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Quais são as doenças relacionadas com

distúrbios da hemostasia primária?


7.1 INTRODUÇÃO
Os distúrbios da hemostasia primária são resultantes de três mecanismos:

• Fragilidade da parede vascular;

• Alterações quantitativas ou qualitativas das plaquetas;

• Alterações quantitativas ou qualitativas do Fator de von Willebrand (FvW).

A manifestação clínica dos distúrbios da hemostasia primária mais comum é o


sangramento mucocutâneo – petéquias, gengivorragia, epistaxe, hematêmese/
melena, hematúria, menorragia – espontâneo e, ou imediatamente após pequenos
traumas.

7.2 FRAGILIDADE DA PAREDE VASCULAR


A maior fragilidade da parede vascular causada por alterações microvasculares. de
causa inflamatória ou não, leva a um distúrbio da hemostasia primária que pode
ocasionar sangramento mucocutâneo, causando as púrpuras não
trombocitopênicas.

Na investigação, é importante determinar se há púrpura palpável – depósito de


fibrina, edema ou infiltração celular –, se há sinais inflamatórios – calor local, dor ou
eritema – e se há alteração nos exames laboratoriais que denotem causa
hematológica – contagem e função plaquetárias, coagulograma –.

As púrpuras não trombocitopênicas são um diagnóstico diferencial muito


importante das púrpuras trombocitopênicas, visto que sua manifestação clínica é
semelhante: petéquias, púrpuras, sangramento mucoso – gengivorragia ou epistaxe
–, e raramente apresentam sangramento digestivo ou urinário.

Os principais exemplos de púrpuras não trombocitopênicas são púrpura trombótica,


púrpura de Henoch-Schönlein, pioderma gangrenoso e eritema multiforme.

A telangiectasia hemorrágica hereditária – doença de Rendu-Osler-Weber – é um


distúrbio autossômico dominante com o aparecimento de vasos tortuosos,
dilatados, com paredes finas, geralmente na submucosa do tubo digestivo e na
mucosa respiratória. Manifesta-se com epistaxes frequentes e sangramento de
mucosa oral e gastrintestinal, consequentes à malformação vascular. No exame
físico, é característico o encontro de telangiectasias na face, nos dedos, na língua,
nos lábios e no nariz. Parece púrpura, mas não é.
Quadro 7.1 - Etiologias mais frequentes das púrpuras vasculares

Nota: a púrpura de Henoch-Schönlein – principal causa de vasculite na infância, afeta


predominantemente a população pediátrica (3 a 15 anos) –; 90% dos casos ocorrem em crianças
com idade abaixo de 10 anos; mais comum em meninos – 1,8:1 –. A causa não é bem esclarecida,
mas acredita-se que infecções virais, bacterianas – principalmente por Streptococcus –,
medicamentos, alergia alimentar ou picada de insetos possam ser desencadeadores. Ocorre
vasculite leucocitoclástica por depósito de complemento e imunocomplexo – à custa de
imunoglobulina A (IgA) e C3 –. Manifesta-se pela tétrade clínica: púrpura palpável simétrica, na
ausência de plaquetopenia ou alteração da coagulação – principalmente nos membros
inferiores e nádegas –; artralgia/artrite; dor abdominal de intensidade variável – com ou sem
sangramento digestivo –; nefrite – glomerulonefrite aguda –. O diagnóstico é clínico, e a biópsia
do local afetado – pele ou rim – é reservada aos casos de apresentação clínica incompleta ou
atípica. É uma doença autolimitada, que necessita apenas de tratamento de suporte – ingesta
de líquidos, repouso e analgesia –. O uso de corticoide é reservado aos casos complicados com
envolvimento renal ou não responsivos aos sintomáticos. O prognóstico é muito bom: apenas
um terço dos casos apresenta recidiva nos 4 meses seguintes ao quadro inicial, de forma mais
branda e com menor duração. A complicação com perfuração ou intussuscepção intestinal é
rara, e 94% das crianças e 89% dos adultos que apresentam alteração renal evoluem com
recuperação completa.

