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Intoxicação e abstinência alcoólica: o início, o fim e o meio

Eric de Medeiros Costa


Médico Psiquiatra – SES/MA
Preceptor da Residência Médica em Psiquiatria – SES/MA
Professor do Hardwork Medicina
Drogas são quaisquer elementos químicos, naturais ou sintéticos que
provoquem alterações físicas e psíquicas

Consumo de drogas: aumento nos


últimos 30 anos!
50% É a parcela de internações psiquiátricas devido uso de SPAs

Estimulantes

SPAs Perturbadoras

Depressoras
O álcool é a substância psicoativa mais consumida no mundo!

Abstinência alcoólica

Álcool
Intoxicação alcoólica
Maior tendência a tentativas de suicídio, acidentes de trânsito, brigas, comportamento
sexual de risco: todas essas possibilidades devem ser investigadas na abordagem

Qual apresentação clínica mais comum?


Sonolência
Desatenção
Qual apresentação clínica mais comum?
Perda de crítica Desinibição
Impulsividade
Mas por que isto ocorre?
Excitatórios Inibitórios

GLUTAMATO GABA
Na intoxicação alcoólica aguda...
Como dirigir a anamnese na intoxicação por álcool?
O QUE? O que exatamente bebeu: tipo de bebida, gradação, se
misturou ou não, se há outras drogas
COMO? Quantidade, local, frequência e impactos que álcool já trouxe

QUANDO? Momento do uso


Paciente pode estar pouco colaborativo e o acompanhante é um
grande aliado: enfatize sua importância naquele momento!

Estigma pode levar a postura evitativa ou tangencial

Eu entendo que esse momento é difícil, mas o que você


me disser pode ajudar muito a cuidar dessa pessoa
O que pode fazer a intoxicação ser mais grave?
Intoxicação por álcool: manejo
Quadro mais comum Monitoração, dieta e hidratação VO e tiamina 300 mg IM

Hiporreflexia e
Cuidados de via aérea: observar risco de broncoaspiração
ataxia

Agitação ou Descalonamento verbal, uso de haloperidol IM 5 mg


heteroagressividade Contenção física, se necessário;
E a glicose, Eric?
1. Só há sentido se houver hipoglicemia e não houver capacidade de
alimentação via oral
2. A reposição da glicose não abrevia o tempo de intoxicação

3. Segue-se a prática de reposição de tiamina 200 a 300 mg IM


30 minutos antes de repor glicose, se necessário
3. Segue-se a prática de reposição de tiamina 200 a 300 mg IM
30 minutos antes de repor glicose, se necessário

O risco é a síndrome de Wernicke-Korsakoff: isso é verdade absoluta?¹

¹SHABELMAN & KUO, 2012


Tiamina pra todos? Divisão de literatura

Para todos os pacientes está indicado o uso de tiamina 300 mg IM como profilaxia da síndrome de
Wernicke-Korsakoff, sempre 30 minutos antes da aplicação de glicose hipertônica EV, se esta for indicada.
Diehl, Alessandra; Cordeiro, Daniel; Laranjeira, Ronaldo. Dependência Química: Prevenção, Tratamento e Políticas Públicas (Locais do Kindle 5313-5315). Artmed. Edição do Kindle.

Tiamina(sol. Injetável) 100 mg/mL


1. Fazer 3 mL IM – sem diluição
2. Fazer 3 mL + SF O,9% 100 mL EV
+ risco de anafilaxia
O que não fazer? Benzodiazepínicos
Prometazina
Carvão ativado

Nem todas as intoxicações são iguais...


USP-SP 2021 – A embriaguez patológica caracteriza-se por:

A. Ingestão compulsiva de grandes quantidades de álcool em fases bem delimitadas de tempo com alteração
da lucidez de consciência.

B. Ingestão de pequenas doses de álcool, alucinação tipo macrozoopsia concomitante e convulsões sub-
entrantes.

C. Ingestão de grandes quantidades de álcool, acompanhada de euforização do humor seguida da fase


comatosa, com relaxamento esfincteriano

D. Ingestão de pequenas doses de álcool, crespuscularização da consciência e amnésia lacunar.


Mas isso é o fim...

Abstinência alcoólica é um espectro!


