada na boceta. — Vou deixar. — Mais
uma estocada. — Outro homem. — Pego um ponto mais fundo, e ela geme mais alto. — Tocar você.
— Eu nem quero! — ela grita, virando o rosto para mim, o tanto quanto a posição permite. —
Só quero você.
Faço um carinho na sua bunda, na marca vermelha do meu tapa anterior antes de bater nela de
novo. Giovanna geme. Inclino-me e puxo seu queixo para um beijo rude. Não paro de fodê-la, bem
devagar.
— Jamais vou deixar que outro foda essa boceta que me pertence — repito, perto de ter um
orgasmo, e completo: — Mas para te compensar, sempre que quiser, vou te comer com meu pau e
com o pau de plástico, ao mesmo tempo.
Sua boca procura a minha desesperadamente. Ela me beija e morde tão forte meu lábio
inferior que arranca um pouco de sangue.
— Vou querer… o tempo todo.
Beijo-a de novo antes de voltar a fodê-la na bunda também. Ela diz que precisa gozar, mas
que ainda não se sente confortável para fazer do jeito que estamos fazendo agora. Tiro o brinquedo
de dentro da sua bunda e a viro para mim, ficando entre suas pernas. Arranco as vendas dos seus
olhos e a penetro enquanto a beijo. Ela abraça minha cintura com as pernas, aperta-me forte em um
abraço e anuncia que está gozando. Soco mais forte e mais fundo nela até ela atingir seu pico de
prazer. Ela geme e se contorce, apertando-me com os braços e com a boceta. Acalmo seu corpo, com
beijos na boca, no colo e no pescoço.
— Goza na minha boca, Ettore.
Meu pau fica mais rijo com seu pedido. Saio de dentro dela imediatamente. Sento sobre
minhas pernas, de joelhos, e ela faz o mesmo, precisando se inclinar para me levar até o limite de sua
garganta. Agarro seus cabelos, e Giovanna me olha enquanto me engole. A visão é enlouquecedora.
Não demora até que eu goze. Mantenho-a com meu pau na boca até engolir a última gota. Depois,
trago-a para um beijo apaixonado. Ela me puxa para a cama e ficamos abraçados um ao outro,
trocando carícias despretensiosas.
— Quero de novo — ela sussurra. — Depois do jantar. Tudo de novo. Igualzinho. Sem tirar
nem pôr. Bem, tirando e pondo, mas outra coisa.
Sorrio, sentindo-me feliz por motivo nenhum, como há muito tempo não sentia.
— Vou adorar dar o que você quer. Seu prazer é meu prazer.
Giovanna ri e se ajeita no meu tórax, enroscando as pernas nas minhas.
Estalo um beijo nos seus cabelos e ficamos em silêncio por um tempo.
— Eu amo v…
Olho para ela e me calo. Giovanna está dormindo.
Cubro seu corpo e tiro um cochilo com minha mulher até o jantar.
— Entre — digo, quando alguém bate à porta do meu escritório.
Desvio a atenção do e-mail que meu corretor enviou — já tem gente interessada na casa,
ainda que as reformas nem tenham começado — e ergo os olhos para Ethan. Ele traz um envelope
pardo nas mãos e sua expressão não é a usual.
Tem alguma coisa o perturbando.
— Está ocupado?
Fecho a aba do navegador e indico a cadeira à frente da minha mesa.
— Nada que eu não possa resolver depois.
Ele assente.
— Tenho algo pra você. Sobre… os russos.
Isso fisga minha atenção. Inclino-me sobre a mesa, na expectativa.
— Na última reunião com os capi e com Darko e Skender, nós nos prontificamos a encontrar
algo que pudéssemos usar para acabar de vez com aqueles malditos. Um ponto vulnerável ou
qualquer coisa assim. — Assinto. Ele arrasta o envelope na minha direção. — Estivemos nas ruas,
fazendo esse trabalho. Indo mais a fundo. Descobrimos isso. — Ethan aponta para o papel pardo que
está nas minhas mãos agora.
Com cuidado, tiro o conteúdo que há aqui dentro. São fotografias. Fico confuso por um
instante, perguntando-me se estou vendo direito, se não estou alucinando. Procuro pelos olhos de
Ethan, e ele acena para mim, garantindo que não, não estou ficando doido, e sim, é ele mesmo nessas
fotos.
Alexei.
Vivo.
Dá para ver que ainda tem algum resquício da surra que dei nele, mas o homem está inteiro.
Em uma das fotos, usa uma jaqueta preta, tem um curativo no olho, como um tampão, e o cabelo está
um pouco mais comprido do que me lembro. Ele fuma um cigarro frente a uma das boates que os
russos comandam, um pé no meio-fio, pose descontraída, conversando com alguém.
— De quando é essa foto? — pergunto, um pouco perplexo.
— De ontem.
Levanto-me, passando a mão pelo rosto. Não faz sentido.
— Alexei está vivo — digo desnecessariamente em voz alta, mais para encaixar as peças
desse quebra-cabeça do que por qualquer outro motivo. — Nikolai só iniciou essa guerra para vingar
a morte dele. Mas se ele não morreu…
—… o motivo é outro — Ethan completa por mim.
Paro no meio do meu escritório, refletindo. Então, tudo começa a fazer sentido de verdade.
As peças começam a se encaixar. Nikolai usou a “morte” de um de seus homens para iniciar essa
guerra. Ele não podia quebrar o pacto de não-agressão, então me levou a fazer isso. Ele conhece meu
temperamento e sabia que se me provocasse e usasse minha falecida esposa para isso, eu ia surtar e
espancar um deles, quebrando nosso acordo. Só estavam esperando o momento certo. Acabei caindo
na manipulação dos desgraçados.
Alexei não morreu. Quando o vi estirado no chão, e eu estava sendo contido por Yuri, ele não
estava morto. Talvez muito ferido, talvez à beira de morrer, mas não morreu. Talvez nem os russos
esperassem que as coisas saíssem tão do controle como saiu. Mas, de qualquer forma, Nikolai tinha
conseguido o que almejava: feri nosso acordo. Ele tinha um motivo para começar a guerra e vir atrás
do que realmente queria.
O que é, não faço ideia.
— Tem mais — Ethan diz, dispersando meu raciocínio lógico. — Olhe todas as fotos.
Volto para minha mesa, mas não me sento, e confiro as demais fotografias.
— Darko não tinha metralhado esse filho da puta? — indago cheio de raiva, apontando para
uma imagem de Yuri. O cara não está nada bem. Internado e todo entubado em uma cama de hospital,
mas também está vivo.
— Pelo que descobri, ele estava com colete à prova de balas. Chegou em estado gravíssimo.
Continua com um pé na cova, mas está vivo.
Passo a mão no rosto outra vez e repuxo meus cabelos. Preciso tentar entender o que
exatamente Nikolai quer. Se o objetivo nunca foi vingar a morte de um dos seus homens, o que diabos
nossa famiglia pode ter que ele queira tanto assim? Para ter bolado um plano tão complexo dessa
maneira, é algo de extrema importância para ele.
Mas o quê?! Porra!
Não consigo pensar. Ando de um lado a outro, puxando tudo o que possa me ser útil pela
memória desde o dia em que Enrico decidiu tentar fechar negócios com Sergei para, depois,
roubarmos suas áreas na Espanha e monopolizarmos a região. Então, vem de repente. Como em um
insight. Duas possibilidades. Preciso tirar uma delas a limpo agora antes de confrontar a outra.
— Obrigado, Ethan — agradeço, juntando as fotos e guardando-as dentro do envelope outra
vez. — Alguém mais viu essas fotografias?
Ele abana em negativo.
— Com todo respeito, Ettore, sei que seu irmão é o capo dei tutti capi, mas isso sempre
disse respeito mais a você do que a ele, do que a Mahyas D’Arezzo. Achei melhor te comunicar
primeiro.
— Fez muito bem, Ethan. Fico muito grato pela sua lealdade a mim. Por enquanto, não diga
nada a mais ninguém e garanta que todos os envolvidos por essa descoberta também não contem. Só
por algumas horas. Hoje ainda pretendo comunicar Enrico e todos os demais dessa merda toda. Só
preciso… — Inspiro fundo. — Só preciso tirar algumas coisas a limpo, encaixar algumas peças.
— Como quiser, Ettore.
Assim que Montanari deixa minha sala, eu disco imediatamente para Penny.
— Preciso ver você.

A garota suspira e me entrega o meu antigo telefone celular. Fomos aconselhados a destruí-
los, mas eu tinha documentos e arquivos importantes na memória interna e preferi apenas inutilizá-lo.
Mantive-o desligado, sem bateria e guardado no cofre em meu quarto. Até hoje, depois de Ethan me
levar aquelas fotos e eu começar a desconfiar de uma coisa. Trouxe para Penny dar uma olhada para
mim e confirmar minhas suspeitas.
— Está grampeado. Fizeram um serviço limpo, sem deixar rastros. Tem ideia de como
grampearam seu telefone?
— Tenho.
É tudo que digo porque não pretendo entrar em detalhes. Agora entendo que os malditos
aproveitaram meu momento de apagão — quando Yuri me rendeu e me deu uma coronhada na nuca —
para grampear o telefone. De qualquer forma, isso explica como, em todas as vezes, os russos
encontraram nosso refúgio. Nunca teve traidor nenhum. Só esses malditos tentando descobrir alguma
coisa.
O que me leva ao próximo ponto.
Levanto-me do meu lugar no sofá em uma área vip da boate das Dark Dolls.
— Agradeço a ajuda, Penny.
Ela apenas assente e diz que sempre que precisar.

Ando de um lado a outro, pensando no ponto dessa história que está me incomodando desde
que tive o insight mais cedo, enquanto a espero sair do banho. Quando cheguei, ela já estava lá, o
que só colaborou para intensificar esse sentimento dentro de mim.
Está mais do que claro agora que Nikolai não está atrás de Giovanna porque quer usá-la para
me atingir. Ele quer alguma coisa diretamente com ela. Minha esposa tem algo a ver com a porra
dessa guerra toda e isso explica a determinação do russo em querê-la. Lá no fundo, contudo, eu torço
para que tudo não passe de algum tipo de mal-entendido, que o maldito esteja somente tentando me
desestabilizar.
Mas então, penso nesse pequeno detalhe que deixei passar despercebido meses atrás, quando
estivemos na Rússia. É isso que coloca tudo em xeque, é isso que faz todas as minhas esperanças
ruírem. Não quero acreditar que Giovanna está envolvida em algum nível e de alguma maneira com
esses russos, mas sei que ela mentiu pra mim em Moscou. Suspeito que vem mentindo desde então.
— Você está bem? — A voz dela me traz de volta.
Ergo os olhos na sua direção, dando-me conta de que estou parado no meio do quarto,
mordendo a ponta do dedo indicador, pensativo e inconscientemente segurando uma raiva
avassaladora.
Ela. Mentiu. Para mim.
— Precisamos conversar.
Giovanna está enrolada em um roupão e me olha com um pouco de curiosidade. Noto agora,
também, que parece diferente. Um pouco abatida. Tem algumas olheiras, está ligeiramente mais
pálida e acho que vejo um pouco de pânico nas suas íris verdes.
— Tudo bem. Sobre o que quer conversar? — Ela desenrola a toalha dos cabelos,
esfregando-a do topo até a ponta dos fios.
Seus olhos não saem dos meus. Estudo seus pequenos movimentos e expressões faciais. As
mãos que secam seus cabelos loiros parecem um pouco trêmulas e a vejo engolir em seco e regular a
respiração mais vezes do que o comum.
— Mais de três meses atrás — começo, ainda parado no meu lugar —, quando estivemos na
Rússia e você foi até o hotel para me ver comendo a prostituta… Se lembra disso, não é?
— Lembro. — Giovanna se senta na beira da cama.
— Chegou a me ver fodendo a garota?
Giovanna franze o cenho, como se não entendesse o rumo da conversa. Ela deve estar
pensando que já tivemos essa conversa. Eu sei disso. Na ocasião, ela me explicou por que não
chegou a me assistir com a puta. O detalhe que a desmascara completamente mora aí. Eu só…
preciso ouvi-la de novo. Saber se vai manter sua versão ou se vai inventar outra mentira.
— Não. Te disse que não cheguei a tempo.
— Eu já tinha ido embora?
Vejo-a hesitar um instante.
— Não. Quando cheguei, estava se vestindo.
— No quarto?
Ela pisca.
— Sim.
Engulo o bolo que se forma na garganta. Ela mentiu de novo. Porra, por que está mentindo?!
Por algum milagre, estou conseguindo controlar a minha raiva, embora minha vontade seja de
explodir com essa garota. Avanço a passos calmos.
— Mentirosa.
A sentença a pega desprevenida. Giovanna se levanta, passa por mim e depois se vira na
minha direção.
— Por que acha que estou mentindo? — pergunta, indignada.
— Não me troquei no quarto. Me troquei no banheiro — cuspo. Meses atrás, quando me disse
que quando chegou eu estava me trocando, não parei para pensar que tinha me vestido no banheiro.
Só hoje, por alguma razão, isso me veio à mente.
Giovanna trava no lugar e parece que todo o sangue drenou do seu rosto. Dou um passo na sua
direção, e ela recua outro.
— Não… — murmura, balançando a cabeça de um lado a outro. — Está se confundindo.
Você realmente…
— Como ela era? — interrompo-a e avanço mais na sua direção.
Giovanna esbarra contra a porta fechada e entreabre os lábios.
— Quem?
— A puta que estava comigo. Se insiste tanto na sua versão, você a viu na cama ainda nua
enquanto eu me vestia. Como ela era? Qual era o tamanho e a cor do cabelo? Que sotaque tinha?
Como era o ambiente? A cama ficava no meio do quarto ou mais perto da porta da varanda? Tinha
televisão? O piso era de que tipo? E a cor das paredes?
Giovanna fecha os olhos e leva as mãos aos ouvidos enquanto sigo a bombardeando de
perguntas. Ela mexe a cabeça de um lado a outro, os olhos apertados, e me aproximo até estar a um
centímetro dela. A garota abre os olhos quando paro de falar.
— O que foi fazer no hotel, Giovanna? Porque está bem claro que não foi lá atrás de mim. O
que foi fazer?! — Aumento a voz, começando a perder a paciência.
— Eu fui, sim! — responde, peitando-me.
— Me conta a verdade, porra! — Perco completamente as estribeiras e dou um soco na
madeira, acima da cabeça dela. — O que Nikolai quer com você? Por que ele está tão determinado
a te pegar? O que você tem contra ele?
Os olhos dela marejam e vejo rastros de medo e pânico nas suas íris. Não sei se está com
medo de mim, da minha reação, do que esconde ou do russo que prometeu vir atrás dela. Não sei e,
sinceramente, não me interessa saber. Só quero que me conte a verdade. Ela desaba em lágrimas, mas
eu me mantenho impassível. Não me comovo.
— E-eu vou c-contar. Só se acalma, por favor.
Travo o maxilar, moendo os dentes tão forte que posso parti-los apenas com a mordida, mas
trato de me acalmar. Afasto-me dela alguns passos e cruzo os braços.
— Começa a contar. Agora.
Giovanna inspira fundo, ajeita os cabelos e a postura.
Então, conta.
Moscou, Rússia, três meses e meio antes

