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Antropologia Cultural

Conceituação e Origens
Por prof. dr. Augusto César acioly
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O homem é um ser especial?

Este questionamento que apresentamos, tem como ponto de partida a


nossa leitura do texto de Maria Luiza, “o homem um ser especial”, ao colocar
a constatação da nossa autora no formato de um questionamento, não
queremos discordar das suas posições, mas fornecer uma posição reflexiva da
condição humana.
O que a Luiza procurou fornecer, foi a perspectiva de que o caráter
especial do ser humano, reside num conjunto de elementos que em nada tem
haver com uma condição limitadora, ou excepcional, mas ao fato de que ele
comporta um conjunto de habilidades que ao longo do seu processo evolutivo,
foram o distanciando dos animais que apresentam comportamento menos
complexo, que podem ser destacados pelos seguintes aspectos:
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O homem é um ser especial?


Raciocinar;
Rir;
Chorar;
 Possuir consciência da morte;
 Produzir cultura;
 Opor o polegar.
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O homem é um ser especial?


Tais características, que para nós podem parecer
evidentes e óbvias, na verdade é o que nos tornaria “especiais”, ou
seja, complexos se comparados a outros seres vivos. A nossa
complexidade materializa-se tanto na dimensão fisiológica
quanto, simbólica.
A possibilidade de racionalizar, nos tornou como já frisamos,
diferentes dos outros animais, aliado a tal característica, a
linguagem foi um dos elementos mais importantes no processo de
diferenciação da nossa forma de viver com relação aos outros seres
vivos. Pelo fato, de que através da comunicação/linguagem foi
possível a criação da Cultura e organizar a nossa realidade, pois
ela acabou fornecendo o sentido de tradição, aspecto necessário na
transmissão e reformulação do conhecimento.
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Explorando o texto
QUESTÃO 01.Utilizando como referência o capítulo abordado, produza um texto
dissertativo, que apresente quais aspectos contribuíram para o humano ser
compreendido, pela autora como um “ser especial”?
QUESTÃO 02. Qual a importância, segundo a autora, da linguagem no
desenvolvimento dos seres humanos? Forneça exemplos.
QUESTÃO 03. Partindo dos exemplos apresentados no texto, diferencie e relacione
a questão do instinto e do processo de aprendizagem na constituição do ser humano,
enquanto, ser especial”.
QUESTÃO 04. Disserte sobre a importância de compreender o humano, como
conceito e reflexão para à Psicologia.
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Antropologia: Conceitos e Origens

O estabelecimento do conhecimento é um processo que se orienta dentro de


alguns aspectos. Dentre eles, podemos considerar que a delimitação do objeto e
a concepção que se quer construir aliados as práticas metodológicas que o
ajudaram a fornecer uma identidade pode ser elencado entre os elementos
centrais na formulação de um dado saber. No caso em questão, o da
Antropologia, mesmo antes dela existir na condição de campo de reflexão
sistemático, podemos, encontrar uma “intenção” do que viria a se constituir
como Antropologia na condição de conhecimento científico, pois o humano e sua
realidade, de alguma forma sempre circulou como um campo de preocupações,
desde pelo menos, quando os grupos humanos passaram a formular questões
sobre a sua realidade.
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Antropologia: Conceitos e Origens


Torna-se um aspecto importante apresentar alguns elementos que
contribuíram para que a fundação do saber antropológico se impusesse, mesmo
que fosse antiga, a pratica de observar o humano. Dentre as dimensões que se
conjugaram na estruturação da Antropologia na qualidade de saber,
poderíamos destacar:
 A posição de reflexão que o homem passou a efetuar com relação a
sua existência em sociedade;
A partir do processo de expansão empreendido pela Europa, entre os
séculos XII-XVI, esta condição da diversidade do humano se inscreve
no sentido de gerar o questionamento sobre a existência e a diferença;
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Antropologia: Conceitos e Origens


