Você está na página 1de 66

UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

Faculdade de Ciências da Saúde

Biologia Celular

Fundamentos de Bioquímica

Documento Elaborado por Cláudio Maia e Fani Sousa


Fundamentos de Bioquímica

As células são sistemas constituídos por um número muito elevado de moléculas e


minerais. Muitas destas moléculas, lípidos, glúcidos, proteínas e ácidos nucleicos, são
complexas, razão pela qual são designadas por macromoléculas. Para além destas,
existem outras moléculas necessárias aos sistemas biológicos: umas são simples
como, por exemplo, o óxido nítrico (importante mensageiro secundário) e o fosfato
(principal anião do fluido intracelular e essencial nos ácidos nucleicos e nos trifosfatos
de nucleósidos); e outras são moléculas orgânicas de baixo peso molecular como as
vitaminas. Estas podem ser lipossolúveis, A, D, E e K ou hidrossolúveis, B e C.
Igualmente importantes para a existência dos seres vivos são os minerais, sendo
classificados de acordo com a quantidade. Assim, temos macrominerais (Na, K, Mg,
Ca, Cl e P) e os oligoelementos ou elementos vestigiais (Co, Cr, Cu, F, Fe, I, Mn, Mo,
Se, Zn, As, Ni, Si e V), assim designados por se encontrarem em concentrações muito
baixas. Contudo, a substância mais abundante é a água, uma vez que constitui cerca
de 70% do peso da maior parte dos seres vivos.

Água

A água é o suporte da vida e as suas propriedades físico-químicas condicionam a


termodinâmica dos processos biológicos celulares. A água líquida cobre ¾ da
superfície terrestre e proporciona um meio reaccional nem demasiado fugaz (como o
estado gasoso), nem demasiado imóvel (como o estado sólido). É o suporte em que,
com mais probabilidade, a química natural pode evoluir até à formação de sistemas
tão complexos como os seres vivos. A molécula de água é polar, ou seja, possui um
dipolo eléctrico que resulta da geometria da molécula e da diferença de
electronegatividade entre o oxigénio e o hidrogénio. A polaridade da água faz com que
esta seja capaz de estabilizar cargas eléctricas nos solutos, e assim diminuir a sua
força de atracção ou repulsão, o que se traduz numa constante dieléctrica
relativamente alta.
Cada átomo de hidrogénio numa molécula de água partilha os seus electrões com
electrões não-emparelhados de um átomo de oxigénio. Como o átomo de oxigénio tem
maior atracção pelos electrões partilhados do que o átomo de hidrogénio (isto é, o
oxigénio é mais electronegativo), o oxigénio apresenta uma carga parcial negativa (δ-)
e os átomos de hidrogénio apresentam uma carga positiva (δ+). Estas cargas parciais
fazem com que as moléculas de água possam interagir entre si através de pontes de

2
hidrogénio (Fig.1). As pontes de hidrogénio são interacções não-covalentes
resultantes da partilha parcial de um hidrogénio entre dois núcleos electronegativos:
um dos núcleos electronegativos contém o hidrogénio a ser partilhado, ligado
covalentemente, e designa-se por dador, enquanto o outro núcleo electronegativo
apresenta orbitais não ligantes e recebe o hidrogénio, designando-se por aceitador. A
água também pode formar pontes de hidrogénio com outros átomos electronegativos
para além do oxigénio, como por exemplo o azoto (Fig.2).

Figura 1- Pontes de hidrogénio entre


duas moléculas de água.

Figura 2- Exemplos de pontes de


hidrogénio.

As substâncias polares, electricamente carregadas, ou que podem formar pontes de


hidrogénio têm mais probabilidade de interactuar favoravelmente com a água por se
introduzirem eficazmente na sua estrutura com base em interacções electrostáticas
(por exemplo: sais) ou pontes de hidrogénio (exemplos: glúcidos, aldeídos, cetonas e
aminas). Estas substâncias, classificadas como hidrofílicas, ficam solvatadas pela
água, ou seja, várias moléculas de água associam-se ao soluto de forma relativamente
estável.

3
As substâncias apolares não formam pontes de hidrogénio estáveis com a água e,
simultaneamente, não possuem dipolos moleculares permanentes. Estas substâncias
são designadas como hidrofóbicas, ou seja, têm “fobia” à água. Com a excepção dos
glúcidos, todas as moléculas biológicas principais possuem zonas hidrófobas e
hidrófilas, ou seja, são anfipáticas. Proteínas e ácidos nucleicos contêm na sua
estrutura uma certa distribuição de regiões polares e apolares que determina a sua
estrutura tridimensional. Os condicionalismos termodinâmicos, nomeadamente a
entropia da água, conduzem à maximização da interacção das regiões polares com a
água e ao enclausuramento das zonas apolares no interior da macromolécula. Por
outro lado, devido à distribuição linear e oposta das zonas polares e apolares nas
moléculas de alguns lípidos, estes formam estruturas supramoleculares como, por
exemplo, a bicamada lipídica da membrana celular, micelas ou vesículas em solução
aquosa. A água e os produtos da sua ionização, os iões hidrogénio e hidroxilo, são
factores importantes na determinação da estrutura e das propriedades biológicas das
proteínas, dos lípidos, dos glúcidos, dos ácidos nucleicos, assim como das
membranas e de muitos outros componentes celulares.
Uma importante propriedade física da água para os sistemas biológicos é o elevado
calor específico (é o mais elevado de todos os solventes comuns).
Termodinamicamente, quanto maior o calor específico menores são as variações de
temperatura que essa substância sofre, ou seja, quando se fornece calor à água, parte
desse calor é absorvido. Assim sendo, a água mantém praticamente constante a
temperatura de um organismo em relação ao seu meio ambiente.

Biomoléculas

As macromoléculas biológicas, também designadas por biomoléculas, derivam de


precursores muito simples e de baixo peso molecular, CO2, H2O e N2. Estes
precursores convertem-se em intermediários metabólicos de tamanho molecular
crescente, que se unem covalentemente para formar as macromoléculas celulares,
que possuem pesos moleculares relativamente elevados. No nível de organização
imediatamente superior, as macromoléculas de diferentes classes combinam-se,
formando complexos supramoleculares que, por sua vez, se associam uns aos outros,
constituindo os organelos celulares. As biomoléculas encontram-se, deste modo,
organizadas numa hierarquia de complexidade crescente (Fig.3).

4
Figura 3- Organização hierárquica nos sistemas vivos. Esta organização inicia-se a partir de
interacções moleculares entre moléculas simples e termina com uma diversidade biológica
visível nos diferentes organismos que habitam o planeta, passando por intermediários de
complexidade crescente.

Aminoácidos

Como o próprio nome sugere, os aminoácidos são constituídos pelos grupos


funcionais amina e carboxilo. Os átomos de carbono nos aminoácidos são designados
por letras gregas, correspondendo o carbono alfa (α) ao carbono vizinho do grupo
carboxilo e os carbonos seguintes são designados por beta (β), gama (γ), etc. O
carbono α de um aminoácido liga-se a um grupo carboxilo, a um grupo amina, a um
átomo de hidrogénio, e a uma cadeia lateral (geralmente designada por R) cuja
composição confere propriedades físicas e químicas únicas para cada aminoácido. Os
aminoácidos podem ser classificados de acordo com a constituição química das suas
cadeias laterais ou com a sua polaridade. Relativamente à constituição química das
cadeias laterais, os aminoácidos podem ser:
• Alifáticos, se a cadeia lateral é hidrocarbonada.
• Hidroxilados, se possuem um grupo hidroxilo na cadeia lateral.
• Sulfurados, se possuem enxofre.
• Aromáticos, se têm um anel aromático.
• Ácidos, se têm um grupo carboxilo.
• Amidas, se a cadeia lateral resulta da reacção entre um grupo carboxilo
da cadeia lateral de um aminoácido ácido e um grupo amina.
• Básicos, se têm um átomo de azoto na sua cadeia lateral (com
excepção dos aminoácidos com um grupo amida).

5
• Iminos, se resultam da ciclização do grupo α-amino com a cadeia lateral
propionilo do aminoácido.

Quanto à polaridade, os aminoácidos podem ser apolares (com a cadeia lateral


hidrófoba) ou polares (com cadeia lateral polar). Os polares dividem-se em polares
sem carga e polares com carga, e este podem dividir-se, ainda, em aminoácidos com
carga negativa ou com carga positiva. Os 20 aminoácidos principais são designados
por abreviaturas de 3 letras e/ou pela simbologia de uma única letra (Tabela 1).

Tabela 1- Nomenclatura utilizada na designação dos aminoácidos constituintes de proteínas e


suas estruturas com grupos na forma não ionizada (-NH2 e -COOH).

Aminoácido Código de três letras Código de uma letra


Alanina ALA A
Arginina ARG R
Ácido Aspártico ASP D
Asparagina ASN N
Cisteína CYS C
Ácido Glutâmico GLU E
Glutamina GLN Q
Glicina GLY G
Histidina HIS H
Isoleucina ILE I
Leucina LEU L
Lisina LYS K
Metionina MET M
Fenilalanina PHE F
Prolina PRO P
Serina SER S
Treonina THR T
Triptofano TRP W
Tirosina TYR Y
Valina VAL V

Apesar da representação geral dos aminoácidos sem carga estar quimicamente certa,
não traduz correctamente o que ocorre em condições reais. Por um lado, repare-se
que a existência em solução de uma forma contendo o grupo α-amina desprotonado (-
NH2) em simultâneo com o grupo α-carboxilo protonado (-COOH) só seria possível se
o ácido conjugado do primeiro grupo (-NH3) tivesse mais tendência em ceder o seu
protão do que o segundo, ou seja, se o grupo -NH3+ fosse um ácido mais forte que o
grupo -COOH. Contudo, o que acontece é precisamente o contrário, ou seja, nos
aminoácidos, o grupo α-carboxilo tem sempre mais tendência em ceder seu protão do
que o grupo α-amina protonado. Por outro lado, quando em solução aquosa a pH
neutro (condições próximas das fisiológicas), os grupos α-amina e α-carboxilo dos

6
aminoácidos encontram-se ambos ionizados (nas formas formas –NH3+ e –COO-),
respectivamente (Fig.4a). Nestas condições, os aminoácidos podem actuar como
bases (Fig.4b) ou como ácidos (Fig. 4c).

Figura 4- Representação genérica dos


aminoácidos constituintes das proteínas
em solução aquosa a diferentes valores de
pH: em condições fisiológicas ambos os
grupos α-amina e α-carboxilo estão
ionizados e o aminoácido encontra-se na
forma anfotérica (a); a acidificação do meio
favorece a captura de um protão pelo
grupo α-carboxilato, que se comporta como
base fraca dando origem à forma do
aminoácido (b); a alcalinização do meio
favorece a libertação do protão do grupo
α-amina, que se comporta como ácido
originando a forma do aminoácido (c).

Propriedades dos aminoácidos relevantes para as proteínas

Os aminoácidos possuem várias propriedades que os tornam únicos para a formação


de polímeros com a capacidade de sofrerem enrolamento e assumirem estruturas
tridimensionais com características configuracionais extremamente complexas (Fig.5).
Entre estas propriedades destacam-se a dimensão, a carga, a polaridade e a
hidrofobicidade das cadeias laterais.
Figura 5- O enrolamento da
cadeia polipeptídica permite
aproximar tridimensionalmente
resíduos de aminoácidos
afastados na sequência linear.
Propriedades como a
dimensão, a carga, a
polaridade e a hidrofobicidade
dos aminoácidos revelam-se
extremamente importantes na
aquisição e estabilização da
estrutura tridimensional de uma
proteína ou péptido.

7
Dimensão da cadeia lateral
O processo de enrolamento de uma proteína com vista à aquisição da sua estrutura
tridimensional nativa (configuração mais estável) pode ser comparado a um puzzle
onde as peças se encaixam com uma precisão elevadíssima. O interior das proteínas,
na sua configuração nativa, apresenta um grau de densidade de empacotamento
semelhante a um sólido orgânico. Esta zona interior das proteínas, denominada por
núcleo hidrófobo, é responsável, em grande parte, pela estabilidade conformacional
destas macromoléculas. Mutações que provoquem a substituição de cadeias laterais
pequenas por cadeias laterais grandes irão gerar situações em que a conformação
tridimensional final terá dificuldades em acomodar um novo resíduo. Por outro lado,
mutações que substituam uma cadeia lateral grande por uma pequena, provocarão a
formação de cavidades no núcleo hidrofóbico e destabilizam a estrutura tridimensional
das proteínas (Fig.6).