Eu deveria voltar. Deveria mesmo. Se Ettore me pega aqui, por qualquer eventualidade que
seja, não vai ser nada legal e não quero ter que explicar sobre meus fetiches voyeuristas. Ele não
entenderia, e eu estaria bem encrencada. O idiota pode não gostar de saber que assisto casais fazendo
sexo para minha própria satisfação, inclusive desde que nos casamos. A última coisa que quero é
despertar a fúria daquele homem. Ao invés de voltar, aperto o passo, fechando as unhas contra minha
palma com tanta força que posso atravessar a pele.
É mais forte do que eu, por mais perigoso que seja. Ignorando todo o bom senso, sigo minha
caminhada até o quarto ao lado do que ele vai estar. Não esperava assisti-lo hoje. Ettore contou ao
irmão que se encontraria com uma prostituta qualquer — ouvi sua conversa quando cheguei à suíte
para perguntar se ia querer também alguns quitutes que ia eu pedir ao serviço de quarto — usando
alguns cartões que Sergei tinha disponibilizado como uma espécie m vale-sexo. Depois disso, ele
saiu, e sei que foi se encontrar com a garota. Eu fiquei no hotel, não conseguindo, por algum motivo,
parar de pensar nele com a prostituta. Mal consegui dormir. Já tem algum tempo desde a última vez
que assisti, então, pensei que poderia vê-lo porque meu marido vai aproveitar essa oportunidade o
tanto quanto for possível.
Consegui driblar meu segurança e vim para o hotel. A ideia era subornar o recepcionista a me
deixar entrar no quarto antes dele na próxima vez que ele viesse — e para isso eu ficaria bem esperta
—, mas para minha sorte, fui informada de que o quarto ao lado do dele tinha uma vista privilegiada.
Aparentemente, esses dois aposentos têm uma única finalidade no hotel. Não podendo perder a
oportunidade, e torcendo para que Ettore não tivesse terminado, subi até o andar respectivo.
Agora, caminhando rapidamente pelo corredor acarpetado, estou a poucas portas do meu
destino. Fica logo em frente, no fim do corredor, depois que atravessar a entrada da ala, como o
rapaz da recepção me informou. Só preciso virar uma esquina e… Assim que chego, prendo o ar na
mesma hora. Ettore está aqui, parado frente à entrada do quarto ao final do corredor, prensando
contra a parede a garota com quem veio se encontrar. Um braço apoiado na superfície, acima da
cabeça dela, enquanto um dedo indicador desce até o decote generoso da prostituta. Ele está dizendo
alguma coisa para ela, o que considero que deve ser alguma safadeza porque a menina suspira e joga
a cabeça para trás.
Penso em recuar, mas acabo agindo de um modo diferente. Testo a maçaneta de uma porta à
minha esquerda que, por alguma sorte, está aberta. Fecho-a rapidamente e inspiro fundo, absorvendo
a semiescuridão ao meu redor. Parece uma espécie de almoxarifado. Tem baldes, vassouras, produtos
de limpeza e um carrinho de camareira com roupas de cama sujas.
Meu plano é ficar aqui por um ou dois minutos — tempo suficiente até ele entrar no quarto
dele, e eu poder ir ao meu —, mas tudo muda quando ouço algo estranho um nível abaixo de mim.
Então, eu me dou conta que tem uma escada em caracol aqui. Afasto com cuidado algumas coisas que
estão na frente do parapeito — um colchão de solteiro e um rodo — e me inclino. Desta posição,
consigo ver dois homens conversando. Estão se comunicando em russo, mas consigo reconhecer três
coisas.
Primeiro, que um dos homens se chama Nikolai — o que está falando mais, como se estivesse
dando alguma instrução. Sei disso porque o outro disse umas duas vezes alguma coisa e usou o
vocativo. Também reconheço outros dois nomes quando são mencionados: Sergei e Ettore.
Não sei explicar exatamente o porquê, mas tiro meu celular do bolso e começo a gravar a
conversa. Eles ficam algum tempo aqui, como se estivessem repassando alguma coisa, talvez por uns
vinte minutos. Não entendo uma palavra, mas gravo tudo, e fico atenta as entonações nas vozes deles,
à linguagem corporal e gestos. Consigo captar quando, algumas vezes, citam o nome de Sergei. Por
vezes, mencionam Enrico e meu esposo.
Tenho quase certeza de que estão, secretamente, combinando alguma coisa e essa pequena
reunião escondida é para acertar certos detalhes. Talvez envolva meu marido e meu cunhado, por
isso registro cada segundo. Mantenho-me o tempo todo calma e respirando devagar, para não
denunciar minha localização. Em algum momento, o que se chama Nikolai olha no relógio de pulso.
Acena para o companheiro e faz uma ligação e, em inglês, diz para quem está do outro lado da linha:
— Onde ele está? Ótimo. Vamos agir em cinco minutos. Estejam a postos. — Encerra a
ligação e olha pra seu comparsa. — Está tudo pronto. Sergei chega em cinco minutos. Vamos.
Os dois saem do quartinho, e eu pauso a gravação. Não vou ter tempo de assisti-la agora e
preciso ir embora. Não quero nem mais saber de Ettore. Vou chegar ao hotel onde estamos
hospedados, baixar algum aplicativo de tradução e tentar descobrir o teor da conversa. Saio do
almoxarifado e disparo até o elevador. É quando ouço meu nome ser chamado às minhas costas.
— Giovanna?!
Reconheço a voz de Ettore imediatamente, mas não me atrevo a me virar. Se eu chegar ao
elevador a tempo, ele pense que apenas está vendo coisas. Aperto o botão para chamá-lo,
descontando toda minha ansiedade e nervosismo. Ele não pode me pegar aqui. Não pode me pegar
aqui! As portas se abrem. Eu entro e me viro. Aperto o botão para o térreo, e, quando as portas
começam a se fechar, meu marido vira a esquina do corredor e me vê.
Merda.
Estou encrencada.

Mordo a ponta do dedo indicador, analisando o que tenho em mãos. Levei uns bons quatro
dias para conseguir passar o vídeo em um aplicativo de tradução. Agora, acabei de analisar tudo o
que Nikolai e seu capanga estavam conversando. Meu coração bate acelerado com as informações
que estão em meu poder. Levanto-me da cama e deixo o notebook sobre o colchão, o vídeo pausado,
e ando de um lado a outro. Pondero se mostro para Ettore ou se guardo isso comigo por algum tempo,
até ser vantajoso mostrar para alguém. Volto para o aparelho e o coloco sobre minhas pernas. Então,
toco a gravação outra vez.
— Você entende por que estamos fazendo isso, não é? Sergei há muito tempo não tem
comandado nossa organização como deveria. Ele fez algumas alianças com políticos que não
deveríamos confiar e, como se não bastasse, agora essa história de querer negociar com Enrico e
Ettore, aqueles italianos fascistas de merda. Não podemos aceitar isso.
— Você está certo, Nikolai. — O homem acena em positivo. — A Máfia Vermelha precisa de
um novo chefe e acho que você, mais do que ninguém, tem capacidade de nos liderar melhor do que
Sergei.
Nikolai parece aliviado com o apoio que recebe do seu comparsa, que se chama Yuri
Smirnov.
— Agradeço sua lealdade, Yuri. Fico muito grato mesmo. Mas agora, o mais importante é
garantir que a família de Sergei não descubra que estou envolvido nesse golpe. Para garantir que eu
lidere nossa máfia, ninguém pode desconfiar dessa traição. Nem mesmo Enrico ou Ettore.
O tal Yuri acena em positivo despreocupadamente.
— Sergei está com inimigos demais na cola dele, Nikolai. Quando o carro em que estiver for
para os ares, você será a última pessoa de quem vão desconfiar.
— Bom, bom… — murmura, parecendo distante. — Isso vai acontecer ainda hoje, certo?
Não podemos deixar que ele aceite fechar negócios com Enrico. Com ele morto, eu assumo a
liderança e despacho o irmãozinho estourado dele daqui. Vamos recuperar nossas áreas na Espanha
sozinhos. Não confio naqueles fascistas.
— Não tem que se preocupar com nada, Nik. Já garanti que nosso plano seja executado com
perfeição, sem deixar rastros e sem levantar desconfianças.
Nikolai abre um sorriso generoso e apoia a mão no ombro do cumplice.
— Estou orgulhoso de você, Yuri, por ter entendido meu lado. Se deixássemos que Sergei
continuasse nos comandando, isso seria nossa ruína. Se não fosse ele, seria o pivete do filho. Por
isso, temos que aproveitar que o garoto não tem capacidade de assumir a liderança da família Petrov,
por ser novo demais, e agarrarmos a oportunidade. Sou o braço direito de Sergei. Com a morte dele,
assumo os negócios, e o sobrenome Pushkin se torna a cabeça da Máfia Vermelha.
— E você tem a sua revanche…
Nikolai acena, o semblante sombrio.
— Minha família sempre deveria ter liderado nossa organização, Yuri. Sempre. Por direito!
— Dá para notar quando o homem fecha os punhos com força. — Mas quando o avô de Sergei
conquistou territórios importantes e fez alianças com pessoas certas, inclusive com as do governo, o
meu avô perdeu tudo. Não entramos em uma guerra porque a liderança não foi tomada à força ou de
forma injusta. Ao menos, não aos olhos da maioria dos demais de nossa hierarquia.
— Mikhail Petrov só conseguiu conquistar mais territórios na base da trapaça — Yuri
menciona, como se já tivesse ouvido aquela história um milhão de vezes.
— Foi desonesto. Sempre fingi não me ressentir com essa história para poder me aproximar
de Sergei, que hoje confia em mim acima de tudo. Sequer desconfia. O desgraçado acha mesmo que a
liderança dos Petrov é legítima, mas não é! E vou mudar isso. Vou recuperar o que nunca deveria ter
saído das mãos dos Pushkin.
— Mais do que justo, Nikolai.
— Volto a reforçar, Yuri: serviço limpo. Sergei tem muitos aliados e pessoas que o apoiam.
Se descobrirem que estou por trás da morte dele, estou morto e colocarão outro no meu lugar. Talvez
até mesmo um Petrov.
Yuri aperta Nikolai nos ombros, em um gesto apaziguador.
— Não se preocupa, Nik. Está tudo sob controle. Sergei não passa de hoje. E ainda hoje,
você estará na liderança da Máfia Vermelha.
Por mais alguns minutos, eles acertam o plano que colocou fim à vida de Sergei. Yuri explica
que foi plantado um explosivo no carro em que o chefe chegará, mas que só será acionado quando o
carro desligar. O acionamento será feito de forma remota, por um dos seus homens que estará por
perto no momento, o que fará que os demais pensem que o explosivo foi acionado quando o motor
parou. O comparsa reforça que é necessário que a explosão aconteça quando Sergei estiver chegando
ao hotel para que não haja nenhuma suspeita sobre Pushkin — afinal, assim que a carroceria for para
os ares, ele será o primeiro a ir “socorrer” o amigo. Yuri menciona os homens que estão o apoiando
e com quem Nikolai terá de ter certo cuidado após a morte de Sergei, que podem suscitar
desconfianças, opor-se à sua liderança e criar rebeliões. Pushkin garante que saberá lidar com cada
um deles. Minutos depois de alguns últimos acertos — cada passo que darão assim que o chefe
estiver morto —, Nikolai olha no relógio e faz uma ligação.
— Onde ele está? — diz em inglês, o que me leva a acreditar que quem quer que seja que
esteja trabalhando para ele não fala russo e pondero que a pessoa do outro lado da linha deve estar
rastreando a localização do chefe. — Ótimo. Vamos agir em cinco minutos. Coloque todos a postos.
— Nikolai encerra a ligação e olha para Yuri. — Está tudo pronto. Sergei chega em cinco minutos.
Vamos.
Então, eles deixam o almoxarifado, e eu encerro o vídeo.

Ettore está irritado. Eu não deveria ouvir suas ligações, que ele faz na privacidade do seu
escritório, mas, desde que consegui compreender a magnitude da importância do vídeo dos russos,
venho o sondando, tentando ficar a par dos negócios, pensando se falo do vídeo ou não. Ele está
irritado porque o plano que tinham mente — fechar negócio com Sergei e depois trai-los — não deu
certo porque, com a morte do chefe, Nikolai recuou na decisão.
Sei que o certo seria contar ao meu marido sobre quem de fato é o responsável pela morte de
Sergei e que Pushkin não quer fechar negócio com a Mahyas D’Arezzo. Mas se fizer isso, vou ter que
contar como consegui o vídeo, e se contar, Ettore vai saber que menti. Disse que tinha ido vê-lo com
a prostituta e não cheguei a tempo. Se mudar minha versão agora, ele vai ficar ainda mais irritado
porque estou com esse vídeo há quase uma semana e não disse absolutamente nada. Não estou com
vontade de aturar o surto daquele homem.
Mas posso ajudar a famiglia de alguma forma. Se tudo do que precisam é de uma aliança com
os russos, vou ajudá-los. Assim, de madrugada, ligo para a recepção do hotel que foi o ponto de
encontro de Ettore e consigo falar com o recepcionista que subornei uma semana antes e o convenço
a me conseguir qualquer meio de contato de Nikolai em troca de alguns bons dólares. Poucas horas
depois, ele me envia um de e-mail incompleto e alega que só enviará o restante quando tiver um
comprovante de transferência. Faço o pagamento e, em troca, recebo todo o endereço eletrônico. Na
tarde daquele dia, vou até um cybercafé. Mesmo com Vegas em paz, meu marido mantém um
segurança me rondando o tempo inteiro. Ele me segue até o shopping e visito algumas lojas por
algumas horas, cansando o pobre-coitado. Vamos até a praça de alimentação e, em um momento de
distração dele — o guarda-costas está olhando para todo lado porque disse que tive a impressão de
que estavam nos seguindo — consigo escapar até o cybercafé. Usando uma das máquinas, crio um e-
mail falso, conecto meu celular ao computador, anexo o vídeo e escrevo uma mensagem:

“Se não quiser que a família Petrov saiba dessa sua traição suja, é bom
voltar atrás e aceitar fazer negócios com a Mahyas D’Arezzo.”

Clico em enviar e fecho a caixa de entrada ao mesmo tempo em que meu segurança aparece
atrás de mim, branco de pânico porque dei uma sumida e ele sabe o que aconteceu com o último
guarda-costas que não fez o serviço direito.
— Senhora Martini, eu devo informar que…
— Desculpe. Eu precisava muito conferir meu Instagram, mas meu celular descarregou —
digo, mostrando meu telefone rapidamente para ele com a tela apagada. — Pode me levar para casa?
Estou exausta.
Eu me levanto, pago o consumo no cybercafé e lidero o caminho.
— Senhora Giovanna… — O homem me alcança, pegando no meu pulso. — Por favor…
— Olha, sei que está preocupado com Ettore, mas não vou contar nada, tudo bem? Não diga
que consegui fugir de você que não digo que consegui fugir de você. Será nosso segredinho sujo.
Pisco pra ele, que assente e me conduz até o carro.
— Você tem ideia do que você fez, garota?! Do que causou?! — grito, completamente
descontrolado.
Giovanna recua um passo, assustada com minha reação quando termina de contar toda a porra
em que se meteu. Não consigo conceber que ela mentiu assim para mim, mentiu sobre algo tão
importante esse tempo todo! Essa guerra nunca foi culpa minha. Nunca foi porque sou um desgraçado
explosivo que não sabe manter o pau dentro das calças.
Foi por causa dela!
Porra, por que nunca considerei isso antes? Estava tão óbvio!
— Ettore, se acalma — ela pede, tentando se aproximar de mim. — Você tem que…
Inflado de raiva, pego uma garrafa de uísque sobre o aparador perto de mim e a arremesso do
outro lado do quarto. A garota dá um pulo no seu lugar, assustada, e novamente recua.
— Não me peça pra ter calma quando você fodeu com tudo, Giovanna! — rosno, apontando
um dedo para ela. — Fodeu com os negócios da Espanha, colocou toda a Mahyas D’Arezzo em risco,
me colocou em risco. Porra, se colocou em risco e seus pais só estão mortos por conta dessa sua
imprudência!
O corpo dela dá alavancadas para trás, atingida pelas minhas últimas palavras. Giovanna
abraça o próprio tronco e aperta os lábios. Daqui, consigo ver que seus olhos estão marejados. Ela
se segura ao máximo para não desabar na minha frente. A última coisa que deveria fazer agora é
culpá-la pelo atentado contra os De Santis — já deve se sentir culpada o suficiente —, mas estou
com raiva, magoado e irritado a ponto de não me importar e querer infligir algum tipo de dor nela.
— Eu… só estava tentando ajudar.
Dou uma risada seca.
— Atrapalhou absolutamente tudo e, ainda por cima, me deixou levar culpa por uma guerra
que não fui eu que comecei!
Giovanna funga e limpa os olhos com as costas das mãos.
— Está irritado assim por causa disso? — A desgraçada ainda tem a coragem de me peitar!
— Porque ficou sem tuas putas, não é? Você não se importa com mais nada além de algumas bocetas,
pelo amor de Deus!
Dou um soco potente no aparador, precisando descarregar minha raiva. Como ela ousa
insinuar uma asneira dessas? Não estou irritado porque uma das consequências desse maldito
conflito foi eu ter sido proibido de ter minhas amantes.
— Estou irritado porque me arrisquei por você, cacete! — Ergo mais a voz, desferindo outro
golpe contra a madeira. — Em troca, não confiou em mim e mentiu! Deveria ter me contado,
Giovanna. Deveria ter me contado!
A garota engole em seco e aperta mais os braços ao redor de si mesma.
— Estava tentando ajudar — repete. — Quando as coisas não saíram como planejei, e
Nikolai descobriu que eu o tinha chantageado, fazendo parecer que você tinha ferido o acordo de
não-agressão, fiquei com medo da sua reação. — Giovanna ergue o olhar para mim, devagar. —
Cometi um erro…
— Um erro? Não foi um erro, foi uma imbecilidade sem tamanho, sua idiota do caralho!
Giovanna avança sobre mim, determinada, explodindo de raiva, prestes a socar meu nariz.
Consigo me defender, repelindo o golpe, mas ela está com tanto ódio que consegue uma vantagem no
meu movimento e me passa uma rasteira. Eu caio pesadamente, minhas costas recebendo todo o
impacto inesperado. A desgraçada monta em mim e empurra o braço contra meu pescoço, forçando-o
para trás. Neste momento, praguejo-me mentalmente por ter deixado que ela tivesse treinado
autodefesa com Brooke.
— Tudo bem estar bravo comigo porque fiz bobeira, mas não vai me tratar assim. Pode gritar,
explodir de raiva e socar os móveis. O que não vou admitir é que me ofenda nesse nível.
Aperto o maxilar e a empurro de cima de mim. Fico em pé e trato de me acalmar. Nervoso
assim, não vou chegar a lugar nenhum nem terei meus problemas resolvidos.
— Cadê a porra do arquivo? — pergunto, virando-me para ela novamente.
— Estava em um cofre no Nevada State Bank — responde, sentando-se na cama. — Quando
isso tudo começou, me precavi. Passei minha cópia para um pen drive e o guardei no banco.
— Estava? Onde está agora, Giovanna?
Ela parece prender a respiração e, um segundo mais tarde, explica toda a merda da situação.
Jogo a cabeça para trás, inspirando fundo. Eu pensando que essa merda não poderia piorar. Encosto-
me à porta do quarto e faço alguns exercícios mentais. Neste pequeno tempo que uso para colocar
meus pensamentos no lugar e ficar calmo, acabo tendo uma ideia de como acabar de vez com essa
maldita guerra.
Abro os olhos e a encaro. A raiva, a decepção e a mágoa por ela não ter sido franca comigo
desde o começo ainda estão aqui, mas no momento não posso dar atenção a estes sentimentos.
— Vou arrumar sua bagunça — digo firme e alto o suficiente para que fique claro. — Vou
acabar com os russos, expulsá-los daqui e trazer a paz de volta. Depois disso, Giovanna, não espere
mais nada de mim.
Eu me viro para sair, e ela consegue me alcançar, pedindo para esperar e me puxando pelo
ombro. Rejeito seu toque com um movimento brusco.
— Não me toca, porra!
Nos seus olhos, então, vejo todo o arrependimento do mundo. Dói mais do que sou capaz de
dizer esta minha decisão, mas Giovanna… quebrou minha confiança. Ela mentiu e se colocou em
perigo por pouco. Eu poderia tê-la perdido por causa dessa sua idiotice e acho que é essa
perspectiva que me deixa mais possesso e magoado com ela.
— Por favor, vamos conversar — pede, lágrimas escorrendo pelo seu rosto bonito.
— Acabou, Giovanna.
Quando me viro para sair, ela não me impede.

