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Lucas Gandarela
Thiago Pacheco de Almeida Sampaio
Fábio Moraes Corregiari
Márcio Antonini Bernik
Sumário
Introdução
Tratamento farmacológico
Visão geral
Principais medicamentos utilizados no tratamento do TAG
Tratamentos medicamentosos combinados
Comparação e combinação entre psicoterapia e farmacoterapia
Tratamento sequencial do paciente com TAG
Tratamento psicoterápico do TAG
Considerações finais
Vinheta clínica
Para aprofundamento
Referências bibliográficas
INTRODUÇÃO
O transtorno de ansiedade generalizada (TAG) é uma condição comum, crônica e debilitante. Estimase
que 3,7% das pessoas apresentem esse diagnóstico ao longo da vida e 1,8% no último ano1.
O TAG tem como principal característica a preocupação excessiva, generalizada e de difícil controle em
um período mínimo de 6 meses, associada a outros sintomas ansiosos como tensão muscular, insônia e
dificuldade de concentração. Por suas semelhanças com a ansiedade normal, o prejuízo e o sofrimento
relacionados a esse transtorno costumam ser subestimados. Sabese hoje que indivíduos com TAG
apresentam um prejuízo funcional semelhante àquele de portadores de doenças médicosistêmicas crônicas2.
O TAG é muitas vezes subdiagnotiscado e subtratado. Wittchen et al.3mostraram que 44% dos pacientes
com TAG, sem comorbidade com depressão, não receberam nenhum tipo de intervenção para essa condição
em serviços de atenção primária de saúde.
Pontoschave
O transtorno de ansiedade generalizada (TAG) é um transtorno prevalente, crônico e incapacitante que tem
opções seguras e eficazes de tratamento.
Os tratamentos farmacológico e psicoterápico são opções igualmente eficazes.
Os antidepressivos das classes inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) e inibidores de recaptação
de serotonina e noradrenalina (IRSN) são os tratamentos farmacológicos de primeira escolha. Outras opções
como a pregabalina e a agomelatina também possuem boas evidências.
Recomendase que o tratamento medicamentoso seja mantido por pelo menos 6 meses após a fase aguda,
podendo ser prolongado de acordo com a particularidade de cada paciente.
A terapia cognitivocomportamental e o relaxamento aplicado são as intervenções psicológicas com maior
evidência de eficácia.
Alguns indivíduos com sintomas ansiosos de intensidade leve e por curta duração associados a eventos
estressantes podem apresentar melhora sem nenhuma intervenção. No entanto, a maioria dos indivíduos que
preenchem critérios para os transtornos de ansiedade tende a apresentar sintomas de forma persistente e
incapacitante. A necessidade de tratamento é determinada pela intensidade e duração dos sintomas, o impacto
nas atividades cotidianas e a presença de sintomas depressivos e outras comorbidades4.
As principais formas de tratamento para o TAG são o medicamentoso, a psicoterapia ou a combinação de
ambos. Devese escolher a modalidade de tratamento de acordo com a preferência do paciente, os efeitos
adversos das medicações, a história de resposta ao tratamento, a latência do efeito do tratamento, a gravidade
do quadro clínico, a presença de comorbidades e a disponibilidade da intervenção proposta5.
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
Visão geral
Desde o reconhecimento da categoria diagnóstica do TAG, diversos fármacos foram testados em ensaios
clínicos controlados com uma taxa de resposta que varia entre 44 e 81%5.
No entanto, uma análise no Reino Unido revelou que 46% dos pacientes com TAG descontinuavam o
medicamento prescrito após uma média de 3,7 meses6, sendo a intolerância aos seus efeitos colaterais uma
das possíveis razões.
É importante lembrar que o paciente com TAG tende a preocuparse e sentirse apreensivo com possíveis
riscos, podendo apresentar dúvidas sobre o tratamento e seus possíveis efeitos adversos. Assumir uma
postura empática e colocarse à disposição para responder dúvidas e explicar os efeitos colaterais mais
comuns dos medicamentos, principalmente no início do tratamento, pode reduzir essa apreensão.
As características gerais dos fármacos com maior nível de evidência para o tratamento do TAG estão
resumidas na Tabela 1.
