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MCM 2/16/15

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 

RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL (11550) Nº 0601788-58.2018.6.11.0000 (PJe) – CUIABÁ –


MATO GROSSO
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Carlos Avalone Junior
Advogados: Rafaela Rocha – OAB/RJ 186586 e outros 
Recorrido: Ministério Público Eleitoral

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ORDINÁRIO.


REPRESENTAÇÃO ELEITORAL.
CANDIDATO AO CARGO DE DEPUTADO
ESTADUAL. APREENSÃO DE VULTOSA
QUANTIA, EM DINHEIRO, EM VEÍCULO
UTILIZADO NA CAMPANHA ELEITORAL.
AGENDA MANUSCRITA E SANTINHOS.
ALEGAÇÃO DE NULIDADES.
DECADÊNCIA POR AUSÊNCIA DE
LITISCONSÓRCIO PASSIVO
NECESSÁRIO NO MOMENTO
OPORTUNO. ALTERAÇÃO DA CAUSA DE
PEDIR. ACOLHIMENTO. RECURSO
ORDINÁRIO PROVIDO.

1. Na origem, o MPE ajuizou representação,


embasada no art. 41-A da Lei nº
9.504/1997, por captação ilícita de sufrágio
em desfavor de Carlos Avalone Junior, eleito
deputado estadual de Mato Grosso no pleito
de 2018, e pugnou pela procedência do
pedido a fim de que fossem aplicadas as
sanções previstas no mencionado
dispositivo legal.

2. O TRE/MT, rejeitando as preliminares


arguidas, entendeu que não houve alteração
da causa de pedir e julgou procedente o
pedido formulado na representação para
reconhecer que o representado incidiu na
prática de captação ilícita de recursos,
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condenando-o à penalidade de cassação de


seu mandato de deputado estadual, com
fundamento no § 2º do art. 30-A da Lei nº
9.504/1997. Decretou, ademais, a perda dos
valores apreendidos em favor da União.

3. O recorrente, nas razões do recurso,


alega nulidade do acórdão por ausência de
formação de litisconsórcio passivo
necessário com os demais ocupantes do
veículo abordado e no qual estava a quantia
apreendida. Defende a necessidade de
formação do litisconsórcio, ao menos, com
Luiz da Guia, que afirmou que seria sua a
referida quantia em dinheiro.

4. Nos termos da jurisprudência desta Corte,


não há obrigatoriedade de formação de
litisconsórcio entre o candidato e todos
aqueles que teriam participado da captação
ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei da
Eleição) e que o objeto da representação do
art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, nos termos
do seu § 2º, consiste, tão somente, na
negativa de outorga ou na cassação do
diploma do candidato,  o que afasta a
formação de litisconsórcio passivo
necessário entre o candidato beneficiado e
terceiro envolvido nas práticas ilícitas. Cito
precedentes do TSE nesse sentido: REspe
nº 238-30/RS, rel. Min. Henrique Neves da
Silva, julgado em 3.9.2015, DJe de
22.10.2015; RO nº 47191-57/MT, rel.
designado Min. Henrique Neves da Silva,
julgado em 23.11.2010, DJe de 4.2.2011, e
RO nº 2188-47/ES, rel. Min. Tarcisio Vieira
de Carvalho Neto, julgado em 17.4.2018,
DJe de 18.5.2018.

5. Alega-se ofensa aos arts. 7º, 141 e 329, I


e II, do CPC e 23 da LC nº 64/1990, aos
princípios do contraditório e da ampla
defesa, bem como ao disposto no
Enunciado nº 62 da Súmula do TSE, tendo
em vista que houve alteração da causa de
pedir em âmbito de alegações finais.

6. No caso, o MPE, verificando não haver


elementos probatórios que denotassem a
prática da captação ilícita de sufrágio (art.
41-A da Lei nº 9.504/1997), pugnou, em
alegações finais, pela condenação pela
prática do ilícito descrito no art. 30-A da Lei
das Eleições.
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7. A Corte regional – embora tenha afirmado


que “[...] não restou comprovado o ilícito de
captação ilícita de sufrágio [...]”, sendo certo
que “[...] sequer houve a demonstração na
petição inicial de elementos de prova
mínimos para corroborar a imputação desse
ilícito” – entendeu que “[...] assiste razão ao
autor da ação quanto à comprovação da
hipótese prevista no art. 30-A da Lei n°
9.504/97, bem como quanto à possibilidade
de se aplicar as sanções correspondentes a
essa hipótese, não obstante a imputação
inicial tenha sido feita com fundamento no
art. 41-A da mesma lei [...]” (ID 149603588).

8. Embora o Enunciado nº 62 da Súmula do


TSE estabeleça que “[...] os limites do
pedido são demarcados pelos fatos
imputados na inicial, dos quais a parte se
defende, e não pela capitulação legal
atribuída pelo autor”, no caso, houve uma
verdadeira alteração do ilícito imputado ao
recorrente.

9. Na hipótese, o devido processo legal foi


lastreado na acusação da prática de
captação ilícita de sufrágio, contudo a
condenação se deu com base na prática da
conduta descrita no art. 30-A da Lei das
Eleições. Não fosse a alteração do ilícito,
não haveria condenação alguma na
presente representação, notadamente
porque tanto o autor quanto a Corte regional
se manifestaram no sentido de que não
houve comprovação da prática da captação
ilícita de sufrágio, o que revela a inegável
relevância da modificação levada a efeito
em alegações finais (após finda a fase de
instrução e em sua última manifestação
antes do julgamento da causa.