— Isso foi estúpido em níveis estratosféricos — Enrico diz, o semblante encrespado, assim
que termino de contar tudo sobre Giovanna e o arquivo contra Nikolai. Sentado atrás da sua mesa no
Paradise, ele gira o corpo de um lado a outro, tragando o charuto entre seus dedos. — Desculpe
dizer.
Abano a mão no ar, dispensando seu comentário.
— Não tem que me pedir desculpas porque sei que foi mesmo uma imbecilidade sem
tamanho. Giovanna podia ter confiado em nós para contar o que estava acontecendo. Ela preferiu
omitir tudo, e essa situação virou uma bola de neve.
— A menina teve boas intenções, Martini — Darko pronuncia, sentado ao meu lado. Ontem,
assim que Giovanna terminou de me contar a verdade e deixei seu quarto, liguei para Enrico e pedi
para reunir os chefes para contar algo importante e como podemos eliminar os capangas de Nikolai
de uma vez por todas. — Não seja tão duro com ela.
— De boas intenções, o inferno está cheio — Dario murmura, em pé atrás de Enrico, e vira
um gole do seu uísque. — Mas concordo sobre não ser tão duro com sua esposa, Ettore. Ela já pagou
por sua imprudência. E um preço alto demais.
Balanço a cabeça de um lado a outro, ainda ressentido com Giovanna. Tanta coisa poderia ter
sido evitada se ela tivesse sido franca comigo, se, desde o começo, tivesse me contado sobre o
vídeo, ou ao menos pedido ajuda quando tudo saiu fora dos trilhos.
— Vamos falar do que realmente importa? — digo, querendo que eles foquem no que tenho
em mente. — Essa merda de situação não é de toda ruim. Podemos tirar vantagem com esse arquivo
que Nikolai está atrás.
— Como? — Darko pergunta. — Disse que roubaram o pen drive em que está o vídeo.
— Mas Nikolai não sabe disso.

Volto para casa já bem tarde da noite, por volta das dez. Passei praticamente o dia todo
acertando o plano com os homens porque tudo precisa ser perfeito. Agora, tenho que conversar com
Giovanna porque ela é a peça-chave para tudo dar certo e colocarmos um fim nessa guerra. Inspiro
fundo e subo direto para meu quarto. Não tenho ideia de onde procurá-la, mas o primeiro lugar que
me vem à mente é a suíte que passamos a dividir. Contudo, ela não está aqui. Dou um pulo no seu
antigo quarto e também não a encontro. Lembro-me da última vez e confiro os nichos no closet. Tudo
vazio. Estou pensando em perguntar dela para seu segurança quando ouço algumas risadas e
cochichos vindo do quarto.
Saio do closet e a imagem que vejo não sei se me irrita ou se me deixa enciumado. Giovanna
está bêbada, jogada nos braços de Ethan. Ela ri de alguma coisa, enrolada em uma toalha branca,
cabelos molhados que, mesmo daqui, consigo sentir o cheiro do cloro da piscina. Montanari a segura
pelos dois braços, conduzindo-a pelo quarto, com a expressão séria enquanto diz algo sobre ela se
comportar. Leva um segundo para os dois me notarem aqui.
— O que é isso?
Ethan não a solta. Sequer expressa qualquer coisa além de impassividade e responde:
— Giovanna sendo imprudente para variar.
Ela desce um tapa no tórax de Ethan.
— Eu só queria nadar!
— Completamente bêbada, Ettore!
Giovanna está tentando chamar minha atenção. Talvez me provocar ciúme. Odeio admitir, mas
talvez esteja funcionando. Não gosto dessa proximidade dos dois.
— Por que você não gosta de mim? — Minha esposa faz bico, brincando com a gravata de
Montanari. — Estou tentando te seduzir a tarde inteira e você nem me olha com malícia.
Lentamente, ela se vira para mim, ao mesmo tempo em que sinto minhas estruturas todas
abaladas com sua confissão. Ethan finalmente a solta para massagear as têmporas e me olha, como se
me pedisse socorro e dissesse “Cuida da tua mulher”.
Vou até eles e a puxo para perto de mim.
— Agora já chega, Giovanna.
— Você me dividiria com ele, querido? — pergunta, a voz preguiçosa de bêbada, virando-se
para Ethan. — Gosta de ménage, Ethan? Meu marido e eu já fizemos com a Lilly uma vez e estou
pensando em querer experimentar com dois homens. Você aceitaria foder a esposa do seu capo?
Eu a pego com toda força pelos braços e a levo para o banheiro. Enfio-a debaixo da água fria
e a faço ficar lá, com toalha e tudo. Giovanna escorrega até os ladrilhos, abraça os joelhos e fica fora
de órbita por alguns minutos. Tempo suficiente para eu voltar ao quarto e pegar algumas roupas para
ela e uma toalha limpa.
— Só estava tentando ajudar, Ettore. Não quero que pense…
— Eu sei — digo com um suspiro. — Agradeço por ter cuidado dela para mim. Álcool e
piscina não são uma combinação muito segura.
Ele balança a cabeça em negativo.
— Foi difícil convencê-la a subir. Ela bebeu a tarde inteira e queria ficar na piscina. Não
podia permitir uma coisa dessas, era perigoso demais. — Aceno, esfregando os olhos. — Não vai se
entender com ela?
— Ethan, não estou com cabeça para falar disto agora. Se vou me entender com minha mulher
ou não, isso não é minha prioridade no momento. No momento, quero acabar com esse conflito e
retomar nossa supremacia em Vegas. Giovanna vai ficar em segundo plano.
Ele acena.
— Precisa de mim para algo mais?
Nego, e ele se retira. Volto para Giovanna em seguida, desligo o chuveiro e a enrolo na toalha
limpa e seca. Mesmo com raiva e magoado, cuido dela. Seco seu corpo e o cubro com um pijama
confortável. Busco um café forte bem adoçado e a coloco para deitar depois que toma tudo. Na
mesinha de cabeceira, deixo água e um analgésico. Mando um segurança ficar na porta dela, atento a
qualquer coisa que uma garota em estado de embriaguez possa precisar, e vou para minha suíte.
Tenho vontade de me deitar com ela e dormir ao seu lado, velar seu sono, cuidar dela de verdade.
Mas meu ressentimento é maior, por isso escolho dormir separado da minha esposa.

— Mandou me chamar?
Arrasto o jornal sobre a mesa e respiro fundo antes de erguer os olhos para a entrada da sala
de jantar. Giovanna está enrolada em um roupão branco, os cabelos loiros penteados com esmero, o
rosto maquiado. E mal são oito da manhã. Não sei por que se arrumou assim, mas desconfio que seja
para disfarçar o efeito que sua bebedeira causou.
— Temos que conversar. — Aponto para seu lugar à mesa.
Ela se senta. Escolhe uma maçã e dá uma mordida generosa.
— É sobre o arquivo?
Aceno.
— Tenho um jeito de acabar com essa droga toda. Preciso de você na linha de frente.
Giovanna enruga o cenho e se ajeita na cadeira.
— No que você está pensando?
— Vai contatar o Nikolai e dizer que está com arquivo e vai entregá-lo. — Minha esposa está
abrindo a boca, talvez para contestar que não está mais em posse do colar, mas ergo a mão
impedindo que continue. — Vai mentir para ele e vai atrai-lo para Vegas. Sua única exigência será
que seja entregue em mãos, em um local público.
Giovanna acena em positivo, atenta em mim. Enquanto tomamos o café da manhã, repasso
com ela o que combinei com os homens da máfia no dia anterior. Vejo que está com medo conforme
conto, mas não se nega a fazer o que é necessário para limparmos sua bagunça. Depois, ela sobe para
seu quarto, alegando que vai entrar em contato com o russo. Dou algum tempo para ela antes de sair
da mesa e ir até meu quarto. No closet, junto todas as roupas dela que consigo e levo-as até sua suíte.
— Ettore… — sussurra, sentada na escrivaninha com o laptop aberto.
— Eu disse que acabou. — Jogo as peças sobre a cama. — Não vou voltar atrás. Você traiu
minha confiança, Giovanna. Não vou ser capaz de te perdoar por isso.
Ela empina o nariz aristocrático e apenas assente.
— Como quiser.

— Relaxe.
Ela dá uma risada esganiçada, nervosa, e olha para mim.
— Nikolai pode me matar, sabia? Como quer que eu relaxe?
Sentado no sofá da sala, esperando dar o horário de colocarmos o plano que idealizamos dois
dias atrás em ação, brinco com minha abotoadura, despreocupado.
— Não, ele não pode. — Não a olho, ainda ressentido.
A questão é que ele vai tentar, mas já me preparei para isso. Giovanna seguiu minhas
instruções e se contatou com Nikolai. Disse que ia entregar o arquivo, mas com a condição de que
seria apenas em mãos e em local público, como uma garantia de que sairia vivia. O homem relutou
um pouco, mas aceitou vir. O plano é atrai-lo para cá e matá-lo. Morto, seus homens instalados na
cidade perdem um líder e, consequentemente, não veem mais motivos para travar uma batalha em
prol de um homem sem vida. Pushkin não tem herdeiros, o que significa que o comando de Máfia
Vermelha volta para os Petrov, que não vão querer vingar a morte dele ou comprar uma guerra que
não lhes pertence. Quando o atual líder morrer, seus homens somem da cidade em um estalar de
dedos, uma vez que estarão sem apoio.
Nikolai aceitou, desde que escolhesse o local do encontro — algo por qual já esperávamos.
Ele não é idiota e, algum tempo antes do encontro, vai colocar seus homens a postos nas redondezas,
nos terraços de prédios próximos, disfarçados de clientes da cafeteria, como uma forma de se
proteger porque vai considerar todas as possibilidades. Desconfio até que vai colocar um atirador de
elite para acertar Giovanna, mesmo que estejam em um local público. Um bom atirador vai fazer um
serviço bem-feito e conseguir sair ileso. Não se estivermos nas redondezas com muita antecedência e
sabermos a posição de cada homem.
— Como pode ter tanta certeza?
Ergo os olhos para ela.
— Porque vou garantir que saia ilesa de lá, nem que eu precise dar minha vida para isso.
Giovanna para de andar de um lado a outro e olha para mim. Por mais irritado que esteja com
essa menina, o que acabei de dizer é sincero. Eu me arriscaria por essa garota, sem pensar duas
vezes. Ela não merece toda essa minha dedicação e devoção em protegê-la, mas o fato de amá-la me
obriga a fazer coisas estúpidas. Ela abre a boca para dizer alguma coisa, mas meu celular toca. É
Enrico. Eu preciso ir.

Chego ao local de encontro com meia hora de antecedência do horário combinado. Por uma
escuta, meus homens que vieram bem mais cedo e localizaram as posições dos inimigos repassam a
posição de cada um. Para não haver qualquer tipo de suspeita — como os seguranças de Nikolai
notarem que alguns clientes e civis estão há muito tempo em um único lugar —, eles se foram assim
que novos homens chegaram e se posicionaram, repassando todas as informações necessárias.
No café do outro lado da rua, tem um homem no notebook. É um russo. Um cliente a duas
mesas de mim é um russo. Outro à minha frente também. Mais meia dúzia deles se espalha entre os
civis nas calçadas, digitando em celulares, em rodas de conversa ou tomando drinks. Tem ao menos
mais três russos, um em cada terraço dos prédios ao redor. E, como previ, tem um quarto atirador de
elite, encarregado de matar minha esposa. A posição dele, cem metros ao norte daqui, no penúltimo
andar de um hotel, portando um rifle de longo alcance, permite que ele acerte Giovanna em qualquer
lugar que ela se sentar na área do café.
Em contrapartida, temos nossos próprios atiradores de elite. Um para Nikolai, um para cada
um dos snirpers russos e um homem para cada capanga disfarçado de cliente e civil. Temos a
vantagem, estamos a um passo à frente.
Pontualmente, Giovanna chega. Finjo mexer no meu tablet — disfarçado com chapéu, óculos
de sol, sem barba e com maquiagem o suficiente que redefiniu alguns dos meus traços —, mas fico de
olho nela. Nikolai não demora a chegar, acompanhado de mais três homens. Eles se cumprimentam e
fazem um pedido rápido. Nikolai está tomando sua água com gás quando seus lábios se moldam em
um “cadê o arquivo?”. Minha esposa revira a bolsa e retira um pen drive, arrastando-o na direção do
russo.
Nikolai pega o pequeno objeto em mãos e o analisa em seguida, rolando-o nos dedos. Sem
parar de olhar para Giovanna, ele o entrega para um dos três guarda-costas e dá alguma ordem. Pelo
que entendo, para conferir se o vídeo está lá mesmo. Recebo uma mensagem na escuta.
É agora.
Então, as coisas acontecem todas de uma única vez.
Nosso elemento surpresa.
Um tiro vem de algum ponto e acerta Nikolai. Pessoas se jogam no chão, assustadas, ao
mesmo tempo que eu me levanto e puxo uma pistola presa a um coldre escondido sob minha jaqueta e
miro no guarda-costas que estava com o pen drive. Ele parece notar meu movimento e revida antes
que eu tenha tempo de apertar o gatilho. Jogo-me no chão e fico emputecido quando noto que os
seguranças estão revidando e tirando Nikolai daqui. Vivo, com um tiro no braço. Fica claro que
Darko errou o alvo. Darko errou o alvo, porra! Como ele pode ter errado o alvo?! O tiroteio não
dura muito tempo. Os russos disfarçados são eliminados rapidamente.
Procuro por Giovanna, agachada debaixo da mesa. Encontro seus olhos cheios de terror e
pânico. Tento alcançá-la — apenas a cinco metros de mim —, mas um tiro de aviso me faz recuar.
— Merda! — esbravejo, sabendo que foi um tiro do sniper ao norte.
Olho ao meu redor e, no pequeno segundo que se passa, meu cérebro capta as informações.
Nikolai conseguiu fugir com seus seguranças. Civis debandaram, e tem corpos dos russos aqui e ali.
— Darko! — berro no ponto eletrônico. — Acabem com o filho da puta no prédio ao norte!
— No segundo que espero pela sua resposta, gesticulo para Giovanna. — Fica aí, porra! Não se
mexa. — Ela acena, visivelmente amedrontada.
— Ele deixou a posição! — Stanković responde. — Alvo fora da linha, Ettore. Conseguiu
sair ileso.
Inferno, mil vezes inferno!
Arrisco-me e levanto, pronto a correr até Giovanna, mas, outra vez, um tiro de alerta me faz
recuar.
— Descubram a posição dele. AGORA! — esbravejo no ponto.
Quando me volto para Giovanna mais uma vez, horror me acerta. Ela está se levantando. Sei
que sua intenção é andar agachada até mim, talvez pensando que o atirador não é mais uma ameaça
porque saiu de sua posição inicial, mas é uma péssima ideia. No mesmo instante, meus olhos
rapidamente vasculham o prédio a cem metros daqui, sabendo que o desgraçado está em algum lugar
lá, pronto a atirar nela. Não penso duas vezes. Ergo o tronco e corro ao seu encontro. Seguro-a pelos
dois braços e a giro, deixando minhas costas receberem o crivo de balas que era destinado a ela.
Giovanna grita, mas o som chega abafado aos meus ouvidos. Sinto o gosto ocre na boca e mal vejo
quando despenco no chão.
— Ettore! — Reconheço lágrimas nos seus olhos e temor na sua voz. Tusso, expelindo
sangue. — Por favor, fica acordado. — Suas mãos passeiam pelo meu rosto liso. Ela tira meus
óculos escuros e força minhas pálpebras para cima, acomodando-me em seu colo.
— Não sei… se consigo.
Ela balança a cabeça de um lado a outro, chorando muito.
— Por que fez isso?
Abro um sorriso fraco, sentindo a vida me deixar.
— Eu disse… que tomaria uma bala… por v-você. Que te… — Outra tosse, e uma
queimação intensa atinge minhas costas. — Te tiraria daqui… i-ilesa. — Ela chora com mais força,
apertando-me contra seu peito.
— Idiota. Idiota! Não deveria… não deveria…
Giovanna nem consegue terminar de falar. Ela fica quieta, acariciando meu rosto, limpando o
filete de sangue que escorre dos meus lábios.
— Era o mínimo que… deveria fazer… para me desculpar por… — Inspiro fundo,
recuperando um pouco de ar. — Ter te chamado de… i-di… i-diota do caralh…
Meus olhos pesam e não consigo mais mantê-los abertos.
— Ettore! Por favor, fica comigo. Não vai. Não vai!
— Gio… — sussurro, conseguindo erguer a mão até seu rosto. — Amo você.
Ela desata em mais lágrimas, a cabeça balançando de um lado a outro, inconformada,
devastada, arruinada. Antes de fechar os olhos e me render à morte, sinto seus lábios nos meus, em
um beijo suave de adeus.
Rastros de lágrimas escorrem pelo meu rosto conforme ando de um lado a outro, o coração
apertado por falta de notícias dele. Ethan me tirou de lá meio segundo depois que Ettore apagou. Foi
preciso me carregar à foça porque não queria deixá-lo de maneira alguma. Dentro da van de volta
para cá, ele me acalmou e disse que a ambulância já estava a caminho e, para minha segurança, era
melhor eu ir para casa.
Contrariada, eu vim sob a promessa de que assim que tivessem qualquer informação sobre o
estado dele, seria informada. Já tem três horas e até agora nada. Sei que os homens dele devem estar
ocupados limpando a bagunça, mas será possível que não existe um ser humano que pode parar cinco
minutos e vir aplacar meus nervos? Cada segundo que passa, só consigo pensar que ele não resistiu
aos ferimentos, e é por isso que estão adiando me contar. Sabem que vou ficar devastada e cheia de
culpa.
— Giovanna. — Enrico para sob a soleira da porta da suíte de Ettore, o semblante cansado.
Interrompo meu andar para lá e para cá e o encaro, querendo ignorar todos os sinais. Meu
coração fica pequeno diante a expressão entristecida de Enrico e espero pelo pior.
— Ele chegou com vida — sussurra, observando o quarto ao redor. Prendo a respiração
esperando por um “mas não resistiu.” — E está em cirurgia. Temos que esperar.
Desabo na cama atrás de mim, um pouco aliviada. Temos uma chance. Ettore tem uma chance.
Enrico se aproxima e se senta do meu lado, pegando na minha mão. Mal vejo quando as lágrimas
desatam de vez e choro de soluçar. Ele me abraça, deitando minha cabeça no seu ombro, e fica aqui
comigo pelos próximos minutos que choro.
— Não vou me perdoar nunca por isso.
Enrico me afasta e coloca uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
— Não foi culpa sua.
— Foi. — Movo a cabeça. — Se eu tivesse contado sobre o vídeo, nada disso estaria
acontecendo.
— Giovanna, cada um é responsável pelas próprias escolhas. Você escolheu omitir a
verdade, e Ettore decidiu te proteger. Meu irmão sabia dos riscos em participar da emboscada. A
culpa não é sua.
Tento me convencer disso, mas não consigo.
— Como… vou ficar com a famiglia? — pergunto, com cuidado.
Os homens da máfia têm códigos e leis que, se burlados, exigem certa punição. Não sei se
meu erro é passível disso, por esse motivo o questiono.
— Não é o momento para falarmos sobre isso agora, está bem?
Assinto e baixo a cabeça, olhando para minhas mãos. Ficamos um tempo em silêncio, minhas
lágrimas agora mais tímidas. Não gosto de pensar no pior, mas também não consigo afastar a
negatividade da minha cabeça.
— Sei que não é o melhor momento — Enrico diz, tirando-me de meu torpor. — Mas preciso
que venha comigo falar com Nikolai por videoconferência sobre o arquivo. A emboscada não saiu
como o planejado, mas precisamos dar um fim nessa guerra, de um jeito ou de outro. Consegui me
contar com Pushkin. Ele já descobriu que não tem vídeo nenhum no pen drive que entregou. Se não
fizermos alguma coisa, o maldito vai continuar atentando contra nossa integridade.
Limpo minhas lágrimas e assinto. Ele tem razão. Esse conflito idiota já foi longe demais. Se
Pushkin vai ou não acreditar que não estou mais com o arquivo, não me importo, mas sei que
precisamos tentar.
— Está bem.
Enrico se levanta.
— Me encontre no escritório do térreo em vinte minutos.

