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Formato de argumentação

Passo 1. Selecionar o conjunto de argumentos jurídicos que justificam ganhar todo o pedido

1A. Usar primeiro o argumento mais forte


1B. Em seguida, o argumento menos forte
1C. Por fim, o argumento mais fraco

Passo 2. Selecionar o conjunto de argumentos que não justificam todo o pedido, mas dão
base a parte do pedido

2A. Usar primeiro o argumento mais forte


2B. Em seguida, o argumento menos forte
2C. Por fim, o argumento mais fraco

E assim por diante…

* Concatenar os argumentos sempre de forma lógica e hierárquica: primeiro o argumento que


vence por si só e, em seguida, o argumento que cobre eventual falha do primeiro.

** Fazer sempre a subsunção entre fatos e norma: raciocínio silogístico. A norma é a


premissa maior, o fato é a premissa menor. A conclusão é que o cliente tem direito.

Exemplo

O vendedor V e o comprador C celebram um contrato de compra e venda em 1.1.2012, por


meio do qual C comprou de V um carro pelo preço de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a serem
pagos em 10 parcelas anuais de igual valor, com vencimento sempre em 31.12 de cada ano.

Em 31.12.2022, V reclama que C nunca pagou qualquer das prestações, ao que C objeta que a
dívida está prescrita e que o carro possuía defeitos nos freios. O que V pode cobrar de C?

Resposta:

O primeiro conjunto de argumentos deve atacar a prescrição, pois a prescrição pode eliminar
todo o crédito de V. O segundo conjunto de argumentos deve defender a alegação de vício
oculto, em razão dos defeitos nos freios, já que ele não elimina o direito de V, mas apenas
reduz o preço. Uma estrutura argumentativa poderia seguir a ordem abaixo:

1. A dívida não está prescrita.


1A. O prazo prescricional é de 10 anos para dívidas contratuais (premissa maior,
norma CC, art. 205). Como a primeira parcela venceu em 31.12.2012, não se
esgotaram os 10 anos ainda (premissa menor, fato de que não passou 10 anos). Logo,
nenhuma parcela está prescrita e V tem direito a cobrar todas a parcelas (cliente tem
direito a tudo).

1AA. O próprio C teria dito, em julho de 2022, que estava com dificuldades
financeiras, mas que sabia que V tinha 10 anos para cobrar e ele pagaria tudo
(argumento fático de reforço, entra na premissa menor do argumento 1A de que nada
está prescrito).

1B. Subsidiariamente (argumento secundário, pois cobre eventual falha do primeiro


argumento, para o caso de o árbitro não concordar que o prazo é 10 anos), ainda que
se considere que o prazo prescricional aplicável é o de 5 anos (premissa maior,
norma do art. 206, §5º, inc. I), o prazo prescricional não se esgotou porque o prazo
prescricional não corre contra os incapazes (nova premissa maior que constitui a
exceção da primeira premissa maior, norma do CC, art. 198, inc. I) e V era incapaz
durante todo esse tempo (premissa menor, fato da incapacidade de V). Logo, o prazo
prescricional nunca começou a correr e ainda não esgotou, portanto V tem direito a
cobrar todas as parcelas.

1C. Ainda no ponto da prescrição, caso se considere que o prazo prescricional é 5


anos e que o prazo não estava suspenso, então apenas as primeiras 5 parcelas
prescreveram, permanecendo a possibilidade de cobrar as últimas 5 (novo argumento
subsidiário, cobre eventual falha dos dois primeiros, mas já não dá direito ao todo do
pedido, mas apenas metade. Por isso vem por último).

2. O automóvel não possuía qualquer vício oculto.

2A. O prazo decadencial para reclamar por vícios oculto em bens móveis é de 180
dias (premissa maior, norma do CC, art. 445, §1), e C só foi reclamar do vício nos
freios em 31.12.2022, ou seja, somente 10 anos depois (premissa menor, fato da
demora em reclamar por vícios). Logo, C não tem direito a nenhum abatimento do
preço.

2B. O comprador só pode reclamar por vícios ocultos, mas não por vícios que tinha
conhecimento quando adquiriu o automóvel (premissa maior, norma do CC, art.
441), mas C é mecânico experiente e examinou o automóvel antes de comprá-lo,
portanto sabia que tinha vício no freio ou deveria sabê-lo (premissa menor, fato de
que o vício é aparente). Logo, C não tem direito a nenhum abatimento do preço.

2C. Na hipótese de se considerar que o vício era oculto e o prazo decadencial não se
esgotou, C pode no máximo pedir abatimento proporcional do preço (premissa maior,
norma do CC, art. 442), e o problema nos freios não vale todo o preço do automóvel
que é 10 mil (premissa menor, fato de que o vício nos freios vale menos que todas as
10 prestações). Portanto, C pode compensar o pagamento com algumas parcelas, mas
não todas. (argumento fica por último, porque o direito do cliente é parcial).

