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INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO TOCOISTA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA SOCIAS E HUMANAS

CURSO DE DIREITO

Direito Eleitoral

AUTARQUIAS LOCAIS

Luanda, 2023
INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO TOCOISTA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA SOCIAS E HUMANAS

CURSO DE DIREITO

Direito Eleitoral

INTEGRANTES

Turmaː A
Turnoː Tarde
Sala ː 27

1. Francisca Francisco
2. Jesus Lourenço Neto
3. Marcia Curimenha Pinto
4. Mbundu Sebastião Ndongala
5. Simão Cristina Rogério
6. Werner da Glória Gaspar

O presentte trabalho será


apresentado ao Departamento de
Assuntos Sociais, ao ilustre
professor Doutor Félix João,
como requisito para a obtenção da
nota da segunda prova parcelar.

Luanda, 2023
DEDICATÓRIA

A toda família pela paciência e por ajudar-nos em nossas necessidades.

III
AGRADECIMENTOS

Agradecemos, em primeiro lugar, a Deus pelo dom de vida que nos concedeu ao
longo da feitura do presente trabalho.

Outrossim, agradecemos aos nossos pais e encarregados de educação pelo


suporte financeiro necessário, não apenas pela feitura do presente trabalho, mas pela
prossecução dos nossos objetivos com o ensino superior.

IV
RESUMO
O presente trabalho aborda sobre a temática das autarquias locais. O objectivo
geral foi sobre a dinâmica da consagração deste instituto no ordenamento jurídico
angolano. A metodologia de pesquisa é qualitativa, descritivo, com um tipo de estudo
bibliográfico. A Constituição da República de Angola faz referência no seu artigo 213.º
que a organização democrática do Estado, ao nível local estrutura-se com base no
princípio da descentralização político-administrativa, que compreende a existência de
formas organizativas do poder local, dentre elas as Autarquias locais. Tendo em conta
que as autarquias locais encontram-se previstos e consagrados na Constituição da
República de Angola, mas até o presente momento a iniciativa legislativa é bastante
fraca no que diz respeito à sua concretização. A CRA de 2010, prevê que a
implementação das autarquias locais passa pelo principio do gradualismo. As autarquias
locais são um corolário do princípio da descentralização administrativa e política. Sua
relevância se estabelece no facto de que, através das autarquias locais, as necessidades
locais das populações são atendidas.

Palavras Chaves: Autarquias, Descentralização, Gradualismo

V
ABSTRACT

The present work deals with the theme of local authorities. The aim
was about the dynamics of consecration of this institute in the legal system
angolan. The research methodology is qualitative, descriptive, with a type of study
bibliographic. The Constitution of the Republic of Angola makes reference in its article 213.º
that the democratic organization of the State, at the local level, is structured on the basis of
principle of political-administrative decentralization, which includes the existence of
organizational forms of local power, including local authorities. Taking into account
that local authorities are envisaged and enshrined in the Constitution of
Republic of Angola, but so far the legislative initiative is quite weak
with regard to its implementation. The 2010 CRA provides that the implementation of
local authorities goes through the principle of gradualism. Local authorities are a
corollary of the principle of administrative and political decentralization. Its relevance if
lays down in the fact that, through local authorities, the local needs of
populations are served.

VI
ÍNDICE
DEDICATÓRIA..............................................................................................................III
AGRADECIMENTOS....................................................................................................IV
EPÍGRAFE.......................................................................Erro! Indicador não definido.
INTRODUÇÃO.................................................................................................................1
JUSTIFICATIVA E IMPORTÂNCIA DO ESTUDO..............................................2
CAPÍTULO 1 – Fundamentação Teórica..........................................................................3
1. Definição de termos e conceitos...........................................................................3
2. Centralização e Descentralização........................................................................4
3. Evolução Da Administração Colonial Em Angola do século XV até 1975...............7
4. A desconcentração Administrativa na Constituição da República de Angola.
9
4.1. O problema do gradualismo..........................................................................10
5. Tutela Admministrativa.....................................................................................14
CONCLUSÃO.................................................................................................................18
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................19

VI
I
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objectivo debruçar-se sobre a temática das


autarquias locais, de modo geral e, posteriormente, fazer uma subsunção à realidade
angolana. Segundo Matos (2019) o funcionamento das Autarquias Locais assim como
as competências dos seus órgãos é regulamentado por lei e baseia-se no princípio
fundamental da descentralização administrativa.
A Constituição da República de Angola faz referência no seu artigo 213.º que a
organização democrática do Estado, ao nível local estrutura-se com base no princípio da
descentralização político-administrativa, que compreende a existência de formas
organizativas do poder local, dentre elas as Autarquias locais.
Dormitando na esteira de Matos (2019), antes de empreendermos a tarefa de
avaliar as autarquias locais é indispensável que se faça uma abordagem entorno dos
sistemas administrativos, no fundamental “princípio da descentralização
administrativa.”

