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Neurobiologia do

Reconhecimento Facial
no
Transtorno do Espectro

Autista

Roberto Aguilar Machado Santos Silva1


Suzana Portuguez Viñas2

A percepção do rosto consiste na compreensão e a interpretação do indivíduo,


particularmente o rosto humano, especialmente em relação ao processamento
de informações associado ao cérebro. As proporções e expressões do rosto
humano são importantes para identificar origem, tendências emocionais,
qualidades de saúde e algumas informações sociais. Desde o nascimento, os
rostos são importantes na interação social do indivíduo. As percepções do
rosto são muito complexas, pois o reconhecimento das expressões faciais
envolve extensas e diversas áreas no cérebro. Às vezes, partes danificadas do
cérebro podem causar comprometimentos específicos na compreensão de
faces ou prosopagnosia.

1 Médico-Veterinário, MSc, DSc, etologista, Membro da Academia de Ciências de Nova York,


Pós-granduando em Neuropsicopedagogia, graduando em pedagogia, com vários livros
publicados em neurobiologia, filosofia e marketing. Possui uma centena de trabalhos
publicados em revistas científicas nacionais e internacionais.
2 Professora, pedagoga, pós-graduada em psicopedagogia, pós-granduanda em
Neuropsicopedagogia, possui vários livros publicados em neurobiologia, filosofia.
Prosopagnosia
Prosopagnosia em grego: "prosopon" = "cara", "agnosia" ="incapacidade
de reconhecer (também conhecida como cegueira para feições) era, até
muito recentemente, tratada como uma desordem rara da percepção da
face, na qual a capacidade de reconhecer os rostos está danificada,
embora a de reconhecer objetos pudesse estar relativamente intacta. As
pesquisas recentes, porém, sugerem que 1 em cada 50 pessoas (2% da
população) sofre da desordem em algum grau, e acredita-se que seja
hereditária. Até recentemente a desordem estava associada somente a
alguma lesão cerebral ou a doenças neurológicas que afetam áreas
específicas do cérebro, embora os casos de prosopagnosia congênita ou
desenvolvida estejam sendo relatados com frequência crescente.
Pesquisas realizadas no Instituto de Genética Humana de Münster
mostram que a prosopagnosia congênita é provavelmente de caráter
hereditário, autossômico e dominante. Poucas terapias desenvolvidas
foram bem-sucedidas com pessoas afetadas, embora os indivíduos
aprendessem frequentemente a usar estratégias de reconhecimento
como identificar as pessoas característica por característica (feature by
feature ou piecemeal). Esta estratégia pode envolver indícios
secundários tais como a roupa, a cor do cabelo, a forma do corpo, e a
voz. Devido ao fato da face funcionar como uma característica de
identificação importante na memória, pode também ser difícil para
pessoas nesta circunstância manter-se a par da informação sobre
pessoas, e se socializarem normalmente com outras. Segundo
pesquisas no campo das Neuro-ciências, a área responsável pelo
reconhecimento de faces encontra-se no Lobo Occipital, em uma região
chamada área fusiforme da face. Nota-se que pessoas que possuem
comprometimento nesta região, apresentam incapacidade do
reconhecimento facial, mesmo quando este é familiar. Algumas pessoas
usam também o termo prosofenosia (prosophenosia), com referência à
incapacidade de reconhecer os rostos como consequência de danos
extensivos dos lóbulos occipital e temporal.

