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EMC3 Hemóstase e Trombose

Hemóstase e Trombose

O sistema da hemóstase é um conjunto de intrincados processos que permitem que o


nosso sangue se mantenha fluido, cumpra as suas funções no nosso organismo e que
rapidamente estanque qualquer hemorragia, sendo este processo limitado ao local da
hemorragia, e não um processo patológico.

Tem que haver um equilíbrio entre os fatores que promovem a trombose e os fatores que
permitem a fluidez do sangue (mecanismos sensíveis, complexos e regulados).

A hemóstase é dividida em primária e


secundária. A hemóstase primária pode
ainda ser dividida em 4 passos. O 1º
passo, que se inicia imediatamente após
a lesão vascular, tem como objetivo
diminuir a perda de sangue e é
desencadeado por um reflexo simpático,
que leva à vasoconstrição arteriolar e
concomitantemente à ativação das células
endoteliais, com libertação da endotelina
(potente vasoconstritor).

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O processo de hemóstase primária continua


com a participação das plaquetas. As plaquetas
vão sofrer adesão à zona endotelial lesada e,
com o fator de von Willebrand (glicoproteína
plasmática), as plaquetas ativadas expõem as
suas glicoproteínas de superfície, sofrendo uma
alteração conformacional. Iniciam a libertação
dos seus grânulos (adenosina difosfato,
tromboxano A2, ou serotonina). Esta adesão
plaquetária torna as plaquetas mais “pegajosas”
e há um recrutamento de mais plaquetas, que
sofrem alterações e agregam-se entre si,
formando um tampão plaquetário.

Segue-se a hemóstase secundária. O fator


tecidular desencadeia reações enzimáticas,
que levam à ativação dos fatores da
coagulação (cascatas da coagulação). Estas
levam à ativação da trombina, que atua sobre o
fibrinogénio, levando à sua polimerização,
levando à formação de uma rede sobre as
plaquetas, dando uma estrutura sólida à
correção da lesão endotelial. Nesta estrutura
sólida ficam também células sanguíneas
(eritrócitos e glóbulos brancos) englobadas na
rede formada.

Uma vez formado o trombo, há que limitá-lo na


sua extensão (não queremos que seja um
processo patológico), para que não haja
oclusão do vaso. Por isso, temos mecanismos
complexos e autorregulados anti-trombóticos,
como os mecanismos de fibrinólise, que levam
à paragem da ativação plaquetária e ao corte
desta rede de fibrina, de forma a que o
processo seja concluído, sem haver lesão
patológica.

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O cerne está na ativação do fator tecidular e na sua ligação ao fator VII. O fator tedicular
habitualmente não está em contacto com o sangue, ele é subendotelial, mas pode entrar em
contacto, mediante determinados mediadores inflamatórios, que levam a que esse fator
tecidular esteja presente em células mononucleares e endoteliais. Depois procede-se à
ativação sequencial de fatores de coagulação. Há alguns mecanismos de feedback positivo
que ampliam e aumentam a capacidade de se produzir a trombina, que começa a atuar
sobre o fibrinogénio, produzindo-se a fibrina. A superfície plaquetária é também importante
neste processo de paragem da hemorragia.

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Como abordar um doente com discrasia hemorrágica?

Anamnese:
• história medicamentosa (anticoagulantes, anti-agregantes, anti-depressivos que
podem interferir com a coagulação)
• Despiste de uma doença sistémica
• História familiar (discrasias hemorrágicas em doentes jovens)

MCDT’s: de acordo com a história familiar. Estudos laboratoriais (primeiro menos


sofisticados e depois mais específicos).

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Exemplificando uma história clínica de um doente com discrasia hemorrágica:

Doenças vasculares:

Como estudar as plaquetas?

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Trombocitopénia
Diminuição da contagem plaquetária. O facto de ter um número inferior ao normal de
plaquetas não significa que haja hemorragia. A clínica com hemorragias espontâneas é
rara se a contagem plaquetária é superior a 30 000 plaquetas. O tempo de hemorragia
prolongado só aparece < 60 000 plaquetas.

como na esplenomegália

Trombocitopénia Imune
Previamente designada por Púrpura trombocitopénica imune, atualmente este termo caiu
em desuso, porque nem sempre o doente tem rash purpúrico. Trata-se de uma doença
hemorrágica autoimune, mediada quer por anticorpos autólogos anti-plaquetários, quer
pela participação de linfócitos T na destruição plaquetária que pode ocorrer no sangue
periférico, a nível esplénico, hepático ou central. Nesta doença há uma diminuição da
produção plaquetária a nível da medula óssea.