Identificação do Problema
Tendo em conta que as autarquias locais encontram-se previstos e consagrados
na Constituição da República de Angola, mas até o presente momento a iniciativa
legislativa é bastante fraca no que diz respeito à sua concretização. A CRA de 2010,
prevê que a implementação das autarquias locais passa pelo principio do gradualismo.
Logo foi no âmbito desta questão que constatamos a existência de um problema. Por
via de razões politicas, judiciais e materiais, foi definido que o surgimento das
autarquias locais não deveria ocorrer simultaneamente em todo território nacional,
admitindo-se mesmo certo grau de experimentação no faseamento desta nova forma de
autoadministração
Neste caso, vamos elaboramos a seguinte pergunta de partida:
Qual é o modelo da consagração das autarquias locais no ordenamento
jurídico angolano?

Objectivos de Estudo

Objectivo Geral
 Compreender a dinâmica da consagração das autarquias locais no
ordenamento jurídico angolan
1
Objectivos Especifícos

2
 Analisar os conceitos de decentralização administrativa;
 Conceituar as autarquias locais;
 Identificar os mecanismos de tutelas nas autarquias locais.

JUSTIFICATIVA E IMPORTÂNCIA DO ESTUDO

O presente trabalho mostra-se deveras importante por duas razões:

Em primeiro lugar no que diz respeito ao conhecimento que se vai adquirir na


feitura do mesmo. Na medida em que a pesquisa será realizada, nós vamos tendo nosso
acervo bibliográfico preenchido de conhecimentos outrora desconhecidos.

Em segundo lugar, a importância do presente trabalho assenta no facto de que


servirá, modestamente, como base para futuras investigação relativamente ao mesmo
tema.

No que concerne à razão da sua elaboração, o presente trabalho surge como


cumprimento de um desafio que nos foi lançado pelo docente de Direito Eleitoral, o
ilustre Dr. Félix João, para através do mesmo sermos avaliados e recebermos, por
conseguinte, a nota referente ao segundo semestre.

3
CAPÍTULO 1 – Fundamentação Teórica

1. Definição de termos e conceitos

O termo Autarquia significa ”Poder Próprio” e foi usado pela primeira vez por
Santi Romano em 1897, na identificação da situação de entes territoriais e institucionais
do Estado Unitário Italianos. O autor admitia que autarquia fosse à administração
indireta do Estado exercida por pessoa jurídica, defendendo os próprios interesses e
também os do Estado.
Autarquias são entes administrativos autónomos, criados por lei, com
personalidade jurídica de direito publico interno, património próprio e atribuições
estatais especificam. São entes autónomos, mas não são autonomias. “Inconfundível é
autonomia com autarquias: aquela legisla para si; esta administra a si própria, segundo
as leis editadas pela entidade que a criou”. Segundo (Odete 1999; pp: 77-78 apud
Silvestre, 2015), as autarquias caracterizam-se por possuírem personalidade jurídica
própria, sendo assim, sujeitos de direitos e encargos, por si próprias.

Caracterizam-se ainda por possuírem património e receita própria o que significa


que os bens e receitas das autarquias não se confundem, em hipótese alguma com os
bens e receitas da Administração direta a que se vinculam, sendo estas geridas pela
própria autarquia. Podemos entender o que vem a ser autarquias pelos dizeres de
Gasparini: “As

autarquias são detentoras em nome próprio, de direitos e obrigações, poderes

e deveres, prerrogativas e responsabilidades”.

Ademais, em razão de sua personalidade, as atividades que lhes são


trespassadas, os fins e interesses que perseguem são próprios assim como são próprios
os bens que possuem ou venham a possuir. Em síntese podemos definir autarquias como
um serviço autónomo, criado por lei, com personalidade jurídica, património e receitas
próprias para executar atividades típicas da Administração Pública que a requeira, com
objetivo de atingir um melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira
descentralizada.

As Autarquias Locais (AL’s) são pessoas colectivas distintas do Estado, não


fazem parte do Estado, nem são o Estado, podendo inclusive haver o
estabelecimento de verdadeiras relações jurídicas entre elas e o Estado. Elas, AL’s,
4
são entidades independentes e completamente distintas do Estado, sendo certo que,
nos termos da

5
Constituição e da lei, podem ser fiscalizadas, controladas, tuteladas e subsidiadas
pelo Estado (Cistac e Chiziane, 2008: 26 apud Manzanje, 2014).

As autarquias são tidas como um meio de promoção do desenvolvimento


local, necessitando de recursos financeiros que devem ser gerados na sua maioria
pela própria autarquia. É importante salientar que “a descentralização só será
efectiva se as autarquias locais forem verdadeiramente mestres das suas finanças. No
inverso, a descentralização é puramente aparente quando as colectividades não
tiverem “liberdades financeiras” reais mesmo que tenham competências jurídicas
vastas” (Cistac, 2001: 24 apud Silvestre, 2015). A autonomia das finanças locais é a
verdadeira medida da descentralização”.