Exercícios

1). M, músico de casamentos, é contratado por N, noiva prestes a se casar, para tocar em sua
festa. As partes assinam um contrato em 1.1.2023 para a festa que se realizará no dia
1.4.2023, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Às vésperas do casamento, N descobre que seu
pretenso noivo a está traindo e rompe o noivado, comunicando o fato a M no mesmo dia. M
entende as razões de N, mas alega que já reservara aquele fim de semana para tocar no
casamento de N, tendo recusado propostas para tocar em outros casamentos, razão pela qual
exige o pagamento integral dos R$ 1.000,00 (mil reais). Como advogado de N, defenda sua
cliente colocando em ordem os argumentos abaixo:1

Artigos aplicáveis
CC, art. 944
CC, art. 140
CC, art. 944
CC, art. 927
CC, art. 421

Argumentos

M só faz jus a indenização no valor das eventuais outras propostas, que podem ser
menores que mil reais.
M sabia que a razão da contratação de seu serviço era o casamento e que só seria
necessário caso o casamento se realizasse
N não teve culpa no desfazimento do casamento, pois o noivo é que era infiel
Não há razão de ser em tocar num casamento que não se realiza, o contrato é
socialmente sem sentido
M não comprovou que tinha de fato propostas para tocar em outros casamentos

1
Resposta: 1A. O contrato pode ser anulado pelo art. 140, pois era sabido que o casamento era o único motivo
da contratação. 1B. Ainda que o motivo não fosse conhecido de M e o contrato fosse válido, o art. 421 exige que
o contrato cumpra sua função social, e o contrato perdeu seu sentido social pois não há porque tocar em um
casamento inexistente, devendo ser desfeito o contrato. 2A. Ainda que o contrato seja mantido, pelo art. 927, a
indenização só é devida se N tivesse cometido algum ato ilícito, o que não ocorreu, pois quem a traiu foi o noivo
e ela não teve culpa pelo desfazimento do casamento. 2B. Ainda que N fosse culpada pelo desfazimento do
casamento, pelo art. 944, a indenização deve ser concedida apenas na extensão do dano. Mas M não comprovou
qualquer dano, pois não apresentou provas de que realmente recebeu propostas para tocar em outros casamentos.
Logo, não merece qualquer indenização. 2C. Ainda que N fosse culpada pelo desfazimento do casamento, o art.
944 determina que a indenização se limite à extensão do dano. O único dano sofrido foi a perda de oportunidade
de tocar em outros casamentos, que podem ser inferiores a mil reais. Portanto, N pode te de indenizar menos que
os mil reais solicitados por M.
2). L, locador de um imóvel residencial urbano regido pela Lei 8.245/91, dá o imóvel em
locação ao inquilino I. O contrato foi assinado por escrito, prevendo prazo de duração de 30
meses e aluguel de R$1.000,00/mês, sempre pontualmente pagos por I, e uma fiança pelo
mesmo prazo da locação. Passados 3 anos da locação, L recebe uma proposta de uma
construtora para demolir a residência e erguer um prédio de 15 andares com salas comerciais.
L pede a I que devolva o imóvel. Este objeta que o contrato não pode ser desfeito, pois
sempre pagou os alugueis em dia e fez muitas reformas no piso, nas paredes e adornou a casa
com móveis de luxo que lhe agregaram valor, pelo que exige reembolso. Como advogado de
L, defenda seu cliente colocando em ordem os argumentos abaixo:2

Artigos aplicáveis

Art. 47, inc. IV


Art. 40, § único c/c art. 40, inc. V
Art. 36
Art. 46, §2º
Art. 23, inc. II

Argumentos

Contrato tem prazo de 30 meses, portanto, mesmo com a prorrogação do aluguel, I


deve restituí-lo dentro de 30 dias no máximo.
Apenas as reformas no piso e nas paredes podem ser reembolsadas, pois os móveis de
luxo são benfeitorias voluptuárias.
Ainda que o contrato tivesse duração inferior a 30 meses, o imóvel poderia ser
retomado para demolição.
Como o prazo do contrato já escoou, I deve devolver o imóvel imediatamente
I não substituiu o fiador em tempo hábil.

