Você está na página 1de 13

Divulgação

Locarno 2015
O cinema para além de Hollywood Págs. 10 e 11

Circulação Nacional Uma visão popular do Brasil e do mundo R$ 3,00

Ano 13 • Número 651 São Paulo, de 20 a 26 de agosto de 2015 www.brasildefato.com.br

Crise já afeta empregos


O desemprego volta a assustar a população depois de dez anos de melhorias
no mercado de trabalho. O caso do setor automobilístico espelha o momento
preocupante. Segundo a Anfavea, a associação das montadoras, em 12 meses, até
junho, foram eliminados 14.500 postos de trabalho. Várias empresas, não apenas no
ABC, recorreram a medidas como férias coletivas, layoff e programas de demissão
voluntária. O desafio é retomar o investimento para crescer. Pág. 8
Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas

ISSN 1978-5134
ISSN 1978-5134

Protestos e mobilização Quando migrar é a


agitam o Equador Pág. 13 única escolha Pág. 16
Ademar Bogo Altamiro Borges Marcelo Barros

A arma da criatividade Ingratos! O mais profundo de si


Florestan deixou de ser um homem Bastou a famiglia Marinho questionar a Jesus se deixou ver como impregnado
físico para tornar-se uma consciência “marcha dos insensatos” para a sempre de Deus quando já estava indo a
aconselhadora. Somente pode ter acesso paparicada Cristiana Lôbo virar alvo da Jerusalém, como profeta pobre e
aos seus conselhos quem o lê e o interpreta fúria dos fanáticos que ocuparam a Avenida perseguido, enfrentar o poder político
encarnando as ideias deste tempo. Pág. 2 Paulista no domingo 16 de agosto. Pág. 3 e religioso da época. Pág. 3
2 de 20 a 26 de agosto de 2015

editorial

Pensar o presente e agir organizadamente


O NOTICIÁRIO dos oligopólios mi-
diáticos na segunda-feira, 17 de
Bem, é verdade que até os monar-
quistas distribuíram cartilhas em vá-
É indispensável tar o próximo pleito, ainda se lembre
do caso que, por sinal, a deixou em
Esses que aí estão servem, sim,
apenas para desestabilizar o país,
agosto, que se seguiu às manifesta-
ções da direita contra o governo da
rias manifestações, prenunciando o
fim da República e o iminente retor-
pensarmos o maus lençóis... Sua sorte é que ela ti-
nha trauma de avião (lembram?).
deixar nossa economia de pernas
para o ar, destruir partidos, seme-
presidenta Dilma Rousseff, o Par-
tido dos Trabalhadores (PT) e o ex-
no da Monarquia. E, se até o prínci-
pe dom Bertrand de Orleans e Bra-
presente e as tarefas Ora, como já escrevemos diversas
vezes, não mais interessam aos Esta-
ar o ódio contra a esquerda, os tra-
balhadores e o povo, e outros servi-
-presidente Luiz Inácio Lula da Sil- gança desfilou garboso pela Avenida que nos esperam. dos Unidos golpes levados a cabo por ços igualmente sujos. Ou seja, para
va, tangenciam o fantástico, o ab- Paulista... é sinal que não há limites. militares, ou truculências explícitas. esses cabem as tarefas necessárias à
surdo, o non sense. Tudo isto seria cômico, não fosse a E este processo Honduras e Paraguai foram bons la- primeira etapa do “serviço”: dividir
Assistir ao candidato derrotado gravidade da crise que seus promo- boratórios, com excelentes resulta- o país e desorganizar seu povo. Para
na última eleição presidencial – se- tores conseguem criar e aprofundar, de mobilização dos – do mesmo modo que a Prima- o exercício do novo poder, porém, o
nador Aécio Neves, O Aspirante, certamente com o auxílio (e sob a ba- vera Árabe. E mais: as eleições em perfil necessita ser outro.
discursando contra “a corrupção” é tuta) dos serviços de inteligência de – não devemos nosso país já estão aí. Faltam apenas De todo modo, é indispensável
pura pândega. Para se superar, só Washington e outras potências. três anos – suficientes para descons- pensarmos o presente e as tarefas
mesmo se ele começar a deitar fala- Sim, é disto que se trata, como já esquecer – tem truir o PT e desacreditar a nossa es- que nos esperam. De imediato, tive-
ção contra o tráfico e uso de drogas. escrevemos em nosso editorial da se- querda (um golpe contra toda a Amé- mos a manifestação do dia 20, or-
Ficamos à espera – enfim, não cus- mana passada, edição número 650. de se transformar rica Latina). Isto, obviamente, se não ganizado pelos movimentos popula-
ta ter paciência... É a nossa vez de viver a nossa “Pri- soubermos traçar uma estratégia, um res, sindicais e estudantis. Com cer-
O Príncipe dos Sociólogos, mui- mavera Árabe” – não tenhamos dúvi- também num programa para reagir. teza, outras batalhas virão. É funda-
tas vezes Doutor Honoris Causa, da. E certamente eles não têm pressa E mais, os tucanos e seus pares que mental participarmos de todas es-
e ex-presidente, Fernando Henri- nem urgência – por enquanto, ain- processo de tirem o cavalo da chuva. Seus perso- sas lutas. Quanto mais gente colocar-
que Cardoso, porém, tem o dom de da estão passando o velho e bom Co- nagens que hoje se sobressaem no mos nas ruas, melhor. E, se da pri-
se superar cada vez que se manifes- la Tudo Duco (na falta deste, esmalte organização cenário político – fanfarrões, troglo- meira vez, o número de participantes
ta. Desta vez, enchendo a boca pa- transparente para unhas) nas pontas ditas, acadêmicos de panache, etc. – estiver aquém das nossas expectati-
ra tentar dar aula de “dignidade” à dos dedos, para evitarem deixar suas não fazem o estilo exigido pela Ca- vas (ou desejos), não há porque es-
presidenta Dilma, tornou-se a pró- impressões digitais. Para fazer as coi- ano, em 13 de agosto de 2014. O aci- sa Banca. Podemos estar enganados, morecer.
pria encarnação de um palhaço de sas bem-feitas, como no caso do Ces- dente até hoje não está explicado – e mas não acreditamos que os EUA in- E este processo de mobilização –
antigos circos mambembes – da- sna em que viajava o ex-governador quase ninguém lembra que ele acon- vestiria num golpe num país com a não devemos esquecer – tem de se
queles que expeliam nuvens de tal- de Pernambuco e candidato à Pre- teceu. Talvez apenas a dona Marina importância do Brasil, para se fazer transformar também num processo
co pelo fundo das calças. sidência, Eduardo Campos – há um Silva, que já se prepara para dispu- representar por certas figuras. de organização.

opinião Ademar Bogo crônica Luiz Ricardo Leitão


Bob May/CC

As farsas da
modernização sem ruptura
NA TEMPORADA 2014-2015, a Sociedade Ltda. Brasil reedita, em ver-
são pasteurizada, mas com ingredientes para lá de inusitados, a velha farsa
burlesca que a Cia. de Ioiô & Iaiá encena desde o século 19. Ela é uma fiel
expressão do processo de modernização sem ruptura que rege nossa evo-
lução socioespacial, inspirada na clássica via prussiana de desenvolvimen-
to. Como já escrevi neste brioso jornal, quem melhor descreveu seu rotei-
ro foi o escritor Lima Barreto, criador de Os Bruzundangas, cuja verve satí-
rica desvela, com rara clarividência, o modus operandi das elites nos tem-
pos da Belle Époque.
O retrato do prosador é irretocável: a nação era dominada por uma oli-
garquia política cuja base era a cultura do café. Os latifundiários viviam nas
cidades, “levando vida de nababos e com fumaças de aristocrata”. Quando
o café não bancava suas “imponências”, faziam enorme estardalhaço, apre-
goando a “ruína” do país, arranjando “meios e modos do governo decretar
um empréstimo de milhões para valorizar o produto”... É claro que o tem-
po, o cenário e os personagens são outros, mas vale a pena refletir sobre a
encenação atual, que diz muito sobre as misérias e contradições do teatro
social desta Bruzundanga.
Na montagem em cartaz, reedita-se um traço recorrente da nossa mo-
dernização sem ruptura: a exclusão, em maior ou menor grau, da interfe-
rência do povo nos rumos da vida pública nacional. De fato, após a comba-
tiva resistência à ditadura nos anos de 1970, que resultou em movimentos

A arma da criatividade
memoráveis como a luta pela Anistia em 1979 e a campanha pelas “Dire-
tas Já!” em 1984, diversos fatores têm concorrido para a difusa atuação das
classes populares na arena política, ocupada cada vez mais por frações da
classe média que simbolizam grotescamente a nossa esquizofrenia social.

OS VINTE ANOS sem ouvirmos Se as esquerdas co e não a força, pregam a fanta-


a voz de Florestan Fernandes não sia do retorno às ruas com armas O legado da resistência popular à
faz dele um militante ausente. Ali- trocaram as em punho, que, por si só, são tão
ás, é isso que ocorre com todas as obsoletas quanto as barricadas do ditadura ainda é capaz de travar
consciências que levam as ideias mobilizações final do século 19.
a sério e fazem do movimento do E o que estava ficando obsoleto os impulsos fascistoides desta
pensar um processo de criação de pelos palácios, a no início da década de 1990 para
alternativas emancipadoras. Florestan? A esfera da burocracia conservadora Bruzundanga, cujo
Florestan, há vinte anos deixou revolução pelo e dos comícios. E o que tornou-
de ser um homem físico para tor- -se obsoleto agora? O incentivo ao Congresso é dirigido por próceres como
nar-se uma consciência aconse- consumo e o consumo como forma de fazer po-
lhadora; no entanto, somente po- lítica. Convenhamos que, incluir Eduardo Cunha e Renan Calheiros
de ter acesso aos seus conselhos socialismo pelo por um certo tempo as massas no
quem o lê e o interpreta encar- mercado não vale como acúmulo
nando as ideias na realidade des- capitalismo terão de forças para disputar as trans-
te tempo. viadas eleições ou para defender- Não são apenas as experiências históricas frustrantes, como a queda de
Em 1991, ao criticar os “talentos que recorrer -se da ameaça do encurtamento Jango em 1964 e a vitória de Collor em 1989 que explicam o refluxo popu-
teóricos do partido”, leia-se, dos do mandato conferido por elas. lar. A ilusão da aliança com a “burguesia nacional”, uma tática equivocada
trabalhadores, Florestan assegu- à maturidade Não é que as barricadas ou as dos comunistas nos anos de 1950/60, e a opção de Lulinha Paz & Amor por
rou que eles se ocupavam em ex- armas não possam mais ser usa- um pacto de “não agressão” ao mercado, selada na Carta ao Povo Brasileiro
por planos táticos e estratégicos criativa para das em certas circunstâncias, mas (2002), também contribuem para a obscura relação dos trabalhadores com
que não passavam de pura fan- atrás delas deve haver organiza- o poder nos últimos anos.
tasia e, apoiado nas palavras de encher as ruas de ção e consciência, caso contrá- Como não existe vácuo na política, alguém assumirá o lugar do outro na
Engels, destacou que ele previ- rio elas podem servir de proteção ágora pós-moderna. Contudo, nada é assim tão linear em Bruzundanga.
ra com razão, que as lutas de bar- gente armada de ou se voltarem contra aqueles que Embora o governo de Dª Dilma ande mais perdido que cego em tiroteio,
ricadas na Europa se viram supe-
radas como técnica social revolu- consciência convocam as revoltas.
Se a direita hoje toma as ruas
decepcionando seus eleitores (ninguém merece Kátia Abreu no Ministério
da Agricultura e o “ajuste fiscal” de Levy e sua turma), os “cérebros” da di-
cionária. Mas, o mais expressivo com a força das massas é porque reita atual estão a anos-luz de Golbery e Simonsen, os estrategistas da fali-
vem na sequência, quando desta- as encontrou vazias de consciên- da ditadura – e isso dá fôlego à claudicante presidente.
ca que “os revolucionários preci- cia e de protestos contra a mesma Veja-se, no último dia 16/8, a reação histérica de certos grupos organiza-
sam se resguardar e inventar pro- classe dominante que, até ontem, dores da “marcha” à presença da TV Globo na avenida. Revoltados com o
cessos de lutas políticas tão efica- era vista como aliada para realizar editorial de O Globo, contrário ao espírito ‘golpista’, eles proibiram os jor-
zes quanto os que protegem a or- po os processos recriavam-se pe- o novo “milagre brasileiro” com- nalistas de registrar o ato. Estupidez ou inocência? A famiglia Globo, como
dem capitalista em escala mun- la participação popular que mui- binando crescimento econômico sempre, não prega prego sem estopa. Para o público intelectualizado e for-
dial”. De lá para cá, o “eficaz” foi tos, ingenuamente, chamavam de com alienação política. mador de “opinião”, tal qual FHC, ela posa de democrata, reiterando o dis-
não apenas de resguardar a or- “acúmulo de forças” e agora não Se as esquerdas trocaram as curso de quem se diz “arrependida pelo apoio à ditadura”. Já ao longo do
dem como também deixar-se se- sabem explicar onde tal acúmulo mobilizações pelos palácios, a re- domingo, “na tela da TV”, exaltou o caráter “democrático e pacífico” das
duzir por ela. foi parar. volução pelo consumo e o socia- manifestações, editando bem as imagens para maquiar o menor nº de pes-
A inteligência especial de Flo- O que dissera Florestan no iní- lismo pelo capitalismo terão que soas em várias capitais.
restan, como diria Hegel, é “um cio da década de 1990 sobre a re- recorrer à maturidade criativa pa- Felizmente, o legado da resistência popular à ditadura ainda é capaz
espírito subjetivo” do tempo an- criação de processos políticos efi- ra encher as ruas de gente armada de travar os impulsos fascistoides desta conservadora Bruzundanga, cujo
terior, de seu tempo e de nosso cazes, vem à tona como o eco de consciência, para salvar, não Congresso é dirigido por próceres como Eduardo Cunha e Renan Calhei-
tempo. Vivera ele a pré-ditadura, de sua voz sobre a crise políti- um projeto decadente para con- ros. Mas já é tempo de renovar nossas forças e propor uma alternativa de
a perseguição do golpe militar de ca atual. Nada foi recriado como sumidores alienados, mas o cami- “governabilidade” para o país. O que será isso, companheiros?
1964 e a abertura política, ajudan- projeto para o Brasil; muito pelo nho que leva à verdadeira eman-
do a escrever a nova constituição contrário, o “esforço acumulado” cipação. Luiz Ricardo Leitão é professor associado da UERJ. Doutor em Estudos Literários
do país. Se não foi um estrategis- esvaiu-se como o ar de um balão e (Universidade de La Habana), é autor de Noel Rosa: Poeta da Vila, Cronista do
ta militar é porque em seu tem- agora, no intuito de salvar o bura- Ademar Bogo é filósofo e escritor. Brasil e Aluísio Machado: Sambista de Fato, Rebelde por Direito.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Marcelo Netto • Repórter: Marcio Zonta• Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG),
Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália),
Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper
(Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Le onardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ), Pilar Oliva (São Paulo – SP) • Ilustradores: Latuff,
Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Aparecida Terra • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira •
Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Juliana Fernandes • Endereço: Alameda Olga, 399 – Barra Funda – São Paulo – SP CEP: 01155-040 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 4301-9590 – São Paulo/SP –
redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: Taiga • Distribuição: Dinap Ltda. – Distribuidora Nacional de Publicações • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Aurelio Fernandes, Bernadete Monteiro,
Beto Almeida, Dora Martins, Frederico Santana Rick, Igor Fuser, José Antônio Moroni, Luiz Dallacosta, Marcelo Goulart, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Neuri Rosseto, Paulo Roberto Fier,
René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Rosane Bertotti, Sergio Luiz Monteiro, Vito Giannotti (in memoriam) • Assinaturas: (11) 2131–0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 20 a 26 de agosto de 2015 3

instantâneo Marcelo Barros

Viagem ao mais
profundo de si
PARA O CATOLICISMO popular do interior da Bahia e do
norte de Minas, em agosto acontecem as peregrinações a
Bom Jesus da Lapa (BA) e a Pirapora (MG). Tudo começa no
dia 6, celebração da Transfiguração do Senhor. Conforme os
evangelhos, ao subir uma montanha, os discípulos viram Je-
sus com uma aparência luminosa, toda tomada pela presen-
ça divina em seu corpo. Até hoje, as comunidades celebram
a memória da transfiguração de Jesus no alto do monte pa-
ra estimular todos nós a vivermos, no dia a dia, esse mesmo
processo de divinização.
Jesus se deixou ver como impregnado de Deus quando já
estava indo à Jerusalém, como profeta pobre e perseguido,
enfrentar o poder político e religioso da época. Nós também
somos chamados a perceber essa presença divina em nós,
principalmente em meio à realidade da luta social e no dia a
dia, quando nos descobrimos frágeis e feridos por tantas ci-
catrizes da vida.
Atualmente, em nossa sociedade, cada vez mais se espalha
uma cultura do cuidado com o corpo. As pessoas fazem cami-
nhadas, freqüentam academias de malhação e procuram ali-
mentos mais saudáveis. Entretanto, esses cuidados necessá-
rios só dão pleno resultado se cada um rever o seu ritmo de
vida e, em tudo o que faz, privilegiar uma dimensão mais hu-
mana e profunda do seu ser. Nos anos de 1970, no Recife, um
padre, tido como alguém de trato difícil, recebeu um telefo-
nema. Era dom Hélder Câmara e lhe pedia uma audiência. O
padre se sentiu honrado que o arcebispo lhe solicitasse a au-
diência. Mas, dom Hélder esclareceu que o diálogo que pro-
punha era do padre consigo mesmo. O padre respondeu: “Fa-
ço bem o meu trabalho, mas não aceito que ninguém interfira
na minha vida pessoal”.
É lamentável que muita gente ainda faça essa separação
entre a competência no trabalho e a coerência interior, no ní-
vel mais profundo do seu ser. A ciência moderna criou uma
concepção de verdade objetiva que parece desligada da re-
lação entre ética pessoal e verdade. Os antigos pensadores
se interessavam pela verdade, à medida que ela engajava o
mais profundo do nosso ser interior. Em um artigo recente
no IHU, Castor Bartolomé Ruiz afirmou: “A verdade da filo-
sofia como forma de vida só pode ser atestada como verda-
deira e útil, na medida em que a pessoa que a ela adere a as-
Altamiro Borges sume efetiva e concretamente pelo seu modo de viver”.
Na Filosofia antiga, não havia separação entre ciência e éti-
ca. A Ética era concebida como um caminho pelo qual se pra-

Sobrou até para Cristiana Lôbo tica a verdade em que se crê e a qual se adere. Do mesmo mo-
do que um atleta, para manter sua boa forma física deve pra-
ticar permanentemente os exercícios necessários, o caminho
da prática das virtudes exige a opção por expressar isso em
A JORNALISTA CRISTIANA Lôbo, comentarista de po- tender a raiva dos fascistas que tanto ajudou a tirar dos forma de beleza, de estética. Dentro dessa concepção, a Arte
lítica da TV Globo e da GloboNews, é uma das mais es- armários. Em sua conta no Twitter, ela lamentou as críti- não é algo separado da fé e da proposta de vida que o artista
tridentes opositoras do chamado “lulopetismo” e das for- cas e ponderou: “Até aqui, muitas queixas de pessoas do tem. Ética e Estética estão ligadas em um único processo de
ças de esquerda. Durante os últimos treze anos, os seus lado dos manifestantes; agora os apoiadores do governo transformação interior.
comentários nada imparciais e sempre venenosos aju- também reclamam”. Conforme os filósofos antigos, tanto em uma obra de arte,
daram a alimentar a intolerância e o ódio de milhares de Antes da ingratidão dos seus ex-amigos, outra equipe como no modo de ser e de se relacionar, cada pessoa deve al-
“midiotas”, manipulados diariamente pelo império glo- da TV Globo já havia sido hostilizada durante a marcha cançar o seu autodomínio. Para isso, a Filosofia propunha “o
bal. Mas bastou a famiglia Marinho questionar a “mar- golpista no Rio de Janeiro. “O repórter Paulo Renato Soa- cuidado de si” que nada tinha a ver com um zelo egoísta ou
cha dos insensatos” – temendo os efeitos econômicos nos res conversava com manifestantes favoráveis a um golpe individualista com seus próprios interesses. Tratava-se mui-
seus negócios e os riscos de convulsão social no país – pa- militar no país, quando organizadores do grupo conheci- to mais de um empenho em progredir como pessoa na dire-
ra a sempre paparicada Cristiana Lôbo virar alvo da fúria do como “Revoltados Online” perceberam e começaram ção de uma plena humanização.
dos fanáticos que ocuparam a Avenida Paulista no domin- a chamar a multidão ao redor contra a equipe”, relata o Em nossos tempos, Michel Foucault chamou isso de “ve-
go, 16 de agosto. Portal Imprensa. ridição”, um neologismo para expressar a busca de uma co-
Segundo o site UOL, os manifestantes gritaram “Cris- Os fascistas realmente são muito ingratos. É mais um tí- erência entre o que a pessoa pensa e o que a pessoa faz. Nas
tiana vendida” e “Cristiana, para de defender a Dilma”. pico caso do feitiço que se vira contra o feiticeiro. No ca- obras de arte, quando vemos uma obra de arquitetura, con-
Ela também foi xingada pelos aloprados nas redes sociais. so de Cristiana Lôbo, ela agora engole o seu próprio vene- templamos um quadro, uma pintura ou ouvimos uma música
Haja ingratidão! Atordoada, a jornalista ainda tentou en- no. Que injustiça! determinada, quando elas são verdadeiras e profundas, po-
demos discernir nos traços e na forma de expressão o cami-
nho espiritual do artista.
Igor Fuser Nas tradições orientais, o silêncio e a meditação são ele-
mentos para ajudar as pessoas a aprimorar a busca interior.