Desde o nascimento, os bebês possuem capacidades rudimentares de


processamento facial e mostram maior interesse em rostos. No entanto, o
interesse em rostos não está continuamente presente na infância e mostra
aumentos e diminuições ao longo do tempo e à medida que a criança cresce.
Especificamente, enquanto os recém-nascidos mostram preferência por faces,
esse comportamento é reduzido entre um a quatro meses de idade. Cerca de
três meses de idade, uma preferência por rostos reaparece e o interesse em
rostos parece atingir o pico até o primeiro ano, mas depois diminui lentamente
ao longo dos próximos dois anos de vida. Curiosamente, o ressurgimento de
uma preferência por rostos aos três meses de idade pode ser influenciado
pelas próprias habilidades e experiências motoras da criança. Os bebês com
mais de dois dias de idade são capazes de imitar as expressões faciais de um
adulto, exibindo sua capacidade de observar detalhes como a forma da boca e
dos olhos, bem como mover seus próprios músculos de uma maneira que
produz padrões semelhantes em seus rostos. No entanto, apesar desta
habilidade, os recém-nascidos ainda não conhecem o conteúdo emocional
codificado nas expressões faciais. Crianças de cinco meses, quando
apresentadas com uma imagem de uma pessoa com uma expressão terrível e
uma pessoa que faz uma expressão feliz, prestam a mesma atenção e exibem
potenciais similares relacionados ao evento para ambos. No entanto, quando
os filhos de sete meses recebem o mesmo tratamento, eles se concentram
mais no rosto temeroso, e seu potencial relacionado ao evento para o rosto
assustado mostra um componente central inicial negativo mais forte que o do
rosto feliz. Este resultado indica um foco atencional e cognitivo aumentado para
o medo que reflete a ameaça - a natureza saliente da emoção. Além disso, os
componentes centrais negativos dos bebês não eram diferentes para os novos
rostos que variaram na intensidade de uma expressão emocional, mas
retrataram a mesma emoção como um rosto ao qual haviam sido habituados,
mas eram mais fortes para diferentes caras de emoção, mostrando que sete
meses As pessoas consideram rostos felizes e tristes como categorias
emotivas distintas.
Enquanto foi descoberto que as crianças de sete meses se
concentraram mais em rostos temerosos, outro estudo de Jessen, Altvater-
Mackensen e Grossmann (20163) descobriu que "expressões felizes provocam
maior excitação simpática em bebês".
O reconhecimento dos rostos é um mecanismo neurológico importante
que os indivíduos da sociedade usam todos os dias. Jeffrey e Rhodes (20114)
escrevem que os rostos "transmitem uma riqueza de informações que usamos
para orientar nossas interações sociais". As emoções desempenham um papel
importante nas nossas interações sociais. A percepção de uma emoção
positiva ou negativa em um rosto afeta a forma como um indivíduo percebe e
processa esse rosto. Por exemplo, um rosto que é percebido como tendo uma
emoção negativa é processado de forma menos holística do que um rosto
exibindo uma emoção positiva. A capacidade de reconhecimento facial é
evidente mesmo na primeira infância. Os mecanismos neurológicos
responsáveis pelo reconhecimento facial estão presentes até cinco anos. A
pesquisa mostra que a forma como as crianças processam rostos é
semelhante à dos adultos, mas os adultos processam os rostos de forma mais
eficiente. O motivo disso pode ser devido aos avanços na memória e no
funcionamento cognitivo que ocorrem com a idade.
Os bebês são capazes de compreender expressões faciais como pistas
sociais que representam os sentimentos de outras pessoas antes de serem
anos de idade. Aos sete meses, o objetivo da aparente reação emocional do
rosto observado é relevante no processamento do rosto. Os bebês desta idade
apresentam maiores componentes negativos para os rostos irritados que estão
olhando diretamente para eles do que em outros lugares, embora a direção do
olhar dos rostos temerosos não produz diferença. Além disso, dois
componentes de ERP na parte posterior do cérebro são despertados de forma
diferente pelas duas expressões negativas testadas. Esses resultados indicam
que os bebês a esta idade podem, pelo menos parcialmente, entender o nível
mais alto de ameaça de raiva dirigida a eles em comparação com raiva
direcionada para outro lugar. Pelo menos sete meses de idade, os bebês
também podem usar expressões faciais para entender o comportamento dos
outros. Os jovens de sete meses irão procurar pistas faciais para entender os
motivos de outras pessoas em situações ambíguas, conforme demonstrado por
um estudo no qual eles assistiram o rosto de um experimentador por mais

3 JESSEN, S; ALTVATER-MACKENSEN, N; GROSSMANN, T. Pupillary responses reveal


infants' discrimination of facial emotions independent of conscious perception. Cognition, v. 150,
p.163-169, 2016.
4 JEFFERY, L.; RHODES, G. "Insights into the development of face recognition mechanisms

revealed by face after effects". British Journal of Psychology, v. 102, n. 4, p.799–815, 2011.
tempo se ela tirava um brinquedo deles e manteve uma expressão neutra do
que se ela fizesse uma expressão feliz.
Vários outros estudos indicam que a experiência perceptual precoce é
crucial para o desenvolvimento de capacidades características da percepção
visual dos adultos, incluindo a capacidade de identificar pessoas familiares e
reconhecer e compreender expressões faciais. A capacidade de discernir entre
rostos, bem como a linguagem, parece ter um potencial amplo no início da
vida, que é reduzido a tipos de rostos que experimentam no início da vida. Os
bebês podem discernir entre rostos de macacos aos seis meses de idade, mas,
sem exposição contínua, não podem aos nove meses de idade. Ao mostrar
fotografias de macacos durante este período de três meses, os jovens de nove
meses conseguiram distinguir de forma confiável as caras de macacas
desconhecidas.