 O que resultou na educação de um olhar sobre o “outro”, iniciando o olhar
antropológico do estranhamento.
Sobre este processo o antropólogo Laplatine, observou:
“A gênese da reflexão antropológica é contemporânea à descoberta
do Novo Mundo. O Renascimento explora espaços até então
desconhecidos e começa a elaborar discursos sobre os habitantes
que povoa aqueles espaços. A grande questão que é então
colocada, e que nasce desse primeiro confronto visual com a
alteridade, é a seguinte: aqueles que acabaram de ser descobertos
pertencem a humanidade?”
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Antropologia: Conceitos e Origens


Tal contato, amadurece a posição/ação dos observadores e eruditos, de
procurar explicar aquela realidade dentro de um sistema de conhecimento
classificatório, que num primeiro momento foi largamente influenciado pelo
conhecimento religioso, e depois passou a ser pensado por um certo padrão
de conhecimento dito “científico” na chave de leitura da modernidade;
O processo de contato com o outro, que de alguma maneira moldou o saber
antropológico, antes da sua existência na condição de ciência, foi um espaço
de polêmica sobre a condição e características deste humano. Podemos
balizar o nível destas posições, observando ainda no século XIV a polêmica
entre o Jesuíta Las Casas e o Dominicano Sepulveda. Vejamos:
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Las Casas:
“Aqueles que pretendem que os índios são bárbaros, responderemos que
essas pessoas têm aldeias, vilas, cidades, reis, senhores e uma ordem
política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa. (...) Esses povos
igualavam ou até superavam muitas nações e uma ordem política que, em
alguns reinos, é melhor que a nossa. (...) Esses povos igualavam ou até
superavam muitas nações do mundo conhecidas como policiadas e
razoáveis, e não eram inferiores a nenhuma delas. Assim, igualavam-se
aos gregos e os romanos, e até, em alguns de seus costumes, os
superavam. Eles superavam também a Inglaterra, a França, e algumas de
nossas regiões da Espanha. (...) Pois a maioria dessas nações do mundo,
senão todas, foram muito mais pervertidas, irracionais e depravadas, e
deram mostra de muito menos prudência e sagacidade em sua forma de se
governarem e exercerem as virtudes morais. Nós mesmos fomos piores, no
tempo de nossos ancestrais e sobre toda a extensão de nossa Espanha,
pela barbárie de nosso modo de vida e pela depravação de nossos
costumes”.(LAPLATINE, p.26).
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Sepúlveda:

”Aqueles que superam os outros em prudência e razão, mesmo que não sejam
superiores em força física, aqueles são, por natureza, os senhores; ao contrário,
porém, os preguiçosos, os espíritos lentos, mesmo que tenham as forças físicas
para cumprir todas as tarefas necessárias, são por natureza servos. E é justo e
útil que sejam servos, e vemos isso sancionado pela própria lei divina. Tais são as
nações bárbaras e desumanas, estranhas `a vida civil e aos costumes pacíficos. E
será sempre justo e conforme o direito natural que essas pessoas estejam
submetidas ao império de príncipes e de nações mais cultas e humanas, de modo
que, graças à virtude destas e à prudência de suas leis, eles abandonem a
barbárie e se conformem a uma vida mais humana e ao culto da virtude. E se eles
recusarem esse império, pode-se impô-lo pelo meio das armas e essa guerra será
justa, bem como o declara o direito natural que os homens honrados, inteligentes,
virtuosos e humanos dominem aqueles que não têm essas virtudes”.
(LAPLATINE, p.27).
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Antropologia: Conceitos e Origens

Diante destas duas posições, em torno dos indígenas americanos, podemos


observar um dado interessante, as justificativas para a recusa ou admiração,
baseavam-se ainda, nas questões referentes a sua condição humana, mas esta
compreendida e entremeada por fundamentos religiosos. Seguindo então, tal
posição, aos que não professassem a Fé e a Cultura ocidental cristã, passavam a
serem vistos, como não humanos. Mesmo os racionalistas, no século XVIII
acabariam reatualizando esta lógica na defesa do estatuto de humanidade para
os grupos humanos ( de Pauw e Hegel).
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Antropologia: Conceitos e Origens