Nota dissonante
Nas tradições afrodescendentes, a descoberta do seu Orixá
e a obediência a um caminho comunitário são instrumentos
desse desdobramento da pessoa no cuidado com a sua verda-
de interior e a sua inserção na comunidade.
No Cristianismo, a meta não é apenas partir de si mesmo e
QUANDO LEIO CERTAS MENSAGENS no campo da es- aos ataques. Fazendo concessões cujo alcance no momen- em busca de si mesmo. A meta é alta porque se trata de dei-
querda, detonando o governo Dilma, tenho o mesmo sen- to é difícil avaliar. Manobra ou capitulação? xar-se impregnar e transformar pelo Espírito que recebemos
timento de quando me deparo com qualquer injustiça. Olhemos as alternativas. Será que os críticos preferiam no batismo. E a pessoa percorre esse caminho como discípu-
Por mais erros que este governo esteja cometendo, é pre- a renúncia? Ou talvez uma arremetida política suicida, ca- lo/a no seguimento de Jesus e ao aderir à causa pela qual Je-
ciso levar em conta fatos da vida real que muitas vezes são paz de empolgar por um breve lapso de tempo as legiões sus deu a vida: a realização do projeto divino de paz, justiça e
deixados de lado. de desiludidos para, logo depois, culminar no maior re- comunhão nesse mundo.
Em primeiro lugar, há de se considerar que Dilma foi trocesso de nossa história desde 1964? Para realizar essa peregrinação interior, é preciso simpli-
eleita em meio a um gigantesco escândalo de corrupção, Por fim, devemos reconhecer que a crise econômica ficar o modo de viver, buscar a sobriedade e principalmente,
o que tem deixado o governo numa situação de alta vul- é real. Já existia em 2014. Algum ajuste era necessário, aprofundar a sua capacidade de amar. Conforme os evange-
nerabilidade. Em segundo lugar, não custa lembrar que o cortes de despesas teriam de ser feitos. Podem-se con- lhos, Jesus propôs, como condição para o discipulado, o des-
atual Congresso é o mais conservador desde o fim da di- denar algumas das escolhas feitas nestes últimos meses, pojamento pessoal e a disposição de partilhar com o outro tu-
tadura. Os parlamentares do PT e seus aliados progressis- como os juros extravagantes, mas seria irresponsabili- do o que se tem e o que se vive. A espiritualidade bíblica in-
tas somam cerca de 20% do total, com uma presença da dade, por outro lado, ignorar o risco do colapso financei- siste que o cuidado com a interioridade é para ajudar a pes-
“oposição de esquerda” puramente simbólica. ro e cambial. soa a sair de si e viver a comunhão com os outros e com a na-
Agregue-se a isso o controle exercido pela direita sobre Aí o discurso simplista do “estelionato eleitoral” revela tureza como sinal e sacramento da presença amorosa do Es-
o Judiciário e aparelhos chaves do Estado, como o Minis- sua inconsistência. Se é verdade que Dilma não foi eleita pírito no mundo.
tério Público e a Polícia Federal; e, ainda, o oligopólio mi- para cortar gastos, tampouco recebeu do povo um man-
diático, o reacionarismo das Forças Armadas, a perma- dato para tomar atitudes ousadas que pudessem colocar o Marcelo Barros é monge beneditino e teólogo. Atualmente,
nente capacidade de influência da burguesia. país no rumo da hiperinflação e precipitar uma guerra do é coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de
É óbvio que numa situação dessas o governo só pode es- empresariado contra o governo, em condições desfavorá- Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT) e assessora comunidades
tar fragilizado, dando nó em pingo d’água para sobreviver veis para o campo popular. eclesiais de base e movimentos sociais.

fatos em foco
da Redação
Protestos e debates marcam ações Sindicalismo divulga documento  Brasil conquista primeiro lugar anos, a taxa caiu 82%. Entre agosto de 2013 e
contra abusos no McDonald’s por democracia, direitos e avanços nos Jogos Parapan-Americanos julho de 2014, teve uma queda de 15%, o equi-
A campanha #SemDireitosNãoéLegal, que O sindicalismo reafirma a defesa da demo- Das 257 medalhas (109 ouros, 74 pratas e 74 valente a 5.891 km². Este valor confirma a se-
une sindicalistas de diversos países contra os cracia, combate os efeitos do ajuste fiscal, pede bronzes) conquistadas no Parapan de Toronto gunda menor taxa de desmatamento registrado
abusos trabalhistas cometidos pela rede Mc- a preservação das políticas públicas e aponta o pelo Brasil, 249 (96,8%) foram conquistadas na Amazônia Legal desde que o Inpe começou
Donald’s, terá novo impulso nesta semana com caminho do avanço. Essas são as linhas gerais por bolsistas do Ministério do Esporte. Indivi- a medir, em 1988. Segundo a ministra Izabella
várias ações em São Paulo e Brasília. No dia do documento Chamado ao diálogo pela de- dualmente, já que houve atletas que ganharam Teixeira, para um país continental como Brasil,
16, começaram a chegar as delegações que vão mocracia, por crescimento econômico, inclu- mais de uma medalha, 181 subiram ao pódio, uma meta de redução é muito importante e
participar de uma série de atividades. Ao todo, são social e desenvolvimento nacional, subs- ou seja, 94,5% dos medalhistas, sendo que 112 “chegaremos ao desmatamento ilegal zero na
cerca de 100 dirigentes sindicais do setor de crito por 11 grandes Sindicatos da área privada recebem a Bolsa-Atleta e 69, a Bolsa Pódio. Amazônia Legal”.
fast food, de 15 países, estarão no Brasil para e uma Federação de trabalhadores, que come- “Praticamente, de cada três ouros, um era bra-
debater a precarização do trabalho na empresa. çou a ser divulgado dia 14. “Reafirmamos que sileiro. Uma campanha histórica que nos deixa Fusão cortará 2,5 mil empregos no
As atividades serão coordenadas pela Confede- qualquer projeto de desenvolvimento nacional satisfeitos. Voltamos com a sensação de dever Canadá e nos EUA
ração Nacional dos Trabalhadores em Turismo deve ser cimentado pelo fortalecimento das cumprido”, afirmou o presidente do Comitê A fusão da fabricante de ketchup H.J. Heinz
e Hospitalidade (Contratuh), Federações e instituições e da democracia, sem descuidar Paralímpico Brasileiro, Andrew Parsons. com a Kraft Foods, anunciada no final de
Sindicatos do setor, com apoio de várias Cen- do combate à corrupção, e tem de se guiar março, resultará em desemprego em massa.
trais Sindicais. “Não podemos aceitar emprego pela superação das graves desigualdades eco- Em 10 anos, desmatamento na região A Kraft Heinz informou que vai cortar 2.500
indecente, situação análoga à escravidão. O nômicas, sociais e regionais”, diz o texto. No da Amazônia Legal cai 82% empregos nos Estados Unidos e Canadá, como
McDonald’s é um dos maiores empregadores documento, os sindicalistas propõem 11 itens Os ministros Aldo Rebelo e Izabella Teixei- parte de iniciativas de redução de custos. Do
de menores, mas não respeita a legislação do para a economia, o aperfeiçoamento do Esta- ra divulgaram, dia 14, o relatório com a taxa total de cortes de empregos, 700 serão na sede
País”, afirma Moacyr Roberto Tesch, presiden- do e a melhoria no padrão de vida da popula- anual de desmatamento na área da Amazônia da companhia, no estado de Illinois, disse Mi-
te da Contratuh. (Agência Sindical) ção. (Agência Sindical) Legal. Segundo o documento, nos últimos 10 chael Mullen, porta-voz da empresa.
4 de 20 a 26 de agosto de 2015 brasil 5

Exportação de minério e a opção brasileira pela crise permanente Vale


ENTREVISTA O relatório sugere a necessidade receita líquida, e não mais o faturamen- posta está associada não apenas à par- O contingenciamento de recursos para
de haver maior controle to líquido, como é feito atualmente. Es- ticipação efetiva, como também ao po- garantir o correto fechamento das mi-
Para o engenheiro Bruno estatal sobre a exploração ta mudança acarretaria em uma menor der de veto. Ela possui um forte diálogo nas e a recuperação de áreas degrada-
Milanez, nossa sociedade mineral. Na prática, o que isso dedução antes do cálculo da contribui- com os princípios da Justiça Ambiental, das, apesar de ser aplicado em diferen-
significa? Quais as vantagens e ção, aumentando o valor arrecadado pe- uma vez que, dentro dessa perspectiva, tes países como África do Sul, Austrá-
precisa de minérios, desvantagens desse processo? lo poder público. procura-se garantir que a decisão sobre lia, Canadá, Chile, Índia e Gana não foi
Quando o relatório menciona con- Embora a CFEM não seja um imposto, grandes projetos seja influenciada pelas incluído nem no Projeto de Lei do Exe-
mas uma condição para trole estatal, a referência é feita den- mas o pagamento de royalties, ela com- pessoas que serão diretamente afetadas cutivo, nem nos substitutivos apresen-
tro de um contexto de ritmos de explo- põe a transferência das empresas para por ele. tados pela Comissão Especial.
aproximar a extração ração. Essa percepção está associada ao o Estado e, por esse motivo, a propos- A não inclusão de elementos como es-
mineral de algo que que chamamos de nacionalismo de re- ta não é bem vista pelas mineradoras. se sugerem um caráter extremamente
cursos. Ela é vinculada à ideia de que o Elas argumentam que já pagam mui- “A principal estratégia que setorial e uma perspectiva muito limita-
possa ser chamado subsolo é um bem da União e que ca- tos impostos, embasando essa afirmati- da das propostas do novo código mine-
beria a ela definir, do ponto de vista va, em parte, no estudo Práticas tribu- enxergo para aprimorar ral. Dessa forma, a principal estratégia
de “desenvolvimento estratégico, a quantidade de minerais tárias internacionais: indústria de mi- que enxergo para aprimorar as propos-
as propostas existentes
sustentável” é repensar a que deveria ser explorada no presente, neração, encomendado pelo Instituto tas existentes é o aprofundamento das
escala, os métodos e os
aquela que deveria ser reservada para Brasileiro de Mineração (IBRAM). Es- é o aprofundamento das discussões e uma ampliação dos deba-
usos futuros e ainda aquela que não de- ta pesquisa afirma que o setor mineral tes de forma democrática e por meio da
ritmos de extração, assim veria ser explorada. no Brasil apresenta uma das três cargas discussões e uma ampliação participação direta dos grupos envolvi-
O debate em torno dessa questão vem tributárias mais elevadas do mundo. dos. (IHU On-Line)
como o uso e o desperdício em contraposição ao modelo mineiro- Entretanto, outra pesquisa, coordenada dos debates de forma
-exportador de larga escala. Alguns dos pelo Instituto Brasileiro de Análises So- Reprodução
desses recursos participantes da pesquisa questionam o ciais e Econômicas e pela Rede Justiça democrática e por meio
fato de grandes empresas exportarem nos Trilhos concluiu que, de um univer- da participação direta dos
recursos naturais não renováveis a uma so de 30 jurisdições (países, estados ou
Patricia Fachin
taxa crescente, reduzindo a expectativa províncias), a tributação no Brasil seria grupos envolvidos”
de vida das reservas nacionais e esgo- somente superior à da China, Cazaquis-
de São Leopoldo (RS) tando rapidamente aquelas de melhor tão, Suécia e Chile. Assim, a discussão
qualidade. Assim, no futuro, o país de- sobre tributação vai para além dos pro-
“ESSA ‘CRISE’ da qual se fala agora não penderia de reservas de menor qualida- jetos de lei em si, e perpassa, ainda, o Essa questão se contrapõe ao enten-
é uma exceção, mas a regra”, diz Bruno de, menos acessíveis e cuja extração se- método de cálculo. dimento difundido pelo setor de que a
Milanez à IHU On-Line, ao relacionar ria mais cara. mineração teria uma suposta priorida-
a crise econômica brasileira com a de- O que o relatório indica de sobre outras atividades sociais e eco-
pendência que o país tem da exportação em relação aos aspectos nômicas, tais como produção de ali-
de commodities em geral, especialmen- “Nossa sociedade precisa de socioambientais que devem ser mentos ou captação para sistemas de
te do minério. discutidos no Novo Código da abastecimento de água. Na verdade,
“Uma economia, nacional ou local, minérios, mas uma condição para Mineração? existe uma ampla discussão a respeito
que apresenta elevada dependência da aproximar a extração mineral de Existem vários temas ligados aos as- do quão prioritária ela seria frente a ou-
extração de recursos minerais tende a pectos socioambientais da mineração tras atividades, muitas vezes já consoli-
ficar mais exposta a essas variações, o algo que possa ser chamado de que vêm sendo ignorados pelos legis- dadas, menos impactantes, economica- QUEM É
que compromete o seu desenvolvimen- ladores. Muitos deles foram construí- mente viáveis e com perspectiva de con- Bruno Milanez é graduado em Enge-
to econômico”, adverte. ‘desenvolvimento sustentável’ é dos e apresentados pelo Comitê Nacio- tinuidade no longo prazo. nharia de Produção pela Universidade Federal
Segundo ele, são recorrentes os es- nal em Defesa dos Territórios frente à Outro aspecto está associado à ques-
tudos que demonstram a fragilidade repensar a escala, os métodos e os Mineração. tão do contingenciamento de recursos
do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em Engenha-
ria Urbana pela Universidade Federal de São
dos países que têm uma economia “al- ritmos de extração, assim como o Uma das questões mais caras ao Co- para garantir a execução dos planos de Carlos e doutor em Política Ambiental pela
tamente dependente de recursos natu- mitê diz respeito à participação das co- fechamento de mina. Apesar de a legis- Lincoln University. Leciona na Universidade
rais”, os quais “têm uma taxa de cresci- uso e o desperdício desses recursos” munidades afetadas nas decisões sobre lação existente definir essa responsa- Federal de Juiz de Fora (UFJF).
mento inferior àqueles que se especiali- Para movimentos sociais e sindicatos, aprofundamento do modelo minerador não é desejável para a economia do país projetos de extração mineral. Essa pro- bilidade, nem sempre ela é cumprida.
zam em bens manufaturados”.
Crítico ao novo Código da Minera- desde os anos 2000 no Brasil? É possível vislumbrar um mos de prioridades. Na verdade, eles
ção e um dos defensores de se reava- Quais as razões dessas mudanças? desenvolvimento sustentável da vão questionar o condicionamento do Qual é a necessidade de criar um
liar o plano brasileiro de ampliação dos Ao longo dos anos 2000, a indústria extração de minérios? “desenvolvimento” ao aprofundamen- Conselho Nacional de Política
investimentos em mineração, Milanez extrativa mineral passou por importan- Em seu último livro, Extractivis- to da inserção econômica no mercado Mineral? Qual seria a função
apresenta e expõe, na entrevista a se- tes mudanças no Brasil. Entre 2000 e mos. Ecología, economía y política de global. Este terceiro grupo tende a de- desse conselho?
guir, concedida por e-mail, os princi- 2010, a exportação brasileira de miné- un modo de entender el desarrollo y la fender que se priorize o investimento A proposta de um Conselho Nacional
pais resultados do relatório O Novo Có- rio passou de 163 milhões de toneladas Naturaleza, Eduardo Gudynas fala em em setores que venham a atender as de Política Mineral foi apresentada pe-
digo da Mineração: convergências e para 321 milhões de toneladas. Em ter- “amputação ecológica” quando se refe- necessidades nacionais, ou venham a lo Projeto de Lei do Executivo. É difícil
divergências, que ele elaborou em con- mos econômicos, essa variação repre- re à megamineração. Ao amputar uma promover uma integração regional, ao avaliar a real necessidade de um Con-
junto com Sabrina de Oliveira Castro, sentou um aumento de US$ 3,2 bilhões perna, você pode usar analgésicos para invés de se tentar satisfazer a deman- selho dessa natureza, uma vez que as
graduanda em Engenharia de Produ- (5,9% das exportações) para US$ 30,8 reduzir a dor, aplicar antissépticos para da global. funções propostas ainda não estão cla-
ção pela Universidade Federal de Juiz bilhões (15,3% das exportações). Esse reduzir o risco de infecção, etc. Porém, ras. De forma geral, ele seria um conse-
de Fora (UFJF). processo se deu, principalmente, devi- o fato é que a perna não estará mais lá, lho consultivo, que teria como papel de-
“Em nosso relatório foi possível per- do à demanda da China por minérios. e o corpo (ou ecossistema) não terá as “Essa ‘crise’ da qual se finir diretrizes para o planejamento da
ceber certa discordância em relação à A partir de 2013, houve uma desace- mesmas características. A partir dessa atividade de mineração, para a promo-
forma como a proposta de código foi en- leração nessa demanda. Por exemplo, o perspectiva, não vejo como a megami- fala agora não é uma ção de agregação de valor dos recursos
caminhada pelo Executivo e vem, ago- preço nominal da tonelada de minério neração pode ser compatível com o de- exceção, mas a regra. Uma minerais, para a realização de pesquisa
ra, sendo discutida na Comissão Espe- de ferro (o principal minério exportado senvolvimento sustentável. mineral, entre outros. Porém, há ainda
cial da Câmara dos Deputados. Há uma pelo Brasil) passou de US$ 179 em ja- Nossa sociedade precisa de minérios, economia, nacional ou a definição de atividades deliberativas,
percepção, principalmente, entre os neiro de 2011 para US$ 68 em janeiro mas uma condição para aproximar a tais como um possível zoneamento mi-
movimentos sociais e os sindicatos, de de 2015. extração mineral de algo que possa ser local, que apresenta elevada nerário, cuja função não foi detalhada
que as sugestões encaminhadas não são Ainda estamos avaliando os reflexos chamado de “desenvolvimento susten- nas propostas apresentadas.
incorporadas de fato. Além disso, todos dessa mudança de dinâmica. Um pri- tável” é repensar a escala, os métodos e
dependência da extração de A falta de definições como essa é um
os segmentos que participaram da pes- meiro impacto já percebido foi a re- os ritmos de extração, assim como o uso recursos minerais tende a dos elementos que indicam a necessida-
quisa mostraram que o aprofundamen- dução da arrecadação de royalties por e o desperdício desses recursos. de de um aprofundamento das discus-
to do modelo minerador não é desejável parte das cidades mineradoras. Uma ficar mais exposta a essas sões sobre o novo código antes de sua
para a economia do Brasil, sendo neces- vez que a administração dessas cidades O que seria uma alternativa votação pela Câmara dos Deputados.
sário romper com tal modelo e criar no- apresenta limitada capacidade de pla- à exportação de recursos variações, o que compromete
vas estratégias de desenvolvimento lo- nejamento e significativa dependência minerais in natura? o seu desenvolvimento Em que consistiria uma proposta
cal e inserção internacional”, informa. desses recursos, muitas vêm apontando Esse ponto não foi abordado na pes- de responsabilização das
uma situação de crise. quisa e envolve uma profunda discussão. econômico” empresas pela infraestrutura
Em que consiste seu relatório sobre Além disso, é de se esperar a redução Como mencionei anteriormente, muitos associada à extração mineral?
o Novo Código da Mineração? da atividade das pequenas e médias mi- dos participantes são contrários à espe- Essa questão tem um impacto, prin-
Bruno Milanez – O objetivo da pes- neradoras (por serem menos competi- cialização do país como exportador de cipalmente sobre a infraestrutura so-
quisa foi identificar no debate da pro- tivas) e um aumento da atividade das produtos primários, mas quando se ini- cial e de apoio à extração mineral. Ela
posta do novo código mineral quais se- grandes mineradoras para aumento de cia o debate sobre alternativas, as opini- Como se dá hoje o sistema de vem sendo debatida principalmente de-
riam os pontos sobre os quais já há con- escala e redução dos custos fixos. Asso- ões divergem muito. Portanto eu não fa- concessão de lavra? Quais são as vido aos problemas sociais associados à
senso, e quais aqueles que merecem um ciado a isso, haverá uma busca intensa laria em “uma alternativa”, mas sim al- principais divergências acerca abertura de novas minas e à chegada de
maior aprofundamento. Além disso, por redução de custos, o que pode levar ternativas. De forma breve posso men- desse ponto, indicadas pelo grandes contingentes de trabalhadores,
tentou-se identificar como diferentes à intensificação da extração, com au- cionar três possíveis caminhos, mas es- relatório? tais como elevação dos preços de imó-
agentes se posicionam sobre cada um mento dos riscos para os trabalhadores se tema mereceria diversas entrevistas. De acordo com o código atual, de for- veis, redução da mobilidade, sobrecar-
desses pontos. Este relatório preliminar e para o meio ambiente. De um lado, existem aqueles mais ma muito simplificada, a concessão ga do sistema de saúde municipal e dos
foca nos consensos e dissensos; a segun- próximos ao discurso do desenvolvi- se dá em duas etapas. Primeiramen- serviços de saneamento. Atualmente os
da parte deve ser publicada em breve. mentismo, que enxergam na verticali- te, existe a licença de pesquisa que po- custos relativos a esses problemas são
“Ao longo dos anos 2000, a indústria zação das cadeias existentes o caminho de ser concedida a qualquer pessoa, fí- transferidos para os governos munici-
Em quais pontos do debate sobre a seguir. Dentro dessa visão, a propos- sica ou jurídica. Essa licença tem por pais que, principalmente no caso de pe-
o Novo Código da Mineração há extrativa mineral passou por ta seria implantar mais siderúrgicas no base o direito de prioridade, ou seja, o quenas cidades, não têm condições pa-
mais discordâncias e, por outro importantes mudanças no Brasil. país para exportar aço, ou ainda mais primeiro a solicitar o direito de pesqui- ra administrá-los.
lado, concordâncias? O que essas indústrias automobilísticas, máquinas e sa tem prioridade para desenvolver es-
discordâncias e convergências Entre 2000 e 2010, a exportação equipamentos, etc., para exportar bens sa atividade. O resultado dessa pesqui-
indicam sobre a discussão da manufaturados com maior intensidade sa está associado à obtenção da porta- “Uma das críticas feitas ao sistema
mineração no país? brasileira de minério passou de tecnológica. Uma das limitações dessa ria de lavra. Essa portaria concede, so-
Em nosso relatório foi possível perce- 163 milhões de toneladas para 321 visão é que todo o beneficiamento des- mente a pessoas jurídicas, o direito de atual, pelo governo federal, deve-se ao
ber certa discordância em relação à for- se material consome grande quantida- extrair comercialmente os recursos mi-
ma como a proposta de código foi en- milhões de toneladas” de de recursos naturais (especialmen- nerais. Existem ainda alguns sistemas
fato de pessoas ou empresas obterem
caminhada pelo Executivo e vem, ago- te água e energia), além de serem alta- específicos para substâncias usadas pa- a licença de pesquisa, mas não
ra, sendo discutida na Comissão Es- mente poluentes. Além disso, a China e ra construção civil, mas não vou entrar
pecial da Câmara dos Deputados. Há outros países asiáticos já ocuparam es- nessa questão. realizarem as atividades necessárias
uma percepção, principalmente, entre Por que, segundo o relatório, a se nicho em uma escala impensável pa- Uma das críticas feitas ao sistema
os movimentos sociais e os sindicatos, intensificação da mineração na ra a escala brasileira. atual, pelo governo federal, deve-se ao para de fato vir a extrair minérios.
de que as sugestões encaminhadas não economia não é uma estratégia Outro caminho seria voltar-se para as fato de pessoas ou empresas obterem
são incorporadas de fato. Além disso, saudável de desenvolvimento novas economias, seja a economia ver- a licença de pesquisa, mas não realiza- Assim, as áreas ficariam ‘bloqueadas’,
todos os segmentos que participaram brasileiro? de, seja a economia do conhecimento. rem as atividades necessárias para de impedindo que outras empresas
da pesquisa mostraram que o aprofun- Diferentes estudos mostram que paí- Alguns falam na desmaterialização da fato vir a extrair minérios. Assim, as
damento do modelo minerador não é ses altamente dependentes de recursos economia. Dentro dessa linha, haveria áreas ficariam “bloqueadas”, impedin- venham a realizar as atividades”
desejável para a economia do Brasil, naturais têm uma taxa de crescimento a necessidade de investir mais em servi- do que outras empresas venham a rea-
sendo necessário romper com tal mo- inferior àqueles que se especializam em ços do que em manufaturas, ou ao me- lizar as atividades. A proposta feita no
delo e criar novas estratégias de desen- bens manufaturados. Existem diversas nos em indústrias com grande intensi- Projeto de Lei do Executivo vinha exa-
volvimento local e inserção internacio- explicações para isso, uma delas se de- dade tecnológica. Essas áreas poderiam tamente tentar acabar com o direito de Quais aspectos tributários estão
nal. Por outro lado, parece ainda haver ve ao fato de o preço das commodities estar ligadas, ou não, ao uso dos recur- prioridade. Na versão apresentada pe- em discussão no Novo Código da
certa discordância em relação às mu- apresentar elevada volatilidade no mer- sos naturais do Brasil. Alguns exemplos lo governo, este faria a licitação do di- Mineração?
danças institucionais, principalmente cado internacional. Essa “crise” da qual incluiriam eficiência energética, fárma- reito de exploração, evitando a reten- A questão tributária está ligada prin-
em relação ao papel e à forma de fun- se fala agora não é uma exceção, mas a cos e medicamento, novos materiais, ção das áreas por empresas ou pessoas cipalmente à cobrança da Compensação
cionamento do Conselho Nacional de regra. Uma economia, nacional ou lo- etc. O desafio desse caminho diz res- que não têm condições efetivas de ex- Financeira pela Exploração de Recur-
Política Mineral e da Agência Nacional cal, que apresenta elevada dependência peito ao tempo necessário para se cons- trair os minérios. O substitutivo da Co- sos Minerais (CFEM). Ela vem associa-
de Mineração. da extração de recursos minerais tende truir conhecimento e bases produtivas missão Especial, porém, retomou o di- da ao fato de o governo federal desejar
a ficar mais exposta a essas variações, o associadas a tais setores. reito de prioridade; esse é um dos prin- alterar não apenas o valor da alíquota da
Por quais mudanças a indústria que compromete o seu desenvolvimen- Por fim, há ainda uma terceira cor- cipais pontos de discordância entre os CFEM, mas também sua base de cálcu-
extrativista mineral tem passado to econômico. rente que diverge das demais em ter- dois poderes. lo. O governo tem interesse em adotar a
6 de 20 a 26 de agosto de 2015 brasil