10. Modifica a causa de pedir, afrontando-se


o disposto no art. 329 do CPC, o pedido do
autor da representação, formulado em
alegações finais, para condenar o réu com
base nas acusações de captação e gastos
ilícitos de recursos na campanha eleitoral,
consistente na movimentação de recursos
fora da conta de campanha, sem a
identificação da origem, na omissão de
despesa com pessoal na prestação de
contas e na extrapolação do limite de
gastos, condutas estas passíveis de atrair a

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incidência de eventual sanção prevista no


art. 30-A da Lei nº 9.504/1997.

11. Esta Corte, por sua jurisprudência, já


assentou que “o aporte de fatos diversos
daqueles que constam da petição inicial
após a estabilização da demanda constitui
ampliação indevida da causa de pedir”.
Precedente.

12. O cenário dos autos revela uma


subversão dos princípios do contraditório e
da ampla defesa, uma vez que o recorrente,
embora tenha logrado êxito em afastar as
alegações constantes da inicial, foi
condenado pela prática de ilícito diverso.

13. Recurso ordinário provido a fim de tornar


insubsistente a condenação do recorrente.

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RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES: Senhor Presidente, na


origem, o Ministério Público Eleitoral ajuizou representação, embasada no art. 41-A da Lei nº
9.504/1997, por captação ilícita de sufrágio em desfavor de Carlos Avalone Junior, eleito suplente
de deputado estadual por Mato Grosso no pleito de 2018, e pugnou pela procedência do pedido a
fim de que fossem aplicadas as sanções previstas no mencionado dispositivo legal.
Na petição inicial, o autor narrou que Luiz da Guia Cintra de Alcântara, Rosenildo do
Espírito Santo e Dener Antonio da Silva foram abordados por uma equipe da Polícia Rodoviária
Federal na BR 070, Km 560, em 4.10.2018, às 20h30, no veículo WV Gol, placa QBV3399, que
ostentava adesivo do candidato a deputado estadual Carlos Avalone Junior. Durante a
abordagem, foram encontrados, no automóvel, uma agenda manuscrita, santinhos da campanha
eleitoral do representado e R$ 89.900,00 em espécie. Dener Antonio da Silva, motorista do
veículo, no momento da abordagem, informou que o valor havia sido recolhido no escritório do
representado e seria utilizado no pagamento de cabos eleitorais. Afirmou, ainda, que, uma vez
questionados sobre a origem do dinheiro, os ocupantes do veículo entraram em contradição e não
conseguiram explicar a origem da quantia em espécie.
Afirmou o autor, na inicial, que ficou evidenciado que o investigado entregou aqueles
eleitores, no seu escritório, vantagem econômica, “[...] conforme comprova a apreensão da
quantia como também os depoimentos colhidos em sede extrajudicial” (ID 149591138, fl. 5).
Defendeu que, diante das circunstâncias fáticas do caso,

[...] trata-se de dinheiro entregue para captar votos, que além dos mencionados e captados
Dener Antônio da Silva, Rosenildo do Espirito Santo Bregantini e Luiz da Guia de Alcântara, pela
vultuosa quantia em dinheiro, haveria um esquema maior de captação ilícita de sufrágio. (ID
149591138, fl. 5).

Desse modo, sustentou que:

A finalidade de obter votos restou demonstrada pelas circunstâncias em que os fatos foram
descortinados, especialmente: a) a ausência de uma causa jurídica válida para a entrega
realizada da quantia de R$ 89.900,00 (oitenta e nove mil e novecentos reais); b) a entrega da
quantia ter sido realizada no escritório do candidato; c) a existência de material de propaganda
eleitoral junto com a quantia; d) entrega realizada a apenas 3 (três) dias antes do pleito; e) a
necessidade dos receptores em “resolver uma situação financeira”; f) o fato do carro usado no
momento da abordagem ser da campanha eleitoral do candidato Carlos Avalone, entre outras,
que serão bem definidas no decorrer da instrução processual.

Em relação a este último fato, de que o carro usado no momento da abordagem pertencia a
campanha eleitoral de Carlos Avalone, apesar de seus ocupantes desconhecer esse fato, o que
por óbvio, pretendiam omitir da autoridade policial, o resta evidenciado com a seguinte imagem
extraída da prestação de contas do então candidato a Deputado Estadual. (ID 149591138, fls. 5-
6 – grifos acrescidos)

O representado apresentou contestação, aduzindo:


a) nulidade por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário;
b) “[...] não praticou, coordenou, ordenou ou teve ciência de qualquer ação ou
intenção de captação ilícita de sufrágio em prol de sua candidatura [...]” (ID 149591788, fl. 3);
c) “[...]não entregou o dinheiro, assim como não possui qualquer relação com os
recursos que foram apreendidos e são mencionados nesta representação [...]” (ID 149591788, fls.
3-4);
d) “[...] assim como que tais recursos não são da campanha do representado” (ID
149591788, fl. 4);

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e) e “[...] o fato de o Sr. Luiz da Guia Cintra de Alcântara prestar serviços à