A Administração do Estado e a Administração Autárquica não se excluem, elas


complementamse e a tutela estabelece o tipo e as formas de relacionamento
institucional, dentro dos limites da Constituição e demais leis como formas racionais de
efectivar essa complementaridade. Não não há razão para animosidades nem receios
mas deve haver sim, a preocupação de cumprir a Constituição e as outras leis para que
haja convivência harmoniosa entre o Estado unitário4 e cada autarquia local. (Silvestre,
2015)

2. Centralização e Descentralização

Ao analisar as questões relacionadas com a descentralização importa clarificar os


conceitos de centralização, desconcentração e descentralização, tendo em conta que
todos se referem ao modo como é distribuído o poder entre a administração central e
local, diferindo no grau e no modo de concentração ou de distribuição dos poderes e
responsabilidades.

Segundo alguns publicistas, a descentralização pode ser administrativa ou


política, vejamos:

A descentralização política ocorre quando o ente descentralizado exerce


atribuições próprias que não decorrem do ente central; é a situação das unidades
federadas da federação e, no Brasil, é a situação dos Estados-membros, Distrito federal
e dos Municípios. Cada um desses entes locais detém competência legislativa própria
6
que

7
não decorre da União nem a ela se subordina, mas encontra seu fundamento na própria
Constituição Federal. As atividades jurídicas que exercem não constituem delegação ou
concessão do governo central, pois delas são titulares de maneira originária. Neste
sentido, descentralização difere-se da anteriormente esplanada.

“A descentralização administrativa ocorre quando as atribuições que os entes


descentralizados exercem só têm o valor jurídico que lhes empresta o ente central”
(PIETRO, 2008, p. 381 apud Taveira, 2015 ); as atribuições dos entes descentralizados
administrativamente não decorrem da Constituição, mas de decisões administrativas
tomadas pelo ente estatal, que outorga a atividade a ser desenvolvida a uma outra pessoa
jurídica, normalmente, por meio de lei.

Os vocábulos “autonomia” e “administração” expressam bem a distinção.


Autonomia, de autós (próprio) e nómos (lei), significa o poder de editar as próprias leis,
sem subordinação a outras normas, que não a própria Constituição” (PIETRO, 2008, p.
381 apud Taveira, 2015); a autonomia política deve existir onde houver
descentralização política, por exemplo, no estado federal.

De modo muito breve, e segundo Fernandes (2005 apud Esteves, 2009) o


conceito de centralização“significa que a responsabilidade e o poder de decidir se
concentram no estado ou notopo da administração pública cabendo às restantes
estruturas da administração (…)apenas a função de executar as directivas e ordens
emanadas do poder central” (p. 54). No que diz respeito à desconcentração, esta é uma
modalidade atenuada da centralização, ou seja, as principais características da
centralização mantêm-se mas algumas decisões são tomadas por agentes em posições
intermédias ou numa posição inferior da hierarquia.

A descentralização consiste na distribuição das atribuições do Estado a outras


pessoas colectivas públicas, isto é, quando a satisfação das necessidades colectivas não
esteja apenas a cargo de uma só pessoa colectiva, o Estado. No entanto, não basta que
sejam criadas novas pessoas colectivas para que estejamos perante a descentralização, é
necessários que estas prossigam os seus fins com autonomia. Como afirma Fernanda
Paula Oliveira (2000 apud Jaime, 2015), “a verdadeira descentralização é a que dá
origem a pessoas colectivas com personalidade jurídica própria, órgãos eleitos, e cuja
gestão dos interesses próprios esteja a seu cargo”.

8
Para Gournay, citado por Fernandes (2005 apud Esteves, 2009) na
descentralização as decisões são confiadas a agentes que não dependem do governo mas
de órgãos colegiais que representam uma parte da população. De referir que têm sido
apontadas várias modalidades de descentralização que assentam em critérios políticos,
administrativos e científico-pedagógicos, assim, podemos falar de descentralização
política, administrativa, territorial e funcional.

Ferrer, citado por Fernandes (2005), distingueainda três modalidades de


descentralização: o federalismo, o liberalismo e o localismo; no caso desta última, o
poder político e administrativo situa-se nos municípios ou entidades estruturadas a partir
destes, tendo como fundamento a subsidiariedade, segundo a qual “é preferível que o
que pode ser feito por uma entidade menor não seja feito por uma entidade maior” (p.
64).

Portugal seguiu a tradição francesa adoptando desde o séc. XIX, um sistema


administrativo centralizado, porém as tendências para a descentralização são
actualmente predominantes mesmo nos países onde a centralização administrativa tem
uma tradição enraizada. Apesar desta tendência, verificamos que continuam a ser
apontados argumentos a favor e contra.

Formosinho (2005 apud Esteves, 2009) considera que podemos apontar algumas
vantagens técnicas e políticas da centralização, entre elas: a garantia da unidade da
acção do Estado e da coordenação da actividade administrativa; a uniformização das
soluções adoptadas e a impessoalidade na tomada dessas decisões.

No entanto, essas vantagens com o aumento do Estado Providência e o


consequente aumento da máquina estatal foram sendo atenuadas pela ineficácia e
demora nas tomadas de decisão, factos que levaram ao questionamento progressivo
deste modelo centralista.