Quando chego, Nikolai já está conectado. Parece estar em alguma fortificação — dada as
paredes pretas e a falta de cenário — e me olha de um jeito nada agradável quando me vê. Enrico
vem me receber e puxa uma cadeira de frente para o notebook e ao seu lado.
— Estou desapontado com você, Giovanna. Me emboscar daquele jeito… e ainda me
entregar um pen drive vazio.
— Ameaçou vir atrás da Giane logo depois de matar meus pais. Não tive muita escolha.
— Poderia ter me entregado sua cópia desde o começo para começo de conversa.
— Teria me matado de qualquer forma.
O homem suspira e ergue as sobrancelhas, de uma maneira que confirma minhas suspeitas.
— Não viemos aqui discutir isso — Enrico se intromete, preparando um charuto. — Viemos
falar desse bendito arquivo e tentar selar a paz.
Nikolai fica em silêncio, atento em nós dois. Olho para Enrico, que me olha de volta e me
incentiva a dizer toda a verdade. Já menti o suficiente.
— Não estou mais com o arquivo.
O russo se ajeita na sua cadeira, claramente incomodado e não acreditando em mim. Cruza as
mãos na frente do queixo e espera.
— Eu o hospedei em um pen drive em formato de colar de esmeralda e guardei em um cofre
do Nevada State Bank, que foi assaltado dias atrás com o intuito apenas de recuperarem esse
arquivo. Não sei onde ou com quem está.
— Como pode ver, Nikolai — Enrico se pronuncia, tragando seu charuto e soltando a fumaça
em seguida —, não tem mais por que ficar nos perseguindo. Vamos entrar em um acordo e vivermos
em paz.
— Quem me garante que não estão mentindo para tirar vantagem disso?
— Nada — meu cunhado responde. — Mas se quer saber, não precisamos do vídeo para
tirarmos qualquer vantagem. Se eu quiser, coloco Giovanna em contato com os Petrov para contar
tudo o que viu naquele dia. O testemunho dela seria o suficiente para fazer o clã desconfiar de você e
investigar mais a fundo a morte de Sergei. Talvez não cheguem a lugar algum, talvez descubram suas
sujeiradas. Prefere arriscar?
Há um silêncio profundo na sala. Enrico segue impassível, confiante e calmo, tragando seu
charuto. Eu permaneço no meu lugar assistindo às reações no rosto de Nikolai. Ele pensa por longos
segundos.
— Calar Giovanna não resolve mais nada — Martini prossegue, como se para ajudar a
convencê-lo a aceitar o acordo de paz. — Ettore sabe, eu sei, os meus chefes sabem, muitos dos
meus capitães e soldados envolvidos na emboscada de hoje sabem. — Este último não sei se é um
blefe ou se é verdade e procuro não saber. — Se quiser nos calar, terá que matar ao menos uma
centena de homens. Se eu fosse você, Nikolai, concentrava meus esforços em encontrar quem roubou
o colar do banco e o que pretende fazer com a informação. Está bastante claro que seu inimigo agora
é outro.
O russo se recosta contra a cadeira e exaspera de raiva.
— Que acordo tem pra mim?
— É simples. — Enrico se empertiga sobre a mesa e apoia o charuto no cinzeiro. — Tire
seus homens de Vegas, nos entregue as áreas da Espanha, pare de perseguir minha cunhada, e todos
nós ficaremos de bico fechado. Ninguém da família Petrov vai saber sobre seu golpe por nossas
bocas. Como disse, concentre seus esforços em encontrar quem está com o vídeo. Talvez em breve
até receba algumas chantagens.
— Não vejo muita vantagem nesse acordo. Não sei se posso confiar em você, Martini.
— É confiar ou confiar, Nikolai.
— Quero uma garantia de que vão ficar quietos. Deixe meus homens na cidade, prometo
que não vão dar dor de cabeça. Mas preciso deles aí para se certificarem que vocês não estão me
enganando. Se quiser, aceito diminuir nossa área de atuação. Me dê um quarteirão da Avenida
Strip e aceito sua proposta de paz.
Olho para meu cunhado. Enrico está concentrado nos próprios pensamentos, o indicador
roçando o lábio inferior, os olhos semicerrados.
— Tudo bem, é um acordo justo.
Nikolai acena uma vez.
— Ainda hoje repasso as instruções aos meus homens. A guerra acabou, Enrico.
Então, a videochamada é encerrada.
Por um lado, fico aliviada. A guerra acabou. Por outro, entro em desespero porque a vida por
um fio de Ettore foi um dos preços que paguei para que esse conflito chegasse ao fim.
Nunca vou me perdoar.

Os dias passam de forma lenta demais. Estou quase ficando maluca de preocupação. Já faz
mais de uma semana. Ettore resistiu à cirurgia, mas precisou ficar entubado na UTI e em coma. Os
médicos dizem que existe uma chance de ele sair com vida dessa, mas não devemos manter muitas
esperanças. O quadro clínico dele pode mudar de uma hora para outra, por melhores que sejam os
prognósticos. Por isso, é bom manter os pés no chão e nos prepararmos para o pior.
Não quero me preparar para o pior.
Saio do meu torpor quando a porta do escritório se abre. Vim me refugiar aqui com uma taça
de vinho e um retrato dele, como já vinha fazendo para aplacar meus medos e ansiedade. Ergo os
olhos para a entrada e me surpreendo que ela esteja aqui.
— Soube que ainda não comeu — diz, aproximando-se com uma bandeja de comida. — São
quatro da tarde. É bom se alimentar.
Ela apoia tudo na mesa, à minha frente, e se senta na poltrona vazia.
— Quando chegou à cidade?
— Hoje de manhã. — Suspira, pegando um garfo e mexendo nos morangos picados em uma
vasilha que veio junto como sobremesa. — Discuti com Enrico assim que cheguei porque ele não me
avisou e não tinha pretensões de me avisar tão cedo. Onde já se viu. Meu irmão quase morto em um
hospital e não sou notificada?
Deixando meu vinho de lado, puxo um prato da bandeja com legumes defumados e brinco
com a comida.
— Talvez seja porque você detesta sua família, Giane.
Ela franze o cenho, contrariada.
— Não detesto minha família, Giovanna. Detesto o que ela representa. Ettore continua sendo
meu irmão e eu ainda o amo, por pior que aquele homem seja. Tinha o direito de saber o que estava
acontecendo aqui.
— Quem te contou do estado dele?
Antes que Giane possa responder, um suave bater na porta a interrompe. Antonela surge,
olhando ressabiada para dentro. Já tem uns dias que ela está de volta a Vegas, agora que a guerra
acabou e um acordo de paz foi selado. Como Nikolai prometeu, boa parte de seus homens voltou
para Moscou. Apenas uma pequena parcela continua aqui, tomando conta de uma área limitada, como
foi acordado na semana passada. Com a paz estabelecida, a esposa e o filho de Enrico puderam
voltar para casa em segurança. Ela veio para cá algumas vezes nos últimos dias, para me visitar e me
fazer companhia. Não esperava vê-la hoje de novo.
— Ela aceitou comer? — Antonela pergunta à Giane.
Minha cunhada se vira para mim, depois para a outra.
— Ainda estou tentando convencê-la.
Reviro os olhos e sinalizo para que Antonela entre. Ela se senta de frente para mim e ao lado
da caçula Martini, e eu resolvo comer os legumes defumados.
— Como você está, Gio? — minha amiga pergunta, preocupada. — Já tiveram outras notícias
do Ettore?
— Ainda não — respondo, mastigando a comida. Jogo os legumes com o garfo para lá e para
cá, cabisbaixa, com aquele sentimento de culpa ainda me açoitando. Já é do conhecimento de todo
mundo o verdadeiro motivo do conflito entre Mahyas D’Arezzo e Máfia Vermelha. Para meu alívio,
nenhum desavisado teve a coragem de me olhar torto e os chefes decidiram não me punir. A vida do
meu marido em risco e a morte dos meus pais já é um castigo severo demais. — Isso está me
matando, sinceramente. Queria tanto que ele se recuperasse logo.
— Ele vai. Não conheço homem mais forte do que ele. — Giane é complacente ao dizer.
— Não me contou sobre como ficou sabendo dele.
A garota suspira e se recosta à sua cadeira, roubando um meio morango da vasilha. Dá uma
mordida pequena, troca um olhar com Antonela e responde:
— Brooke teve a decência de me ligar. — Tem uma pitada de desdém na voz dela quando
menciona a amante do irmão. Elliot não é a sua pessoa preferida, isso porque a boneca teve um
envolvimento direto na morte do noivo de Giane. — Não tenho ideia como me encontrou, mas não me
surpreendo. Todos eles têm seus métodos.
Olho para Antonela, que analisa as unhas bem-feitas, não parecendo incomodada com o
assunto do momento.
— A Brooke é uma boa pessoa — digo com certo cuidado porque não quero criar inimizade
com ninguém. — Me ajudou muito durante essa guerra. Me treinou, me ensinou autodefesa, tiro. Ela
com toda certeza contrariou o Enrico porque sabia que você tinha o direito de saber do estado do
Ettore.
— Ao menos isso — sussurra, um pouco amargurada. — Enrico deu uma desculpa qualquer
de que queria ter certeza de que Ettore ia melhorar antes de me procurar para que eu não criasse
esperança. — Solta uma risadinha inconformada.
— Ele teve as melhores das intenções — Antonela sai em defesa do marido. — Não seja tão
rancorosa com ele, per favore. Se estivesse aqui, se fizesse parte da…
Minha cunhada ergue a mão, interrompendo os argumentos. A garota para imediatamente e
decide não dizer mais nada. Giane Martini sempre renegou o sangue em suas veias. As únicas vezes
que ela se juntou à família foram em momentos exatamente como esses. A última vez, inclusive, foi
quando Maggie morreu. Ela veio de Nova Iorque para o funeral e ficou um tempo para ajudar Ettore
a passar pelo luto. Quando ela própria viveu o seu, decidiu sumir um tempo depois. Só reapareceu
agora, com a iminência de o irmão não resistir e morrer. Sinto um calafrio percorrer meu corpo ao
pensar nisso. Não quero perder aquele homem.
— Giovanna. — Ethan surge à porta, e prendo a respiração porque sei que veio me trazer
notícias. O homem só aparece para isso, ocupado em manter a casa e o quarto de hospital em
segurança. — Ettore acordou.