Sinal amarelo para a


matéria-prima do crescimento Químicos ABC

ENTREVISTA
Presidente do Sindicato
dos Químicos do ABC,
Raimundo Suzart, critica
setor por abusar da
rotatividade:“Ganhou
muito nos últimos dez
anos e tem gordura para
não tratar resfriado como
pneumonia”

Vitor Nuzzi 
de São Paulo (SP)
da Rede Brasil Atual

UM SINAL AMARELO acendeu na base


do Sindicato dos Químicos do ABC, en-
tidade que representa 40 mil trabalha-
dores de diversos setores, inclusive o es-
tratégico polo petroquímico. No primei-
ro semestre, entre contratações e demis-
sões, a base perdeu 1.400 vagas, espe-
cialmente no segmento plástico, que con-
centra metade da categoria.
“É um número considerável”, comen-
ta o presidente da entidade, Raimundo
Suzart. Baiano de Andaraí, na Chapada
Diamantina, ele está na base da catego-
ria química do ABC há 30 anos – tem 47.
Eleita em novembro passado com 98%
dos votos, a nova diretoria tomou posse
em abril, e em julho último realizou seu
12º congresso – que, entre outros temas,
discutiu o cenário político e a campanha
salarial que se aproxima, em um ambien- Manifestação diante da BASF: crise é mais política do que econômica
te turbulento.
Raimundo admite a crise. Mesmo as- Na questão da nafta, a Lava Jato não parada técnica – ela parando, as outras Quem entra ganha menos do que
sim, acredita que há espaço para fechar teve impacto. Tem um impacto na Bras- também param, porque consequente- quem sai?
acordos com, no mínimo, a reposição kem, o presidente do conselho foi deti- mente não terá matéria-prima. Todo in- Nossa data-base é 1º de novembro. A
da inflação. Até porque muitas empre- do (Marcelo Odebrecht – a Odebrecht é vestimento, a não ser que seja programa- empresa demite o trabalhador em ja-
sas adotam uma tática que implica em controladora da Braskem). Uma nego- do, você faz na parada técnica. O investi- neiro, fevereiro, e ao admitir um no-
uma redução salarial disfarçada: con- ciação sobre preço se arrasta. São feitos mento em manutenção, troca de equipa- vo trabalhador contrata com salário
tratam trabalhadores com remunera- acordos semestrais e a todo momento mentos, foi feito. Esse investimento, que de outubro. Então, a empresa demi-
ção anterior à da data-base e, portanto, tem um impasse, se será renovado. En- segundo a gente sabe foi de R$ 200 mi- te e simplesmente passa a pagar o sa-
sem aumento. tra toda aquela tensão se vai ter nafta pa- lhões, talvez não fosse feito, se fosse ho- lário do ano anterior e não com o rea-
Para ele, também há motivos para criti- ra as unidades continuarem produzindo: je. Uma parada técnica significa 5 mil juste. Esse é um dos grandes problemas
car o governo, mas ao mesmo tempo não a de Capuava, aqui no ABC, a de Triunfo, homens trabalhando na Braskem. Mas que a gente tem. É redução de salário. E
tem dúvida de que se trata de um projeto no Rio Grande do Sul, e a de Camaçari, aconteceu há um ano. São nove empre- não é só no setor de plástico. Também
a ser defendido. “Com todas as dificulda- na Bahia. Quando apareceu a crise e tal- sas que recebem a matéria-prima dire- acontece nas grandes indústrias. To-
des, não podemos negar os avanços que vez fosse faltar nafta para a Braskem, foi tamente da tubulação da Braskem. Você das acabam usando esse artifício. Você
a gente teve.” uma grande tensão, porque o polo que fi- tem o PVC, o polipropileno, que é a ba- tem 1,5%, 2% de aumento real, que é a
As investigações da operação Lava Ja- caria parado é o do ABC. Até o momento se de toda a produção de plástico. O polo média da nossa campanha salarial, tem
to, que para o sindicalista passaram a ter não tem renovação do contrato. Vence no é interligado, não tem muro, a divisão é a manutenção dos postos de trabalho,
viés político, não afetaram a operação final de agosto. O que sabemos é que tem geográfica. Você sabe que terminou uma mas não tem o ganho no rendimento.
da Braskem, empresa cuja receita líqui- um processo avançado de negociação, empresa em determinada rua e começa Parece que é uma política muito forte
da atingiu R$ 46 bilhões no ano passa- Petrobras, Braskem, e dessa negociação na outra. Você entra em Mauá e sai em no estado de São Paulo, não pelo fecha-
do, com lucro de R$ 726 milhões. No ca- participa um representante de cada esta- São Mateus (bairro da zona leste de São mento do postos de trabalho, mas para
so da gigante petroquímica, a principal do onde há polo petroquímico, mais mi- Paulo) por dentro do polo petroquímico. redução de salário.
preocupação, diz Raimundo, concentra- nistérios de Minas e Energia e de Desen-
-se nas negociações com a Petrobras pa- volvimento, para tentar construir o acor- Neste momento de crise, como se E neste ano, com perspectiva de
ra fornecimento de nafta – o acordo atual do de renovação de fornecimento da naf- manteve o nível de produção? PIB negativo, inflação perto dos
vence em agosto. Sem a matéria-prima, ta da Petrobras para a Braskem. A gente teve uma pequena redução, vo- 9%, aumento do desemprego,
tudo pode parar no polo. cê tem uma demanda menor. A arreca- como se preparar para a
Os sindicatos do setor têm dação não caiu muito, até pela alta do dó- campanha?
algum tipo de participação nessa lar – como são commodities, tudo é ba- A indústria química, junto com os
“A Lava Jato deixou de ser discussão? seado no dólar. Podemos dizer que não bancos, foi o setor que mais teve lucra-
Até oito meses atrás, a negociação era afetou tanto o orçamento dos municí- tividade nos últimos anos. Outro fator
criminal e virou processo entre Braskem e Petrobras. O que mudou pios. Não é um setor que a gente possa que a gente tem no nosso setor é que as
foi que, com a eleição da Dilma, se mon- dizer que estamos com uma grande difi- grandes indústrias são multinacionais,
político. O Serra é citado tou uma comissão para negociar. Tem culdade. Já no conjunto da categoria, de com exceção da Braskem e da Oxite-
e botam uma tarja preta um representante do PSDB, do estado de janeiro a junho, houve redução de postos no, do grupo Ultra. Sem falar na indús-
São Paulo, indicado pelo governador Al- de trabalho. Entre demissões e contra- tria farmacêutica, que temos três na-
em cima do nome dele. Há ckmin. Foi solicitado que se indicasse um tações, temos um déficit de 1.400. É um cionais, que são de genéricos. Então há
representante do ABC, que é onde está o número considerável. grandes remessas de lucros para o exte-
um problema econômico polo petroquímico, mas o governo (esta- rior. Nossa discussão é a seguinte: aqui
dual) não aceitou. Tem um representan- a gente tem um resfriado e já é tratado
mundial, mas que no te do Rio Grande do Sul, que é do PMDB. “A data-base para o reajuste é 1º de como se estivesse com pneumonia. Já
Brasil é agravado pela E tem um representante da Bahia, que é
novembro. Daí a empresa demite o
começam a demitir, discutir redução de
do PT. Podemos dizer que os três gran- salário. E entendemos que a indústria
crise política” des partidos do Brasil estão representa- trabalhador em janeiro, fevereiro, e química tem uma gordura que dá pa-
dos na comissão de negociação. ra discutir reposição da inflação e ou-
admite um novo com salário de outubro. tras questões. Passamos dez anos com
É um setor estratégico para as indústrias tendo uma lucratividade
Vocês acabaram de sair de um vocês... E assim passa a pagar salário do ano acima do mercado da América do Sul.
congresso. O que preocupa mais Não só para nós, para o Brasil. Hoje, anterior, antes do reajuste. Isso é É um dos setores que mais cresceu. Se
neste momento? podemos dizer do componente do car- a gente pegar o setor cosmético, cres-
Raimundo Suzart – Tomamos a de- ro que de 30% a 40% são resinas plásti- rotatividade com redução de salário” ceu em média 10% ao ano nos últimos
cisão de fazer do nosso 12º congresso cas. Na construção civil, que a cada dia dez anos. Não dá para dizer que essa in-
um evento político. Fizemos análise ma- a gente tem mercados novos aparecen- dústria vai quebrar porque teve um ano
croeconômica, política, trouxemos vá- do. Até no medicamento você tem resi- de crise.
rias pessoas de outros países e de outros na plástica. O polo petroquímico acaba Algum setor particularmente é
setores. Em alguns momentos a crise é também fornecendo matéria-prima pa- mais atingido? E o Programa de Proteção ao
mais política do que econômica. A gente ra o setor farmacêutico. Como os estu- O de plástico (que representa 50% da Emprego recentemente criado?
percebe que alguns setores da nossa ca- diosos colocam, nenhum país será gran- base), principalmente a parte ligada ao Você vê como um paliativo,
tegoria poderiam estar avançando mais, de se não tiver uma grande indústria setor automotivo. É um setor em que a uma alternativa de emergência,
e aí a gente pode citar a Lava Jato, que química. Para se ter uma ideia, Mauá rotatividade gira em torno de 30%. Com ou uma proposta que pode
atinge diretamente a nossa maior em- (município do ABC), que tem quase 400 a crise, além da rotatividade, você tem o vigorar mais à frente, pode ser
presa, que é a Braskem, e a Petrobras, mil habitantes, tem 66% da arrecada- fechamento de postos de trabalho. aprimorado, fazer parte de
que é a sócia e vende a matéria-prima ção proveniente das indústrias quími- Cosmético está começando a ter refle- acordos?
para a Braskem. Temos um impasse ho- cas. Em Santo André, a indústria quími- xo. Uma empresa que não tem um pro- Na nossa avaliação, é um programa
je em torno da nafta que nos afeta. Não ca responde por 35% do orçamento. É duto direto, trabalha para a Avon, Natu- paliativo. Não é algo que a gente vai im-
podemos negar que a Lava Jato deixou um impacto enorme em qualquer redu- ra, tem 700 trabalhadores e anunciou 80 plementar numa convenção coletiva.
de ser criminal e virou processo políti- ção que você tenha na produção da in- demissões. E o de plástico a gente está Mas é um momento de crise, e eu acho
co, e aí a gente vê que o senador José dústria química nessas duas cidades. há alguns meses com dificuldade. Com a que a gente tem de buscar algumas sa-
Serra (PSDB-SP) foi citado e botaram crise, além da rotatividade, temos fecha- ídas. Eu disse que estamos com 1.400
uma tarja preta em cima do nome dele. Com as investigações, houve mento de postos de trabalho. Tivemos postos de trabalho negativos. Se tem al-
Entendemos que economicamente exis- paralisação de investimento em 3.400 contratações no nosso setor (no guma opção para garantir que não au-
te um problema que é mundial, mas que empresas ligadas à Petrobras. semestre), a rotatividade é muito grande. mente esse número, tenho de buscar.
no Brasil é agravado pela crise política Na Braskem, na questão do Você contrata muito, mas demite muito. Vamos discutir, mas aí tem de fazer
que a gente tem hoje com o Congresso, o investimento, de projeto, isso É uma das grandes discussões que temos uma ressalva: nós temos 950 empresas
presidente da Câmara, denunciado. chegou a acontecer? com o sindicato patronal. A gente fechou cadastradas no sindicato, e pelo menos
A indústria petroquímica é muito espe- o ano passado em torno de 200, 300 no- 85% são micros e pequenas, e portanto é
Há tempo é discutida a cífica. Ela faz uma parada de manuten- vos postos de trabalho. Não repusemos praticamente impossível elas participa-
questão da nafta. Como está ção a cada cinco a sete anos, e faz todo as perdas que tivemos em 2010, mas fe- rem do PPE. Temos duas empresas que
essa negociação? o investimento. Faz um ano que teve a chou o ano positivo. procuraram, vamos fazer o debate.
brasil de 20 a 26 de agosto de 2015 7
Químicos ABC
Esse debate começa a ser feito proposta de revogar a NR 12. [Raimun-
também dentro da CUT, que em do se refere a um projeto, o PDL 1.408,
outubro terá novo congresso. 13, de Sílvio Costa, do PSC-PE, propondo
Alguns congressos coincidiram extinguir a norma regulamentadora que
com o primeiro ano de governo, trata da segurança no trabalho no setor
como em 2003 e agora. O de máquinas e equipamentos, no qual fo-
movimento sindical se queixa ram registrados 172 mil acidentes e 358
de diálogo com o governo. mortes de 2011 a 2013.]
Essa relação está um pouco É esse o Congresso que a gente tem,
desgastada? que perdeu a vergonha, o pudor, de apre-
Tem duas situações que a gente preci- sentar as propostas da direita. Perdemos
sa tratar. Tem um desgaste natural, pe- o projeto da terceirização – a gente tem
la crise econômica, e é natural que al- de lembrar que é a antiga Emenda 3, que
guns sindicatos sofram pressão da base o Lula vetou lá atrás, e nós achamos que
quando tem risco de desemprego, redu- estivesse resolvido. É muito difícil para
ção de salário, e que essa pressão refli- nós, quando você vai ao Congresso e tem
ta na CUT, para que ela cobre também o um Arthur Maia, que é a pessoa que re-
governo. Precisa ter um diálogo maior, latou o projeto de terceirização, que é do
principalmente a nossa central, que foi partido Solidariedade, que na teoria saiu
quem deliberou apoio irrestrito à Dilma de uma central sindical. Então, para nós,
(na campanha). Era um compromisso é um Congresso reacionário. É nos pre-
de reabrir o diálogo. Infelizmente, vie- parar para que em 2018 a gente possa re-
ram aquelas medidas no final do ano (as discutir esse Congresso que está aí.
medidas provisórias 664 e 665, que al-
teraram o acesso a benefícios sociais). Dá para fazer essa discussão com
Precisamos reclamar, mas vamos de- a base, sobre o Legislativo?
fender intransigentemente a presiden- Nós temos feito, mas a nossa avaliação
ta, com todas as críticas e dificuldades. é que a gente tem perdido para a mídia,
O presidente do Sindicato dos Químicos do ABC, Raimundo Suzart que tem perseguido os nossos represen-
tantes, e perdido, principalmente, para a
“Mauá tem 400 mil habitantes e 66% sa do governo [no congresso da CUT] e ofensiva conservadora, com estrutura. Nós tivemos deputados aqui
da democracia. E vamos defender tam- diminuição da bancada sindical? na região que fizeram campanhas absur-
da arrecadação vem das indústrias bém a democratização da mídia, porque Nesta mesma sala, estávamos acompa- das, do ponto de vista da condição finan-
50%, 60% dessa crise é feita de menti- nhando a apuração do segundo turno e ceira. A cada dia que passa a gente tem a
químicas. Em Santo André, é 35% ra e reportagem montada. Projetos que já apreensivos. Reduzimos deputados, e sensação, sobre o financiamento empre-
do orçamento. Qualquer redução na o governo desenvolve a mídia simples- abre aspas, tem alguns que se dizem re- sarial de campanha, de que vai ficar cada
mente esconde. presentantes dos trabalhadores, porque vez mais difícil debater. Nós temos deba-
produção tem impacto nessas cidades” O PPE também será um dos temas. É montam até o Solidariedade, mas na no- tido com a base, mas temos de assumir:
uma visão minha, presidente do Sindi- menclatura é um dirigente sindical e na perdemos esse debate. No ABC, fizemos
cato dos Químicos: é de autonomia de teoria deveria representar os trabalhado- quatro deputados estaduais e um fede-
O movimento sindical não pode negar cada sindicato. É mais uma ferramen- res. Ninguém imaginava o cenário de ho- ral, tínhamos dois. Estamos retomando
os avanços que a gente teve, a correção ta que você pode utilizar para defender je. O projeto de terceirização, redução da esse debate com a base. Não adianta ele-
do salário-mínimo, Minha Casa, Minha os postos de trabalho na sua base, como maioridade penal, aprovação do finan- ger o governo, você precisa dar uma ba-
Vida, o projeto da indústria química, da banco de horas é uma saída, layoff, li- ciamento privado para as campanhas se de sustentação. A preocupação é por-
Braskem, que nasceu de um projeto do cença remunerada, férias coletivas. Nós, eleitorias, um presidente da Câmara que que os nossos projetos de proteção pa-
governo Lula. Temos críticas às ações e do movimento sindical, temos de avaliar dizem que reelegeu 60 deputados. É tal- ra os trabalhadores não vêm do Executi-
algumas condições que estão colocadas, com muita maturidade se é o momento vez o pior cenário que a gente já teve. Em vo, vêm do Legislativo. O projeto de ter-
e à pessoas que foram para o governo. correto de aplicar ou não. O PPE tam- São Paulo, na Assembleia, foi uma der- ceirização simplesmente reflete uma ba-
Ganhamos, mas não levamos o gover- bém é uma ferramenta no local de tra- rota terrível. O Alckmin domina de uma se que nós perdemos. Ou a redução da
no. Ajudamos a eleger, mas o mercado balho. É a discussão que a gente sempre forma que é como se não tivesse depu- maioridade penal, que é atingir o filho
financeiro foi lá e emplacou [pessoas teve, de aumentar a organização nos lo- tado estadual. E ao nível nacional, outra do trabalhador, o trabalhador que mo-
em alguns cargos chave, como o minis- cais de trabalho. derrota. A cada dia que passa corremos o ra na periferia e o negro. Se a gente não
tro Joaquim Levy]. Temos críticas, mas risco de perder direitos. Para se ter uma conseguir fazer esse debate, vamos cor-
não temos dúvida da defesa do gover- E o outro Congresso, o Nacional? ideia, quase ninguém está falando, mas rer risco, nossos filhos vão correr risco.
no. Com certeza, vamos ratificar a defe- Como agir diante de uma teve um deputado que apresentou uma (Revista do Brasil)