7.3 ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS DAS PLAQUETAS


A trombocitopenia – também chamada plaquetopenia – é definida como contagem
de plaquetas inferior a 150.000/mm 3.

As principais causas são diminuição da produção, aumento da destruição – imune ou


não imune – e sequestro esplênico. A identificação da etiologia é essencial para a
indicação do tipo de tratamento, já que, em alguns casos – como na púrpura
trombocitopênica imunológica –, o uso de concentrados de plaquetas para
transfusão pode piorar o quadro clínico.

A trombocitopenia é causa importante de sangramento de pequenos vasos. Essas


manifestações hemorrágicas estão relacionadas à sua etiologia e à contagem
plaquetária: sangramento clinicamente significativo em geral não ocorre na
presença de contagens plaquetárias acima de 10.000 a 20.000/mm 3, e pacientes
com púrpura trombocitopênica imunológica têm menor tendência a sangramentos,
pois, com a destruição periférica excessiva, há maior produção medular e
consequente liberação de plaquetas mais jovens circulantes e com maior poder
hemostático.

A seguir, são analisadas as formas mais frequentes de plaquetopenia, suas


manifestações clínicas e tratamentos.

7.3.1 Trombocitopenia por diminuição de produção

Pode ser congênita ou adquirida. A primeira é muito rara, destacando-se as


síndromes de Wiskott-Aldrich, de Bernard-Soulier, tromboastenia de Glanzmann e
May-Hegglin. As causas mais comuns são:

• Carências nutricionais de vitamina B12 e ácido fólico: são causas importantes de


plaquetopenia por déficit de produção, geralmente acompanhada por anemia e, ou
leucopenia;

• Doenças primárias da medula óssea: distúrbio na produção dos megacariócitos,


anemia aplásica, mielodisplasia, infiltrações medulares por leucemias, tumores e
mielofibrose. Destaca-se, ainda, a agressão medular por quimioterapia ou
radioterapia, ou ainda por outros agentes tóxicos – benzeno e álcool –;

• Megacariopoese ineficaz: ocorre produção medular de megacariócitos anômalos,


com liberação inadequada de plaquetas para o sangue periférico, como a
mielodisplasia;

• Quadros infecciosos: em especial o HIV, que leva à trombocitopenia nos primeiros


estágios, por reações antígeno-anticorpo e por supressão megacariocítica direta
pelo vírus. A hepatite por vírus C e Epstein-Barr causam, frequentemente, um quadro
semelhante.

#importante
Carências nutricionais de vitamina B12 e de ácido
fólico são causas importantes de plaquetopenia por
déficit de produção, geralmente acompanhada por
anemia e, ou leucopenia.

7.3.2 Trombocitopenia por excesso de destruição

As principais causas são:

• Púrpura Trombocitopênica Idiopática (PTI): destruição plaquetária por formação


de anticorpos antiplaquetários ou por interação dos anticorpos com outros
elementos, em que a plaqueta atua como hapteno ou, ainda, por produção ineficaz de
plaquetas. Pode estar associada a outras doenças autoimunes, como Lúpus
Eritematoso Sistêmico (LES), anemias hemolíticas autoimunes, quadros infecciosos
virais e ingestão de drogas, ou pode ser idiopática;

• Destruição mecânica: como na hemólise por próteses valvares cardíacas,


hemangioma cavernoso, aneurisma de aorta ou aterosclerose;

• Consumo: por quadros inflamatórios ou infecciosos, como na meningococcemia,


dengue hemorrágica, mononucleose, citomegalovirose, HIV e sepse; nas
microangiopatias trombóticas, em que as plaquetas são consumidas em razão da
trombose na microcirculação – Púrpura Trombocitopênica Trombótica (PTT),
Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU), síndrome HELLP, coagulação intravascular
disseminada (CIVD) –. As microangiopatias trombóticas PTT e SHU também cursam
com anemia hemolítica;

• Medicamentos: uso de heparina, quinidina, ácido valproico, sulfas, interferona e


vacina de catapora;