Os substratos neurais da percepção da face


Os substratos neurais da percepção do rosto em lactentes são
provavelmente semelhantes aos dos adultos, mas os limites da tecnologia de
imagem que são viáveis para uso com bebês atualmente impedem a
localização muito específica da função, bem como informações específicas de
áreas subcorticais, como a amígdala, que é ativo na percepção da expressão
facial. em adultos. Em um estudo sobre adultos saudáveis, foi demonstrado
que os rostos provavelmente serão processados, em parte, através de uma via
retinotectal (subcortical). No entanto, há atividade perto do giro fusiforme, bem
como em áreas occipitais. quando os bebês são expostos a faces, e varia de
acordo com fatores, incluindo a expressão facial e a direção do olho.

Usando fMRI 5com gravações eletrofisiológicas de unidade única, o


grupo de Doris Tsao6 revelou, um código que o cérebro usa para processar

5 A imagem por ressonância magnética funcional (fMRI, do inglês Functional Magnetic


Ressonance Imaging), é uma técnica específica do uso da imagem por ressonância magnética
(MRI, do inglês Magnetic Resonance Imaging) capaz de detectar variações no fluxo sanguíneo
em resposta à atividade neural.
6 CHANG, L.; TSAO, D. Y. The Code for Facial Identity in the Primate Brain. Cell, v. 169, n. 6,

p.1013–1028, 2017.
rostos em macacos. O cérebro, conceitualmente, precisa apenas de ~ 50
neurônios para codificar qualquer rosto humano, com características faciais
projetadas em eixos individuais (neurônios) em um "espaço facial" em 50
dimensões.
Os mecanismos subjacentes às diferenças relacionadas ao gênero no
processamento facial não foram estudados extensivamente. Estudos usando
técnicas eletrofisiológicas demonstraram diferenças relacionadas ao gênero
durante uma tarefa de memória de reconhecimento facial (FRM, do inglês face
recognition memory) e uma tarefa de identificação de afetos faciais (FAIT, do
inglês facial affect identification task). Os indivíduos do sexo masculino usaram
o hemisfério direito, enquanto as mulheres apresentavam um sistema de
ativação neural do hemisfério esquerdo no processamento de faces e afeto
facial. Além disso, na percepção facial não houve associação com a
inteligência estimada, sugerindo que o desempenho do reconhecimento facial
em mulheres não está relacionado a vários processos cognitivos básicos. As
diferenças relacionadas ao gênero, podem sugerir um papel para os hormônios
sexuais. Nas mulheres, pode haver variabilidade para funções psicológicas
relacionadas às diferenças nos níveis hormonais durante diferentes fases do
ciclo menstrual.

Jeannie Davide-Rivera (2018), premiada autora de Twirling Naked in the


streets and no one noticed (Rodopiando nua nas ruas e ninguém percebeu);
onde relatou como é crescer com o autismo não diagnosticado. Ela compartilha
em seu livro, a vida e a percepção da mente de crianças e adultos no espectro
do autismo.
Jeannie pergunta:

Por que as pessoas com autismo têm problemas para reconhecer os


rostos?
Ela continua o seu comentário:

Nós não vemos com os nossos olhos, nós "vemos" com nossos
cérebros. Todos nós - com ou sem autismo ver com nossos cérebros.
Nossos olhos tomam um instantâneo, mas são nossos cérebros que
processam toda a informação na foto. Faz sentido de todos os padrões,
categoriza-os e os armazena para uso posterior (reconhecimento).
Algumas crianças e adultos autistas podem deixar de reconhecer rostos
familiares, mas nunca deixarão de reconhecer uma árvore, ou um gato,
ou as formas das nuvens - por quê?