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Mecanismos que levam à destruição plaquetária na trombocitopénia imune:

O conhecimento da investigação destes mecanismos levou a que dispôs-se-mos de um


armamentário terapêutico no contexto de trombocitopenia imune que se torna refratária às
primeiras linhas terapêuticas.

Diagnóstico:

• Quando o doente tem < 100 000/mm3 e outras causas de trombocitopenia foram
excluídas;
• Se o doente tem uma clínica hemorrágica com risco de vida, podemos ter de fazer
transfusão plaquetária imediata para impedir a morte iminente (esta transfusão
plaquetária também é só no momento preciso, uma vez que estas plaquetas
também vão ser destruídas). Neste caso iniciamos logo imunoglobulina intravenosa
numa hemorragia em emergência. Caso não haja uma emergência iniciamos logo
glucocorticoides.
• No doente que não tem hemorragia, ou que não tem uma hemorragia severa, as
decisões terpaêuticas são orientadas pela contagem plaquetária, pela idade, pelas
condições pré-existentes e até pela preferência do doente.
• A primeira linha terapêutica são corticoides, mas devemos evitar o seu uso
prolongado pelos seus efeitos adversos. Há doentes com PTI que não respondem,
ou que vão ter sucessivas recaídas da doença. Para esses temos medicações
diversas: agonistas da trombopoetina; anticorpos monoclonais anti-CD20 e outras
terapêuticas mais modernas.
• Não se recomenda a terapêutica com esplenectomia durante o primeiro ano de
diagnóstico, a não ser que não haja outra terapêutica médica disponível, já que
pode ter efeitos secundários graves, como o risco infeccioso.

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Causas secundárias de trombocitopenia imune:


• Uso de fármacos
• Doenças linfoproliferativas
• Imunodeficiências
• Infeções
• Outras doenças autoimunes
• Síndrome de Evans

Tratando a doença de base, estamos a tratar a destruição imune plaquetária.

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Mieloma Múltiplo, Macroglobulinémia de Waldenstrom

Doenças funcionais das plaquetas (da agregação ou adesão plaquetária):

Doença de von Willebrand:


Pode ter uma alteração quer quantitativa, quer qualitativa do fator de von Willebrand.

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A mais frequente discrasia hemorrágica familiar, 1:10 000


Habitualmente é Autossómica Dominante.
Doseamento fator: N: 50-150 UI/ dl. Doença < 30 (40) UI/ dl

FvW fisiologicamente aumenta com a idade, pelo que a clínica pode melhorar com a idade.

Tipo Frequência %

1 70-80
2 ~20
3 <5*
*<5%- a forma + grave, ausência do fator

Sintomas: variáveis com nível residual do fator, subtipo, idade e sexo

Diagnóstico:
✓ Antigénio VWF (VWF: Ag) – Medição quantitativa do nível de fator de Von
Willebrand no plasma
✓ Atividade de VWF (VWF: Act) – Ensaios funcionais de ligação de VWF a plaquetas
ou colágeno – avaliam capacidade do VWF se ligar a essas estruturas, o teste mais
sensível e específico
✓ Atividade do fator VIII da coagulação – A diminuição da atividade do fator VIII
pode indicar VWF reduzido ou disfuncional.
Estudos genéticos são os testes mais específicos para diagnosticar os diferentes tipos da
doença de von Willebrand

Subtipos:

Defeitos Quantitativos

Defeitos quantitativos na produção – Subtipos 1 e 3

Defeitos Qualitativos

Defeitos qualitativos – Subtipo 2


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A distinção pode ser feita pelas análises de coagulação, como se apresenta nas imagens
acima.

