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perde sua autonomia, sendo reduzida a res extensa.

O
mecanicismo cartesiano é transformado em um materialismo
metafisico.

1. LA METTRIE: O HOMEM MÁQUINA


HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA
Na sua História natural da alma, Julien Offroy de La
Prof. Dr. Paulo Rogério Mettrie (1709-1751)1 já afirmava o seguinte: “escrever como
filosofo significa [...] ensinar o materialismo! ”. No entanto, sua
obra mais famosa é O Homem-máquina, publicada em 1748:
MATERIALISMO ELIMINATIVO

O homem é uma máquina tão complexa que é impossível ter


O materialismo é a concepção segundo a qual a atividade dela uma ideia clara à primeira vista e, consequentemente,
mental (alma, consciência ou espírito) depende de modo poder defini-la. Por isso, todas as pesquisas realizadas pelos
causal da matéria. Denis Diderot foi um dos principais maiores filósofos a priori, isto é, procurando se servir, por
iniciadores do materialismo iluminista, ao supervalorizar a razão assim dizer, das asas do engenho [lógica formal], foram vãs.
Desse modo, somente a posteriori, isto é, procurando
e o saber científico.
destrinchar e descobrir a alma através dos órgãos do corpo,
No entanto, o materialismo de Diderot se caracterizava é possível já não digo descobrir, de modo evidente, a
apenas como um programa de pesquisa, diferentemente das natureza mesma do homem, mas alcançar o maior grau de
teorias dos iluministas La Mettrie (1709-1751), Helvitius (1715- probabilidade possível sobre o assunto (LA METTRIE apud
1771) e D’Holbach (1723-1789), que tinham a pretensão de
serem verdadeiras – muito por conta dos resultados das
ciências, particularmente da medicina.
1
Obras: História natural da alma (1745); O Homem-máquina (1748); O
Homem-planta (1748); O anti-Sêneca ou discurso sobre a felicidade (1750);
Com o materialismo iluminista, a res cogitans de Descartes Reflexões filosóficas sobre a origem dos animais (1750); A arte de gozar
(1751); Vênus física ou ensaio sobre a origem da alma humana (1751).

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REALE; ANTISERE, 2007, p. 254). à matéria considerada sem forma alguma: não se pode
conceber. A alma e o corpo foram feitos em conjunto no
mesmo molde, disse grande teólogo que ousou pensar.
Deste fragmento decorre o seguinte aspecto: a Aquele que quiser conhecer as propriedades da alma deve,
pesquisa e o conhecimento precisam estar fundamentadas pelo pois em primeiro lugar procurar aquelas que se manifestam
“bastão da experiência”, prescindindo assim o “vão palavrório claramente nos corpos de que a alma é o princípio ativo (LA
dos filósofos”. METTRIE, 1982a, p. 125).

Para La Mettrie, os fatos empíricos demonstram que os


estados da alma são sempre correlativos aos estados do Ou seja, para La Mettrie, o “homem é uma máquina” –
corpo, a ponto de não ser possível distinguir a alma do corpo: aliás, não somente o homem, mas o mundo: em todo o universo
só existe uma única substância, diversamente modificada.
Noutras palavras: “O pensamento é tão pouco incompatível com
A alma nada mais é [...I do que uma palavra vazia, a qual
a matéria organizada, que ele parece ser uma de suas
não corresponde nenhuma ideia e da qual um homem
razoável não deve se servir senão para designar a parte
propriedades, ao lado da eletricidade, da faculdade de
pensante em nós. Uma vez admitido o princípio mínimo de movimento e da impenetrabilidade” (LA METTRIE, 1982b, p.
movimento, os corpos animados têm tudo o que lhes é 96).
preciso para se mover, sentir, pensar, se arrepender e, em Isso não significa, no entanto, que La Mettrie seja ateu
suma, se comportar, tanto na vida física como na vida moral, – pelo contrário, chega até admitir a existência de um ser
que dela depende (LA METTRIE apud REALE; ANTISERE,
supremo:
2007, p. 254).

Não é que eu esteja pondo em dúvida a existência de um ser


Em outro trecho, La Mettrie também afirma:
supremo; ao contrário, acredito que exista um alto grau de
probabilidade em seu favor. [Mas, de qualquer forma, a
existência de Deus] não demonstra a necessidade de um
Não é nem Aristóteles, nem Descartes, nem Malebranche
determinado culto em preferência a outro, pois se trata de
que vos ensinarão que é a vossa alma. [...] A essência da
verdade teórica que não encontra muito uso na prática (LA
alma do homem e dos animais é e será sempre tão
METTRIE apud REALE; ANTISERE, 2007, p. 254).
desconhecida como a essência da matéria e dos corpos. Digo
mais, a alma separada do corpo por abstração assemelha-se