Temple Grandin (2018), autista e cientista, em seu post Temple Grandin:


An Inside View of Autism, no site autismo.com, descreveu como visualiza o
mundo que a cerca:

Todo o meu pensamento é visual. Quando penso em conceitos


abstratos, como se dar bem com pessoas, uso imagens visuais, como a
porta de vidro deslizante. Os relacionamentos devem ser abordados com
cuidado, caso contrário a porta deslizante pode ser quebrada. A
visualização para descrever conceitos abstratos também é descrita por
Park e Youderian (19747). Como criança pequena, eu tinha visualizações
para me ajudar a entender a Oração do Senhor. O "poder e a glória"
eram torres elétricas de alta tensão e um sol ardente no arco-íris. A
palavra "transgressão" foi visualizada como um sinal de "Não invasão"
na árvore do vizinho. Algumas partes da oração eram simplesmente
incompreensíveis. Os únicos pensamentos não-visuais que tenho são de
música. Hoje eu não uso mais portas deslizantes para entender
relacionamentos pessoais. Quase todas as minhas memórias se
relacionam com imagens visuais de eventos específicos. Se alguém diz
a palavra "gato", minhas imagens são de gatos individuais que conheci
ou leio. Eu não penso em um gato, no sentido figurado (Grandin, 2018).

De acordo com Davide-Rivera (2018), uma série de teorias surgiram


para responder a pergunta: como o autista reconhece faces?. Uma teoria é que
os autistas tendem a ser desinteressados e, portanto, não se importam o
suficiente para lembrar as pessoas que os rodeiam, mas isso não parece estar
de acordo com a evidência científica. Outra teoria é que aqueles que têm
autismo tendem a não olhar as pessoas nos olhos, ou se concentrar em seus
rostos, dificultando a sua lembrança. Aqueles com fraca coerência central, um
dos sintomas do autismo, tendem a se concentrar em detalhes, mas perder o
controle, ou não perceber o todo. A tendência de se concentrar em detalhes
minuciosos, uma parte do rosto ou uma característica específica, sem tomar
em toda a imagem pode ser parcialmente responsável por muitos autistas com
dificuldade em reconhecimento facial. Todas essas teorias parecem viáveis; no
entanto, pode haver outra explicação.

7PARK, D.; YOUDERIAN, P. Light and number: Ordering principles in the world of an autistic
child. Journal of Autism and Childhood Schizophrenia, v. 4, p. 313-323, 1974.
O site Universo Autista (2018), explica a Coerência Central:

Coerência Central
A falta da tendência natural em juntar partes de informações para formar
um ‘todo’ provido de significado (coerência central) é uma das
características mais marcantes no autismo. O interessante dessa teoria é
que busca explicar não somente os deficits mas também as habilidades
as quais podem estar não somente preservadas mas inclusive
mostrarem-se superiores em indivíduos com autismo, estas últimas
recebendo menor atenção na literatura.
A tendência em ver partes, ao invés de uma figura inteira, e em preferir
uma sequência randômica, ao invés de uma provida de significado
(contexto), pode explicar a performance superior de crianças com
autismo: a) nas escalas de Weshler que envolvem reunião e
classificação de imagens por séries, em especial no subteste de Cubos;
b) nas tarefas de localização de figuras ocultas e c) nas tarefas de
memorização de uma série de palavras sem-sentido ao invés daquelas
com significado, comparadas aos grupos de controle. Evidentemente, há
semelhanças entre essa teoria e a de disfunção executiva. Porém, a
teoria da coerência central prediz comprometimento somente naquelas
funções executivas que estão associadas à integração de um estímulo
dentro de um contexto.
Conclusão
As contribuições e limitações das abordagens aqui apresentadas
merecem destaque, neste ponto de discussão, iniciando-se pela
psicanalítica. Os avanços nos estudos sobre as capacidades sociais do
bebê contribuíram para expansões e reformulações das teorias
evolutivas psicanalíticas. A noção de um recém-nascido passivo e pouco
receptivo às experiências do ambiente foi substituída por fartas
evidências sobre a percepção alerta e busca ativa do bebê por outro ser
humano, conduzindo a sérios questionamentos sobre a existência de
uma fase ‘autística normal’ ou esquizo-paranóide, posições essas que,
estão sendo revistas. Por outro lado, o estudo na área do autismo
também representa uma grande contribuição à psicologia do
desenvolvimento ao lançar luzes sobre o papel da interação dos
processos constitucionais e ambientais no desenvolvimento humano (as
reflexões e reformulações aplicam-se também às teorias piagetianas do
desenvolvimento social, pois alertam para uma competência social do
bebê mais precoce do que aquela postulada por Piaget). Por fim, embora
críticas sejam feitas às interpretações psicanalíticas quanto à gênese do
autismo e a alguns aspectos do tratamento e as observações realizadas
pelos seus proponentes têm sido confirmadas em estudos
contemporâneos e muito contribuíram para a disseminação do
conhecimento sobre as características clínicas dessa síndrome. Quanto
às teorias afetivas, suas limitações repousam evidentemente no
estabelecimento de prioridades causais na determinação do autismo.
Críticas têm sido feitas ao argumento de que os deficits sociais
decorreriam de problemas no sistema afetivo cujas bases seriam inatas,
pois seriam pré-existentes à capacidade de metarepresentar. A
evidência para esse argumento estaria nas dificuldades da criança
autista quanto à expressão de comportamentos sócio-comunicativos
não-verbais e afetivos, ainda no primeiro ano de vida da criança.
Contudo, segundo os teóricos da mente, tais habilidades já poderiam ser
consideradas indicadores precoces da capacidade de desenvolver uma
teoria da mente. Dessa forma, disfunções na área da comunicação e do
reconhecimento e expressão da emoção poderiam ser explicados tanto
por fatores afetivos quanto cognitivos. De qualquer forma, um dos
grandes méritos das teorias afetivas foi o de chamarem a atenção para a
falha dos teóricos da mente em considerar o componente afetivo na
representação de estados mentais. Sobre a teoria da mente aplicada ao
estudo do autismo, as pesquisas nessa área possibilitaram um grande
impulso no conhecimento dos mecanismos cognitivos envolvidos nessa
síndrome, cujos resultados têm se mostrado suficientemente robustos
nas replicações. Entretanto, chamam eles a atenção para os pontos
nevrálgicos que ainda persistem, tais como: a) explicações a respeito da
pequena percentagem de crianças autistas que ‘passam’ nos testes da
teoria da mente, mas que a despeito disto apresentam deficits sociais na
sua vida cotidiana; b) a relação entre teoria da mente e comportamentos
estereotipados ou ainda, ‘ilhas’ de habilidades. A respeito do papel do
deficit na função executiva na origem do autismo, o estabelecimento de
uma relação causal é controverso, sendo que uma relação recíproca
entre ambos não pode ser descartada. Além disso, contra a
corroboração da noção de que o deficit na função executiva seria
primário no autismo, estão os estudos demonstrando que problemas
nessa área não são específicos dessa patologia, sendo também
encontrados em outros transtornos, tais como nos de Deficit de Atenção
e Hiperatividade - TDAH. Finalmente, sobre a teoria da coerência central,
pode-se dizer que esta encontra-se num estágio muito inicial e que
diversas questões precisam ser examinadas, tais como: a) a
sobreposição com a teoria da função executiva, considerando-se que
ambas apontam a existência de um deficit na capacidade de integrar
partes em um todo, como central à síndrome; e b) a investigação de
crianças situadas em diferentes pontos do espectro autista e daquelas
com outras patologias, através de estudos comparativos. Além do mais,
essa teoria não explica, de forma direta, como o deficit de coerência
central se relaciona com as dificuldades no comportamento social. Por
outro lado, as teorias de processamento da informação têm um papel
fundamental em termos de intervenção, uma vez que o conhecimento a
respeito das formas particulares com que crianças com autismo
apreendem o mundo circundante tem revertido em estratégias de ação,
por exemplo, na prática psicopedagógica com essas crianças. Em suma,
tem havido uma expansão considerável de pesquisas sobre os aspectos
sociais e cognitivos na área do autismo. Entretanto, uma interpretação
única e final do conhecimento acumulado ao longo dos anos permanece
impossível por várias razões. Primeiro, os diferentes achados ainda não
cobrem toda a extensão de diferenças individuais ao longo do espectro,
embora tenham contribuído para desmistificar, em parte, a ideia
caricaturada de um indivíduo com autismo. São necessários mais
estudos que investiguem não somente as deficiências, mas também as
competências sociais destes indivíduos. Pensa-se que o conhecimento
acerca dessas diferenças possa ter implicações para a identificação
precoce da síndrome, visto que as crianças autistas mais ‘competentes’
são as que mais demoram a receber tal diagnóstico. Segundo, a questão
do diagnóstico diferencial ainda se apresenta controverso. Finalmente,
esse campo tem sido dominado pela polêmica em torno de prioridades
causais (afetivas, cognitivas, biológicas) na determinação da síndrome.
Ainda que a interação desses diferentes processos tenha sido proposta e
reconhecida em termos teóricos, a sua operacionalização ainda constitui
um grande desafio aos futuros estudos. Esforços devem ser
concentrados na desafiadora tarefa de integrar-se os achados das
diferentes áreas a fim de compreender-se os mecanismos através dos
quais diferentes facetas do comportamento combinam-se para formar o
intrigante perfil que caracteriza o autismo.