3). O agiota A empresta R$ 100.000,00 (cem mil) ao mutuário M, que estava premido pela
necessidade de pagar alimentos a seu filho, e aceitou pagar taxa de juros de 2% a.m.
capitalizáveis mensalmente. Para cair nas graças de M, A diz que não há pressa em devolver

2
1A. O art. 46, §2º da Lei 8245 determina que o imóvel seja restituído dentro de 30 dias após o fim da locação
em contratos de 30 meses. Isso é reforçado pelo art. 23, inc. II, que coloca como dever do inquilino restituir o
imóvel após o fim da locação. Como o contrato tinha prazo de 30 meses, I deve restituir o imóvel dentro de 30
dias. 1B. Ainda que o contrato tivesse prazo inferior a 30 meses, L poderia retomá-lo para realizar demolição,
nos termos do art. 47, inc. IV. Isso é reforçado pelo art. 23, inc. II, que coloca como dever do inquilino restituir
o imóvel após o fim da locação. Como L pretende dá-lo a uma construtora que vai demolir para construir um
prédio, I deve desocupar o imóvel imediatamente. 2. Independentemente de qual seja o prazo da locação, o
locador pode retomá-lo se o inquilino não apresentar novo fiador após o término do prazo, de acordo com o art.
40, inc. V, c/c art. 40, § único. Como o prazo, seja ela 30 meses ou menos que isso, já escoou em qualquer
hipótese e I não substituiu o fiador, a locação foi desfeita e I deve devolver o imóvel. 3. O art. 36 da Lei 8245
dispõe que as benfeitorias voluptuárias realizadas pelo inquilino não comportam indenização e somente podem
ser levantadas se não danificarem o imóvel. Móveis de luxo são benfeitorias voluptuárias, pois apenas
aumentam o deleite do imóvel, não se agregando a ele para aumentar sua utilidade ou sua conservação, e podem
ser facilmente transportados sem danificar o imóvel. Portanto, apenas as reformas do piso e paredes podem ser
indenizadas, mas não os móveis de luxo.
o dinheiro, podendo pagar o empréstimo quando tiver meios disponíveis. Passado um ano do
empréstimo, A procura M para que pague o empréstimo todo de uma só vez, alegando que o
prazo do empréstimo era de 30 dias (CC, art. 592, inc. II) e M está em mora desde o fim dos
30 dias. Defenda M colocando em ordem os argumentos abaixo:3

Artigos aplicáveis

CC, Art. 592, caput


CC, Art. 591, in fine c/c Súmula STJ 539 c/c Decreto-Lei 22.626, art. 4 c/c Súmula
596 STF c/c STJ, REsp 1046453
CC, Art. 406 c/c Decreto-Lei n. 22.626, art. 1 e art. 1, §3º
CC, Art. 157
CC, art. 331
CC, art. 182

Argumentos

M aceitou condições manifestamente desproporcionais para prover alimentos a seu


filho.
Como o contrato é anulável, M deve devolver apenas o principal da dívida.
A capitalização dos juros deve ser em base anual.
Os juros devem ser reduzidos para 1% a.m.
As partes estipularam que não teria prazo para pagamento. O prazo para pagamento
deve então ser o do momento da cobrança do mútuo. Logo, M não está em mora.

4). Organize agora os argumentos de mérito do requerente B3P Engenharia S.A. para pedir a
repactuação do preço global do contrato EPC, com base na ocorrência de evento que foge à
álea ordinária do negócio, considerando apenas os dados do caso da VIII CBA (sem olhar os
memoriais da competição!):

Artigos aplicáveis

Contrato EPC, cl. 11.3.e


Contrato EPC, cl. 5.2

3
Resposta: 1A. Pelo art. 157, o contrato é anulável, porque feito sob estado de premente necessidade (lesão).
1B. Anulado o contrato, o art. 182 determina que retituam-se as partes ao estado anterior, logo M deve apenas
devolver o principal. 2. Caso se considere válido o contrato: 2A. A taxa de juros máxima permitida para
empréstimos entre civis é de 1% a.m. (CC, art. 406 etc.), logo os juros remuneratórios devem ser reduzidos de 2
para 1%. 2B. Independentemente da taxa de juros, a capitalização mensal é proibida em empréstimos entre civis
(CC, art. 591 in fine etc.), devendo ser trazida para capitalização anual. 3. Caso se considere válido o contrato,
M nunca esteve em mora, pois, contrariamente ao art. 592, inc. II, o caput do mesmo artigo define que o inc. II
só se aplica se não tiver sido convencionado expressamente prazo. O prazo foi expressamente definido como
indeterminado (M poderia pagar quando quisesse), logo não é de 30 dias. O art. 331 do CC, por sua vez, define
que, em não havendo prazo, a prestação é devida quando o credor exigi-la. Como A só cobrou após um ano, o
vencimento da dívida passou a ser a partir do 1 ano. Logo, M nunca atrasou o pagamento.
Contrato EPC, cl. 29.2.d
Caso, esclarecimentos 6 e 7
Contrato EPC, cl. 11.3.1

Argumentos

A falência da Unagi era imprevisível.


A B3P não tinha controle sobre a escolha do fornecedor.
A falência do principal fornecedor de uma obra é algo raro.
A B3P não se exime de responsabilidade pelo cumprimento do contrato em virtude
dafalência da Unagi, mas apenas quer repactuar o preço para reequilibrar a avença.
A obrigação da B3P era entregar a obra até o fim do prazo, e a falência ocorreu antes
de terminar o prazo.

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