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Fernanda Serpa
Distúrbios do sono:
Insônia, ronco e
apneia obstrutiva
Sleep disorders:
Insomnia, snoring and
obstructive apnea
Resumo
Passamos cerca de um terço de nossas vidas dormindo. Preocupações, estresse e patologias vivenciadas durante
o dia frequentemente influenciam o sono. Por sua vez, o sono prejudicado pode ter profundas influências no nosso
estado fisiológico. Dentre as queixas mais frequentes, destacam-se as que afetam a quantidade de sono, como a
insônia, e a qualidade do sono, como o ronco e a apneia obstrutiva. Define-se insônia como a dificuldade de iniciar
o sono ou de mantê-lo continuamente durante a noite ou, ainda, o despertar antes do horário desejado. Existem
vários fatores que podem estar associados aos episódios de insônia, como expectativas, problemas clínicos, proble-
mas emocionais passageiros, excitação associada a determinados eventos, por exemplo. O tratamento da insônia é
multiprofissional: o paciente deve ser avaliado por neurologistas, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, entre
outros. A revisão destacou o tratamento fitoterapêutico com valeriana, kava-kava, camomila, passiflora e melissa,
além do uso de triptofano para a melhora do quadro de insônia. Outros dois distúrbios que influenciam na qualidade
do sono são a obstrução parcial da via aérea, que leva ao ronco, e a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS).
A SAOS é definida como episódios repetitivos de cessação da respiração durante o sono devido à obstrução total
(apneia) ou parcial (hipopneia) das vias aéreas superiores durante a inspiração, associados a hipoxemia intermitente,
sonolência durante o dia e fadiga. O tratamento desses dois distúrbios leva em consideração a higiene do sono, a perda
de peso e o consumo de nutrientes antioxidantes e anti-inflamatórios, como as vitaminas C e E, o ácido lipoico, o folato
e a coenzima Q10 e polifenóis que modulam os aspectos oxidativos e inflamatórios nesses processos.
Abstract
We spend about a third of our lives sleeping. Worries, stress and pathologies experienced during the day
frequently affect sleep. In turn, compromised sleep may have deep influences on our physiologic status. The most
frequent complaints include those affecting the quantity of sleep, such as insomnia, and the quality of sleep,
such as snoring and obstructive apnea. Insomnia is defined as the difficulty in falling asleep, in remaining
asleep throughout the night, or even waking up too soon. Several factors may be associated with episodes of
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insomnia, including expectation, clinical problems, temporary emotional problems, and excitement associated
with certain events. The treatment of insomnia is multiprofessional: the patient should be evaluated by
neurologists, psychologists, nutritionists and physiotherapists, among others. The review highlighted herbal
therapy with valerian, kava-kava, chamomile, passion flower and lemon balm, as well as tryptophan, to improve
sleep. Other two disorders affecting quality of sleep are partial obstructions of the airways, leading to snoring,
and obstructive sleep apnea syndrome (OSAS). OSAS is defined as repeated episodes of breathing interruption
during sleep due to a total (apnea) or partial (hypopnea) obstruction of the upper airways during inspiration,
associated with intermittent hypoxemia, sleepiness during the day, and fatigue. The treatment of these two
disorders should consider sleep hygiene, weight loss and use of antioxidant and anti-inflammatory nutrients,
such as vitamins C and A, lipoic acid, folate, coenzyme Q10 and polyphenols which modulate oxidative and
inflammatory aspects in these processes.
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A insônia é mais comum entre as mulheres, os quais podem agir como fatores
em indivíduos conjugalmente separados e nos predisponentes, precipitantes e perpetuantes
desempregados. Entre os que se encontram (atenção seletivamente dirigida ao tempo/ reló-
empregados, os indivíduos que trabalham em gio, aos problemas de sono à noite e a suas
turnos ou se envolvem intensamente com o tra- consequências durante o dia);
balho tendem a ter mais insônia4. 3. Comportamentais: práticas sono-
Existem vários fatores que podem estar as- inibidoras, como horários irregulares de deitar
sociados aos episódios de insônia, como ex- e/ou levantar, consumo de álcool, alimentação
pectativas (viagem, compromissos, reuniões, noturna copiosa, uso de alimentos estimulantes
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(chá, café, chocolate, guaraná, refrigerante de nista dos canais de cálcio. Na prática clínica,
cola) ou assistir TV no quarto. tem sido utilizada para tratamento de distúrbios
bipolares, epilepsia, depressão e ansiedade, to-
4. Neurocomportamentais: a atividade elé-
das estas condições caracterizadas pelo aumento
trica do cérebro dos pacientes com insônia apre-
da excitabilidade celular. Há relatos de
senta diferenças (aumento dos ritmos mais rá-
hepatotoxicidade 13 – entretanto, vale destacar
pidos – ritmos beta), o que permite que acor-
que a kava-kava atualmente é classificada como
dem mais facilmente, tenham mais memória
medicamento fitoterápico, podendo ser prescrita
para os fatos ocorridos à noite e voltem mais
apenas pela classe médica.
facilmente a pensar em suas preocupações.