Avenida Paulista repete frases de ódio


com menos público do que em 15 de março Oswaldo Corneti/Fotos Públicas
CRISE DE IDENTIDADE nifestante também se referiu a Dilma de
maneira imprópria, distribuindo man-
Todas as faixas e cartazes dioca frita para os manifestantes, e ata-
dizem respeito a Dilma, cou programas como o Mais Médicos, e a
demarcação de terras indígenas.
Lula e o PT; verde e Diretora de uma ONG de defesa dos
animais, Fátima Vanoni diz que foi filia-
amarelo predominam da ao PT durante muito tempo e perdeu
a esperança no partido: “O PT perdeu
entre manifestantes e tudo o que nós acreditávamos, já foi ou-
alguns deles escondem tro partido, teria de ser feita uma gran-
de seleção pela ética; nenhum país vive
o símbolo da CBF nas sem isso. Hoje, estou aqui contra o PT
porque eles deterioraram e perderam
camisas da Seleção tudo aquilo que acreditávamos”.
Brasileira
Seleção Brasileira
Em toda manifestação, são visíveis
pessoas com camiseta da Seleção Bra-
Rodrigo Gomes sileira, mas desta vez alguns manifes-
de São Paulo (SP) tantes cobriram o logo da CBF com fi-
da Rede Brasil Atual ta isolante preta. Não há mais grandes
referências à eleição, como ocorreu nas
A TERCEIRA manifestação contra o go- duas primeiras manifestações. As gran-
verno de Dilma Rousseff e o PT se desen- des preocupações, neste momento, são
rolou na Paulista, dia 16 de agosto, com o impeachment da presidenta Dilma e
participação expressiva, mas mesmo as- impedir que o ex-presidente Lula con-
sim menor do que a primeira manifesta- corra na eleição de 2018.
ção, em 15 de março. São muitas famílias Manifestantes pedem intervenção militar em protesto realizado em São Paulo O microempresário José Carlos Fonse-
e, principalmente, pessoas idosas partici- ca diz que veio para a rua por indignação
pando do protesto. Como nas outras manifestações, o “São Paulo nunca mais vai aceitar um e revolta contra as roubalheiras, menti-
O mote do protesto, exclusivamente, é Hino Nacional é executado à exaus- ras e corrupção do governo petista. Para
o bordão “Fora PT”, como também ata- tão. Além dos gritos contínuos de “Fo- governo corrupto, não importa como ele, o impeachment deve ser dado pelas
ques ao ex-presidente Lula, a atual pre- ra Dilma” e “Fora PT”, algumas faixas normas legais que o TCU ou TSE consi-
sidenta e o prefeito de São Paulo, Fer- chamam atenção, como “Menos Marx,
a Dilma vai cair; a eleição de 2014 derar, em que a presidenta deve ser reti-
nando Haddad. Não há menções a ou- mais Mises”. foi um erro de 4 milhões [de votos] rada do poder. “Estão movendo as cartas
tros partidos ou parlamentares, prefeitos nos bastidores; o PT vendeu esperança e
ou governadores. Segundo o Datafolha, Endireita Brasil e nós não vamos aceitar; precisamos a culpa disso tudo só pode ser um deles;
135 mil pessoas participaram do protes- O caminhão do movimento Endireita eles usam a ignorância a seu favor: vota-
to. É menos que a manifestação de 15 de Brasil foi o mais ativo nessa manifesta- corrigir o erro cometido” ram porque se beneficiaram do Bolsa Fa-
março (275 mil) e mais do que 12 de abril ção; uma ativista ao microfone ressaltava mília e até perceber a mentira, demora.”
(100 mil), segundo o Datafolha. que o ato é contra o PT, onde quer que ele Segundo a Polícia Militar, o protesto
No caminhão do grupo Vem Pra Rua os esteja não é só Lula e Dilma, é também o revelaram ter votado no PSDB, que go- na Avenida Paulista reuniu 350 mil pes-
manifestantes mencionam uma carta do Haddad e todo o PT. verna São Paulo há 20 anos. soas no horário de pico. O caminhão do
jurista Hélio Bicudo, que diria que a de- “São Paulo nunca mais vai aceitar um Um pouco mais romântica, a publi- Vem Pra Rua chegou a anunciar 2 mi-
mocracia foi destruída pelos que estão no governo corrupto, não importa como a citária Tatiana Pacheco, 34, carregava lhões de pessoas, outro caminhão, 800
poder, em benefício próprio. Dilma vai cair; a eleição de 2014 foi um a filha Manuela, 4, nos ombros. A pe- mil, mas de qualquer modo é notória a
Todas as faixas e cartazes dizem respei- erro de 4 milhões [de votos] e nós não quena tinha o rosto todo pintado de ver- queda de público em relação à primei-
to a Dilma, Lula e o PT. Há também re- vamos aceitar; precisamos corrigir o er- de amarelo que, segundo a mãe, foi ela ra participação, quando não era possível
ferências ao juiz Sérgio Moro e até mes- ro cometido.” mesma que pintou. Tatiana disse estar caminhar direito na Paulista. No entan-
mo ao ex-ministro, presidente do Supre- Estudantes da Faculdade de Econo- na rua “por um país melhor, sem cor- to, neste ato do dia 16, só as áreas dos
mo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. mia e Administração (FEA), da USP, rupção”. Para ela, o principal objetivo caminhões de som trouxeram alguma
Muitas pessoas caminham com adesivos Renato Oliveira, de 21 anos, Victor tem de ser melhorar a educação “por- dificuldade para caminhar.
distribuídos pelo partido Solidariedade, Ruiz, 23, e Fábio Rodrigues, 22, dizem que senão as pessoas ficam sem consci- O colunista do Jornal da Cultura, Ro-
agremiação coordenada pelo sindicalista que estavam no protesto para bradar ência”. Para ela, tudo indica que houve berto Delmanto Junior, veio para o ca-
Paulinho da Força, que tem se mostrado contra a Dilma e a corrupção. Acredi- corrupção na eleição, o TSE deve pedir a minhão do Vem Pra Rua e disse que o
como oposição ao governo. tam que o impeachment é uma forma cassação da candidatura de Dilma. PT quer tornar o país comunista: “Nos-
Para a aposentada Margarida Mene- de acabar com a ditadura petista, mas Caminhão com maior mobilização, o sa bandeira jamais será vermelha”. Du-
zes, colocando Lula e Dilma na cadeia consideram que não é uma ditadura es- Endireita Brasil também acumula o tí- as horas após o início da manifestação já
vai haver fôlego para o país se recupe- pecificamente como outra que já hou- tulo de pior manifestação da tarde. Em é grande o contingente de pessoas que
rar do que considera a infinita corrup- ve, mas sim por conta da falta de alter- uma de suas falas, um manifestante dis- deixa o local dirigindo-se às suas casas.
ção petista. Ela pediu para não mostrar nância no poder. Questionados, no en- se que “todo mundo tem família, porque Pelas ruas e nas lanchonetes do entorno
o rosto por medo que a ditadura petis- tanto, em quem votaram para as elei- família é homem e mulher, não esse ban- é notório comentário de que não há na-
ta a caçasse. ções no governo de São Paulo, os três do de vagabundo que tem por aí”.  O ma- da de novo.
8 de 20 a 26 de agosto de 2015 brasil

Overdose de ajuste já afeta empregos Wilson Dias/ABr


ECONOMIA Desemprego em políticas de médio e longo prazo. Vo-
cê fica prisioneiro das medidas de curto
volta a assustar a prazo, e de modo atabalhoado”, observa
população depois de Dedecca. Agora, o governo enfrenta o de-
safio de não deixar crescer um processo
dez anos de melhorias de perda de legitimidade, em meio a uma
crise social. E terá de percorrer um “es-
no mercado de trabalho. treito caminho”, entre as providências do
ajuste fiscal e outras para reduzir o im-
O desafio é retomar o pacto social de tais medidas.
investimento para crescer
Recuperação
Rafael Marques, do Sindicato dos Me-
talúrgicos, acredita em uma recupera-
Vitor Nuzzi ção “mais palpável” a partir do ano que
de São Paulo (SP) vem. “Vai ter um sentimento de melhora,
da Rede Brasil Atual porque as pessoas tendem a se ambien-
tar com esse novo cenário. É possível que
DUAS NOTÍCIAS, uma boa e outra má, no segundo semestre (deste ano) a gente
alteraram a rotina do operador de má- tenha algumas percepções de retomada,
quinas especiais José Djalma de Souza. mas não muito claramente.” Ele cita pro-
Seu filho mais velho, Pablo Lênin, de 17 gramas como o Plano Safra (agricultura
anos, passou pela seleção do Senai e vai familiar), o plano de exportações recen-
começar a trabalhar na Mercedes-Benz, temente apresentado e a iminência do
em São Bernardo do Campo, no ABC Minha Casa, Minha Vida 3, entre outros.
paulista. “São testes difíceis. Ele sempre “A reação é lenta. Poderia ser mais rápi-
estudou em escola pública e conseguiu. Alexandre Tombini, do BC: juros sufocando a economia. Joaquim Levy, da Fazenda, era contra o PPE da se a gente tivesse um ambiente polí-
Para mim, foi uma bênção. Sempre quis tico mais estável. A questão política dei-
ver meu filho trabalhando numa grande como férias coletivas, layoff e programas muito mais preparada do que esteve no xa as pessoas pessimistas, desconfiadas.”
empresa. Dá para fazer uma faculdade de demissão voluntária. passado. Mas há muitas dificuldades”, Isso se reflete no mercado de trabalho.
mais na frente”, comemora Djalma. No caso da Mercedes, no início de ju- afirma. “A adversidade econômica não é “Combater a corrupção, sim. Mas não
Ao mesmo tempo, ele recentemente lho chegou a ser negociada uma proposta pequena, mas é gravemente afetada pela dá para combater corrupção destruindo
passou por um drama que voltou a as- que incluía redução da jornada em 20% crise política, que traz graves restrições à as empresas de infraestrutura nacional”,
sombrar a rotina dos trabalhadores bra- por um ano e de 10% do salário, com es- margem de manobra do governo.” Para afirma o dirigente, também criticando o
sileiros. Prestes a completar 12 anos de tabilidade e retorno de parte dos demiti- ele, dado o nível de restrição na ativida- papel da oposição, particularmente o PS-
fábrica, foi demitido. Pela mesma Merce- dos, que chegaram a montar um acam- de econômica, 2015 e 2016 “serão anos DB, que não mostra respeito ao resulta-
des, por telegrama. Djalma chegou a pas- pamento diante da fábrica. O acordo foi de dificuldade”. do da eleição do ano passado. “Estão tra-
sar seis meses afastado, por meio do sis- rejeitado em votação. Clemente vê a necessidade de um es- balhando no quanto pior, melhor. Preci-
tema conhecido como layoff, de suspen- Mas a retração não se limita a essa área forço, por parte do governo, para reto- samos pensar o país, e na sociedade, pa-
são de contratos de trabalho. da economia. O emprego, que vinha cres- mar a capacidade de investimento do Es- ra valer, de maneira séria.” E o governo
Aos 41 anos, casado com Vanessa, que cendo de forma contínua há mais de dez tado. Essa dificuldade de manter o ní- também precisa dar sinais, combinar po-
trabalhava como manicure, e com um fi- anos, deu sinais de estagnação em 2014. vel de investimento, entre outros fatores, lítica econômica e compromissos sociais,
lho (Caio) nascido em 11 de abril, Djal- A situação não foi pior porque havia pou- tem repercussão em toda a cadeia pro- acrescenta Rafael. “O Lula fez isso. A Dil-
ma mora de aluguel perto do Jardim Zo- ca pressão no mercado de trabalho – a dutiva. Isso ocorre, por exemplo, no se- ma tem de fazer”, afirma. Isso aconteceu,
ológico, em São Paulo, na divisa com o procura por emprego era pequena, o que tor industrial, e faz tempo. “Estamos há acredita, com o PPE, que sofria oposição
ABC. Tem recebido ajuda da família. ajudava a manter baixas as taxas de de- 20 anos ou mais desmobilizando a capa- do ministro Joaquim Levy. “A Fazenda
Mas se preocupa. “Você se sente total- semprego. Uma situação que refletia em cidade produtiva na indústria.” A tarefa foi derrotada. Temos de fazer a política
mente sem nada, sem o pé no chão. Mi- parte a melhoria na renda, o que retar- é complicada e leva tempo, diz o econo- econômica no seu conjunto.” Isso tam-
nha mulher já perguntou como é que a dava a entrada de mais pessoas na popu- mista, que usa a imagem de uma ladeira bém passa pela política monetária: “Na
gente vai fazer. O convênio acabou, es- lação economicamente ativa. Este ano, para ilustrar o tamanho do desafio: para minha avaliação, a taxa de juros já che-
tou buscando outro. E agora, com um mais gente saiu à procura de vagas, em incrementar o crescimento, é para cima. gou no teto”.
moleque de três meses?” um mercado que vem oferecendo poucas “Para desmobilizar, é um precipício.” Mas para o outro mercado, o finan-
Ele está no mercado de trabalho desde oportunidades. ceiro, espera-se ainda mais um pouco
os 14 anos. Foram cinco em uma empre- O mercado de trabalho mostrava bom de aperto. Algumas análises, sutilmen-
sa de material de construção. Passou por desempenho até então. A taxa média de “O governo se acomodou, mesmo te, apontam um lado “positivo” do de-
mais três empresas metalúrgicas até che- desemprego anual, medida pelo IBGE semprego, no sentido de conter pres-
gar à Mercedes – onde também come- em seis regiões metropolitanas, caiu de quando o crescimento perdia fôlego. sões salariais e, consequentemente, a in-
çou pelo Senai. Para o metalúrgico, a em- 12,4%, em 2003, para 4,8% no ano pas- flação. O próprio Banco Central, na ata
presa poderia ter mantido os trabalhado- sado, no menor nível histórico da pes-
A economia brasileira parou na da reunião do Comitê de Política Mone-
res – dispensou 250 –, mesmo em tem- quisa. Também o setor formal mostrou Copa e não retomou desde então. tária (Copom), realizada no início de ju-
pos de crise, considerando o faturamen- evolução, contrariando uma crença for- nho, observava certa “distensão” do mer-
to que teve nos últimos anos e o esforço mada nos anos 1990 de que o emprego As famílias vêm tendo uma atitude cado de trabalho, mas ainda via necessi-
dos operários. com carteira estava condenado à extin- dade de observar o quadro: “Não obstan-
“A minha esperança é voltar e tentar ção. Em junho deste ano, havia 40,9 mi- cautelosa há algum tempo” te a concessão de reajustes para o salá-
se aposentar na Mercedes.” Djalma torce lhões de trabalhadores formais no país, rio-mínimo não tão expressivos, bem co-
pelo sucesso do Programa de Proteção ao segundo o Cadastro Geral de Emprega- mo a ocorrência de variações reais de sa-
Emprego (PPE), anunciado em julho pe- dos e Desempregados (Caged), do Minis- lários mais condizentes com as estimati-
lo governo, por meio da Medida Provisó- tério do Trabalho e Emprego. Em junho Para o professor Claudio Dedecca, do vas de ganhos de produtividade do traba-
ria (MP) 680, após anos de negociações de 2002, eram 22,6 milhões. Instituto de Economia da Universidade lho, o Comitê avalia que a dinâmica sa-
com sindicalistas, embora sem consenso Só que a crise chegou ao mercado. O Estadual de Campinas (Unicamp), o ce- larial ainda permanece originando pres-
entre as centrais. próprio Caged mostra perda de 602 mil nário é ruim, também, do ponto de vis- sões inflacionárias de custos”.
“É uma boa novidade para as relações vagas em 12 meses, até junho – são me- ta social. “A renda vai sofrer mais do que Os dados mostram diminuição da ren-
de trabalho no Brasil”, diz o presidente nos 345 mil só neste ano. Segundo ou- o emprego, a desigualdade vai aumen- da. Segundo o IBGE, a massa salarial nas
do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC tra pesquisa do IBGE, a Pnad Contínua, tar, a pobreza vai recrudescer”, diz. Ele seis regiões metropolitanas estudadas
(entidade que apresentou originalmen- com amplitude geográfica nacional, o de- se afirma otimista no sentido de acredi- caiu 10% desde novembro. Outro levan-
te a proposta), Rafael Marques. “As ne- semprego subiu para 8,1% no trimestre tar que a crise não terá percurso tão lon- tamento, da Fundação Seade e do Diee-
gociações podem melhorar a proposta. É março-maio, ante 7% em igual período go, e pessimista ao avaliar que, daqui até se, aponta perda de R$ 1,9 bilhão em ren-
um suporte importante em um momen- de 2004. Nesse intervalo, foram abertos 2018, dificilmente o crescimento atingi- dimentos nos últimos 12 meses na Gran-
to em que você tem (como alternativas) 297 mil postos de trabalho no país, uma rá 2%, na média. O governo perdeu tem- de São Paulo. “É algo muito ruim em ter-
o layoff ou a demissão. O Brasil não dis- variação de apenas 0,3%, enquanto qua- po, analisa Dedecca, porque os sinais de mos de perspectiva”, diz o coordenador
põe de ferramentas boas para preservar o se 1,6 milhão de pessoas saíram à procu- redução da atividade não são recentes. de análise do Seade, Alexandre Loloian.
emprego”, acrescenta o dirigente, vendo ra de emprego. O resultado foi um acrés- “O governo se acomodou, mesmo quan- No caso do Caged, do Ministério do Tra-
no PPE um instrumento mais racional. cimo de 1,269 milhão no total de desem- do o crescimento perdia fôlego. A econo- balho, a renda média caiu 1,63% no pri-
“Não pressiona tanto o caixa do governo pregados, para 8,157 milhões – cresci- mia brasileira parou na Copa e não reto- meiro semestre. Mas acumula aumento
e preserva posto de trabalho. É mais ra- mento de 18,4%. mou desde então. As famílias vêm tendo real de 43,57% desde 2003.
cional do que pagar uma pessoa desem- O emprego cai tanto entre os com car- uma atitude cautelosa há algum tempo.”
pregada. Pode ser um paliativo, mas é teira no setor privado como entre os sem As medidas de desoneração de alguns
uma boa nova. Pode virar um programa carteira, aumentando entre os trabalha- setores, implementadas no mandato an- “A reação é lenta. Poderia ser
perene, e melhorar.” dores por conta própria. O cenário é de terior, expressam essa acomodação, diz o
O PPE possibilita, por meio de acor- “mais pessoas procurando trabalho, uma economista. “Qualquer analista do com- mais rápida se a gente tivesse um
do coletivo negociado com o sindicato da ocupação que não cresce, a carteira de plexo automobilístico sabia que aque-
categoria e aprovado em assembleia, re- trabalho caindo”, na definição resumi- le aumento da produção ia se interrom-
ambiente político mais estável. A
dução de jornada e salários em até 30%. da do coordenador de Trabalho e Rendi- per a qualquer momento.” Para ele, teria questão política deixa as pessoas
A diminuição do rendimento seria par- mento do IBGE, Cimar Azeredo. sido importante aproveitar o momento
cialmente compensada com recursos do para discutir estratégias e planejamento pessimistas, desconfiadas”
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Dificuldades para o setor, talvez desenvolvendo políti-
Rafael acredita que o programa poderá O cenário é difícil, avalia o diretor téc- cas voltadas ao transporte coletivo.
garantir a manutenção de pelo menos 3 nico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. “A A reflexão vale para a macroeconomia.
mil postos de trabalho na região, fustiga- economia brasileira tem condições de su- “Não fizemos nenhum esforço mais or- O metalúrgico Danilo Gritti Leite, 29
da pela crise na indústria. perar essas dificuldades, e acho que está ganizado, mais estruturado, para pensar anos, aguarda dias melhores. Pratica-
mente metade de sua vida foi dentro da
Mercedes-Benz de São Bernardo, da qual
Márcia Minillo/RBA