• Púrpura aloimune: destruição plaquetária em razão de aloanticorpos (anticorpo


antiplaquetário não presente no indivíduo, adquirido por transfusão ou transmissão
materno-fetal, contra antígeno presente na superfície de sua plaqueta). Ocorre em
indivíduos que recebem muitas transfusões de plaquetas e na púrpura aloimune
neonatal;
Figura 7.1 - Fatores etiológicos da trombocitopenia

Legenda: MO: Medula Óssea; CIVD: coagulação intravascular disseminada; PTT: Púrpura
Trombocitopênica Trombótica; SHU: Síndrome Hemolítico-Urêmica; PPT: Púrpura Pós-
Tranfusional; PTI: Púrpura Trombocitopênica Idiopática; LES: Lúpus Eritematoso Sistêmico
Fonte: elaborado pelo autor.

• Trombocitopenia aloimune neonatal: acontece quando as plaquetas do feto


contêm antígenos herdados do pai, não possuídos pela mãe. Assim, há
desenvolvimento de anticorpos maternos diretamente contra esses antígenos
plaquetários do feto – HPA 1a ou PLA1, principalmente –, semelhante ao que ocorre
na doença hemolítica do recém-nascido. A mãe passa a produzir anticorpos
específicos – imunoglobulina G (IgG) –, que cruzam a barreira placentária e destroem
as plaquetas em formação. Os recém-nascidos podem apresentar plaquetopenia
leve, moderada ou severa. Deve-se manter o nível de plaquetas acima de 30.000 a
50.000, pois a maior complicação é o sangramento intracraniano, que ocorre em 10 a
20% dos recém-nascidos acometidos, sobretudo nas primeiras 72 a 96 horas, ou
ainda intraútero – 25 a 50% dos casos –. O quadro reverte-se em 1 a 4 semanas,
período necessário para o clearance dos anticorpos maternos. Enquanto isso,
devem-se transfundir plaquetas com antígenos plaquetários compatíveis com os da
mãe – inclusive a própria plaqueta da mãe – e, ou administrar imunoglobulina. A
transfusão será indicada se a contagem de plaquetas for inferior a 30.000 a 50.000/
mm3, principalmente nas primeiras 96 horas, em que o risco de sangramento é muito
alto. A taxa de recorrência nas gestações subsequentes é de 75 a 90%, sendo
indicada transfusão intraútero imediatamente antes do parto e, ou infusão de
imunoglobulina na mãe, associadas ou não a corticoide.

7.3.2.1 Púrpura trombocitopênica idiopática

Também chamada de púrpura trombocitopênica imunológica, é uma das causas


mais comuns de plaquetopenia em crianças. Trata-se de uma doença autoimune,
que pode ser aguda – com duração de até 3 meses –, persistente – de 3 a 12 meses –
ou crônica – acima de 12 meses –, e cursa com destruição plaquetária
imunologicamente mediada por anticorpos, à semelhança do que acontece na AIDS,
no LES, nas infecções virais – hepatites B e C –, na leucemia linfoide crônica, no
linfoma não Hodgkin e nas complicações de terapias medicamentosas diversas –
púrpuras trombocitopênicas imunológicas secundárias –. Essas etiologias
secundárias devem ser devidamente investigadas e descartadas, pois, o diagnóstico
de PTI é de exclusão.

a) Patogênese

A patogênese da PTI ainda é incerta, mas acredita-se que está relacionada:

• Ao aumento da destruição das plaquetas por anticorpos IgG produzidos por


linfócitos B – podem coexistir anticorpos IgM em 40% dos casos – contra os
complexos glicoproteicos plaquetários IIb/IIIa e Ib/IX. As plaquetas opsonizadas após
essa reação antígeno-anticorpo são fagocitadas pelo sistema reticuloendotelial,
levando à destruição plaquetária, principalmente no baço;

• À participação importante de linfócitos T helper CD4+, tanto no estímulo da ação


dos linfócitos B quanto na possível ação citotóxica direta;

• À diminuição da secreção de trombopoetina; fisiologicamente, em situações de


plaquetopenia, essa substância encontra-se elevada, o que não ocorre na PTI.