Pego uma camisa dele no closet e a abraço contra meu corpo. Inspiro o rastro de perfume que
ainda está aqui e deixo que as lágrimas me tomem. Pego um terno e também o abraço. Levo as duas
peças até a cama, onde me deito em posição fetal. Abraço o conjunto contra meu corpo e escondo o
rosto no seu travesseiro. Não sei se é coisa da minha cabeça ou se de fato tem um pouco do cheiro
dele nos lençóis.
Fico algum tempo aqui, inconsolável, pensando em Ettore e nos nossos momentos — das
brigas, das provocações, do sexo —, penso em cada pequeno instante que tivemos. E cada lembrança
me causa uma dor diferente no peito porque nunca vou me perdoar por perdê-lo por uma atitude tão
estúpida.
Eu o perdi. Para sempre.
Soluço e aperto suas roupas contra meu corpo, tentando suportar a dor de amá-lo e de tê-lo
perdido.
— Giovanna — Giane se senta do meu lado e acaricia meu cabelo. Nós nem sequer somos
próximas, mas agora ela está aqui, tentando me consolar. — Não é como se ele tivesse morrido. —
Acaricia meu cabelo.
Obrigo-me a parar de chorar. Seco um pouco das lágrimas e me recomponho. Encosto contra
a cabeceira da cama, ainda abraçada às roupas dele, tentando me agarrar as únicas coisas que me
sobraram de Ettore.
— Mas eu morri pra ele.
— Ettore nunca disse isso.
Cabisbaixa, engulo em seco.
— Ele não quis me ver, Giane — digo, engolindo o nó que se forma na minha garganta e a
vontade de chorar. — Ettore pulou na frente de uma bala por mim, salvou minha vida e… não quer
mais me ver. Tudo bem, porque ele tem motivos, não é? Ele tem motivos para nunca mais querer
olhar na minha cara.
Compareci todos os dias ao hospital para visitá-lo depois que a paz foi estabelecida. Eu
chegava, entrava em seu quarto e ficava lá alguns minutos, vendo-o respirar com ajuda de aparelhos,
torcendo pela sua melhora, na expectativa pelo dia que ia acordar e eu poderia falar com ele. Quando
esse dia chegou, Ettore não quis saber de mim. Eu sequer atravessei a soleira da porta de seu quarto.
Enrico estava lá plantado e me disse que talvez não fosse uma boa ideia eu entrar porque meu marido
tinha sido bem categórico sobre não querer me ver. Todos eles entraram — Enrico, Giane, Antonela,
Ethan —, mas eu tive de me contentar em vê-lo pelas brechas da porta.
Considerei que Ettore precisava de um momento dele e respeitei seu espaço. Voltei todos os
dias desde que acordou, mas em todos os dias, minha entrada era barrada. Soube que ele está melhor.
Mais corado, comendo e conversando sem dificuldade. Vai voltar para casa em breve, mas não sei
como vai ser nossa relação daqui para frente.
— Ettore passou por muito. Ele se arriscou por você, e você mentiu pra ele. É natural que
esteja magoado.
Aceno em positivo, secando outra lágrima teimosa.
— Sei disso — digo e me lembro das palavras dele antes de tudo. “Acabou, Giovanna”. Meu
marido não estava brincando. — Eu mereço, na verdade.
— Não merece, não. Só dê um tempinho para aquele cabeça-dura. — Pega na minha mão e
fazemos contato visual. — Aquele homem se importou com você o suficiente para tomar uma bala no
seu lugar. É claro que vocês vão se entender e ter muitos filhinhos.
Dou uma risadinha em meio à minha tristeza, achando engraçado o modo como diz. Aperto
sua mão na minha com mais força, desejando que esteja certa.
— Estou pronto para vê-la — digo a Giane, que está sentada ao meu lado.
Pela visão periférica, porque meu olhar está grudado na televisão do meu quarto de hospital,
eu a sinto abrindo um sorrisinho convincente.
— Já não era sem tempo. — Minha irmã se levanta e tapa minha visão da programação à
minha frente. Encontro seus olhos amáveis e suspiro, esperando pela piada ou pelo sermão. Ao invés
disso, ela apenas se inclina e beija meu rosto. — Seu teimoso cabeça-dura.
Dou uma risadinha leve antes de ela ir.
Uma hora depois, Giovanna está aqui. Hesitante sob a soleira da porta, dentro de uma calça
jeans, regata preta colada ao corpo e scarpin. Os cabelos loiros estão presos em um coque firme com
duas mechas caindo na frente do rosto um pouco maquiado. Linda demais sem nem fazer esforço.
— Me chamou aqui — ela diz sem avançar quarto adentro, com certo cuidado na voz — para
me dizer que nunca mais quer olhar na minha cara?
Não evito um sorriso pequeno.
— Se eu não quisesse nunca mais olhar na sua cara, não teria tomado um tiro por você.
Parece ser toda a resposta de que Giovanna precisa. Ela finalmente vem até mim, a passos
apressados, e se joga nos meus braços. O impacto do seu corpo no meu, ainda frágil e se
recuperando, tira um pouco do meu ar e me causa uma dor lancinante. Resmungo baixinho, mas não a
afasto de mim.
— Calma, garota. Tem um homem ferido aqui.
Ela ri na curva do meu pescoço e inspira fundo o meu cheiro. Não devo estar com o melhor
dos aromas quando faz três semanas que estou nessa cama de hospital, mas Giovanna não se importa.
Afago suas costas e cabelos, apreciando este momento. Juro que, enquanto perdia a consciência
durante aqueles instantes nos seus braços, pensei que nunca mais sentiria o cheiro dela, a pele dela.
— Não quis me ver. — Sua voz sai baixa e abafada, com uma nota de tristeza. — Pensei que
estava com tanta raiva de mim, tão magoado, que nunca mais ia querer me ver.
Afasto-a um pouco e acaricio seu rosto.
— Não foi por esse motivo que não quis ver você.
— Não?
Engulo em seco, fixo nos seus olhos verdes e ainda acariciando seu rosto.
— Eu precisava de um tempo, Giovanna. Muita coisa aconteceu entre nós em pouco tempo e
eu… disse coisas que não deveria. Preferi estar mais consciente para conversarmos. Levei alguns
dias para sair do torpor da medicação e realmente acordar. Aproveitei para refletir sobre tudo o que
passamos até aqui e cheguei a uma única certeza.
— Qual?
Abro um sorriso pequeno, sem deixar de deslizar o polegar pelo seu rosto.
— De que também preciso te pedir desculpas.
Ela prende a respiração.
— Ettore…
Coloco dois dedos sobre seus lábios, impedindo-a de continuar.
— Você tentou ajudar. Poderia ter confiado se não em mim, então na famiglia, no seu pai, mas
não confiou. Não posso te condenar por esse erro, por piores que tenham sido as consequências,
porque eu tenho minha parcela de culpa nessa merda toda. Jamais deveria pedir que confiasse em
mim quando nunca fiz por merecer a sua confiança. Eu que soquei o Alexei, foi meu celular que
grampearam, eu que fui imprudente diversas vezes. Você não tem culpa sozinha, Gio.
Ela está prestes a abrir a boca e dizer alguma coisa, mas não deixo porque a puxo para um
beijo. Passei tempos demais longe da sua boca e preciso matar a saudade dela. Envolvo sua cintura
com meu braço livre e a aperto mais contra mim. Giovanna se desmancha nos meus braços e se
entrega.
— Desculpe por ter perdido a cabeça. Eu estava nervoso, sei que não justifica, mas não
deveria ter dito aquelas coisas.
— Idiota do caralho? — A danada tem um sorriso divertido. Assinto apenas. — Tudo bem.
Eu te dei uma rasteira por isso e, caso não se lembre, tomou um tiro por mim. Acho que estamos
quites.
Rio um pouquinho, começando a ficar cansado. Não o suficiente para não retribuir o beijo
que ela me dá.
— Assim que eu me recuperar por completo — digo, meus lábios rentes aos seus em um
sorriso safado —, vai me dar a bunda.
Giovanna gargalha gostoso, jogada em cima de mim. Sorrio o tanto quanto meu estado de
saúde no momento permite e a aperto contra meu peito. Não quero nunca mais ficar perto de perder
tudo que envolve essa mulher.

Meses depois

Emerjo e inspiro fundo, passando a mão nos cabelos. Sentada na borda da banheira,
Giovanna usa um robe de seda branco e uma lingerie sexy da mesma cor capaz de comprometer
minha sanidade mental. Meu pau até lateja sob a água. Com os cabelos presos e maquiagem leve,
minha mulher está linda demais.
— Trouxe umas coisas — diz, erguendo uma sacola de uma loja de sex shop — para facilitar
sua vida.
Enrugo o cenho, sem entender direito o que ela quis dizer com “facilitar sua vida”. Enquanto
retira o que é que tenha na sacola, estico o braço, pego meu uísque apoiado na superfície de mármore
e tomo um gole. Abro um sorriso sacana quando vejo o que ela trouxe e entendo sua sugestão.
— Vai facilitar bastante — concordo, pegando o brinquedo erótico.
— Qual dos dois vai preferir?
Olho atentamente para os brinquedos que reproduzem um pênis humano e são usados para
dupla penetração. O primeiro é uma cinta peniana e o outro é um anel com companheiro. Não preciso
segurar nenhum dos dois enquanto a fodo, ao contrário do consolo que comprei meses atrás. Por isso
vai “facilitar minha vida”.
— Este — digo, erguendo a segunda opção. Ela acena e guarda o que não vamos precisar,
enquanto penso que a cinta peniana vai ser interessante quando Lilly participar com a gente. — Entra
assim. — Aponto para a lingerie branca.
Um segundo depois, Giovanna está sentada no meu colo, abraçando minha nuca. Ela me dá um
beijo suave, que vai ganhando intensidade aos poucos. Meu pau responde quase instantaneamente aos
estímulos dela. Puxo o elástico que prende seus fios e solto seus cabelos. Enfiando a mão por entre
suas madeixas amarelas, eu a trago mais para mim, prensando seus peitos no meu tórax. Beijo seu
colo e vou deslizando a língua até seus seios, beijando entre eles.
— Antes de brincarmos… — Giovanna sussurra, jogando um pouco a cabeça para trás, minha
língua agora rodeando seu mamilo. — Quero te sentir na minha bunda.
Sinto o pau dar uma pulsada violenta. Já tem algum tempo que eu venho a preparando com o
consolo. Já perdi as contas de quantas vezes ela gozou com meu pau enterrado na sua boceta e o pau
de plástico socado no seu cu apertadinho, mas ainda não experimentamos pele a pele.
Seguro firme nos seus cabelos e a faço me olhar.
— Fala que quer me dar o cu. — Giovanna suspira, um suspiro trêmulo e longo, e se remexe
no meu colo, procurando minha ereção. — Fale — exijo. — E nada de palavras bonitinhas. Me
mostra a safada boca-suja que eu como todo dia.
Outro gemidinho dela antes de murmurar:
— Quero dar meu cu pra você.
Sou eu que jogo a cabeça para trás agora, excitado ao extremo. Giovanna repete mais uma
vez, quase implorando por isso. Troco nossas posições, colocando-a de quatro na banheira. Apalpo
sua bunda macia e escorrego até sua boceta melada, afastando o tecido da calcinha. Enveredo dois
dedos entre seus lábios vaginais e os massageio. Segurando-se na borda, ela geme e rebola contra
meu toque.
— Depois da primeira rodada — sussurro, subindo o toque até estacionar na sua bunda —,
vamos inverter hoje. Meu pau no seu cu, e o de plástico na bocetinha.
Eu me inclino e a chupo por inteira, rodopiando a língua no seu clitóris, penetrando-a e
beijando sua bunda gostosa. Ela geme do jeito que gosto de ouvir — alto e desesperado —, o que me
motiva a lhe dar cada vez mais. Com os dedos afundados nas suas nádegas, eu me dedico até senti-la
gozar na minha boca. Enquanto ainda está recebendo o orgasmo, eu me ajoelho e afundo em sua
boceta. No instante em que estou dentro dela, um gemido rouco e exagerado escapa de mim. Ela é
boa demais, apertada demais, molhada demais.
— Amo quando geme assim — Giovanna sussurra, rebolando. — Geme comendo minha
boceta, Ettore. Geme.
Cravo mais os dedos na sua cintura, estimulado, e deixo minhas cordas vocais livres para
atender esse pedido. Essa desgraçada sabe que acaba comigo com seu palavreado sujo e baixo.
Estoco fundo nela, meu tesão crescendo à medida que me imagino comendo sua bunda, meus gemidos
se misturando aos dela.
— Preciso comer seu cu.
— Come. Mas come gostoso.
Jogo um pouco de lubrificante na bunda dela e a penetro devagar, colocando centímetro por
centímetro. Outro daquele gemido insano escapa de mim quando estou dentro dela, experimentando-a
pela primeira vez. Agarro seus ombros e a forço ao meu encontro conforme soco nela. Começo com
um entra e sai preguiçoso, esperando que ela se acostume, mas não leva muito tempo até que estou
mais rápido, socando com mais força, e ela pedindo mais. Mais rápido. Mais forte.
Tudo isso é minha perdição. Não duro mais do que dez minutos e gozo, Giovanna me
acompanhando. Desabo dentro da banheira, trazendo-a para meu peito. Respiramos com dificuldade,
recuperando o fôlego. Neste meio-tempo, ela fica enrolada no meu abraço, submersa na água agora
morna, enquanto acaricio seu cabelo.
— Vou querer comer sua bunda todo dia.
Ela ri, aquele riso gostoso que me faz querer continuar sendo o motivo da sua felicidade.
— Vou dar sem reclamar.
Permanecemos aqui até a água esfriar de vez. Giovanna fica no quarto, e eu vou até a cozinha
buscar algo para comermos.
— Tem notícias da Giane? — minha esposa pergunta, jogando um aperitivo na boca, os olhos
fixos na televisão rodando um filme de suspense.
— Não. Enrico deve ter, mas ele também não me diz nada, o que não me surpreende. Não é a
primeira vez que minha irmã some do mapa. Não se preocupe.
Uns dias depois que recebi alta, Giane decidiu voltar para sua vida. Sei que, antes da guerra
com Luigi Bianco, ela morava em Nova Iorque. Agora já nem sei mais. De qualquer forma, não
importa e não trato de esquentar a cabeça muito com isso. Amo minha irmã de todo coração e sei que
ela está sendo mantida em segurança. Mesmo que eu não saiba do seu paradeiro, Enrico sabe. Até
porque ele tem um acordo com Darko. Os sérvios e os romenos estão na cidade, como parte do
acordo. Os russos respeitam o espaço delimitado e não são mais nenhum problema para a Mahyas
D’Arezzo.
— Sobre o assalto ao banco — Giovanna menciona com cuidado. — Os policiais da sua
folha descobriram alguma coisa?
Abano a cabeça em negativo.
— Não. Não temos ideia de quem roubou o cofre. — Afago sua bochecha. — Bobagem se
preocupar, Giovanna. Quem quer que tenha tomado posse daquele colar tem pretensões de atingir
Nikolai, não você ou a famiglia. Isso não é mais problema nosso.
Ela concorda e abre um sorriso travesso. Afastando toda a comida, puxa-me pelo punho e
sussurra.
— Temos um pau de mentira para estrear.
Limpo a cama, deixando tudo sobre a mesa no ambiente, e volto para ela. Giovanna está nua
sobre o colchão, pernas abertas, dedos no clitóris, olhos em mim. Tiro meu roupão e engatinho na sua
direção.
— Arreganha mais.
Com as pernas bem abertas, eu passo a língua por toda sua boceta deliciosa. Giovanna segura
no meu cabelo e empurra meu rosto contra si, pedindo mais. Quando mergulho nela, aquele gemido
incontrolável escapa de mim. Ela sorri, afundando os dedos nos meus cabelos.
— Gosta, safada? — Abraço seu corpo, mantendo-a presa a mim.
— Do seu gemido? Já disse que amo. — Ela morde a ponta da minha orelha e desce
escorregando sua língua pelo meu pescoço. Ela tenta abraçar minha cintura, mas não permito.
— Fica aberta. Quanto mais arreganhada, melhor.
Ela abre as pernas ao máximo e puxa minha boca para um beijo.
— Quero dois — ela pede, jogando a cabeça para trás.
Eu pego o anel com companheiro e o visto. Deito-me às costas dela e ergo sua perna. Encaixo
meu pau na sua bunda e o de plástico na boceta. Forço-me para frente, indo devagar, até que tudo está
completamente dentro dela. Giovanna geme junto comigo e bate a pélvis de encontro aos meus
movimentos, que agora estão mais rápidos.
— Gostosa demais — sussurro, mordiscando a pontinha da sua orelha e gemendo contra seu
ouvido. Ela suspira e se derrete mais nos meus braços, totalmente a minha mercê.
Mantendo sua perna erguida, eu me dedico a encontrar seus pontos mais sensíveis. Soco
fundo nela, sentindo seu corpo estremecer a cada estocada. Sem que ela espere, eu a troco de
posição. Deito na cama e a trago para meu colo, sem sair de dentro dela. Apoiando as mãos no
colchão, ela começa uma cavalgada forte e intensa, subindo e descendo. A visão do meu pau entrando
e saindo do seu cu estreito e do anel com companheiro fodendo sua boceta é deliciosa demais e me
deixa ainda mais duro. Subo uma mão até seu seio e a outra desço até seu clitóris.
O choque dos meus dedos no seu feixe de nervos acaba por estimulá-la. Minha esposa move
mais os quadris. Sobe, desce e rebola. O que é minha total perdição. Afundo no colchão, entregando
tudo de mim para ela. Meu corpo, meu coração, meus sentimentos. Tudo que Giovanna quiser de mim
é dela.
— Vou gozar — anuncia, inclinando-se um pouco mais para trás.
— Isso. Goza com dois paus atolados em você. Goza como uma putinha.
Ela grita e estremece. Dez segundos depois, desaba com as costas sobre mim. Giro nossos
corpos e saio de dentro dela. Tiro o anel com companheiro, visto uma camisinha e me encaixo entre
suas pernas. Ela ainda está se recuperando quando deslizo dentro de sua boceta encharcada,
deixando que outro gemido saia de mim. Ajoelhado na cama, seguro em sua coxa e me arremeto com
força, procurando meu próprio orgasmo. Somos uma confusão de suor e gemidos, e eu adoro cada
segundo, cada instante, cada vez que ela geme e me olha, cada vez que me segura pelos braços ou se
joga para trás.
— Goza de novo. Goza comigo agora — peço, desesperado, entre suspiros e palavras.
Beijo sua boca e soco mais forte, perto de esporrar. Mantenho-a presa a mim, em uma ação
instintiva. De repente, parece que tenho medo de que ela me escape entre os dedos de alguma
maneira, tenho medo de perdê-la para sempre. Prendo-a com força, beijo-a com força até que gozo,
murmurando contra seus lábios inchados. Diminuo o ritmo gradualmente e a abraço. Giovanna me
envolve e afaga minhas costas, rebolando os quadris devagar contra mim. Ficamos uns trinta
segundos inteiros conectados antes de eu girar de cima dela e deitar na cama, colocando as mãos
atrás da cabeça. Ela vem e se deita sobre meu tórax, deixando um beijo na minha mama.
— Te amo — digo de repente. — Te amo tanto que seria capaz de entrar na frente de uma
bala por você quantas vezes fossem necessárias.
Giovanna gira sobre mim, acariciando meu rosto.
— Amo você — ela diz, mordendo meu queixo, agora barbado de novo. —Te amo o
suficiente para nunca mais fazer algo estúpido o bastante para que tenha que entrar na frente de uma
bala por minha causa. — Ela procura minha mão e fecha nossos dedos. — Obrigada por confiar em
mim de novo, Ettore.
Aperto seu corpo compacto contra o meu e nos giro, ficando por cima dela. Beijo sua boca e
acaricio seus cabelos.
— Vou precisar comer você e mais uma até realmente te perdoar. — Faço manha.
Ela ri e afunda os dedos nos meus cabelos.
— Ainda tenho energia para mais uma rodada. Quer chamar Lilly?
Balanço a cabeça em negativo.
— Hoje quero que seja só minha. — Seguro seu rosto e a beijo profundamente. — E quero
ser só seu.
Quatro anos depois