campanha não vincula todos os seus atos à campanha ou ao representado” (ID 149591788, fl. 4);
f) “[...] em relação ao dinheiro apreendido, o próprio Luiz da Guia afirmou em
depoimento que os recursos são seus [...]” e “[...] o mesmo poderá esclarecer a origem e o destino
do dinheiro em audiência [...]” (ID 149591788, fls. 4-5);
g) “[...] a origem e destinação dos recursos deverão ser esclarecidos pela
testemunha em audiência de instrução [...]” e “[...] não possui qualquer relação com o dinheiro
apreendido [...]” e “[...]o mesmo não seria empregado em sua campanha, seja para qual finalidade
for” (ID 149591788, fl. 5);
h) a condenação por captação ilícita de sufrágio exige provas robustas (ID
149591788);
i) “em relação à alegação do autor, afirmando que já teria havido a cooptação dos
votos das três pessoas que estavam no veículo, não passa de ilação sem base nos fatos [...]” (ID
149591788, fl. 5);
j) “[...] quanto à alegação que os recursos seriam empregados para compra de votos,
trata-se, uma vez mais, de ilação sem qualquer base probatória” (ID 149591788, fl. 5);
k) “Não há sequer indícios que estaria sendo montado esquema para captação ilícita
de sufrágio” (ID 149591788, fl. 5);
l) não ficou configurado o ilícito, pois “[...] a apreensão dos recursos teria impedido a
prática de captação de sufrágio, não sendo cabível afirmar que o voto do de Luiz da Guia Cintra
de Alcântara teria sido cooptado, pois o mesmo era contratado da campanha, enquanto os outros
dois ocupantes do veículo afirmaram que sequer tinham ciência do dinheiro” (ID 149591788, fl.
10).
Requereu, ao final, seja extinto o processo em razão da decadência, por ausência de
litisconsorte passivo necessário, ou, caso outro seja o entendimento, seja julgado improcedente o
pedido da inicial (ID  149591788).
Após a produção das provas, na sequência, as partes foram intimadas para
apresentarem alegações finais (IDs 149602738 e 149602788).
Nas alegações finais, o MPE requereu a condenação do ora recorrente com
fundamento no art. 30-A da Lei nº 9.403/1997, defendendo as seguintes teses:
a) inexigibilidade de formação do litisconsórcio passivo necessário, uma vez que as
penas previstas na norma de regência são aplicáveis exclusivamente ao candidato, de modo que
fica evidenciada a ilegitimidade do executor não candidato;
b)  não ocorrência de preclusão para a oitiva dos Policiais Rodoviários Federais
Fernando e Etvaldo, seja porque o pedido foi formulado na fase do art. 22, VI, da Lei
Complementar nº 64/1990, seja porque, nos termos do art. 5º, §§ 2º, 3º e 4º, da mencionada lei o
julgador determinará, de ofício, diligências para melhor elucidação dos fatos;
c) a entrevista em abordagem por agente da Polícia Rodoviária Federal não se
confunde ou se equipara a um depoimento formal tomado perante a autoridade policial ou judicial
competente, de modo que não há falar em ilicitude do vídeo juntado aos autos, calcada na falta de
assistência de advogado durante a realização do ato e de informação quanto ao direito ao
silêncio;
d) Dener Antonio da Silva estava ciente de que sua declaração era objeto de
gravação, conforme testemunho prestado pelos agentes da PRF;
e) não há falar na necessidade de assistência por advogado, notadamente porque o
conteúdo da declaração de Dener Antonio da Silva não lhe traz reflexos jurídicos na seara civil ou
criminal;
f) impossibilidade de o representado pleitear, em nome próprio direito alheio, pois
Dener Antonio da Silva não reclamou sobre as alegadas violações a seus direitos constitucionais;
g) não ficou demonstrado que “[...] o entrevistado Dener tenha sofrido qualquer tipo
de coação ou arbitrariedade, não só quanto à autorização da gravação quanto ao conteúdo de
sua declaração” (ID 149602838, fl. 12);
h) quanto à captação de sufrágio, “[...] não foram produzidas provas que permitam
concluir que o dinheiro apreendido seria destinado a corromper o direito de voto de eleitores, tal
como narrado na exordial” (ID 149602838, fls. 13-14);
i) o conjunto probatório produzido conduz à conclusão de que o valor de R$
89.900,00 em espécie, apreendido na abordagem dos agentes da PRF, “seria destinado à
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quitação de despesas de campanha não declaradas, conforme confessado pelo Sr. Dener no
momento da abordagem, devidamente comprovado pelos testemunhos prestados pelos agentes
da Polícia Rodoviária Federal que participaram ativamente da abordagem e pelo vídeo inserto em
ID nº 1993022” (ID 149602838, fl. 14);
j) é aplicável, na espécie, o Enunciado Sumular nº 62 do Tribunal Superior Eleitoral,
aos argumentos de que o então representado teria se defendido do fato narrado na petição inicial
e de que teria sido comprovada a vinculação do valor de R$ 89.900,00, apreendido, com sua
campanha, de modo que foi entregue a um coordenador de campanha para fins de execução de
um engenhoso e complexo esquema de cooptação ilegal de votos ou para a quitação de
despesas de campanha não declaradas;
k) foram omitidos os recursos na sua prestação de contas e realizada movimentação
de recursos fora da conta de campanha e sem a identificação da origem, bem como extrapolado o
limite de gastos para a campanha ao cargo de deputado estadual, ao qual concorreu (ID
149602838);
l) a “gravidade da conduta ganha potencial revelo quando se observa que o
representado tomou a decisão de tramitar recursos financeiros à margem da contabilidade oficial
para não ultrapassar o limite de gastos de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) estabelecido pela
legislação de regência para o cargo de deputado estadual” (ID 149602838, fls. 25-26);
m) foi extrapolado o limite de gastos para a campanha de deputado estadual em R$
89.896,00 e omitidas despesas com pessoal;
n) foram movimentados recursos, sem o devido trânsito em conta específica e sem a
identificação de origem, “[...] dentre outros fatos que, em conjunto ou separadamente, atraem a
incidência da sanção capitulada no § 2º do artigo 30-A, da Lei das Eleições” (ID 149602838, fl.
26);
o) o valor apreendido era suficiente para contratar 94 cabos eleitorais;
p) “[...] o fato provado, contratação de cabos eleitorais, têm a efetiva potencialidade
de afetar o resultado da eleição, pois são estes, os cabos eleitorais, que arregimentam votos ao
candidato contratante” (ID 149602838, fl. 27). 
Por sua vez, o então representado, em suas considerações finais (ID 149602988),
afirmou que não foram comprovadas a sua ligação com o dinheiro nem a captação ilícita de
sufrágio ou qualquer outra prática ilegal. Defendeu não ser aplicável ao caso o Enunciado
Sumular nº 62 do TSE, pois foram narrados fatos novos, diferentes daqueles que constam da
petição inicial. Aduziu que, mesmo sob a ótica do art. 30-A da Lei das Eleições, deve ser julgado
improcedente o pedido formulado na representação, pois a alegação se baseia em mera
presunção.
Afirmou que, diversamente do alegado pelo ora recorrido, demonstrou-se que o
dinheiro encontrado no veículo alocado para a campanha eleitoral pertencia a Luiz da Guia e foi
proveniente de empréstimo pessoal junto a terceiro, Armando Bueno, tendo por finalidade a
aquisição de imóvel para o próprio mutuário. Requereu fosse julgado improcedente o pedido.
O Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, rejeitando as preliminares de nulidade
por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário e de preclusão da indicação de
novas testemunhas e da intempestividade da juntada de mídia, entendendo não ter ocorrido
alteração da causa de pedir, julgou procedente o pedido formulado na representação para
reconhecer que o representado incidiu na prática de captação ilícita de recursos, condenando-o à
penalidade de cassação de seu mandato de deputado estadual, com fundamento no § 2º do art.
30-A da Lei nº 9.504/1997. Decretou, ademais, a perda dos valores apreendidos em favor da
União.
O acórdão ficou assim ementado (ID 149603538):

REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. APREENSÃO ÀS


VÉSPERAS DA ELEIÇÃO DE VULTOSA QUANTIA EM DINHEIRO EM VEÍCULO QUE SE
DIRIGIA A [sic] CIDADE DO INTERIOR DO ESTADO. AGENDA E SANTINHOS.
PRELIMINARES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. PRECLUSÃO DE INDICAÇÃO E
OITIVA DE NOVAS TESTEMUNHAS. INTEMPESTIVIDADE DA JUNTADA DE PROVA AOS
AUTOS. ILICITUDE DE VÍDEO. REJEIÇÃO. MÉRITO. IMPUTAÇÃO INICIAL DE CAPTAÇÃO
ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ALEGAÇÃO DO AUTOR EM ALEGAÇÕES FINAIS DA OCORRÊNCIA
DA ILICITUDE PREVISTA NO ARTIGO 30-A DA LEI Nº 9.504/1997. POSSIBILIDADE. SÚMULA
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62 DO TSE. RECURSOS DESTINADOS À CAMPANHA ELEITORAL E NÃO DECLARADOS NA


PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CANDIDATO. VALORES QUE SOMADOS AOS GASTOS
OFICIAIS EXTRAPOLAM O LIMITE PERMITIDO AO CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL.
ARTIGO 18-B DA LEI DAS ELEIÇÕES. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ARTIGO 19 DA LEI
COMPLEMENTAR Nº 64/1990. PROCEDÊNCIA. CASSAÇÃO DO MANDATO. § 2º DO ARTIGO
30-A.

1. Segundo firme jurisprudência, o legitimado para figurar no polo passivo das representações
por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A) e captação e gasto ilícito de recursos (art. 30-A) é
somente o candidato, não ostentando tal posição o terceiro envolvido nas práticas ilícitas.

2. Circunstâncias surgidas no curso da instrução, inexistentes ao tempo da petição inicial, que


motivam o pedido de oitiva de novas testemunhas, por parte do autor (Ministério Público
Eleitoral). Ausência de preclusão que se escora ainda na possibilidade de arrolamento das
mesmas como testemunhas do Juízo. Aplicação da norma do inciso VII do art. 22 da LC nº
64/90.

3. Juntada de nova prova aos autos, logo após audiência de oitiva de testemunha, que se
justifica por circunstâncias ocorridas ao longo do processo, desconhecidas pelo autor ao tempo
da propositura da ação, mas antes do término da fase de instrução do feito. Ausência de
preclusão. Busca da verdade real. Aplicação das normas dos incisos VI e VIII do art. 22 da LC nº
64/90.

4. Licitude de gravação ambiental (vídeo) feita no momento do flagrante, com o conhecimento e


aquiescência do cidadão gravado, o qual é apenas testemunha – e não acusado – nos autos.
Perguntas feitas pelo Policial Rodoviário Federal. Repercussão geral oriunda do STF.
Jurisprudência do TSE. Licitude mesmo nos casos em que não há conhecimento do outro
interlocutor.

5. Quantia de R$ 89.900,00 encontrada na posse de coordenador da campanha de candidato a


Deputado Estadual, em automóvel utilizado na campanha, após visita do mesmo [sic] ao comitê
eleitoral, faltando apenas 03 (três) dias para o pleito. Não declaração da quantia na prestação de
contas do candidato. “Caixa dois” flagrado. Recurso de origem não identificada. Arrecadação
ilícita. Valor que somado ao quanto declarado oficialmente faz com que o limite legal seja
ultrapassado em mais oitenta e nove mil reais.