“Você se sente totalmente foi demitido após 14 anos (e com 13 me-


ses passados em layoff) – entrou aos 15,
sem nada, sem o pé no pelo Senai. Soube da dispensa por um
chão. Minha mulher já boletim da empresa e pela TV. Ele apro-
veitou o período de inatividade para fa-
perguntou como é que a zer cursos. “Se não, a cabeça fica a mi-
lhão.” E acompanhou uma caravana que
gente vai fazer. O convênio no dia 28 de julho foi a Brasília protestar,
em frente ao Ministério da Fazenda, con-
acabou, estou buscando tra a política de juros. Naquele dia, a taxa
outro. E agora, com um básica foi elevada de 13,75% para 14,25%
ao ano, e, sua sétima alta seguida.
moleque de três meses?” Da mesma forma que o colega Djalma,
ele teve boas e más notícias. Em mar-
ço, a mulher de Danilo, gerente de pro-
jetos na área de publicidade, havia sido
Retração demitida. Com rendimentos equivalen-
O caso do setor automobilístico espe- tes, o casal – que mora de aluguel em São
lha o momento preocupante. Segundo a Bernardo, item responsável por um ter-
Anfavea, a associação das montadoras, ço da renda – se programou, então, pa-
em 12 meses, até junho, foram elimina- ra se manter durante algum tempo com
dos 14.500 postos de trabalho, uma que- apenas um salário. Só que ela conseguiu
da de quase 10%, sendo 10.400 em au- nova ocupação dois meses depois, jus-
toveículos (-8%) e 4.100 em máquinas tamente quando ele perdeu o emprego.
agrícolas (-20%). Várias empresas, não Uma vaga que Danilo tem esperança de
apenas no ABC, recorreram à medidas Filho mais velho de Djalma conseguiu vaga na Mercedes-Benz, quase ao mesmo tempo em que ele foi demitido retomar. (Revista do Brasil)
brasil de 20 a 26 de agosto de 2015 9

Governo quer superar clima de


pessimismo e ampliar diálogo André Tambucci/Fotos Públicas

AVANÇO De acordo
com o ministro Edinho
Silva, neste momento o
governo está mais focado
com a agenda positiva e a
retomada do crescimento
da economia

Luana Lourenço
de Brasília (DF)

UM DIA APÓS a terceira série de mani-


festações pelo país contra o governo da
presidenta Dilma Rousseff, o ministro da
Secretaria de Comunicação Social, Edi-
nho Silva, informou que a mobilização
do dia 16 de agosto foi vista como “um fa-
to natural dentro da normalidade demo-
crática” e que o governo está trabalhando
para superar as dificuldades que levaram
os insatisfeitos às ruas.
Edinho Silva evitou comentar os pedi-
dos de impeachment da presidenta Dil-
ma durante as manifestações. De acordo
com o ministro, neste momento o gover-
no está mais preocupado com a agenda
positiva e a retomada do crescimento da
economia. Ele destacou a ampliação do
diálogo do governo com o Congresso Na-
cional e com os movimentos sociais, res-
saltando que é preciso superar o clima de
“pessimismo” sobre a atual situação polí-
tica e econômica do país.
“O governo tem lidado com as mani- Manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo: país vive momento de intolerância
festações como fatos naturais de um re-
gime democrático. Tem lidado com es- to econômico e da geração de emprego”, “O governo tem lidado com as oposição nos protestos desse domingo.
ses fatos dentro da normalidade demo- destacou. Segundo ele, parte do movimento “as-
crática e assim vamos continuar fazendo. manifestações como fatos naturais de um sumiu uma conotação ideológica muito
Reconhecemos a importância da mobili- Intolerância forte” nas manifestações. “Tanto que fi-
zação do dia 16, mas governo continua- Apesar de reconhecer a legitimidade
regime democrático. Tem lidado com esses ca até difícil a presidenta dialogar, por-
rá trabalhando, construindo sua agenda. das manifestações, o ministro disse que o fatos dentro da normalidade democrática que não tem uma pauta, não apresenta-
O governo acredita que as medidas eco- Brasil vive um momento de intolerância, ram uma pauta.”
nômicas que, em grande parte já foram que não condiz com a tradição de respei- e assim vamos continuar fazendo” Guimarães e os líderes do governo no
tomadas, criam condições para que Bra- to à liberdade de pensamento no país. Senado, José Pimentel (PT-CE), e no Con-
sil retome, num curto espaço de tempo, o “É óbvio que estamos num momento gresso, Delcídio Amaral (PT-MS), tam-
crescimento”, disse Edinho, após a reu- de intolerância política, religiosa e cultu- bém participaram da reunião de coorde-
nião de coordenação política, comanda- ral. É um momento difícil da vida brasi- Para o governo, os protestos do dia 16 nação política e apresentaram as priori-
da por Dilma, com 12 ministros. leira e temos de trabalhar para desfazer tiveram um recuo na quantidade de par- dades do governo na pauta legislativa.
“É importante que os brasileiros acre- esse ambiente. O Brasil sempre conviveu ticipantes em relação à primeira mani- Os destaques da lista são os projetos
ditem no Brasil, que o empresariado com a diversidade cultural, religiosa, re- festação – em março deste ano – mas, que reduzem a desoneração da folha de
acredite no Brasil. As condições que es- gional e política. Temos de combater es- conforme o ministro, o número ou o per- pagamento para alguns setores da eco-
tamos passando são de dificuldade, mas se ambiente, de modo que o Brasil volte fil socioeconômico dos manifestantes nomia e o que permite a repatriação de
vivemos em um país com todas as condi- a ter aquilo que sempre foi sua tradição, que foram às ruas não afetam a legitimi- dinheiro de origem lícita depositado no
ções de superação. Em breve, estaremos que é a convivência democrática com a dade da mobilização. exterior sem declaração à Receita Fe-
colhendo os frutos das medidas que fo- diversidade de pensamento, expressão, Líder do governo na Câmara, o depu- deral. O primeiro tramita com urgência
ram tomadas. Esse é o centro da atenção opções, diversidade cultural e religiosa”, tado José Guimarães (PT-CE) destacou constitucional e está trancando a pauta
do governo: a retomada do crescimen- afirmou Edinho. a presença de lideranças de partidos da de votações do Senado. (Agência Brasil)

OPINIÃO

Apagões, viroses e outros diagnósticos Agência Corinthians


FUTEBOL A entrega da lizando negociações isoladas com os clu-
bes, pondo fim à sua existência.
seleção brasileira e dos Quanto à seleção, não é por acaso que
o principal delator dos escândalos inter-
campeonatos nacionais nacionais seja José Hawilla, responsável
ao controle da Rede Globo pela intermediação na venda dos direitos
de transmissão das partidas. A existên-
está na raiz dos problemas. cia do intermediário, nesse tipo de tran-
sação, tem como objetivo apenas possibi-
O esporte mais popular litar a distribuição de propinas para diri-
do país foi reduzido a um gentes de federações e confederações, co-
mo salienta o jornalista Luiz Carlos Aze-
programa de TV nha, um dos autores do livro O Lado Su-
jo do Futebol.
As “tenebrosas transações” do futebol
brasileiro ganharam espaço e se perpe-
Lalo Leal  tuaram, deixando para segundo plano
questões como a formação dos atletas e
COPA DO MUNDO: Alemanha 7 x 1 Bra- a qualidade dos espetáculos. Sem ver na
sil. Diagnóstico do Scolari: “Apagão”. Co- TV os times de sua cidade ou de seu esta-
pa América: Brasil desclassificado pelo do, meninos e meninas passaram a tor-
Paraguai. Diagnóstico do Dunga: “Viro- cer por clubes do eixo Rio-São Paulo e,
se”. Em outras profissões, diagnósticos mais recentemente, para os integran-
desse tipo poderiam ser submetidos a tes da Liga dos Campeões da Europa. E
conselhos de ética e seus autores, a puni- quando veem a seleção no gramado têm
ções. Diagnósticos sérios, se fossem fei- dificuldade de reconhecer a maioria dos
tos, iriam buscar as razões dessas der- Corinthians e Avaí se enfrentam em partida válida pelo Brasileirão jogadores, muitos deles com carreira ini-
rotas em problemas bem mais profun- ciada na pré-adolescência fora do Brasil.
dos. Práticas capazes de transformar, em A entrega da seleção brasileira e dos nhum do Norte. Salvador, Fortaleza e As mudanças legais aprovadas no iní-
duas ou três décadas, o “melhor futebol Brasília somam mais de 9 milhões de cio de julho pelo Congresso Nacional,
do mundo” num coadjuvante menor das campeonatos nacionais ao controle habitantes, e não têm nenhum clube na sob forte pressão contrária da bancada
grandes disputas internacionais. da Rede Globo de Televisão está na série A do Brasileiro. dos cartolas, ainda são muito tímidas.
A entrega da seleção brasileira e dos Na Inglaterra, 50% dos direitos de Seguimos longe dos melhores modelos
campeonatos nacionais ao controle da raiz desses problemas transmissão são distribuídos igualitaria- europeus e mais distantes ainda da Ar-
Rede Globo de Televisão está na raiz des- mente e a outra metade leva em conta os gentina, que devolveu ao público o direi-
ses problemas. O esporte mais popular tamanhos das torcidas e o desempenho to de ver pela televisão, sem custos, o fu-
do país foi reduzido a um simples pro- técnico nas disputas anteriores. Na Ale- tebol do seu país.
grama de TV, obrigado a se ajeitar na Essa lógica fez inúmeros clubes desa- manha, o sistema é mais radical: o to-
grade de programação da emissora, se- parecerem da televisão e com isso se in- tal das quotas de televisão é distribuído Laurindo Lalo Leal Filho é professor
gundo suas conveniências comerciais. viabilizarem comercialmente. Os direi- igualmente entre todos os clubes. aposentado da Escola de Comunicação
As consequências foram danosas pa- tos de transmissão são negociados clu- Caminhamos rumo ao modelo espa- e Artes da Universidade de São Paulo. Seu
ra clubes, seleções e torcedores, os mais be a clube, recebendo mais dinheiro nhol, em que apenas duas equipes dis- principal objeto de estudo tem sido a análise
prejudicados. Nos jogos noturnos são aqueles que, em tese, podem dar mais putam para valer o campeonato nacio- de políticas públicas de comunicação,
obrigados a sair do estádio à meia-noite audiência. É a contribuição da TV pa- nal, com uma terceira na sombra. A úni- em especial para a televisão. Publicou,
porque as partidas devem começar de- ra o desequilíbrio financeiro entre eles, ca tentativa de tornar mais equilibrada a entre outros, os livros Atrás das Câmeras:
pois da novela. E ao se postarem diante com os mais fortes se tornando cada distribuição dos direitos de transmissão relações entre Estado, Cultura e Televisão e
da TV, são vítimas do monopólio, já vez mais fortes, às custas dos demais. no Brasil ocorreu com a criação do Clube A melhor TV do mundo: o modelo britânico
que a emissora seleciona um jogo para Dos 20 clubes que disputam o campeo- dos 13, organização que negociava com a de televisão. Atualmente apresenta o
transmitir e impede as demais de ofere- nato nacional deste ano, há apenas um TV em nome dos principais clubes brasi- programa VerTv, exibido pela TV Brasil e é
cer alternativas. do Nordeste, um do Centro-Oeste e ne- leiros. A Globo conseguiu debilitá-lo rea- colunista do site Carta Maior.
10 de 20 a 26 de agosto de 2015 cultura 11

Venda de sangue e de rins em Locarno Fotos: Divulgação

Filmes brasileiros
Três bons filmes brasileiros do em vista os conhecimentos de Petra
e seus contatos com o grupo do Thêatre
marcaram presença em du Soleil, que estivera no Brasil.
A evolução para um filme sobre a ma-
Locarno:“Heliópolis”, de ternidade, ocorreu quando ao contata-
Sérgio Machado,“Futebol”, rem a atriz italiana Olivia Corsini, em
Paris, ela lhes informou estar grávida
de Sérgio Oksman e do seu companheiro, também ator do
Thêatre du Soleil, o francês Serge Nico-
a coprodução com a lai. O filme foi todo filmado em Paris,
no bairro de Belleville, onde o casal ain-
Dinamarca,“Olmo e a da mora num apartamento alugado.
Gaivota” A sequência do filme nos mostra mui-
ta sensibilidade: Olívia se preparava pa-
ra uma peça teatral de Tchecov e acre-
ditava poder trabalhar até às vésperas
do parto, porém a gravidez se compli-
cou logo no início, exigindo repouso e a
de Locarno (Suíça) impedindo de subir e descer as escadas
do apartamento.
“Futebol e morte do pai”, de Sérgio O primeiro choque foi doloroso por-
Oksman. A ideia do realizador brasilei- que precisou deixar de participar dos en-
ro era de fazer um filme ficção com seu saios e da participação na estreia da pe-
próprio pai, depois de vinte anos de au- ça em Nova Iorque. O filme busca captar
sência, tendo como pano de fundo a Co- esse clima no casal, com a suspensão da
pa do Mundo. Mas aconteceram dois carreira de Olívia que, na verdade, con-
imprevistos – não havia um clima de “Futebol” retrata o último encontro entre pai e filho que viveram quase sempre separados tinua, pois após o nascimento do meni-
Copa no bairro onde vivia seu pai, nem no, que recebeu o nome de Olmo, hoje
no café, nem no restaurante, e para pio- provavelmente tinha pensado num fil- esquerda brasileira, Pedro Pomar, co- com dois anos e com os pais em Locar-
rar, quando a Alemanha bateu o Brasil, me positivo e mesmo eufórico, de ale- meçou a fazer cinema há seis anos com no, Olívia deixou o Thêatre du Soleil por
seu pai estava no hospital, morrendo lo- gria brasileira vitoriosa, de um jantar o curta “Olhos de Ressaca”, mostra- não poder assegurar uma presença diá-
go depois. comemorativo com o pai com bandei- do no Festival de Gramado, e a seguir, ria de doze horas para repetições e apre-
O resultado é o filme ter se tornado um ras desfraldadas na rua. o longa “Elena”, em 2012, com quatro sentações, como os outros atores.
“Te Prometo Anarquia”, de Julio Hernández Cordón, fala dos jovens mexicanos que vivem de doações a bancos de sangue documentário de um último encontro Mas o dibbuk (diabinho na lenda ju- prêmios no Festival de Brasília, onde Petra conta ter feito uma pesquisa e
entre pai e filho, que viveram quase sem- daica) entrou na história e carregou nas estreou, apresentando-se a seguir em verificado não haver filmes dedicados,
CINEMA Festival de Cinema de mentos de pessoas no México, sem que pessoas necessitadas de um transplante. Vimukthi Jayasundara conseguiu se pre separados. O velho Simão Oksman, tintas. As referências à Copa param no muitos festivais internacionais. da maneira do filme “Olmo e a Gaivo-
os sequestradores deixem pistas. Seriam Como é sempre difícil se encontrar afirmar nos grandes festivais, depois nascido em Ourinhos, de pais judeus po- hospital, quando o Brasil perdia de 5 a Precoce, começou a escrever para te- ta”, à complexidade dos sentimentos da
Locarno, encerrado dia 15, trouxe utilizadas para transplante de órgãos? doadores, os indianos com mais recur- de ter estudado cinema na França. loneses, vindos ao Brasil antes da Segun- 0. As referências ao pai terminam em atro aos 14 anos, seguindo-se estudo de mulher grávida, durante o crescimento
Essa pergunta tem sua razão, porque sos vão comprar o rim no país mais po- Seu primeiro longa-metragem “A Ter- da Guerra, levava vida dura em São Pau- plano distante, sob a chuva, com a reci- antropologia, que ela mesmo explica: de um outro ser dentro de seu corpo, e
algumas questões fundamentais outro filme, na competição internacio- bre, o Sri Lanka. Essa situação cria trafi- ra Abandonada”, ganhou a Câmera de lo com sua loja de consertos de apare- tação do kadish. Acabou a Copa, acabou “Só com teatro eu não teria muita coi- das repercussões da gravidez nas rela-
para a sobrevivência humana, assim nal, “Sulanga gini aran” (“Faz escuro na
luz branca”), vindo do Sri Lanka, antigo
cantes de rins e nem sempre a extração
do rim comprado ocorre dentro das nor-
Ouro de Cannes, em 2005. Seu segun-
do longa-metragem, “Entre dois Mun-
lhos informáticos. Mesmo gostando de
futebol e tendo memorizado nomes de
o pai e acabou o filme. sa para falar, o teatro era o veículo e exi-
gia um conteúdo. E antropologia no Bra-
ções do casal.
“Depois do longo caminho para a mu-
como a discussão de costumes, a Ceilão, do realizador Vimukthi Jayasun- mas médicas. O filme mostra uma doa- dos”, foi selecionado em 2009, para a jogadores de outras Copas, não podia fe- Limitações impostas pela gravidez sil é muito importante porque o conhe- lher se afirmar como artista e como ser
dara, tem como seu tema principal o co- dora violada e seu corpo jogado no mato Mostra de Veneza. Seu terceiro lon- char seu comércio para ver os jogos. Foi uma pena o filme meio-brasileiro cimento está na terra e no povo. E a an- humano”, diz Petra, “a gravidez traz um
busca de novos documentos para mércio de rins, comprado de homens e por um médico sem escrúpulos. ga, “Cogumelos”, foi apresentado na O casamento de Simão durou pouco e (feito em codireção e coprodução com a tropologia me ajuda muito nos meus fil- novo momento, como o da atriz Olívia,
mulheres pobres por intermediários de Embora o Sri Lanka seja um dos paí- Quinzena dos Realizadores do Festival Sérgio tinha cinco anos quando seu pai Dinamarca) “Olmo e a Gaivota” não ter mes, me permitindo fazer uma etnologia obrigada a deixar tudo quanto havia
aclarar um momento da história ou médicos que negociam diretamente com ses mais pobres do planeta, o cineasta de Cannes, em 2011. foi morar num hotel, onde viveu quin- entrado na competição internacional. ou arqueologia dos sentimentos, ao que conquistado no teatro para se abrir para
ainda uma visão da religião com suas ze anos, deixando-o com a mãe. Os en- Sua abordagem do tema da maternida- se seguiu um mestrado em psicologia”. o desconhecido, com o risco de abando-
contros entre os dois tinham sempre rá- de, numa visão bem feminina, enrique- Pormenor curioso, Petra não conhecia no de toda uma carreira, nem que seja
consequências sociais ou pessoais dio no carro e futebol. Por isso, a ideia cida de poesia e amor, lhe daria certa- Lea Glob, que seria sua parceira na di- temporariamente. Como uma frase da
de Sérgio, de cadenciar o reencontro do mente uma recompensa garantida. reção do filme. O encontro entre as du- personagem Arcádia, da peça de Tche-

Filme alemão sobre pista nazista


pai, depois de mais de quinze anos de Concorrendo na mostra paralela Ci- as decorreu de um convite de um festi- cov, que Olívia ia interpretar – ‘Acredi-
ausência, como emigrante na Espanha, neastas do Presente, dedicada aos no- val dinamarquês de documentários, o to na minha arte e carrego essa cruz de
Rui Martins com os jogos da Copa do Mundo. vos cineastas, “Olmo e a Gaivota” é co- CPH:DOX, de Copenhague. Logo de- ser artista!’.”
de Locarno (Suíça) Uma boa parte das filmagens foi fei- dirigido pela brasileira Petra Costa e pois de se conhecerem com a atribuição E Petra acrescenta: “Há também a
especial para o Brasil de Fato ta do banco traseiro do Fusca de Simão, pela dinamarquesa Lea Glob, um fil- de fazerem um filme, afinaram suas sen- questão do amor após a gravidez: exis-
O ganhador do Prêmio do Lothar Hermann, contou para o pai es- onde se espremiam os responsáveis pe- me considerado híbrido por ficar entre sibilidades e elaboraram um primeiro te uma relação pós-filho? O casal deixa
TERMINOU, dia 15 de agosto, a 68ª de Locarno (Suíça) tar namorando o filho de Eichmann. la câmera e o som. Do lado de fora, o o documentário e a narrativa de ficção. projeto de uma investigação psicológi- de olhar só para si e passa a olhar para
edição do Festival de Cinema de Locar- Público não foi um simples Ora, ao contrário da maioria dos imi- céu nublado e a seleção brasileira de fu- Petra Costa, cujo nome foi uma ho- ca de uma mulher ligada ao teatro, con- um outro com toda a adaptação neces-
no. O evento, que teve início no dia 5 Locarno tem três competições princi- grantes alemães na Argentina daquela tebol não colaboraram. Sérgio Oksman menagem dos pais à figura histórica da tando os atos simples do cotidiano, ten- sária”. (RM)
deste mês, na Suíça, continua manten- pais, a chamada Competição Internacio- filme de entretenimento, época, simpatizantes do nazismo ou fu-
do sua independência e sendo uma pla- nal, com os filmes de primeira grandeza, gidos da Alemanha por terem participa-
taforma de exibição dos filmes dos paí- a dos Cineastas do Presente, com filmes como costuma ocorrer, do direta ou indiretamente do partido

