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POPULAÇÃO E MÃO DE OBRA:

A QUESTÃO SERVIL I: A
ABOLIÇÃO DO TRÁFICO.
Caio Prado Junior (cap. 15)
Paula Beilgueman (1976)
Saes (1982)
Prof. Edivaldo Constantino
ESTRUTURA DA AULA
Escravidão, tráfico negreiro e escravismo
Crise do regime servil e abolição do tráfico
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO
Estrutura da colonização → Possui estabilidade apesar de suas modificações
históricas

Se perpetua até mesmo após a Independência.

Escravidão: o sujeito não se apropria dos resultados do seu trabalho. É uma


propriedade coisificada. Condição limite de uma mão-de-obra compulsória.
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO
Fim do comércio de escravos na Inglaterra: 1807
Fim do comércio de escravos no Brasil (Lei Eusébio de Queirós): 1850

Abolição da escravidão nos EUA: 1863


Abolição da escravidão no Brasil: 1888

Aumento da chegada de escravos no Brasil já encontra uma realidade devidamente


estabelecida.
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
Contexto de emancipação política do Brasil
 Expõe contradições

Mas os escravos não terão papel ativo (nenhuma revolta escrava foi capaz de acabar com a
escravidão: Quilombo de Palmares)
 Motivo: Tráfico africano

Argumento:
 Chegam novos escravos (e nesse período em grandes proporções) → Baixo nível cultural → Neutraliza a
ação dos escravos já ambientados ao país
 Além disso, escravos oriundos de nações africanas rivais → Procurava-se impedir aglomerações
homogêneas
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO

“Seja como for, a participação dos escravos nos movimentos da época não terá vulto apreciável; e
isto constituirá talvez o motivo principal por que a estrutura fundamental da economia brasileira,
assente como estava no trabalho deles, não sofre abalos suficientes para transformá-la desde
logo.”

Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. Capítulo 15
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
Mas mesmo assim, isso já era o bastante para desencadear a crise do sistema servil e colocar em
foco o problema da escravidão.

Opinião pública: A escravidão vai perdendo sua base moral.

Depois da Independência, é alvo de crítica: Aceita-se e se justifica, mas como uma “necessidade”,
um mal momentaneamente inevitável.
 Mas raros ousam combater e propor medidas contra sua extinção.

“É que realmente a escravidão constituía ainda a mola mestra da vida do país. Nela repousam todas as
suas atividades econômicas; e não havia aparentemente substituto possível.”
Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. Capítulo 15
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
A posição escravista se reforça com a chegada dos proprietários rurais ao poder: É
a força política e social dominante.

Persistência da escravidão
 Representava uma contradição com o novo Estado autônomo
 Na época colonial, a pressão de Portugal fazia essa questão menos relevante.
 Após a Independência, as diferenças emergem. Por isso o receio que a elite tinha em relação a própria Independência.

 Tráfico africano
 Abolido o tráfico, a escravidão iria terminar
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
A população escrava, sem o reforço permanente do tráfico, vai declinar.

 Crescimento vegetativo da população escrava era baixo


 Importação de mulheres era menor
 Precárias condições de vida
 Relações familiares dos escravos era desfavorável

Qualquer golpe sofrido pelo tráfico terá grande repercussão na estabilidade da


instituição servil.
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
Instituição servil → Questão doméstica
Tráfico de escravos → Assunto internacional

“A sua legitimidade (tráfico) e legalidade tornavam-se assim muito mais vulneráveis, pois
envolvia interesses internacionais contrários e hostis. Desta forma, através da oposição
internacional ao tráfico, será atingida a escravidão brasileira.”

Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. Capítulo 15
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
Condenação geral do tráfico africano encabeçado pela Inglaterra
 É sob sua influência ou pressão (diplomática e militar) que o tráfico será abolido ao redor do mundo.

Primeiro ato: Transferência da corte para o Rio de Janeiro


 Tratados de 1810: Portugal prometia vagamente cooperar na campanha contra o tráfico.
 Restringe o tráfico português apenas ao seu domínio territorial
 Pouco representa, porque os traficantes portugueses operavam nas colônias portuguesas, que tinham muitos escravos.
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Mas, estava criado o pretexto para a Inglaterra perseguir os negreiros:
 Qualquer presa feita em alto mar pelos seus cruzeiros justificar-se-ia com a alegação de que os escravos
transportados provinham de territórios não portugueses.

Mas a Inglaterra não podia policiar com eficiência toda a imensidão dos mares.

“Cinco anos depois do tratado de 1810, fatigada e verificando que seu plano não surtira os
efeitos esperados, ela procura novo acordo. Este é assinado em 1815 em Viena, onde os países da
Europa se tinham reunido para reorganizar o continente convulsionado pelo furacão napoleônico.”

Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. Capítulo 15
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Inglaterra reconhece sua ação ilegal nos anos anteriores e indeniza os prejudicados.

Mas obtém uma nova concessão:


 Abolição do tráfico ao norte do Equador → Ampliava os pretextos de perseguição.