Tratamento da doença de von Willebrand:

Armas terapêuticas que aumentam a produção do VWF. A prescrição está relacionada com
a quantidade de fator doseado quando o doente vai ser submetido a alguma agressão,
nomeadamente a uma cirurgia, ou em contexto de hemorragia relacionado com a gravidade
desta hemorragia e do fator doseado nesse doente.

Síndrome de Bernard Soulier:


Doença hereditária rara, geralmente autossómica
recessiva. Doentes heterozigóticos habitualmente
assintomáticos.
Caracteriza-se por Trombocitopenia ligeira e
plaquetas gigantes (quase tamanho do GV).

Há redução ou anormal expressão da glicoproteína


1b/IX na superfície das plaquetas (zona de ligação do
VWF).
Laboratorialmente o doente tem aumento do tempo de
hemorragia com acentuado defeito de agregação pela
ristocetina, que corrige com adição de plaquetas
normais.
A citometria de fluxo confirma o diagnóstico pelo
défice da GP1b.

Tratamento:
• Transfusão de plaquetas quando necessário
• DDAVP
• Agentes anti fibrinolíticos
• Fator VII ativado recombinante

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Trombastenia de Glanzmann (hereditária):

Doença autossómica recessiva, rara: 1/1 000 000


Sem predominância de género
Alteração qualitativa / quantitativa da GP IIb/IIIa
Sub-tipos: I <5% N; II 5-20%; III integrina nível
normal, disfuncional
Hemorragias cutâneo-mucosas
Tempo de hemorragia prolongado
Alterações da agregação plaquetária

Trombastenia de Glanzmann (adquirida):

Doente adquiriu AC contra a GP IIb/IIIa


Tem início numa idade mais tardia
Hemorragias cutâneo-mucosas graves
Contexto de: autoimunidade, doenças linfoproliferativas, discrasias plasmocitárias,
medicamentos, ou em casos raros em contexto de doenças amieloproliferativas.

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Tratamento:

Vê-se o conhecimento de genes afetados que atingem as glicoproteínas de superfície


plaquetária:

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E os genes já identificados em alterações patológicas de proteínas intracelulares nas


plaquetas:

Algoritmo de avaliação a partir de um hemograma completo com contagem plaquetária


destas doenças hemorrágicas relacionadas com trombocitopenias ou
trombocitopatias.
É necessário ter um hemograma completo e fazer uma cuidadosa avaliação do esfregaço de
sangue periférico (ESP).

Pode-se verificar:

- Hemograma com baixa contagem plaquetária confirmada com ESP (que não seja
apenas um problema de agregação plaquetária) → Vai-se ver o tamanho das plaquetas. Se
este for superior ao normal pode podemos estar no contexto de uma PTI, uma síndrome
de Bernard Soulier ou outras síndromes de plaquetas gigantes.
Se, por outro lado, as plaquetas apresentarem um tamanho normal podemos estar perante
uma aplasia medular (mas as restantes contagens do hemograma deveriam estar
alteradas, nomeadamente com anemia e alteração da contagem leucocitária), uma
trombocitopenia amegacariocítica (rara), ou uma leucemia (ESP com blastos).

- Hemograma com contagem plaquetária normal → podem ser com plaquetas isoladas
como na trombastenia de Glanzmann, em algumas doenças do VWF ou anomalias
vasculares ou podem ser com plaquetas agregadas também observadas em algumas
doenças do VWF ou em disfunções funcionais das plaquetas.

Daí ser importante ver e descrever o hemograma com a quantidade de plaquetas, o seu
tamanho e se estas estão agregadas ou isoladas.

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Alterações da Coagulação:

✓ Deficiente síntese em qualidade ou quantidade


✓ Aumento do consumo
✓ Diluição pós transfusão
✓ Inibidores da coagulação circulantes

Alterações Hereditárias Congénitas:

Défice Transmissão Frequência

São situações muito raras e salienta-se a Hemofilia A e Hemofilia B (FVIII e FIX


respetivamente).

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A clínica das Hemofílias está relacionada com a gravidade do défice do fator de coagulação.
Nas imagens observa-se Hemorragia SNC, Hemorragia muscular, etc.

Alterações Adquiridas da Coagulação:

✓ Insuficiência Hepática: Deficiência de todos os fatores (excepto o FVIII).