— Gosto quando é você que está vendado — Giovanna reclama enquanto a encaminho pelos
corredores da casa de Swing. Sorrio um pouco, achando engraçado seu resmungo. Vamos ver se vai
continuar reclamando quando chegarmos ao quarto.
— Seja uma boa menina. Já disse que tenho uma surpresa pra você.
Meu coração está acelerado com o que temos para hoje, se ela topar. Já tem algum tempo que
frequentamos uma das casas de Swing mais badaladas de Las Vegas. Lilly se tornou uma espécie de
amante fixa, mas vez ou outra Giovanna quer variar. Este lugar é propício para encontrarmos pessoas
de toda sorte e realizarmos fetiches de todo tipo. Já transamos na frente de outros voyeurs — às
vezes, mais de um ao mesmo tempo —, já transamos com ao menos mais duas mulheres juntas, já
usamos vibradores, strap-on (quando Lilly usou com Giovanna, foi incrível), mordaças e vendas, já
assistimos juntos um casal transando e depois nos juntamos a eles, cada um com seu parceiro. Já
comi a mulher de um voyeur, que assistia ao lado da minha mulher, já experimentei ser dom ou sub da
minha esposa, mas não curti a experiência com nenhum dos dois. Fiz porque ela queria experimentar.
Nesses últimos quatro anos, aprendi com ela que é experimentando que a gente encontra nossas
preferências, conhece o parceiro e se conhece.
Houve fetiches que foram deliciosos e repetimos com alguma regularidade. Outros não foram
feitos para nós, como o BDSM. Gosto de dominá-la, mas não nesse nível que exige a prática. Não foi
prazeroso para mim e não foi prazeroso para ela de nenhuma das formas que nos propusemos a
conhecer o fetiche. Vida segue e passamos para outros. Então, minha decisão agora de agradá-la não
é súbita, mas vem sendo germinada há muito tempo. Pensada e ponderada com cuidado durante
nossas descobertas e aventuras sexuais por esses anos todos. Por esse motivo, estou certo de que
quero isso, que topo realizar esse fetiche pelo prazer dela e pelo meu prazer também.
Quando chegamos ao quarto, fico às suas costas e seguro as duas pontas da venda.
— Pronta para sua surpresa? — Ela assente, ansiosa. Descubro seus olhos e digo: — Se não
quiser, você me fala.
Sinto-a prender a respiração quando vê o casal na cama, ambos nus e trocando beijos
molhados. Ela se vira para mim, olhos curiosos e inquisidores.
— Vamos assistir de novo?
Balanço a cabeça em negativo.
— Swing.
Seus lábios se entreabrem. De todas as nossas fantasias, trocar de parceiro foi algo que ainda
não fizemos. Giovanna sempre gostou mais de me ver fodendo outra boceta e nunca fez qualquer
objeção em eu não aceitar que outro a fodesse. Anos atrás, o pensamento me causava aflição e ciúme.
Hoje, depois de tantas coisas incríveis que aprendi e descobri ao lado dela, sem tabus e
preconceitos, nada disso mais me ocorre. Trato com a mesma naturalidade que ela trata quando sou
eu comendo outra mulher.
— Só se você quiser — reafirmo. — Megan também é bi. — Aponto o queixo para a ruiva na
cama, beijando o marido, que se chama Jason. — Vai ser uma diversão e tanto se topar.
Giovanna vem até mim e me beija. É um beijo intenso e lascivo, quente como o inferno. Um
segundo depois, estou perdendo minhas roupas; e ela as dela. Nós nos juntamos ao casal na cama, eu
indo para a garota ruiva, e ela indo para o cara moreno. Ficamos algum tempo nas preliminares.
Beijos estalados, línguas em bocetas, bocas em paus. Dez minutos mais tarde, as duas estão de
quatro, uma de frente para a outra, sendo fodidas. Elas trocam beijos e carícias, o que só me deixa
mais duro e focado em esfolar a boceta apertada da ruiva.
— Deita debaixo dela, querida — Jason diz para Megan, amaciando a bunda da minha esposa
enquanto mantém o ritmo das estocadas. — Quero te ver em uma meia-nove com ela com enquanto
fodemos vocês.
A posição é uma das mais deliciosas que já experimentei. Giovanna lambe e chupa a
bocetinha de Megan enquanto eu a fodo, muitas vezes chupando meu pau, ora dentro de Megan, ora
inteiro na sua boca gulosa. Ao mesmo tempo, Jason fode minha mulher, que está sendo chupada pela
dele, que também engole o pau do marido vez ou outra.
— Ele te fodeu gostoso? Do jeito que minha putinha gosta? — pergunto para Giovanna
quando troco com Jason e estou comendo minha mulher.
Puxo um pouco seu cabelo para trás e suspiro ao sentir a língua de Megan lambendo minha
extensão conforme entra e sai da boceta da minha mulher. Ela dá um sorriso safado e acena, ocupada
demais em responder com palavras porque está chupando Jason.
— Vem aqui. — Puxo Giovanna para meu colo e a faço sentar em mim. — Hora de
experimentar dois paus de verdade nesse cu e nessa boceta. — Olho para Jason, que já está se
encaixando atrás dela. Quando está todo enterrado, Giovanna geme gostoso, apertando meus ombros
e movendo os quadris.
Megan fica ao lado dela e dividimos sua boca, seus peitos, nossas línguas se estalando, minha
mão no clitóris da ruiva, enquanto me concentro em me mover para dentro da boceta da minha
esposa. Ela já está bem fodida quando trocamos de posição. Ela senta no pau de Jason e eu vou
comê-la por trás. Então, somos uma profusão de corpos, suor, saliva, gemidos e prazer. Instantes
depois, Giovanna começa a dar indícios de que vai gozar.
Solto um tapa na bunda dela e repuxo seu cabelo para trás.
— Goza gostoso, vai. Goza com dois paus socando você.
No minuto seguinte, ela se desmancha e goza, abafando o grito exagerado intercalando beijos
entre Jason e Megan. Enquanto Giovanna se recupera, é vez de Megan ser fodida nos dois buracos.
Ela prefere sentar no meu pau e permanecer assim até gozar. Ao final, elas ficam uma ao lado da
outra e Jason e eu esporramos na boca delas: eu em Megan, ele em Giovanna. Tiramos alguns
minutos para recuperarmos o fôlego antes de seguirmos para um banho, e até fazemos mais uma
sacanagem gostosa na jacuzzi. Jason e Megan vão embora, e nós permanecemos no quarto.
— Você gostou? ​— pergunto, apertando meus dedos nos dela.
Estamos apenas deitados um ao lado do outro, recuperando as energias já há quase uma hora
e olhando para o teto.
— Precisa mesmo perguntar?
Dou uma risadinha e giro meu corpo por cima do dela. Beijo sua boca, deslizando pelo colo
até chegar ao clitóris. Passo a língua nele suavemente e ergo meu olhar para ela.
— Agora, quero que seja só minha e quero ser só seu.
Caio de boca nela.

— Está gostosa demais assim por quê? — Levanto uma sobrancelha, avançando quarto
adentro e me desfazendo da gravata.
Giovanna está na nossa cama usando uma lingerie vermelha sexy e quente como o diabo. Os
peitos me parecem generosamente maiores, mas deve ser só o efeito do bojo e da sustentação do
sutiã. Cabelos ondulados e soltos e maquiagem leve.
— Vem aqui — ela me chama.
Sento-me na cama e a recebo no meu colo. Antes que eu tenha tempo de perguntar qualquer
outra coisa, ela me beija. É um beijo suave e romântico, que vai ganhando outras proporções
gradualmente. Já estou sem fôlego quando ela para e se inclina na direção da gaveta da mesinha de
cabeceira e retira alguma coisa de lá de dentro. Levo um segundo para notar que é um teste de
farmácia.
— Vamos ter um bambino?
— Com um ano antes do planejado. — Aperto sua cintura nos meus dedos, não sabendo
explicar a sensação que me acomete. — Mas pode ser uma bambina.
— Vai ter todo o meu amor do mesmo jeito. — Roubo um beijo dela, mais forte, mais rude,
deixando que a felicidade no meu peito transborde no meu sorriso e nos meus gestos. — Vamos ter
um bebê, Gio. Vamos ter um bebê.
— Merece uma comemoração — sussurra, esfregando a boceta em mim. Giro nossos corpos
e a deixo por baixo, concordando. — Quer que eu chame Lilly? Ou Jason e Megan.
Abano a cabeça em negativo.
— É o nosso momento. Quero ser só seu e quero que seja só minha.
Com um movimento rápido, Giovanna consegue trocar de posição de novo, ficando por cima.
Ela começa a desabotoar minha camisa, bem devagar.
— Como você quiser.
Dois minutos depois, ela está sentando vigorosamente em mim. Aperto sua cintura,
controlando a onda de prazer e sensações incríveis que tomam meu corpo conforme ela sobe, desce,
rebola e contrai a boceta em torno do meu pau, e eu soco duro nela. De repente, sinto falta dela e do
seu toque no momento em que estamos os dois atingindo um pico de prazer arrebatador e intenso.
Trago-a para mim, seus seios esmagando meu tórax, e conduzo suas mãos para as partes que quero
senti-la.
— Me toca, Giovanna. Tem toda permissão do mundo para me tocar.
Afago minha barba e olho fixamente para o colar sobre minha mesa, pensando no conteúdo
valioso que carrega. Já o assisti algumas vezes e, graças à minha fluência em russo, consegui
compreender com facilidade o teor da conversa entre Nikolai e Yuri.
Estou ajudando os Martini a eliminar de vez os homens de Pushkin sitiados em Vegas. O
conflito entre os ítalo-americanos e os russos começou há mais de dois meses quando o estourado do
Ettore socou até a “morte” um dos homens mais fiéis de Nikolai, ferindo um pacto de não-agressão
que ambas as máfias tinham acordado. Até dezoito dias atrás, não tinha ideia que esse arquivo existia
e que este arquivo, na verdade, é o motivo dessa guerra sangrenta.
Fiquei sabendo dele por um acaso.
Reunidos com os Martini na mansão de Ettore para bolarmos um plano eficaz, eu me ausentei
por alguns minutos e fui até o banheiro tirar a água do joelho. Na volta, deparei-me com Giovanna e
Brooke Elliot conversando. Peguei o assunto pela metade, mas decidi prestar atenção na conversa
quando a garota mencionou o nome de Nikolai. Escondido em um ponto cego do cômodo, ouvi-a
confessando que estava em posse de um arquivo, que Nikolai estava atrás dele e que o conteúdo era
importante o suficiente para intensificar a guerra. Confesso que fiquei curioso em saber do que se
tratava, ainda mais porque a garota garantiu que quem colocasse as mãos nele poderia facilmente
subjugar os russos. Entretanto, o que me fez tomar a decisão de resgatá-lo — protegido em um cofre
no Nevada State Bank, segundo a menina comentou — não foi minha curiosidade ou sede de submeter
Nikolai. Foi a raiva. A fúria. A cólera.
O maldito desgraçado ameaçou atingir Giane caso o arquivo não fosse entregue. Naquele
momento, um ódio visceral e quase descontrolado me atingiu em cheio. Giane Martini é a caçula da
família e minha prometida — embora ainda não saiba disso. Mesmo que eu ainda não a conheça
pessoalmente, ela pertence a mim. E ninguém ameaça a integridade do que é meu.
Ouvi todo o restante da conversa — Giovanna querendo ajuda de Brooke para deixar o
complexo sem ser notada para ir buscar esse arquivo e entregá-lo a Nikolai. Decidi que não
comentaria com ninguém da famiglia, mas ia colocar minhas mãos nesse maldito pen drive. E foi o
que fiz. Orquestrei um assalto ao banco dentro dos dias que se seguiram e recuperei o arquivo. Sabia
dos riscos que ia correr ao fazer isso — Nikolai sempre foi um homem de palavra — e por esse
motivo, mandei que vários dos meus homens vigiassem a garota e fizessem a segurança dela sem que
ela soubesse. Desde o assalto, esperei então que a esposa de Ettore contasse a verdade. Demorou um
pouco e ela só contou porque o marido descobriu antes — os detalhes de como aconteceu pouco
importam.
De qualquer maneira, os italianos se aproveitaram que Nikolai estava atrás do pen drive e o
usaram para emboscá-lo. Acontece que eu não o queria morto. Giovanna tinha razão em uma coisa: o
conteúdo é relevante e instiga a sede por poder, influência e dinheiro. Foi por isso que eu errei
propositalmente o tiro que deveria ter matado o chefe da Máfia Vermelha. O maldito não tem ideia de
quem está com o vídeo e vou usá-lo, no momento certo, em busca de mais território e áreas de
influência.
Um bater leve em minha porta me tira do meu torpor. Skender avisa que Enrico Martini está
aí fora para a conversa que solicitou comigo. Mando que entre e tiro os pés de cima da mesa,
ajeitando-me no meu lugar e guardando o colar na gaveta. El Diablo adentra o local e se senta de
frente para mim. Ofereço um charuto e uma bebida — ele aceita uísque — e preparo dois.
— Giane está na cidade — comenta, com um suspiro longo. — Não queria que ela soubesse
do estado crítico de Ettore, mas Brooke me contrariou e a avisou do ocorrido. Ela veio
imediatamente para cá.
Solto a fumaça do meu charuto e engulo um “eu já sabia”. Meus homens me passam um
relatório diário dos movimentos dela.
— Com todo respeito, Enrico, mas sua irmã tinha o direito de saber sobre a saúde de Ettore.
Pelo que sei, ela o ama muito.
O don abana a mão, em um gesto de desdém.
— Quis poupá-la de criar esperanças, Darko. A situação do Ettore é delicada e ele pode não
sobreviver. Queria ter certeza que não teria mais risco de morte antes de avisá-la.
Abstenho-me de algum comentário sobre isso porque nenhum argumento vai fazê-lo mudar de
opinião. Ele teve boas intenções de proteger a irmã, ainda que não a avisar sobre a internação de
Ettore não tenha sido uma boa decisão.
— A questão — Enrico prossegue — é que agora é uma boa hora de conhecê-la.
Pondero um instante e nego com a cabeça. Semanas atrás, quando Enrico me procurou para
fazermos um acordo em troca de a máfia sérvia ajudá-los com os russos, uma das condições que me
ofereceu foi um casamento político com a caçula. Acontece que a garota renega o sangue que corre
em suas veias e, na última vez que ele arranjou um noivo para ela em troca de alianças, a mulher não
reagiu muito bem, embora tenha se conformado logo e, pelo que entendi, até passado a gostar do
pobre-coitado que hoje está morto. A dúvida que pairou sobre nossas cabeças no instante daquela
oferta foi se Giane aceitaria mais uma vez ser oferecida assim, para beneficiar uma organização que
recrimina a todo custo. A solução que encontramos foi mentir para ela. Eu teria de me aproximar
como se fosse uma pessoa comum e cortejá-la — algo que não tenho muita paciência, mas estava
decidido a cumprir em prol do nosso acordo.
— Ainda não — digo, por fim. — Não vou me aproveitar dela em um momento vulnerável
como esse. Vamos esperar Ettore se recuperar, se ele se recuperar, e aí, coloco nosso plano em
prática quando for o momento certo. Não tenho tanta pressa assim.
O homem arreganha um sorriso um pouco diabólico.
— Deveria se apressar. Ela é uma mulher bonita e está solteira. O que garante que logo ela
não arruma um pretendente?
Devolvo seu sorriso e tomo um gole do meu uísque.
— Se for necessário matar todos os pretendentes dela, eu mato, Enrico.
Martini se levanta, virando o restante de sua bebida goela abaixo.
— Como quiser. Aja quando achar necessário.
— Mais uma coisa — falo, antes que ele saia. — A segurança dela agora é minha prioridade
também. Tenho homens a vigiando já há algum tempo — digo e sigo decidido omitir o fato de estar
com o colar.
— Não te julgo por querer proteger o que é seu.
Assinto.
— Não confio em Nikolai. Por mais que tenham feito um acordo de paz, ele ainda pode ser
uma ameaça à minha noiva. É bom ficar com um olho nele e outro em Giane. Tenho a impressão de
que ele não acreditou que não estão mais com o vídeo.
— E você acha que eu não? — O tom dele tem uma pitada de quem está ofendido. — É claro
que vou mantê-lo sob vigilância e reforçar a segurança da minha irmã caçula, Darko.
Assinto outra vez.
— Ótimo.
O homem solta a fumaça de seu charuto, apoia-o no cinzeiro sobre minha mesa e vai embora.
Assim que sai e fecha a porta, retiro o colar de dentro da gaveta.
Em breve, vou fazer negócios com Nikolai.