Ratificação do acordo de 1815


 Direito de visita em alto mar a navios suspeitos.
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
“Enquanto isto se passava no terreno dos acordos internacionais, a ideia da extinção do tráfico e
até da própria escravidão começa a fazer caminho no Brasil. Até a data da fixação da corte
portuguesa no Rio de Janeiro, ninguém pusera aqui seriamente em dúvida a legitimidade do tráfico
e muito menos da instituição servil.”

“A eclosão e desenvolvimento de um verdadeiro espírito antiescravista no Brasil prende-se


claramente aos fatores internacionais que agiam contra o sistema servil.”

Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. Capítulo 15
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
Revolução Pernambucana de 1817
 Escravidão não é abolida, mas ao menos condenada e se promete sua extinção
 Teve participação dos proprietários e senhores rurais
 Contradição escravista.

Apesar da perseguição inglesa e das manifestações políticas e sociais contrárias, o


tráfico segue firme no Brasil
 Aportavam no Brasil cerca de 40.000 escravos, número superior ao que se pode atribuir a qualquer
outro período passado! → Já puxado pelo café!
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
Segundo ato: Ocasião do reconhecimento da Independência.
Em troca, exigirá do Brasil medidas definitivas contra o tráfico negreiro.

Tratado assinado em 1827 em que o Brasil se compromete a proibir o tráfico dentro de 3


anos. Depois disso, o tráfico seria reconhecido como pirataria e punido como tal.

Renovam-se os tratados anteriores, inclusive o de visita em alto mar a navios suspeitos


(duração de 15 anos).
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
Brasil promulga da lei de 7 de novembro de 1831 (Lei Feijó)
 Proíbe o tráfico
 Indivíduos desembarcados no país eram livres.

Mas....lei morta! Para inglês ver!

Em 1831, D. Pedro I abdica do trono, e a classe dos proprietários rurais chega ao


poder.
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
“Quem se incumbirá de executar a lei brasileira será mais uma vez a Inglaterra, cujos cruzeiros,
livres agora de qualquer restrição, redobram de atividade. Mas a repressão, apesar do direito
de visita em alto mar, lutava com uma grande dificuldade: é que os navios negreiros, quando se
viam acossados pelo inimigo e não lhe podiam escapar, lançavam ao mar sua carga humana,
destruindo assim o corpo de delito comprometedor, e inocentando-se com isto perante os
tribunais internacionais que os deviam julgar.”

Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. Capítulo 15
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
Novo adendo: Para provar tráfico ilegal, basta encontrar qualquer indício que
tornasse o emprego da embarcação para esse fim.

O Brasil resistirá tenazmente!


 O tráfico, embora condenado pela lei e pela opinião pública confessa de todo mundo, se mantinha
como dantes, protegido pela tolerância das autoridades e da generalidade do país.
 Pressão inglesa começa a ferir a soberania do país.
 Presença inglesa na vida econômica do país.
 Vira uma questão de honra nacional.
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO TRÁFICO
“A tarefa continua assim a pesar inteiramente nos ombros da Inglaterra, que não contando com
outros meios de ação que seus cruzeiros, se desorientava na imensidade das costas africanas e
do oceano onde os traficantes passavam facilmente despercebidos; e se por acaso apanhados,
eximiam-se de sanções pelo simples expediente de largarem sua carga no mar.”

“Prejuízo ocasional que a grande margem de lucros que o tráfico produzia comportava
facilmente. Não é de admirar, portanto, que a importação de escravos no Brasil mantivesse seu
ritmo crescente, correspondendo com isto ao desenvolvimento econômico que então se
processava no país e que era alimentado pelo trabalho dos negros.”

Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. Capítulo 15
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
Tensão Brasil-Inglaterra.

1845: Fim do período de 15 anos da abolição legal do tráfico. Iria acabar o direito de
visita a navios suspeitos.

Brasil não renova. Agora a Inglaterra age por conta própria:


 Lei Bill Aberdeen.
 Permite o aprisionamento de qualquer embarcação empregada no tráfico africano.
 Perseguição sem paralelo ao tráfico.
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
A ação inglesa:
 Invadia águas brasileiras.
 Tornava difícil distinguir o mercado ilegal daquele realizado ao longo da costa brasileira.

“De um modo ou de outro, era preciso sair do impasse, e afinal a política brasileira cede. Em
1850 adotam-se medidas efetivas de repressão ao tráfico: não só leis eficientes, mas uma ação
severa e continuada. Destaca-se entre as medidas a expulsão do país de traficantes notórios,
portugueses na maioria, o que contribui muito para desorganizar o negócio.”

Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. Capítulo 15
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
“Os traficantes se tinham tornado uma potência financeira, e apesar do desprestígio social
que os cercava, faziam sombra com seu dinheiro às classes de maior expressão política e
social no país: os fazendeiros e proprietários rurais, em regra seus devedores pelo
fornecimento de escravos. Os atritos entre estas categorias se tomavam assim frequentes, e os
últimos, apesar do interesse que tinham no tráfico, já começavam a olhar com menos simpatia
para um negócio que enriquecendo desmesuradamente seus adversários e credores, deixava-
os na penumbra e na dependência de indivíduos que desprezavam. Isto facilitou grandemente
a violenta reação contra o tráfico iniciada pelo governo brasileiro em 1850.”

Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. Capítulo 15
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
Lei Eusébio de Queirós
Resultados:
 1849: 54.000 escravos entraram no Brasil
 1850: 23.000 escravos entraram no Brasil
 1851: 3.000 escravos entraram no Brasil

O tráfico africano deixava de existir no Brasil!


CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
“O sistema econômico colonial conseguirá ainda adaptar-se momentaneamente, através de
ajustamentos e compromissos mais ou menos felizes, à nova situação criada pelo estancamento da
fonte africana de trabalhadores escravos. Acompanharemos adiante aqueles ajustamentos que
permitiriam estabilizar provisoriamente a vida econômica e, em consequência, a social e política do
país. Mas o sistema estava desde aquele momento definitivamente comprometido e condenado ao
desaparecimento.”

Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972. Capítulo 15
CRISE DO REGIME SERVIL E ABOLIÇÃO DO
TRÁFICO
O tráfico tinha absorvido parcela considerável de atividades e constituía em grande negócio.

Ativação dos outros negócios em outros setores.


 Novas iniciativas comerciais, financeiras e industriais.
 Índices de atividade econômica sobem.
 Aumento da circulação monetária.
 Aumento de crédito.
 Termina em desastre em 1857 e depois em 1864.
 Mas temos, estradas de ferro, linhas telegráficas.

Reestabelecimento das relações com a Inglaterra. Novo fluxo de capitais.


ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO
Como explicar o escravismo? Vários argumentos na historiografia

Sem dúvida, a extinção do tráfico em 1850 aparece como marco essencial para se
compreender o declínio do escravismo.

Fim do comércio de escravos → Pressão inglesa. Foi determinante.


ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO

SAES, F;A.M. O término do escravismo: uma nota sobrea a historiografia. Estudos Econômicos, São Paulo, 1982
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO
Escravismo e Capitalismo

Pergunta: Como explicar o fim do escravismo no Brasil?

1) O trabalho escravo só pode se adaptar a formas de produção simples e que


utilizam instrumentos rudes e grosseiros. Ou seja, baixa produtividade do trabalho
escravo.

A economia progressiva da segunda metade do século XIX não poderia mais se


limitar ao emprego do trabalho escravo.
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO
Fernando Henrique Cardoso: Incompatibilidade entre Capitalismo e Trabalho Escravo.

SAES, F;A.M. O término do escravismo: uma nota sobre a a historiografia. Estudos Econômicos, São Paulo, 1982

Economia do desperdício → Organizar e controlar a mão-de-obra mais do que a produção.


→ Disciplina do trabalho pela violência, que elimina os incentivos para produção → Outro
motivo: baixa qualificação dos escravos
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO
2) Mão-de-obra era escassa na segunda metade do século XIX.

SAES, F;A.M. O término do escravismo: uma nota sobre a a historiografia. Estudos Econômicos, São
Paulo, 1982
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO
Paula Beiguelman defende que a questão da disponibilidade de mão-de-obra atuou como
determinante no processo de desagregação do escravismo.

Ao explicar a extinção do tráfico, e sem ignorar a pressão inglesa, Paula Beiguelman


encontra internamente certa articulação entre as áreas escravistas, que permite levar a frente
a medida de extinção.
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO
Aspectos internos da extinção do tráfico e suas consequências.

Agropecuária decadente:
 Exportação de mão-de-obra para o Centro-Sul a preços mais altos com o fim do tráfico (Valorização)

Economia açucareira:
 Endividado e abastecido de mão-de-obra → O fim do tráfico significava saldar dívidas

Café em expansão: Duas áreas


 A) Vale do Paraíba (mais antiga) →Abastecida de mão-de-obra
 B) Campinas (área mais nova) → Falta de mão-de-obra. Considerava utilizar outro tipo de força de trabalho
(desde 1849 o senador Vergueiro já vinha utilizando mão-de-obra livre)
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO
Desta forma, a proposta de extinção do tráfico não encontraria resistência nas principais
áreas econômicas do País, tornando viável sua aprovação.

Quanto à Abolição do Escravismo, Paula Beiguelman a coloca em meio ao conflito entre


imigrantismo e áreas escravistas.

Defende que foi decisivo a adesão do setor imigrantista ao abolicionismo

Tal adesão se define ao nível de política econômica e não como resultado de uma
incompatibilidade essencial entre trabalho escravo e imigração
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO

SAES, F;A.M. O término do escravismo: uma nota sobre a a historiografia. Estudos Econômicos, São
Paulo, 1982
ESCRAVIDÃO, TRÁFICO NEGREIRO E ESCRAVISMO

SAES, F;A.M. O término do escravismo: uma nota sobre a a historiografia. Estudos Econômicos, São
Paulo, 1982
POPULAÇÃO E MÃO DE OBRA:
A QUESTÃO SERVIL I: A
ABOLIÇÃO DO TRÁFICO.
Caio Prado Junior (cap. 15)
Paula Beilgueman (1976)
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Prof. Edivaldo Constantino

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