b) Epidemiologia

A incidência maior é na infância, porém pode afetar virtualmente todas as faixas


etárias em ambos os sexos. Em crianças, é mais frequente o aparecimento da
plaquetopenia após quadro viral ou vacina – principalmente a Sarampo, Caxumba e
Rubéola (SCR) –, iniciando-se, geralmente, 3 semanas após a infecção, com taxa de
remissão espontânea bastante alta nessa faixa etária, chegando a 80%. Infecção
pelo Helicobacter pylori tem sido associada à PTI em alguns relatos. Nos adultos,
acomete em geral mulheres em torno da segunda à quarta década de vida ou, ainda,
idosos; nessas situações, a remissão clínica é menos comum, com maior chance, por
conseguinte, de cronicidade do quadro, mesmo com tratamento adequado.
Figura 7.2 - Incidência de púrpura trombocitopênica imunológica por faixa etária

Fonte: elaborado pelo autor.

c) Quadro clínico e laboratorial

A PTI se apresenta como um distúrbio da hemostasia primária, destacando-se a


presença de petéquias, geralmente ascendentes. Pode ocorrer sangramento em,
virtualmente, todos os tecidos do organismo, sendo mais comuns epistaxe,
gengivorragia e menorragia. Idosos tendem a apresentar sangramentos mais graves,
como digestivo ou urinário. O Sistema Nervoso Central (SNC) raramente apresenta
fenômenos hemorrágicos potencialmente fatais, tendo em vista hiperfunção das
poucas plaquetas presentes.

#importante
Os pacientes encontram-se em bom estado geral e
afebris, com ausência de esplenomegalia ou de
outras alterações no exame físico, além de
petéquias, púrpuras e equimoses. Diferentemente da
púrpura de Henoch-Schönlein, a PTI é indolor, não
palpável e não ocorre de forma exclusiva ou principal
nos membros inferiores.

Os pacientes apresentam bom estado geral, sem febre, esplenomegalia ou outras


alterações além de petéquias, púrpuras e equimoses.

A contagem plaquetária pode alcançar valores abaixo de 10.000/mm 3, muitas vezes


com megatrombócitos circulantes – macroplaquetas –, consequentes ao aumento
da demanda medular, sem qualquer outra evidência de alteração no hemograma.
Eventualmente, pode haver anemia ferropriva, secundária aos episódios de
sangramento.

As outras linhagens celulares estão normais, porém 10% têm anemia hemolítica
autoimune associada – síndrome de Evans –.

d) Como investigar

Avaliação inicial deve incluir anamnese e exames físicos detalhados, hemograma


completo e avaliação do esfregaço de sangue periférico. Em pacientes com mais de
50 anos, devem-se considerar aspirado e biópsia de medula óssea, a fim de afastar
um processo mielodisplásico.

A análise do sangue periférico é importante para descartar pseudoplaquetopenia e


presença de células anômalas – leucemia – e de esquizócitos – sinal de
microangiopatia –. Na púrpura trombocitopênica imunológica, é comum aparecerem
macroplaquetas.

Ao mielograma, evidenciam-se linhagens celulares normais, podendo haver aumento


do número de megacariócitos, muitos deles imaturos, basofílicos, com núcleo
grande e não lobulado, demonstrando eritropoese acelerada e resposta medular
elevada. Pode-se encontrar também número de megacariócitos normais ou
diminuídos, nos casos em que estes são afetados. Logo, o mielograma não é
importante para o diagnóstico da PTI, mas para a exclusão de outras doenças que
afetam a medula. Deve ser solicitado em crianças, ou menores de 18 anos – pela
possibilidade de diagnóstico de leucemia aguda –, idosos – pelo diagnóstico
diferencial de mielodisplasia –, pacientes corticorrefratários e aqueles que não
apresentaram boa resposta à esplenectomia.