A trilha na construção deste sentimento construiu-se num caminho de
vários passos e alguns desencontros, pois formulou-se num dado momento: a
figura do “mal selvagem” ou “bom selvagem”, que dependia como veremos
mais adiante, de fórmulas dicotômicas que alguns séculos mais tarde, sofreria
reatualizações, sobre a influência de alguns filósofos do movimento iluminista,
a exemplo de personagens como Rousseau ou Voltaire, que pensaram a
condição de bom selvagem X mal civilizado.
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Antropologia: Conceitos e Origens


Na construção da humanidade dos indivíduos que os europeus entraram em
contato a partir do século XIV-XV, estruturaram-se alguns aspectos que seriam
utilizados como referências que reforçavam uma visão dicotômica e exótica:

1. A aparência física: eles estão nus ou ”vestidos de peles de animais”;


2. Os comportamentos alimentares: eles ”comem carne crua”, e diante de tal
realidade elaborou-se o imaginário do canibalismo;
3. A inteligência tal, como pode ser apreendida a partir da linguagem: eles
falam ”uma língua ininteligível”.
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Como resultado da conquista da


América, proliferou na Europa a
edição dos diários de viagem
ilustrados com “terríveis”
imagens de canibais se
empanturrando de restos
humanos. Um banquete canibal
na Bahia (Brasil), de acordo com a
descrição do alemão J.G.
Aldenburg.
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Conceitos e Origens: a figura do mau


selvagem e do Bom civilizado
As figuras reproduzidas que tinham por base, os diários de viagens que se
tornaram populares na Europa, constituíram-se numa das maneiras de
difundirem um conceito dos povos que os europeus entraram em contato na
América. Claro que tal visão estabeleceu-se dentro de um sentimento de
estranhamento, que procurou observar no “outro”, aquilo que era visto como
negativo, usando como “parâmetro” o europeu. Neste sentido, o selvagem
passou a ser representado dentro de uma perspectiva que o reduzia na maior
parte das vezes, a dimensão animal, e nesta condição, a posição europeia seria
a de domesticá-la. Sendo assim, criou-se a compreensão do selvagem como
oposto ao civilizado. Laplatine, considera que ainda no século XVIII, alguns
Conceitos e Origens: a figura do mau
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selvagem e do Bom civilizado


pensadores colaboraram à reafirmar esta visão dicotômica, porém com um viés,
baseado num discurso científico e filosófico, fugindo à princípios religiosos.
A Figura do bom selvagem e do mau civilizado
Na construção destes tipos que contribuiriam para formular a maneira
como, os europeus viam os outros, ou seja, “os selvagens”, compreendidos como
aqueles que estavam no outro lado da experiência humana. O que se efetivou
foi a construção, pela sociedade ocidental de tipos para pensar tal realidade.
Elementos que gravitavam, entre as imagens do “mau civilizado” e do “bom
selvagem”.
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Conceitos e Origens: a figura do bom


selvagem e do mau civilizado
condição que, após os primeiros contatos com um “paraíso idílico” foi
reformulado, respeitando agora uma inversão, pois o mau passou a ser bom, e o
bom passou a ser mau. O processo de mudança deste discurso, mesmo de
maneira mais efetiva materializado, a partir do século XVIII, sobre forte
influencia dos filósofos iluministas, a exemplo de Rosseau e dos românticos do
século XIX. Podemos até mesmo, contemporaneamente a construção da visão
negativa do nativo e laudatória do civilizado, encontrar alguns que discordavam
desta dimensão, personagens como: Américo Vespúcio e Colombo. E, algumas
décadas depois, Léry e Montaigne, que refletiam sobre a questão da crueldade
tanto entre os selvagens, como dos civilizados com relação aqueles, vejamos:
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Conceitos e Origens: a figura do mau