Na intoxicação alcoólica aguda...
Com o uso abusivo e a dependência...
Fenômeno compensatório Às custas da ingesta de álcool

GLUTAMATO GABA
GLUTAMATO GABA
GLUTAMATO GABA
GLUTAMATO GABA
O início, o fim e o meio

Muito antes do delirium tremens


Quão mais intensa a relação de dependência, mais cedo surgirão
sintomas de abstinência e mais “longe” eles irão...

Tremores de extremidade, sudorese, taquicardia, náuseas, hipersensibilidade


à luz, angústia, irritabilidade e inquietação podem ocorrer
Você recebe um paciente com história de uso de álcool...

Ele está há cerca de um dia sem beber...

Você percebe tremores de extremidade, angústia, sudorese...

Estou sentindo você um pouco angustiado: podemos


falar sobre o que tu estás sentindo agora?
Eu me preocupo com essa “falta” que seu corpo
parece sentir do álcool: posso detalhar um pouco
isso?

Pode ser um momento útil pra mensurar quão grave está a


Síndrome de Abstinência ao Álcool

A escala CIWA-Ar pode ser muito importante neste momento!


0-9: SAA leve
10 – 18: SAA moderada
> 18: SAA grave
O que fazer em SAA leve?!

Houve ingesta de outros produtos “alcoólicos”, automedicação,


convulsão e quedas?

Há quadro orgânico ou psiquiátrico que possa “mimetizar” o


que foi observado?

Há aceitação a tratamento medicamentoso via oral?


O que fazer em SAA leve?!

Hemograma, Na, K, Ca, glicemia, ureia, creatinina, AST, ALT,


TAP, albumina, gama-GT, radiografia de tórax, ECG, EAS

Mas o que o paciente deve tomar?

A condução pode ser ambulatorial ou domiciliar


Pacientes sem hepatopatia
SAA leve a moderada
Diazepam 40 mg: 5 dias
1) Orientar sinais de gravidade
2) Repouso em ambiente com poucos
estímulos Diazepam 30 mg: 6º dia
3) Dieta branda
4) Hidratação via oral Diazepam 20 mg: 7º dia
5) Tiamina 300 mg IM por sete dias
6) Tiamina 300 mg VO após isto
7) Diazepam 20 a 40 mg VO Diazepam 10 mg: 8 e 9º dias

Reavaliar no 10º dia!



Pacientes com hepatopatia
SAA leve a moderada
Lorazepam 8 mg: 5 dias
1) Orientar sinais de gravidade
2) Repouso em ambiente com poucos
estímulos Lorazepam 6 mg: 6º dia
3) Dieta branda
4) Hidratação via oral Lorazepam 4 mg: 7º dia
5) Tiamina 300 mg IM por sete dias
6) Tiamina 300 mg VO após isto
7) Lorazepam 8 mg VO Lorazepam 2 mg: 8 e 9º dias

Reavaliar no 10º dia!



Tiamina até quando?
SAA leve a moderada
1) Orientar sinais de gravidade
2) Repouso em ambiente com poucos
estímulos
3) Dieta branda
4) Hidratação via oral
5) Tiamina 300 mg IM por sete dias
6) Tiamina 300 mg VO após isto
7) Lorazepam 8 mg VO
“Regra geral”: manter 300 mg VO, caso o
‘ paciente não queira tratar alcoolismo
E a SAA grave?
Ah, o delirium tremens, né, professor?

5% É a proporção de pacientes em abstinência alcoólica que


entrarão em delirium tremens

Não necessariamente, mas é uma situação de


condução em unidade de emergência ou hospitalar!
Tremores generalizados, sudorese profusa, cefaleia, náuseas, vômitos,
fotofobia, desorientação, ansiedade intensa, agitação, agressividade, juízo
crítico comprometido, delírios, alucinoses e/ou alucinações podem ocorrer
Baldaçara, Leonardo. Emergências Psiquiátricas (p. 154). GEN Guanabara Koogan. Edição do Kindle.

Então, o que falta pra delirium tremens?