No que diz respeito à descentralização, o autor refere como vantagens: o


aumento da adequação da administração pública na resolução de problemas locais;
adaptação do ritmo e do tipo de implementação das normas ao contexto local; economia
de custos e de tempo nos circuitos burocráticos; tomada de decisões por quem está em
contacto com as situações/problemas, existindo uma maior proximidade entre quem
toma essas decisões e quem as aplica, permitindo uma melhor avaliação dos
9
resultados. Estas razões que

10
justificam a descentralização são, sobretudo, de carácter técnico podendo ser resumidas
numa maior adequação, rigor e celeridade das decisões.

Neste sentido, Feijó e Paca (2013) entendem que a centralização e


descentralização configuram o modelo de organização administrativa dentro de um país.
De salientar que utilizamos o coneito de país e não de Estado de modo a não e confundir
o conceito de Estado em sentido administrativo ou em sentido político-constitucional,
ou ainda o Estado tomado na ordem jurídica internacional.

E entendem os referidos autores que o sistema é centralizado quando a lei


confere apenas ao Estado a prossecução de todas as atribuições administrativas e um
dado país. Teoricamente o sistema centralizado assegura a unidade do Estado; garante a
homogeneidade da acção política administrativa; permite uma melhor coordenação do
exercício da função administrativa.

3. Evolução Da Administração Colonial Em Angola do século XV até 1975.

Segundo Jaime (2015), a evolução histórica da Administração Colonial em


Angola teve muitos contornos. E na presente secção, vamos seguir os seus passos:
Antes da ocupação efectiva dos portugueses, o território era composto por vários
reinos que emergiram pela implantação de um conjunto de aldeias, de um poder
centralizado na posse de um chefe de linhagem, mercê do poder económico e prestígio
conquistados, reunindo à sua volta a comunidade que o respeitava. Eram os casos dos
reinos do Congo, Ndongo, Matamba, Kassanje, Lunda, Bié, Bailundo, Benguela,
Tchokwé, Nganguela, Thiaka, Kwanhama , Ambó e tantos outros. Estes reinos,
constituíam testemunhos de organização políticoadministrativa das comunidades, que se
inseriam no território que hoje integra Angola. Mas a fundação de cada um deles ocorre
em épocas completamente distintas.
A título de exemplo: Após os conflitos armados resultantes da intervenção
portuguesa na região, enquanto o reino do Ndongo10 procurava preservar a sua unidade
política no século XVI, o reino do Congo estabelecia com Portugal um intercâmbio
comercial e cultural vantajoso, que só, posteriormente, no século XVII, se veio a
desmoronar, neste período, ainda o reino da Lunda11 estava longe de se edificar.
Assim, o estado colonial foi se implantando a medida que conseguia vencer as
forças que se levantavam contra a sua penetração tais como no Bailundo com os
Humbe; no Congo, com os Solongo; no Sul, com os Kwanhama entre outras lutas de

11
resistências.

12
Apesar de tantas dificuldades que o processo de conquista territorial acarretou, o final
do século XIX seria marcado pela organização de uma administração colonial,
correspondente ao espaço e aos homens dominados.

De acordo com Professor António Egídio de Sousa Santos (2012 apud Jaime,
2015), o sistema administrativo tinha sido delimitado a partir do momento em que
tinham implementado as estruturas económicas. Apesar dos fracos recursos de que
dispunham as autoridades portuguesas, estas optaram por desenvolver a colónia, ainda
que a passos muito lentos. Este sistema baseado na descentralização, consistia em
substituir a administração militar, até então vigente que reforçava o processo de
conquista, por uma outra de caracter civil simbolizada pela divisão do território em
concelhos, circunscrições civis e capitanias-mores. Tudo isso só podia ser posto em
prática após ter assegurado uma dominação territorial efectiva. Mas até finais do
século XIX, Angola estava quase desocupada e a presença portuguesa era apenas
visível no litoral e com algumas incursões militares para o interior, a soberania
portuguesa reinava apenas em determinadas regiões do litoral não
chegando ao resto do território.

No período liberal (1820 – 1910), vários códigos administrativos e outros


diplomas metropolitanos estenderam a sua vigência à Angola, foi o caso por exemplo do
Código Administrativo de 1842. Esta extensão do Código Administrativo aos territórios
ultramarinos correspondeu a uma propensão indiferenciadora ou assimilacionista que
passou a estar presente na política colonial portuguesa na qual os territórios ultramarinos
tendiam a ser encarados como se de outra província metropolitana se tratasse (Guedes ,
et al. 2003: 41 apud Jaime, 2015).

Mas durante o período liberal, a política colonial variou entre o modelo


favorável a uma organização administrativa uniforme para a Metrópole e para as
colónias e modelos diferenciadores especializados. Isto é um modelo assimilacionista e
outro modelo alternativo baseado na modalidade de controlo político-administrativo que
atendessem as circunstâncias especiais de cada território ou seja, o estado de
“civilização” de cada uma das Províncias Ultramarinas (Guedes , et al. 2003: 41 apud
Jaime, 2015).