“Heliópolis” emociona crítica em Locarno


ses pobres e emergentes. de jovens ou novos realizadores, e a dos mas um filme alemão nazista, Hermann nunca fora pró-nazis-
O Brasil participou com destaque do Cineastas de Amanhã, dedicada aos cur- tas e condenava os crimes por eles come-
evento. Foram oito filmes distribuídos tas-metragens. sobre uma pista tidos. Assim, enviou uma carta ao pro-
entre a competição internacional, proje- Além disso, fora de competição exis- motor Fritz Bauer contando essa revela-
ção no telão de 300 m² da Piazza Grande tem os filmes destinados ao grande pú- recentemente revelada e que ção – a de que Eichmann vivia em Bue-
e a competição dos Leopardos de Ama- blico, no telão de 300 m², na vasta Pia- nos Aires e trabalhava para a Mercedes-
nhã. E isso sem contar os filmes em pós- zza Grande, onde nas noites de verão se localizou um dos maiores -Benz, cujo chefe do pessoal protegia an- Filme emocionante mostrado tura e ter o que outros tinham. Isso aca-
-produção levados por quatro produto- reúnem mais de 8 mil espectadores. De- tigos nazistas. bou por criar ainda mais choques com
res brasileiros, convidados pelo Festival pois de verem o filme da noite, os espec- criminosos de guerra, o Na verdade, os antigos nazistas, e mes- para a crítica,“Heliópolis” a população das classes superiores, que
em colaboração com o Cinema do Bra- tadores podem votar, se assim deseja- mo membros da SS, gozavam de mui- decidiram aumentar a altura dos seus
sil, dentro da mostra Match Me, reserva- rem, pelo filme. nazista Adolf Eichmann ta proteção: saíram da Europa com pas- encerrou o Festival Internacional muros de separação, como essa classe
da aos profissionais nos Industrial Days, Desta vez, o ganhador do Prêmio do saportes concedidos pela Cruz Vermelha de Cinema, com projeção no alta que vive em São Paulo nos condo-
realizado entre 8 e 10 de agosto. Público não foi um simples filme de en- Internacional, tinham o apoio do presi- mínios fechados, com a tendência de se
No festival, algumas questões funda- tretenimento, como costuma ocorrer, dente argentino Juan Domingo Perón, telão de 300 m² da Piazza Grande, isolarem cada vez mais.”
mentais para a sobrevivência humana mas um filme alemão sobre uma pista mou o Mossad sobre a presença de Ei- empresas alemãs lhes davam emprego e “Porém, ao contrário de filmes como
foram temas dos filmes, assim como a recentemente revelada e que localizou chmann em Buenos Aires e não ter si- a própria Alemanha evitava procurar os diante de oito mil pessoas “Tropa de Elite” e “Cidade de Deus” que
discussão de costumes, a busca de no- um dos maiores criminosos de guerra, o do o Mossad quem localizou Eichmann. antigos nazistas, mesmo porque ainda falam de desesperança, eu acho e mui-
vos documentos para aclarar um mo- nazista Adolf Eichmann, encarregado da Na verdade, tudo decorreu de um na- havia no governo antigos nazistas. tas pessoas em diversos lugares pare-
mento da história ou ainda uma visão solução final ou o extermínio dos judeus moro de jovens – o filho de Eichmann O promotor Fritz Bauer, sabendo não cem também achar, haver esperança,
da religião com suas consequências so- fixado por Hitler. tinha orgulho de seu pai ter participa- poder contar com o apoio do governo de Locarno (Suíça) devendo-se construir pontes em lugar
ciais ou simplesmente pessoais. Trata-se do filme do cineasta italiano do do extermínio de judeus e se vanglo- alemão para extraditar Eichmann da Ar- de muros”, diz Sérgio Machado.
Lars Kraume, “O Estado alemão contra riava disso nos encontros da associação gentina, decidiu informar o Mossad que, Dirigido por Sérgio Machado e pro-
Fritz Bauer”, pelo qual se fica sabendo de imigrantes alemãs em Buenos Aires. a princípio, também não acreditava na duzido por Fabiano Gullane, filme “He- Marcante
O Brasil participou com destaque do ter sido o promotor alemão que infor- E foi assim que sua namorada, filha de informação de Lothar Hermann. (RM) liópolis” mostra o processo romancea- Uma cena marcante no filme é quando
do da formação da Orquestra de músi- o professor de música Laerte, bronqueia
evento. Foram oito filmes distribuídos ca clássica de Heliópolis com jovens da os alunos por não terem uma postura
favela de mesmo nome, perto do bair- adequada ao aprendizado do seu ins-
entre a competição internacional, ro paulistano do Sacomã, em São Pau- Lázaro Ramos em cena do brasileiro “Heliópolis”, de Sérgio Machado trumento, um relaxamento excessivo, e
projeção no telão de 300 m² da Piazza lo (SP). passa a exigir que se sentem, falem e to-
A Orquestra Sinfônica de Heliópolis trumentos que tocavam. Quando a or- uma delas tendo tocado para o Papa, na quem corretamente. “Eu acho essa cena
Grande e a competição dos Leopardos começou a ser formada há vinte anos e questra começou a fazer nome na fave- sua visita ao Brasil. Não basta mostrar importante, porque o professor vê seus
hoje se apresenta com regularidade na la, o chefe dos traficantes da região pe- nossas favelas, é preciso dar aos jovens alunos como pessoas”, diz Machado.
de Amanhã Sala São Paulo, ao lado da Estação da diu para a orquestra tocar uma valsa no favelados uma oportunidade, ora a for- “Outra coisa importante: quando se
Luz, na capital paulista, com turnês pe- aniversário de quinze anos de sua filha. mação musical lhes dá essa oportunida- dá a esses jovens uma oportunidade,
lo Brasil e exterior. Os jovens favela- Um depoimento retomado no filme é o de”, diz Sérgio Machado, cineasta baia- uma chance, eles agarram com toda
dos com talento musical revelaram-se de uma aluna dizendo ter sido apanha- no vivendo em São Paulo. força e fazem tudo para merecer. Basta
Nem sempre os filmes premiados cor- dedicados no aprendizado de seus ins- da na rua e que só se sentia ela mesma “Uma das primeiras apresentações pouco para se obter muito.”
responde a uma expectativa social, po- trumentos, porém, inicialmente não sa- nos ensaios da orquestra, tocando seu no Brasil, será na favela de Heliópolis, “Vamos ver se no dia do lançamen-
rém entre os filmes exibidos há os re- biam ler o pentagrama, claves e notas instrumento. com o filme, a orquestra e um debate, to do filme, que deverá ser em novem-
veladores de realidades revoltantes. É das partituras musicais. Todos os jovens da orquestra e todos num local com capacidade para vinte bro, a Orquestra Heliópolis tocará junto
o caso do filme mexicano “Te Prome- Tudo começou quando, em 1996, o os jovens participantes do filme, com mil pessoas. Houve um grande aumen- com a Orquestra Sinfônica de São Pau-
to Anarquia”, dirigido pelo americano- maestro Silvio Baccarelli viu pela tele- exceção do ator principal Lázaro Ra- to do consumo dentro da camada po- lo, essa será mais uma ponte criada.”
-guatemalteco Júlio Hernández Cor- visão um incêndio na favela Heliópolis mos, são da favela de Heliópolis, exi- bre da população, não há mais fome no Sérgio Machado, que fez mesmo crí-
dón, mostrando cenas da juventude e decidiu dar cursos grátis de formação gência mantida para se garantir a vera- Brasil, o que é importante. Na casa des- ticos chorarem com o filme considera-
mexicana, como a venda semanal de musical e instrumentos musicais aos fi- cidade e autenticidade do filme. ses jovens há televisão e computadores, do a surpresa final do Festival, fez sua
sangue para os hospitais que precisam lhos dos favelados. O primeiro grupo mas, infelizmente, a formação do povo formação na Bahia e trabalhou, durante
de transfusões de emergência. formado tinha 36 alunos, atualmente a Oportunidade em termos de cultura não andou nessa quinze anos, como assistente de direção
A excessiva venda de sangue provoca Orquestra Sinfônica conta com mais de Sérgio Machado e seu produtor es- mesma velocidade”, diz o realizador do do realizador Walter Salles.
anemia, fraqueza e predispõe a desmaios noventa músicos e é regida regularmen- peram ter o filme no Festival do Rio e filme. Seu primeiro curta-metragem foi
inesperados. Entretanto, na venda legal te por Isaac Karabtchevsky e tem como na Mostra de São Paulo. “O filme ba- “Não existe mais fome e miséria no “Troca de Cabeças”, em 1993. Seguiu-se
de sangue podem acontecer imprevistos, patrono o maestro Zubin Mehta. sicamente não é um filme sobre músi- Brasil, prossegue o diretor Machado, “Onde a terra Acaba”, em 2001, exibi-
como o desaparecimento de cinquenta O filme incorpora situações vividas na ca, mas sobre a chance de mudar de vi- mas isso criou um paradoxo: quando do no Festival de Havana e do Rio. Seu
pessoas contratadas por um traficante e época da preparação dos primeiros mú- da. Dez mil jovens da favela já passa- aumentou o consumo das pessoas das primeiro longa, foi “Cidade Baixa”, em
levadas num caminhão, sem retornarem. sicos, quando podiam brigar no meio ram por essa escola, pertencente ao que camadas mais pobres da população, 2005, e depois “Quincas Berro d’Água”,
Indagado sobe isso, o diretor do filme ex- dos ensaios, não sabiam se sentar e se transformou no Instituto Baccarelli elas não se sentiram mais bichos e pas- em 2009, adaptado de um romance de
plica serem frequentes os desapareci- Vencedor do prêmio do público, “O Estado alemão contra Fritz Bauer” trata da captura do nazista Adolf Eichmann nem como segurar corretamente os ins- e quatro orquestras já foram formadas, saram também a querer consumir cul- Jorge Amado. (RM)
12 de 20 a 26 de agosto de 2015 cultura

Entre os mundos real


e virtual
CRÔNICA Somos seres que
Banksy
real para o virtual. Somos seres que tra-
fegam simultaneamente em dois mun-
trafegam simultaneamente dos: o da realidade de nossas necessi-
dades e o da virtualidade de nossos so-
em dois mundos: o da nhos e desejos.
realidade de nossas Trancados em nossos egos, avessos à
sociabilidade, navegamos nas redes so-
necessidades e o da ciais que dispensam texto e contexto.
Bastam vocábulos desconexos, abrevia-
virtualidade de nossos ções, o balbuciar de sinais gráficos que
nos conectam com a plateia global que,
sonhos e desejos acomodada no teatro do mundo, desco-
nectada do real, mantém os olhos fixos
no palco vazio.
As grandes narrativas são deletadas
Frei Betto por esse tempo desprovido de memó-
ria e utopia. O passado passou, o futu-
NOSSO MUNDO pós-moderno é frag- ro é uma quimera... Só resta o presen-
mentado. Uma de suas expressões mais te que se sucede prisioneiro da circula-
evidentes é o videoclipe. Enxurrada de ridade infinita.
flashes, vibrações acústicas, sons distor- Ninguém ingressa em uma casa sem
cidos. Rompe-se a linearidade, enquan- antes avisar ou ser convidado, marcar
to a simultaneidade embaralha passado, hora, identificar-se com o porteiro e jus-
presente e futuro. Tudo é simuladamen- tificar a espera e atenção.
te aqui e agora. No entanto, centenas de pessoas inva-
O Iluminismo, ancorado na literatu- dem, pelas redes sociais, o nosso espaço
ra, cede lugar à digitalização frenética. privado, ferem a nossa sensibilidade com
Mundo que carece de sentido. Forma ofensas e desaforos, desafiam os nossos
que dispensa conteúdo. A performance valores, jogam-nos na vala comum das
do artista ultrapassa a arte que ele pro- emoções cifradas. Tudo se assemelha a
duz. Seu nome vale mais que seu desem- um jogo de pingue-pongue com rede, po-
penho. A valoração dá lugar à exaltação. rém sem mesa.
Viciados em digitalização, aprisiona-
dos pela tecnologia que assegura retor-
Escravos da virtualidade, no imediato ao capital, perdemos horas
e horas da vida atirados ao ringue ono-
acorrentados nas redes, não somos matopaico. Não navegamos, naufraga-
mos. Deixamo-nos aprisionar pelas re-
mais capazes de desligar o celular des que nos favorecem a evasão de pri-
e de nos desligar dele. É ele que vacidade.
Ora, ninguém precisa mais se preocu-
nos permite olhar o mundo pela par em invadir a nossa privacidade. Nós
mesmos nos expomos em rede global,
janelinha eletrônica dessa prisão arrancamos máscaras e roupas, escanca-
ramos nossa indigência cultural e nossa
em que nos trancamos e cuja miséria espiritual.
chave jogamos nas águas que Como artefato tecnológico, somos
também apenas uma forma. Um obje-
cercam a ilha na qual nos isolamos to jogado, aleatoriamente, no turbulen-
to mar da dessignificação.
desprovidos de alteridade e sentido Escravos da virtualidade, acorrenta-
dos nas redes, não somos mais capazes
de desligar o celular e de nos desligar
dele. É ele que nos permite olhar o mun-
Einstein, que desnudou o mistério do do pela janelinha eletrônica dessa pri-
Universo com suas equações, é sucedi- Viciados em digitalização, aprisionados pela são em que nos trancamos e cuja chave
do por Steve Jobs, que nos oferece ma- jogamos nas águas que cercam a ilha na
ravilhas tecnológicas embaladas de refi- tecnologia que assegura retorno imediato ao capital, qual nos isolamos desprovidos de alteri-
namento estético, movidas à velocidade perdemos horas e horas da vida atirados ao ringue dade e sentido.
que desafia o cérebro humano.
Agora a alienação já não resulta de onomatopaico. Não navegamos, naufragamos Frei Betto é escritor, autor de
ideologias que distorcem a realidade Um Deus muito humano –
para nos incutir a mentira como ver- um novo olhar sobre Jesus
dade. Basta que sejamos deslocados do (Fontanar), entre outros livros.

www.malvados.com. br dahmer

PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais: 1.Eles existem dentro da própria Polícia Militar. 2.Uma das mais famosas músicas de
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
Fábio Júnior – Machado de Assis nasceu nesta cidade – Partido Verde (sigla) 3.Partido Liberal (si- 1
gla) – Compositor, filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda – Gíria para “policial”. 4.Segunda
nota musical – Nascente de água - Como a Ação Penal 470 ficou conhecida. 5.Aqui; neste lugar – 2
Interjeição que exprime admiração. 6.Deseja veementemente – Relação; lista – Movimento de Luta
pela Terra (sigla). 7.Parte aquosa que se separa do leite depois de coagulado – Interpreta o que está 3
escrito. 8.As duas primeiras vogais - Comuna italiana da região do Piemonte com cerca de 70 mil
habitantes – Proprietário – Aviso de Recebimento emitido pelos Correios. 9.Mencionado - (?) Gay 4
de São Paulo é considerada uma das maiores do mundo. 10.Mato Grosso do Sul (sigla) - Notícia
pouco clara ou sem fundamento; o mesmo que boato, rumor – Rondônia. 11.Trigésima sexta pes- 5
soa a se tornar presidente do Brasil - Repetição do mesmo som, no fim de dois ou muitos versos.
6

Verticais: 1.“(?) Fria”, como ficou conhecido o período histórico de disputas estratégicas e conflitos
indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética – Instituto Mais Democracia (sigla), que fez 7

um levantamento para identificar quem são os grupos econômicos que são recordistas em con-
8
centração de poder no país. 2.Secretaria de Segurança Pública (sigla) – Grito de dor. 3.Unidade de
Polícia Pacificadora (sigla), política de ocupação dos morros do Rio de Janeiro que tem sido ques-
9
tionada por movimentos sociais - “Pouco”, em italiano. 4.Coqueiro. 5.Forma coloquial de se cum-
primentar – Carcome. 6.Pelada - Departamento de Estradas de Rodagem (sigla). 7.Informação útil
10
geralmente pouco divulgada - Que não sofre influência ou controle por parte da igreja. 8.Sobrou.
9.Instituto responsável por necropsias e laudos cadavéricos – Tocantins (sigla). 10.Fortaleza é a sua 11
capital – Roberto Carlos é conhecido por esta alcunha – O escritor Luís Fernando Veríssimo vem
deste estado (sigla). 11.O corpo humano, considerado sem a cabeça e sem os membros. 12.“Ovo”,
em alemão – Diz-se, de maneira informal, de uma trapalhada. 13.Batalhão de choque da Polícia
Militar de São Paulo responsável por várias execuções na periferia - “Ou”, em inglês. 14.Inspirar. minar. 15.Israel – Odor. 16.Ao. 17.IP. 18.O velho Graça.
15.Responsável pelos ataques a Gaza, que deixaram inúmeros civis palestinos mortos, incluindo
– Laico. 8.Restou. 9.IML – TO. 10.CE – Rei – RS. 11.Tronco. 12.Ei – Salada. 13.ROTA – Or. 14.Ilu-
Verticais: 1.Guerra – IMD. 2.SSP – Ai. 3.UPP – Po’. 4.Palmeira. 5.Oi – Roe. 6.Nua – DER. 7.Dica
um grande número de crianças – Cheiro. 16.Contração da preposição “a” e do artigo ou pronome “o”. – Eco – RO. 11.Dilma Rousseff – Rima.
17.Endereço, identificação de um computador na internet. 18.(?) - nome de biografia de Graciliano lão. 5.Cá – Ué. 6.Aspira – Rol – MLT. 7.Soro – Lê. 8.Ae – Asti – Dono – AR. 9.Dito – Parada. 10.MS
Horizontais: 1. Grupos de extermínio. 2.Pai – Rio – PV. 3.PL – Chico – Tira. 4.Ré – Mina – Mensa-
Ramos, relançada em 2013, de autoria do jornalista Dênis de Moraes.
américa latina de 20 a 26 de agosto de 2015 13

Protestos e mobilização
nacional agitam o Equador Fotos: Conaie Comunicación

MOBILIZAÇÃO Greve
nacional, fechamento
de estradas e repressão
policial deixa clima tenso
no país governado por
Rafael Correa

Luísa de Castro
de Brasília (DF)

O GIGANTE Cotopaxi, vulcão localizado


nos Andes equatorianos, está em ativida-
de, mas foram os protestos de milhares
de pessoas, dentre elas indígenas, orga-
nizações camponesas e sindicais, que es-
quentaram o cenário político, tensionan-
do ainda mais o cabo de guerra entre o
governo equatoriano e setores populares.
Contra os mais de 100 mil manifestan-
tes que tomaram as ruas de Quito no dia
13 de agosto, o governo reuniu, em frente
a sua sede, cinco mil apoiadores da Re-
volução Cidadã, segundo veículo oficial.
Opositores se queixam do autoritarismo,
dos impactos negativos sobre a educação
intercultural bilíngue, contra a reeleição
indefinida do presidente e os impactos
das atividades extrativistas sobre territó-
rios indígenas ancestrais. Cerca de 100 mil manifestantes marcharam nas ruas de Quito em protesto contra a violência policial e prisões arbitrárias
Manifestantes denunciaram diversos
casos de violência policial e prisões con- região, além de reivindicarem o direto a “Não somos nem da esquerda nha dos demais opositores, se opõe à re-
sideradas arbitrárias desde que foram resistência prevista na Constituição. “Há forma da Constituição de 2008 em bene-
detonados os protestos, após a chegada à uma Constituição e temos que respeitá- socialista, nem da direita verde, nem fício de uma reeleição indefinida do pre-
Quito de uma marcha que percorreu por -la” – afirmou Marlon Santi a uma emis- sidente. O líder de Sarayaku, comunida-
vários dias, desde o sul do país. A mais sora de televisão.
de outros setores, somos aqueles de reconhecida internacionalmente pela
notória nas redes sociais e na impren- Assim como outros indígenas, San- que vem de baixo para transformar a luta anti-petroleira, defende ainda que o
sa tem sido a prisão da franco-brasileira ti, Kichwa amazônico de Sarayaku e ex- “Estado plurinacional se estenda a todos
Manuela Picq, companheira do líder in- -presidente da Confederação de Nacio- estrutura colonial e moderna” os níveis de todas as instituições para que
dígena Carlos Perez, jornalista e profes- nalidades Indígenas do Equador (CO- haja uma verdadeira democratização”.
sora de Relações Internacionais. NAIE), se reconhece como “filho do Santi complementa: “Não somos nem da
Embora resida legalmente no país há primeiro Levantamento”, nos anos de “Propomos a reforma das leis de mine- esquerda socialista, nem da direita ver-
oito anos, Picq teve seu visto suspenso e 1990, e destaca velhas e novas bandei- ração e petroleira, de forma que a defesa de, nem de outros setores, somos aqueles
esteve detida em um hotel para imigran- ras que o levaram a sair “de dentro da do nosso território seja prioridade neste que vem de baixo para transformar a es-
tes em situação irregular. Mas, no dia 17, Amazônia” até a capital. tema” – afirmou Santi, que, seguindo a li- trutura colonial e moderna”.
ela conseguiu na Justiça a suspensão do
processo de deportação por “inconsistên-
cias em sua prisão”, segundo a juíza res-

Dilemas plurinacionais,
ponsável pelo caso. Em comunicado en-
viado desde o hotel, Picq disse: “Se cha-
ma hotel, mas funciona como prisão. Ho-
je (16), nos proibiram de olhar pela jane-

um projeto em disputa
la os amigos que estavam do lado de fora.
Várias vezes impediram meus advogados
de entrar para eu assinar papeis ou dis-
cutir meu caso”.