Figura 6- Representação esquemática de uma proteína nativa (a) e da mesma proteína após
substituição de um resíduo de grandes dimensões por um de pequenas dimensões (b). Na
proteína nativa, um resíduo de triptofano encontra-se a interagir com os outros resíduos do
núcleo hidrofóbico, permitindo uma elevada estabilidade conformacional da estrutura
tridimensional proteica. A substituição do resíduo de triptofano por uma alanina, ou seja, de um
resíduo de grandes dimensões por um de pequenas (compare-se os volumes das superfícies
das cadeias laterais dos dois aminoácidos, à direita na imagem), desfavorece a interacção de
resíduos nessa zona, tornando-a menos densa (presença de cavidades no núcleo hidrofóbico),
logo, provoca uma destabilização na estrutura tridimensional da proteína.

8
Carga da cadeia lateral
As interacções electrostáticas nas proteínas ocorrem em cadeias laterais de resíduos
de aminoácidos que possuem carga. O grau de protonação e desprotonação de um
aminoácido é dependente do valor de pH do meio. As interacções que se formam
entre grupos com carga oposta são do tipo electrostático e designam-se
genericamente por pontes salinas ou pares iónicos. Atendendo a que cargas opostas
se atraem, enquanto cargas do mesmo sinal tendem a repelir-se mutuamente,
percebe-se que esta propriedade das cadeias laterais de certos aminoácidos seja
determinante no processo de aquisição da estrutura tridimensional de uma proteína
(Fig.7).

Figura 7- Representação esquemática de uma proteína nativa (a) e da mesma proteína após
substituição de um resíduo com cadeia lateral positiva por um com cadeia lateral negativa (b).
Na proteína nativa, um resíduo de lisina encontra-se a estabelecer uma interacção
electrostática com um resíduo de carga negativa, atraindo-se mutuamente e favorecendo a
aproximação das porções da cadeia polipeptídica onde estão inseridos. A substituição do
resíduo de lisina por um ácido glutâmico, ou seja, de um resíduo carregado positivamente em
condições fisiológicas por um carregado negativamente, provoca uma alteração na estrutura
tridimensional final nesta região, devido à repulsão resultante da aproximação de resíduos de
carga do mesmo sinal.

Polaridade da cadeia lateral


As cadeias laterais de resíduos de aminoácido carregadas e as polares não
carregadas participam em pontes de hidrogénio (Fig.8a), um tipo de interacção
essencial na estabilização da conformação tridimensional das proteínas.
As pontes de hidrogénio nas proteínas podem estabelecer-se entre duas cadeias
laterais, entre cadeias laterais e grupos polares da cadeia principal e entre cadeias
laterais e moléculas do solvente. Adicionalmente, as pontes de hidrogénio podem

9
ocorrer na mesma cadeia polipeptídica (interacção intramolecular - Fig.8b) ou entre
cadeia polipeptídicas diferentes (interacção intermolecular - Fig.8c).

Figura 8- Representação esquemática


do estabelecimento de uma ponte de
hidrogénio (a); as pontes de hidrogénio
(representadas a tracejado vermelho)
contribuem na estabilização das
estruturas tridimensionais de proteínas,
estabelecendo-se quer intra (b), quer
intermolecularmente (c).

Hidrofobicidade da cadeia lateral


As cadeias laterais alifáticas dos aminoácidos glicina, alanina, valina, leucina e
isoleucina, por não conterem átomos polares, não interagem ou interagem fracamente
com moléculas ou grupos polares e interagem favoravelmente com outros resíduos de
aminoácidos apolares.
A hidrofobicidade das cadeias laterais dos resíduos de aminoácido é uma propriedade
extremamente importante na estabilização das proteínas que os contêm, não tanto
pelo tipo de interacções que conseguem estabelecer, que como se referiu
anteriormente são interacções fracas, mas sobretudo devido ao denominado efeito
hidrofóbico.
O efeito hidrofóbico é a força motriz do processo de aquisição da estrutura
tridimensional nativa de uma proteína, estando na base da distribuição assimétrica de
resíduos de aminoácidos hidrófobos e hidrófilos encontrada, de uma forma geral, nas
proteínas (Fig.9): em proteínas não membranares, os resíduos de aminoácidos
hidrófobos assumem posições mais interiores na estrutura tridimensional, enquanto os
resíduos hidrófilos distribuem-se pela superfície (Fig.9a); em proteínas membranares,
os resíduos de aminoácidos hidrófobos localizam-se principalmente na região proteica
que atravessa a membrana, enquanto os resíduos hidrófilos são encontrados nas
porções proteicas expostas aos meios extra e intracelulares (Fig.9b).

10
Figura 9- Distribuição assimétrica de resíduos
de aminoácidos hidrófobos e hidrófilos em
proteínas globulares: nas proteínas
citoplasmáticas, os resíduos hidrófobos
tendem a assumir posições mais interiores,
enquanto os resíduos hidrófilos se distribuem
maioritariamente pela superfície (a); nas
proteínas membranares, os resíduos
hidrófobos encontram-se principalmente na
região proteica que atravessa a membrana,
enquanto os resíduos hidrófilos assumem
posições de contacto com os meios aquosos
extra e intracelulares. Os resíduos hidrófobos
encontram-se coloridos a amarelo, os
resíduos hidrófilos a azul e os restantes a
cinzento (b).

Proteínas

As proteínas constituem a maior fracção da matéria viva, e intervêm em quase todos


os processos celulares, tornando-se na classe mais versátil de todas as biomoléculas.
As proteínas consistem em um ou mais polímeros lineares chamados polipéptidos,
que resultam de várias combinações de 20 aminoácidos diferentes unidos através de
ligações amida, designadas por ligações peptídicas. Quando ligados em polipéptidos,
os aminoácidos passam a ser denominados por resíduos. A sequência de
aminoácidos em cada polipéptido é única, e é especificada pelo gene que codifica a
proteína. As proteínas desempenham inúmeras funções na célula, podendo ser
classificadas de acordo com as funções que realizam:
• Catálise (enzimas).
• Controlo (hormonas, como, por exemplo, a insulina).
• Estrutura (por exemplo, colagénio, elastina e α-queratinas).
• Contracção (por exemplo, actina e miosina).
• Protecção (por exemplo, imunoglobulinas e interferão).
• Regulação genética (histonas e factores de transcrição).
• Receptores membranares (transdução de sinal).
• Transporte (albumina, hemoglobina, lipoproteínas).

11
As proteínas apresentam dimensões muito variáveis. Entre as proteínas constituídas
por apenas uma cadeia polipeptídica - proteínas monoméricas - tanto encontramos
proteínas como a ribonuclease A, uma proteína responsável pela hidrólise de ácido
ribonucleico (RNA), que é constituída por 51 aminoácidos e apresenta uma massa
global de apenas 5.7 kDa, como encontramos a apoproteína B, uma proteína
associada ao transporte de lípidos que é constituída por 4636 resíduos de
aminoácidos e tem uma massa molecular de 513 kDa. Contudo, existem também
proteínas constituídas por mais de uma cadeia polipeptídica, as quais se designam por
diméricas, triméricas, tetraméricas, etc., consoante apresentam duas, três ou quatro
cadeias polipeptídicas, respectivamente. Um exemplo é a transtirretina, uma proteína
que se encontra no plasma e no fluido cerebroespinal que é composta por quatro
cadeias polipeptídicas idênticas com 127 resíduos de aminoácidos cada e por uma
massa molecular global de 56 kDa. A transtirretina diz-se ser um homotetrâmero (o
prefixo “homo” surge pelo facto das cadeias polipeptídicas serem todas iguais). Outro
exemplo é a hemoglobina, a proteína responsável pelo transporte de O2 dos pulmões
para os tecidos, que é composta por quatro cadeias polipeptídicas iguais duas-a-duas
com 141 e 146 aminoácidos, no caso da hemoglobina humana, e cerca de 64 kDa de
massa molecular global. A hemoglobina diz-se ser um heterotetrâmero (o prefixo
“hetero” surge pelo facto das cadeias polipeptídicas serem diferentes).

Níveis hierárquicos na estrutura das proteínas

A estrutura tridimensional das proteínas pode ser hierarquizada em quatro grandes


níveis (Fig.10). O primeiro nível é a estrutura primária de uma proteína, que consta da
sequência de resíduos de aminoácidos especificada pelo código genético. O segundo
nível, ou estrutura secundária, é determinada pelos arranjos estruturais locais dos
resíduos de aminoácidos resultantes do processo de enrolamento da cadeia
polipeptídica. O terceiro nível ou estrutura terciária corresponde à forma tridimensional
global assumida pela cadeia polipeptídica. No caso da proteína consistir em mais do
que uma cadeia polipeptídica, o nível de organização resultante da associação das
várias subunidades constituintes corresponde ao quarto nível estrutural, também
designado por estrutura quaternária da proteína. A conformação tridimensional das
proteínas é estabilizada essencialmente por interacções não covalentes entre os
vários grupos que a constituem e, em alguns casos, por ligações covalentes entre
resíduos de aminoácidos com grupo tiol. Algumas proteínas apresentam cofactores,
isto é, iões metálicos ou compostos não proteicos ligados covalente ou não

12
covalentemente à cadeia polipeptídica, mas cuja presença é necessária ao exercício
da função proteica. Os cofactores contribuem igualmente para a estabilização da
estrutura tridimensional da proteína de que fazem parte.

Figura 10- Níveis da estrutura de proteínas. A sequência de resíduos de aminoácidos


corresponde à estrutura primária; o enrolamento da cadeia polipeptídica e a definição estrutural
de porções da cadeia corresponde à estrutura secundária; o enrolamento da cadeia
polipeptídica e a organização tridimensional global da cadeia corresponde à estrutura terciária;
a associação das várias subunidades da proteína, quando existem, corresponde à estrutura
quaternária.

Estrutura primária das proteínas


A estrutura primária de uma proteína consiste na sequência específica de resíduos de
aminoácidos da cadeia polipeptídica. Cada proteína contém uma determinada
sequência e proporção específica dos 20 aminoácidos codificados geneticamente. São
estes dois factores que irão condicionar todos os níveis subsequentes de organização
tridimensional da proteína e, portanto, a sua função. Existe uma relação estreita entre
a sequência de resíduos de aminoácidos, a conformação tridimensional e a sua função
biológica desempenhada pela proteína.
Os aminoácidos são polimerizados nos ribossomas das células no processo de
formação das proteínas. A polimerização é baseada na formação de ligações
peptídicas. A ligação peptídica é uma reacção de condensação, na qual é removida

13
uma molécula de água (desidratação) do grupo α-carboxilo de um aminoácido e do
grupo α-amina do aminoácido seguinte (Fig.11).

Figura 11- Formação da ligação


peptídica.

Estrutura secundária
Entende-se por estrutura secundária as conformações locais de partes da cadeia
polipeptídica de uma proteína, resultantes de interacções por pontes de hidrogénio a
curta distância ao longo da cadeia polipeptídica. A estrutura secundária de uma
proteína consiste em elementos repetidos como hélices (hélices α), conformações
estendidas (cadeias β) e voltas (turns e loops). A estrutura secundária contribui
significativamente para a estabilização da conformação global de uma proteína, uma
vez que cria uma extensa rede de pontes de hidrogénio.

Hélice α
É um dos elementos de estrutura secundária mais abundante nas proteínas,
possivelmente devido à facilidade deste arranjo maximizar o número de pontes de
hidrogénio entre os grupos carbonilo e os grupos amina da cadeia proteica principal,
acomodando simultaneamente a ligação peptídica rígida. A hélice α é estabilizada por
pontes de hidrogénio locais entre o oxigénio de um grupo carbonilo, C=O, e o
hidrogénio de um grupo amina, N-H, a uma distância de 4 resíduos de aminoácidos
(n+4). Desta forma, numa hélice α, todos os grupos amina e todos os grupos carbonilo
da cadeia principal que dela fazem parte encontram-se a formar pontes de hidrogénio,
exceptuando o grupo amina do primeiro resíduo e o grupo carbonilo do último resíduo
da hélice. A estrutura resultante destas interacções tem uma forma cilíndrica, com as
pontes de hidrogénio no interior e as cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos
voltadas para o exterior (Fig. 12). O enrolamento das hélices α é sempre para a direita.