13
Já durante este período, Paiva Couceiro se esforçara por afirmar as oberania
portuguesa através de uma política de intervenção com o objectivo de reforçar a
autoridade no conjunto do território, permitido assim o desenvolvimento do comércio e
o estabelecimento de livre circulação. Traçou um plano de ocupação dependente das
vias de comunicação a fim de subordinar aos centros administrativos às linhas de acesso
existentes.
De acordo com Guedes (2003 apud Jaime, 2015), estas configurações
administrativas baseadas no controlo político-administrativo, tiveram expressão na
Constituição de 1838 e no Acto Adicional de 1852. Mas de maneira inconsequente,
nunca deram lugar a aplicação de qualquer forma ou fórmulas administrativas
descentralizadas ao Ultramar Português. Contudo o derrube da monarquia e a existência
de uma conjuntura internacional favorável, acabaria por levar Portugal a implementar
novas reformas no domínio administrativo.

4. A desconcentração Administrativa na Constituição da República de Angola.

A CRA consagra, para a administração pública angolana o princípio da


desconcentração nos números 1 e 2 do artigo 199.º. Assim, a administração pública
angolana deve caracterizar-se pala desconcentração de competências gozando os
subalternos de um significativo poder decisório.
A concentração e a desconcentração, que são típicas de pessoas colectivas
públicas individualmente consideradas, podem conviver com a centralização e
descentralização que são características das relações entre pessoas públicas territoriais.
Geralmente, o sistema de desconcentração é mais benéfico para os cidadãos e para o
interesse público. Por essa razão, a CRA impõe a desconcentração da administração
pública angolana.
As vantagens da desconcentração, de acordo com Sousa (2014 apud Jaime,
2015), estão ligadas à maior celeridade, eficiência e justiça da actividade
administrativa. No entanto, a desconcentração também não deve ser excessiva, ao
ponto de conduzir a falta de unidade na acção administrativa, sob pena de perder a
harmonia e a coerência nas decisões.
A desconcentração pode processar-se nos diferentes entes territoriais ao nível
central, provinciais ou municipais. No primeiro caso, a desconcentração opera-se no
seio da administração central e nos outros dois casos opera-se no seio da administração

14
Local

15
do Estado. A desconcentração pode ser absoluta ou relativa, quando o poder decisório
está reservado apenas ao superior hierárquico é absoluta e quando a decisão é
parcialmente entregue aos subalternos, a desconcentração é relativa.
Quando a desconcentração é feita directamente por uma emanação legal, está-se
perante a desconcentração originária, por outro lado, quando ela é feita por um órgão da
administração através de delegação de poderes, diz-se desconcentração derivada.
Como podemos explicar, os princípios de desconcentração e descentralização da
administração pública, na CRA constituem uma imposição ao legislador à
Administração Pública na concepção das suas estruturas e execução das suas decisões.
Uma lei que não respeita estes comandos será a partida inconstitucional. O princípio da
descentralização administrativa por exemplo, impõe que, as atribuições não essenciais à
pessoa colectiva Estado passem, de acordo com as necessidades, para as autarquias
locais.

4.1. O problema do gradualismo

A expressão “gradualismo” parece algo pacífico, pouco controverso ou até banal –


significando apenas que as coisas se farão pouco‐a‐pouco e não tudo de uma vez –
mas implicações, da sua aplicação, no contexto político e constitucional angolano,
podem ser diversas, na medida em que a aplicação progressiva das autarquias locais
seja em relação ao território ou em relação as matérias de governação. . Urge, por
tanto, discutir com algum pormenor qual o significado do “gradualismo” na
governação local em Angola.

A criação de autarquias em Angola responde à necessidade essencial de


qualquer Estado moderno de criar instituições de governação descentralizada.
Simplesmente
não é possível responder às demandas de milhões de cidadãos, não é possível garantir
direitos e serviços públicos para milhões de pessoas e não é possível consolidar uma
base tributária universalizada, sem que haja um mínimo de autonomia, capacidade e
sofisticação burocrática local para responder às exigências dos cidadãos.

A história dos Estados evidencia que os órgãos do Estado central tiveram que
fortalecer a sua capacidade burocrática e institucional ao nível descentralizado. Daí, em

16
particular no fim do último século, a descentralização ter recebido muita atenção na