“Se em algum momento houver de Brasília (DF)

socialismo ou revolução no Desde a Constituição de 2008, o


Equador, será com as vozes dos Equador passou a reconhecer as na-
cionalidades indígenas como integran-
povos diversos e da diversidade” tes do Estado equatoriano, garantindo
a preservação das culturas de povos an-
cestrais, indígenas, afro-equatorianos e
montúbios. Desde então, diversos ele-
Prisões mentos constitucionais como o reco-
Em coletiva de imprensa, a Confede- nhecimento dos “direitos da natureza”
ração de Nacionalidades Indígenas do estão em disputa pelos significados que
Equador (CONAIE) contabilizou mais devem assumir num país dedicado à
de 50 prisões em todo país, reforçando a economia extrativista.
convocação de suas bases para resistirem Rubén Tsamaraint, indígena Achuar
à repressão do governo. “Se em algum que desde sua eleição em maio des-
momento houver socialismo ou revolu- te ano vem expressando seu apoio a
ção no Equador, será com as vozes dos Correa, teve de submeter-se à decisão
povos diversos e da diversidade” – decla- de outros dirigentes da mesma nacio-
rou Franco Viteri, líder indígena da re- nalidade. Seu antecessor, Jaime Var-
gião amazônica, onde milhares de indí- gas, ex-presidente e líder amazônico
genas que saíram de suas comunidades Achuar, se opõe às políticas extrativis-
com lanças para marchar contra o gover- tas e recusou o convite feito pelo gover- Governo atrelou o Bem Viver aos benefícios advindos da mineração e da exploração petroleira
no fecharam estradas e também se depa- no semanas antes, aos dissidentes.
raram com a repressão policial. “Não é o momento de diálogo pa- “Uma pena que este regime da Ecuarunari. Percorrendo as moder-
Enquanto a Marcha pela Dignidade ra a Nacionalidade Achuar do Equa- nas estradas equatorianas, o Bem Viver,
e pela Vida ainda avançava em direção dor (NAE), não há espaço para diálogo. roubou nossos símbolos, princípio ancestral Kichwa de convivên-
a Quito, o presidente Rafael Correa re- Haverá diálogo com o novo presiden- cia harmônica com a natureza, encon-
chaçou o que denominou “processo de- te da República. Para os Achuaras, Cor-
os esvaziou de conteúdos tra-se frequentemente atrelado aos be-
sestabilizador”, recordando o que teria rea já não é o presidente” – sentenciou e alguns prostituiu, como nefícios advindos da mineração e da ex-
sido uma tentativa de golpe de Estado, Vargas, que busca manter a mobiliza- ploração petroleira, esta última, carro-
em 30 de dezembro de 2010. Em seu ção das bases de sua nacionalidade, ape- nosso Sumak Kawsay” -chefe das exportações equatorianas.
programa de “rendição de contas”, En- sar do apoio explícito do novo presidente Gustavo Tenesaca é originário da pro-
lace Ciudadano, exibido ao vivo aos sá- Achuar ao governo Correa. víncia andina de Chimborazo, um nú-
bados pela manhã, Correa recordou os A presidente da nacionalidade indíge- cleo histórico de resistência que hoje se
25 anos do emblemático Levantamen- na Andoa, Alesandra Proaño é uma das não apenas durante o “período corre- encontra sob influência política do par-
to Indígena de 1990, diferenciando da que se une ao coro pró-governo. Ela e ou- ísta”, mas também em outros governos tido de Correa, Alianza País. Ele conta
“partidocracia” e do “suposto levanta- tros representantes de diversas naciona- tem havido perseguições, prisões e jul- que se somou à mobilização, dentre ou-
mento, de hoje, cheio de vaidades, ego- lidades estiveram presentes à coletiva de gamentos arbitrários, como considera tras coisas, por se opor aos danos cau-
ísmos e politiqueiros”. imprensa convocada por alguns líderes ser o caso de sua companheira. Ele ob- sados à sua comunidade como o “fecha-
As “excelentes estradas”, as modernas indígenas em oposição à greve nacional serva que “não há fórmulas mágicas” e mento de escolas comunitárias e a eliti-
“Unidades Educativas do Milênio”, e os e às manifestações lideradas por dirigen- “as grandes transformações jamais vem zação da educação superior”.
benefícios advindos da extração petrolei- tes da CONAIE. de cima”. Mudanças na forma de ingresso às
ra e mineira foram algumas das conquis- Atendendo ao chamado de última ho- Perez, que é advogado, avalia a con- universidades e outras transformações
tas da “Revolução Cidadã”, destacadas ra ao diálogo feito pelo presidente Cor- juntura atual: “Antecipar as eleições no sistema de ensino, com vias a sua
pelo presidente. “Como a população não rea às véspera da marcha, Antonio Var- pode ser uma opção para mudar de “modernização”, são alguns dos prin-
vai querer a revolução?” – questionou o gas, liderança Kichwa do estado de Pas- presidente, mas o modelo capitalista cipais focos de críticas ao atual gover-
presidente na sabatina exibida na sema- taza garantiu em entrevista aos meios segue intacto. Outra opção é uma no- no. Para Tenesaca, da nacionalidade Ki-
na anterior a greve nacional. de comunicação presentes: “Por decisão va assembleia constituinte, mas qual- chwa, a implementação das chamadas
Esta foi novamente minimizada no úl- não apenas da nacionalidade Kichwa, quer processo constituinte virá de bai- “Unidades do Milênio” faz parte de uma
timo sábado, após milhares de manifes- mas também de outras nacionalidades, xo, da periferia, e será uma luta das ru- estratégia contrária à educação inter-
tantes irem às ruas em todo o país. “Es- tomamos a decisão de não participar da as”. Perez lamenta, contudo, as difíceis cultural bilíngue: “é uma estratégia pa-
tamos apegados à democracia, este é um greve, do levantamento e das manifesta- condições que teriam sido impostas pe- ra deslocar os indígenas de seus terri-
governo legítimo. Ao Equador ninguém ções convocadas por outros setores”. lo atual governo. tórios, para mais adiante ingressar com
vai parar” – declarou Correa, que disse Participando ativamente da Marcha projetos mineradores, de agronegó-
lançar mão da lei para conter a “violência pela Dignidade e pela Vida, que se agi- Símbolos cios e petroleiros, para o qual necessi-
dos manifestantes”. Opositores, contu- gantou até encher as ruas de Quito na “Uma pena que este regime roubou tam urgentemente centralizar a educa-
do, acusam o governo de usar o pretexto última semana, Carlos Perez, presiden- nossos símbolos, os esvaziou de conte- ção, assegurando o livre ingresso de ca-
do risco de erupções do vulcão Cotopaxi te da Ecuarunari – braço da CONAIE údos e alguns prostituiu, como nosso pitais estrangeiros”. (Colaborou: San-
para declarar estado de exceção naquela nos Andes equatorianos – afirma que Sumak Kawsay” – afirma o presidente tiago Pabón, de Quito - Equador)
14 de 20 a 26 de agosto de 2015 internacional 15

A crise estrutural da União Europeia acelera o fim do ciclo americano The Weekly Bull/CC Governo da Venezuela
ENTREVISTA Para o professor 85% do lucro obtido com a venda do pe-
tróleo ficavam nos cofres das transnacio-
italiano Luciano Vasapollo, as nais. Hoje, o governo bolivariano o rein-
veste nas Missiones, que são programas
características da crise grega que garantem a maioria da população es-
demonstram, claramente, a divisão colas, universidades, casas, saúde, trans-
portes, cultura e desporte a custo zero.
no seio da União Europeia (UE), onde Portanto, para os EUA, a demolição
da revolução bolivariana na Venezuela é
a Alemanha lidera o processo de um objetivo geopolítico e geoestratégi-
neocolonização dos países europeus co que, por um lado, visa se reapropriar
do petróleo e, por outro, pretende aca-
mediterrâneos. Por isso, a ruptura bar com esta experiência de transição
para o Socialismo do Século 21 nos paí-
política e o abandono do Euro podem ses da Alba, nomeadamente Venezuela,
Bolívia e Equador.
se tornar uma palavra de ordem que
vai complementar a evolução dos “É preciso lembrar que a grande
conflitos entre capital e trabalho imprensa nunca aceitou Maduro pelo
fato de ser comunista, sindicalista e
Achille Lollo
de Roma (Itália) de extração proletária, um motorista
do Metrô de Caracas”
O DRAMA da Grécia fez cair o mito da
opulência econômica da União Europeia
e, ao mesmo tempo, demonstrou que os
valores agregados à economia real fica- Com a reabertura das respectivas
ram completamente sem sentido quan- embaixadas, os problemas
do se confrontaram com os interesses do políticos entre Cuba e os EUA
mercado, uma vez que os mesmos, atu- ficaram resolvidos? Por qual
almente, adquirem dimensões tentacula- motivo o jornal The New York
res e global. Essa é uma das avaliações do Manifestação na Inglaterra contra a política econômica: Austeridade mata IV Reunião extraordinária do conselho político da Alba-TCP Times afirma que após estas
professor Luciano Vasapollo. negociações Cuba pegou o
Na realidade, segundo ele, o mercado de, apesar da “grande imprensa” estadu- caminho da democratização?
Desbyrne Photos/CC

lebanese4cuban5.com
não é mais como o dos anos de 1980/90, nidense procurar manipular o clima das O que a mídia não relata é que Cuba
quando com aparente timidez o então negociações com os EUA afirmando que aceitou sentar-se na mesa das negocia-
primeiro-ministro britânico, Tony Blair, ainda é muito cedo. A ditadura castrista ções colocando como condição prévia
apresentava a “Terceira Via” como a al- será democratizada. quatro questões: a) A mesma dignidade
ternativa social-neoliberalista para os di- para realizar as negociações; b) Os diplo-
ferentes processos de financeirização e Existe uma relação entre a matas dos EUA não devem fazer politi-
de ataque aos direitos dos trabalhadores. grande imprensa, a Casa Branca cagem em HaVana, como também os de
Nesta entrevista exclusiva ao Brasil e a CIA na evolução da guerra Cuba em Washington; c) Após 52 anos, a
de Fato, Luciano Vasapollo, afirma que, psicológica e econômica contra o questão do bloqueio comercial deve ser
atualmente, o mercado, depois de ter ali- governo bolivariano de Maduro? resolvida, pois ele destrói qualquer ten-
mentado e jogado com os efeitos das cri- Antes de tudo é preciso lembrar que a tativa de expansão do planejamento so-
ses fiscais, conseguiu, finalmente, o con- grande imprensa nunca aceitou Madu- cioeconômico em Cuba; d) O governo
trole dos Estados e, em particular, a des- ro pelo fato de ser comunista, sindicalis- cubano exige a demolição da base militar
qualificação da soberania política e fi- ta e de extração proletária, um motoris- de Guantánamo de forma que aquele ter-
nanceira dos países. Um mercado que, ta do Metrô de Caracas. Assim, a aversão ritório que os EUA ocupam desde 1903,
segundo ele, quando quer, impõe sua ló- em relação a Maduro alcançou o máximo volte a integrar a soberania territorial de
gica, passando por cima das formulações da reprovação quando ele ganhou as elei- Cuba. A mídia não diz que as negociações
da ética da democracia burguesa e dos ções com uma margem de 300 mil votos. serão demoradas visto que Cuba já disse
mecanismos de crescimento de acumu- A grande imprensa logo falou em trapa- que não vai mudar uma vírgula nas ques-
lação capitalista. ça eleitoral, esquecendo que na Itália Ro- tões relacionadas com o socialismo.
mano Prodi foi eleito com uma diferença
Brasil de Fato — Por qual motivo, de apenas 18 mil votos! Em 2013 as FARC, e depois
nas campanhas eleitorais os também o ELN, foram negociar
partidos de direita e os de centro- com o governo colombiano um
esquerda prometem crescimento “Venezuela, a ALBA, Cuba e a possível tratado de paz. O que falta
e investimentos na economia para chegar à assinatura final?
real, mas depois, eleitos, Colômbia são os sujeitos de um cenário Como em todas as negociações que
prevalecem os argumentos político onde os Estados Unidos estão contrapõem um governo e uma guerrilha
financeiros do mercado? que representa uma guerra de classe vi-
Luciano Vasapollo – O fechamento perdendo sua influência” gente, o principal nó a desatar é a ques-
do ciclo especulativo no verão de 2007, Protesto na Grécia, um dos países mais afetados pela crise na Europa O economista Luciano Vasapollo tão dos prisioneiros políticos e a do ces-
com a sucessiva queda do mercado de sar-fogo bilateral. Inicialmente, as FARC
crédito mundial, determinou nos paí- representa, conseguiu convencer Por outro lado, com a rápida afirmação terrânea, que, por sua parte, deveria re- Como é possível explicar essa mo proposta dos grupos sindicais inde- e o ELN libertaram os militares e poli-
ses de capitalismo maduro uma renova- a opinião pública que os pontos dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e alizar-se com a implementação de qua- dinâmica das lutas lideradas pela pendentes. Os mesmos que, depois em É preciso reconhecer que a queda do ciais presos. Depois declararam um ces-
da intervenção dos Estados, não em fa- fracos da economia europeia África do Sul) surgiu uma nova posição tro operações políticas: a) A determina- USB (salário social, renovação 2010, formaram a USB juntando 250 preço do barril de petróleo, de quase sar-fogo unilateral para convencer o pre-
vor da retomada da produtividade na seriam os custos do trabalho e o dominante, que, mesmo de maneira dife- ção dos países da Europa mediterrânea dos contratos no serviço publico, mil militantes. 60%, tem criado muitos problemas ao sidente Juan Manuel Santos a fazer o
economia real, mas para salvar o sis- déficit fiscal da divida pública? rente, apresenta novas formas de poder de criar uma nova moeda comum e li- luta contra o aumento dos ritmos Hoje, a USB é uma confederação de governo bolivariano, que ao mesmo tem- mesmo. De fato, é difícil falar de paz se
tema bancário e financeiro. Operações Para entender o que hoje acontece, é político do capital. vre dos vínculos monetários que ante- nas fabricas etc.)? âmbito nacional que defende os traba- po deve enfrentar as consequências da o exército e os paramilitares entram nas
que tem oxigenado os bancos, provo- preciso analisar como foi construído o Igualmente importante é a consolida- riormente foram impostos para a cons- Antes de tudo é preciso lembrar que lhadores do serviço publico e aqueles guerra permanente com a qual os Esta- aldeias para prender, torturar e matar to-
cando um brutal aumento do déficit fis- pólo imperialista europeu que ficou cen- ção da Alba na América Latina, que já co- trução do Euro-Grupo; b) A redefini- o modelo social europeu está cada vez das macro-áreas da indústria, os pre- dos Unidos pretendem desestabilizá-lo dos aqueles suspeitos de manter ligações
cal nos países centrais, seja pela quanti- tralizado no eixo franco-alemão, priori- meça a manifestar com força suas po- ção da dívida no âmbito da área perifé- mais em crise. Somente na Alemanha e cários, os imigrados, levando uma lu- e, portanto, acabar com uma experiência com a guerrilha.
dade dos valores empregados, seja pela zando, antes de tudo, os interesses eco- sições anticapitalistas e antiimperialis- rica da nova moeda, sempre relaciona- na França ainda se sustenta. Entretanto, ta constante e intransigente contra o que contraria os interesses geopolíticos e Nas prisões colombianas permanecem
diminuição das receitas fiscais, determi- nômicos, financeiros e geopolíticos da tas. Um contexto que permite os compo- da na ótica do câmbio oficial; c) A anu- nos quatro países da área mediterrânea, desemprego. Em nível internacional, econômicos dos EUA. De fato, logo após cerca de 8 mil presos políticos, e um ter-
nada com a redução dos investimentos Alemanha. Consequentemente, a práti- nentes do movimento operário e de clas- lação de uma parte importante da dívi- quer dizer, Portugal, Grécia, Itália e Es- a USB está filiada a Federação Sindical a primeira vitória eleitoral de Chávez co- ço desse contingente não são guerrilhei-
produtivos e do crédito à produção. Fe- ca de manipular a opinião pública com se, que não se haviam rendidos, de po- da contraída, em particular com os ban- panha, o desemprego virou um fator en- Mundial (FSM). meçou a guerra monetária com a cota- ros, mas sindicalistas, militantes dos mo-
nômenos que, na realidade, bloqueiam a ideia de que os Estados europeus esta- der afirmar que existem sólidas perspec- cos e os institutos financeiros e também dêmico, enquanto o poder de compra dos ção do dólar que disparava no mercado vimentos de camponeses sem-terra ou
os processos de crescimento da acumu- vam à beira da bancarrota, foi uma ma- tivas para transformar a crise econômica a imposição de uma nova negociação so- trabalhadores foi comprimido bastan- paralelo. Hoje, o dólar no câmbio oficial pelos direitos humanos. Portanto, se o
lação capitalista. Neste âmbito, a Co- neira para mascarar os efeitos gerais da e política do modelo capitalista em queda bre o resto da própria dívida; d) A nacio- te na tentativa de sanar as finanças pú- “Igualmente importante vale 6,5 bolivares, mas no câmbio para- governo colombiano não decreta uma lei
missão Europeia lembrava que em 2009 crise econômica de acumulação do siste- do sistema de produção capitalista, com nalização dos bancos e a estreita regu- blicas e, assim, reforçar a economia com lelo já chegou a 400 bolivares. Desta for- de anistia para soltar os presos políticos,
os países da União Europeia queimaram ma capitalista e o desastre provocado pe- a introdução de processo de construção lamentação do fluxo (entrada/saída) de os chamados “pactos de estabilidade e as é a consolidação da Alba ma, conseguiram minimizar o poder de se depois a magistratura não garante aos
cerca de um terço de seu PIB para tirar lo mercado com as atividades especulati- dos sistemas de relações socialistas. capitais na área mediterrânea. políticas de ajuste”. na América Latina, que compra dos trabalhadores e provocar a guerrilheiros das FARC e do ELN a inco-
fora da crise os bancos, tendo em conta vas do sistema financeiro. É importante sublinhar que tais ope- A situação política continua adversa explosão da inflação. Ao mesmo tempo lumidade e o direito da reciclagem polí-
as emissões de capitais, as garantias pa- Um cenário que permitiu ao mer- rações deveriam ser realizadas simulta- aos trabalhadores, contra os quais en- já começa a manifestar se multiplicaram as operações de sabo- tica e se o exército e os grupos paramili-
ra os bancos, a retomada da liquidez e a cado exigir dos governos a “socializa- “As ‘excelências’ da Casa neamente, para evitar a perda de capi- trou em ação toda a grande mídia que tagem econômica por parte dos grandes tares continuarem com as operações de
péssima qualidade com que foram boni- ção” das perdas dos bancos e, portanto, talização em toda a região periférica e, fez de tudo para os dissuadir de adota- com forca suas posições atacadistas que exportavam ilegalmente “tierra queimada”, é claro que as nego-
ficadas as obrigações financeiras. usar o Estado para se apoderar do di- Branca, no futuro imediato portanto, assumir o necessário contro- rem novas formas de lutas que surgi- para a Colômbia os produtos da indús- ciações fracassarão e a guerra vai voltar.
anticapitalistas e
nheiro público arrecadado com o paga- devem tentar impor ao le dos recursos disponíveis para os in- ram apresentando uma nova radicali- tria venezuelana. Em seguida, com a co-
mento de tributos e impostos por parte vestimentos. dade e uma nova vontade de dar conti- antiimperialistas” bertura da DEA estadunidense, os nar-
“A crise do capital fica cada dos trabalhadores. Além disso, é sem- mundo rápidas soluções Desde 2010 o desemprego se multipli- nuação à luta pelos direitos, justiça so- cotraficantes colombianos estocaram os QUEM É
pre o mercado que “aconselha” os go- cou em todos os países da Europa medi- cial, além de reafirmar seus conteúdos produtos venezuelanos – do queijo até
vez mais pesada porque a crise vernos nos cortes que devem ser feitos geoestratégicas para poder terrânea, em particular em Portugal, Itá- anticapitalistas e antiimperialistas. Por os moveis – até serem readquiridos em Luciano Vasapollo é professor de Eco-
na administração pública, nos serviços manter de pé o poder lia, Grécia e Espanha, tornando-se uma isso, aos 23 de maio de 2010, foi funda- Existem experiências dólares pelos mesmos atacadistas que nomia Aplicada Análise de Dados da “Sapienza”
econômica e política dos Estados públicos e dulcis in fundo [por último, problemática estrutural. Na Itália, por da a USB, enfrentando os homens dos importantes também ocorrendo os exportaram. Desta forma, os produ- de Roma, vice-reitor de Relações Internacionais
soberanos é apresentada como mas não menos importante] a redução imperial dos EUA” exemplo, 13,5% da força de trabalho es- governos direitistas liderados por Ber- América Latina. Como você tos básicos desaparecem das prateleiras com os países da Alba; Ele também é professor
dos custos do trabalho. tá desempregada. Desta, 44% reúne jo- lusconi. Depois tivemos que enfrentar visualiza esse processo na dos supermercados estatais para reapa- na Universidade de Havana (Cuba) e da Univer-
crise da dívida pública” Assim, quando se fala em salvação da vens entre 18 e 35 anos! Com as novas a barreira dos governos chefiados pe- Venezuela, Alba, Cuba e recer nas lojas dos privados com preços sidade “Hermanos Saiz Montes de Oca” de Pinar
União Europeia, na realidade estamos leis sobre a aposentadoria, em 2050, lo PD, que fizeram de tudo para exercer Colômbia? absurdos. Quando a rarefação dos pro- del Rio (Cuba). Diretor do Centro de Pesquisa
falando da salvação do modelo exporta- A situação de crise política mais de 50% dos trabalhadores italianos um controle efetivo no movimento sin- Venezuela, a ALBA, Cuba e a Colôm- dutos era quase geral entraram em cam- CESTES e revistas PROTEO e de Nossa América.
dor alemão e na decisão de destruir as que hoje se vive em Portugal, correm o risco de não ter direito a pen- dical, tentando delimitar sua represen- bia são os sujeitos de um cenário políti- po a imprensa venezuelana e a oposição É ‘’Miembro de honra” do Conselho Acadêmico
Estamos, portanto, frente a uma gigan- possibilidades de desenvolvimento autô- Grécia, Espanha e Itália reabre são, apesar de estar na faixa etária dos tatividade e transformá-lo em um para- co onde os Estados Unidos estão perden- para multiplicar os efeitos da guerra psi- do Centro de Pesquisa do Ministério da Econo-
tesca operação em favor dos bancos, do nomo dos países da área mediterrânea. o debate sobre a existência de reformados. Uma situação dramática, digma das instituições. do sua influência. Por isso as “Excelên- cológica afirmando: “Na Venezuela se mia e do Planeamento da República de Cuba.
sistema financeiro e das empresas, sejam Foi nesse âmbito que a especulação dos dois blocos no seio da própria que se criou graças ao colaboracionismo Essa armação não deu certo, uma vez cias” da Casa Branca tentam recuperar está morrendo de fome... O regime cha- Ele é o autor ou co-autor de mais de 50 livros,
elas grandes ou medianas. Operação que títulos da dívida dos países vulgarmente União Europeia. Isto é, o bloco das três confederações sindicais associa- que a experiência forjada nas lutas dos na América Latina sua representativida- vista é o responsável da carestia... De- muitos deles traduzidos na Europa, nos EUA e
visa transformar a dívida privada em dí- chamados PIIGS (Portugal, Irlanda, Itá- dos países ricos liderados pela das (CGIL, CISIL e UIL), que, na prática, sindicados de base reativou a mobiliza- de aceitando negociar com Cuba enquan- vemos acabar com a ditadura de Madu- na América Latina.
vida pública. Em definitivo, a crise do ca- lia, Grécia e Espanha), explodiu nos mer- Alemanha, e o dos pobres da área implementaram um “compromisso his- ção, além de ampliar a vontade de re- to dizem que apóiam as negociações en- ro!” Desta forma a oposição criou uma Na juventude foi militante do grupo Potere
pital fica cada vez mais pesada porque a cados financeiros internacionais. mediterrânea. Numa conjuntura tórico” com o capital, sem receber nada sistir e de promover um processo de re- tre o presidente colombiano Juan Mano- permanente psicose de golpe de Estado. Operaio, em Roma. Depois integrou o Movi-
crise econômica e política dos Estados A ampliação dos problemas financei- desse tipo é possível promover em troca. Por isso, o movimento sindi- formulação organizativa que, além de el Santos e a guerrilha (FARC e ELN). Ao Uma situação que se torna cada vez mais mento participando em todas as lutas dos
soberanos é apresentada como crise da ros na maior parte dos países da União um movimento de ruptura com cal e a própria esquerda italiana passa- ideológica, permitiu lançar novos pro- mesmo tempo, a CIA acirra uma guerra complexa com os atentados terroristas e sindicatos de base, contribuindo, em 2010,
dívida pública. Europeia e a perda de representativi- a União Europeia? Uma Alba ram por momentos difíceis por causa da gramas de lutas não só para os traba- permanente (econômica e psicológica) com os ataques armados dos “guarim- na fundação da União Sindical de base (USB).
Desta forma, os processos de privatiza- dade por parte do Euro evidenciaram mediterrânea poderia sobreviver desmobilização. Um fenômeno que pro- lhadores com carteira. Enfim, formas na Venezuela para desestabilizar o go- ba” que disparam nas ruas para alvejar Grande estudioso do marxismo, hoje, é consi-
ção, que no início da fase neoliberal eram a essência da profunda crise sistêmi- fora do Euro? vocou a justa reação daqueles sindicatos, de lutas diferenciadas que hoje se espa- verno bolivariano, enquanto na Colôm- os militantes do PSUV e do PCB. Nos úl- derado um dos principais analistas europeu da
uma tentativa para esconder os efeitos da ca que, entre outras coisas, determinou Para responder a esses questiona- onde a luta pelo respeito dos benefícios lham em todo o território italiano. Por bia alimenta as operações do exército e timos oito meses os “guarimbas” mata- revolução bolivariana e do respectivo processo
crise de acumulação do capital, hoje in- o fim do ciclo político e econômico dos mentos é preciso, antes de tudo, saber assumidos havia despertado mais inte- exemplo, hoje, a USB tem uma propos- dos grupos paramilitares com a intenção ram mais de oitenta pessoas! de transição ao socialismo do Século 21.
tegram os processos de financeirização, Estados Unidos. Isso significa que as como será gerenciada a capacidade po- resses para a organização da luta de clas- ta de luta para a definição do salário de tornar mais complexas as negociações Juntamente a Atílio Boron (Argentina), Ricardo
bem como os ataques aos trabalhadores. “excelências” da Casa Branca, no futuro lítica de combater os interesses asso- se. Foi nesse âmbito que, em 2010, sur- social que, apesar das mobilizações de que se alastram há quase dois anos em Por que os EUA estão fazendo Antunes (Brasil) e James Petras (EUA) é con-
Um contexto que define o último capítu- imediato, devem tentar impor ao mun- ciados dos capitais financeiros e pro- giu a Confederação Nacional dos Sindi- rua, do recolhimento de milhares e mi- Cuba. essa guerra permanente contra a siderado um dos poucos teóricos marxistas
lo para dobrar os Estados com a explosão do rápidas soluções geoestratégicas pa- dutivos da União Europeia e dos Esta- catos de Base (USB) que, hoje, represen- lhares de assinaturas, já influenciou di- Também na Bolívia e no Equador, paí- Venezuela? que enfrentaram o problema da modernidade
das crises de natureza fiscal. ra poder manter de pé o poder imperial dos Unidos. Por isso, a saída do Euro- ta o pólo político mais avançado e com- ferentes propostas de lei que estão tra- ses da Alba, existe o perigo de uma deses- A Venezuela é o quinto exportador revolucionaria do marxismo. Por isso, os quatro
dos EUA. Hoje, a manipulação da guer- -Grupo deveria ser realizada em conjun- bativo do movimento dos trabalhadores mitando no Parlamento. Entretanto, tabilização, com as antenas da CIA que mundial de petróleo, mas é também o foram convidados por Fidel Castro e Hugo Chá-
Por que o mercado, e, portanto, ra do IS no Iraque e na Síria é o exem- to e com uma formalidade previamente (com carteira, precários e desemprega- quero lembrar que a luta pelo salário procuram organizar a oposição. Somente primeiro pelas reservas, que são maio- vez para identificar o potencial político da Alba.
a sobre estrutura política que o plo mais evidente! acertada pelos países da periferia medi- dos) na Itália. social começou na década de 1990 co- Cuba vive um momento de tranquilida- res do que as da Arábia Saudita. Antes,
16 de 20 a 26 de agosto de 2015 internacional