Pode-se, ainda, detectar anticorpos antiplaquetários por citometria de fluxo;


entretanto, a sensibilidade e a especificidade desse teste são muito baixas, o que
impede sua utilização para o diagnóstico.
É importante a realização de investigação laboratorial extensa, dado que não há
nenhum exame laboratorial que confirme PTI, e o diagnóstico é de exclusão. É
importante descartar outras doenças para o diagnóstico de PTI, como:

• Doenças autoimunes;

• Anemia megaloblástica;

• Doenças infecciosas, em especial hepatite C e HIV;

• Agamaglobulinemia – solicitar eletroforese de proteínas e dosagem de


imunoglobulinas –;

• Tireoidopatias – se houver sintomas de hipo ou hiperfunção tireoidiana –;

• Síndrome mielodisplásica – principalmente em idosos –;

• Leucemia aguda – principalmente em crianças –;

• Uso de medicamentos.

#importante
Já que não há nenhum exame laboratorial que
confirme a PTI, deve-se realizar investigação
laboratorial extensa, e o diagnóstico de PTI é de
exclusão.

e) Tratamento

Considerando-se que nas crianças geralmente há remissão espontânea, e em alguns


poucos casos nos adultos – menor que 10% – , o início da terapia está
indubitavelmente indicado apenas em três situações: nível plaquetário abaixo de
30.000/mm3, quadro de sangramento ativo ou previsão de intervenção cirúrgica.

Outras situações podem ser levadas em conta para a indicação terapêutica


objetivando plaquetometria maior, como risco de trauma – geralmente idosos ou
pacientes que exercem atividade de risco –, uso de medicamentos anticoagulantes
ou antiagregantes e a presença de comorbidades.

A primeira opção terapêutica é o corticoide, para reduzir a afinidade dos macrófagos


com as plaquetas marcadas por anticorpos, além de diminuir a ligação dos
anticorpos à superfície das plaquetas. Quando mantida a corticoterapia por longos
períodos, a produção de anticorpos diminui. A corticoterapia pode ser administrada
em diferentes formas:

• Prednisona: 1 mg/kg de peso/d, pelo mínimo de 4 semanas – mais utilizada –;

• Pulsos com dexametasona: 40 mg/d, por 4 dias, a cada 14 a 28 dias, quantas vezes
forem necessárias para aumentar a contagem plaquetária – em geral, de 1 a 6 vezes
–;

• Pulso com metilprednisolona: 30 mg/kg/d, respeitando a dose máxima de 1 g/d, por


3 dias, seguido da prednisona na dose já descrita. Nessa opção, obtém-se resposta
mais rapidamente, mas sem diferenças na frequência e, ou na duração da resposta
completa, sendo reservada apenas a pacientes com quadro de sangramento
importante ou refratários à dose convencional de prednisona.

O sangramento geralmente diminui de intensidade após o primeiro dia de corticoide,


mesmo antes do início da elevação plaquetária, talvez por aumento da estabilidade
vascular. Após o início da corticoterapia, a contagem de plaquetas pode levar até 4
semanas para se elevar.

Em pacientes com sangramento importante, em pré-operatório – particularmente


para a esplenectomia –, gestantes e, ou refratários ao uso de corticoide, a
imunoglobulina é indicada. Tal agente atua no bloqueio dos receptores Fc dos
macrófagos e na diminuição da captação de plaquetas recobertas por anticorpos.
Preconiza-se dose de 400 mg/kg de peso/d, por 3 a 5 dias, ou 1 g/kg/d, por 2 dias.
Espera-se resposta laboratorial em 1 a 5 dias.

#importante
A transfusão de plaquetas só é recomendada em
casos de sangramento ativo e com risco de vida
iminente, geralmente com o dobro da dose usual.

A transfusão de plaquetas está contraindicada, recomendada apenas em casos de


sangramento ativo e com risco de vida iminente –sangramentos no trato
gastrintestinal ou no sistema nervoso central –, geralmente calculando-se o dobro
da dose usual – enquanto a dose usual de plaquetas randômicas é 1 unidade a cada
10 kg, aqui se faz 2 a 3 unidades a cada 10 kg de peso –. Não há contraindicações
para transfusões de concentrados de hemácias caso haja anemia severa sintomática
associada, em razão das perdas.