17
teorização do “desenvolvimento”, nomeadamente colocando forte entusiasmo sobre os
grandes benefícios que a descentralização iria criar. Um governo descentralizado seria
mais próximo dos eleitores; mais responsável (accountable); mais eficaz na satisfação
dos interesses dos munícipes, prestando‐lhes melhores serviços, sejam pobres ou ricos.
Embora a implementação das autarquias já tenha sido prevista a partir da Lei
Constitucional de Setembro de1992, houve relativamente pouco debate em Angola
sobre a sua realização: Qual o desenho institucional? Qual o sistema eleitoral? Quais
atribuições, prerrogativas e competências iriam ter uma autarquia? Quais fontes de
rendimento iriam ser concedidas às autarquias? Como iria conviver e dividir tarefas e
autoridade com os representantes dos órgãos locais do Estado? Estas e outras perguntas
são muito pertinentes a ponderar e discutir para um país como Angola, porque as suas
respostas terão, com certeza consequências das mais variadas, até
mesmo no dia‐a‐dia do povo Angolano.
Mesmo se a Constituição de 2010, veio dar resposta a uma boa parte das
perguntas supra colocadas, e isto com apenas um debate público mínimo sobre o
assunto, ela determina um modelo específico, fechando a porta para o que deveria
constituir uma discussão pública significativa. Mais problemático ainda é o facto do
nível de detalhe constitucional tornar mais difícil fazer ajustes institucionais após a
implementação das autarquias. A constituição preludia, por isso, uma flexibilidade
institucional que poderse‐ ia provar valiosa caso a implementação e a prática
revelassem dificuldades. Recapitulamos aqui os principais parâmetros ditados pela
Constituição. A autarquia
Angolana terá uma assembleia composta por representantes dos cidadãos locais. Os
representantes são eleitos em eleições locais onde todos cidadãos locais podem votar.
Nessa mesma eleição ‐ livre, directa, secreta e periódica – também se vai eleger
um presidente da autarquia. O presidente eleger‐se‐á da mesma maneira (bastante
idiosincratica Angolana) que o Presidente da República é eleito, isto é, o cabeça da lista
mais votada para a Assembleia torna‐se presidente da autarquia. O “executivo” da
autarquia é o órgão colegial composto do seu líder, o presidente, e dos secretários por
ele nomeados que politicamente responsável perante a assembleia autárquica.
A Constituição Angolana de 2010 introduz, no seu artigo 242 nº 1, a seguinte
“disposição final”: ‘A institucionalização efectiva das autarquias locais obedece ao
princípio do gradualismo.’ Parece uma afirmação que pouco diz, além do óbvio que
não se pode fazer tudo de uma vez. Mas continua no nº 2:

18
Os órgãos competentes do Estado determinam por lei a oportunidade da sua
criação, o alargamento gradual das suas atribuições, o doseamento da tutela de mérito
e a transitoriedade entre a administração local do Estado e as autarquias locais.

Concretizando assim o significado do “gradualismo”, este parágrafo visa duas


ambiguidades centrais que são destinadas a causar muita polémica nos anos que vêm.
Primeiro, afirma que uma lei (futura) vai determinar quando e, necessariamente, onde se
vai introduzir uma autarquia – isto é, grudualismo geográfico. Segundo, o parágrafo dita
que num período de transição as tarefas atribuídas às autarquias possam ser transferidas
gradualmente, o que chamaremos gradualismo funcional.

Abrimos aqui um parêntese para comentar que, de certa forma, a Constituição


(como tantos outros) introduz princípios que podem ser mutuamente contraditórios. A
Constituição não diz explicitamente que o voto para escolher os representantes do
governo local (autárquico) é um direito. A questão que se coloca é a de saber se o
gradualismo significa que alguns Angolanos podem votar para eleger o governo local,
enquanto outros Angolanos não podem (ou têm que esperar até que o gradualismo
eventualmente os faça cidadãos de uma autarquia). Enfim, o gradualismo vai ou não vai
chocar com outros princípios constitucionais?

Visto no seu conjunto, uma série de artigos constitucionais apontam para o


universalismo e não para o gradualismo. O artigo 22º evoca o “princípio da
universalidade”, significando que todos os cidadãos têm os mesmos direitos e deveres.
O artigo 23º garante a “igualdade” – que todos são iguais perante a lei, e que ninguém
pode ser prejudicado ou privilegiado (mesmo se em razão do seu local de nascimento
ou condição económica). O artigo 52º cria uma norma particularmente forte: ‘Todo o
cidadão tem o direito de participar na vida política e na direcção dos assuntos públicos,
directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos’.

Finalmente, o artigo 54º garante que ‘[T] odo o cidadão, maior de dezoito anos,
tem o direito de votar e ser eleito para qualquer órgão electivo do Estado e do poder
local e de desempenhar os seus cargos ou mandatos, nos termos da Constituição e da
lei.’ A ênfase foi introduzida pelo autor para chamar atenção aos parágrafos que, ao
nosso ver, de forma legalo‐retórico – indicam o contrário ao princípio de gradualismo

19
geográfico na

20
introdução das autarquias. Isto é, esses parágrafos sugerem que os “direitos autárquicos”
devem ser introduzidas ao mesmo tempo para todos os cidadãos.

A Constituição Angolana nada diz sobre a composição da administração


burocrática da autarquia (o que não constitui em si qualquer problema, pois isto pode
ser determinado por lei comum) mas sim garante que a liderança autárquica vai ser
alterada com cada ciclo eleitoral, o que pode criar distúrbios e descontinuidade na
administração. Uma tarefa que se coloca perante a administração local de Angola é a
sua despolitização, senão mesmo despartidarização, e o estabelecimento duma
administração local da coisa pública baseado em meritocracia. O “equilíbrio
apropriado” “balanço fino” na governação local supramencionado, é o resultado da
negociação entre a opinião profissional dos funcionários públicos e a opinião política
dos partidos. A preocupação aqui é a ênfase do lado da “politização” das autarquias e a
ausência total de discussão da “profissionalização” da mesma autarquia.