• Passiflora: apresenta efeito sedativo em
Tratamento da insônia animais. Melhora a qualidade do sono em hu-
O tratamento da insônia é multiprofissional. O manos. Seu mecanismo de ação também pode
paciente deve ser avaliado por neurologistas, psi- ser explicado pela sua capacidade de ligar-se
cólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, dentre aos receptores benzodiazepínicos cerebrais10,14.
outros. O tratamento visa a organizar horários e • Melissa: demonstra exercer ação sedativa
hábitos do paciente que são incompatíveis com em ratos. Em humanos, o uso de melissa tem
um sono saudável, como o uso de alimentos esti- demonstrado melhora do humor e do compor-
mulantes (álcool, alimentação noturna copiosa, tamento frente ao estresse físico e psicológico15.
entre outros) e redução de preocupações associa-
Outras substâncias
das ao sono ou ao horário de dormir.
• Triptofano: o controle do ciclo sono-vi-
Tratamento não farmacológico gília foi um dos primeiros comportamentos no
qual foi identificado o papel da serotonina. Vá-
Fitoterápicos8,9
rios estudos mostraram que a depleção de
• Valeriana: estudos demonstraram que o áci- serotonina com p-clorofenilalanina (inibidor da
do valerênico diminui a latência do sono e a quan- triptofano hidroxilase) induz a insônia. A re-
tidade de estágio 1 do sono não-REM e aumenta a versão desse efeito ocorria com a administra-
quantidade do sono REM. Apresenta ação ção de seu precursor 5-hidroxitriptofano. Mais
gabaminérgica, porém pode ser hepatotóxica10. Em tarde, constatou-se que o L-triptofano diminui
estudo controlado e randomizado com 202 indiví- a latência do sono e aumenta seu tempo total. A
duos com insônia, tratados por 6 semanas com 300 comprovação de que o aumento de triptofano
mg de valeriana ou 10 mg de oxazepam, foram na dieta aumenta a quantidade de serotonina
observados benefícios na melhora da duração do no cérebro justificou o início do seu emprego
sono em ambas as intervenções, mas a valeriana como terapêutica adjuvante da insônia10.
foi mais efetiva na melhora da qualidade do sono11. • Melatonina (uso não aprovado no Bra-
Na forma de extrato e tintura está classificado como sil): A melatonina é um hormônio produzido
medicamento fitoterápico. pela glândula pineal capaz de promover o sono.
• Camomila: apresenta atividade ansiolítica Sua produção pode estar alterada nos distúrbi-
e antiepiléptica em ratos. Induz o sono em hu- os de humor, depressão, fase pré-menstrual,
manos. Seu mecanismo de ação pode ser expli- entre outros. Atualmente, sua principal indica-
cado pela sua ligação aos receptores benzo- ção é para o tratamento do transtorno causado
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colapso. A obstrução parcial da via aérea pode maior preocupação atualmente são as
levar à vibração das paredes da faringe durante comorbidades associadas, entre elas o maior ris-
a ventilação. Chamamos ao som típico dessa co de acidentes de trânsito devido à sonolência
vibração de ronco17. Veja a figura 118. excessiva e ao risco de doenças cardiovasculares.
Vários fatores estruturais têm sido apontados
O ronco ocorre no período de maior relaxa-
como a etiologia da apneia obstrutiva do sono,
mento muscular, ou seja, durante o sono pro-
entre eles a deposição de gordura na região
fundo (fase REM). Os principais fatores que
cervical, hipoplasia de maxila ou mandíbula,
propiciam a ocorrência do ronco são18:
macroglossia e hipertrofia de amígdalas21.
- Dormir em decúbito dorsal (a força da gra-
Porém, atualmente sabe-se que a SAOS não é
vidade contribui para o colapso da faringe);
apenas uma doença local provocada por anor-
- Uso de álcool ou sedativos (maior relaxa- malidades anatômicas, e sim apresenta caracte-
mento da musculatura); rísticas sistêmicas como hipertensão, obesidade
- Obesidade (acúmulo de gordura nas vias central, diabetes e dislipidemia, que sugerem ser
aéreas superiores, estreitando a passagem do ar). uma manifestação da síndrome metabólica22.