Tabela 1 Características gerais dos medicamentos para o tratamento do transtorno de ansiedade generalizada
Dosagens
Medicamento Vantagens Desvantagens
(mg/dia)
Outros
medicamentos 50400 Menor efeito Pouca evidência ou resultados
Trazodona 510 adverso inconsistentes
Vortioxetina sexual Latência para início de efeito
Não geram
dependência
IRSN: inibidor de recaptação de serotonina e noradrenalina; ISRS: inibidor seletivo de recaptação de serotonina.
Antidepressivos
Os antidepressivos da classe dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) e dos inibidores
de recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN) são tratamentos de primeira escolha para o TAG em
diferentes diretrizes de recomendação clínica4,79.
Além da eficácia demonstrada em diversos ensaios clínicos controlados, os ISRS e os IRSN costumam
ser seguros e bem tolerados. Outra vantagem dessas classes de medicamentos é sua indicação para o
tratamento da depressão, uma vez que aproximadamente 67% dos indivíduos com TAG apresentam um
episódio depressivo ao longo da vida10 e, frequentemente, os sintomas depressivos já estão presentes quando
o paciente busca tratamento.
Apesar da boa tolerabilidade, orientar o paciente quanto aos efeitos colaterais mais comuns dos
antidepressivos (como sintomas gastrintestinais, insônia, disfunção sexual, aumento transitório da ansiedade,
cefaleia), assim como o tempo de latência comum de 2 a 4 semanas para início da resposta clínica pode
auxiliar na adesão ao tratamento.
Agomelatina
A agomelatina age como agonista dos receptores melatoninérgicos (MT1 e MT2), além de ter
propriedades antagonistas do receptor serotoninérgico 5HT2C.
A agomelatina (25 a 50 mg/dia) teve efeito nos sintomas ansiosos em pacientes com TAG em ensaio
clínico controlado por placebo com duração de 12 semanas15. Quando comparada ao escitalopram,
apresentouse superior ao placebo na fase aguda do tratamento, porém com menor incidência de efeitos
adversos que o escitalopram16.
Uma desvantagem da agomelatina é seu potencial para alterar os níveis das enzimas hepáticas, sendo a
sua monitoração necessária antes e durante o tratamento.
Antidepressivos tricíclicos
Entre os tricíclicos, a imipramina é o agente farmacológico com mais evidência na fase aguda do
tratamento do TAG. Além de ter demonstrado eficácia superior ao placebo nos sintomas ansiosos, a
imipramina obteve melhor resultado do que o alprazolam na redução de sintomas psíquicos do TAG17. No
entanto, após a descoberta dos ISRS, essa classe de medicamentos deixou ser considerada tratamento de
primeira linha, em razão de seu perfil de tolerabilidade e segurança.
Pregabalina
A pregabalina é o anticonvulsivante com maior evidência para o tratamento do TAG. Atribuise seu
mecanismo ansiolítico à sua ligação com alta afinidade à subunidade alfa2delta (α2δ) dos canais de cálcio
voltagemdependente do sistema nervoso central, reduzindo o influxo de cálcio présináptico e,
consequentemente, a liberação de neurotransmissores pelas vesículas présinápticas18.
No tratamento da fase aguda do TAG, a pregabalina mostrouse eficaz em diversos ensaios clínicos
controlados por placebo4. Apresentou também um efeito semelhante ao lorazepam19, à venlafaxina20 e ao
alprazolam21. Em geral, a pregabalina foi bem tolerada pelos participantes e teve início de ação clínica após
apenas 1 semana de tratamento.
Diversas dosagens da pregabalina foram utilizadas nos estudos de tratamento, variando entre 150 e 600
mg/dia. As dosagens entre 400 e 600 mg/dia foram associadas a maior benefício na redução da ansiedade,
porém com maior relato de efeitos adversos, principalmente sonolência e tontura22. O uso de maiores doses
da pregabalina também foi associado a um maior ganho de peso em estudo controlado por placebo de 4
semanas21.
Quetiapina
A quetiapina é o único antipsicótico atípico com boa evidência de eficácia no tratamento do TAG. Seu
efeito foi observado já na 1ª semana de tratamento nas dosagens de 50 e 150 mg/dia na formulação XR23. Em
outros estudos de fase aguda, teve efeito semelhante ao escitalopram (10 mg/dia)24 e à paroxetina (20
mg/dia)25. Nesses últimos, a quetiapina XR foi usada entre 50 e 300 mg/dia, com início do efeito perceptível
a partir do 4º dia de tratamento.