Testes de reconhecimento da face


Segundo Davide-Rivera (2018), os testes mostraram que os autistas
foram capazes de reconhecer rostos que viram de cabeça para baixo. Os
pesquisadores descobriram que os circuitos que reconhecem os rostos só
funcionam ao ver faces que estão no lado direito. As faces de cabeça para
baixo são encaminhadas para o lado esquerdo do cérebro para serem
processadas como qualquer outra imagem. As faces de cabeça para baixo
processadas como padrões, e os autistas reconheceram esses padrões faciais.
Muitas pessoas tiveram a experiência de ver alguém e não serem capazes de
"colocar" seu rosto; elas são a pessoa que fica diante deles de algum lugar,
mas não consegue lembrar onde. Ou, eles conhecem o rosto e não conseguem
se lembrar de um nome. No entanto, para as pessoas do espectro de autismo
que têm dificuldade com o reconhecimento facial, ou algum grau de cegueira
facial, geralmente não há sensação de familiaridade, nem centelha de
reconhecimento; É como se eles estivessem vendo o rosto de um estranho
completo e total pela primeira vez.
Estudos comportamentais de reconhecimento de emoção facial (FER, do
inglês Facial Emotion Recognition) em Transtornos do espectro do autismo
(TEA) produziram evidências de tais mecanismos vem em parte de estudos de
imagem de rastreamento ocular, eletrofisiológico e cerebral, que muitas vezes
mostram padrões anormais do olhar do olho, componentes diferenciados do
potencial relacionado ao evento em resposta a estímulos faciais e atividade
anômala em circuitos de processamento de emoção no TEA (Harms e
colaboradores, 2010).

Teste de reconhecimento de emoção facial ou Teste FER


O modelo de Reconhecimento de Emoção Facial analisa uma imagem
de um rosto e detecta alinhamento a seis emoções diferentes: raiva,
tristeza, surpresa, medo, felicidade e neutro. Por exemplo,
Reconhecimento de Emoção Facial é usado pelas empresas para prever
atitudes e ações com base em expressões faciais. Casos de uso comum:
publicidade, criação de conteúdo, previsão de atitude, reconhecimento
emocional em tempo real.

A oxitocina e a ativação em áreas límbicas motivacionais do


cérebro
A oxitocina, é responsável pelo aumento da ativação em áreas límbicas
motivacionais do cérebro em resposta ao estímulo do contato da mãe
com o filho. Durante os últimos dias da gravidez e os primeiros dias da
lactação, ocorre um significativo aumento dos receptores de oxitocina em
várias áreas do cérebro e também há aumento do número de neurônios
hipotalâmicos que começam a produzir esse neuropeptídeo. Cynthia
Fox, jornalista científica escreveu que injeções do hormônio do "amor", a
oxitocina, as quais permitiram que ratas não-gestantes passasem a ouvir
de repentinamente os ultra-sons produzidos por filhotes angustiados, e
que não ouviam anteriormente conforme um estudo em ratos publicado
na revista científica inglesa Nature. Como a oxitocina parece despertar e
conduzir, outras formas de comportamento social, essa pesquisa poderia
levar a terapia para ansiedade social, transtorno de estresse pós-
traumático, depressão pós-parto e outras questões comportamentais.
O comportamento de consolação em relação aos outros em dificuldades
é comum nos seres humanos e nos grandes macacos, mas a nossa
capacidade de explorar os mecanismos biológicos subjacentes a este
comportamento é limitada pela sua ausência aparente em animais de
laboratório. Outros pesquisadores 8, em 2016, forneceram evidências de

8BURKETT, J. P.; ANDARI, E.; JOHNSON, Z. V.; CURRY, D. C.; DE WAAL, F. B. M.; YOUNG,
L. J. Oxytocin-dependent consolation behavior in rodents. Science, v. 351, n. 6271, pp. 375-
378, 2016.
que uma espécie de roedor, da pradaria altamente social e monogamo
(Microtus ochrogaster), aumenta significativamente durante o tratamento
de grooming9 direcionado aos parceiros em relação aos familiares (mas
não estranhos) que experimentaram um estressor, proporcionando a
consolação social. Os roedores da pradaria também combinam a
resposta ao medo, os comportamentos relacionados à ansiedade e o
aumento de corticosterona do companheiro de gaiola estressado,
sugerindo um mecanismo de empatia. A exposição ao companheiro de
gaiola estressado aumenta a atividade no córtex cingulado anterior e o
antagonista do receptor de oxitocina infundido nesta região aboliu a
resposta dirigida por parceiro, mostrando mecanismos neurais
conservados entre os roedores da pradaria e o humano.

