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Aplicação da

Biologia Molecular
no Diagnóstico
Laboratorial
Natália Gindri Fiorenza
Maria Paula de Souza Sampaio

Aula 03
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Diretora Editorial
ANDRÉA CÉSAR PEDROSA
Projeto Gráfico
MANUELA CÉSAR ARRUDA
Autor
EDUARDO NASCIMENTO DE ARRUDA
Desenvolvedor
CAIO BENTO GOMES DOS SANTOS
Autoras
NATÁLIA FIORENZA
Olá. Meu nome é Natália Fiorenza. Sou formada em Ciências
Biológicas, com mestrado e doutorado na área de Ciências da Saúde.
Passei por diferentes laboratórios de pesquisa, publicando trabalhos
científicos e participando de muitos Congressos e Cursos em diferentes
áreas de saúde e educação. Fui professora universitária e tutora durante
4 anos do curso de medicina, onde me conectei com minha paixão pela
docência e por metodologias ativas de ensino. Sou ávida por aprender e
ensinar e por trocar conhecimentos quer na area científico-acadêmica,
quer na área de desenvolvimento humano e autoconhecimento. Recebi
com muita alegria o convite da Editora Telesapiens para integrar seu
elenco de autores independentes, pois tenho como propósito transmitir
aquilo que sei e auxiliar outras pessoas no início de sua jornada
profissional. Estarei com você nessa caminhada de muito estudo e
trabalho. Conte comigo!

MARIA PAULA SAMPAIO


Meu nome é Maria Paula, sou graduada em Biomedicina,
habilitada em Citopatologia. Além da prática com a minha habilitação,
pude realizar um curso avançado em Citopatologia Cérvico-Vaginal.
Atualmente, sou voluntária de um projeto de pesquisa na Fundação
Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) sobre Patologia Mamária Comparada, onde fiz
iniciação científica por um ano. Em minha jornada de estudante pude
participar ativamente de congressos e projetos de estudo, e sempre
tive uma paixão por ensinar. Junto com Natália, pretendo transmitir todo
o ensinamento que obtive até aqui, buscando sempre aprender mais.
Estamos juntos nesse aprendizado!
Iconográficos
Olá. Meu nome é Manuela César de Arruda. Sou a responsável pelo pro-
jeto gráfico de seu material. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de
aprendizagem toda vez que:

INTRODUÇÃO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimen- de se apresentar
to de uma nova um novo conceito;
competência;
NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram
vações ou comple- que ser prioriza-
mentações para o das para você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e inda-
algo precisa ser gações lúdicas sobre
melhor explicado o tema em estudo,
ou detalhado; se forem necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e sidade de chamar a
links para aprofun- atenção sobre algo
damento do seu a ser refletido ou
conhecimento; discutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das
assistir vídeos, ler últimas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma ativi- quando o desen-
dade de autoapren- volvimento de uma
dizagem for aplicada; competência for
concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Controle de qualidade em laboratório de Biologia Molecular 12
Fase pré-analítica 13
Fase analítica 13
Fase pós-analítica 14
Programas de acreditação em laboratório clínico 15
Detecção de vínculo genético 15
Paternidade 15
Exame de Paternidade 18
Cartão FTA 18
Swab bucal 21
Repetições em Tandem (Microssatélites) 22
Polimorfismo no Comprimento do Fragmento de Restrição
(RFLP) 24
Perícia criminal 26
Detecção de mutações 28
Mutações 28
Erros de replicação 29
Lesões no DNA 30
Tipos de mutações moleculares 32
Reparo e recombinação 33
Rearranjos e alterações cromossômicas 34
Alterações cromossômicas 34
Rearranjos cromossômicos 35
Técnicas para detecção de mutações 36
PCR 36
Microarranjos (microarrays) 37
FISH 37
Exames de cariótipo 38
Detecção de doenças infecto-parasitárias e imunogenética 40
Doenças infecciosas 40
Retrovírus 41
Herpes vírus 43
Infecção bacteriana e seus genes de resistência 44
Protozoários 45
Imunogenética 46
Complexo principal de histocompatibilidade 47
Prova Cruzada 49
Tipagem HLA 49
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 9

03
UNIDADE
10 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

INTRODUÇÃO
Nesse capítulo nós abordaremos aspectos da rotina de um
laboratório de biologia molecular. Veremos como funciona o programa
de controle de qualidade, tanto interna como externa. Além dos exames
laboratoriais que podem ser realizados, com base nas técnicas que foram
abordadas anteriormente. Serão abordadas as fases dos processos de
controle de qualidade e suas características. Dentre os exames laboratoriais
de biologia molecular, destacaremos a detecção de vínculo paterno,
detecção de mutações e detecção de doenças infecto-parasitárias e
técnicas de histocompatibilidade. Todos esses assuntos abordados serão
muito importantes para entender a importância da aplicação da biologia
molecular no diagnóstico laboratorial, relacionando-os com os assuntos já
vistos. Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo!
Vamos nessa?
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 11

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 3. Nosso objetivo é auxiliar
você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até
o término desta etapa de estudos:
1. Controle de qualidade em laboratório de Biologia Molecular.
2. Detecção de vínculo genético.
3. Detecção de mutações.
4. Detecção de doenças infecto-parasitárias e Imunogenética.
Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao
conhecimento? Ao trabalho!
12 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Controle de qualidade em laboratório de


Biologia Molecular

INTRODUÇÃO:
Neste capítulo iremos abordar os processos de controle
de qualidade interna durante as três fases: pré-analítica,
analítica e pós-analítica. Por fim, abordaremos a função
de programas de acreditação laboratorial, como a PALC,
na manutenção da qualidade das três fases do processo
interno de qualidade laboratorial. E então, vamos lá?

Como foi visto nas unidades anteriores, existem diversas técnicas


em biologia molecular que são métodos fundamentais no diagnóstico
das doenças humanas que resultam de lesões do DNA. Esses testes
podem ser realizados com amostras advindas dos mais diversos tipos
de tecidos. A inovação tecnológica oferecida pela técnica de PCR
possibilitou que quantidades mínimas dessas amostras pudessem ser
analisadas. O alcance e a precisão dos diagnósticos genéticos são de
extrema importância e demandam responsabilidades clínicas, éticas
e legais sem precedentes. Além de erros técnicos, a interpretação
incorreta de exames laboratoriais é bastante prejudicial. Levando em
consideração esses fatores, as normas e metas dos laboratórios dessa
área devem obter rigorosidade ao realizar qualquer procedimento, para
que a quantidade de erros seja a mínima possível ou nenhuma.
Para que um laboratório de biologia molecular exerça suas
atividades com responsabilidade, é necessário que haja um controle de
qualidade. É muito importante que os laboratórios forneçam serviços que
superem as expectativas dos pacientes. Importante conter um sistema
de qualidade eficiente, com infra-estrutura adequada e equipe treinada,
utilizar reagentes de qualidade comprovada, sistema de limpeza de
vidrarias e processos de coleta e conservação de amostras seguindo
os protocolos implantados. Além do mais, deve conter uma gestão de
qualidade que será responsável por determinar o apoio e disponibilizar
os recursos necessários. Na realização de um exame pelo laboratório
deve-se considerar as etapas pré-analíticas, analíticas e pós-analíticas.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 13

IMPORTANTE:
Deve haver uma padronização nos procedimentos
realizados pelo laboratório, todas as atividades devem
ser documentada através de Procedimento Operacional
Padrão (POP) ou Instrução de Trabalho (IT), que deverão
ficar disponíveis a toda a esquipe do laboratório.

Fase pré-analítica
Tudo que ocorre nessa etapa é mais difícil de se controlar e de
obter monitoramento e isso é devido ao fato de a maior parte dos fatores
ocorrem fora do laboratório. Destacamos alguns fatores que podem
afetar os resultados dos exames, podendo causar erros ou variações.
A identificação do paciente de forma correta é de extrema importância,
devendo conter nome do paciente, data e hora da coleta e o tipo de
material que foi colhido. A preparação do paciente também é muito
importante pois pode afetar o resultado dos exames diretamente.
Alguns exames necessitam de jejum, o paciente não deve
consumir álcool ou drogas, a quantidade de exercício físico também
influencia e até mesmo há a interferência de medicamentos.
A hora da coleta da amostra também demanda bastante atenção,
seja no ato da coleta, no preparo do material ou no armazenamento
da amostra. Todos esses fatores citados podem interferir de alguma
maneira no resultado do exame. Os principais erros que podem ocorrer
nessa fase envolvem a escrita ilegível ou erro nos dados do paciente,
interpretação incorreta do exame, falta de orientação para realização
do exame, troca de amostras, uso de tubo e anticoagulante errados,
volume excedido ou insuficiente para exame, hemólise de hemácias e
lipemia, além de contaminação de material e amostra.

Fase analítica
Essa etapa envolve basicamente o método de diagnóstico que
será utilizado. Deve-se levar em consideração a confiabilidade (precisão,
exatidão, especificidade, sensibilidade, linearidade) e praticidade (tipo
de amostra e volume, necessidade de equipamentos, estabilidade
14 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

dos reagentes, complexidade da metodologia utilizada) dos métodos


analíticos. Também devem ser levados em consideração a qualidade
da água utilizada nas técnicas, a limpeza da vidraria e os equipamentos
devem estar todos bem calibrados (pipeta, balança).
Os métodos analíticos devem ser documentados e devem estar à
disposição dos responsáveis pelos exames.
Os controles interno e externo da qualidade são utilizados na
monitoração e avaliação dos métodos analíticos. O controle interno
da qualidade envolve o nível de segurança fundamental para que seja
garantida a qualidade, eficiência e confiabilidade aos resultados dos
exames. O controle externo é interlaboratorial onde o resultado de cada
teste do laboratório é comparado com a média de consenso do grupo
envolvido, ou seja, compara a exatidão dos exames de um laboratório
com a de outros.
Nessa fase podem ocorrer erros de má pipetagem, de reagentes
mal conservados, contaminados ou fora da validade; de tempo de
reação ou nos cálculos de concentração e diluição.