#importante
Não há contraindicação para transfusão de
concentrados de hemácias em casos de anemia
severa sintomática associada, em razão das perdas.
Para os casos refratários, a esplenectomia é indicada aos casos em que não há
resposta a prednisona, quando há dependência de altas doses do uso desta ou em
casos de recidiva da doença. Deve-se aguardar pelo menos 6 meses para indicar
esse procedimento, tendo em vista a chance de remissão espontânea nesse período.
Entretanto, a cirurgia não é garantia de sucesso a 100% dos pacientes, tendo índice
de resposta em longo prazo que varia de 60 a 90%, dependendo da série estudada.

O anticorpo monoclonal anti-CD20 – rituximabe –, responsável pela supressão de


linfócitos B e, portanto, da síntese de anticorpos, vem sendo bastante estudado na
tentativa de diminuir as indicações de esplenectomia, mas ainda carece de estudos
que comprovem superioridade quanto à sua eficácia como primeira linha,
principalmente em longo prazo, porém é reservado aos refratários à esplenectomia
ou àqueles com contraindicação cirúrgica, com boas taxas de sucesso.

Os análogos de trombopoetina – eltrombopague e romiplostim – são aprovados para


uso em pacientes refratários às terapias anteriores; não induzem à remissão,
entretanto melhoram a plaquetometria durante seu uso em pelo menos 50% dos
casos. Ambos os medicamentos já foram lançados no Brasil.

Descreve-se, também, que o uso do danazol, um agente anabolizante, está


associado à melhora em pacientes refratários a corticoides, o mesmo acontecendo
com o quimioterápico ciclofosfamida e os imunossupressores azatioprina e
ciclosporina. Ressalta-se, porém, que esses medicamentos são de terceira linha
terapêutica, apresentando respostas menores do que os demais supracitados.

É importante lembrar que, em pacientes com HIV, a terapia antirretroviral auxilia no


incremento dos níveis plaquetários.

f) Prognóstico

Nas crianças, a maior parte apresenta remissão completa – 80% –, enquanto nos
adultos, a maioria dos casos – aproximadamente 60% – regride com uso de
prednisona. O prognóstico é bom na maioria dos casos, com resolução após
terapêutica medicamentosa ou esplenectomia. A mortalidade relacionada à PTI é
pequena – menos de 1% – e secundária a sangramento ou infecção.
Figura 7.3 - Tratamento na púrpura trombocitopênica idiopática

Fonte: elaborado pelo autor.

7.3.3 Plaquetopenia por sequestro esplênico

Pacientes com esplenomegalia podem reter até 90% das plaquetas circulantes no
baço. Portanto, a massa plaquetária do paciente pode ser normal, mesmo quando a
contagem representar apenas 20% do valor normal.

A causa mais importante da plaquetopenia por sequestro esplênico é a hepatopatia


crônica com hipertensão portal e esplenomegalia congestiva. Hiperesplenismo é
uma situação distinta, em que a esplenomegalia está associada ao aumento da
destruição de plaquetas, leucócitos e hemácias, com aumento dos precursores
medulares – citopenia, esplenomegalia e medula hipercelular –. Ocorre nas
citopenias autoimunes, doenças infecciosas e inflamatórias, como lúpus,
esquistossomose, mononucleose, malária ou leishmaniose.
7.3.4 Defeitos qualitativos das plaquetas

Podem ser congênitos ou adquiridos e são responsáveis por quadro clínico


semelhante ao das plaquetopenias.

7.3.4.1 Defeitos congênitos

• Síndrome de Bernard-Soulier: doença autossômica recessiva em que há


deficiência no complexo glicoproteico plaquetário GPIb, resultando em menor
número de receptores para o FvW e defeito na adesão plaquetária. Além da alteração
da função, também apresenta diminuição da contagem plaquetária;

• Tromboastenia de Glanzmann: é uma síndrome hemorrágica rara, causada por um


defeito autossômico recessivo, com perda do receptor de fibrinogênio – GPIIb/IIIa –,
resultando em déficit de agregação plaquetária;

• Storage pool disease: é uma “doença do armazenamento”, ocorrendo por defeitos


das reações de liberação do conteúdo dos grânulos plaquetários, levando a respostas
anormais na produção de prostaglandinas ou liberação de ADPs, alterando
agregação e ativação plaquetárias.