6. Cassação do mandato do Representado (art. 30-A, § 2º da Lei nº 9.504/97).

O representado opôs embargos de declaração, os quais foram acolhidos,


parcialmente, para reconhecer que não existiu a alegada contradição no depoimento da
testemunha Luiz da Guia (IDs 149603838 e 149604388).
Seguiu-se a oposição de novos embargos pelo então representado, os quais foram
rejeitados (IDs 149604938 e 149605538).
Carlos Avalone Junior interpôs, então, o presente recurso ordinário (ID 149605938),
com base no art. 121, § 4º, IV, da Constituição Federal, c/c o art. 276, II, do Código Eleitoral.
Defende o recorrente que o acórdão recorrido afrontou o art. 114 do Código de
Processo Civil e o art. 41-A, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, porquanto desconsiderou a existência de
litisconsórcio passivo necessário entre o recorrente e os demais ocupantes do veículo abordado,
no qual estava a quantia apreendida. Defende, ainda, a necessidade de formação do
litisconsórcio, ao menos, com Luiz da Guia, que afirmou que seria sua a referida quantia em
dinheiro. Por essa razão, afirma que é inafastável a conclusão de que se operou a decadência,
pois não houve a formação do litisconsórcio no polo passivo no momento oportuno  (ID
149605938).
Sustenta que houve afronta ao arts. 22 da LC nº 64/1990 e  434 e 435 do CPC, visto
que o acórdão recorrido, ao condená-lo, levou em consideração os depoimentos dos policiais que
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fizeram a abordagem do veículo e a juntada de prova, os quais foram requeridos pelo recorrido de
forma extemporânea, quando já operada a preclusão do  seu direito;
O recorrente alega, ainda, ofensa aos arts. 369 do CPC e 5º, LVI, da CF, tendo em
vista que foi admitida prova manifestamente ilícita, consistente em gravação de vídeo de suposto
depoimento de um dos ocupantes do veículo abordado, feita pelo policial responsável pela
operação.
Assevera que, além de ser autoridade incompetente para realizar o ato, o agente
público da PRF ignorou os direitos e garantias do interlocutor, nos termos do art. 5º, LXIII, da CF,
e 7º, XXI, da Lei nº 8.906/1994, pois foi apresentado apenas trecho selecionado/editado do vídeo
(o trecho que lhe interessava). No ponto, afirma que (ID 149605938, fl. 21):

[...] o que se controverte, em suma, não é apenas o ato de gravação em si -- que não se diz, em
nenhum momento, ter sido clandestina, até porque o interlocutor olha diretamente para a câmara
--, e sim o fato de que se fez constar dessa gravação depoimento (editado/selecionado) de
informante/testemunha sem a adoção prévia das cautelas de estilo.

Alega ofensa aos arts. 7º, 141 e 329, I e II, do CPC e 23 da LC nº 64/1990, aos
princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como ao disposto no Enunciado nº 62 da
Súmula do TSE, tendo em vista que houve alteração da causa de pedir em âmbito de alegações
finais.
Quanto ao mérito, ressalta que o Tribunal a quo o condenou:

[...] sem a existência de qualquer prova lícita que tivesse relacionado a quantia apreendida à
campanha do Recorrente, mas baseando-se apenas em exercício de presunção e sem
demonstrar o preenchimento de todos os requisitos necessários à imposição da sanção de perda
do mandato, na forma do art. 30-A, § 2º da Lei das Eleições. (ID 149605938, fl. 67)

Pugna, nesses termos, pelo conhecimento e pelo provimento do recurso ordinário, a


fim de que sejam declaradas as nulidades apontadas ou, subsidiariamente, que seja julgada
improcedente a representação eleitoral, tendo em vista que não ficou comprovada a prática das
condutas previstas nos arts. 30-A e 18-B da Lei das Eleições e 19 da LC nº 64/1990.
Foram apresentadas contrarrazões (ID 149606088).
A Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou pelo desprovimento do recurso
ordinário (ID 157223982).
É o relatório.

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Voto
O SENHOR MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (relator): Senhor
Presidente, de início, verifico a tempestividade do recurso ordinário. O acórdão recorrido foi
publicado em 27.7.2021, terça-feira (ID 149605988), e o recurso foi interposto em 29.7.2021,
quinta-feira (ID 149605938), por meio de petição subscrita por advogado constituído nos autos
digitais (IDs 149591838 e 149592988).
Dito isso, passo a analisar, individualmente, as teses recursais, de modo a permitir
melhor compreensão da controvérsia.
Consoante relatado, o recorrente defende a extinção do feito por decadência da
ação, haja vista a ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário no momento
oportuno.
Entretanto, a alegação não merece prosperar. Isso porque esta Corte Superior já
decidiu que não há obrigatoriedade de formação de litisconsórcio entre o candidato e todos
aqueles que teriam participado da captação ilícita de sufrágio e que, sendo o objeto da
representação do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, nos termos do seu § 2º, consistente, tão
somente, na negativa de outorga ou na cassação do diploma do candidato,  é inexigível a
formação de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e terceiro envolvido
nas práticas ilícitas. Cito precedentes do TSE nesse sentido: REspe nº 238-30/RS, rel. Min.
Henrique Neves da Silva, julgado em 3.9.2015, DJe de 22.10.2015; RO nº 47191-57/MT, rel.
designado Min. Henrique Neves da Silva, julgado em  23.11.2010, DJe de 4.2.2011, e RO nº 2188-
47/ES, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 17.4.2018, DJe de 18.5.2018.
Assim, no ponto, não merece reparos o acórdão recorrido.
Em suas razões, o recorrente alega, ainda, que houve ofensa aos arts. 7º, 141 e
329, I e II, do CPC e 23 da LC nº 64/1990, aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem
como ao disposto no Enunciado nº 62 da Súmula do TSE, tendo em vista que houve alteração da
causa de pedir em âmbito de alegações finais.
No caso, na petição inicial, o MPE, limitou-se a requerer a condenação do ora
recorrente, imputando-lhe a conduta do art. 41-A da Lei das Eleições, porque:
a) haveria entregue, no seu escritório, a Luiz da Guia Cintra de Alcântara, Rosenildo
do Espírito Santo e Dener Antonio da Silva vantagem econômica, “[...] conforme comprova a
apreensão da quantia como também os depoimentos colhidos em sede extrajudicial” (ID
149591138, fl. 5);
b) “[...] trata-se de dinheiro entregue para captar votos, que além dos mencionados e
captados Dener Antônio da Silva, Rosenildo do Espirito Santo Bregantini e Luiz da Guia de
Alcântara, pela vultuosa quantia em dinheiro, haveria um esquema maior de captação ilícita de
sufrágio” (ID 149591138, fl. 5);
c) a finalidade de obter votos ficou demonstrada pelas circunstâncias em que os
fatos foram descortinados, especialmente: (c.1) a ausência de uma causa jurídica válida para a
entrega realizada da quantia de R$ 89.900,00; (c.2) a entrega da quantia ter sido realizada no
escritório do candidato; (c.3) a existência de material de propaganda eleitoral junto com a quantia;
(c.4) entrega realizada a apenas 3 dias antes do pleito; (c.5) a necessidade dos receptores em
“resolver uma situação financeira”; (c.6) o fato do carro usado no momento da abordagem ser da
campanha eleitoral do candidato Carlos Avalone.
Por sua vez, nas alegações finais, após concluir que as provas produzidas nos autos
digitais não seriam suficientes para comprovar a compra de votos, o MPE formulou requerimento
para que o recorrente fosse condenado na pena do art. 30-A, alegando que: 
a) o valor de R$ 89.900,00 em espécie, apreendido na abordagem dos agentes da
PRF, seria destinado à quitação de despesas de campanha não declaradas” (ID ID 149602838);
b) foram omitidos os recursos na sua prestação de contas e realizada movimentação
de recursos fora da conta de campanha e sem a identificação da origem, bem como extrapolado o
limite de gastos para a campanha ao cargo de deputado estadual, ao qual concorreu (ID
149602838);
c) a “gravidade da conduta ganha potencial relevo quando se observa que o
representado tomou a decisão de tramitar recursos financeiros à margem da contabilidade oficial