Fase pós-analítica
Essa etapa consiste no que acontece após a realização do exame,
ou seja, envolve o cálculo dos resultados, a análise, a liberação dos
laudos, o armazenamento do material e arquivamento de resultados. O
laboratório deve assegurar que o laudo seja entregue ao paciente e o
laudo precisa conter todas as informações necessárias, sendo escrito de
forma legível e sem rasuras. Os dados contidos no laudo são totalmente
sigilosos e confidenciais ao paciente e tem que ser respeito o prazo
para entrega do laudo. O laboratório deve obter cópias do laudo para
recuperação posterior, se for necessário. Os erros mais frequentes nessa
etapa envolvem a transcrição de dados do paciente incorreta, resultado
ilegível, falta de identificação de interferentes possíveis, além de falta de
especificidade e sensibilidade do teste utilizado.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 15

Programas de acreditação em laboratório


clínico
O Programa de Acreditação específico para Laboratórios Clínicos
(PALC) e os programas de acreditação, em geral, avaliam o laboratório
como um todo, incluindo o sistema de qualidade, competência da
equipe do laboratório, equipamentos, reagentes, métodos, controles
interno e externo da qualidade, segurança, preparo do paciente,
métodos e laudos. No Brasil, existem dois programas de acreditação
patrocinados por sociedade científica, que são: Sociedade Brasileira
de Patologia Clínica (SBPC), através do PALC, e Sociedade Brasileira
de Análises Clínicas (SBAC), através do Departamento de Inspeção e
Credenciamento da Qualidade (DICQ).

Detecção de vínculo genético


INTRODUÇÃO:
Ao término do capítulo, você entenderá a investigação
do DNA para detecção de vínculo de paternidade ou
identidade genética. Durante o capítulo iremos entender
como e o porquê que esse exame pode ser utilizado
emáreas como a paternidade e a perícia forense. Então,
vamos iniciar nossa jornada?

Paternidade
O registro e assumo da responsabilidade legal do filho por parte
do pai biológico é assunto de extrema importância. O abandono paterno
tem alertado algumas entidades públicas por conta de seu aumento no
número de casos.
Por exemplo, em São Paulo, em 2015 o Brasil ganhou mais de um
milhão de famílias compostas por uma mãe solo, isso foi um aumento
em um período de 10 anos. Claro que, quando falamos de famílias com
mãe solo, muitas causas podem estar presentes, inclusive o falecimento
do progenitor. Entretanto, o número de pais que não registraram suas
crianças acaba sendo maior do que esses casos. Entretanto, esses casos
não abrangem somente as pessoas nascidas a partir de 2000.
16 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Algumas entidades públicas, como o ministério público, promovem


eventos dedicados à coleta de amostra de mães, filhos, irmãos e
possíveis candidatos a pai biológico das crianças para análise em um
laboratório terceirizado, afim de detectar vínculo através da identidade
genética. Normalmente, esses mutirões acabam não chamando atenção
somente de mães e crianças com a necessidade de encontrar os pais
biológicos, mas também chama a atenção de adultos de todas as idades
que tem a curiosidade ou necessidade de saber a identidade de seus
pais biológicos. Portanto, programas de paternidade ajudam milhões de
pessoas a identificar seus pais.
Antigamente, esses exames podiam serem feitos a partir de
outras vertentes biológicas, que não eram a genética. O sistema
sanguíneo ABO RH+ consegue identificar, mas não com muita precisão,
a paternidade de uma criança e seus pais. Isso porque o nosso sistema
ABO RH+ deriva de nossos pais, puxando dois alelos, um para o A, B ou
Oe o outro para o RH+, sendo positivo ou negativo, formando assim o
sistema mais imunogênico da fração vermelha do nosso sangue.
Basicamente, a herança genética envolvida nesse sistema
é mediada pelos genes IA e IB, dois genes dominantes, e um gene i,
recessivo. O pai e a mãe de um indivíduo hipotético vão passar um
desses alelos. Caso o pai seja A, ele pode ser IAIA ou IAi, já a mãe sendo
B, ela será IBIB ou IBi. Sendo assim, se o filho for O, significa dizer que
ele só possui os alelos recessivos ii obrigatoriamente e os pais IAi e IBi.
Existem casos também de AB, ou seja, nesse caso hipotético, isso só
seria possível se o filho herdasse os IAe IB dos pais, sendo ele IAIB. É por
esse raciocínio que a paternidade era explorada utilizando os grupos
sanguíneos. Entretanto, não era tão específico, já que qualquer pessoa,
possuindo parentesco ou não, pode ter, por coincidência, um grupo
sanguíneo idêntico ao verdadeiro pai biológico.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 17

Tabela 1: Correlações dos grupos sanguíneos

Grupo sanguíneo quem podem ocorrer...


... que podem ser ... que não podem ser
dos pais
constatado nos filhos constatado nos filhos
O com O O A, B, AB
O com A O, A B, AB
A com A O, A B, AB
O com B O, B A, AB
B com B O, B A, AB
A com B O, A, B, AB -
O com AB A, B O, AB
A com AB A, B, AB O
B com B A, B, AB O
AB com AB A, B, AB O

Hoje em dia, os exames de DNA visam vertentes mais precisas


para investigar vínculo genético. O projeto genoma humano descobriu
que todos os seres humanos possuem, entre si, similaridade de 99%.
Sendo assim, 1% equivale a regiões altamente polimórficas que variam de
pessoa a pessoa, tornando somente os gêmeos univitelinos totalmente
idênticos geneticamente.

VOCÊ SABIA?:
Esses elementos polimórficos são repetições de pares de
bases ao longo de um locus cromossômico, denominado
de microssatélites, ou repetições em tandem (STR).

Essas repetições variam de pessoa a pessoa e os filhos herdam


dos pais. Portanto, o exame de paternidade é focado nessas repetições
que estão presentes em determinados locus gênicos dos progenitores
e o resultado vai mostrar esses locus, o polimorfismo nesse locus de
todos os participantes e o filho(a) precisa herdar, necessariamente, uma
repetição do locus do pai e outra repetição do locus da mãe, portanto,
o que será analisado não é a repetição em si, mas se elas foram
herdadas para os descendentes. Esse método confere maior precisão
na discriminação da paternidade.
18 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Exame de Paternidade
Após a coleta do material de todos os participantes, a amostra
é encaminhada diretamente ao laboratório que irá realizar o exame e o
protocolo é diferente a depender do material colhido. Os participantes
incluem o autor da investigação, o filho ou filha, sua mãe e o(s) possível(eis)
pai(s). Em um caso, pode haver mais de um possível pai e quando não
há, então recorrerá para os parentes de 2° grau (em relação ao filho ou
filha) para que haja a investigação. Lembrando que tudo que acontecer
no caso, será em relação ao investigante, que é o filho ou filha. Os seus
parentes de segundo grau envolvem tios, tias, avô e avó. Um outro caso
pode ser investigação de parentesco do filho com o seu possível irmão,
uma pessoa já registrada pelo pai. A não ser que o possível pai não tenha
falecido, todas as investigações têm que serem feitas com o possível pai.
Após o cadastro devido da amostra, identificando e correlacio-
nando os dados contidos no rótulo da amostra com os dados cadastrais
do caso, a amostra será processada de acordo com os seus respectivos
materiais. Um dos métodos são via swab bucal ou por cartão de FTA.
Cada um possui suas especificidades, que serão discutidas com mais
detalhes a partir de agora.

Cartão FTA
O método de extração envolvendo o cartão FTA é uma forma
invasiva de obter amostra biológica para a extração do DNA de todos
os participantes, pois ela envolve a retirada de uma gota de sangue
através de um pequeno furo com uma lanceta na ponta do dedo de
cada envolvido para que se obtenha uma espécie de impressão digital
feita de sangue no cartão. Por ser um método que envolve sangue, não
é recomendado para qualquer pessoa que esteja fazendo o teste de
paternidade porque, além de invasivo, a depender do participante, essa
técnica pode dar resultados não condizentes com a realidade.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 19

EXPLICANDO MELHOR:
Uma pessoa que recebeu ou recebe frequentemente
uma bolsa de sangue não pode realizar o exame a partir
do cartão FTA, já que o sangue coletado pode conter
duas identidades genéticas: a do próprio participante e da
pessoa que a doou a bolsa de sangue.

Outro fator que limita a utilização do cartão FTA é a idade dos


participantes. Normalmente, quando o autor da investigação é um
bebê ou recém-nascido o procedimento é feito através de um swab,
material esse que será explicado mais tarde, devido à dificuldade de
acesso, tendo que ser feito na região calcânea, por causa da circulação
sanguínea em crianças dessa idade. Lembrando que, antes de qualquer
coleta, deve-se realizar a massagem no local para levar a circulação na
ponta do dedo ou na região do calcâneo e a assepsia com álcool a 70%.