7.3.4.2 Defeitos adquiridos

• Ingestão de ácido acetilsalicílico: liga-se de forma irreversível à cicloxigenase 2


(COX-2), enzima responsável pela produção de prostaglandinas e tromboxano A2 na
membrana plaquetária, levando à alteração da agregação plaquetária e ao aumento
do tempo de sangramento;

• Ingestão de outros anti-inflamatórios não hormonais: inibem reversivelmente a


COX e a agregação plaquetária, porém esta última de forma menos intensa;

• Tienopiridinas: a ticlopidina e o clopidogrel agem inibindo o receptor plaquetário de


ADP e a sua agregação;

• Inibidores da glicoproteína IIb/IIIa: são drogas que inibem especificamente esse


componente, impedindo a agregação plaquetária – abciximabe, eptifibatida e
tirofibana, utilizados no tratamento da insuficiência coronariana –;

• Uremia: o mecanismo exato para a alteração da função plaquetária é desconhecido,


porém, acredita-se que o acúmulo do ácido guanidinossuccínico possa alterar a
adesão, agregação e secreção de grânulos plaquetários. A gravidade do quadro
clínico associa-se à severidade da insuficiência renal concomitante.

7.3.5 Doença de von Willebrand

7.3.5.1 Considerações gerais

A Doença de von Willebrand (DvW) é um distúrbio autossômico dominante – o tipo 1,


forma mais comum, afeta cerca de 80% dos casos – ou recessivo – o tipo 3, mais
raro –, em que pode haver redução da síntese do FvW ou produção de substância
alterada, ineficaz, que é incapaz de realizar as funções de adesão plaquetária e
manutenção adequada dos níveis de fator VIII. É a coagulopatia hereditária mais
frequente e raramente pode ser adquirida, em geral associada a mieloproliferações
ou a tumores sólidos.

O FvW é uma glicoproteína multimérica sintetizada nos megacariócitos e nas células


endoteliais e circula no plasma como multímeros de tamanhos variáveis. Só os
multímeros de alto peso atuam na adesividade plaquetária. Desmopressina,
trombina e colágeno estimulam a secreção de multímeros ultragrandes, que são
clivados na circulação, pela metaloprotease ADAMTS13, em multímeros menores e
menos ativos.

O FvW tem duas funções na hemostasia: adesão plaquetária e manutenção


adequada dos níveis de fator VIII, pois o FvW ligado ao fator VIII na corrente
sanguínea o protege da degradação plasmática pelas proteínas C e S. Assim, na sua
deficiência, além de existirem distúrbios da adesividade plaquetária, pode ocorrer a
redução dos níveis de fator VIII.

A DvW pode ser de três tipos:

• Tipo 1: deficiência quantitativa parcial do FvW;

• Tipo 2: deficiência qualitativa do FvW.

• 2A: redução da função de ligação às plaquetas e ausência de grandes multímeros de


alto peso molecular;
• 2B: maior afinidade pela glicoproteína Ib;
• 2M: redução da função da ligação às plaquetas, sem ausência de grandes
multímeros de alto peso molecular;
• 2N: redução da afinidade do fator VIII coagulante.

• Tipo 3: deficiência quantitativa virtualmente completa do FvW – deficiência total –.

A pseudodoença de von Willebrand consiste em alterações da membrana


plaquetária, com excessiva avidez pelas formas multiméricas grandes, causando sua
retirada precoce do plasma.

7.3.5.2 Quadro clínico

Ocorre manifestação clínica de patologia da hemostasia primária: sangramento


mucocutâneo, com exceção do subtipo 2N, que se comporta como hemofílico –
deficiência de fator VIII –, com sangramentos articulares e musculares profundos e
sangramento tardio após trauma. Deve-se ter atenção para a história familiar, que
pode apresentar episódios de sangramento prolongado após extração dentária,
procedimentos cirúrgicos, parto e sangramento menstrual excessivo.

