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Pacientes queimados

Miranda et al. (2021) Queimaduras: fisiopatologia das complicações sistêmicas e manejo


clínico. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 64377-64393

Pereira (2020) Aspectos essenciais do metabolismo e nutrição do adulto queimado grave. 1.º
CICLO EM CIÊNCIAS DA NUTRIÇÃO | UNIDADE CURRICULAR ESTÁGIO FACULDADE DE CIÊNCIAS
DA NUTRIÇÃO E ALIMENTAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO PORTO

Questões norteadoras
1. Conceituar queimadura grave

Uma queimadura grave, em adultos, é caracterizada pelos seguintes critérios:

Uma das seguintes condições:

- área de superfície corporal queimada (ASCQ) superior a 20%, com queimaduras


profundas numa área superior a 5%, inalação de fumaça, queimaduras profundas
em áreas funcionais (face, mãos, pés, períneo) ou ainda queimaduras elétricas de
alta voltagem.

- ASCQ inferior a 20% e uma ou mais, das seguintes condições: idade superior a 75
anos, comorbilidades graves, suspeita ou confirmação de inalação de fumo,
queimaduras circulares profundas, queimaduras superficiais em áreas funcionais
sensíveis (face, mãos, pés, períneo, pregas cutâneas)

- ASCQ superior a 10%, queimaduras profundas em 3 a 5% de área corporal,


queimaduras elétricas de baixa voltagem, queimaduras químicas.

Ou ainda, no trabalho de Miranda e col. “as queimaduras graves são


caracterizadas pela presença de insuficiência respiratória instalada ou potencial
insuficiência respiratória devido a lesões na face e pescoço, queimaduras de
segundo ou terceiro grau superiores a 10% SC (crianças) e 15% SC (adultos).”

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2. A queimadura grave pode desencadear alterações metabólicas e
fisiológicas num padrão bifásico, no paciente queimado. Comente
a fase inicial ou de refluxo

A fase inicial do de refluxo surge logo após o traumatismo, e está presente


aproximadamente nas primeiras 72 horas.

Caracteriza-se por instabilidade hemodinâmica - no caso, hipotensão, redução do


retorno venoso, redução da perfusão tecidual , redução do débito cardíaco, e
aumento compensatório das catecolaminas – na instabilidade hemodinâmica, há
necessidade de uso de drogas vasoativas

Há redução do consumo de oxigénio e diminuição da taxa metabólica,


possivelmente para preservar as funções vitais dos órgãos e o fluxo sanguíneo
central.

3. A queimadura grave pode desencadear alterações metabólicas e


fisiológicas num padrão bifásico, no paciente queimado. Comente
a fase de adaptação ou de fluxo

A fase de adaptação ou de fluxo é caracterizada por consumos elevados de


oxigênio, gasto energético (GE) em repouso elevado, fluxos elevados de substratos
e perdas aceleradas de potássio e nitrogênio.

Há aumento da perfusão dos tecidos periféricos, dos níveis de glicocorticoides


(GCs) e das citocinas inflamatórias.

Estas alterações dos níveis hormonais e de citocinas resultam numa resposta


hipermetabólica caracterizada por um estado catabólico - aumento da lipólise,
proteólise (perda de massa muscular), gliconeogênese e do gasto energético

A energia é obtida a partir de reservas como o glicogênio hepático (glicogenólise) e


gliconeogênese, resultando em hiperglicemia (associado à elevação dos níveis
glicêmicos, a resistência insulínica tb ocorre - provavelmente relacionada ao
aumento das catecolaminas e do GCs)

A resistência insulínica e o catabolismo muscular podem comprometer o processo


de cicatrização, havendo perda dos enxertos cutâneos

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4. Comente as complicações respiratórias no paciente queimado
grave