VOCÊ SABIA?
As pessoas que frequentemente recebem ou já receberam
bolsas de sangue para transfusão podem ter passado por
alguma cirurgia de risco ou sofrerem de enfermidades como
anemia falciforme ou leucemias, principalmente aquelas
que envolvem bastante depleção do conteúdo vermelho
(hemácias) do sangue, sendo assim, diminuindo também
a concentração de hemoglobina. Entretanto, a transfusão
crônica de sangue pode levar ao desenvolvimento de
reações transfusionais, mesmo prestando bastante
atenção no sistema ABO, já que outros grupos sanguíneos
em contato crônico, caso não sejam levados em conta,
podem ativar uma reação pós-transfusional no paciente.
É por esse motivo, que estão desenvolvendo bolsas de
sangue artificial, sem os grupos sanguíneos, com o intuito
de aumentar o fluxo de transfusões sanguíneas para essas
pessoas em programa de transfusões crônicas, podendo
também, não interferir na coleta do sangue para o teste de
paternidade, já que será sangue sintético artificialmente.
20 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Após a coleta, realizar o transporte do material até o laboratório,


onde será deixado em overnight para secar o material sanguíneo e
posteriormente retirar uma pequena rodela do material coletado a partir
de uma caneta coletora.
Figura 1: Kit com cartão FTA e caneta coletora

Fonte: http://bit.ly/35Jykpv

A utilização desse método de coleta, que também serve como


um ótimo método de transporte de amostra, é que evita a coleta
desnecessária de um tubo de sangue, além também de superar as
dificuldades de transporte de um material fresco entre locais distintos,
que muitas vezes podem envolver o transporte de uma cidade do
interior de um estado até a outra cidade. É uma técnica simples, não tão
invasiva quanto a coleta venosa, há redução de volume e peso e não
tem a necessidade de refrigeração da amostra. Além disso, o cartão é
feito de um material que contém uma área com a presença de reagentes
que inativam e inibem o crescimento microbiológico, além de lisarem as
células sanguíneas e liberam o DNA, o qual é preservado contra ação de
nucleases (DNases), oxidação e raios UV. Elas podem ser armazenadas
sem refrigeração por 17 anos.
O procedimento envolvido na obtenção do DNA serve para extrai-
lo do pequeno pedaço do cartão extraído, estando ele contido em um
reagente de eluição, preparado para ser amplificado pela técnica de
PCR e posteriormente analisado em um sequenciador automático capaz
de identificar os locus cromossômicos dos microssatélites.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 21

Swab bucal
A técnica de swab é uma forma alternativa de se coletar a amostra
biológica, é menos invasiva e pode ser utilizada para qualquer situação,
embora haja seus fatores de interferência. O swab é um bastão tipo de
cotonete, que será imerso na boca de cada participante afim de retirar
células na mucosa da boca que irão fixar na parte de algodão do swab.
São células escamosas da mucosa da boca, sendo assim, não precisa
ser feita muita força para a sua retirada.
Figura 2: Kit comercial do swab bucal

Fonte: http://bit.ly/37MxzxQ

Como dito anteriormente, essa técnica pode ser utilizada para


muitas situações (praticamente todas). No caso em que algum participante
do caso tenha recebido sangue através de transfusões, a forma alternativa
de coletar um material biológico é através da coleta por swab, que levará
na aquisição da amostra real dos pacientes, já que estamos falando
de células escamosas próprias. Outro fator que a utilização dele acaba
superando a do cartão FTA é na coleta em bebês e recém-nascidos, afinal
se trata de um método não tão invasivo, sendo não desconfortável para o
bebê e podendo gerar resultados precisos da mesma forma.
No kit da coleta por swab, são disponibilizados dois cotonetes
para a extração. É essencial a utilização desses dois cotonetes em casos
de re-extração, como será explicado logo a frente.
22 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Recomenda-se não ingerir qualquer alimento e nem beber nada


além de água por um período de 1 hora antes do teste, afinal o alimento
ingerido pode criar uma camada de sujeira que será coletada junto com
as células escamosas. Nesses casos, da para superar a ação dessa
sujeira através de processos de lavagens mais rigorosas.
Após a coleta, deixar o material secar antes de embalá-lo para
análise. O armazenamento ineficiente pode levar à germinação de
esporos de fungos no local da amostra devido ao ambiente úmido
promovido pela não secagem correta do material. Outros casos que
podem acontecer é o transporte de um material amassado, ralado, ou
quebrado, comprometendo a viabilidade da amostra para a análise. Esses
casos podem ser muito comuns quando uma amostra acaba sendo
transportada de uma cidade à outra e quando não tomado os devidos
cuidados, os cotonetes podem vim completamente comprometidos
quanto a sua total viabilidade para extração do DNA.
Após a coleta e o transporte do material até o laboratório responsável
pela extração desse material, o swab será submetido à fricção da sua
parte coletora em um tubo contendo um reagente de diluição. Essa fricção
vai permitir que as células coletadas na boca de cada participante migre
para o reagente de diluição, tornando o tubo com um reagente límpido
para um tubo com um reagente turvo ou, dependendo das orientações
seguidas pelos participantes, o tubo ficará com uma coloração diferente e
aparência turva caso o aquele participante não tenha se resguardado de
qualquer alimentação dentro de uma hora.
Após todo o processamento da amostra, ela então será amplificada
pela técnica da PCR e sequenciada em um sequenciador automático de
DNA, tipo o ABI 3500.

Repetições em Tandem (Microssatélites)


Como foi abordado anteriormente, os microssatélites são regiões
polimórficas do DNA e possuem uma grande taxa de variabilidade entre
os seres vivos. Além de serem bastante explorados para identificar
paternidade, são também utilizados para identificar regiões polimórficas
que predispõe câncer. Essas repetições contribuem significantemente
com variações fenotípicas, adaptação evolucionária e doenças humanas.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 23

Eles consistem de pequenos fragmentos que podem ter até 10 pares


de base que são repetidas em uma sequência genômica. O fato de
estarem presentes repetidos de tal forma, pode interferir em eventos
de recombinação e até mesmo da replicação, causando erros nesses
processos, levando ao ganho ou perda de função.

IMPORTANTE:
Apesar de sua alta variabilidade, os microssatélites
frequentemente residem em regiões funcionais do DNA,
como regiões codificantes e regulatórias. Sendo assim,
eles conseguem exercer uma alta variabilidade fenotípica,
sendo os marcadores mais visados para identificação de
paternidade, já que possivelmente muitas características
fenotípicas herdadas por um indivíduo dos pais pode ter uma
alta relação com essas repetições em tandem herdadas.

É estimado que os microssatélites estejam presentes em cerca


de 6% de toda a região codificável do genoma, destacando também seu
potencial em afetar o risco para o desenvolvimento de doenças e outras
enfermidades complexas.
Os microssatélites são encontrados em outros seres vivos além do
humano, como baleias, Drosophila, camundongos, bovinos e caprinos,
espécies vegetais, entre outros. Em plantas, a sua existência já havia
sido sugerida, com a observação de que oligonucleotídeos contendo
elementos repetidos de TG e GATA/GACA detectam polimorfismo,
quando utilizados como sondas RFLP. Os elementos repetidos mais
frequentes em mamíferos são extensos de dinucleotídeos CA e TG.
Em genomas de eucariotos, estas sequências simples são mais
frequentes, melhor distribuídas ao acaso e formam lócus hipervariáveis
constituídos por minissatélites. Este locus altamente polimórfico,
amplificado via PCR foi também denominado de “STMS- Sequence
Tagged Microsatellite”, ou seja, sítios de microssatélites marcados
por sequência, e constitui a classe mais polimórfica de marcadores
moleculares disponíveis hoje.
24 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Polimorfismo no Comprimento do
Fragmento de Restrição (RFLP)
Seguindo a linha dos microssatélites, no genoma humano
existem trechos altamente polimórficos que variam de pessoa a pessoa.
Sendo assim, seguindo essa lógica, uma outra técnica foi criada e, até
mesmo antes da ampla difusão dos sequenciadores automáticos, ela
era bem utilizada para identificar paternidade devido esses fragmentos
polimórficos.
Há 25 anos atrás, essa técnica foi desenvolvida com o intuito de
identificar polimorfismo viral sem seu DNA, comparando as cadeias
polinucleotídicas entre os mesmos vírus. Em pouco tempo, estes
marcadores tornaram-se uma ferramenta importante em várias áreas
da biologia e têm sido utilizados para aprofundar o conhecimento em
diferentes temas.
Imaginemos dois DNAs, cada um de indivíduos diferentes, porém
das mesmas espécies. Ao clivar ambos os DNAs com a mesma enzima
de restrição, iremos obter fragmentos de DNA como o produto da
reação. Normalmente, como se trata de indivíduo da mesma espécie,
os fragmentos de DNA tendem a ter os mesmos comprimentos e pesos.
Entretanto, isso seria verdadeiro caso o DNA não fosse cortado em
regiões específicas do genoma humano.
Ao submetermos os fragmentos de ambos os indivíduos a uma
corrida de eletroforese, perceberemos a formação de bandas, mas para
o diferencial da técnica, algumas bandas não estarão na mesma faixa de
peso molecular. Sendo assim, há o questionamento: Ao cortar a mesma
região gênica de dois indivíduos da mesma espécie, como irá gerar
fragmentos de comprimentos diferentes?
A resposta para essa pergunta está na compreensão de que nem
todos os indivíduos terão o mesmo comprimento de fragmento em
determinado locus, isso porquê cada indivíduo tem uma região polimórfica,
e isso é uma das contribuições que nos diferem um dos outros. Portanto,
ao cortar os dois DNAs com uma enzima de restrição, fragmentos de
tamanhos distintos, em locus específicos, serão gerados e, quando corridos
em eletroforese, haverá a discriminação das bandas, resultando em duas
bandas de um mesmo gene em posições diferentes de peso molecular.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 25

Devido a esses resultados, o nome da técnica foi dado como


polimorfismo no comprimento do fragmento de restrição (RFLP),
podendo ser muito utilizada para exames envolvendo investigação de
vínculo genético. Afinal, essas regiões polimórficas não são criadas, são
herdadas. Sendo assim, elas têm que ser herdadas de um pai e de uma
mãe, 2 alelos.
Figura 3: Resultado de eletroforese de RFLP