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para não ultrapassar o limite de gastos de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) estabelecido pela
legislação de regência para o cargo de deputado estadual” (ID 149602838, fls. 25-26);
d) foi extrapolado o limite de gastos para a campanha de deputado estadual em R$
89.896,00 e omitidas despesas com pessoal;
e) foram movimentados recursos, sem o devido trânsito em conta específica e sem a
identificação de origem, “dentre outros fatos que, em conjunto ou separadamente, atraem a
incidência da sanção capitulada no § 2º do artigo 30-A, da Lei das Eleições” (ID 149602838, fl.
26);
f) o valor apreendido era suficiente para contratar 94 cabos eleitorais; “o fato
provado, contratação de cabos eleitorais, têm a efetiva potencialidade de afetar o resultado da
eleição, pois são estes, os cabos eleitorais, que arregimentam votos ao candidato contratante”
(149602838, fl. 27).
De início, insta ressaltar que a alteração do fundamento que sustentou o pedido de
condenação do órgão acusador – em alegações finais – decorreu do conteúdo de vídeo gravado e
pelo depoimento do policial rodoviário federal em abordagem de rotina, o qual somente veio à
tona no curso da instrução processual, mais precisamente durante a oitiva dos dois policiais
rodoviários federais que participaram da abordagem no dia dos fatos.
No ponto, rememoro que a oitiva dos policiais rodoviários federais somente foi
solicitada pelo MPE após a testemunha Luiz da Guia ter colocado sob suspeição a atuação dos
agentes públicos durante a abordagem em que realizada a gravação ambiental – cujo conteúdo,
como dito, fundamentou o pedido do MPE de condenação no art. 30-A da Lei das Eleições, em
substituição ao pedido versado na inicial (fundamentada no art. 41-A da referida lei eleitoral).
Embora o ora recorrente tenha suscitado a preclusão para indicar novas
testemunhas pelo autor da representação e a intempestividade da juntada de vídeo, o acórdão
regional rejeitou tais alegações. Por pertinente, confira-se o seguinte excerto do acórdão recorrido
(ID 149603588):

1.3 Da alegação de intempestividade da juntada do vídeo anexado no ID 1993022

[...]

A existência do vídeo não havia sido mencionada na petição inicial ou, tampouco – ao contrário
do que afirmou o Ministério Público Eleitoral ao requerer a sua juntada e repetiu o representado
–, no boletim de ocorrência feito pela Polícia Rodoviária Federal ou no registro de ocorrências
feito pela Polícia Federal. Como afirmado pela decisão agravada, a oportunidade para a juntada
do vídeo apresentou-se apenas no momento da oitiva da testemunha Etvaldo, que em seu
depoimento trouxe à tona a existência do vídeo. Não há que se falar, assim, em intempestividade
no pedido de juntada do vídeo. Aqui são aplicáveis as mesmas razões que inspiram os incisos VI
e VII do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990, os quais, como já se mostrou no exame da
preliminar anterior, possibilitam a complementação das provas dos autos no caso de surgimento
de circunstâncias ocorridas no curso da instrução, o que é justamente o que ocorreu na situação
aqui examinada.

Diante disso, também REJEITO a preliminar.

Acerca do conteúdo do citado vídeo, assim elucidou o acórdão regional (ID


149603588):

O vídeo em questão se trata de uma curta gravação da voz e imagem de Dener Antônio da Silva
feita pelo policial rodoviário federal Fernando Koehler quando da abordagem policial. No vídeo,
Dener afirma que o valor de R$ 89.900,00 encontrado no veículo teria sido pego com o “pessoal”
do deputado Carlos Avalone e seria para “pagar cabo eleitoral” em Cáceres.