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Para aprofundar o materialismo de La Mettrie, acesse
os materiais abaixo: O homem é o puramente físico; o ser espiritual nada mais é
 DONATELLI, M. C. O. F. Filosofia e medicina em La do que esse mesmo ser físico considerado de um ponto de
Mettrie. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 11, n. 4, p. 841-71, vista particular, isto é, relativamente a algum de seus modos
2013. Disponível em: de agir, devidos a sua organização particular. [...] O homem
<https://www.scielo.br/j/ss/a/B4tCQfHF9MHZXfV4HmcTMn físico é o homem agente sob o impulso de causas
J/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 28 ago. 2021. cognoscíveis através dos sentidos: o homem espiritual é o
homem agente por causas físicas que nossos preconceitos
 YOUTUBE. Materialismo em La Mettrie. Entrevista
nos impedem de conhecer (D’HOLBACH apud REALE;
com Soraia Ribeiro dos Santos. Disponível em:
ANTISERE, 2007, p. 254).
<https://www.youtube.com/watch?v=PdOs8MxTaUM>.
Acesso em: 28 ago. 2021.

Consequentemente, “por todas as suas exigências”, o


homem deve sempre recorrer “à física e à experiência”. E isso
vale também para a religião, a moral e a política. É através da
2. D’HOLBACH: O HOMEM COMO OBRA DA NATUREZA experiência que ele deve e pode compreender essas coisas.
Sua tese fundamental concentra-se no seguinte
De acordo com Paul Heinrich Dietrich, Barão de ponto: O homem está, portanto, todo dentro da natureza. E,
Holbach2, o homem é formado pela natureza e por ela como na natureza sé podem existir causas e efeitos naturais,
circunscrito em todos os sentidos. Para além da natureza, nada consequentemente, não tem sentido falar de uma alma
existe. Logo, a distinção entre homem físico e homem espiritual separada do corpo. E não tem sentido falar da liberdade do
é desviadora: homem.
Do ponto de vista da moral e da política, segundo
D’Holbach (apud REALE; ANTISERE, 2007), todo homem tende
2
Obras: O sistema da natureza (1770); A política natural (1773); O sistema por natureza à felicidade e “todas as sociedades se propõem ao
social (1773); A moral universal (1776); Sobre a crueldade religiosa (1766); mesmo objetivo; com efeito, é para ser feliz que o homem vive
A impostura sacerdotal (1767); Os padres desmascarados ou as iniquidades
do clero cristão (1768); Exame crítico da vida e das obras de São Paulo em sociedade”. A sociedade nada mais é do que “um conjunto
(1770); História crítica de Jesus Cristo (1770); O bom senso ou ideias de indivíduos, reunidos por suas necessidades, com o objetivo
naturais opostas as ideias sobrenaturais (1772).
de colaborar para a conservação e a felicidade comuns”. Essa é

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a razão pela qual todo cidadão, tendo em vista sua própria
felicidade, “se obriga a submeter-se e a depender daqueles que
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
a sociedade tornou depositários de seus direitos e intérpretes
de suas vontades”.
Nesse sentido, as leis naturais, que nenhuma sociedade LA METTRIE, Julien de. Hombre máquina. In: LA METTRIE,
pode revogar ou suspender, são precisamente as leis “fundadas Julien de. Obra Filosófica. Madrid: Editora Nacional, 1982b.
na natureza de um ser que sente, busca o bem e foge do mal, LA METTRIE, Juien de. O Homem Máquina. Tradução de
pensa, raciocina e deseja incessantemente a felicidade”. As leis Antônio Carvalho. Lisboa: Editorial Estampa, 1982a.
civis, portanto, nada mais são do que:
MONDIN, Battista. Curso de Filosofia: os filósofos do
Ocidente. Tradução de Benôni Lemos. 7. ed. São Paulo: Paulus,
As leis naturais aplicadas às necessidades, às circunstâncias 1982, vol. 2.
e às opiniões de uma sociedade particular ou de uma nação. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de
Tais leis não podem contradizer as leis da natureza, porque Spinoza a Kant. São Paulo: Paulus, 2007, vol. 4.
em cada país o homem é sempre o mesmo e tem os mesmos
desejos, podendo mudar apenas os meios para saciá-los REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do
(D’HOLBACH apud REALE; ANTISERE, 2007, p. 254). Humanismo a Descartes. São Paulo: Paulus, 2004, vol. 3.

Para conhecer um pouco mais sobre D’Holbach, acesse


os materiais abaixo:
 SOUZA, M. G. Materialismo e história: o caso do Barão
d’Holbach. Doispontos, Curitiba, São Carlos, vol. 8, n. 1,
p.23-36, abril, 2011. Disponível em:
<https://revistas.ufpr.br/doispontos/article/download/2812
0/18681>. Acesso em: 28 ago. 2021
 YOUTUBE. Quem foi Barão D’Holbach? Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=NGoBNsqJJOc>.
Acesso em 28 ago. 2021.

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