Fonte: http://bit.ly/34sYtsj

Para a visualização dos fragmentos polimórficos, serão utilizadas


sondas de DNA, que podem ser de cDNA, vindo a partir da transcrição
reversa de um mRNA, fragmentos de DNA genômico e da amplificação
via PCR de sequências conhecidas utilizando primers específicos. O
melhor DNA a ser utilizado como sonda seria os fragmentos de DNA
genômico ou um amplificado a partir de um primer, já que os fragmentos
de DNA gerados a partir da clivagem por enzimas de restrição terão
sequências íntrons em sua região codificante.Sendo assim, a utilização
de cDNA seria mais para avaliar a expressão de um gene, não sua
presença. Isso porque, como já foi explicado, o cDNA possui somente
sequências de exons, por vir de um mRNA que passou por suas etapas
de processamento pós transcricional.
Se os fragmentos gerados virem de procariotos, a utilização
de um cDNA não terá o mesmo raciocínio do que quando vindas de
eucariotos, já que o mRNA de bactérias não sofre processamentos pós
transcricionais.
26 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Perícia criminal
Além dos benefícios da análise de regiões polimórficas para
identificar paternidade entre indivíduos de um caso, essa análise pode
ajudar a polícia a desvendar um caso, achando o culpado por um
crime através da perícia criminal. A perícia é um ramo investigativo que
possui várias vertentes, dentre elas a genética. A descoberta do DNA e
suas propriedades e elementos teve um grande impacto em diversas
áreas desse conhecimento. Todos sabem que o DNA é a identidade
do ser humano, ou seja, todas as informações sobre as características
genotípicas e fenotípicas estão presentes nessa longa cadeia de dupla
fita em formato helicoidal.
O departamento investigativo da polícia trabalha buscando por
provas que possam traçar e definir a identidade do principal suspeito
de algum crime e o DNA acaba sendo uma das maiores pistas que um
perito pode usar. O perito pode utilizar amostra de todos os tipos: sangue,
saliva, pele, esperma, músculo, cabelo, dente, osso, dentre outros.
Todas essas amostras biológicas servem como uma ótima ferramenta
de rastreio. Isso porque a identidade genética de cada ser humano é
única, a não ser que sejam gêmeos. E essa identidade genética pode
ser comparada: a amostra de sangue encontrada em uma cena de crime
pode ser comparada com a da vítima e a do suspeito afim de achar
alguma correspondência molecular entre eles. Caso não haja amostra
de um suspeito, pode comparar com os progenitores desse suspeito
(mãe e pai) ou outros parentes como irmãos, avós e tios.

SAIBA MAIS:
O Departamento Federal de Investigação (Federal Bureau
ofInvestigation– FBI) realizou um estudo identificando os
marcadores variáveis, microssatélites, ou STR, através de
estudos populacionais, no genoma humano e chegou à
conclusão que 13 marcadores são suficientespara gerar
um perfil que é único e exclusivo para cada ser humano.
Esse resultado foi divulgado em 1997 e em 2017 esses
marcadores já tinham subido para 20. Entretanto, cada país
possui sua estratégia para marcação.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 27

A análise é feita da mesma forma que é feita para identificar à


paternidade, entretanto, as nomenclaturas mudam, de suposto pai vai
para suspeito. O DNA é extraído, de diferentes amostras, assim como na
paternidade, mas se extraem mais de swabe cartão FTA, por serem mais
simples, já a perícia vai utilizar as amostras disponíveis na cena. Após a
extração e o processamento, o DNA será amplificado nos locus alvos
para sequenciamento ou para ser corrido em gel de eletroforese.

SAIBA MAIS:
Para mais informações sobre os casos periciais, estude o
artigo realizado sobre um caso que houve no Rio de Janeiro:
Identification of a criminal by DNA typing in a rape case in
Rio de Janeiro, Brazil, disponível em: https://bit.ly/2jXWDOd

RESUMINDO:
E então? Gostou do que lhe mostramos? Para facilitar a
compreensão deste tema que é tão importante dentro da
biologia molecular, vamos resumir tudo o que vimos. Você
aprendeu aqui existem alguns métodos de investigação do
DNA. Conseguiu entender as técnicas que envolvem o teste
de paternidade, podendo ser feitas através de coleta por
swab ou por cartão FTA; aprendeu sobre os microssatélites
e sua funcionalidade no DNA.Entendeu que utilizar o
sistema ABO para teste de paternidade não traz muita
especificidade e compreendeu os motivos. Conheceu
sobre a importância da biologia molecular também para a
perícia criminal e ciência forense, descobriu que as mesmas
técnicas utilizadas para paternidade podem ser utilizadas
para perícia, afim de solucionar casos e identificar suspeitos.
Também aprendeu sobre a técnica de polimorfismo no
comprimento do fragmento de restrição (RFLP), viu que ela
é muito utilizada para exames que envolvem investigação
de vínculo genético.
28 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Detecção de mutações
INTRODUÇÃO:
Nesse capítulo nós estudaremos a aplicação de técnicas
moleculares e citogenéticas para a identificação de
alterações moleculares e cromossômicas. Na primeira parte
iremos abordar os princípios de cada mutação e o porquê
que muitas delas causam doenças ou alterações congênitas
tão aberrantes e prejudiciais à saúde humana. A outra
parte será focada em explanar os métodos diagnósticos
comumente utilizados para a detecção dessas mutações.

Mutações
A manutenção do material genético depende das taxas mínimas
de mutação e também da capacidade de nossas células em identificar
erros e repará-los. Durante os processos replicativos celulares pode haver
alterações na estrutura da nova cadeia a ser gerada, essas alterações,
podendo ser prejudiciais ou não, são chamadas de mutação. Algumas
formas de mutação podem gerar em uma cadeia proteica defeituosa
ou com funções alteradas, podendo danificar um processo fisiológico
importante. Essas mutações são nocivas a seres vivos, podendo levar a
danos extensos e generalizados.
Entretanto, há mutações que não são capazes de modificar a
estrutura de aminoácidos de uma proteína, sendo assim, não alterando
a função fisiológica daquela proteína. Essas mutações não são nocivas
e, se passadas pelo mecanismo de reparo celular, são passadas
despercebidas. Isso por conta da característica degenerativa do código
genético, a qual um aminoácido pode ser codificado por mais de um
códon, e nunca um códon pode codificar mais de um aminoácido. Essa
característica confere um maior poder de manutenção das proteínas,
suportando pequenos polimorfismos.
As mutações podem ocorrer em dois tipos de células: as somáticas
e as germinativas. As células somáticas são as do corpo, incapazes de
transmitir informação de forma hereditária. Sendo assim, uma mutação
nessa célula, caso nociva, pode causar doença de forma restrita ao
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 29

próprio indivíduo. Entretanto, mutações nas células germinativas terão a


capacidade de serem passadas para gerações futuras, já que as células
germinativas estão envolvidas na fecundação (entre dois gametas) para
a formação de um zigoto. Esse zigoto teria herdado essa mutação, sendo
ela molecular, cromossômica ou genômica, iria se desenvolver a partir
dessas informações mutáveis e geraria indivíduos com características
e predisposições totalmente diferentes de um indivíduo sem mutação
prejudicial. Um exemplo disso é a trissomia 21, mais discutida poste-
riormente, que irá levar na Síndrome de Down.
Mutações altamente extensivas e elevadas na linhagem somá-
tica, destruiriam o indivíduo. Taxas de mutações altamente elevadas e
extensivas na linhagem germinativa, destruiriam a espécie.

IMPORTANTE:
As células dependem do funcionamento correto de
milhares de genes e de seus mecanismos de reparo e
cada um deles pode ser danificado por uma mutação nos
diversos sítios da sequência que codifica suas proteínas, ou
nas suas regiões flanqueadoras que promovem a expressão
ou o processamento de seu mRNA.

Apesar de todos os efeitos, as mutações também são eventos


necessários para a evolução de organismos simples em organismos
complexos. Sem a variação genética necessária, a evolução seria
perdida. Sendo assim, uma perpetuação fiel do material genético não
permitirá que a raça humana, por exemplo, tivesse existido. Assim, a vida
e a biodiversidade dependem de um equilíbrio entre a ocorrência de
taxas de mutação e os processos de reparo.

Erros de replicação
As mutações incluem praticamente todas as alterações
permanentes concebíveis nas sequências de DNA. Existem mutações
simples, onde somente uma base é trocada, chamada de mutação
pontual. Essa mutação pontual pode ser transição, onde uma purina é
trocada por outra purina ou uma pirimidina é trocada por outra pirimidina
30 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

como A por G e T por C. O outro caso são as transversões, onde pode


haver a troca de uma pirimidina por uma purina e vice-versa, como
A com T e C com G. Outros tipos de erros podem causar inserções e
deleções extensas, ou rearranjos grosseiros. Porém, essa parte será
detalhada mais pra frente.
A taxa geral de haver qualquer mutação espontânea em um sítio
cromossômico é de 1 em 106 por ciclo de replicação do DNA, sendo
áreas mais “atrativas”, tendo uma maior frequência de mutações. Uma
das sequências mais propensas para mutação no genoma humano são
os microssatélites, anteriormente falado. Isso se deve a alguns “deslizes”
provocados pela DNA polimerase.
As repetições CA, onde a maquinaria celular não consegue
replicar com fidelidade, provocando uma redução ou extensão dessas
sequências na fita nova. Sendo assim, acaba gerando em polimorfismos
em um sítio cromossômico, podendo fornecer um marcador eficiente
para o rastreio de mutações hereditárias ou não através da técnica de
mapeamento genético, que será mais explicada posteriormente.
Como foi visto anteriormente, a DNA polimerase possui um
mecanismo excelente de revisão, que pode servir também de
reparo, devido a sua função exonucleásica 3’ – 5’. Entretanto, alguns
nucleotídeos podem escapar dessa função revisora, gerando mau
pareamento entre a fita-molde e a fita recém-sintetizada, o que resulta
em um total de 12 possíveis maus pareamentos, levando em conta o
mau pareamento das 4 bases. Caso esse mau pareamento não seja
retirado, haverá uma alteração permanente (mutação), onde que o que
era um erro de pareamento, vai ser um pareamento comum, como se
fosse o certo, já que a fita com o nucleotídeo errado irá formar uma
outra fita com o “nucleotídeo certo” para aquele pareamento, gerando
um erro permanente. Tautomerizações também são fontes de possíveis
mal pareamentos, como já foi explicado na Unidade 1.