As complicações respiratórias estão relacionadas a alto índice de mortalidade


A lesão causada pela inalação de fumaça, gases tóxicos e agentes químicos gera
uma grande resposta inflamatória, com repercussões pulmonares e sistêmicas,
pois há interrupção do fluxo de sangue oxigenado, e consequentemente, isquemia
e hipóxia tecidual.
A lesão das vias aéreas causa liberação de mediadores inflamatórios e EROS
(espécies reativas de oxigênio), aumento da permeabilidade vascular e formação
de edema, devido a produção de exsudatos em excesso; há influxo de células
inflamatórias e acúmulo de resíduos necróticos, contribuindo para a inflamação
O edema e a hiperreatividade das vias aéreas causa obstrução aguda das vias
aéreas superiores, broncoespasmo, oclusão das pequenas vias aéreas, infecção
pulmonar e insuficiência respiratória.
A migração de neutrófilos potencializa a produção de mediadores inflamatórios,
agravando a resposta e danificando ainda mais o epitélio respiratório.
Há danos no aparelho mucociliar da traqueia, permitindo a migração de material
das vias aéreas superiores e bactérias, levando à obstrução e potencial infecção
Ainda pode ocorrer hemorragia, congestão da mucosa, ulceração e
laringoespasmo.
A presença de queimaduras em face e pescoço e a duração da exposição são
fatores agravantes da lesão da mucosa do sistema respiratório.

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5. Comente as complicações do sistema cardiovascular no paciente
queimado grave

Lesões por queimadura acarretam perda de plasma sem que haja necessariamente
perda de hemácias. Isso acarreta perda de volume sanguíneo e redução do DC e da
pré carga (redução do RV), podendo caracterizar choque hipovolêmico, associado
ao aumento da viscosidade do sangue (aumento de hematócrito), o que reflete
maior risco de tromboembolismo.
De fato, o choque causado por queimadura é uma combinação única de choque
hipovolêmico e distributivo que se manifesta por hipovolemia, baixas pressões de
oclusão da artéria pulmonar (o que reflete a pressão de enchimento do VE),
resistência vascular sistêmica elevada (vasoconstrição) e depressão cardíaca, o que
pode desencadear hipóxia tecidual e falência multiorgânica
Débito cardíaco reduzido é um resultado combinado da hipovolemia, pós-carga
aumentada (vasoconstrição) e contratilidade diminuída.
Praticamente todos os componentes que controlam a perda de fluido e proteína do
sistema vascular são alterados após uma queimadura:
 o sistema de microcirculação perde a integridade da parede do vaso e as
proteínas são perdidas no interstício (reduz pressão oncótica), contribuindo
para um fluxo de líquido para o interstício, hemoconcentração, edema
maciço, diminuição da produção de urina e função cardiovascular
deprimida.
 a lesão microvascular secundária a mediadores inflamatórios como
histamina, bradicinina, prostaglandinas, leucotrienos, aminas vasoativas,
fator ativador de plaquetas e complemento, permite a perda de proteínas
para o interstício, favorecendo ainda mais a formação de edemas.
O quadro é complicado por edema significativo em todos os tecidos levando a
complicações da insuficiência respiratória e “síndrome do compartimento
abdominal” (pressão aumentada do tecido dentro de um compartimento fascial
apertado, o que resulta em isquemia do tecido)
Compartimento fascial - tecidos fibrosos que penetram e envolvem músculos, ossos,
nervos, vasos sanguíneos, vísceras e órgãos do corpo, provendo suporte, proteção e
forma ao organismo

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6. Discorra sobre a relação da sepse e a queimadura grave

Sepse, caracterizada por febre, aceleração das frequências cardíaca e respiratória,


anormalidades metabólicas e perturbações mentais, é uma consequência
patológica de infecção grave causada por algumas bactérias Gram-negativas e
Gram-positivas (bem como alguns fungos).
O choque séptico é a forma mais grave e frequentemente fatal de sepse,
caracterizada pelo colapso circulatório (choque) e coagulação intravascular
disseminada, comprometendo a perfusão tecidual.
As lesões produzidas pelas queimaduras é um local altamente suscetível à
colonização de organismos endógenos e/ou exógenos.
O problema pode ser agravado pela depressão imunológica do hospedeiro, que é
proporcional à extensão da lesão, pelas características do microrganismo
infectante ou por fatores iatrogênicos (qualquer alteração patológica provocada no
paciente pela má prática médica), como, por exemplo, uso de cateter por muito
tempo.

7. Explique a relação entre queimadura grave e desnutrição

O doente queimado grave é um exemplo de paciente com desnutrição aguda, pois


seu estado nutricional é resultante da ingestão ou absorção insuficiente de
nutrientes, e que resulta na diminuição da massa muscular e da massa corporal
celular.

As consequências de uma nutrição inadequada incluem atraso na cicatrização,


perda de massa muscular, infeções, diminuição das funções cognitivas e funcionais
e o aumento da morbimortalidade associada à queimadura.

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