selvagem e do Bom civilizado
“pela primeira vez, instaura-se uma critica da civilização e um elogio da
“ingenuidade original” do estado de natureza. Léry entre os Tupinambás, interroga-se
sobre o que se passa “aquém”, isto é na Europa. “Ele escreve, a respeito de “nossos
grandes usurários”. Eles são mais cruéis do que os selvagens dos quais estou
falando””.(LAPLATINE, p.33).
Como podemos observar, mesmo compreendendo a sua condição selvagem, isto
abriu, a possibilidade de formular uma visão mais favorável a estes indivíduos que
ajustavam-se na formulação de uma posição idealizada, colaborando numa leitura
estereotipada da realidade vivenciada pelos ameríndios, este exercício contribui na
realização de uma critica à maneira, como o ocidente europeu se percebia.
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Conceitos e Origens: a figura do mau


selvagem e do Bom civilizado
Dentro deste processo de fascínio com relação ao selvagem, materializado
no indígena americano, que contribuiria na afirmação de uma imagem positiva
se relacionarmos à séculos anteriores, Laplatine expõe, a maneira como os
hurons, povo ameríndio que entrou em contato com os franceses foi
representado, e como passou a integrar as reflexões de filósofos e literatos.
Esta visão de si mesmo e do outro, não permaneceu estática, ela oscilava
dependendo de quem a construía, isto abriu perspectiva para o selvagem na
visão ocidental, ter sua imagem construída sobre diversas perspectivas, ora
dentro de uma visão “positiva”, ou “negativa”. Constatando tal questão,
Laplatine apresentava na estruturação desta visão, os seguintes aspectos:
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Conceitos e Origens: a figura do mau


selvagem e do Bom civilizado
Era um monstro, “um animal com figura humana”(léry), a meio caminho entre a
animalidade e a humanidade, mas também os monstros eram os europeus, sendo
que, pois os ameríndios possuíam lições de humanidade à fornecer aos
“civilizados”.
No estabelecimento de uma visão entre “selvagens “ X “civilizados”, é possível
observar a seguinte visão dicotômica:

Era trabalhador - corajoso ou essencialmente preguiçoso;

Não tinha alma e não acreditava em nenhum deus, ou era profundamente


religioso;
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Conceitos e Origens: a figura do mau


selvagem e do Bom civilizado
Vivia um eterno pavor do sobrenatural ou ao inverso na paz e na
harmonia;

Era um anarquista, sempre pronto a massacrar seus semelhantes, ou um


comunista decidido a tudo compartilhar, até as suas próprias mulheres.

A pergunta que fazemos, é por que tais imagens foram se afirmando? e


encontravam-se a serviço do que?
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Conceitos e Origens: a figura do mau


selvagem e do Bom civilizado
Esta forma de operar a construção de um olhar sobre o outro, baseado na
alteridade, formulou-se e ganhou visibilidade, a partir do contato entre o mundo
europeu e o americano, que transitava entre o fascínio e a repulsa. Tal processo,
constitui-se num mecanismo, ainda utilizado, o de estabelecermos visões para pensar
o outro. Como Laplatine observou, seriam “objetos pretextos que podem ser
mobilizados tanto com vistas à exploração econômica, quanto ao
militarismo político, à conversão ou à emoção estética. Mas, em todos os
casos o outro não é considerado para si mesmo. Mal se olha para ele. Olha-
se a si mesmo nele”.(p.36).
Como atesta, Laplatine, ao refletir sobre como funcionam algumas correntes do
pensamento europeu-ocidental, responsáveis pela produção de avaliações sobre o
outro. Na sua avaliação, tal postura seria uma atitude
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Conceitos e Origens: a figura do mau