Lesões no DNA
Os erros na molécula do DNA também podem vir de fatores
externos, como radiação, fatores químicos (agentes mutagênicos) e pela
água (já o DNA, para ficar em sua conformação ideal, precisa estar em meio
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 31

aquoso). Dentre as ações da água, ela pode promover a desaminação da


citosina, gerando assim uma uracila, que durante a replicação levará na
geração de uma nova fita com adenina ao invés de uma guanina (que
deveria ter pareado com uma citosina). A desaminação pode ocorrer com a
adenina, produzindo uma hipoxantina, que faz ligação de hidrogênio com
a citosina, ao invés da timina. Por fim, a desanimação também pode atingir
a guanina, formando a xantina, que ainda tem afinidade com a citosina,
embora faça somente 2 ligações de hidrogênio. O DNA também sofre
depurinação pela hidrólise espontânea da ligação N-glicosídica entre a
pentose e a sua base, formando um nucleotídeo básico na molécula de
DNA. A ação da metiltransferase em citosinas com o intuito de promover o
controle da expressão, vai levar na formação da 5-metilcitosina. Essa base
metilada, quando desaminada pela água, gera uma timina.
Ao contrário da uracila, a timina não é uma base estranha ao DNA,
portanto, o sistema de reparo não atuará nesse caso, levando em uma
mutação pontual (G -> A) na fita recém-feita. Sendo assim, o fato do DNA
não ter uracila acaba conferindo uma vantagem evolutiva, já que previne
mais taxas de mutações pontuais, podendo ser nocivas.
O DNA também é vulnerável à alquilação, oxidação e radiação.

EXPLICANDO MELHOR:
A alquilação é a transferência de grupos metil e etil para os
sítios reativos das bases ou fosfatos que se ligam ao açúcar
do nucleotídeo. A nitrosamina, um reagente alquilante e
mutagênico artificial, vai transferir um radical metil para o
carbono 6 da guanina, formando a O6-metilguanina, capaz
de se parear com timinas, assim surgindo uma nova fita
com mutação de C -> T.

Espécies reativas de oxigênios gerados por radiação ionizante


ou até mesmo por compostos químicos têm a capacidade de oxigenar
bases, como a guanina, gerando o oxoG. Esse composto é extremamente
mutagênico, podendo interagir com a adenina e com a citosina. Se ele
parear com a adenina, irá gerar uma transversão. Assim, a fita nova que seria
G -> C, será A -> T, uma das mutações mais comuns em alguns cânceres.
32 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Radiação ultravioleta (UV) na faixa dos 260 nm pode gerar uma


fusão fotoquímica entre os pares de base, onde pode ser com duas cadeias
pirimidinas em posições adjacentes na mesma cadeia. Por exemplo, pode
haver a fusão de duas timinas, formando dímero de timina. No caso de
uma timina adjacente a uma citosina, forma uma timina-citosina, sendo
essas bases incapazes de parear com outras, interrompendo a replicação
da DNA polimerase.

Tipos de mutações moleculares


Além das mutações pontuais e as silenciosas já mencionadas, há
outros tipos de mutações, como os polimorfismos, mutação missense,
mutação nonsensee mutação frameshift. Os polimorfismos são tipos de
mutações que alteram o tripleto de base (códon) a ser codificado através
do ribossomo e do tRNA.
Apesar de levar na mudança do aminoácido, esse aminoácido
acaba tendo pouca ou nenhuma repercussão sobre a ação da proteína.
Pode até levar na redução da função proteica, mas por si só não são o
suficiente para causar doenças.
A mutação missense leva à alteração de uma base no códon do
mRNA, levando à tradução de um aminoácido incorreto, podendo ter
alto ou menor grau de interferência. O caso da anemia falciforme leva
à mutação pontual A -> T, codificando uma valina no lugar do ácido
glutâmico. Nesse caso, a alteração é de alto grau por produzir uma
hemoglobina aberrante, dificultando o transporte de hidrogênio.
Na mutação nonsense há troca de uma base gerando um códon
de parada, ao invés de um códon de um aminoácido. Sendo assim, a
proteína nascente é truncada (cortada) prematuramente, podendo
interferir em um alto grau ou não na estrutura da proteína.
A mutação frameshift interfere na janela de leitura dos códons
do mRNA, devido a inserções ou deleções. Como a janela de leitura
lê de 3 em 3 bases, então deleções ou inserções vão alterar o início da
leitura, podendo traduzir um aminoácido incorreto e também gerar um
stop códon prematuramente.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 33

Reparo e recombinação
Muitos fatores podem danificar o DNA e, por essa razão, as
células têm que possuir mecanismos de reparo eficiente de DNA para as
ocasiões, caso contrário, as células não iriam conseguir sobreviver por
muito tempo. Para os maus pareamentos ocorridos durante a replicação,
dois mecanismos de reparo entram em ação. Um é o reparo por excisão,
onde um nucleotídeo pareado indevidamente é retirando do DNA,
formando uma lacuna que será preenchida pelo nucleotídeo correto.
Normalmente, esses mecanismos de reparo acontecem em uma das
fases do checkpoint do ciclo celular. O reparo por excisão conserta
pareamentos incorretos no DNA, a partir de uma fita molde, que não foi
danificada. Outra forma de reparo é um pouco mais complexa, devido
às altas distorções do DNA causadas pelos raios UV, por exemplo. Esse
mecanismo irá retirar um pequeno fragmento de DNA e substitui-lo por
um pequeno fragmento complementar.
Entretanto, algumas lesões são muito graves, o bastante para
levar à morte celular diretamente. Nessas lesões, há a quebra da
dupla fita do DNA, gerando duas fitas quebradas. Nesses casos, dois
mecanismos podem reverter o processo: reparo homólogo e reparo por
união de extremidades não homólogas. Na junção homóloga, as enzimas
responsáveis utilizarão uma cadeia de DNA molde para reparar a dupla
fita quebrada. Nesse processo, será feita a junção de holliday, onde uma
fita quebrada é amplificada da dupla fita molde não atingida e uma fita
de DNA da dupla fita não atingida será amplificada no DNA quebrado,
permitindo que a outra fita quebrada do DNA lesado seja reparada a partir
da fita migrada do DNA não lesado. Essa junção vai levar ao reparo efetivo
da dupla fita de DNA quebrada, não perdendo nenhuma informação. Já
o reparo por extremidades não homólogas consiste na união das duas
fitas quebradas, sem a reposição do conteúdo que estava entre elas.
Esse processo só ocorre quando não há uma fita molde para que haja
o processo e pode haver perda de um gene (deleção) ou inserção de
pares de bases em um gene (inserção).
34 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Figura 5: Junção de holliday

Fonte: http://bit.ly/34t0Mvt

Rearranjos e alterações cromossômicas


Rearranjos cromossômicos fazem parte das mutações que
abrangem os cromossomos (duplicação de um alelo) ou até mesmo
os genomas (aneuploidia). Ao contrário das mutações moleculares, as
mutações cromossômicas ou genômicas causam alterações altamente
expressivas em sua totalidade dos casos. Os rearranjos incluem
translocações, inserções, deleções, duplicações e inversões.

Alterações cromossômicas
A aneuploidia é uma aberração genômica onde a célula acaba
perdendo ou ganhando um cromossomo. Por exemplo, no organismo
humano, as células somáticas (2n) possuem 46 cromossomos, sendo
23 vindos do pai e 23 da mãe. Quando um cromossomo é adicionado no
quadro geral do genoma humano (2n+1), isso é chamado de trissomia.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 35

EXPLICANDO MELHOR:
Um genoma onde há mais uma cópia onde deveria ter
somente duas (47). No caso em que há um cromossomo a
menos (2n-1), isso acaba sendo chamado de monossomia,
onde no genoma que deveria estar presente duas cópias,
está somente 1 (45).

A aneuploidia também pode incluir mais de um, tanto para


mais, quanto para menos, cromossomo (2n-3 ou 2n+2). No entanto,
um outro caso também pode ocorrer, quando um conjunto completo
de cromossomos é adicionado (3n) ao genoma do ser vivo. Isso é
chamado de poliploidia. Esse caso é mais raro em animais, entretanto
mais presente em insetos, plantas e outros vegetais, por exemplo. Essas
situações ocorrem devido a não disjunção dos cromossomos, ou seja,
quando não ocorre a separação das cromátides irmãs durante a meiose.
Em embriões humanos, a falta de ao menos um cromossomo
autossômico (não sexual) humano é inviável para a geração da vida.
Sendo assim, as monossomias são, em geral, bastante letais, devido
a baixa dose de proteínas e de outros produtos que são codificados
por genes que estão em falta. A maioria das trissomias autossômicas
também impedem que o embrião se desenvolva até o nascimento.
Entretanto, em cromossomos menores, aquele embrião consegue se
desenvolver até o nascimento e viver uma vida. Os cromossomos são
13, 15, 18, 21 e 22. Quando um cromossomo a mais está presente, ele
pode comprometer o equilíbrio do produto de genes do cromossomo
duplicado e dos outros genes, podendo até mesmo predispor algumas
doenças severas, como acontece nos indivíduos com trissomia 21, tendo
maior predisposição ao desenvolvimento de leucemias. A trissomia do
21 é a manifestação mais comum entre os embriões que sobrevivem.

Rearranjos cromossômicos
Os rearranjos fazem parte de outra classe de mutações em larga
escala, onde grandes pedaços cromossômicos, não eles por inteiro, são
afetados. Os rearranjos podem ser divididos em duplicações, inserções,
deleções, inversões, transposições e translocações. As duplicações
36 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

ocorrem quando uma parte de um cromossomo é duplicada, aumentando


assim o comprimento daquele cromossomo. As deleções ocorrem quando
uma parte do cromossomo é removido. Normalmente isso ocorre devido
a processos de recombinações em resposta a uma agressão ao DNA. O
reparo de DNA por união de extremidades não homólogas pode levar à
deleção de genes, já que o DNA quebrado não foi reposto, mas sim colado
suas extremidades quebradas. As inversões são regiões cromossômicas
invertidas, apontando para direção contrária do que realmente deveria
estar. As inserções ocorrem quando trechos de DNA são inseridos no
genoma, devido, por exemplo, ao processo de reparo por não homologia.
As translocações são eventos que normalmente acontecem
durante o processo de meiose. As permutas cromossômicas (crossing
over) são duas regiões, uma de cada cromossomo, que são trocadas,
translocadas, de um cromossomo para o outro. Essa característica acaba
aumentando a variabilidade genética, favorecendo a evolução.
Esse processo fisiológico é considerado como uma translocação
recíproca. As translocações não recíprocas envolvem a permuta do
pedaço de somente um cromossomo ao outro e não vice-versa.