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de citocinas estão elevados em pacientes com pática muscular estão elevadas em pacientes com
SAOS independentemente da gordura corporal. SAOS.
Portanto, é aceitável que o aumento dos
O sistema nervoso simpático pode influen-
marcadores inflamatórios na obesidade não está
ciar na gênese da hipertensão arterial, provo-
relacionado apenas com a adiposidade, mas
cando vasoconstrição, e na homeostase da
pode também estar associado à própria
glicose, aumentando a glicogenólise, a
fisiopatologia da SAOS.
neoglicogênese e a secreção de glucagon. Em
Sabe-se que a hipoxemia da alta atitude e a 2003, Chasens et al.40 propuseram que a apneia
privação do sono provocam aumento de IL-6 e obstrutiva pode provocar diabetes mellitus tipo
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2 via ativação do sistema nervoso simpático. ve uma relação entre severidade da apneia e risco
cardiovascular fatal e não fatal, independentemen-
O sistema nervoso simpático pode influen-
te do peso e da idade, e seu tratamento reduziu
ciar na gênese da hipertensão arterial, provo-
significativamente os eventos cardiovasculares45.
cando vasoconstrição, e na homeostase da
glicose, aumentando a glicogenólise, a Tratamento
neoglicogênese e a secreção de glucagon. Em
2003, Chasens et al.40 propuseram que a apneia Higiene do sono - terapia comportamental
obstrutiva pode provocar diabetes mellitus tipo para as desordens do sono
2 via ativação do sistema nervoso simpático. A higiene do sono não é um tratamento es-
pecífico, mas um conjunto de regras
Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal comportamentais que, quando observadas pelo
A ativação do eixo corticotrófico pode ser um paciente durante o dia, pode potencializar o
dos fatores que contribuem para o desenvolvi- sucesso de qualquer outro tratamento46.
mento da resistência à insulina nos pacientes com Um estilo de vida saudável pode resumir a
SAOS. A hipóxia intermitente, a fragmentação e higiene do sono, incluindo a abstinência ao fumo
a privação do sono provocam liberação de e ao álcool, uma dieta equilibrada e pouco
cortisol pulsátil e ativação autonômica41. calórica associada a exercícios físicos orienta-
dos e rotineiros, que estimulam a perda de peso
DCV e SAOS
e melhoram a qualidade de vida do paciente47.
As doenças cardiovasculares resultantes da
É importante que o paciente defina, dentro
SAOS podem ser hipertensão arterial sistêmica,
da sua rotina, o horário de deitar-se e levantar-
insuficiência cardíaca esquerda, infarto do
se com um número de horas de sono adequa-
miocárdio, arritmias e hipertensão pulmonar,
das por noite, uma vez que a privação de sono
podendo culminar com morte súbita. Mais de
afeta o paciente com distúrbio em pelo menos
50% dos pacientes com apneia são hipertensos.
duas maneiras: aumenta a sonolência diurna e
Frequentemente, esses pacientes apresentam
diminui a qualidade de funcionamento do drive
hipertensão de difícil controle42. Lavie et al.43 respiratório, o que piora o quadro48.
mostraram que, a cada episódio de apneia/
hipopneia por hora durante o sono, aumenta A posição do corpo durante o sono também
em 1% o risco de hipertensão arterial. se constitui em uma das orientações dentro do
conjunto da higiene do sono. Em muitos paci-
As possíveis explicações para a elevação da entes, a frequência de eventos dos distúrbios
pressão arterial nesses pacientes são: respiratórios é maior durante o sono na posição
• A ocorrência de hipoxemia, hipercapnia e de decúbito dorsal do que em decúbito lateral.
estímulo do sistema nervoso simpático com Tem sido demonstrado que a colapsabilidade
consequente vasoconstrição periférica; (tendência a obstrução) da via aérea está relaci-
onada à posição do corpo durante o sono, que
• A ativação do sistema renina-angiotensina, pode ser crítica durante o sono REM (quando o
inflamação, resistência à insulina, diminuição
corpo se encontra relaxado).
na sensibilidade dos baroceptores, disfunção
endotelial, estresse oxidativo e hiperleptinemia, A conscientização do paciente com o seu
problema de saúde e o seu empenho em mudar
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