14
Cada volta da hélice inclui 3.6 resíduos de aminoácidos e 14 átomos da cadeia
principal, o que corresponde a uma rotação de 100º por resíduo, de forma que é
projectada uma cadeia lateral para fora do eixo da hélice em intervalos de 100º.
Assim, esta estrutura apresenta a projecção de cadeias laterais para a mesma face da
hélice com uma periodicidade de 3 a 4 resíduos de aminoácidos.

Figura 12 - Hélices α. As hélices α são estruturas secundárias estabilizadas por pontes de


hidrogénio. À excepção do primeiro e último resíduo de aminoácido constituinte, todos os
resíduos estabelecem duas pontes de hidrogénio, uma via grupo –NH com o oxigénio carbonilo
de um resíduo quatro posições atrás na cadeia polipeptídica, outra via o oxigénio carbonilo com
um grupo –NH de um resíduo de aminoácido localizado quatro posições à frente (a). As pontes
de hidrogénio são estabelecidas no interior da hélice, como representado em (b) para os
resíduos Leun e Metn+4. Os restantes resíduos constituintes foram omitidos para simplificar a
imagem. As cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos constituintes das hélices α
encontram-se voltados para o exterior, como mostra a imagem de topo (c).

Conformação β
A conformação β é formada por cadeias β (unidade básica) e origina uma topologia
em folha, a qual é denominada por folha β. As folhas β são constituídas por duas ou
mais cadeias β, as quais se caracterizam pela sua estrutura estendida. Esta
conformação é estabilizada por pontes de hidrogénio entre grupos amina
disubstituidos (N-H) e grupos carbonilo (C=O) pertencentes a resíduos de aminoácidos
relativamente distantes na sequência polipeptídica, mas próximos espacialmente.
Quando duas cadeias β seguem o mesmo sentido, formam uma folha β paralela,
quando seguem em sentidos opostos, formam uma folha β antiparalela (Fig.13). As
proteínas podem ainda apresentar folhas β mistas, que contêm paralelas e
antiparalelas. Globalmente, a conformação β distingue-se da hélice α por ser uma
estrutura estendida e por formar pontes de hidrogénio entre zonas da cadeia
polipeptidica relativamente distantes umas das outras. As cadeias β apresentam
geralmente uma torção para a direita, devido a efeitos estéricos impostos pela
configuração L dos aminoácidos. As cadeias pertencentes a folhas β paralelas
apresentam uma torção menor relativamente às cadeias pertencentes a folhas β

15
antiparalelas. Esta torção pode originar conformações na forma de barril,
designando-se barril-β (Fig.14).

Figura 13- Folhas β paralelas (a) e folhas β antiparalelas (b). As folhas β são constituídas por
duas ou mais cadeias β unidas por pontes de hidrogénio.

Figura 14- Barril β. Estrutura da porina


de Comamonas acidovorans.

Elementos de reversão
O elemento mais simples de estrutura secundária é a “volta”. Este tipo de estrutura
envolve 3 ou 4 resíduos e estabelece uma ponte de hidrogénio entre o oxigénio do
carbonilo de um resíduo e o hidrogénio do grupo amina do resíduo n+2 ou n+3,
revertendo o sentido da cadeia polipeptídica. Cerca de 25% dos resíduos de uma

16
proteína globular encontram-se em “voltas”, os quais ao inverterem a direcção da
cadeia polipeptídica tornam possível a estrutura tridimensional típica destas proteínas.

Estrutura terciária
A estrutura terciária é a forma tridimensional adquirida por uma cadeia polipeptídica.
Por exemplo, numa proteína globular, os elementos de estrutura secundária
associam-se numa estrutura compacta estabilizada geralmente por interacções não
covalentes, como pontes de hidrogénio, interacções iónicas, interacções hidrofóbicas,
mas também por ligações covalentes entre resíduos de cisteína - pontes dissulfureto.
A estrutura tridimensional final resultante do enovelamento da cadeia polipeptídica e
arranjo espacial de todos os átomos constituintes da referida cadeia denomina-se por
estrutura terciária.

Estrutura quaternária
Muitas proteínas são constituídas por mais de uma cadeia polipeptídica, sendo esta
associação de cadeias essencial à função que desempenham. Tais proteínas
designam-se por oligómeros e as cadeias individuais constituintes por monómeros ou
subunidades. Designa-se por estrutura quaternária de uma proteína a estrutura
resultante da associação entre duas ou mais subunidades na formação de uma
proteína. A associação entre subunidades é estabilizada por ligações não covalentes,
como pontes de hidrogénio, interacções iónicas e hidrofóbicas.

17
Enzimas

A vida depende de uma orquestrada série de reacções químicas. Muitas delas,


entretanto, ocorrem muito lentamente para manter os processos vitais. Para resolver
esse problema, a natureza planeou um modo de acelerar a velocidade das reacções
químicas por meio de catálise. As acções catalíticas são executadas por enzimas que
facilitam os processos vitais em todas as suas formas, desde os vírus até aos
mamíferos superiores.
As enzimas são proteínas com funções catalíticas, isto é, aumentam a velocidade das
reacções químicas sob condições termodinâmicas não-favoráveis. Elas aceleram
consideravelmente a velocidade das reacções químicas em sistemas biológicos
quando comparadas com as reacções correspondentes não-catalisadas. Para ser
classificada como enzima, uma proteína deve:
• Apresentar elevada eficiência catalítica.
• Demonstrar alto grau de especificidade em relação aos seus substratos
(reagentes) e aos seus produtos.
• Acelerar a velocidade das reacções em 106 a 1012 vezes mais que as reacções
correspondentes não-catalisadas.
• Não ser consumida ou alterada ao participar na catálise.
• Não alterar o equilíbrio químico das reacções.
• Ter a sua actividade regulada geneticamente ou pelas condições metabólicas.

Tabela 2- Velocidade de reacções não-catalisadas e catalisadas por enzimas

Enzima Não-catalisada (s-1) Catalisada (s-1) Aumento da


velocidade
Anidrase carbónica 1,3x10-1 1x106 7,7x106
Adenosina- 1,8x10-10 370 2,1x1012
deaminase
Quimiotripsina 1,0x10-9 190 1,7x1011

As proteínas não são as únicas substâncias com propriedades catalíticas nos sistemas
biológicos. Alguns RNA’s, denominados ribozimas, também executam essa função.
A reacção catalisada pela enzima pode ser esquematizada como se segue:
Substrato (S) → Produto (P)

A molécula sobre a qual a enzima actua é o substrato (S) que se transforma em


produto (P) da reacção. Na ausência de enzima pouco produto (ou nenhum) é

18
formado, mas em presença da mesma, a reacção ocorre em alta velocidade. Como a
maioria das reacções é reversível, os produtos da reacção numa direcção tornam-se
substratos para a reacção inversa.
As enzimas são os catalisadores mais específicos que se conhecem, tanto para o
substrato como para o tipo de reacção efectuada sobre o substrato. A especificidade
inerente da enzima reside numa cavidade ou fenda de ligação do substrato, que está
situada na superfície da proteína enzimática. A cavidade, denominada, centro activo, é
um arranjo de grupos presentes em cadeias laterais de certos aminoácidos que ligam
o substrato por ligações não-covalentes. Muitas vezes, os resíduos de aminoácidos
que formam o centro activo ficam em regiões distantes, na estrutura primária, mas
próximos no centro activo, pelo enovelamento da cadeia polipeptídica (estrutura
terciária).
Algumas enzimas têm outra região na molécula, o centro alostérico, afastada do
centro activo. No centro alostérico, moléculas pequenas específicas ligam-se e
causam alterações na conformação proteica que afectam o centro activo, aumentando
ou reduzindo a actividade enzimática.
A maioria das enzimas necessita de moléculas orgânicas ou inorgânicas pequenas,
essenciais à sua actividade e denominadas coenzimas e co-factores.

Co-factores metálicos e coenzimas

Algumas enzimas são proteínas simples consistindo inteiramente de cadeias


polipeptídicas, como as enzimas hidrolíticas pepsina, tripsina, lisozima e ribonuclease.
Entretanto, a maioria das enzimas somente exerce a sua actividade catalítica em
associação com co-factores metálicos e/ou coenzimas.
• Co-factores metálicos. Os metais importantes nos organismos vivos são
classificados em dois grupos: metais de transição (exemplo, Fe2+, Zn2+ e Cu2+)
e metais alcalinos e alcalinos terrosos (exemplo, Na+, K+, Mg2+ e Ca2+). Devido
à sua estrutura electrónica, os metais de transição estão frequentemente
envolvidos na catálise. Várias propriedades dos metais de transição tornam-
nos essenciais à catálise. Os iões metálicos apresentam um grande número de
cargas positivas especialmente úteis na ligação de moléculas pequenas. Por
último, como os metais de transição têm dois ou mais estados de oxidação,
eles podem mediar reacções de oxidação-redução. Por exemplo, a oxidação
reversível do Fe2+ para formar Fe3+ é importante na função do citocromo P450,
uma enzima microssomal que processa substâncias tóxicas.

19
• Coenzimas. São pequenas moléculas orgânicas, frequentemente derivadas de
vitaminas. Existem também certos nutrientes análogos às vitaminas (exemplo,
ácido lipóico e ácido p-aminobenzóico) que são sintetizados em pequenas
quantidades e que facilitam os processos catalisados por enzimas. Na tabela 3
estão algumas coenzimas, as reacções em que participam e as fontes
vitamínicas que dão origem às coenzimas.

A enzima é cataliticamente activa quando forma um complexo denominado


holoenzima. O componente proteico do complexo é designado apoenzima.

Holoenzima (activa) ↔ co-factor + apoenzima (inactiva)

Tabela 3 – Algumas coenzimas, as reacções que promovem e as vitaminas precursoras.

Coenzima Reacção Fonte vitamínica


Biocitina Carboxilação Biotina
Coenzima A Transferência de grupos Ácido pantoténico
acila
Cobalamina Alquilação Cobalamina (B12)
Flavina Oxidação-redução Riboflavina (B2)
Ácido lipóico Transferência de grupos -
acila
Nicotinamida Oxidação-redução Nicotinamida (niacina)
Fosfato de piridoxal Transferência de grupos Piridoxina (B6)
amina
Tetrahidrofolato Transferência de grupos Ácido fólico
de 1-carbono
Pirofosfato de tiamina Transferência de grupo Tiamina (B1)
aldeído
Retinal Visão, crescimento e Vitamina A
reprodução
1,25-dihidroxicolecalciferol Metabolismo do cálcio e Vitamina D
fósforo

20
Tabela 4- Exemplos de coenzimas/co-factores e enzimas

Coenzimas e co-factores Enzima


Coenzima
Pirofosfato de tiamina (TTP) Piruvato-desidrogenase
Flavina adenina dinucleótido (FAD) Monoaminooxidase
Nicotinamida adenina dinucleótido (NAD) Lactato-desidrogenase
Piridoxal fosfato Glicogénio-fosforilase
Coenzima A (CoA) Acetil-CoA-carboxilase
Biotina Piruvato-carboxilase
Tetrahidrofolato Timidilate-sintase
Co-factor metálico
Zn2+ Anidrase carbónica
Zn2+ Carboxipeptidase
Mg2+ Hexocinase
Se Glutationa-peroxidase
Mn2+ Superóxido-dismutase

Reacções catalisadas por enzimas

Para reagir, as moléculas presentes numa solução devem colidir com orientação
apropriada e com a quantidade de energia que lhes permitam formar o complexo
activado, denominado estado de transição que representa os reagentes no estado
activado. Para atingir o estado de transição, necessita-se de uma quantidade de
energia definida como energia de activação (Ea) ou mais comum em bioquímica
energia livre de activação, ∆G≠ (o símbolo ≠ indica o processo de activação). Sob
condições fisiológicas, a velocidade das reacções pode ser aumentada pela redução
da energia livre de activação conseguida pela acção de enzimas.
A comparação do perfil energético das reacções catalisadas e não-catalisadas é
mostrada na figura 15 para a reacção:
A+B ↔C+D
No gráfico, o estado de transição corresponde ao ponto de mais alta energia da
reacção não-catalisada e é a medida da energia livre de activação, ∆G≠. Ou ainda, ∆G≠
é a energia livre do estado de transição subtraída da energia livre dos reagentes. No
complexo activado (estado de transição do sistema), os reagentes estão em forma
intermediária de alta energia e não podem ser identificados nem como reagentes nem
como produtos. O complexo do estado de transição pode ser decomposto em produtos
ou voltar aos reagentes.