Técnicas para detecção de mutações


Muitas das mutações são causadoras de doenças altamente
nocivas como os cânceres ou alguma síndrome de caráter cromossômica
como a síndrome de Down. Entretanto, para identifica-las é necessário
metodologias precisas para encontrar mutações moleculares ou
genômicas. A seguir, serão descritas algumas metodologias bastante
utilizadas em rotina de laboratório de biologia molecular.

PCR
A técnica da Reação em Cadeia da Polimerase, já bem discutida,
que tem a capacidade de amplificar um determinado trecho genômico
a partir de um fragmento de primer, é bastante utilizada para amplificar
regiões codificantes (éxons) polimórficas que estão muito associadas
com o desenvolvimento de processos carcinogênicos. O RT-PCR é
bastante utilizado para o diagnóstico de câncer de estômago através da
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 37

amplificação dos genes HER-2 e topisomerase IIα. Além disso, analisa


múltiplos genes de diversas doenças. Outra aplicação para o PCR é
na amplificação de regiões polimórficas para sua posterior digestão
enzimática em um procedimento chamado de RFLP, como já discutido
anteriormente. Essa reação também consegue amplificar alelos para
identificar deleções ou inserções, discriminando o tamanho desse alelo.
Um exemplo prático é na fibrose cística ao amplificar o gene DF508.

Microarranjos (microarrays)
Os microarranjos de DNA, ou chip de DNA, é um arranjo de pontos,
sendo cada um uma sonda, distribuídos em uma placa que é capaz de
identificar uma molécula alvo (DNA ou RNA) através de processos de
hibridização, produzindo resultados quantitativos. Podem ser utilizados
para analisar níveis de expressão gênica. Esses microensaios também são
utilizados para a detecção de duplicações e deleções cromossômicas
no genoma humano que podem levar a distúrbios genéticos.
Os SNP-array é uma técnica capaz de detectar polimorfismos
de nucleotídeo único dentro de uma população de DNA. A amostra de
um paciente é introduzida em um chip (GeneChip) contendo sondas
específicas que irão hibridizar ao DNA da amostra. Caso haja polimorfismos,
haverá uma emissão de sinal, correspondente ao DNA marcado, e será
convertida em dados computacionais por um software específico.
O CGH+SNP array é uma técnica similar, porém com a utilização
de uma amostra controle de DNA para que haja a comparação de
fluorescência entre a amostra teste e a amostra controle. Essa é a
ferramenta mais indicada pela Academia Americana de Genética para
o estudo de crianças e adultos com suspeitas de síndromes genéticas
causadas por anomalias cromossômicas, atraso do desenvolvimento
neuropsicomotor e autismo.

FISH
Outro exame de citogenética baseado na utilização de sondas
fluorescentes capaz de detectar mutações e rearranjos cromossômicos
como deleções. O diferencial é que essa técnica, ao contrário dos
38 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

microensaios, não é realizada em microchips. É um método histoquímico


que permite a enumeração, identificação e localização simultânea de
regiões gênicas polimórficas.

IMPORTANTE:
Além de rearranjos complexos, há a identificação precisa de
microssatélites no genoma das amostras analisadas. Uma
aplicação dessa técnica é a identificação da amplificação
de genes envolvidos com processos carcinogênicos como
o HER-2.

Figura 6: Histoquímica do FISH para o marcador HER-2

Fonte: http://bit.ly/33m7Zw9

Exames de cariótipo
O exame de cariótipo é mais uma vertente da citogenética com o
objetivo de identificar e analisar os cromossomos e suas regiões. O teste
é realizado mediante a cultura de célula, para a obtenção do estágio do
ciclo celular em metáfase, onde encontrará os cromossomos formados
e conectados ao fuso mitótico, já prestes a se dividir, e sua posterior
coloração. Através das bandas cromossômicas identificadas, é possível
visualizar as aberrações cromossômicas numéricas ou estruturais.
Ou seja, os exames de cariótipo nos permitem ver aneuploidia e os
rearranjos cromossômicos anteriormente mencionados. O cariótipo é
recomendado para casais que buscam aconselhamento genético.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 39

Um dos métodos utilizados é o cariótipo em sangue periférico


(LCBS), onde será cultivado linfócitos estimulados com agentes mitógenos
para a indução da divisão celular e obtenção da metáfase para análise
cromossômica.
A realização do cariótipo em sangue periférico é referenciada
para síndromes congênitas, como a síndrome de Down, crianças com
atraso de desenvolvimento ou aprendizagem, incluindo atraso na fala ou
déficit intelectual e entre outros.
Após o interrompimento da divisão celular, através da ação da
colchicina, a amostra será pré-tratada com uma enzima proteolítica
(tripsina) e sua posterior coloração. Esta técnica proporciona a produção
de bandas transversais nos cromossomos que permite a identificação de
cada par cromossômico individualmente e o estudo numérico e estrutural
destes com resolução de 400 - 550 bandas. São avaliadas, em média, 20
células em metáfase para a determinação do cariótipo do paciente.

RESUMINDO:
E então? Gostou do que lhe mostramos? Para facilitar a
compreensão deste tema que é tão importante dentro
da biologia molecular, vamos resumir tudo o que vimos.
Você aprendeu aqui que mutações podem acontecer
com o DNA. Aprendeu também sobre as técnicas e
exames moleculares e citogenéticas para a identificação
de alterações moleculares e cromossômicas. Viu que
essas alterações podem estar relacionadas a processos
oncopatológicos hereditários ou não. Compreendeu os
princípios de cada técnica, como a FISH, SNP-array e o
cariótipo banda G. Além de aprender sobre a utilização de
testes moleculares na identificação de mutação em códons
ou genes específicos que levam ao desenvolvimento
de alguns tipos de câncer (como de mama, estômago
e pulmão). Compreendeu que muitos fatores podem
danificar o DNA e devido a isso, as células têm que possuir
mecanismos de reparo eficiente de DNA para as ocasiões,
caso contrário, as células não iriam conseguir sobreviver
por muito tempo.
40 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Detecção de doenças infecto-parasitárias


e imunogenética
INTRODUÇÃO:
Neste capítulo veremos a aplicação da biologia molecular
para o diagnóstico de doenças infecto-parasitárias e
para a obtenção da compatibilidade entre dois tecidos
sólidos diante de um transplante. Testes mais precisos,
sensíveis e específicos são necessários para a exata
identificação desses patógenos, excluindo possibilidades
de diagnósticos falso-negativos. A mesma lógica serve
para a identificação da histocompatibilidade.

Doenças infecciosas
A saúde pública brasileira tem sido transformada desde a criação
do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS é um dos mais complexos
sistemas de saúde no mundo, onde sua eficácia é reflexo de uma
política de saúde preventiva e atendimento integral à pessoa. O SUS se
divide em atenção primária, secundária e terciária, e cada divisão possui
suas especificidades. Dentro de cada atenção, há o monitoramento de
doenças altamente infecciosas e de importância epidemiológica no
Brasil. Por exemplo, existe o Sistema de Notificação Compulsória, que,
por meio de uma Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças,
determina a obrigatoriedade da notificação e comunicação por meio de
profissionais de saúde ou responsáveis pelos estabelecimentos públicos
ou privados.
A importância dessa lista é a notificação visando o rápido controle
de eventos que requerem pronta intervenção. Dentro dessa lista há
doenças como Dengue, Botulismo, AIDS, Doença de Chagas, Doença
de Creutzfeldt-Jakob (causada por príons), Meningite, Sífilis, Influenza
(novo subtipo viral), Varíola, Antraz, Ebola, Febre amarela, Tuberculose,
Malária, Pneumococo e entre outras. Há uma lista completa sobre as
doenças de notificação compulsória e notificação imediata.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 41

Além da importância da notificação, os testes diagnósticos


disponíveis têm que ter eficiência e precisão na detecção desses agentes
patógenos, já que tem o maior potencial de disseminação e de elevadas
taxas de mortalidade, caso não sejam controlados. Principalmente
porque alguns não possuem uma cura ou tratamento bem efetivo
(Creutzfeldt-Jakob, Ebola, HTLV e HIV, por exemplo). Algumas dessas
doenças serão abordadas a seguir, explicitando suas formas de infecção,
geração de doença e métodos diagnósticos.