A oxitocina melhora o reconhecimento de emoção para jovens


com Transtornos do Espectro Autista

Rodrigues e colaboradores (2009), afirmaram que a oxitocina é um


peptídeo de nove aminoácidos que é produzido no hipotálamo e liberado tanto
no cérebro como na corrente sanguínea. Em seres humanos, como em outras
espécies, funcionando como neurotransmissor e hormônio, os alvos de
oxitocina são generalizados e incluem o hipotálamo, amígdala, hipocampo,
tronco encefálico, coração, útero e regiões da medula espinhal que regulam o
sistema nervoso autônomo, especialmente o ramo parassimpático. O papel da
oxitocina nas funções reprodutivas é bem conhecido, e sua contribuição para a
formação de vínculos, tem sido sistematicamente estudada. A oxitocina
também parece modular os amplos perfis de comportamentos sociais e
emocionais em homens e mulheres. Uma hipótese é que a oxitocina apoia o
comportamento afiliativo.
Guastella e colaboradores (2010), publicaram o artigo, na revista
científica Biological Psychiatry, intitulado A oxitocina intranasal melhora o
reconhecimento emocional para jovens com distúrbios do espectro do autismo
(Intranasal Oxytocin Improves Emotion Recognition for Youth with Autism
Spectrum Disorders), onde relataram que em um experimento com duplo-
cego10, randomizado11, controlado por placebo12, foram administrados spray de

9 O grooming é um comportamennatural observado em muitos animais, desde roedores,


pequenos felinos, bovídeos selvagens e domésticos, cervídeos a várias espécies de primatas,
com diversas implicações nas diferentes espécies e ocupando-lhes uma grande parte do tempo
em que estão acordados. Envolve a limpeza da superfície do corpo incluindo pelo, penas,
escamas ou pele, tendo como funcionalidade primária a higiene, mas também pode ser
igualmente importante como comportamento de exibição e social
10 Estudo duplo-cego ou ensaio clínico em dupla ocultação é um método de ensaio clínico

realizado em seres humanos onde nem o examinado (objeto de estudo) nem o examinador
sabem o que está sendo utilizado como variável em um dado momento.
11 Um estudo clínico randomizado controlado ou simplesmente estudo randomizado controlado

(em inglês: randomized controlled trial) é um tipo de estudo científico utilizado em medicina,
psicologia e outras ciências. Trata-se do procedimento preferencial nos experimentos
terapêuticos, sendo frequentemente utilizado para testar a eficácia de uma dada abordagem
terapêutica em uma população de pacientes, ou para coletar informações sobre efeitos
secundários de um dado tratamento. O termo "randomizado" diz respeito ao fato de que os
grupos utilizados no experimento têm seus integrantes escolhidos de forma aleatória. O termo
"controlado" diz respeito a determinadas variáveis que são controladas, buscando-se identificar
a relação entre variáveis.
oxitocina nasal (18 ou 24 UI) ou um placebo para 16 jovens do sexo masculino
com idades entre 12 e 19 anos que foram diagnosticados com autismo. Os
participantes completaram o teste Reading the Mind in the Eyes (RMET), que é
usado internacionalmente para avaliar a percepção emocional, amplamente
utilizado e confiável.
Teste Reading the Mind in the Eyes
O teste Reading the Mind in the Eyes (RMET), Lendo a Mente nos
Olhos, em português livre, foi criado pelo professor, especialista em
autismo, Simon Baron-Cohen da universidade de Cambridge (Inglaterra).