21
Figura 15- Diagrama energético de reacção catalisada e de reacção não-catalisada. ∆G≠ =
energia livre de activação, ∆G0 = variação da energia livre. A diferença entre os valores da
energia de activação de uma reacção catalisada e de uma reacção não-catalisada, indica a
eficiência do catalisador.

A velocidade de uma reacção é inversamente proporcional ao valor de sua energia


livre de activação. Quanto maior o valor de ∆G≠, menor será a velocidade da reacção.
Os catalisadores aumentam a velocidade da reacção reduzindo a energia livre de
activação. A velocidade de uma reacção pode aumentar na ordem de 106 a 1012 vezes
mais do que a reacção correspondente não-catalisada.
Três propriedades distintas das enzimas permitem que elas exerçam um papel central
na promoção e regulação dos processos celulares, caracterizando-as como
componentes vitais aos sistemas vivos:
• Elevada especificidade da reacção. Como regra geral, cada reacção sob
condições apropriadas é catalisada por uma enzima específica. Diante de
várias rotas potencialmente possíveis, a enzima escolhe a que tem menor
energia livre de activação.
• Condições reaccionais adequadas ao ambiente fisiológico. A actividade de
cada enzima é dependente do pH, da temperatura, da presença de vários co-
factores e das concentrações de substratos e produtos.

22
• Capacidade de regulação da concentração e da actividade. Permite o ajuste
fino do metabolismo em diferentes condições fisiológicas.

Centro activo catalítico

O centro activo é a região na superfície da enzima onde ocorre a catálise. O substrato


liga-se ao centro activo por ligações não-covalentes (interacções electrostáticas,
pontes de hidrogénio, interacções de van der Waals e interacções hidrofóbicas).
Somente uma pequena porção do substrato onde ocorre transformação está ligada à
enzima. Isso não implica, entretanto, que os aminoácidos no centro activo estejam um
ao lado do outro na estrutura primária da proteína. Em consequência das dobras e
enovelamento da enzima (estrutura secundária e terciária), certos resíduos de
aminoácidos podem estar distantes um do outro na sequência primária, ainda que
juntos no centro activo da proteína completa.
A especificidade da ligação enzima-substrato depende do arranjo de átomos no centro
activo. Uma das explicações para a elevada especificidade das enzimas é que as suas
estruturas tridimensionais permitem um encaixe perfeito com o substrato. Dois
modelos foram propostos para explicar a especificidade enzimática, o modelo chave-
fechadura e o modelo do encaixe induzido.
• Modelo chave-fechadura. Muitas enzimas contêm fendas com dimensões
fixas que permitem a inserção somente do composto com uma dada
configuração. O substrato ajusta-se a esse local de ligação como uma chave
se ajusta à sua fechadura. Substâncias que não se encaixam na fenda para
formar o complexo enzima-substrato (ES), não reagem, mesmo possuindo
grupos funcionais idênticos ao do substrato verdadeiro. Esse conceito é
chamado modelo chave-fechadura proposto por Fisher em 1890.

Figura 16- Modelo chave-fechadura. A interacção entre a enzima (com estrutura rígida) e seu
substrato.

23
• Modelo do encaixe induzido. Um modelo mais flexível de interacção
enzima-substrato é o encaixe-induzido, proposto por Koshland em 1958. Os
centros activos dessas enzimas não estão completamente pré-formados e a
interacção inicial do substrato com a enzima induz uma alteração
conformacional na enzima. Isso promove o reposicionamento dos aminoácidos
catalíticos para formar o centro activo e a estrutura correcta para interagir com
os grupos funcionais do substrato (Fig.17).

Figura 17- Modelo do encaixe induzido. A ligação inicial do substrato à enzima induz uma
mudança conformacional na enzima produzindo um melhor encaixe.

Factores que influenciam a actividade enzimática

Vários factores influenciam a actividade enzimática, incluindo temperatura, pH,


concentração do substrato, tempo e produto da reacção.

Temperatura
As reacções químicas são afectadas pela temperatura. Quanto maior a temperatura,
maior a velocidade da reacção. A velocidade aumenta porque mais moléculas
adquirem energia suficiente para atingir o estado de transição. Em reacções
catalisadas por enzimas, a velocidade é acelerada pelo aumento da temperatura até
atingir uma temperatura óptima na qual a enzima opera com a máxima eficiência.
Como as enzimas são proteínas (excepto as ribozimas), os valores da temperatura
óptima situam-se entre 35 a 40ºC e dependem do pH e da força iónica. Acima dessa
temperatura, a actividade das enzimas declina abruptamente por desnaturação
proteica. Sob condições de hipotermia, a actividade enzimática é deprimida. As
relações acima descritas são mostradas na figura 18.

24
Figura 18- Efeito da temperatura sobre a velocidade
de uma reacção catalisada por enzima.

pH
A concentração de iões hidrogénio afecta as enzimas de vários modos. Primeiro, a
actividade catalítica das enzimas está relacionada com a ionização de aminoácidos no
centro activo. Por exemplo, a actividade catalítica de certas enzimas necessita a forma
protonada da cadeia lateral do grupo amina. Se o pH se tornar suficientemente
alcalino de tal modo que o grupo perde o seu protão, a actividade da enzima pode ser
reduzida. Além disso, os substratos podem também ser afectados. Se um substrato
contém um grupo ionizável, as mudanças no pH afectam a capacidade de ligação ao
centro activo. Segundo, alterações nos grupos ionizáveis podem modificar a estrutura
terciária das enzimas. Mudanças drásticas no pH promovem a desnaturação de muitas
enzimas.
Apesar de algumas enzimas tolerarem grandes mudanças no pH, a maioria delas só
são activas em intervalos muito estreitos. Por essa razão, os organismos vivos utilizam
tampões que regulam o pH. O valor do pH no qual a actividade da enzima é máxima é
chamado pH óptimo. O pH óptimo das enzimas varia consideravelmente. Por exemplo,
o pH óptimo da pepsina, enzima proteolítica produzida no estômago, é
aproximadamente 2. Para a quimiotripsina, que digere as proteínas no intestino
delgado, o pH óptimo é aproximadamente 8. O efeito do pH sobre a actividade das
enzimas é esquematizado na figura 19.

Figura 19- Actividade enzimática versus pH


(considerando-se os outros factores
constantes).

25
Concentração da enzima
A velocidade máxima da reacção é uma função da quantidade de enzima disponível.
Existe um aumento proporcional em relação à quantidade de enzima no sistema.
Assim, a velocidade inicial da reacção enzimática é directamente proporcional à
concentração de enzima (existindo substrato em excesso) (Fig.20).

Figura 20- Efeito da concentração da


enzima sobre a velocidade inicial (V0). A
concentração do substrato está acima da
necessária para atingir a velocidade
máxima.

Concentração do substrato
Para atender às necessidades do organismo, as reacções bioquímicas devem ocorrer
em velocidade compatível. A velocidade de uma reacção bioquímica é expressa em
termos de formação de produto ou pelo consumo do reagente por unidade de tempo.
Ao considerar uma reacção unimolecular (que envolve um único reagente):

O progresso da reacção é descrito pela equação da velocidade na qual a velocidade é


expressa em termos da constante de velocidade (k) e a concentração do reagente [A]:

Onde [A]= concentração do substrato, t= tempo e k= constante de proporcionalidade


designada constantes de velocidade (sua unidade s-1) que depende das condições da
reacção (temperatura, pH e força iónica). O sinal negativo para a variação da [A] indica
que A está sendo consumido na reacção. A equação mostra que a velocidade da
reacção é directamente proporcional à concentração do reagente. A reacção exibe
cinética de primeira ordem (Fig.21).
Quando a adição de mais reagente não aumenta a velocidade, a reacção exibe
cinética de ordem zero (Fig.21). A expressão da velocidade para a reacção é:

26
A velocidade é constante porque não depende da concentração dos reagentes, mas
de outros factores. A quantidade de reagente é o suficiente para saturar todos os
centros catalíticos das moléculas enzimáticas. Assim, o reagente só existe na forma
de complexos enzima-substrato (ES). Como a curva velocidade-substrato é
hiperbólica, a fase de ordem zero atinge uma velocidade máxima, Vmax.

Figura 21- Efeito da concentração do


substrato sobre a velocidade inicial (V0)
em reacções catalisadas por enzimas.

Uma reacção bimolecular ou de segunda ordem pode ser escrita:

Sua equação de velocidade é:

O k é a constante de velocidade de segunda ordem e tem como unidade M-1s-1. A


velocidade de uma reacção de segunda ordem é proporcional ao produto da
concentração dos dois reagentes ([A][B]).

27
Cinética enzimática

O estudo da velocidade das reacções enzimáticas ou cinética enzimática, envolve


informações indirectas sobre o mecanismo de acção catalítica, especificidade das
enzimas, alguns factores que afectam a velocidade das reacções e a determinação
quantitativa dos seus efeitos. Apesar de catalisarem uma grande variedade de
reacções por diferentes mecanismos, as enzimas podem ser analisadas quanto às
suas velocidades para quantificar as suas eficiências.
Quando o substrato S se liga ao centro activo de uma enzima E, um complexo
enzima-substrato (ES) é formado em processo rápido e reversível antes da formação
do produto. Após um breve tempo, o produto dissocia-se da enzima conforme a
equação:

A relação quantitativa entre a velocidade da reacção enzimática e a concentração do


substrato é definida pela equação de Michaelis-Menten:

Esta é a equação de Michaelis-Menten que relaciona a velocidade inicial (V0, mudança


na concentração de reagente ou produto durante os primeiros segundos da reacção)
de uma reacção catalisada por enzima com a concentração de substrato. As duas
constantes apresentadas nesta equação, a velocidade máxima (Vmax, velocidade
atingida sob condições de saturação da enzima em condições específicas de
temperatura, pH e força iónica) e Km são específicas para cada enzima sob condições
específicas de pH e temperatura.
O valor de Km (constante de Michaelis) é numericamente igual à concentração do
substrato (mol/L) na qual a velocidade inicial da reacção corresponde a metade da
velocidade máxima. Ou seja, na concentração de substrato em que [S]=Km, a equação
de Michaelis-Menten torna-se V0=Vmax/2. A concentração da enzima não afecta o Km.

Figura 22- Determinação do Km pelo


gráfico de velocidade inicial (V0) versus
concentração de substrato, [S]. O Km é a
concentração do substrato (mol por litro)
na qual a velocidade inicial da reacção é
metade da velocidade máxima.

28
Valores baixos de Km reflectem elevada afinidade da enzima pelo substrato e,
portanto, atingirá a máxima eficiência catalítica em baixas concentrações de substrato.
Valores de Km mais elevados reflectem baixa afinidade da enzima pelo substrato.

Tabela 5- Valores do Km para algumas enzimas.

Constante catalítica (Kcat)

As enzimas nas células e fluidos do corpo normalmente não actuam em


concentrações saturadas de substrato. Para avaliar a eficiência catalítica de uma
enzima, define-se a constante catalítica, Kcat também conhecida como número de
reciclagem (turnover number):

Kcat representa o número de moléculas de substrato convertidas em produto por


segundo por moléculas de enzima (ou por mol de centro activo nas enzimas
oligoméricas) sob condições de saturação. Em outras palavras, o Kcat indica o número
máximo de moléculas convertidas em produto por segundo por cada centro activo.
[E]total = concentração total de enzima.