O gradualismo não deve servir como uma “desculpa” para adiar a clareza sobre o
modelo a adoptar, respondendo‐se se vão ou não as zonas rurais serem incluídos nas
autarquias num futuro previsível? Vão andar na direcção da integração e assimilação
ou vão se separar administrativamente sob liderança dos sobas – assim emulando o
período colonial?

Avaliámos em cima os problemas associados às duas formas de gradualismo,


assim a sua experiência em Moçambique. É, portanto, possível propor um modelo
alternativo, baseado em princípios simples como os descritos a seguir. Para evitar a
bifurcação do Estado e a tendência de separação rural/urbano, introduzir‐se‐ia um
modelo de autarquização “gradual” e “universal”. Isto significaria a aplicação dos
seguintes princípios:
Universalismo geográfico: As autarquias introduzem‐se simultaneamente em
todo o país, o que significa fazer eleições locais em que todos os angolanos possam
votar. Assim, nenhum cidadão vai ser desprovido dum direito fundamental e importante,
consagrado na Constituição (direito de sufrágio, artigo 54º, CRA).

Gradualismo funcional: Por existir uma grande variação e diversidade em


Angola (como em quase todos os países) – capacidade fiscal, actividades económicas,

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quadros nos serviços públicos, densidade populacional, escolaridade e alfabetização –
cada autarquia receberia uma dotação financeira do Estado que corresponde às suas
capacidades e às competências a ela transferidas. Certas competências, como por
exemplo a embelezamento de espaços públicos, recolha de resíduos sólidos, bibliotecas,
construção de escolas primárias (não as despesas correntes), podem certamente ser
transferidas imediatamente para todos os Executivos Autárquicos. Outras competências
tipicamente de responsabilidade local – como a canalização de água, pavimentação de
vias principais, iluminação pública, policiamento local – são possivelmente fora do
alcance de muitas autarquias rurais, mas dentro da capacidade de gestão dos governos
locais das cidades maiores.

Balanço entre o Executivo eleito e a Administração Autárquica. O


gradualismo tem sido, em Moçambique, como acima argumentado, deve ‐se evitar a
“politização” completa da administração autárquica. Isto para evitar as descontinuidades
que se apliquem se toda a assembleia autárquica e o Executivo são trocados após
eleições. É importante manter uma capacidade técnica que sustente a autarquia e os seus
serviços, enquanto a direcção geral é dos políticos. Segundo, assim sendo, “perder” uma
autarquia não vai constituir um “desastre” para o partido perdedor, pois apenas um
número pequeno dos seus quadros é dependente de empregos no Executivo. Vai se
habituando que a essência da autarquia é um órgão público que serve os cidadãos locais,
não “pertence”, de nenhuma forma, ao partido que a governar. Pelo contrário, a
autarquia é permanente, enquanto o seu Executivo vai ser temporariamente ocupado por
políticos de cores variadas.

5. Tutela Admministrativa

Tutela ou controle das autarquias isto é, o poder de influir sobre elas com o
propósito de conformá-las ao cumprimento dos objetivos públicos em vista dos quais
foram criadas, harmonizando-as com a atuação administrativa global do Estado-Está
designado como supervisão ministerial. Todas as entidades da Administração indireta
encontram-se sujeitas á supervisão da Presidência da Republica ou do Ministério cuja
pasta esteja vinculada. Este ultima o desempenha auxiliado pelos órgãos superiores do
Ministério.

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São objetivos deste controlo ou “supervisão” assegurar o compromisso dos
objetivos fixados em seu ato de criação; harmonizar sua atuação com a politica e
programação do governo no correspondente setor de atividade, zelar pela obtenção de
eficiência administrativa e pelo asseguramento de sua autonomia administrativa,
operacional e financeira”.
Existem diversos tipos de controle. Pode ser preventivo, quando a autarquia para
a realização de certo ato, necessita de previa manifestação do controlado; ou pode ser
repressivo quando o controle não se faz necessário previamente para a manifestação do
ato, diferindo assim, substancialmente do controle preventivo.
Nota-se que o controle preventivo pode ser de legalidade (ou legitimidade)
quando a lei tiver habilitado o controlador a examinar o comportamento da autarquia em
acordo com os textos legais. Poderá este ser de mérito ,no caso do controlador analisar,
por força da lei, o comportamento autárquico sob o ponto de vista da conveniência e
oportunidade. Igualmente, ressalta a existência de um controlo extraordinário, não
necessariamente previsto por lei, que cabe á Administração Central e visa coibir
desmandos das autarquias. Exemplificando-se este controle através dos atos de
intervenção e de destituição dos entes autárquicos.
Entretanto, Gasparini, a respeito do controlo das autarquias, faz uma ressalva:
”Esses controles não velam nem inibem, por parte da autarquia, a proposita dura de
medidas judiciais contra os atos abusivos da Administração Pública a que pertence. A
autarquia é pessoa jurídica de direito público e como pessoa é sujeito de direitos e
obrigações. Pode, ademais, não se conformar com os atos de tutela, por entendê-las
ilegais, e tomar juízo, as medidas cabíveis com o fito de anulá-las”.
Segundo Amaral (2006: 880), TA “consiste no conjunto dos poderes de
intervenção de uma pessoa colectiva pública a gestão de outra pessoa colectiva, a fim de
assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação”.