Retrovírus
Desde a década de 80, os retrovírus foram apresentados a partir
da descoberta do primeiro vírus dessa família, o HTLV-1. Em 1980,
dois vírus isolados de pessoas, em diferentes partes do mundo, com
manifestações leucêmicas, hoje definida como leucemia de células T
do adulto, e com uma doença neurodegenerativa do sistema nervoso
periférico (HAM/TSP). Foi determinada a associação desse vírus com
tais doenças e descoberto seu tropismo pelas células T, sendo então
chamado de Vírus Linfotrófico de Células T Humana.
Em 1985 descobriu-se um agente viral em pessoas com
deficiência imunitária, sendo muitos casos associados com pneumonias
graves. Muitos confundiam esse agente patogênicocom uma outra cepa
viral do HTLV, entretanto, quando isolado e identificado, descobriram
que se tratava de outro vírus, portanto nomeado de HIV – Vírus da
Imunodeficiência Humana, o terceiro retrovírus descoberto dentre a
população mundial. Assim como o HTLV-1, ele tem tropismo forte pelas
células T auxiliares (CD4) e, ao contrário do HTLV-1, o HIV-1 tem um
caráter lítico, ou seja, ele rompe as células infectadas, difundindo pelo
plasma sanguíneo e infectando novas células. O HTLV-1 possui um ciclo
lisogênico, no qual se multiplica junto com a célula, tendo sua atuação
de forma muito lenta.
Ambos são retrovírus por possuírem um genoma de RNA, porém,
se inserirem ao DNA genômico por meio da transcriptase reversa. Essa
enzima, já mencionada em capítulos anteriores, tem o potencial de
converter um fragmento de RNA em um DNA complementar (cDNA),
permitindo assim sua integração ao genoma do hospedeiro.
42 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

A diferença entre ambos os vírus, é que o processo que ocorre


no HIV acaba sendo muito mais mutagênico, ou seja, criando cDNAs e
posteriormente RNAs com regiões polimórficas, já o genoma do HTLV-1
consegue ser muito mais estável.
Apesar de o HTLV não estar inserido nem mesmo na lista de
doenças negligenciadas (do tanto que é um patógeno negligenciado),
sua epidemiologia é altamente concentrada, dentre todos os locais do
mundo.

IMPORTANTE:
Um fato importante que aumenta sua importância
epidemiológica é que, como ambos os vírus, HIV-1 e
HTLV-1, possuem as mesmas rotas de infecção (via contato
sexual, lesão com materiais perfurocortantes infectados
e entre outro), existem muitos casos de co-infecção por
ambos os agentes virais.

Existem testes sorológicos para ambas as doenças, porém, a forma


mais sensível de se diagnosticar esses vírus é através da técnica de PCR,
a qual irá amplificar as regiões virais a partir de um primer. Essa técnica é
ainda mais requisitada para os casos de infecção por HTLV-1. Esse vírus,
por ter uma atuação, em sua maioria, lisogênica, ele não libera partículas
virais para o meio plasmático, sendo assim, tornando difícil a detecção
desse vírus por métodos sorológicos e também a sua infecção para novos
hospedeiros via acidente com materiais infectados, como agulha. Sendo
assim, a extração do DNA viral no genoma das células infectadas para a
amplificação via PCR é a melhor forma de diagnóstico desse vírus.
Um método mais sensível para o diagnóstico do HTLV-1 é o uso da
técnica de Nested PCR, que é uma segunda amplificação a partir do DNA
amplificado anteriormente. Essa técnica permite a amplificação de uma
região dentro da região amplificada. A RT-PCR vai permitir a amplificação
de mais de uma região gênica de ambos os vírus (HIV-1 e HTLV-1),
permitindo uma maior discriminação na detecção de ambos os vírus.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 43

Herpes vírus
Herpes é uma doença que normalmente está associada às
manifestações dérmicas, como acontece com as pessoas infectadas
pelo Vírus Varicela-Zóster, o causador da catapora (Varicela) e o herpes
vírus tipo 1 e 2, causador do herpes simplex. Esses vírus possuem a
capacidade de permanecer em latência por longos períodos de tempo,
como o que ocorre com o varicela-zoster, capaz de permanecer em
latência nos gânglios nervosos, e quando ativado, pode provocar
doenças do sistema nervoso periférico (SNP).
O herpes vírus tipo 1 é causador de lesões em mucosas da boca,
face e tronco, enquanto que o herpes vírus tipo 2 está relacionado às
infecções na genitália e de transmissão geralmente sexual. Entretanto,
os dois vírus podem infectar qualquer área da pele ou das mucosas.
As manifestações clínicas são distintas e relacionadas ao estado
imunológico do hospedeiro.
O citomegalovírus (CMV) é outro vírus pertencente à família do
herpes vírus. Seu nome reflete ao fato de ele ser o maior vírus dentre
todos os outros. Normalmente, esses vírus infectam as pessoas desde
a sua infância, podendo ser transmitido via respiratória (tosse, espirros,
fala, saliva, secreção brônquica) sendo essa via a principal, transmissão
vertical, transfusão sanguínea e entre outros. Ele pode não causar
nenhuma manifestação clínica, ou causar febre baixa até doenças graves
que comprometem o aparelho digestivo, sistema nervoso central e retina.
O Epstein Barr (EBV) é um vírus da família do herpes, também
conhecido como Herpervírus4 humano, tem a capacidade de gerar um
processo patológico glandular, também chamado de “febre glandular”
ou “doença do beijo”, a mononucleose infecciosa. É uma doença de
baixa mortalidade e letalidade, de manifestações agudas e geralmente
benignas, com achados clínicos como amigdalo faringite, linfadenopatia
e hepatoesplenomegalia.
A técnica de PCR, mais uma vez, é capaz de identificar, quantificar
e discriminar os tipos virais dos agentes pertencentes à família herpes.
Sendo assim, a técnica em tempo real, que consegue amplificar mais de
uma região gênica de cada vírus e quantificar em tempo real, é a melhor
técnica, de biologia molecular, para o diagnóstico preciso.
44 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Infecção bacteriana e seus genes de resistência


As bactérias são organismos celulares muito importantes para
a manutenção da homeostasia corpórea, já que elas participam de
funções essenciais para o organismo humano, como a defesa inata.
Entretanto, algumas bactérias que fazem parte de um sistema corpóreo
(a pele, comoStaphylococcus aureus) podem causar doenças em partes
diferentes do corpo ou até mesmo na mesma região de colonização,
isso por conta de sua característicaoportunista, esperando uma brecha
do sistema imune para gerar doença.
Entretanto, há outras bactérias que são patogênicas em
todos os casos, como a Mycobacterium tuberculosis, agente da
tuberculose; Mycobacterium leprae, agente etiológico da hanseníase;
Neisseriameningitidis, um diplococo, principal causador da meningite;
Streptococcus pneumoniae, causador da pneumonia e em casos mais
graves da meningite também; Treponema pallidum, causador da sífilis;
Leptospira, agente causador da leptospirose, entre outros.

VOCÊ SABIA?
Um dos maiores riscos para a saúde é a sepse. A sepse
é uma reação imunológica generalizada em resposta à
difusão plasmática de uma bactéria. Os lipopolissacarídeos
presentes em sua parede celular irão estimular os
monócitos e neutrófilos presentes na circulação, que irão
liberar fatores quimiotáticos, citocinas, capazes de gerar
toda manifestação pró-inflamatória. Sendo assim, essa
manifestação pode ser causada por quaisquer bactérias,
principalmente as contendo fatores de resistência para os
mais diversos agentes antimicrobianos existentes.

Como explicado anteriormente, a resistência bacteriana é mediada


pela conjugação entre uma bactéria, que irá transportar um plasmídeo
contendo um fator de resistência bacteriana para uma outra bactéria
receptora. Atualmente, existem bactérias resistentes aos antibióticos
mais potentes, como vancomicina. Isso acaba sendo um grande
problema para a saúde pública, já que esse paciente infectado com
a chamada superbactéria, acaba tendo altas chances de mortalidade.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 45

Já foi identificado que há uma cepa da Neisseriagonorrhoeae, agente


causador da gonorreia, como superbactéria. Essa cepa está associada a
infecções faríngeas.
Cepas bacterianas e seus genes de resistências podem ser
identificadas em hemoculturas suplementadas com um antibiótico em
específico. Entretanto, o resultado dessas hemoculturas demora de 24 a
36 horas para serem liberadas. Portanto, técnicas em biologia molecular,
sensíveis e rápidas, são usadas hoje em dia para dar um diagnóstico
preciso e rápido. Em casos de sepse, por exemplo, um diagnóstico
rápido tem grandes chances de salvar a vida de um paciente. Um método
muito eficiente é a amplificação do gene 16S rDNA diretamente da
hemocultura. O resultado mostrou que essa técnica foi duas vezes mais
sensível que o método convencional, sugerindo assim a importância da
aplicabilidade da PCR nesses casos.
Uma outra metodologia é a utilizando de chip-array, onde neles
terão sondas capazes de hibridizar os plasmídeos contendo os genes
de resistência. Essa técnica é sensível e muito mais rápida, provendo
um diagnóstico em tempo hábil para aqueles pacientes com suspeita
de sepse.

Protozoários
Os protozoários são seres eucariontes, ou seja, possuem núcleo
celular organizado dentro de uma carioteca. A maioria deles são
heterótrofos, embora alguns sejam autótrofos, produzem clorofila e com
ela realizam a fotossíntese, onde vem a fonte de seus alimentos. Existem
60.000 espécies conhecidas, sendo 10.000 parasitas de diferentes
animais, e apenas algumas dezenas são agentes etiológicos de doenças
humanas. Dentre elas, algumas são muito importantes à saúde pública,
como as causadoras da giardíase, toxoplasmose, doença de chagas,
leishmaniose, malária, tricomoníase e amebíase, por exemplo.
A toxoplasmose é causada pelo Toxoplasma gondi, um esporo-
zoário muito relacionado à transmissão de animais a humanos, como por
exemplo de gatos para grávidas. Nesse caso, há um grande risco para
lesões na retina e sistema nervoso da criança em desenvolvimento.
46 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

Mães que já tinham a toxoplasmose (infecção crônica) e


engravidam, não são capazes de transmitir esse agente ao filho.
A malária é uma doença causada por protozoários que infectam
o sangue. O Plasmodium falciparum, maior agente causador da malária,
infecta as hemácias e são capazes de gerar complicações como calafrios,
febre alta que duram de 3 a 4 horas, profundo mal-estar, cefaleia, náuseas
e dores articulares. Algumas pessoas têm uma melhora espontânea ou
uma morte devido a complicações pulmonares, renais e coma cerebral.
O diagnóstico de todas essas infecções parasitárias pode ser
realizado via PCR ou RT-PCR, para identificação e quantificação.