29
Tabela 6- Constantes catalíticas de algumas enzimas.

Constante de especificidade (Kcat/Km)


A relação Kcat/Km é chamada constante de especificidade e relaciona a eficiência
catalítica da enzima com a sua afinidade pelo substrato. A velocidade da reacção varia
directamente com a frequência de colisões entre as moléculas de enzima e as de
substrato na solução. A decomposição do complexo ES em E + P não pode ocorrer
mais velozmente que o encontro de E e S para formar ES.
A relação Kcat/Km é, em geral, o melhor parâmetro cinético para comparações de
eficiência catalítica entre diferentes enzimas. Valores baixos da relação indicam pouca
afinidade da enzima pelo substrato. Por exemplo, a acetilcolinoesterase tem valor de
Kcat/Km de 1.5 x 108 s-1M-1 mostrando alta eficiência, enquanto a urease tem o valor de
4 x 105 s-1M-1, ou seja, menor eficiência.

Tabela 7- Constante de especificidade, Kcat/Km, de algumas enzimas.

30
Reacções com multisubstratos
Mais de metade das reacções bioquímicas envolvem dois substratos, em lugar de um
único substrato a que obedece o modelo de Michaelis-Menten. As reacções com
multisubstratos podem proceder por diferentes mecanismos:
1. Mecanismo ordenado. Os substratos, S1 e S2, devem associar-se às enzimas com
uma ordem obrigatória antes que a reacção possa ocorrer. A ligação do primeiro
substrato é necessária para que a enzima forme o centro de ligação para o segundo
substrato. Muitas desidrogenases nas quais o segundo substrato é uma coenzima
(NAD+, FAD, etc.) são exemplos deste mecanismo.
2. Mecanismo aleatório. Os dois substratos podem se ligar à enzima em qualquer
ordem. A hexocinase transfere um grupo fosfato do ATP para a glicose por esse
mecanismo, apesar da glucose tender a ligar inicialmente à molécula de ATP.
3. Reacções de dupla-troca (pingue-pongue). Um ou mais produtos são libertados
antes que os outros substratos se liguem à enzima modificada. As reacções
catalisadas pela UDP-glicose-1-fosfato uridiltransferase, piruvato-carboxilase e acetil-
CoA-carboxilase são exemplos deste mecanismo.

Inibição enzimática

Inibidores são substâncias que reduzem a actividade das enzimas e incluem fármacos,
antibióticos, conservantes de alimentos e venenos. São importantes por várias razões:
(1) os inibidores enzimáticos actuam como reguladores das vias metabólicas. (2)
Muitas terapias por fármacos são baseadas na inibição enzimática. Por exemplo,
muitos antibióticos e fármacos reduzem ou eliminam a actividade de certas enzimas. O
tratamento da SIDA inclui inibidores das proteases, moléculas que inactivam a enzima
necessária para produzir novos vírus. (3) Desenvolvimento de técnicas para
demonstrar a estrutura física e química, e as propriedades funcionais das enzimas.
Distinguem-se dois tipos de inibição: reversível e irreversível, segundo a estabilidade
da ligação entre o inibidor e a molécula de enzima. Na inibição reversível ocorrem
interacções não-covalentes entre o inibidor e a enzima, enquanto a inibição irreversível
envolve modificações químicas das moléculas, levando a uma inactivação definitiva.
Na inibição reversível, a enzima retoma sua actividade após dissociação do inibidor.
Duas classes de inibidores reversíveis são descritas: competitivo e não-competitivo.

31
Inibição competitiva
Inibidores competitivos são substâncias que competem directamente com o substrato
normal pelo centro activo das enzimas. São moléculas estruturalmente semelhantes
ao substrato. O inibidor (I) competitivo reage reversivelmente com a enzima para
formar um complexo enzima-inibidor (EI) análogo ao complexo enzima-substrato, mas
cataliticamente inactivo:

A actividade da enzima declina por não ocorrer a formação do complexo enzima-


substrato durante a existência do complexo EI. A acção do inibidor pode ser revertida
aumentando-se a quantidade de substrato. Em altas [S], todos os centros activos
estão preenchidos com substrato e a velocidade da reacção atinge o mesmo valor que
o observado sem o inibidor.
Como o substrato e o inibidor competem pelo mesmo local de ligação na enzima, o Km
para o substrato mostra um aumento aparente em presença do inibidor. Ou seja, mais
substrato é necessário para atingir metade da Vmax. Não há alteração no Vmax quando a
concentração do substrato é suficientemente elevada.
Um exemplo clássico de inibição competitiva envolve a enzima succinato-
desidrogenase, uma enzima do ciclo de Krebs que converte o succinato a fumarato
pela remoção de dois átomos de hidrogénio:

O malonato é estruturalmente análogo ao succinato e liga-se ao centro activo da


enzima mas não é convertido em produto.

O mecanismo da inibição é mostrado na figura 23.

32
Figura 23- Inibição competitiva. Gráficos de V0 versus concentração de substrato para uma
reacção de Michaelis-Menten na presença de um inibidor competitivo.

Inibição não-competitiva

O inibidor não-competitivo liga-se tanto à enzima como ao complexo ES num local


diferente do local de ligação do substrato. A ligação do inibidor não bloqueia a ligação
do substrato, mas provoca uma modificação da conformação da enzima que impede a
formação de produto:

A inibição não reverte pelo aumento da concentração de substrato. O inibidor reduz a


concentração da enzima activa e, assim, diminui o Vmax aparente. Nestes casos, o
inibidor não afecta o Km para o substrato. Os metais pesados, Hg2+ e Pb2+, que se
ligam aos grupos sulfídricos e modulam a conformação da enzima, são exemplos de
inibidores não-competitivos.

Figura 24- Inibição não-competitiva. Efeito da concentração do substrato sobre a velocidade


inicial na presença de um inibidor não-competitiva.

33
Inibição irreversível
A inibição irreversível envolve modificação covalente e permanente do grupo funcional
necessário para a catálise, tornando a enzima inactiva. É classificado como um
inactivador. Alguns pesticidas inibem o centro activo da acetilcolinesterase, o que
impede a hidrólise da acetilcolina na sinapse, resultando, no homem, paralisia dos
músculos respiratórios e edema pulmonar.

Fármacos que actuam como inibidores enzimáticos


Muitos fármacos modernos actuam como inibidores da actividade enzimática. Esse
mecanismo é encontrado em antivirais, antitumorais e antibacterianos. Os compostos
com diferentes estruturas em relação ao substrato natural que actuam como inibidores
são conhecidos como antimetabólitos. Entre os quais citam-se, as sulfas (a
sulfanilamida compete com o ácido p-aminobenzóico necessário para o crescimento
bacteriano), o metotrexato (compete com o dihidrofolato e é usado no tratamento da
leucemia infantil), substratos suicidas (geram uma espécie altamente reactiva que
reage de forma irreversível com o centro activo, por exemplo, o Omeprazol usado no
tratamento de excessiva acidez estomacal), fluorouracil (inibidor irreversível da
timidilato-sintetase) e 6-mercaptopurina (compete com a adenina e guanina e é
efectiva no tratamento de leucemias infantis).

Regulação da actividade enzimática

Além da influência exercida sobre a actividade enzimática de diversos factores, tais


como: concentração do substrato e enzima, pH, temperatura e presença de
co-factores, tem-se também, a integração das enzimas nas vias metabólicas e a
interrelação dos produtos de uma via com a actividade de outras vias. As vias
metabólicas não operam em capacidade máxima o tempo todo. De facto, muitos
processos podem ser interrompidos, inibidos ou activados, durante certas fases no
ciclo de vida da célula. Se assim não fosse, a célula teria um crescimento
descontrolado.
A regulação das vias metabólicas ocorre por meio da modulação da actividade de uma
ou mais enzimas-chave do processo. A etapa de maior energia de activação é
denominada etapa de comprometimento (geralmente uma reacção irreversível).
Frequentemente, a enzima-chave que catalisa a etapa comprometida serve como
válvula de controlo do fluxo de moléculas no percurso metabólico.

34
A regulação das vias bioquímicas envolve mecanismos sofisticados e complexos. É
conseguida principalmente pelo ajuste das concentrações e actividades de certas
enzimas. O controlo é feito por: (1) controlo genético, (2) modificação covalente e (3)
regulação alostérica.

Controlo genético
A quantidade das enzimas disponíveis nas células depende da velocidade de sua
síntese e da velocidade de sua degradação. A síntese de enzimas em resposta às
mudanças das necessidades metabólicas é um processo conhecido como indução
enzimática, que permite a resposta celular de maneira ordenada às alterações no
meio.
A síntese de certas enzimas pode ser especificamente inibida por repressão. O
produto final de uma via bioquímica pode inibir a síntese de uma enzima-chave da
mesma via.

Regulação por modificação covalente


A actividade de algumas enzimas que modulam o fluxo das vias metabólicas, é
regulada por modificações covalentes reversíveis, em reacções catalisadas por outras
enzimas. Isso resulta na activação ou inibição da actividade enzimática.
Frequentemente, a modificação envolve fosforilação e desfosforilação da enzima por
adição ou remoção de grupos fosfato ou, por modificações covalentes de outro tipo. As
fosforilações e desfosforilações são catalisadas por proteínas-cinase e
proteínas-fosfatases, respectivamente. Como exemplo do processo regulador, tem-se
a enzima glicogénio fosforilase que catalisa o desdobramento do glicogénio. A enzima
apresenta-se na forma fosforilada (activa) e desfosforilada (inactiva) em processo de
interconversão cíclica entre as duas formas. O mecanismo geral de regulação por
modificação covalente está intimamente associado à acção hormonal.
Outros exemplos de modificações reversíveis incluem acetilação-desacetilação,
adenilação-desadenilação, uridinilação-desuridinilação e metilação-desmetilação.

Regulação alostérica
As enzimas reguladas por moduladores ligados a locais adicionais e que sofrem
mudanças conformacionais não-covalentes são denominadas alostéricas. A afinidade
da ligação enzima-substrato das enzimas alostéricas é modificada por ligantes
denominados efectores ou moduladores alostéricos, unidos reversível e
não-covalentemente a locais específicos da estrutura tridimensional proteica e

35
denominados locais alostéricos, que são diferentes e distantes dos centros activos
específicos para os substratos. Os efectores são pequenas moléculas orgânicas, por
exemplo, o ATP, proteínas de baixo peso molecular, substratos ou produtos da
reacção. A maioria das enzimas sujeitas a esses efeitos é decisiva na regulação do
metabolismo intermediário.
Os efectores podem ser:
• Efector alostérico positivo: aumenta a afinidade da enzima pelo substrato e,
assim, eleva a velocidade da reacção.
• Efector alostérico negativo: reduz a afinidade da enzima pelo substrato e,
assim, diminui a velocidade da reacção.
A maioria das enzimas alostéricas é oligomérica, ou seja, são compostas de várias
subunidades polipeptídicas, cada uma com um centro activo. Em algumas enzimas, o
local alostérico e o centro activo estão localizados na mesma subunidade (ex.:
piruvato-carboxilase); em outras, estão localizados em subunidades diferentes (ex.:
aspartato-carbamoiltransferase). Em consequência da natureza oligomérica das
enzimas alostéricas, a ligação do substrato a uma subunidade pode afectar a ligação
de outras moléculas de substrato aos outros centros activos. A cooperatividade é a
influência que a união de um ligante a uma subunidade tem sobre a união do ligante a
outras subunidade numa proteína oligomérica. A interacção estabelecida entre os
centros activos é evidenciada pela cinética da catálise: o gráfico de V0 versus a
concentração de substrato [S] é uma curva sigmóide, em lugar da curva hiperbólica de
Michaelis-Menten (Fig.25).

Figura 25- Velocidade inicial da


reacção versus a concentração
de substrato (S) para enzimas
alostéricas comparadas com
enzimas não alostéricas.

36
Quanto à cooperatividade, as reacções podem ser:
• Positivamente cooperativa, onde a ligação do primeiro substrato aumenta a
afinidade de substratos adicionais para outros centros activos.
• Negativamente cooperativa, em que a ligação do primeiro substrato reduz a
afinidade por substratos adicionais.