Acompanha-se de excesso de fibrinólise;
✓ Défice de absorção de Vit. K ou administração de anticoagulação oral;
✓ CID (Coagulopatia de consumo)
✓ Consumo de fatores e plaquetas e excesso de fibrinólise;
✓ Diluição pós-transfusional;
✓ Presença de inibidores.

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Mecanismo de anticoagulação:

Modulação da Coagulação
Diluição de fatores coagulantes da corrente sanguínea
Remoção de fatores ativados pelo SRE.

✓ Antitrombina III (AT-III)


Principal inibidor da cascata da coagulação, síntese hepática
Inibe a trombina
Inibe a ativação dos fatores IX,X,XI,XII
Atividade potenciada pela heparina
Estados de
✓ Inibidor da via do fator tecidular (TFPI)
hipercoagulabilidade:
✓ Proteina C Defice ATIII
Ativada pelo conjunto Trombina/Trombomodulina Defice prot C e S
Atividade anticoagulante e fibrinolitica Fator V Leyden
Vitamina K e proteina S são cofatores

✓ Proteina S

✓ Trombomodulina

✓ Heparina

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Fator V de Leyden:

Mutação do gene no exão 10, cromossoma 1:


➢ Resistência do Fator V da coagulação à Proteína C ativada.

A proteína C ativada, em complexo com a proteína S, degrada os fatores Va e VIIIa.


Se há mutações do fator V deixam-no resistente à ativação pela proteína C ativada,
elevando a tendência para a trombose.

➢ Na população caucasiana é a causa + frequente de hipercoagulabilidade hereditária.


Fator V de Leiden com uma deficiência de um só gene está presente em cerca de 5% dos
europeus, sendo raro em populações asiáticas ou africanas nativas.

Identificado em 20 a 60% dos pacientes com trombose venosa sem outras causas
aparentes
➢ ↑ ~ 10x risco de trombose em heterozigotia e ~ 50x em homozigotia
➢ Tromboses tanto arteriais como venosas, mas ++ venosas
➢ Diagnóstico – teste genético
➢ Tratamento – Anticoagulação com heparina seguida de varfarina oral

Trombofilia/Hipercoagulabilidade:

Alterações genéticas que dão origem a um estado de hipercoagulabilidade:


➢ Factor V Leiden (resistência Proteina C activada)
➢ Protrombina G20210A
➢ JAK2 mut V617F
➢ CALR mut
➢ Deficiência ATIII
➢ Deficiência Proteína C
➢ Deficiência Proteína S
➢ Hiperhomocisteínemia (Homocisteinuria)
➢ Disfibrinogenémia
➢ Plasminogénio anormal

Lesão endothelial

Tríade de
Virchow
Hipercoagulabilidade Estase

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Trombofilia adquirida:

➢ Síndrome antifosfolípidico (Auto Ac anti-fosfolipídicos e lesão endotelial. Perante


agressão podem desencadear uma tempestade inflamatória com tromboembolismo
venoso, tromboses arteriais ou lesões de órgão).
➢ Hemoglobinúria Paroxística Noturna (lesão clonal das células da MO – anemia
hemolítica, pncitopénia, tromboses venosas e arteriais)
➢ Doença de Behçet (doença autoinflamatória de etiologia desconhecida – inflamação
dos vasos, aparecimento de úlceras orais e genitais e uma tendência trombofílica).
➢ Pílula
➢ Obesidade
➢ Tabaco
➢ Cirurgia (anoxia cirúrgica)

Sistema Fibrinolítico:

Observa-se abaixo o sistema fibrinolítico com a sua importância no controlo do trombo. Há


um sistema controlado por mecanismos inibitórios: Plasminogénio liga-se à Plasmina
causando a destruição da Fibrina.
E os mecanismos inibitórios: Inibidores do Plasminogénio tecidular e a alfa2 anti-plasmina.

Na realidade todos os sistemas homeostáticos interagem entre si:


Sistema coagulação e fibrinolítico com o sistema do complemento, neurológico, etc.

Uma desregulação em algum pode ter fenótipos clínicos muito diversos.


Por exemplo, alterações no sistema fibrinolítico podem estar relacionadas com produão de
proteínas de matriz, migração celular, metastização, replicação viral, lesões
neurológicas,etc.

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