selvagem e do Bom civilizado
antes da Antropologia, pois apontariam questões que séculos mais tarde, por volta do
XIX, martelariam a cabeça do saber antropológico configurando-se, enquanto, uma
problemática.
Aliado, a estas inquietações, a partir do século XVII/XVIII, outra posição materializou-
se como abordagem do saber antropológico que foi o sentimento de estranhamento, que
colaborou decisivamente, na compreensão da alteridade, conceito central no
desenvolvimento do saber antropológico. Aspecto que tornou-se essencial na formulação
da antropologia, seria o da “invenção do humano”, temática que retomaremos no
próximo tópico.
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O século XVIII a invenção do conceito
de homem
“ Se durante o Renascimento esboçou-se, com a exploração geográfica de
continentes desconhecidos, a primeira interrogação sobre a existência múltipla
do homem[...] será preciso esperar o século XVIII para que se constitua o projeto
de fundar uma ciência do homem, isto é um saber não mais exclusivamente,
especulativo, e sim positivo sobre o homem.(LAPLATINE, p.39)

Ao pensarmos o homem, não em sua perspectiva físico-biológica, mas na sua


condição humana, Laplatine a considera como um conceito recente. A postura
do autor é pensar, como ao longo dos séculos foi se processando, e de maneira
decisiva a partir daquilo no ocidente que chamamos de Modernidade, a ideia do
homem/humanidade. Tal conceito, foi decisivo para pensarmos aquilo que
passaríamos a denominar de ciências humanas. A citação abaixo, ilumina a
maneira como ocorreu tal processo,
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O século XVIII a invenção do conceito


de homem
“Fundar a ciência do homem significa constituir um saber positivo e empírico, ao
contrário de uma visão especulativa que tinha na filosofia a sua principal formulação.
O saber científico pretendido com as supostas ciências humanas, era o de compreender
a humanidade, tendo como princípio observar os aspectos que o fariam humanos. E
nesta perspectiva, o processo de constituição de tal saber, tinha que ser buscado
manipulando outros procedimentos metodológicos que passavam agora, a tentar
observar as diferenças que faziam os humanos”. Antes do final do século XVIII, escreve
Foucault, “o homem não existia. Como também o poder da vida, a fecundidade do
trabalho ou a densidade histórica da linguagem. É uma criatura muito recente que o
demiurgo do saber fabricou com suas próprias mãos, há menos de duzentos anos (...)
Uma coisa em todo caso é certa, o homem não é o mais antigo problema, nem o mais
constante que tenha sido colocado ao saber humano. O homem é uma invenção e a
arqueologia de nosso pensamento mostra o quanto é recente. E, acrescenta Foucault no
final de As Palavras e as Coisas, “quão próximo talvez seja o seu fim””. (LAPLATINE, p.
39-49).
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O século XVIII a invenção do conceito


de homem
Esta ponderação, realizada por Foucault, contribui para que possamos
construir uma densidade histórica para as coisas, uma vez que, nos faz refletir
sobre a construção do conhecimento afastando desta forma, toda e qualquer
perspectiva que concebesse o conhecimento como algo dado, quando na
verdade, ele é fruto de uma formulação teórico-metodológica de dimensão
histórica e sociocultural.
Diante, desta realidade, podemos compreender então, que na construção
daquilo que qualificamos como projeto antropológico, é possível perceber que a
fundação e execução deste processo orientou-se por algumas etapas, ou melhor
dizendo aspectos que tornam-se necessários de serem apresentados:
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O século XVIII a invenção do conceito


de homem
 A construção de um certo número de conceitos, começando pelo próprio conceito de
homem, não apenas, enquanto, sujeito, mas na condição de objeto do saber.
Abordagem inédita, já que consiste em introduzir uma dualidade característica das
ciências exatas (o sujeito observante e o objeto observado) no coração do próprio
homem;
A preocupação em formular um saber que não fosse, eminentemente, uma reflexão,
mas principalmente, observação. Uma vez que, o homem passou a ser
compreendido na sua forma concreta;
 A tomada de consciência desta dimensão, pressupõe a compreensão de que a
humanidade é um complexo, composto por vários aspectos;
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O século XVIII a invenção do conceito