 Diante do conteúdo da multicitada gravação – repiso – é que o MPE, em alegações


finais, verificando não haver elementos probatórios que denotassem a prática da captação ilícita

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de sufrágio, pugnou pela condenação pela prática do ilícito descrito no art. 30-A da Lei nº
9.504/1997. Por pertinente, veja-se o seguinte trecho do acórdão regional:

Como já adiantado alhures, o Ministério Público Eleitoral inicialmente imputou ao representado a


prática do ilícito de captação ilícita de sufrágio, previsto no art. 41-A da Lei n° 9.504/97. Contudo,
em alegações finais o parquet eleitoral sustentou que não existe base empírica suficiente a
amparar a pretensão deduzida relativamente a imputada de captação ilícita de sufrágio. Deveras,
não foram produzidas provas que permitam concluir que o dinheiro apreendido seria destinado a
corromper o direito de voto de eleitores, tal como narrado na exordial. Não obstante, segundo o
autor, fora comprovado que o numerário apreendido seria destinado a quitação de despesas de
campanha não declaradas.

[...]

De fato, não restou comprovado o ilícito de captação ilícita de sufrágio. Aliás, como se mostrará
adiante, sequer houve a demonstração na petição inicial de elementos de prova mínimos para
corroborar a imputação desse ilícito. Contudo, entendo que assiste razão ao autor da ação
quanto à comprovação da hipótese prevista no art. 30-A da Lei n° 9.504/97, bem como quanto à
possibilidade de se aplicar as sanções correspondentes a essa hipótese, não obstante a
imputação inicial tenha sido feita com fundamento no art. 41-A da mesma lei, conforme
fundamentação que segue, dividida em duas partes: a primeira, tratando da comprovação da
ocorrência do ilícito do art. 30-A da Lei n° 9.504/97; e a segunda tratando da possibilidade de o
representado ser punido por esse fato. (ID 149603588 – grifos acrescidos)

  Faço esse registro porque, a meu sentir, o pedido do autor da representação,


formulado em alegações finais – para condenar o réu com base nas acusações de captação e
gastos ilícitos de recursos na campanha eleitoral, consistente na movimentação de recursos fora
da conta de campanha, sem a identificação da origem, na omissão de despesa com pessoal na
prestação de contas e na extrapolação do limite de gastos, condutas estas passíveis de atrair a
incidência de eventual sanção prevista no art. 30-A – modifica a causa de pedir, o que afronta o
disposto no art. 329 do CPC.
Conforme o art. 319, III, do CPC, o sistema processual brasileiro adotou a regra da
substanciação da causa petendi, segundo a qual o autor deve indicar os fatos e os fundamentos
jurídicos do pedido. Nesse norte, não é demais lembrar que é pressuposto do princípio da
substanciação o princípio da eventualidade.
A doutrina pátria ressalta

[...] Segundo a regra da eventualidade, todos os meios de ataque e de defesa devem ser
apresentados de uma só vez, com a inicial ou com a contestação. Da mesma forma que a inicial
deve conter toda a matéria relativa ao pedido, assim, também na contestação deve estar toda a
matéria de defesa.

De todo modo, qualquer que seja a corrente adotada, podemos perceber que o tema da causa
de pedir revela um nexo muito próximo entre o direito material e o processo.

(TUCCI, José Rogério Cruz e Bedaque, Roberto dos Santos. Causa de Pedir e Pedido no
Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 96-97)

Esta Corte, por sua jurisprudência, já assentou que “o aporte de fatos diversos
daqueles que constam da petição inicial após a estabilização da demanda constitui ampliação
indevida da causa de pedir”. Confira-se: 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO.


GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR. AIJE. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. TÉRMINO
DO MANDATO. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE COMO PROVIMENTO AUTÔNOMO.

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PERMANÊNCIA DO INTERESSE RECURSAL. AGRAVO PROVIDO PARA DESTRANCAR


AGRAVO ANTERIOR. SUBFATURAMENTO DE SERVIÇOS GRÁFICOS. "CAIXA DOIS".
INDEVIDA AMPLIAÇÃO OBJETIVA DA LIDE. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS DE
CAMPANHA. IMPROPRIEDADE CONTÁBIL. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. AGRAVO
ORIGINÁRIO DESPROVIDO.

[...]

12. A juntada de novos documentos e o aporte de fatos diversos daqueles que constam da
petição inicial após a estabilização da demanda constitui ampliação indevida da causa de pedir.
Precedentes.

13. Como consequência, considera-se impossível, no caso vertente, a análise de fatos


relacionados com o subfaturamento de contratos de serviços gráficos, com a existência de
contabilidade paralela e com a emissão de recibos tardios.

14. Na espécie, verifica-se que o limiar de dispêndios foi transposto, eminentemente, em função
do fato de que a normativa de regência trata a transferência de recursos de candidatos a comitês
financeiros como gastos efetivos, ainda que o volume monetário não seja amplificado por força
dessa operação.

15. Disso se apura, no limite, a ocorrência de uma impropriedade contábil sem repercussão
eleitoral; a dimensão de seus reflexos no contexto da igualdade de oportunidades é praticamente
nula e, portanto, não ameaça a legitimidade do pleito em questão.

16. Eventual desaprovação das contas de campanha não induz, por si só, a existência de abuso
punível, tendo em consideração que as decisões condenatórias em sede de AIJE exigem, nos
termos do art. 22, caput, da LC nº 64/90, a presença de circunstâncias extraordinariamente
graves à luz dos bens jurídicos tutelados.

Agravo originário desprovido.