Conforme os autores, em comparação com o placebo, a administração


de oxitocina melhorou o desempenho na tarefa de leitura da mente nos olhos.
Este efeito também foi mostrado quando a análise foi restrita aos participantes
menores de 12 a 15 anos que receberam a dose mais baixa. Este estudo
fornece a primeira evidência de que o spray nasal de oxitocina melhora o
reconhecimento de emoção em jovens com diagnóstico de TEA. Os achados
sugerem o potencial de uma intervenção precoce e uma avaliação mais
aprofundada do spray nasal de oxitocina como tratamento para melhorar a
comunicação social e a interação em jovens com distúrbios do espectro autista.
Há no mercado nacional um produto, que é utilizado pelas mulheres no
período de amamentação, para a estimulação da ejeção de leite em nas
pessoas com dificuldades para amamentar ou extrair o leite. Também tem a
finalidade da prevenção e tratamento do ingurgitamento lácteo das mamas e da
mastite. Além de provocar contrações rítmicas do útero, a oxitocina contrai as
células mioepteliais que circundam os alvéolos mamários, ocasionando a
ejeção de leite e facilitando a amamentação ou a extração do leite da mama. A
oxitocina é absorvida rápida e suficientemente bem, a partir da mucosa nasal,
de modo que o efeito sobre a mama ocorre em menos de 5 minutos. Se for
ingerido um volume excessivo de solução spray administrada por via intranasal,
a oxitocina é rapidamente inativada no trato digestivo pelas enzimas
proteolíticas. A dose usual é de uma nebulização (1 dose graduada de 4 UI de
oxitocina ), administrada 2 a 5 minutos antes de amamentar o lactente ou de
retirar o leite com a bomba de sucção.

A Influência da Música no Reconhecimento Facial em


Crianças com Autismo
Recentemente, Brown (2017), da Universidade de Ohio (EUA), afirmou
que crianças com TEA, muitas vezes apresentam dificuldade com relação as
suas habilidades sociais, incluindo a capacidade de perceber emoções com
base em expressões faciais. A evidência da pesquisa do Dr. Brown, sugere que
muitos indivíduos com TEA, podem perceber a emoção na música. Examinar
se a música pode ser usada para melhorar o reconhecimento da emoção facial
por crianças com TEA e se poderia recomendar as intervenções de terapia
musical. Dr Brown desenvolveu estudos para investigar a influência da música
com uma forte valência emocional (feliz, triste) em crianças com TEA para

12Placebo: preparação neutra quanto a efeitos farmacológicos, ministrada em substituição de


um medicamento, com a finalidade de suscitar ou controlar as reações, ger. de natureza
psicológica, que acompanham tal procedimento terapêutico.
identificar as emoções retratadas em fotografias faciais e seu tempo de
resposta. Trinta crianças neurotipicas13 e 20 crianças com TEA foram testadas
para identificar expressões de faces felizes, neutras e tristes em 30 fotografias
sob duas condições de música (música triste, música feliz). Durante cada
condição de música, os participantes avaliaram as 30 imagens usando uma
escala de 7 pontos que variou de muito triste a muito feliz. Os dados do tempo
de resposta também foram coletados em ambas as condições. Uma interação
significativa de dois sentidos revelou que a classificação dos participantes de
rostos felizes e neutros não foi afetada por condições de música, mas os rostos
tristes foram percebidos como sendo mais tristes com a música triste do que
com a música feliz. Em todas as condições, as crianças neurotipicas
classificaram os rostos felizes como mais felizes e os rostos tristes como mais
tristes do que os participantes com TEA. Os tempos de resposta das crianças
neurotipicas foram consistentemente menores do que os tempos de resposta
das crianças com TEA; ambos os grupos demoraram mais para avaliar rostos
tristes do que rostos felizes. Os tempos de resposta de crianças neurotipicas
geralmente não foram afetados pela valência da condição musical; no entanto,
crianças com TEA, demoraram mais para responder quando ouviam música
triste. A música parece afetar as percepções de emoção em crianças com TEA
e as percepções de expressões faciais tristes parecem ser mais afetadas pela
música de fundo emocionalmente infeliz, do que as percepções de caras felizes
ou neutras.

Conclusões
A investigação do reconhecimento de emoção no transtorno do espectro
autista (TEA) tem implicações teóricas e práticas. No entanto, embora muitos
estudos tenham examinado o reconhecimento da emoção facial no TEA,
alguns pontos não são claros. Os resultados aqui demostraram, que as
crianças com TEA, tiveram dificuldade em identificar as emoções faciais. Para
concluir, as dificuldades de reconhecimento de emoção em crianças com TEA
dizem respeito principalmente ao reconhecimento de emoções negativas. Isso
deve ser levado em consideração na pesquisa futura, bem como na concepção
de futuros programas de intervenção, como os sugeridos no presente artigo e
baseado na neurobiologia.

13Em Psicologia, Psiquiatria, Neurologia e áreas afins, diz-se neurotípico do indivíduo que não
apresenta distúrbios significativos no funcionamento psíquico.
Para saber mais
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http://aspiewriter.com/2015/07/autism-and-face-blindness-facial-recognition-
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http://www.universoautista.com.br/autismo/modules/articles/article.php?id=90
Acesso em: 20 fev. 2018.

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