A perda sanguínea diminui na vigência de estrogênios ou durante a gravidez, pois


essas situações aumentam a síntese de FvW.
7.3.5.3 Diagnóstico laboratorial

O diagnóstico laboratorial da DvW pode ser difícil, pois o nível sérico de FvW é
influenciado por diversos fatores, e os resultados dos vários testes relacionam-se
mal com a gravidade da situação clínica. Esse fato exige frequentemente a repetição
das análises se a suspeita clínica for grande, e os resultados, inconclusivos. Vários
testes podem e devem ser utilizados no diagnóstico da DvW e na sua classificação e
são agrupados em três níveis: de rastreamento; específicos para o FvW, que
permitem estabelecer o diagnóstico; testes classificatórios, que permitem
caracterizar precisamente os diferentes subtipos da doença.

• Testes de rastreamento:

• Tempo de sangramento: importante na suspeita inicial de muitos casos de DvW, pois


estará aumentado em todos os tipos, exceto no subtipo 2N – deficiência de fator VIII
–;
• Tempo de tromboplastina parcial ativada: pode ser normal ou prolongado, a
depender do valor do fator VIII;
• Contagem plaquetária: estará normal, descartando outras patologias de hemostasia
primária. Exceção ao subtipo 2B, em que, em razão da alta afinidade GPIb-FvW, é
possível haver plaquetopenia.

• Testes específicos:

• Dosagem do fator VIII plasmático: estará diminuído no subtipo 2N e no tipo 3;


• Dosagem do antígeno FvW plasmático: estará diminuído nos tipos 1 e 3 e normal ou
limítrofe no tipo 2, lembrando que um grande número de fatores pode alterar os
níveis plasmáticos do antígeno FvW, como o sistema ABO do sangue – os indivíduos
do grupo O têm níveis de FvW plasmático mais baixos do que os do AB –,
estrogênios, hormônios tireoidianos, idade e estresse;
• Atividade de cofator da ristocetina: avalia alteração funcional do FvW. A ristocetina é
um antibiótico capaz de induzir a interação entre o FvW e o complexo GPIb-IX. Logo,
a determinação do cofator da ristocetina estará diminuída em todos os tipos da DvW.

• Testes classificatórios:

• Eletroforese do FvW em gel de agarose: permite a análise dos diferentes


multímeros;
• Aglutinação plaquetária induzida pela ristocetina (RIPA): aumentada no subtipo 2B e
diminuída nos demais tipos;
• O diagnóstico pré-natal da DvW já é possível por meio de análise genética.

7.3.5.4 Tratamento

Deve-se evitar sempre o uso de anti-inflamatórios não esteroides e anticoagulantes


orais.
#importante
O tratamento da doença de von Willebrand é feito
com desmopressina, e, para os casos não
responsivos, pode-se usar fator VIII liofilizado.

A desmopressina, um análogo sintético do hormônio antidiurético, provoca aumento


dos níveis de fator VIII e FvW, mas não da pressão arterial, vasoconstrição nem
contração uterina ou gastrintestinal, sendo bem tolerada pelos pacientes. Seu uso
não está associado ao aumento de infecções virais, e o produto é comercializado em
várias formulações – intravenosa, subcutânea ou inalatória –, com custo
relativamente baixo. Apresenta boa resposta terapêutica na DvW tipo 1 e resposta
variável no tipo 2.

O uso de concentrados de fator VIII liofilizado – contendo FvW – é preconizado para


os que não respondem à desmopressina, na dose de 20 a 50 UI/kg, a ser repetida 3x/
d enquanto for necessário.

Agentes antifibrinolíticos, como o ácido tranexâmico ou o ácido épsilon-


aminocaproico e cola de fibrina, podem ser utilizados como terapêutica adjuvante
durante pequenos procedimentos invasivos.

O estrogênio pode ser utilizado em mulheres com sangramento menstrual


excessivo, com boa resposta na DvW tipo 1 e resposta variável no tipo 2.

Quais são as doenças relacionadas com


distúrbios da hemostasia primária?
Os distúrbios de hemostasia primária mais comuns são a doença de von
Willebrand e a púrpura trombocitopênica idiopática.

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