Vamos conduzir!
Ao final do primeiro dia:
SAA GRAVE
1) Internação hospitalar Calcular a dose de Diazepam usada
2) Exames laboratoriais
3) Monitoração de sinais vitais Distribuir em 3 a 4 tomadas no dia seguinte
4) Aplicação da Ciwa de hora em
hora
5) Dieta leve assistida ou jejum Reduzir 25% da dose por dia
6) Tiamina 300 mg IM enquanto
durar internação
7) Diazepam 10 a 20 mg/h até leve Monitorar estabilidade
sedação
Liberar de alta apenas se estável e com dose
segura pra uso domiciliar (<40 mg/dia)

Hipomagnesemia pode ocorrer às
SAA GRAVE, pra casa: vésperas de SAA grave e contribuir
1) Orientar sinais de gravidade e manter- pra hipocalemia
se sem uso de álcool
2) Repouso em ambiente com poucos
estímulos Auxílio e vigilância nas refeições deve
3) Dieta branda e hidratação via oral ser fornecido: risco de aspiração é
4) Tiamina 300 mg IM por sete dias relevante
5) Tiamina 300 mg VO após isto
6) Não reduzir a dose do BZD em Preferir haloperidol, se APM: não
ambiente domiciliar
7) Encaminhar ao CAPS-AD realizar prometazina, clorpromazina ou
beta-bloqueadores

Delirium tremens: o ponto crítico do espectro
Mas o que muda na condução perante SAA grave?

É necessário ser mais agressivo no intervalo entre doses de BZD: a repetição


pode ser a cada 15 minutos

Mais ainda do que na SAA grave, é preciso ter suporte para reversão de
parada cardiorrespiratória e realização de IOT

A IOT – com propofol ou barbitúricos – deve ser considerada se houver


refratariedade a benzodiazepínicos
Até estabilização parcial, o jejum é
Delirium tremens recomendado, com monitoração da
1) Internação hospitalar glicemia
2) Exames laboratoriais
3) Monitoração de sinais vitais
4) Tiamina 300 mg/dia IM enquanto Se hipoglicemia (<70 mg/dL), glicose
durar internação hipertônica 50% 50 mL EV – após
5) Diazepam 10 mg a cada 15 tiamina
minutos até cessação dos
tremores
6) Haloperidol 5 mg IM, se APM
7) IOT, se refratariedade

O paciente está convulsionando! E agora?

Em geral, tônico-clônicas! Pela abstinência ou outras causas?


Hipoglicemia, hipomagnesemia e hipocalemia são causas possíveis
Diazepam é a escolha: outros anticonvulsivantes são “desnecessários”
Se possível, exame de neuroimagem ajuda a afastar lesões estruturais
Ao final do primeiro dia:
Delirium tremens Calcular a dose de Diazepam usada
1) Internação hospitalar
2) Exames laboratoriais
3) Monitoração de sinais vitais Distribuir em 3 a 4 tomadas no dia seguinte
4) Tiamina 300 mg/dia IM enquanto
durar internação Reduzir 25% da dose por dia
5) Diazepam 10 mg a cada 15
minutos até cessação dos
tremores Monitorar estabilidade
6) Haloperidol 5 mg IM, se APM
7) IOT, se refratariedade
Liberar de alta apenas se estável e com dose
‘ segura pra uso domiciliar (<40 mg/dia)
Delirium tremens, pra casa
1) Orientar sinais de gravidade e manter-
se sem uso de álcool Deve-se realizar intervenção breve em
2) Repouso em ambiente com poucos todo paciente SAA prestes a alta
estímulos
3) Dieta branda e hidratação via oral
4) Tiamina 300 mg IM por sete dias
5) Tiamina 300 mg VO após isto O CAPS-AD III ou IV seriam as unidades
6) Não reduzir a dose do BZD em ideais para seguimento deste paciente
ambiente domiciliar
7) Encaminhar a CAPS-AD


Tem algo novo surgindo?
Carbamazepina é utilizada em alguns centros europeus, em doses de 800 mg a
1200 mg, com estudos promissores

Na Europa, combinações de oxcarbazepina + tiaprida são utilizados: há utilidade


também para o clometiazol

Outros anticonvulsivantes como ácido valproico não possuem robustez para


indicação clínica, mas seguem sendo estudados
Obrigado!
A aula está disponível:

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