de homem
 Outro ponto decisivo reside na constatação da existência da diferença, como um
elemento a ser levado em consideração, pois romperia com a suposta
transparência das coisas. Isto é possível, pelo fato da sociedade europeia, ter
atravessado nos séculos XIV-XVI, um processo de crise da identidade do
significado do que viria a ser humano.
Esta consciência originou-se, não dentro de um processo impositivo, mas a partir da difusão de
um conjunto de experiências que passavam pela produção de livros que propuseram-se a pensar esta
consciência. As “viagens filosóficas”, que funcionavam como “retratos” das diferenças entre os
europeus e várias populações, por exemplo, compõem-se como um provocador destes
questionamentos à condição do humano.
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O século XVIII a invenção do conceito


de homem
Laplatine elencou um conjunto de autores e pensadores que tomaram o homem como
fruto das suas preocupações. Neste sentido, autores como: Lafitau, Rosseau, Jena Itard
centraram as suas observações, na fundação de uma “ciência dos costumes”. Para
construí-la, foi necessário, alguns procedimentos:

 O desenvolvimento, de um método de observação que se orientava pelo


procedimento indutivo, pois mesmo com um ideal naturalista, os grupos
humanos eram compreendidos como sistemas passiveis de serem estudados
empiricamente;
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O século XVIII a invenção do conceito


de homem
 As consequências de tal consciência, acabou por provocar um processo que
fundaria a posição do conhecimento na modernidade o da separação do
pensamento da sua raiz teológica, promovendo desde então, uma busca na
construção de um saber natural que não se orientava mais, por exemplos ou
revelações, ancorados em explicações de fundo religioso ou transcendente;
Laplatine observa, que por trás desta modificação ocorreu um conjunto de
transformações que não deixavam de ser menos consideráveis no processo de fundação
deste “mundo novo”, pois:
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O século XVIII a invenção do conceito


de homem
 Ocorria uma mudança, na qualidade dos relatos produzidos. Ao longo dos séculos
XVI e XVII, as observações baseavam-se mais numa perspectiva cosmográfica do
que humana. Sendo assim, a partir do século XVIII, os objetos de observação e
analise desta área de conhecimento deixavam de ser as coisas e tornavam-se os
homens.
Diante desta transformação, constituía-se de alguma forma, uma espécie de
esboço de uma antropologia física e depois, social e cultural;
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O século XVIII a invenção do conceito


de homem
 Até o século XVII, a preocupação foi a coleta de curiosidades, tendo como
centro, as diferenças humanas. Porém, a questão que se colocava era como
deveriam ser coletadas as informações. Por tal mudança, podemos
compreender que “Com a História Geral das Viagens, do padre Prévost (1746),
organizou-se um processo de coleta dos materiais para a formulação de uma
coleção que tinha como aspecto, não observar apenas, mas processar a
observação. O que em outras palavras significava que seria preciso:
“interpretar as interpretações”.
 Este desdobramento, da constituição de tal discurso, foi essencial na atividade
de organização e elaboração do que viria a ser o saber antropológico.
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Considerações a respeito da Pré-História da


Antropologia e da invenção do conceito de
homem
Como foi possível acompanhar nas páginas anteriores, a discussão que procuramos
empreender, circulou em torno de como foi se estabelecendo a constituição de um saber
antropológico, que tinha como objeto central o humano, a partir da experiência do
estranhamento, condição necessária à efetivação e formulação do conceito de
humano. Diante de tais provocações, foi possível, que a partir do século XIX, com o
amadurecimento da experiência antropológica, um “saber dito científico” fosse
estabelecido. Procuraremos a partir das próximas páginas e dos nossos encontros,
abordar quais objetos e metodologias, colaboraram na confecção do saber antropológico.
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Explorando o texto
QUESTÃO 01. “ Se durante o Renascimento esboçou-se, com a exploração geográfica de continentes desconhecidos, a
primeira interrogação sobre a existência múltipla do homem[...] será preciso esperar o século XVIII para que se
constitua o projeto de fundar uma ciência do homem, isto é um saber não mais exclusivamente, especulativo, e sim
positivo sobre o homem”. (LAPALATINE, p.39). Seguindo os passos do autor, apresente quais os elementos que
fizeram com que este olhar sobre o humano fosse sendo construído, a partir deste século?
QUESTÃO 02. Apresente e comente qual a importância que o pensamento de pensadores como: Rousseau, Jenna
Itard e Lafitau possuem num saber de perspectiva antropológica?
QUESTÃO 03. Analise o impacto, que a obra do Pe. Prévost, “A História Geral das viagens”, desencadeou no
amadurecimento de uma posição antropológica, ao olhar o mundo e a diferença.
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A antropologia como chave de