Para o autor acima citado, desta definição resultam as seguintes características:


 A TA pressupõe a existência de duas pessoas colectivas distintas: a pessoa
colectiva tutelar, e a pessoa colectiva tutelada;
 Dessas duas pessoas colectivas, uma é necessariamente uma pessoa colectiva
pública. A segunda, a entidade tutelada será igualmente, na maior parte dos
casos, uma pessoa colectiva pública;
 Os poderes de TA são poderes de intervenção na gestão de uma pessoa colectiva;

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 O fim da TA é assegurar, em nome da entidade tutelar, que a entidade tutelada
cumpra as leis em vigor e garantir que sejam adoptadas soluções convenientes e
oportunas para a prossecução do interesse público.

De acordo com Waty (2000 apud Manjaze, 2014), TA “é um conjunto de


meios de controlo e intervenção que o poder central dispõe sobre a gestão das
autarquias locais a fim de assegurar a legalidade ou mérito da sua actuação, em
princípio depois do acto praticado e com força executória”.

A Constituição angolana de 2010 repetindo o que já trazia a Lei Constituição de


1992 conceituou a autonomia local no artigo 214.º como “o direito e a capacidade
efectiva de as autarquias locais gerirem e regulamentarem, nos termos da Constituição
e da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, os
assuntos públicos locais.”

O princípio da autonomia local, como parece óbvio, compreende uma ligação


intrínseca ao primado da descentralização administrativa. Compreende também a
necessária existência de um território, uma população, um património e recursos
próprio. Todavia, não se completa se não houver também uma capacidade de
autodeterminação política, na orientação dos destinos desta população, uma reconhecida
e delimitada esfera de exercício de poder normativo, assim como uma manifesta
capacidade de não se subordinar aos órgãos do poder central carecendo neste caso de
tutela administrativa.

Alguns autores defendem a tutela administrativa como requisito da autonomia


local. E aqui reside o cerne do que queremos discutir neste ponto da nossa dissertação:
Como estabelecer uma autonomia local e faze-la dialogar com a necessária tutela
administrativa? A esta indagação parece responder-nos um modelo de tutela que
respeite o núcleo fundamental da autonomia local. E isto é alcançável apenas se
a tutela se restringir ao controlo da legalidade. Porém em princípio, o entendimento do
legislador constituinte parece alinhar exactamente nesta direcção. A CRA estabelece no
artigo 221.º, n.º 2 que a tutela administrativa sobre as autarquias consistirá na mera

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verificação da legalidade, todavia, outra disposição do texto constitucional precisamente
no artigo 242.º n.º 2, faz menção ao «doseamento da tutela de mérito», o que nos leva a
depreender que a tutela poderá também alcançar o mérito dos actos administrativos
autárquicos.
No nosso entender, a primeira solução constitucional é a mais acertada, embora
deixe uma reserva de legalidade que pode levar a mudanças nesta decisão. Como
acabamos de afirmar, a CRA estabelece duas distintas modalidades de tutela
administrativa: a primeira que é a de fiscalização da conformidade legal dos actos
administrativos autárquicos pelo poder executivo e a segunda que vai mais além da
fiscalização da conformidade legal e recai na fiscalização do mérito dos actos
administrativos. A tipificação constitucional de tutela, não afasta a possibilidade de em
sede de regulamentação própria, o legislador ordinário vir a clarificar a tipologia de
tutela em função dos vários momentos em que o processo se encaminha de acordo com
o princípio do gradualismo. Assim, é de todo útil saber, numa perspectiva futura da
tutela administrativa, quem serão os órgãos incumbidos do exercício dos poderes
tutelares e sobre quem se exercerá os poderes tutelares e que tipo de tutela em razão do
estádio gradual da implementação da administração autónoma descentralizada.
Tendo em conta o fim e o conteúdo, numa primeira fase, a tutela deveria ser de
legalidade, inspectiva, integrativa a posterior. Excepcional e expressamente, de mérito,
substitutiva e integrativa à priori, para certos actos sobretudo, quando envolvam
despesas públicas. Finalmente, sancionatória e revogatória quando se trate de actos que
atentem gravemente o interesse nacional.
Os poderes tutelares do Governo sobre as autarquias locais devem competir aos
órgãos centrais, nomeadamente, Ministério das Finanças, órgão responsável pelas
autarquias locais (Ministério da Administração do Território) e ao órgão colegial do
Executivo (O Conselho de Ministros), sobretudo para o exercício da tutela
sancionatória, nomeadamente, a dissolução dos órgãos autárquicos quando atentem
gravemente por acção ou por omissão ilegais. Os poderes tutelares, também poderão ser
exercidos pelo representante da Administração Central no território da autarquia local
nomeado pelo titular do Poder Executivo.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como próposito abordar sobre a temática das autarquias
locais e sua consagração no ordenamento jurídico angolano. Foi possível alcançar os
objectivos estabelecidos. As autarquias locais são um corolário do princípio da
descentralização administrativa e política. Sua relevância se estabelece no facto de que,
através das autarquias locais, as necessidades locais das populações são atendidas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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