Zimogénios

Muitas enzimas são sintetizadas como precursores inactivos e, subsequentemente,


activadas pela clivagem de uma ou mais ligações peptídicas específicas. O precursor
inactivo é chamado zimogénio (ou proenzima). Não é necessária uma fonte de energia
(ATP) para a clivagem.
A proteólise específica é um meio comum de activação de enzimas e outras proteínas
nos sistemas biológicos. Exemplos:
• As enzimas digestivas que hidrolisam proteínas são sintetizadas como
zimogénios no estômago e pâncreas (Tabela 8).
• Algumas hormonas proteicas. Por exemplo, a insulina é derivada da
pró-insulina.
• A proteína fibrosa colagénio, o maior constituinte da pele e ossos, é derivado
do pró-colagénio, um precursor solúvel.
• A apoptose ou a morte celular programada é mediada por enzimas proteolíticas
denominadas caspases e sintetizadas na forma de precursor pró-caspases.

Tabela 8- Zimogénios gástricos e pancreáticos

Isoenzimas

As isoenzimas ou isozimas são formas moleculares múltiplas de uma enzima, que


realizam a mesma acção catalítica e ocorrem na mesma espécie animal. As

37
isoenzimas são enzimas que catalisam a mesma reacção e têm estrutura primária
semelhante. Geralmente diferenciam-se pela sua mobilidade electroforética
(velocidade de migração quando submetidas a um campo eléctrico).
Um exemplo clássico é a lactato-desidrogenase (LDH), um tetrâmero formado por
duas espécies diferentes de subunidades polipeptídicas, denominadas M (músculo) e
H (coração). Essas subunidades são codificadas por genes diferentes. A combinação
das duas cadeias produz cinco isoenzimas que podem ser separadas
electroforeticamente (Tabela 9).

Tabela 9- Composição das subunidades da lactato-desidrogenase e suas principais


localizações.

A lactato-desidrogenase catalisa a redução reversível do piruvato a lactato. Desse


modo, no músculo-esquelético a isoenzima LDH-5 apresenta Vmax elevado para o
piruvato e, portanto, converte rapidamente o piruvato a lactato. No caso da LDH-1,
encontrada no coração apresenta um Vmax relativamente baixo para o piruvato, não
favorecendo a formação de lactato. O excesso de piruvato inibe a isoenzima LDH-1. O
músculo cardíaco, um tecido essencialmente aeróbico, metaboliza a glicose a piruvato
e, a seguir, a CO2 e H2O, produzindo pouco lactato. Entretanto, em situações de défice
de oxigénio, o piruvato pode ser convertido a lactato como medida de emergência.
Assim, as características cinéticas distintas das duas enzimas determinam o tipo de
metabolismo em cada tecido.

Aplicações clínicas das enzimas

Muitas das enzimas presentes no plasma, líquido cefaloraquidiano, urina e exsudados,


são provenientes, principalmente, do processo normal de destruição e reposição
celular. Entretanto, certas enzimas encontram-se, nesses líquidos, em teores elevados
após lesão provocada por processos patológicos com o aumento na permeabilidade

38
celular ou morte prematura da célula. Nos casos de alteração da permeabilidade, as
enzimas de menor massa molecular aparecem no plasma. Quanto maior o gradiente
de concentração entre os níveis intra e extracelular, mais rapidamente a enzima se
difunde para fora. As enzimas citoplasmáticas surgem no plasma antes daquelas
presentes nos organelos celulares. Quanto maior a extensão do tecido lesado, maior o
aumento no nível plasmático. As enzimas não específicas do plasma são clarificadas
em várias velocidades, que dependem da estabilidade da enzima e sua
susceptibilidade ao sistema reticuloendotelial.
Algumas enzimas têm sua actividade no próprio plasma; por exemplo as enzimas
associadas à coagulação sanguínea (trombina), dissolução da fibrina (plasmina) e
clareamento de quilomicras (lipase lipoproteica). As enzimas mais ensaiadas no
laboratório clínico são mostradas na tabela 10.

Tabela 10- Enzimas rotineiramente ensaiadas no laboratório clínico.

Ácidos nucleicos

O ácido desoxirribonucleico (DNA) constitui a base de informação necessária para a


manutenção da organização biológica. A sequência específica de bases nucleotídicas
do DNA determina a composição de proteínas estruturais e enzimas necessárias para
catalisar as diferentes reacções bioquímicas das células. Para além da informação
para a expressão de proteínas, o DNA contém também a informação necessária para

39
a síntese de vários ácidos nucleicos, e para a regulação da expressão dessa
informação contida no genoma.
O DNA é um polímero composto por arranjos de unidades monoméricas designadas
por nucleótidos. Cada nucleótido é constituído por uma base heterocíclica azotada que
pode ser uma purina como a adenina (A) ou a guanina (G), ou uma pirimidina como a
citosina (C) ou a timina (T). No nucleótido, a base encontra-se ligada a um açúcar, a
desoxirribose, que está ligada a um grupo fosfato (Fig.26).

Figura 26– Estrutura dos


desoxinucleótidos que compõem
o DNA.

No caso da molécula de RNA, a timina é substituída pelo uracilo (U) e o açúcar é a


ribose. Os nucleótidos como o AMP, ADP e ATP são formados por esterificação do
grupo hidroxilo do açúcar, da qual resulta uma cadeia de um ou mais fosfatos. Assim,
os nucleótidos para além de constituírem as unidades estruturais do DNA, participam
também na transferência de energia entre os sistemas celulares e informação em vias
de transdução de sinal.

40
Estrutura dos ácidos nucleicos

A molécula de DNA resulta da ligação de nucleótidos adjacentes através de ligações


fosfodiéster. Cada fosfato liga o grupo hidroxilo (OH) do átomo de carbono 3’ de uma
desoxirribose e o grupo hidroxilo do carbono 5’ da desoxirribose do nucleótido
adjacente. Consequentemente, a estrutura de uma cadeia polinucleotídica resulta de
ligações fosfodiéster, da qual se projectam as bases azotadas. Cada cadeia
polinucleotídica apresenta na extremidade 5’ um grupo fosfato e na extremidade 3’ um
grupo hidroxilo (Fig. 27), tendo sido convencionado a apresentação das sequências
nucleotídicas no sentido 5’ – 3’, o que está em conformidade com a descrição da
síntese de todas as moléculas de DNA e RNA que ocorre por adição de nucleótidos à
extremidade 3’ da cadeia em crescimento.

Figura 27– Organização dos


desoxinucleótidos na molécula
de DNA. Indicação das ligações
fosfodiéster.

Estrutura secundária do DNA

A forma predominante do DNA é de dupla hélice, formada por duas cadeias


polinucleotídicas que apresentam orientações 5’ – 3’ anti-paralelas. As duas cadeias
são complementares sendo que a adenina emparelha com a timina (A-T) e a citosina
com a guanina (C-G) através de pontes de hidrogénio. As bases são orientadas para o
interior da dupla hélice e os açúcares e grupos fosfato apresentam-se no exterior da

41
molécula de DNA. A forma B do DNA foi caracterizada pela repetição regular de dois
sulcos presentes na parte externa da molécula, um maior (major groove) e outro
menor (minor groove), com enrolamento helicoidal para a direita (Fig.28).

Figura 28– Representação


esquemática da organização do
DNA de dupla hélice, com os
sulcos maior e menor e o
emparelhamento de bases
complementares.

São ainda conhecidas duas formas adicionais isoméricas do DNA que resultam do
facto dos ângulos das ligações que envolvem as bases e a desoxirribose serem
flexíveis, permitindo alterações de conformação. A forma A do DNA existe apenas no
estado desidratado, não lhe sendo reconhecida nenhuma função biológica, e a forma
Z surge quando o enrolamento da dupla cadeia ocorre para a esquerda (Fig.29).

Figura 29– Possíveis estruturas


do DNA.

As moléculas de DNA podem ser lineares ou circulares, enquanto os cromossomas


humanos são moléculas lineares únicas de DNA, o material genético viral e bacteriano

42
apresenta-se maioritariamente na forma circular. Quando o DNA circular ou linear com
ambas as extremidades ancoradas é torcido em volta do seu eixo longitudinal, a
tensão é aliviada pelo aparecimento de curvaturas e torções designadas de
super-hélices ou super-espirais. A formação destas estruturas em super-hélice é
biologicamente importante já que pode influenciar a expressão génica. Em
determinadas circunstâncias a super-hélice favorece o desenrolamento da dupla
hélice, promovendo o acesso de proteínas envolvidas na regulação da transcrição. O
grau de formação destas estruturas em super-hélice pode ser controlado por enzimas,
topoisomerases.
Embora a maior parte dos organismos possuam mecanismos que reduzem ao máximo
as alterações do DNA de forma a manter a estabilidade da informação contida no
genoma, o seu grande tamanho, a necessidade de se replicar em cada processo de
divisão celular e a sua interacção em inúmeros processos celulares, tornam-no alvo de
modificações físicas ou químicas que podem resultar em mutações.

Estruturas secundária e terciária do RNA

As moléculas de RNA variam em tamanho, de 76 nucleótidos no RNA de transferência


(tRNA) a alguns milhares de nucleótidos em alguns RNAs mensageiros (mRNA). À
excepção do material genético de alguns vírus, a molécula de RNA apresenta-se em
cadeia simples, mas pode formar algumas estruturas secundárias específicas que
resultam no emparelhamento de algumas bases ao nível intramolecular (Fig.30. O tipo
mais simples de estrutura secundária de RNA é uma hélice antiparalela estabilizada
por pontes de hidrogénio entre bases complementares (Fig.31).

43
Figura 31– Estrutura do RNA de
transferência da fenilalanina,
incluindo as sequências de bases
intramoleculares emparelhadas.
Figura 30– Estrutura secundária
do RNA.

44
Hidratos de carbono

Os glúcidos são em geral sólidos brancos, doces e solúveis em água. Os mais simples
são moléculas com apenas 3 carbonos enquanto os mais complexos se formam por
polimerização de glúcidos mais pequenos, constituindo por vezes macromoléculas
com peso molecular da ordem dos milhões de unidades de massa atómica. Os
polímeros de açúcar diferem das proteínas ou ácidos nucleicos por possuírem
ramificações. Comparados às proteínas, que geralmente são compactas, os polímeros
hidrofílicos de açúcar tendem a espalhar-se em soluções aquosas para maximizar as
pontes de hidrogénio com a água. Os hidratos de carbono servem para 4 funções
principais:
• A energia química armazenada nas ligações covalentes das moléculas de
açúcar é uma fonte primária de energia para as células.
• São os componentes estruturais mais abundantes na terra. Por exemplo, a
celulose que forma as paredes celulares das plantas, a quitina que forma os
exosqueletos dos insectos, e os glicosaminoglicanos que são encontrados nos
tecidos conjuntivos de animais.
• São componentes essenciais dos nucleótidos que formam o esqueleto
estrutural dos ácidos nucleicos e participam em muitas reacções metabólicas.
• Açúcares individuais e combinações de açúcares formam as cadeias laterais
dos lípidos e proteínas. Estas modificações promovem uma diversidade
molecular além daquela inerente às proteínas e lípidos por si, modificando as
suas propriedades físicas e expandindo grandemente o potencial destas
glicoproteínas e glicolípidos de interagir com outros componentes celulares em
reacções receptor-ligando específicas.

Oses
As oses podem ser definidas como poli-hidroxialdeídos ou poli-hidroxicetonas, com
fórmula empírica [CH2O]n, para n maior que 2, designando-se por aldoses se
possuírem o grupo funcional aldeído, ou cetoses se possuírem o grupo funcional
cetona. O gliceraldeído (uma aldotriose) e a di-hidroxiacetona (uma cetotriose) são os
glúcidos mais pequenos com apenas três átomos de carbono (Fig.32).
As aldopentoses e as aldo-hexoses são as oses mais abundantes nos seres vivos,
entre as quais se destacam pela sua importância a D-glicose, a D-ribose e a
D-galactose. As cetoses são menos abundantes, mas algumas, como a D-ribulose,

45
cetopentose intermediária da fotossíntese (ciclo de Calvin), e a D-frutose, cetohexose
componente da sacarose e intermediária em muitas vias metabólicas primárias, têm
funções importantes (Fig.33).

Figura 32- Gliceraldeído e di-hidroxiacetona em


perspectiva e em projecção de Fisher.