Imunogenética
A imunogenéticaé a área do conhecimento voltada ao estudo
dos aspectos genéticos acerca das interações antígeno-anticorpo,
mas não envolvendo um patógeno e um anticorpo produzido por um
linfócito, e sim as características genéticas que definem as interações
dos anticorpos com antígenos considerados “nossos” e antígenos
considerados estrangeiros. Dentro dessa área, há divisões que pode em:
estudo das doenças autoimunes, estudo das deficiências imunológicas,
estudo dos mecanismos de transplante e estudo dos grupos sanguíneos.
Um dos ramos mais explorados, e que será foco na discussão
a seguir, é a imunogenética dos transplantes. O transplante de órgãos
é um procedimento altamente delicado, pois cada indivíduo possui
uma configuração quanto à compatibilidade mediada pelo complexo
principal de histocompatibilidade (HLA). Isso significa dizer que, assim
como as pessoas possuem diferentes polimorfismos em locus contendo
microssatélites, elas também podem conter diferenças em seus HLAs. E
será justamente essa compatibilidade que será explorada nesse ramo,
e pra haver a transfusão de um órgão a um indivíduo, a compatibilidade
entre os HLAs deve ser a melhor possível. Caso não haja um bom
nível de compatibilidade, o organismo hospedeiro irá rejeitar aquele
enxerto transplantado, criando uma reação imunológica, podendo ser
generalizada.
Outra complicação é a Doença do Enxerto contra o Hospedeiro,
atrelada ao transplante de medula óssea ou células tronco, onde as
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 47

células enxertadas criaram resposta imunológica contra o organismo


do hospedeiro. Além das complicações envolvendo rejeição, o órgão
transplantado ou o organismo hospedeiro pode estar infectado com
alguns vírus como o CMV, Varicela-zoster ou poliomavírus, como
JCV e BKV, que normalmente estão no organismo humano em forma
de latência, porém, ao hospedeiro ser submetido às terapias de
imunossupressão, afim de evitar as repostas imunológicas de rejeição,
esses vírus podem entrar em forma ativa, gerando suas complicações.

Complexo principal de histocompatibilidade


O complexo principal de histocompatibilidade humano (HLA),
descrito em 1958, define-se como um conjunto de locus ligados
intimamente no braço curto do cromossomo 6. Esses locus são
responsáveis pela produção de aloantígenos, ou seja, antígenos que se
diferem dentro de uma mesma espécie. Esses antígenos também são
chamados de Antígenos de Leucócitos Humanos (HLA), cuja importância
foi reconhecida inicialmente no campo dos transplantes de órgãos, por
participarem do processo de rejeição quando transferidos para um
hospedeiro incompatível.
O MHC humano é constituído pelas regiões gênicas de classe I, II
e III. O sistema HLA é codificado por genes de classe I (A, B,C), os quais
expressam glicoproteínas de superfície celular que são encontradas
na membrana das células nucleadas do organismo e determinam
o reconhecimento do antígeno pelo linfócito T. Os linfócitos que
expressam moléculas CD8 reagem com as moléculas do MHC classe I.
Esses linfócitos geralmente têm função citotóxica, sendo assim capazes
de reconhecer qualquer célula infectada, visto que todas as células
nucleadas expressam moléculas MHC de classe I. Sendo assim, o HLA
de classe 1 (ou MHC de classe 1) é reconhecido somente por linfócitos
T CD8. Alguns genes MHC de classe I codificam moléculas MHC não
clássicas, como HLA-G (que pode ter um papel na proteção do feto
contra a resposta imunitária materna) e HLA-E (que apresenta peptídeos
para certos receptores nas células NK).
Os genes HLA de classe II (DR, DQ,DP) são expressos em linfócitos
B, macrófagos, monócitos, linfócitos T ativados e células dendríticas
48 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

foliculares, sendo reconhecidos assim como células apresentadoras


de antígeno. Essas células irão determinar as interações delas com
linfócitos CD4, afim de apresentar os antígenos a essas células para
que uma reposta adaptativa seja criada. A maior parte das células
nucleadas podem ser induzidas a expressar MHC de classe II pelo IFN
gama. As moléculas de MHC classe II são formadas por duas cadeias
polipeptídicas, as quais são codificadas por genes nas regiões HLA-DP,
HLA-DQ ou HLA-DR do cromossomo 6.
A região de classe III contém muitos genes responsáveis por várias
funções, incluindo proteínas do sistema complemento (C2, C4 e fator B),
enzimas como a 21-hidroxilase, as enzimas glicosiladoras de moléculas
HLA, fator de necrose tumoral alfa e beta (TNF), receptor para interferon
gama, além de outros genes, cujos produtos ainda não foram definidos.
Os genes do sistema HLA são codominantes, isto é, tanto os
de origem paterna como os de origem materna se expressam na
membrana celular. O conjunto de antígenos codificados por genes de
um cromossomo haploide (n) constitui um haplótipo. O conjunto de
haplótipos paterno e materno constitui o genótipo, ou seja, dois alelos
do mesmo gene, porém de pessoas diferentes, gerando um diploide
(2n). Por herança Mendeliana simples, há 25% de probabilidade de dois
irmãos apresentarem dois haplótipos comuns (HLA idênticos), 50% de
probabilidade de apresentarem um haplótipo comum (haploidênticos)
e 25% de probabilidade de não apresentarem identidade (HLA distintos).
Os locus HLA são os mais polimórficos conhecidos dentre do
genoma humano. Cada loco HLA (A,B,C,DR,DQ e DP) pode ser ocupado
alternativamente por uma série de genes alélicos.

SAIBA MAIS:
O polimorfismo MHC é tão elevado que frequentemente
a heterozigose, em populações acasaladas ao acaso,
aproxima-se de 100%. É praticamente impossível encontrar
dois indivíduos, não aparentados, portando o mesmo
genótipo HLA.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 49

A diversidade de genes, o polimorfismo, a herança mendeliana


simples e a participação de genes HLA na resposta imune constituem
as principais características que tornam o complexo HLA extremamente
atraente sob o ponto de vista de estudos de doenças e também a razão
de estudá-lo para entender o porquê de ser tão difícil encontrar um
doador HLA compatível, sendo empregadas provas para identificar a
compatibilidade entre indivíduos, antes da transfusão.

Prova Cruzada
A prova cruzada é empregada para identificar anticorpos pré-
formados, específicos para o órgão doador, sendo assim considerado
uma simulação do transplante in vitro. Ainda que seja o primeiro
transplante, o teste vai identificar se os receptores do receptor possuem
sensibilidade contra os antígenos de HLA do doador. Caso o resultado
seja positivo, então aquele doador apresenta um alto risco para o
receptor, significando uma resposta cruzada contra o HLA do doador.
Essa metodologia pode ser aplicada em citometria de fluxo, onde
será incubado o soro do paciente a receber o órgão com linfócitos do
doador. Após a incubação, que deve ocorrer a formação de complexo
antígeno-anticorpo (se no soro houver a presença de anticorpos anti-
HLA), adiciona-se a reação, anticorpos monoclonais marcados com
fluorescência direcionados aos linfócitos T e B, que será detectada
pelo citômetro de fluxo a reação positiva ou negativa. A citometria vai
identificar os anticorpos anti-HLA do doador, devido a sensibilização
existente ou gerada do receptor.

Tipagem HLA
A tipagem HLA é parecida com a tipagem ABO. Como explicado,
é bastante comum que o HLA de uma pessoa seja bem diferente da
outra, entretanto, com irmãos essa possibilidade é diferente. Há 25% de
dois irmãos possuírem 100% de compatibilidade de HLA. Sendo assim, o
laboratório determina o tipo de HLA de cada indivíduo e a compatibilidade
representa o número de dessas moléculas que dois indivíduos têm em
comum. Quanto maior o número de moléculas semelhantes, maior será
a compatibilidade e consequentemente o aumento da probabilidade
50 Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial

de sucesso no transplante e maior sobrevida no pós-transplante.


Esse teste é mediado por uma técnica diferencial de PCR, chamada
de Reação em Cadeia da Polimerase-iniciador específico (PCR-SSP) e
Reação em Cadeia da Polimerase-oligonucleotídeo específico (PCR-
SSO). PCR-SSO se baseia na utilização de oligonucleotídeos específicos,
construídos para servir de sondas, capazes de se hibridizar ao DNA
recém amplificado via PCR, identificando assim as especificidades do
HLA. Normalmente utilizado para avaliar HLA tipo II. Já o PCR-SSP age
com base em um primer completamente compatível, que será usado
com mais eficiência na reação de PCR do que um primer com uma ou
várias combinações incorretas. A especificidade é determinada pelo uso
de primers específicos, nos quais uma incompatibilidade de base única
de 3’inibe a iniciação de reações não específicas. Assim, apenas o alelo
ou alelos desejados serão amplificados e o produto amplificado pode
então ser detectado por eletroforese em gel de agarose.

RESUMINDO:
E então? Gostou do que lhe mostramos? Para facilitar a
compreensão deste tema que é tão importante dentro da
biologia molecular, vamos resumir tudo o que vimos. Você
aprendeu sobre as técnicas abordadas que são utilizadas
na detecção de doenças infectocontagiosas e na área da
imunogenética, com a investigação de histocompatibilidade
através do teste de HLA, PRA e prova cruzada. Pôde
estudar mais a respeito da técnica de PCR sendo aplicada
na identificação das principais doenças com importância
epidemiológica, como HTLV, HIV, Herpes, Toxoplasmose,
doenças causadas por micobactérias e outras doenças que
podem estar associadas ao transplante de órgãos como o
JC e o BK vírus. Viu qual a melhor técnica de PCR de acordo
com suas especificações e com as especificações dos
agentes patogênicos causadores das doenças estudadas.
Compreendeu os princípios das técnicas voltados à
histocompatibilidade na identificação de compatibilidade
entre o HLA do hospedeiro e transplantado. Conseguiu
entender a aplicabilidade da biologia molecular nessas
situações.
Aplicação da Biologia Molecular no Diagnóstico Laboratorial 51

BIBLIOGRAFIA
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DE NORMATIZAÇÃO E RECOMENDAÇÕES PARA PROCEDIMENTOS
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