(AgR-AgR-RO nº 5376-10/MG, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 4.2.2020,  DJe de 13.3.2020 –
grifos acrescidos)

Por ocasião desse julgamento, entendeu a Corte que, na linha do voto proferido pelo
eminente Ministro Edson Fachin, não se permite, depois do ajuizamento da demanda, a alteração
de fatos caracterizadores de ilícitos por mera conveniência probatória.
Como visto, a substituição da acusação da prática de captação ilícita de sufrágio
pela captação e gastos ilícitos de recursos na campanha eleitoral se deu em alegações finais.
Conforme o inciso X do art. 22 da LC nº 64/1990, “encerrado o prazo da dilação
probatória, as partes, inclusive o Ministério Público, poderão apresentar alegações no prazo
comum de 2 (dois) dias”.
Ou seja, a controvertida alteração objetivo da lide somente foi levada a efeito pelo
autor da representação após finda a fase de instrução e em sua última manifestação antes do
julgamento da causa.
Embora o Enunciado nº 62 da Súmula do TSE estabeleça que “[...] os limites do
pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela
capitulação legal atribuída pelo autor”, no caso, houve uma verdadeira alteração do ilícito
imputado ao recorrente.
A fase de instrução foi inteiramente lastreada na acusação da prática de captação
ilícita de sufrágio, porém, em decorrência da não comprovação do ilícito, o autor requereu a
condenação pela prática da conduta descrita no art. 30-A da Lei das Eleições.
Conforme entende esta Corte Superior,

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sob uma ótica garantidora do contraditório e da ampla defesa, a última manifestação prévia à
solução do mérito deve ser efetivada sem que existam questões de forma ou de fundo
pendentes.

[...]

(RO-EL nº 0601423-80/AC, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 22.9.2020, DJe de 4.12.2020)

O cenário exposto revela, a meu sentir, uma subversão do devido processo legal,
uma vez que o recorrente logrou êxito em afastar as alegações constantes da inicial, tendo
lastreado o seu contraditório e a sua ampla defesa no afastamento do ilícito previsto no art. 41-A
da Lei das Eleições. Contudo, foi condenado como incurso no art. 30-A da referida lei eleitoral.
Penso que a linha argumentativa do autor em alegações finais implicou a alteração
objetiva da lide, sendo inegável a relevância da modificação, tendo em vista a condenação sofrida
pelo recorrente, fundamentada em ilícito eleitoral diverso daquele que inicialmente lhe foi
imputado.
Não fosse a alteração do ilícito, não haveria condenação alguma na presente
representação, notadamente porque tanto o autor quanto a Corte regional se manifestaram no
sentido de que não houve comprovação da prática da captação ilícita de sufrágio.
Nesse contexto, tendo a condenação decorrido de imputação que não foi sequer
mencionada na exordial, fica patente a violação ao princípio da adstrição. Nesse sentido, confira-
se o seguinte precedente desta Corte Superior:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E


VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PRELIMINARES. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL.
ILEGITIMIDADE PASSIVA. IMPRESTABILIDADE DA PROVA. REJEIÇÃO. DEPOIMENTO
PESSOAL. MEIO DE PROVA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CONSENTIMENTO DA PARTE.
POSSIBILIDADE. LIMITES. DEMANDA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. PRINCÍPIO.
ADSTRIÇÃO. ALEGAÇÃO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS.
CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE.
DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. ENGAJAMENTO. EMPRESÁRIO. CAMPANHA DE CANDIDATO.
PRESERVAÇÃO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA DISPUTA. COAÇÃO. EMPREGADOS.
INICIATIVA PRIVADA. CONFIGURAÇÃO. ATO ABUSIVO. EXIGÊNCIA. PROVA SEGURA.
MANIFESTO CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

[...]

5. O princípio jurídico processual da congruência, adstrição ou correlação estabelece que o


pronunciamento judicial fica adstrito ao pedido e à causa de pedir postos na inicial da ação, pela
iniciativa do autor, não competindo ao julgador modificar, suprir ou complementar o pedido da
parte.

6. A ampliação dos poderes instrutórios do juiz pelo art. 23 da LC nº 64/90 e pelo CPC/2015 deve
ocorrer nos limites predefinidos como pedido e causa de pedir pelo autor da ação, porquanto
cabe às partes descrever os elementos essenciais à instrução do feito, e não ao magistrado, que
não é autor da ação.

7. "Uma das garantias processuais mais relevantes, integrante do justo processo jurídico, é
aquela que diz respeito à ciência, pela pessoa acionada, de todos os fatos e argumentos
alegados contra si pela parte promovente. Por isso se diz que a petição inicial define os polos da
demanda e delimita o seu objeto, em face do qual se desenvolve a resposta à lide e se instala a
atividade probatória. A instrução visa ao convencimento do Julgador, quanto à materialidade e à
autoria dos atos postos na imputação (inicial da ação sancionadora), sendo a sua produção o
núcleo ou o centro da solução da questão. Não se pode aceitar (nem se deve aceitar) decisão

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judicial condenatória sem prova concludente dos fatos imputados e da sua autoria". (AIJE nº
1943–58, Redator para o acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 12/9/2018)

 [...]

(AIJE nº 0601575-58/DF, rel. Min. Jorge Mussi, julgada em 11.12.2018, DJe de 28.3.2019)

Em conclusão, contrariamente à ótica assentada pela Corte regional no acórdão


recorrido, conforme defende o recorrente, houve modificação da causa de pedir, pois houve
aporte de fatos diversos daqueles que foram narrados na inicial pelo autor da representação
eleitoral após a estabilização da demanda, constituindo, assim, indevida ampliação da causa de
pedir.
Assim, a tese de ofensa à lei ficou demonstrada.
Julgo prejudicada a análise das demais alegações.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário a fim de tornar insubsistente a
pena aplicada.
É como voto.

6/6

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