Figura 33- Duas importantes cetoses.

A figura 33 mostra as oses na sua forma linear. No entanto, esta não é a forma mais
abundante em solução aquosa, mas sim a forma cíclica que deriva de uma reacção
intramolecular entre um hidroxilo e o aldeído no caso das aldoses, ou a cetona, no
caso das cetoses. A figura 34 mostra as reacções de ciclização de algumas oses. Os
anéis de cinco lados, chamados furanoses, e os anéis de seis lados, chamados
piranoses, são os dois tipos de anéis termodinamicamente mais estáveis, e logo, os
mais abundantes.

46
Figura 34- Ciclização de oses em solução aquosa. É de notar que outras ciclizações são
possíveis. Por exemplo, a ribose pode formar um anel de seis lados (ataque do hidroxilo em C-
5, em vez do hidroxilo em C-4), bem como a frutose (ataque do hidroxilo em C-6, em vez do
hidroxilo em C-5).

Ósidos e ligação glicosídica


Os ósidos são compostos por oses ligadas covalentemente por ligações glicosídicas.
Este tipo de ligação ocorre sempre entre o carbono anomérico de uma ose e um grupo
hidroxilo de outra, resultando numa ligação carbono-oxigénio-carbono. Os ósidos mais
pequenos são os diósidos, compostos por apenas duas oses. A uma pequena cadeia
da ordem da dezena de oses chama-se oligósido. Moléculas maiores são designadas
por poliósidos.
Na imagem abaixo está representado a ligação de duas moléculas de glicose,
formando a maltose. Nesta reacção o grupo –OH do carbono anomérico ataca um
átomo de carbono de outra molécula de glicose, provocando a saída do grupo –OH
ligado a esse carbono.

47
Figura 35– Síntese da maltose a partir de duas moléculas de glicose.

Na imagem abaixo está representado outros dos importantes diósidos, a sacarose


(glicose + frutose) que é extraída da cana-de-açúcar, e a lactose (galactose + glicose)
que é o principal açúcar do leite. Na maior parte dos mamíferos, a enzima responsável
pela sua hidrólise (a lactase) só é sintetizada durante o período de aleitamento. Na
ausência de lactase, a lactose não pode ser digerida, tornando-se por isso uma fonte
de alimento abundante para a flora intestinal (que então começa a crescer
descontroladamente), e originando por isso náuseas e vómitos, assim como diarreia
(por afectar a osmolaridade do intestino delgado). No entanto, desde a domesticação
do gado, algumas populações humanas desenvolveram a capacidade de continuarem
a sintetizar a lactase durante toda a vida.

Figura 36– Estrutura química da sacarose e da lactose.

Os poliósidos são formados por oses ligadas entre si por ligações glicosídicas. O
glicogénio é o poliósido de reserva nos animais. A maior parte do glicogénio pode ser
encontrada no fígado, onde forma grânulos característicos, e também no
músculo-esquelético.

48
Glicoconjugados

Glicoconjugados são moléculas em que os glúcidos estão covalentemente ligados a


outros tipos de moléculas como proteínas e lípidos.

Peptidoglicano
As bactérias possuem uma parede celular baseada num glicoconjugado chamado
peptidoglicano ou mureína, cuja unidade monomérica está representada na figura 38.
É, portanto, um heteropoliósido, por conter derivados de oses, com ligações
covalentes cruzadas através de um polipéptido. Neste glicoconjugado a ligação
péptido-glúcido é do tipo amídico, por reacção entre o grupo carboxilo do ácido
N-acetilmurâmico e o grupo aminoterminal do péptido.

Figura 37- Unidade constitutiva da molécula de peptidoglicano da parede celular da bactéria


Staphylococcus aureus. A cadeia de aminoácidos interliga as cadeias poliosídicas. A
abreviatura Gly identifica aminoácidos de glicina.

Proteoglicano
Este glicoconjugado é importante nos mamíferos e outros animais pluricelulares. Os
proteoglicanos são moléculas hidrofílicas e extracelulares que formam a substância
base do tecido conjuntivo, juntamente com as macromoléculas proteicas como o
colagénio e o elastano.
A constituição dos proteoglicanos baseia-se numa cadeia peptídica, chamada proteína
central, à qual se ligam covalentemente, através dos grupos hidroxilo de resíduos de
serina, alguns heteropoliósidos não ramificados (Fig.38). Estes heteropoliósidos
contêm sempre derivados de glicosamina e são por isso denominados por
glicosaminoglicanos. Os glicosaminoglicanos são sintetizados por formação de
ligações do tipo glicosídico entre derivados de glicosamina e outros derivados de oses,

49
activados com UDP no carbono anomérico. Estas reacções são catalisadas por
glicosiltransferases específicas e ocorrem no retículo endoplasmático, logo após a
síntese da proteína central, ou então quando a proteína central for transferida para o
Golgi (Fig.39).

Figura 38- Esquema da constituição típica de um proteoglicano (a); a ligação de


glicosaminoglicano à proteína central é feita através de um triósido que não contém
glicosamina (b).

Figura 39- Síntese de glicosaminoglicanos. Esta síntese começa com a ligação covalente à
proteína central.

50
Apesar dos derivados de oses serem adicionados um a um aos glicosaminoglicanos,
estes acabam por apresentar unidades repetitivas diosídicas, algumas das quais estão
representadas na figura 40. A sulfatação dos glicosaminoglicanos, por transferência de
um grupo sulfonato doado pelo PAPS, é catalisada por uma sulfotransferase e
acontece posteriormente ao alongamento da cadeia.
Os proteoglicanos são moléculas predominantemente aniónicas devido à abundância
de grupos carboxilo e sulfato na sua constituição. Esta característica torna-as
extremamente hidrófilas e com tendência em formar géis em água. Nos animais
pluricelulares, os proteoglicanos formam agregados em associação com outras
macromoléculas como o ácido hialurónico e pequenas proteínas, chamadas proteínas
de ligação (Fig.41), oferecendo uma interface intercelular e consistência mecânica aos
tecidos.

Figura 40- Unidades diosídicas presentes em diversos tipos de glicosaminoglicanos.

Figura 41- Exemplo de agregado de


proteoglicano. As interacções entre os
componentes (ácido hialurónico,
proteínas de ligação e proteoglicanos)
não são covalentes.

51
Glicoproteínas
As glicoproteínas que ocorrem em todas as células eucariotas são proteínas ligadas
covalentemente a uma cadeia oligosídica que muitas vezes é ramificada.
Normalmente a ligação entre a parte proteica e a parte glicídica é feita entre o carbono
de uma ose e as cadeias laterais de resíduos de serina, treonina ou asparagina
(Fig.42). Tal como em outros glicoconjugados, a parte glicídica é adicionada à proteína
numa fase de processamento pós-tradução, seja no retículo endoplasmático, seja no
Golgi, com a ajuda de glicosiltransferases.
As glicoproteínas podem ter como localização final o citoplasma celular, as
membranas celulares ou o meio extracelular. Normalmente a cadeia glicídica é
pequena (algumas unidades) nas glicoproteínas intracelulares, mas é grande (até
algumas dezenas) nas glicoproteínas membranares e extracelulares (Fig.43).

Figura 42- Ligações típicas entre a parte


proteica e glicídica das glicoproteínas.

Figura 43- Alguns oligósidos presentes em certas glicoproteínas.

52
As glicoproteínas são ricas em características topológicas devido à variedade de
derivados de oses e de ramificações que a parte glicídica destas moléculas pode
conter. A parte glicídica contribui decisivamente para o reconhecimento molecular
específico das glicoproteínas porque, para além de apresentar ao meio uma
multiplicidade de grupos funcionais, pode ter uma forma muito variável, dependendo
do número, do tipo e das ramificações das oses e seus derivados que as compõem.
As glicoproteínas membranares projectam a sua parte glicídica (polar) para o meio
aquoso exterior ficando uma porção da parte proteica mergulhada na membrana. A
presença de glicoproteínas na face exterior das membranas plasmáticas é
especialmente importante porque contribui para o reconhecimento e adesão
intercelular nos tecidos e são factores de diferenciação utilizados pelas células do
sistema imunitário para a distinção entre as células próprias do organismo e as que
são estranhas. Esta função é partilhada com glicolípidos membranares que são
descritos mais adiante. Dissolvidas nos fluidos extracelulares existem glicoproteínas
que podem conter oligósidos com quase uma centena de unidades, as mucinas. Estas
macromoléculas contribuem para a caracterização imunológica do sangue, sendo
determinantes do grupo sanguíneo.

53
Lípidos

Os lípidos desempenham diversas funções biológicas de grande importância quer ao


nível da manutenção estrutural (membranas), quer como reserva energética, quer
ainda desempenhando funções de mensageiros celulares na transdução de sinais.
Os lípidos representam um conjunto de moléculas de características apolares, que
podem ser classificados em 2 grandes grupos: lípidos simples e lípidos complexos.
Devido às suas características hidrofóbicas, em meio aquoso os lípidos tendem a
organizar as suas regiões polares e apolares formando estruturas supramoleculares
como, por exemplo, a membrana celular, micelas ou vesículas (Fig.44).

Figura 44– Estruturas que os


fosfoglicéridos adquirem em meio
aquoso.

A maior parte dos lípidos são derivados acilados de álcoois e ácidos gordos. Os ácidos
gordos são hidrocarbonetos de 12 a 24 carbonos (região hidrofóbica), saturados (ex:
ácido palmítico) ou insaturados com um grupo carboxílico na extremidade (região
hidrofílica). Os ácidos gordos insaturados naturais contêm uma ou mais ligações
duplas (ex: ácido oleico, ácido linoleico) (Fig.45).

Figura 45– Três dos ácidos gordos


mais vulgares: (a) ácido palmítico;
(b) ácido oleico; (c) ácido linoleico.

Os lípidos podem ser classificados de acordo com a sua polaridade, em lípidos


apolares e lípidos polares (ex: glicerolípidos), ou de acordo com a estrutura do álcool

54
principal a que os ácidos gordos se ligam, glicerolípidos (ex: acilglicéridos,
fosfoglicéridos), esfingolípidos e ésteres de esteróis.

Acilglicéridos
Os acilglicéridos são ésteres de glicerol e ácidos gordos, podendo classificar-se como
monoglicéridos, diglicéridos ou triglicéridos, dependendo se o glicerol é esterificado
por um, dois ou três ácidos gordos, respectivamente. Os acilglicéridos são lípidos de
reserva de ácidos gordos e encontram-se essencialmente nos adipócitos.

Fosfoglicéridos

Os fosfoglicéridos são formados por uma molécula de 3-fosfato de glicerol na qual se


encontram esterificados 2 ácidos gordos (Fig.46). O grupo fosfato deste ácido pode
ser esterificado por um álcool funcional, tal como a colina (fosfatidilcolina), a
etanolamina (fosfatidiletanolamina), a serina (fosfatidilserina) ou o inositol
(fosfatidilinositol). Estes lípidos que compõem a membrana são moléculas anfipáticas,
possuindo uma região hidrofóbica (cadeia hidrocarbonada dos ácidos gordos) e uma
região hidrofílica (grupo fosfato e álcool funcional), pelo que em meio aquoso tendem a
agregar-se formando bicamadas.

55
Figura 46– Estrutura dos fosfoglicéridos.

As membranas biológicas são constituídas fundamentalmente por fosfoglicéridos, mas


também por esfingolípidos e colesterol, para além do conteúdo proteico. As
propriedades físicas das membranas, tais como a fluidez e a permeabilidade,
dependem do tipo de ácidos gordos que compõem os fosfoglicéridos (tamanho e grau
de insaturação), mas também do seu teor em colesterol, esfingolípidos e outras
moléculas. A composição das membranas é assim adaptada à temperatura do meio
em que as células se encontram. As membranas das células adaptadas a viver em
meios frios contêm cadeias alifáticas mais curtas e mais insaturadas do que as das
células adaptadas a viver em meios quentes, que contêm cadeias alifáticas mais
longas e menos insaturadas. Este facto é importante uma vez que uma membrana
demasiado fluida pode tornar-se instável ou demasiado permeável. Pelo contrário,
uma membrana demasiado rígida pode dificultar funções celulares como a excreção
por fusão de vesículas internas com a membrana celular. Esta adaptação é vital para a
célula para possibilitar as trocas com o meio para a sua manutenção.