Quando migrar é a única escolha The Italian Coast Guard/Massimo Sestini


MUNDO Acirramento de dade. Existe o problema e nós vamos en-
frentar. Neste momento, estamos fazen-
conflitos, antigas crises do uma análise do que pode ser feito. Se
você vai para a Alemanha, muitos refu-
não resolvidas e omissão giados ficam reclusos, se para os Esta-
dos países ricos fizeram dos Unidos, são deportados. É esse tipo
de modelo que queremos bancar?”, ques-
com que, em 2014, o tiona o diretor-adjunto do Departamen-
to de Estrangeiros do Ministério da Jus-
número de refugiados tiça, Paulo Guerra, durante debate pro-
no mundo fosse o maior movido pelo Acnur em São Paulo.
“A legislação brasileira é avançada e
desde a Segunda Guerra abriga uma declaração ampla de refúgio.
Por força da legislação criou-se o Conare
Mundial: 59,5 milhões em 1997, que faz com que haja uma res-
posta efetiva do Estado para esses pedi-
dos. O Brasil garante aos refugiados li-
vre acesso ao território nacional e aos
Sarah Fernandes  serviços universais, como saúde e educa-
de São Paulo (SP) ção. Isso é muito positivo”, avalia Godi-
da Rede Brasil Atual nho. “É importante ressaltar o papel que
a sociedade tem no acolhimento dos re-
A TRAJETÓRIA do camaronês Njtu fugiados. Ninguém é um refugiado por-
Armstrong Atifarq começou há pou- que quer. O refugiado é uma pessoa co-
co mais de quatro meses, quando ele mo eu ou você, que trabalhava, estudava
deixou seu país para viver na Repúbli- e vivia normalmente, e por motivos mui-
ca Dominicana. Saiu de casa, não em to graves foi obrigada a deixar seu país.
busca de vida melhor, salários mais al- Essa compreensão é muito importante
tos ou para estudar em uma universida- para que a integração ocorra da melhor
de. O objetivo do jovem de 22 anos, que Foto aérea da guarda costeira italiana mostra barco repleto de imigrantes cruzando o Mar Mediterrâneo forma possível.”
juntou as últimas economias, trancou a
faculdade de História e Geografia e par- Conflito na Síria
tiu para a América era, simplesmente, Caminhos do refúgio No ano passado, 14 milhões de Teve início em 15 de março de 2011,
salvar sua vida. Só neste ano, Atifarq A maior presença de refugiados não durante a Primavera Árabe. O governo
perdeu diversos familiares e amigos, in- está nos países ricos. De acordo com o pessoas foram obrigadas a deixar liderado com mãos de ferro pelo partido
clusive o pai e a mãe, devido a confli- Acnur, 86% das pessoas obrigadas a fu- Baath há quase 50 anos reprimiu os pro-
tos armados do grupo islamita nigeria- gir vão para países menos desenvolvi- suas cidades pela primeira vez, testos com violência, obrigando os ma-
no Boko Haram, autor de massacres na dos. O acirramento do conflito na Sí- fugindo de conflitos, desastres nifestantes a reagir. O regime do presi-
fronteira entre Camarões e Nigéria. ria fez da Turquia o país que mais abri- dente Bashar al-Assad passou a contro-
“Estou tentando salvar minha vida ga refugiados no mundo (1,6 milhão), à naturais ou epidemias – quatro lar as grandes cidades e as estradas mais
aqui. Lá as pessoas estão se matando to- frente do Paquistão, há anos o primeiro importantes do país e tem usado a fome
dos os dias”, diz. “Eu sei que a vida na lugar devido aos históricos conflitos po- vezes mais do que em 2011 e a miséria para punir a população civil.
América Latina também não é fácil, mas líticos no Afeganistão, que antes lidera- Em 2012, a Cruz Vermelha e a ONU
no meu país não tinha mais jeito. Pelo va o êxodo. “Os refugiados saem por su- classificaram os conflitos como guer-
menos aqui não fui discriminado por ser as próprias pernas, carregando suas coi- ra civil e começaram a cobrar aplica-
africano, negro ou cristão.” sas, para os países vizinhos. Poucos têm tam cinco, seis, e ninguém faz nada. ções do Direito Humanitário Interna-
Seu plano original era ir para a Repú- como pegar aviões, por exemplo, para o Não há nenhuma segurança. Estou aqui cional para investigar crimes de guer-
blica Dominicana encontrar um amigo, Brasil. Quem consegue um veículo, co- muito preocupado com minha mulher e ra. Porém, as missões diplomáticas têm
em um voo que partiu de seu país, com mo uma carona em caminhão, já é sor- meus filhos”, diz, mostrando uma foto fracassado. De acordo com o Observató-
escalas no Marrocos e em São Paulo. Na tudo. E rezam para conseguir cruzar a da família no celular. “Todos os haitia- rio Sírio para os Direitos Humanos, no
última parada, foi impedido, por falta de fronteira, senão ficarão acampados até nos que têm um pouco de condições es- primeiro trimestre de 2014, pelo menos
documentos, de seguir para o país cari- poderem entrar”, diz Blanes. tão saindo, porque muitos morrem nes- 140 mil pessoas morreram – 7 mil crian-
benho. Teve de ficar. Depois de um mês Os Estados que têm fluxo mais in- ses ataques. É muito racismo. Como po- ças e 5 mil mulheres.
vivendo em uma ala especial do Aeropor- tenso costumam montar nas frontei- de eu viver 18 anos em um país e não ter
to de Guarulhos, chegando a dormir no ras centros de recepção e triagem, onde nenhum documento de lá?” Afeganistão e o refúgio
chão, conseguiu visto de refugiado, por são identificadas crianças sozinhas, fa- Simeon aguarda documentação per- Há quase 30 anos em conflitos civis, o
um ano. A documentação definitiva está mílias desmembradas e casos de aten- manente de refugiado a ser expedida pe- Afeganistão ainda vive os resquícios da
em análise no Ministério da Justiça. Ati- ção a saúde, nutrição e higiene. Feito lo Ministério da Justiça, em um proces- ofensiva dos Estados Unidos, em 2001,
farq vive na Casa do Migrante, no cen- esse atendimento, eles são alojados em so que pode levar anos. Apesar da pos- sob o governo de George W. Bush, aliado
tro de São Paulo, ligada à Igreja Católi- tendas emergenciais e só depois vão pa- tura do Brasil quanto às migrações ser à organização armada muçulmana Alian-
ca. Deixou dois irmãos mais jovens, de 15 ra os campos de refugiados, que ficam considerada “exemplar” e “muito moder- ça do Norte e de outros países ocidentais,
e 18 anos, que espera trazer quando jun- em regiões mais distantes das fronteiras na” pelas Nações Unidas, o crescimento como Reino Unido, França e Canadá. O
tar dinheiro. “Estou procurando traba- por questões de segurança. “Contamos no número de pedidos excedeu a capa- objetivo era derrubar o regime talibã e
lho. Estou feliz por Deus ter me dado es- com parcerias com organizações não cidade atual do Comitê Nacional para os encontrar Osama bin Laden e líderes da
se lugar, mas todos os dias apenas acor- governamentais para as tarefas e cons- Refugiados (Conare), ligado ao Ministé- Al-Qaeda, acusados pelos atentados ter-
do, como e durmo. Preciso estar ocupa- truir barricadas, estradas, abrigos e pa- rio da Justiça. O órgão consegue atender roristas de 11 de setembro de 2001. A
do, ser produtivo.” ra fazer os cadastros, o que hoje é mui- apenas 15 por dia. ação militar ocorreu à revelia das Na-
Histórias como a de Atifarq são ca- to tecnológico, com pulseiras de identi- “A obrigação constitucional é nossa e ções Unidas e deixou milhares de mor-
da vez mais recorrentes, no Brasil e no ficação e coleta das impressões digitais”, vamos fazer o que é nossa responsabili- tos. (Revista do Brasil)
mundo. O acirramento de conflitos na Sí- diz Godinho, do Acnur. “Os campos de
ria, Iraque, Ucrânia e República Centro- refugiados funcionam como cidades: há
-Africana, somado a antigas crises ainda
não resolvidas, como na Colômbia e na
serviço de saúde, escolas e atividades
de criação de emprego e renda. Existem Mapa refugiados
Palestina, fizeram explodir o número de campos com 50 mil pessoas, ou mais, há
refugiados no mundo. Desde a Segunda mais de 15 anos.” América: A população refugiada diminuiu em torno de 5%, totalizando
Guerra Mundial, o total de pessoas obri- 769 mil pessoas, sobretudo por uma revisão nos números de colombianos
gadas a deixar suas casas, devido a guer- Acolhimento deslocados na Venezuela.
ras e conflitos, nunca foi tão grande: 59,5 O crescimento do número de refugia- A Colômbia continua sendo um dos recordistas em número de desloca-
milhões, segundo o Alto Comissariado dos no mundo não deixou de fora o Bra- dos, somando 6 milhões de pessoas até o final do ano passado.
das Nações Unidas para Refugiados (Ac- sil: o total de solicitações de refúgios ao
nur). Isso acontece em um momento de- governo brasileiro aumentou de 1.165 A violência de gangues urbanas na América Central foi um dos princi-
licado, em que países europeus em crise em 2010 para 25.996 em 2014, segundo pais motivos de os Estados Unidos receberem no ano passado 36,8 mil pe-
estão reduzindo os recursos para refugia- o Ministério da Justiça. Vivem em ter- didos de refúgio a mais do que em 2013, totalizando 121,2 mil – crescimen-
dos e endurecendo os processos migrató- ritório brasileiro 7.700 refugiados de 81 to de 44%.
rios. países, vindos sobretudo da Síria, Co-
No ano passado, 14 milhões de pesso- lômbia, Angola e República Democráti- Oriente Médio e África do Norte: O agravamento do conflito
as foram obrigadas a deixar suas cidades ca do Congo. na Síria fez do Oriente Médio a principal região do mundo de origem e re-
pela primeira vez, fugindo de conflitos, “Os deslocamentos são muito associa- cebimento de populações deslocadas por conflitos e perseguições.
desastres naturais ou epidemias – qua- dos à dinâmica dos conflitos. Verifica-se
tro vezes mais do que em 2011. Os paí- no Brasil a chegada de pessoas da Áfri-
A guerra na Síria obrigou 7,6 milhões de pessoas a se deslocar dentro do
ses que mais recebem pedidos de refú- ca e do Oriente Médio, mas esse não é país e 3,88 milhões a buscar abrigo em países vizinhos.
gio são Rússia, Alemanha, Estados Uni- um perfil histórico. Por muito tempo, a O Iraque registrou 2,6 milhões de novos deslocados internos, totalizando
dos e Turquia. Mais da metade dos refu- maior entrada era de pessoas pela fron- 3,6 milhões de pessoas no final de 2014.
giados (53%) são sírios (3,9 milhões), se- teira com a Colômbia. É natural que nes-
guidos de afegãos (2,6 milhões) e soma- se momento, São Paulo e Rio de Janei- Europa: O número de refugiados que se deslocaram para a Europa tota-
lis (1,9 milhão). ro, por terem os maiores portos e aero- lizou 6,7 milhões no final de 2014, crescimento de 52,3% em um ano.
“Chegamos a esse ponto por responsa- portos, passem a receber a maior quan- O continente atingiu o recorde de refugiados que atravessaram o Medi-
bilidade de toda a comunidade interna- tidade de refugiados”, diz Godinho. São terrâneo, sempre em condições precárias: 219 mil pessoas.
cional, por incapacidade, enquanto con- Paulo soma 3.809 pedidos. O número
junto de nações, de prevenir e solucionar aumentou 1.000% entre 2010 e 2014. A
Quase 25% dos refugiados da Europa são sírios e estão na Turquia. Os
conflitos. A responsabilidade é de todos, capital é a cidade com mais solicitantes conflitos na região oriental da Ucrânia levaram 800 mil pessoas a se deslo-
mas não é incorreto dizer que os países (3.276), seguida por Campinas (218) e car dentro do país e outras 271,2 mil a solicitar refúgio para a Rússia.
mais desenvolvidos têm maior capacida- Guarulhos (178). Alemanha e Suécia recebem a maioria das solicitações de refúgio da
de de resolver essa situação – por seu po- “Apesar do crescimento, ainda não sa- União Europeia.
der econômico e pela influência política bemos o que significa o drama do refú-
internacional”, afirma o porta-voz do Ac- gio. Os refugiados não são os haitianos Ásia: É uma das principais regiões do mundo em termos de deslocamen-
nur, Luiz Fernando Godinho. que chegam pelo Acre, os jovens centro- to forçado. Só em 2014, foram registradas 9 milhões de pessoas deslocadas,
“Quem costuma mediar esses conflitos -americanos que tentam cruzar a fron- 31% a mais que em 2013.
é o Conselho de Segurança da ONU, que teira dos Estados Unidos. Os refugia-
se encontra engessado; os países mem- dos são viúvas, idosos sozinhos, crian- A Síria ultrapassou o Afeganistão e se tornou o principal país de origem
bros têm direito a veto, podem barrar al- ças órfãs. São os mais vulneráveis entre de refugiados no mundo.
guma intervenção pacífica para contro- os vulneráveis, sem chance de sobrevi- Mianmar registrou deslocamentos contínuos ao longo de 2014, alcançan-
lar um conflito, como o envio dos capa- ver se não migrarem”, explica José Bla- do 479 mil pessoas.
cetes azuis, por interesses econômicos”, nes, da UFABC. Metade dos refugiados Irã e Paquistão são dois dos principais países em recepção de refugiados.
diz o professor José Blanes, da Universi- do mundo é formada por crianças e ado-
dade Federal do ABC (UFABC). “A Chi- lescentes até 18 anos. África Subsaariana: Somou 3,7 milhões de refugiados e 11,4 mi-
na e a Rússia tinham negócios com a Sí- Para não submeter os filhos de 4 e 6 lhões de deslocados internos, sendo 4,5 milhões só em 2014. Os princi-
ria, o que impediu que o conselho inter- anos ao desgaste do refúgio no Brasil, o
viesse no início.” operador de câmera haitiano Jean Roxy
pais países de origem são República Centro Africana, Sudão do Sul, So-
A jurisprudência internacional já ad- Simeon, de 35 anos, decidiu tentar co- mália, Nigéria e República Democrática do Congo. A Etiópia substituiu o
mite o conceito de “responsabilidade de meçar a vida sozinho em São Paulo an- Quênia como principal destino de refugiados na região, e é agora o quin-
proteger”, um movimento que os países tes de trazer a família da República Do- to maior no mundo.
ricos devem fazer de intervir em confli- minicana, onde vivem há 18 anos, sem
tos e acolher refugiados. “A responsabi- sequer conseguir documentos de per- O Brasil: O país tem hoje 7,7 mil pessoas refugiadas, de 81 países. O
lidade de proteger é uma obrigação dos manência – nem para os filhos, que nas- número de solicitação de refúgios ao governo brasileiro chegou a 25.996
mais ricos. Que resposta Etiópia ou Ru- ceram no país. “Fugimos de gangues em 2014. A maioria vem da Síria, seguida por Colômbia, Angola e Repúbli-
anda podem oferecer? E a Alemanha ou paramilitares que assassinam haitia- ca Democrática do Congo. (Revista do Brasil)
a França?” nos por preconceito. Em um dia, ma-

Você também pode gostar