Continua…
Em breve na Amazon.
PRÓLOGO

Há um traidor entre nós. Um inimigo infiltrado. É uma questão de honra para mim descobrir
quem é o filho da puta agindo como agente duplo, atrapalhando meus negócios, matando meus homens
e ameaçando a supremacia da minha família em Las Vegas.
Dificilmente faço o trabalho sujo, mas neste caso farei questão de eu mesmo pôr minhas mãos
no desgraçado e tirar sua vida da forma mais lenta e dolorosa possível. Quero vê-lo pedindo por
misericórdia. Tenho uma ereção só de imaginar os métodos que poderei usar. Tolero muitas coisas,
mas não traição. Nosso código as abomina; é uma postura inadmissível, punida com tortura e morte.
Traidores não devem ser poupados. Nunca. Em circunstância nenhuma.
Ela se mexe ao meu lado, seu corpo branco e macio dispersando-me dos meus pensamentos.
O lençol ocre de seda cobre parte da sua cintura, mas deixa as pernas longas e a parte superior à
mostra. Toco seu braço despido com a ponta do indicador, recordando-me do sexo louco mais cedo.
Brooke sempre dorme depois de uma trepada bem dada. Raramente durmo nessas ocasiões;
mantenho-me ao seu lado, acordado por um bom tempo antes de conseguir pregar os olhos. Hoje não
poderia ser diferente. A insônia é intensificada pela preocupação, ansiedade e excitação. Estou
prestes a descobrir quem é o maldito traidor.
Levanto-me do lado dela e me enrolo em um roupão. Fumo um charuto e bebo um dedo de
uísque, admirando Las Vegas da cobertura do meu hotel-cassino enquanto espero pela informação
que não tardará a chegar. Willian Fiore, ou Willy, um dos meus capitães, foi incumbido de me trazer a
verdade.
Duas batidas seguidas soam na madeira da porta. É ele. Sua subida já está autorizada na
recepção. Obrigo-me a agir ponderadamente e controlar meus nervos. Sei que estou ansioso pela
revelação, mas preciso estar calmo e concentrado para receber a notícia e para pensar na punição
adequada.
Abro a porta e me deparo com ele do outro lado. Seu cabelo loiro está bagunçado, a cicatriz
no lado esquerdo do rosto, adquirida quinze anos atrás quando ainda era um dos soldados da família,
está mais evidente por conta da luz do corredor atrás dele, dando-lhe um aspecto sombrio e frio.
— Chefe. — E meneia a cabeça. — Consegui tudo o que precisa.
Pego o dossiê de suas mãos, guardado em uma pasta marrom de couro. Olho-a por alguns
segundos, meu coração martelando loucamente dentro do peito.
— É alguém da minha extrema confiança, Willy? — pergunto. Um misto de medo e raiva
apossa do meu corpo. Odiarei saber que terei de matar um dos meus, alguém no meu meio que eu
estime muito. Considero alguns como sangue do meu sangue, embora não sejam.
— É mais do que isso, chefe — responde, a voz misteriosa causando-me um tremor insólito
por dentro.
Tenho uma premonição ruim.
Abano em positivo e fecho a porta. Sirvo-me de outra dose de uísque e me sento na poltrona
no quarto com a pasta em meu colo. Vagarosamente, tomo coragem para abri-la e analisar os
documentos. Na primeira folha, tomo um susto, pego por uma revelação inesperada.
Ergo meus olhos em direção a Brooke. Brooke Elisabetta Bernardi. Não. Maldita desgraçada.
Volto a analisar o documento. Não posso acreditar em tamanha traição. Vinda logo dela. A porra da
mulher que eu amo.
A primeira folha traz uma foto sua, junto de uma ficha completa. Brooke Grace Elliott. A
vadia sequer é descendente de italianos. Com uma raiva tremendo minhas mãos, confiro o restante do
dossiê. Descubro que é ela quem comanda as Dark Dolls, a porra da organização que causou essa
merda de guerra entre mim e Luigi Bianco.
Vagabunda desgraçada.
Jogo a pasta para o lado, com toda força e raiva, os papéis espatifando-se em um canto
qualquer da suíte. Trinco o maxilar, segurando a vontade de me aproximar dela e apertar seu pescoço
esguio ou sufocá-la com o travesseiro. Não consigo conceber que Brooke me traiu nesse nível.
Preferia que tivesse dado o rabo para outro homem a me enganar dessa maneira.
Saio da minha poltrona e caminho em sua direção, parando de frente para ela. Abaixo o olhar
e a observo dormindo profundamente, alheia à minha descoberta. Mordo o lábio inferior com força, a
ponto de sentir o gosto do sangue na minha língua. Esqueça a morte lenta e dolorosa. Vou cortar o
pescoço dela agora mesmo, pegando-a desprevenida. Já imagino seu semblante ao acordar com o
jugular espirrando sangue, as mãos inutilmente tentando estancar o líquido vermelho que lhe dá vida.
Volto para a escrivaninha do outro lado do quarto e pego meu canivete. Olho longos segundos
para o objeto, ponderando minha decisão. Não consigo. Por mais raivoso que eu esteja com essa
maldita, não consigo.
E não sei o que fazer.
Viro-me de novo e sou surpreendido por Brooke a um metro de mim, apontando uma Glock na
minha direção.
EL DIABLO

Minhas mãos estão sujas de sangue. Literal e figurativamente.


Amo e odeio a parte do trabalho sujo. Às vezes o aviso precisa vir de cima, principalmente
quando não me dão o respeito merecido. Em algumas ocasiões, preciso eu mesmo dar o recado.
Como hoje.
Subo até a suíte presidencial do Paradise Casino & Hotel. Vou direto ao banheiro luxuoso e
me encaro no espelho. Meu rosto está sujo de suor, sangue e areia do deserto. Um dos meus homens
tinha dado o aviso, meses atrás. O desgraçado acatou as ordens por algum tempo, mas tornou a
traficar drogas na minha área. Entendi que a primeira surra não resolveu muito, então decidi que eu
mesmo deveria alertá-lo. Talvez agora, com a cara arrebentada, duas pernas quebradas e dez unhas a
menos, não subestime mais a famiglia Martini e entenda por que meus rivais me chamam de El
Diablo.
Abro o registro do chuveiro e, enquanto tiro meu terno, deixo a água esquentar. Tomo um
banho longo, tirando todo resquício de sujeira do meu corpo. Lavo delicadamente o dorso da minha
mão, lesionada em leves esfolamentos por causa dos socos no maldito. Enrolo-me em uma toalha
branca e volto para o quarto, onde visto um terno limpo.
Alguém bate à porta. Permito a entrada.
— Não acha arriscado demais você mesmo dar esse tipo de lição? ​— Ettore, meu irmão
caçula, entra na suíte. — Enrico, o FBI não pode ligar você a qualquer merda de crime.
Coloco meu relógio de pulso calmamente, nem um pouco preocupado com a advertência do
meu irmão e subchefe da família.
— Não me preocupo com isso, Ettore. Tenho advogados de defesa bastante competentes e
promotores na folha de pagamento. Acha que conseguiriam me levar em cana por eu socar um
traficantezinho filho da puta?
— Soube da situação dele. Está na UTI. Você não apenas socou o traficantezinho filho da
puta. Quase o matou.
Com um sorriso descontraído, dou um passo à frente e me apoio ao seu ombro direito.
— Não se preocupe comigo. Tenho tudo sob controle, sì?
— Ainda assim, Enrico. É para isso que temos soldados e os capitães. Deixe o serviço sujo
para eles. Guarde suas energias para uma execução digna da atenção do futuro don Martini.
Abro um sorriso grandioso e aceno em positivo. Deixamos a suíte juntos e, enquanto
adentramos o elevador, pergunto:
— Já estão todos reunidos?
— Sim. Já sabe que será cobrado, não é?
O sorriso em mim permanece, mas diminui um pouco. Embora esta reunião seja para tratar de
negócios, sei que os demais membros me cobrarão por algo que esperam há algum tempo, desde que
meu pai, Vincenzo Martini, precisou se afastar e eu assumi a liderança.
— E não tirarei a razão deles.
Não respondo, porque também não tiro a razão deles.
A reunião é no meu escritório, na parte administrativa do hotel. Quando adentro o local, já
estão aqui John Coppola, meu contador; Giovanni Carbone, meu mentor; Gianluca Ferraro e Willy
Fiore, meus capitães. Além disto, também recebo Dario Parisi e Giacomo Vitali, chefes de dois dos
cinco clãs que comandam Las Vegas, com quem temos negócios e integram a nossa família,
denominada Mahyas D’Arezzo.
— Buongiorno, signori. — Eles se levantam para me receber. Trocamos apertos de mãos
diplomáticos e me sento no meu lugar, em uma cadeira confortável atrás de uma mesa pesada de
madeira pura. Ettore permanece ao meu lado direito, Giovanni ao meu lado esquerdo, os capitães na
porta de entrada, e os chefes Parisi e Vitali sentam-se de frente para mim. Pego um charuto e ofereço.
Eles não negam e fumamos por um instante, conversando trivialidades antes de realmente tratarmos o
que interessa.
— Como sabe — Dario começa, soltando uma fumaça longa depois de tragar seu charuto —,
estamos em paz há bastante tempo. Desde o massacre da Páscoa. — Ele me olha respeitosamente,
sabendo que fui o causador do referido massacre.
Foi há dez anos, em uma das vezes em que precisei assumir a chefia da família, de forma um
pouco mais incisiva, é verdade. Meu velho se manteve no comando da máfia permanecendo longe
dos malditos feds. Nessa época, os Martini já estavam estabelecidos em Las Vegas desde a década
de 1920, sob o comando do meu avô, Santino Martini, e foi com muito sacrifício que conseguimos
toda a supremacia e influência que temos desde então.
Duas outras famílias que comandam Vegas, porém, queriam o aumento da porcentagem dos
lucros e estavam pressionando o meu velho para isso. Diplomático como ele só, com toda certeza
teria cedido, tudo para evitar uma guerra entre nós. A morte súbita de minha mãe, porém, atrapalhou
os planos ambiciosos de nossos rivais, principalmente porque eu, no comando enquanto meu pai se
recuperava do golpe de perder a esposa, decidi não ceder um dólar a mais de lucro e mantive a
participação deles nos ganhos dos vinte por cento que foram estipulados quando estabelecemos
nosso comando na cidade.
Os putos resolveram me intimidar, acreditando que eu seria passível como Vincenzo e
recuaria como ele teria feito se sofresse o ataque que sofri. Estava na igreja, duas semanas depois do
funeral de mamãe, e havia apenas sete dias no comando, rezando pela alma dela, quando três homens
entraram metralhando o local. Saí ileso, mas uma das minhas amantes foi morta, cravejada de balas,
assim como dois ou três fiéis inocentes. Não, eles não respeitaram nem mesmo a sagrada casa de
Deus.
Não retaliei naquele momento e cedi o que queriam. Deixei-os pensar que fui passível e que
seria igual ao meu pai. Meses depois, no domingo de Páscoa, quando os Bianco gozavam dos lucros
exorbitantes que cedi, e já sob comando de Vincenzo outra vez, ataquei. Atraí eu mesmo quinze
homens dos clãs — incluindo o chefe e subchefe — e os enfiei todos num carro atolado de
explosivos no porta-malas. Eu mostrei aos putos dos Bianco e aos De Santis que eu, assumindo o
Mahyas D’Arezzo ou não, não seria como o bundão do meu pai, que passou a vida atrás da sua mesa,
escondido em seu escritório, sem nunca ter sujado diretamente as suas mãos de sangue. Eu não daria
a porra das ordens para serem executadas. Eu mesmo executaria a porra das ordens.
O recado foi dado e acatado. Os Bianco aceitaram as condições firmadas com meu pai anos
antes e se contentaram com a porcentagem de lucros estabelecida. Sabendo que sou um homem
implacável, não tentaram mais nenhuma retaliação e temos vivido tempos de paz.
Por enquanto.
— Você sabe, Enrico, que os Bianco nunca se esqueceram do que você fez com a famiglia
deles dez anos atrás. E estão esperando apenas uma brecha para retaliar. Brecha essa que você está
deixando abrir. Precisamos nos fortalecer, conseguir o apoio dos De Santis e manter os Vitali
conosco.
— Mas só continuaremos te apoiando — Giacomo Vitali se pronuncia — se os Martini
reafirmarem sua supremacia em Las Vegas e não deixarem que a chefia do Mahyas D’Arezzo fique
nas mãos de Luigi Bianco.
Giacomo pega no meu ponto fraco. Na nossa família, a chefia se dá de forma hereditária. O
herdeiro é sempre o primeiro filho homem legítimo do último capo dei capi. Mas mesmo o herdeiro,
antes de assumir o comando, precisa atender alguns requisitos. Ter pelo menos trinta e oito anos,
idade suficiente para ter ganhado experiência no submundo, e já ter um herdeiro legítimo, ou seja, um
filho, o que também exige uma esposa. Duas coisas que ainda não tenho, prestes a completar quarenta
anos. Na falta de um descendente apto, assume o sucessor da linhagem, caso haja, que também
precisa atender tais condições. Ettore, apesar de casado e com uma esposa grávida, só tem trinta e
quatro.
Vincenzo está doente há meses por causa de um câncer de pulmão, e os médicos só lhe deram
mais alguns meses de vida. Se ele morrer sem um herdeiro apto, o comando, segundo nossas leis, vai
para o chefe de outro clã que atenda as exigências. Nesse caso, Luigi Bianco, o único casado e com
um herdeiro homem. Todos os demais chefes ou não têm um sucessor masculino da linhagem de seus
sobrenomes, ou têm filhos ilegítimos.
Dario e Giacomo não querem que a liderança do Mahyas D’Arezzo fique sob o poder de
Bianco porque sabem que ele vai retaliar, seja com violência física ou prejudicando os negócios, por
causa do massacre na Páscoa, quando os dois chefes tomaram o meu partido. Logo, essa reunião é
também para me pressionar a me casar o mais rápido possível e arrumar um filho, antes que meu pai
acamado morra.
— Já está com quase quarenta anos, Enrico. Precisa se firmar como homem da máfia se não
quiser que Luigi seja o novo capo dei capi e se quiser que o comando de Las Vegas continue nas
mãos dos Martini— Dario adverte.
— Sei disso — respondo, recostando-me à minha poltrona e tragando meu charuto.
Mordo meu charuto, encarando os dois homens à minha frente. Olho lentamente para meus
capitães parados perto da porta de entrada, as mãos cruzadas na frente dos quadris. Então olho para
meu irmão Ettore, que concorda com um maneio de cabeça. Ele vem me dizendo o mesmo há quase
uma década, muito antes de meu pai adoecer. Procuro pelo meu mentor, que também me aconselhou
sobre isso nos últimos tempos.
— Tudo bem — concordo, deixando meu charuto de lado. Levanto-me e caminho até um
pequeno armário de madeira, de onde retiro uma garrafa de uísque. Sirvo-me enquanto digo: — Vou
arranjar uma esposa e fazer um filho nela.
Vitali e Parisi se entreolham.
— Pensamos que, para fortalecermos nossas famílias, você deveria se casar com uma das
nossas — Dario profere.
Olho para Dario por um longo segundo. Ele tem uma filha caçula, a garota deve estar com uns
dezenove ou vinte anos. A metade da minha idade. Se bem conheço a tradição, Parisi está a mantendo
dentro de casa para não perder a virgindade com qualquer um para poder oferecê-la em casamento a
um capo e tirar algum proveito dessa união.
— Per favore, signori, se vou me casar com uma mulher, acho que devo ter o direito de
escolher. — Aponto o dedo para Dario. — Sem ofensas, sua filha é linda, linda mesmo, mas tenho o
dobro da idade dela. — Sinceramente, não reclamaria em foder uma boceta na flor da idade, e ainda
por cima virgem, mas se vou fortalecer o poder da minha família, quero fazer isto sem me prender a
nenhuma outra e arriscar um golpe de linhagem. — Me deem alguns meses. Vou arranjar uma esposa.
— Não se esqueça da tradição, Enrico — Giovanni sussurra ao meu ouvido. — E se apresse.
Seu pai pode morrer a qualquer momento.
Viro-me em sua direção e sorrio.
— Descendente de italianos, preferencialmente, virgem… Não vou me esquecer, Giovanni.
Não vou me esquecer. — E tomo meu uísque em um único gole.