56
Esfingolípidos

Os esfingolípidos têm as mesmas características de polaridade que os fosfoglicéridos,


com as cadeias hidrocarbonadas apolares e uma zona polar de constituição variável.
Neste caso, os esfingolípidos possuem um aminoálcool como álcool estrutural
(esfingosina) ligado a um ácido gordo por uma ligação amida, formando a ceramida
(Fig.47). O tipo de molécula polar adicionada à ceramida permite caracterizar os
esfingolípidos como fosfoesfingolípidos ou glicoesfingolípidos. Nos fosfoesfingolípidos,
a região polar é a fosforilcolina ou a fosforiletanolamina. O esfingolípido mais comum é
a esfingomielina (o grupo hidroxilo da ceramida é esterificado com ácido fosfórico e
colina).

Figura 47– Estrutura geral dos esfingolípidos.

Se um componente glicídico se ligar à ceramida formam-se diferentes classes de


esfingolípidos (Fig.48), os cerebrósidos (glicose ou galactose) ou os gangliósidos
(oligossacáridos). Estas oses são ligadas uma a uma partindo do esfingolípido, através

57
da participação de glicosiltransferases (enzimas específicas para cada ose) que
existem no aparelho de Golgi.

Figura 48– Classificação dos esfingolípidos.

Colesterol

O colesterol é o terceiro maior componente lipídico das membranas, e a sua estrutura


é rígida e compacta. É uma molécula hidrofóbica com um grupo –OH (polar). O
colesterol insere-se na membrana com a mesma orientação dos fosfoglicéridos
(Fig.49), onde o grupo hidroxilo forma uma ponte de hidrogénio com o grupo
carboxílico de um fosfoglicérido adjacente.

Figura 49– Colesterol. (A) Fórmula


geral; (B) Modelo de preenchimento
espacial; (C) Disposição do
colesterol na bicamada lipídica.

58
Bioenergética

O conjunto de todas as reações químicas necessárias para a manutenção dos


sistemas biológicos é designado por metabolismo. A realização das diversas
reações químicas requerem não apenas os diversos tipos de biomoléculas,
juntamente com outros micronutrientes, mas também de uma fonte de energia.
Grande parte das reações químicas só ocorreriam nas células naturalmente a
temperaturas muito elevadas, sendo por isso necessário a presença de
enzimas especializadas.

Existem dois tipos de reações opostas que ocorrem nas células, as vias
catabólicas e as vias anabólicas (Fig.50). As vias catabólicas permitem a
clivagem de macromoléculas em moléculas menores, que são utilizadas como
constituintes básicos para a síntese de outras moléculas assim como para a
obtenção de energia. As reações anabólicas usam de forma acoplada a
energia proveniente do catabolismo para permitir a biossíntese de
macromoléculas.

Figura 50– As vias catabólicas e anabólicas, em conjunto, formam o metabolismo celular.


Grande parte da energia armazenada nas ligações químicas das moléculas dos alimentos é
dissipada na forma de calor, sendo que apenas parte dessa energia pode ser convertida em
formas úteis de energia para as células.

59
A tendência natural das coisas não vivas é que se tornem desordenadas. Por
outro lado, as células vivas não apenas mantém a sua organização como
também criam ordem. O anabolismo é um exemplo flagrante em que as células
sintetizam macromoléculas a partir de moléculas mais simples. A tendência
universal das coisas em tornarem-se desordenadas é expressa pela 2ª lei da
termodinâmica, que afirma que num sistema isolado o grau de desordem
somente pode aumentar. A medida do estado de desordem de um sistema é
denominada entropia. Assim, podemos afirmar que um sistema mudará
espontaneamente para um estado que apresente maior entropia.
Relativamente às células pode parecer que estas tendem a contrariar a 2ª lei
da termodinâmica, mas na realidade as células não são nenhum sistema
isolado. Para manterem a organização, as células adquirem energia do meio
ambiente (sob a forma de alimentos) para criarem ordem, como por exemplo a
formação de novas ligações químicas ou a construção de novas
macromoléculas. Durante o curso das reações químicas que aumentam a
ordem, parte da energia utilizada pelas células é convertida em calor (ou
energia cinética), que é a energia na sua forma mais desordenada. Como as
células não são sistemas isolados a energia cinética que resulta das reações
químicas é transferida rapidamente para o maio ambiente, aumentado deste
modo a entropia do meio ambiente.

Obtenção de energia pelas células

A energia pode encontrar-se em diferentes forma, em que o calor é a forma


mais desordenada. As diferentes formas de energia podem ser interconvertidas
como resultado das reações químicas intracelulares. Contudo, a quantidade
total de energia no universo é sempre constante. Por exemplo, um organismo
utiliza os alimentos para converter a energia presente nas ligações químicas
das moléculas em energia cinética. Esta conversão de energia química em
cinética é essencial para que as reações que ocorrem dentro da célula façam
com que o universo fique mais desordenado.

Todas as células mantém a sua organização devido à energia armazenada nas


ligações químicas das moléculas orgânicas presentes nos alimentos. Para que

60
usem adequadamente essa energia as células devem extrair essa energia de
uma forma utilizável. Os compostos orgânicos são formados essencialmente
por carbono e hidrogénio. Como cerca de 21% da atmosfera é formada por
oxigénio, as formas mais estáveis do carbono e do hidrogénio são o CO2 e
H2O, respetivamente. Assim sendo, as células conseguem obter energia a
partir dos hidratos de carbono (e outras biomoléculas) porque os seus átomos
de carbono e hidrogénio se combinam com o oxigénio, um processo químico
designado por oxidação. Quimicamente, a oxidação de uma molécula implica a
transferência de eletrões para uma outra molécula, que se torna reduzida. As
células para oxidarem uma determinada molécula necessitam de várias etapas.
Embora essas reações (anabólicas) possam ocorrer de forma espontânea
(deltaG<0) a sua velocidade é extremamente baixa, e consequentemente, é
necessário a presença de enzimas para que acelerem essas reações. Os
processos bioquímicos envolvidos na metabolização dos diferentes tipos de
biomoléculas serão abordados no 2º ano (Bloco Endocrinologia e
Metabolismo).

Nesta fase é importante compreender que parte da energia libertada durante a


oxidação das moléculas orgânicas deve ser armazenada até que a célula
necessite dela para as diversas reações de biossíntese. A energia é
armazenada como energia química num pequeno conjunto de “moléculas
carregadoras”, que contêm uma ou mais ligações covalentes de alta energia.
As moléculas carregadoras podem ser desde nucleótidos a proteínas ligadas a
um grupo não-proteico. Elas podem ser facilmente oxidadas e reduzidas,
permitindo assim um fluxo de eletrões através do sistema.

As moléculas carregadoras difundem-se pelas células para que possam ser


usadas para a biossíntese de moléculas necessárias para o correto
funcionamento da célula. Para além de poderem fornecer energia para
determinadas reações energeticamente desfavoráveis também são usadas
para permitirem a transferência de determinados grupos químicos para um
dado substrato. Uma das moléculas carregadoras mais importante para o
armazenamento de energia é o ATP (Fig. 51).

61
Figura 51– A interconversão do ATP e ADP ocorre de forma cíclica. Os dois fosfatos mais
externos são mantidos unidos ao resto da molécula por ligações anidridofosfóricas de alta
energia e podem ser transferidos facilmente. A adição de água ao ATP conduz à formação de
ADP + Pi (fosfato inorgânico). Esta hidrólise produz cerca de 11 a 13 Kcal/mol de energia útil. A
formação de ATP a partir de ADP e Pi (reação de condensação) é uma reação energeticamente
desfavorável e só ocorre se estiver acoplada a uma reação energeticamente favorável.

Para além disso, o ATP é também utilizado como fonte de grupos fosfato que
podem facilmente (mediado por enzimas cinase) permitir a transferência de um
grupo fosfato para um determinado substrato (proteínas, lípidos, etc), um
processo designado por fosforilação (Fig.52). Outras moléculas carregadoras
que podemos encontrar nas células são o NADPH, NADH e FADH2, que são
moléculas especializadas no transporte de eletrões até à cadeia de fosforilação
oxidativa.

62
Figura 52– Representação da utilização do ATP como dador de um grupo fosfato para uma
determinada proteína, nomeadamente num resíduo de serina ou treonina. Estas reações são
catalisadas por uma classe de enzimas designadas por “cinases”. Em termos biológicos um
outro aminoácido pode ser fosforilado, a tirosina, que está presente em determinados
recetores de membrana (UP3 de BBC). De salientar que esta modificação permite de forma
muito rápida ativar (ou inativar) determinadas proteínas.

A síntese destas moléculas carregadoras ativadas está acoplada a reações


energeticamente favoráveis. Por exemplo, uma parte da energia libertada
durante a oxidação da glicose é transferida para moléculas transportadoras de
eletrões, como por exemplo NADH (forma reduzida que resulta da captação de
eletrões). Esta captação de energia é feita através de reações acopladas, em
que uma reação energeticamente favorável é usada para que ocorra uma
reação energeticamente desfavorável. Todos estes mecanismos de
acoplamento necessitam da presença de enzimas, que são essenciais para
todas as transações de energia dentro das células.

As células utilizam muitas outras moléculas carregadoras que transportam


determinados grupos químicos necessários para determinadas reações. Por
exemplo, a coenzima A pode transportar um grupo acetil (unidades de 2
carbonos), sendo esta molécula conhecida como Acetil-CoA (Fig. 53).

63
Figura 53– Representação da Acetil-CoA, em que o átomo de enxofre forma uma ligação
tioéster com o acetato. Esta molécula de acetato pode ser facilmente transferida para outra
molécula porque a ligação tioéster é uma reação de alta energia. Este tipo de transporte é
extremamente importante após a formação do piruvato durante a glicólise, para que após a
sua oxidação o grupo acetato seja transportado através da coenzima A. Este assunto irá ser
abordado no 2º ano (Bloco Endocrinologia e Metabolismo).

Biossíntese de ATP
Durante o metabolismo, são sintetizadas diversas moléculas transportadoras
como por exemplo NADH e FADH2 durante o ciclo de Krebs. Estas moléculas
vão ser reoxidadas, transferindo para a cadeia respiratória os átomos de
hidrogénio e electrões. Os electrões são transportados ao longo da cadeia de
transporte de electrões localizada na membrana interna da mitocôndria,
passando sucessivamente para estados energéticos mais baixos, até ao
oxigénio. O oxigénio capta também H+ da solução aquosa formando-se assim
água.
A passagem dos electrões pela cadeia de transporte electrónico está acoplada
ao bombeamento de H+ para o espaço intermembranar e, consequente,

64
geração de um gradiente electroquímico entre o interior e o exterior da
mitocôndria (Figura 54). Desta forma, o potencial redutor das moléculas de
NADH e FADH2 é convertido em potencial electroquímico. Os H+ regressam
ao interior da mitocôndria através do complexo da ATP sintase, que utiliza a
energia libertada pela entrada de H+ a favor do seu gradiente electroquímico
para fosforilar o ADP, e formar ATP no interior da mitocôndria. O ATP é depois
transportado para o exterior da mitocôndria para poder ser utilizado noutros
locais da célula onde é necessário.

Figura 54- Cadeia de fosforilação oxidativa

Nas células eucarióticas, a mitocôndria é o centro para onde converge o


catabolismo de açúcares, lípidos e proteínas. Em sentido oposto, a riqueza de
compostos intermediários que lá se formam, incluindo monómeros e unidades
simples, e transportadores de energia e potencial redutor, permite à
mitocôndria funcionar também como ponto de partida para muitas reacções de
biossíntese (anabolismo) de moléculas essenciais, como aminoácidos, ácidos
gordos e glicose, utilizando potencial redutor e energia formados durante o
catabolismo.

65
Este documento foi preparado com base nas seguintes referências:

- Quintas A., Freire AP., Halpern MJ. Bioquímica – Organização Molecular da Vida,
2008, LIDEL

- Pollard TD., Earnshaw WC. Biologia Celular, 2006, Elsevier

- Motta V. Bioquímica Básica, Educs

66

Você também pode gostar