compreensão do humano
a antropóloga paulista, Mirela Berger, ao questionar qual a função, ou
utilidade da antropologia para a sociedade? Concebeu esta forma de pensar a
realidade humana, como uma “chave” de acesso, que teria como objetivo, abrir
o humano enquanto, problemática para as ciências humanas. Pensar a
antropologia nesta perspectiva, a de ser uma chave de acesso. Pode parecer,
metaforicamente, simplista, mas não é na verdade, pois tal consciência de
alguma forma, nos ajuda a perceber que mesmo tendo uma suposta “chave de
acesso”, não se torna garantia no sentido de que possamos compreender nem
tampouco conhecer, a complexidade humana em profundidade.
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A antropologia como chave de


compreensão do humano
A preocupação em fornecer uma explicação para a complexidade do
homem, nas suas várias dimensões propiciou no saber antropológico, o
surgimento de especialidades preocupadas em construir uma possibilidade de
reflexão a respeito deste homem integral, grande utopia da antropologia.
Porém dentre as várias dimensões, a Cultura é uma das mais importantes na
relação antropologia-psicologia.
Na tentativa de compreender como a antropologia “funcionaria”, nesta
tentativa de abrir as várias portas do humano, procuramos, de forma
esquemática elencar alguns aspectos, que na verdade devem, ser utilizados a
partir de uma posição problematizadora, vejamos:
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A antropologia como chave de


compreensão do humano
Cultura
Devido a esta preocupação
Antropologia – fazer Identidade totalizadora que a
antropológico antropologia trouxe na sua
Sinais Diacríticos gênese, enquanto, disciplina
acadêmica, ela acabou
Na fundação ordenando-se nas seguintes
da Antro- áreas: antropologia biológica,
pologia o
olhar sobre antropologia social e Cultural
o “outro” foi e a Arqueologia.
inicialmente

POVOS Compreendidos como os “outros”, que


PRIMITIVOS necessitam ser explicados.
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A antropologia como chave de


compreensão do humano
Ao pensar esta realidade, é importante pontuar que o saber de orientação
cientifica, estrutura-se dentro daquilo, que chamamos de referências
epistemológicas. Diante disto, podemos pensar o fazer antropológico, seguindo
as “regras” elencadas:
Estudo do homem integral –
línguas, costumes, parentescos e
hábitos culturais.
É realizado em todas as
sociedades, épocas e
Conduzido metodologia -
latitudes
camente pelo trabalho de
campo. ANTROPOLOGIA

Marcado pela experiência


do Relativismo Cultural e
estranhamento.
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A antropologia como chave de