A noite cai sobre Las Vegas. As ruas já estão amarrotadas de turistas, os cassinos estão
cheios de viciados e trapaceiros, as calçadas repletas de prostitutas, e nas boates as strippers são o
objeto de pecado de homens casados. Deixo a suíte confortável do Paradise e esgueiro pelas ruas,
dispensando meu segurança. Tenho homens espalhados por toda cidade, olhos e ouvidos por todo
canto; se alguém respirar errado, fico sabendo. Sigo a pé por alguns quilômetros, o ar noturno
fazendo-me bem, até chegar ao Vegas Strip Supreme Club. Estou em uma das poucas áreas que os
Martini não comandam, sendo este um território dos Bianco. Adentro o clube de strip-tease, olhando
para os lados e conferindo que não estou sendo vigiado. Um don não frequenta esse tipo de lugar,
Giovanni me aconselharia. É um local que fico facilmente exposto e vulnerável, mas, às vezes, gosto
de me arriscar. O risco e a iminência do perigo me deixam excitado e acionam adrenalina no meu
corpo.
Escolho uma área vip do lugar. A atração do momento, nesta pista, é uma mulher negra, seios
de foras, entumecidos; a calcinha fio-dental carrega uma porção de notas de dinheiro que homens de
todos os tipos já ofereceram. Tem grandes lábios, olhos negros e cabelos alisados até abaixo do
ombro. Ela dança e se insinua, passando o indicador nos lábios e escorrendo por entre os seios. Usa
o pole dance para alguns movimentos mais sensuais. Desvio o olhar um segundo quando uma
garçonete vem me atender.
— Algo para beber?
— Single malt. Com gelo — peço.
A mulher assente e se retira.
A dança no palco continua por mais dez ou quinze minutos. Um homem calvo, na casa dos
cinquenta anos, conversa com outro, que está bem vestido e me parece o gerente ou dono do local. O
cliente aponta para a dançarina que faz seus últimos movimentos. O gerente abana a cabeça, pega o
celular como que para conferir alguma coisa e, depois que a negra termina sua performance, a chama,
cochicha algo em seu ouvido e ela sorri, olhando sugestivamente para o cliente. Um segundo mais
tarde, os dois estão indo para os fundos da boate, que, não é segredo para ninguém, tem alguns
quartos para os programas das strippers.
Meus olhos se desviam para o palco quando uma nova música começa a tocar e minha boca
se entreabre no instante em que a vejo. É alta, loira, corpo magro e enxuto. Seus cabelos estão presos
em um coque baixo, num estilo bastante retrô; usa um casaco longo preto e luvas na mesma cor. Os
saltos batem contra o palco conforme ela desfila sedutoramente até mais ao centro, seus passos
imitando os das top models. O copo permanece em minhas mãos; estou enfeitiçado o bastante para
não conseguir nem mesmo sorver um gole.
A mulher para frente ao poste, movendo os quadris no ritmo de uma música lenta e sexy,
enquanto vagarosamente vai retirando as luvas. Os homens na borda do palco gritaram para ela,
usando palavras de todos os tipos. Ela sorri, dando-lhes atenção, ignorando as coisas sujas, e segue
sua dança erótica, roçando o traseiro no pole dance e agachando-se até o chão. Então, torna a ficar
de pé, agarra o poste e dá um giro completo antes de começar a abrir o casaco da mesma forma lenta
e deliberada, que provoca os homens e os deixam louco e de pau duro.
Da forma que me deixa louco e de pau duro.
Ela se livra da peça, revelando por baixo dela um corpo escultural. Seios médios sustentados
por um sutiã de couro, meia-arrastão preta até altura do umbigo e um short curtíssimo também de
couro. Sem parar com os rodopios, ela solta os cabelos louros, que caem como cascatas pelas suas
costas e rosto. Seus fios estão revoltos, cheios de volume e brilho. Então ela se balança para lá e
para cá, fica de quatro, engatinha em direção aos homens. Agarra um deles pela gravata e o leva para
muito perto da sua boca.
Puta merda.
Sinto um tesão imenso com a cena, imaginando sua boca naturalmente vermelha e carnuda em
torno de mim. Ela sorri para o homem que acabou de agarrar, sussurra alguma coisa e se distancia
com brusquidão, voltando ao seu palco, ficando de costas e movendo a bunda.
A garçonete vem em minha direção outra vez, mas percebe que eu nem bebi meu último
pedido.
— É uma puta? — pergunto antes que saia. A menina não entende meu questionamento. Então,
aponto para a garota. — É uma puta? — repito.
— Não, senhor. Ela só faz a performance. Mas conheço outras strippers que fazem programa.
Posso trazer a relação e reservar um quarto.
Desvio meu olhar para a stripper, que agora começa a tirar o short curtíssimo de couro.
Minha respiração quase falha.
— Me reserve três. As melhores que você tiver — peço, embora no momento eu tenha criado
certa obsessão por essa mulher.

Meu telefone toca às seis da manhã. As três prostitutas estão na minha cama king-size na suíte
do Paradise, enroladas no lençol. Venho da varanda, já vestido. O dispositivo pisca o nome de
Ettore no display.
— Fale.
— Enrico, aconteceu uma merda. Uma merda das grandes.
Meu corpo fica em alerta. Afasto-me do quarto, voltando à varanda. Encosto à porta para ter
mais privacidade. Enquanto termino de ver o sol nascer, pressentindo que mal começara e já terei um
péssimo dia, questiono, tentando manter a calma:
— O que aconteceu, Ettore?
— Os putos dos Bianco deixaram o cartel mexicano roubar uma carga nossa de drogas na
fronteira com o México e sete homens deles foram mortos, chamou a atenção da mídia e dos
agentes federais. Sabe o que isso significa? Que a porra dos feds podem abrir uma investigação!
É, eu terei a porra de um péssimo dia.
AJUSTE DE CONTAS

O ponto de encontro é na minha mansão na Langley Estates Street, em Canyon Gate, o que
me deixa longe o suficiente do centro movimentado da Avenida Strip, mas perto o bastante para
chegar rápido caso haja uma urgência e eu precise estar no Paradise Casino & Hotel em vinte
minutos ou menos. Por isso, do instante em que deixo as prostitutas dormindo na cama na suíte
presidencial — às seis e cinco — ao instante em que avanço com meu Corvette preto pelo pátio
principal, levo apenas treze minutos. Antes de seis e vinte, já estou no meu escritório, à espera dos
demais, segurando-me para não avançar no primeiro filho da puta que atravessar a porta e enchê-lo
de socos.
Eles chegam pontualmente às seis e meia: Luigi Bianco com seu mentor, um velho na casa dos
sessenta anos, o subchefe e seu filho, um capitão, Lionel Bianco. Logo atrás, é acompanhado do meu
subchefe e irmão, de Giovanni; de Coppola, meu contador, e o capitão da minha confiança, Willy.
Aperto a ponte do nariz e abro e fecho os dedos, um exercício para manter a calma.
— Como foi que deixaram que nossa carga fosse roubada? — pergunto, sentando-me no meu
lugar. Os demais ficam em torno de mim, em um semicírculo.
— Foi uma armadilha dos mexicanos — Luigi se pronuncia. — Eles toparam fazer negócio
conosco, mas na hora, enquanto estávamos receptando as drogas na fronteira de Tijuana, os malditos
abriram fogo contra os meus. Tivemos dez baixas, Enrico, nosso armamento foi roubado, e os sete
feridos que ficaram para trás foram pegos pelos agentes da fronteira, e muito provavelmente serão
condenados por tráfico.
Roço o dedo nos lábios, pensativo. Isso não é bom, não é nada bom. E não digo apenas pelo
prejuízo. Falo pelo perigo que os desgraçados da polícia representam. Esse roubo e os homens
presos podem comprometer a família e nos desmantelar. Os agentes estão há anos tentando nos
rastrear, atribuir muitos crimes grandes aos chefes para enfraquecer a família.
— Os homens presos são de confiança? — indago, trincando o maxilar. — Sabe que os
malditos podem fazer promessas de aliviar a condenação em troca de informações para chegar até
nós ​— falo apontando para mim, para ele e para o restante a nossa volta.
— Eles são. Além do mais, vou garantir bons advogados e que o juiz do caso seja um dos que
estão nas nossas folhas de pagamento.
Maneio a cabeça, aprovando a tática.
— E sobre os prejuízos? — Ettore, ao meu lado direito, pergunta. — Era uma carga valiosa,
estimada em dois milhões de dólares, e por descuido dos seus homens, não só tivemos um prejuízo
excessivo, como quase comprometeu a família.
— Ettore tem razão — anuo, girado lentamente na minha cadeira de um lado a outro. — Será
necessário nos ressarcir. — Viro-me para John Coppola e solicito: — Providencie o cálculo da
porcentagem de lucros que teríamos com essas drogas. — Ele abana em positivo e pega caneta e
papel sobre a mesa, rabiscando-a logo em seguida. Enquanto meu contador faz as contas necessárias,
torno a tratar com Luigi.
Nós cedemos alguns territórios em Las Vegas que pertencem aos Martini (a maior parte em
locais onde mais flui dinheiro) e ficamos com oitenta por cento de tudo o que é arrecadado. É claro
que Luigi tem sua própria área de atuação, onde sua família comanda e age com criminosos menores
como agimos com eles.
Entretanto, em alguns outros negócios, agimos diferente. O tráfico de drogas, que vem do
México pela fronteira de Tijuana, é um deles. Os Bianco têm um papel fundamental no transporte e na
segurança das nossas cargas quando é necessário atravessar fronteiras. Eles garantem (quando o
serviço é bem-feito) que nada atrapalhe o percurso, seja a polícia, o FBI ou máfias rivais. Por sua
atuação primordial, metade da carga é deles. Um quarto do total que pertencem a eles deve ser
comercializado em nossos territórios com a porcentagem de meio a meio; o outro quarto poderá ser
comercializado onde bem entenderem, mesmo em nossos territórios, e cem por cento dos lucros lhes
pertence.
Tudo é devidamente contabilizado por John, e se há prejuízos nós devemos ser ressarcidos.
Por vezes, mando algum dos meus homens resolver o problema, principalmente quando é um
traficante menor que deve aos Bianco. Se deve aos Bianco, deve aos Martini. Nada que uma surra e
ameaça de morte não resolva para o pagamento ser efetuado.
— Teremos que entrar em um acordo — Luigi pronuncia, buscando a aprovação rápida de seu
subchefe, que meneia a cabeça. — Foi uma carga perdida, uma armadilha dos mexicanos filhos da
puta. Não tivemos culpa de perder esse investimento.
— Não haverá acordo — respondo, implacável. ​— Vai ressarcir integralmente os nossos
prejuízos.
— Está sendo radical, filho — o subchefe Bianco interfere. — Como Ettore afirmou, era uma
carga muito valiosa. Além de reembolsarmos seu prejuízo, de recuperar os nossos próprios
desfalques, ainda teremos os pagamentos necessários para aliviar a condenação dos nossos homens.
Se queremos garantir que não sejam seduzidos pelos feds e nos entreguem, precisaremos disso.
Levanto-me lentamente, dobrando a barra da manga da minha camisa até a altura do cotovelo
O olhar de Luigi e do seu subchefe me acompanham. Na prateleira de cerejeira, pego um charuto,
preparo-o e o acendo.
— Isso não é problema meu. Vocês darão um jeito — falo, mantendo-me de costas para eles e
de frente para a janela que exibe meu jardim do outro lado. — Vão ressarcir meus prejuízos e
garantir que seus homens se mantenham fiéis à máfia. Porque se, de alguma forma, o FBI conseguir
chegar a mim por causa dessa carga, pode ter certeza, Luigi, muitos Bianco vão morrer antes que um
agente federal ponha suas mãos sujas em mim. ​— Viro-me em sua direção, fitando-o com seriedade.
Seus olhos castanhos estão repletos de fúria. Seu queixo triangular, preenchido por uma barba
grisalha que denuncia seus quase cinquenta anos, está tenso. Conheço o sentimento de raiva, de
imponência, de querer pegar a metralhadora e descarregar um pente inteiro no filho da puta que me
ameaça. Mas Luigi sabe que não tem chances contra mim. Os Martini têm apoio dos Vitali, dos Parisi
e, muito em breve, dos De Santis. Eles estão perdendo a lealdade desta última para nós, e por esse
motivo sabe que não têm homens nem força para começar uma guerra comigo. Em vista disso, não há
nada a fazer a não ser aceitar o meu termo.
— Tudo bem. Dê-nos ao menos um prazo maior para levantarmos essa quantia.
Sorrio levemente, retiro o charuto dos meus lábios e solto a fumaça.
— Um mês é o suficiente. — Não é uma pergunta.
Luigi faz menção de contestar, mas John vem até mim, interrompendo-o.
— Seu prejuízo foi de um milhão e duzentos e cinquenta mil, chefe.
Viro-me para Bianco.
— Ouviu meu contador. Um milhão e duzentos e cinquenta mil. Você tem um mês para
levantar essa grana.
Ele faz uma cara de contrariado, mas acata com um afirmar de cabeça. Erguendo-se do seu
lugar, estica a mão para um cumprimento de despedida. Quando Bianco deixa meu escritório,
Giovanni dá um passo para ao meu lado e murmura:
— Enrico, precisa começar a ser mais maleável. Os Bianco ainda vão se voltar contra nós.
Lentamente, viro-me para meu conselheiro. Trago meu charuto, ponderando seu conselho. Vi
o que aconteceu no passado quando Vittorio foi maleável. Não seguirei os passos deles. Se para
reafirmar a supremacia e o poder dos Martini em Las Vegas é necessário derramar sangue por toda a
Avenida Strip, então que assim seja.
— Pois que se voltem contra mim, Giovanni. Quando isso acontecer, farei jus ao meu título
de El Diablo. E você sabe, caro mentor, que sou mesmo capaz de fazer o inferno na terra pela minha
família.

Dois dias depois, como se arrastado por uma força maior do que eu, estou de volta ao Vegas
Strip Supreme Club. Novamente, vim na esgueira, sem meus seguranças, sem que meus homens
saibam onde estou. Não é a primeira vez que uma mulher me deixa enfeitiçado, não é sequer a
primeira vez que uma prostituta me deixa enfeitiçado — embora ela, segundo a garçonete do clube,
não seja uma —, mas é a primeira vez que contrario todo o bom senso, obcecado em uma dançarina
que usa um pseudônimo. Ela não faz programas, mas talvez abra uma exceção para mim.
Entro na boate. É segunda-feira à noite e o movimento é muito menor do que nos fins de
semana. Há uma stripper no palco principal, vestida de policial e dançando. Três homens e uma
mulher brigam pela atenção da dançarina, jogando notas de dólares em sua direção. Olho ao redor, a
luz arroxeada do ambiente, a música alta, as poucas garçonetes vestidas em trajes vulgares. Pego no
pulso de uma garota com meia-arrastão branca e casaco de pele que passa por mim.
— Ei, essa é minha — diz alguém logo atrás. Viro-me e me deparo com um homem de rosto
redondo, barba rala, calvo nas laterais da cabeça, barriga de chopp. — Pegue um horário para você,
cara.
— Não quero a sua puta. Só uma informação — explico e me volto para a morena siliconada.
— A stripper loira. Ela está aqui hoje?
A menina balança a cabeça em negativo e informa:
— Ela só faz os finais de semana.
Estranhamente, isso me deixa frustrado e não sei o porquê. Qual a razão de querer ver essa
stripper?
— Sabe onde posso encontrá-la? Ou qual o primeiro nome dela?
Quero fazer mais um monte de perguntas, principalmente do porquê de ela só vir aos finais de
semana. A maioria das meninas aqui trabalha de forma integral, muitas vezes fazendo programas para
complementar a renda. Nego-me a acreditar que ela trabalha de garçonete em um restaurante luxuoso
e aos finais de semana arranca a roupa para tirar alguns trocados a mais. Se vem apenas três vezes,
significa que tem um trabalho decente e usa o strip-tease como diversão, renda extra ou o quê?
Minha cabeça parece que vai explodir. Não entendo os motivos de estar tão obcecado nessa
mulher. Quero encher a morena siliconada de perguntas, mas seu cliente está me enchendo o saco,
dizendo que estou roubando minutos valiosos do programa que ele pagou com Dienny.
Inspiro profundamente para não perder a paciência com ele e o ignoro, esperando a vadia me
responder.
— Não sei nada sobre a Suzy — diz, mencionando o nome da garota pela primeira vez. —
Onde mora, ou primeiro nome. Sinto muito.
Suzy.
Eu poderia conseguir as informações acerca dela facilmente. Willy é o homem ideal para
desenterrar tudo que preciso dela, mas se fizer tal pedido, saberá que estou interessado mais do que é
permitido tratando-se de uma mulher como ela. Coço a bochecha, dou uma olhada ao redor e tiro mil
dólares da carteira. Enfio entre os seios dela e exibo um sorriso sacana. O barrigudo começa a
protestar, mas uma virada brusca em sua direção e uma segurada firme em seu colarinho o fazem
ficar quieto como um gato assustado.
— Te dou mais mil se me descobrir onde ela mora e quem é — falo, deixando seu cliente
livre da minha pegada. A morena sorri abertamente e acena em positivo, guardando o dinheiro
melhor dentro do sutiã. ​— Volto em dois dias — informo, retirando-me em seguida.
No lado de fora do clube, sentindo a brisa noturna acariciar meu rosto e trazer os sussurros
dos perigos que rondam as ruas de Vegas no território inimigo, tudo com que me importo é descobrir
a verdadeira identidade de Suzy.

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