compreensão do humano
Como foi possível perceber as provocações apresentadas pela
Antropóloga Mirela Berger, nos auxilia no processo de compreensão
dos elementos que constituem a Antropologia, enquanto, saber. Desta
forma, pontuar os aspectos que fornecem diferenciações a esta forma
de conhecimento colabora de maneira efetiva para que possamos
também, realizar aproximações entre Antropologia e Psicologia.
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ATIVIDADE
QUESTÃO 01. Tomando como referencia, a ideia da Antropologia como
chave de acesso a compreensão do humano. Construa um texto dissertativo,
que explore esta metáfora ao mesmo tempo em que correlacione, questões
como estranhamento e o projeto de estudo do homem integral, na
constituição do saber antropológico.
QUESTÃO 02. Pensando como provoca Berger, o estudo da Antropologia
como “chave de acesso”, analise as questões abaixo e assinale V ou F:
( ) Tal metáfora nos ajuda a compreender a Antropologia, como
possibilidade explicadora para toda complexidade humana.
( ) Os sinais diacríticos que demarcam a nossa experiência humana, no
ajuda a observar a nossa homogeneidade.
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ATIVIDADE
( ) A realidade em tratar o saber antropológico, enquanto, uma chave de
acesso nos ajuda a perceber tal conhecimento, na condição de uma
possibilidade de entrarmos em contato com a complexidade humana.
( ) O fazer antropológico no momento da sua gênese, voltou-se
praticamente, nos seus primeiros anos para pensar a condição do humano a
partir das experiências de povos primitivos, atitude que ainda hoje é o único
horizonte da Antropologia.
( ) O saber antropológico conduziu-se metodologicamente, pelo estudo de
campo o que em alguma medida nos ajuda à pensar as realidades humanas
dentro de uma perspectiva relativa, e procurando compreender o humano e
a sociedade nos diversos momentos históricos e nos vários espaços e
latitudes.
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HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA
As observações apresentadas, pelo Estevão Martins, colabora
para que seja possível, refletir alguns aspectos a respeito deste diálogo
entre estes dois campos do conhecimento. Diante disso:

A compreensão do homem integral, orientada por uma perspectiva


filosófica, e que colaborou, na definição da Antropologia, constitui-
se numa referência à História;

Nisto, o homem, agente no tempo, a presença da razão humana no


passado, é o elemento antropológico fundamental da ciência
histórica;
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HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA
É importante, ainda, destacar que a construção de uma perspectiva
interdisciplinar, institui-se como dimensão importante para as
relações entre História e Antropologia;

Uma vez que observamos, a ampliação de um conjunto de estudos


e concepções que procuraram, estabelecer uma visão da História,
que dialogava com a Cultura, sociedade e mentalidade;

Como observa o autor, Na vasta e diversificada gama de


especializações em que a ciência histórica se desdobra hoje, um
denominador é comum a todas: reconstruir, o mais completamente
possível, o homem que foi e agiu ontem, para entender aquele que
é e age hoje
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HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA
Estevão, recuperando a perspectiva Thomas Nipperdey, compreende a
relação da História e Antropologia, seguindo as seguintes possibilidades:

As relações entres estruturas e categorias fundamentais da


existência humana;

As formas humanas de pensar, comportar-se a agir;

A relação entres as concepções do pensamento humano e sua


ligação com instituições sociais;

E, enfim, o entrelaçamento entre pessoa, instituições e cultura.


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HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA
Diante desta conexão que vem se construindo entre Antropologia e
História, e que apresenta-se nas discussões propostas pelo texto, é importante
pontuar, que:

A dimensão interdisciplinar, fornecer a intensificação de estudos


preocupados, em destacar dimensões, que se apresentam no campo
da cultura e longa duração;
A ampliação de uma dimensão que reflete sobre as bases
epistemológicas da História colaboram numa compreensão de como a
História, constrói-se, enquanto, conhecimento explicativo da
realidade;
É importante ainda, destacar que as aproximações história-
antropologia, lançam novos olhares sob a experiência histórica.
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HISTÓRIA E ANTROPOLOGIA
Finalizamos, então, com a reflexão a seguir:

“Gadamer (1900-2002) insiste mesmo no fato de que uma


antropologia, qual seja seu modo de estruturar-se, dificilmente
poderá deixar de ser interdisciplinar e complementar, nas suas
diversas aplicações Sociedade, cultura, psique, intelecto —
constelações da galáxia própria ao ser inteligente, o qual impregna o
seu mundo e os seus semelhantes de significação. Uma significação
que toma múltiplas formas: mítica, religiosa, ética, política,18 visando
a consolidar, na longa duração, uma determinada concepção do
homem, a fim de que ela sobreviva aos incidentes circunstanciais”.
(MARTINS, p.312)

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