A despeito da eficácia demonstrada nos estudos, o perfil de efeitos colaterais de curto e longo prazo dessa
classe medicamentosa (como risco de desenvolvimento de síndrome metabólica, diabetes e, mais
recentemente, discinesia tardia) desaconselha seu uso como estratégia de tratamento de primeira linha no
manejo do TAG.
Benzodiazepínicos
Apesar de vasta evidência sobre a eficácia dessa classe de medicamentos em estudos de curto prazo no
tratamento do TAG, os benzodiazepínicos não fazem parte do tratamento de primeira linha desse transtorno.
Isso porque há risco de desenvolvimento de sintomas de retirada de difícil manejo e ansiedade rebote
associado ao seu uso crônico. Como os sintomas do TAG são crônicos, há uma maior chance de problemas
associados ao uso prolongado dessa classe medicamentosa. Além disso, os benzodiazepínicos não são
indicados para tratamento da depressão, comorbidade frequente nos pacientes que sofrem de TAG.
Dessa forma, a prescrição dos benzodiazepínicos nesses pacientes seria adequada apenas para uso de
curto prazo no alívio rápido dos sintomas agudos e intensos de ansiedade e nos pacientes que não
responderam a outros tratamentos de primeira linha e apresentam sintomas de intensidade grave, persistente e
prejudicial4.
Buspirona
A buspirona é um agente serotoninérgico da classe das azapironas que atua como agonista parcial dos
receptores 5HT1A. Na década de 1980, 2 estudos controlados por placebo observaram eficácia da buspirona
no TAG, comparável àquela dos benzodiazepínicos. Na mesma época, dois estudos não publicados não
demonstraram diferença em relação ao placebo.
Uma desvantagem do uso da buspirona é sua falta de eficácia para outros transtornos de ansiedade
frequentemente comórbidos com o TAG, como transtorno de pânico, transtorno de ansiedade social e
depressão. Em vista destes fatos, não é um tratamento de primeira escolha para o TAG7.
Hidroxizina
A hidroxizina atua como antagonista do receptor histamínico H1 e leve antagonista do receptor de
serotonina 5HT2. Alguns ensaios clínicos demonstraram seu efeito ansiolítico em comparação com o
placebo e semelhante aos benzodiazepínicos e a buspirona em períodos de até 3 meses7. No entanto, dados os
efeitos sedativos, deve ser apenas usado quando outros medicamentos não obtiveram resposta ou foram mal
tolerados. Sedação e efeitos anticolinérgicos em doses mais elevadas (visão turva, confusão, delirium, entre
outros) estão entre os possíveis efeitos adversos8.
Outros medicamentos
A trazodona teve eficácia semelhante ao diazepam e superior ao placebo em um ensaio clínico de 8
semanas na dose média de 255 mg/dia, porém menor tolerabilidade pelos efeitos colaterais como tontura e
confusão. A vortioxetina, nas dosagens entre 2,5 e 10 mg/dia, apresentou resultados contraditórios quando
comparada ao placebo em três estudos de fase aguda26.
Notase que o RA se diferencia de outras técnicas de relaxamento por caracterizarse como uma
habilidade de enfrentamento, que pode ser aplicada em qualquer contexto, sempre que o indivíduo perceber
se ansioso. Para isso, devese ensinar o paciente a identificar sinais de ansiedade e a aplicar, rapidamente,
técnicas breves de relaxamento (de 20 a 30 segundos) previamente treinadas. O uso regular do RA resultaria
em uma mudança duradoura no padrão de resposta (ansioso) habitual do indivíduo com TAG e,
consequentemente, na redução dos sintomas.
O RA é considerado até hoje um tratamento de primeira linha para o TAG9. O protocolo tem entre 10 e
12 sessões, e pode ser dividido em 8 etapas, demonstradas no Quadro 1 e também na Figura 243.
Vale ressaltar que alguns pacientes apresentam reação paradoxal ao RA, fenômeno que ficou conhecido
como ansiedade induzida por relaxamento (AIR). Entretanto, estudos recentes indicam que a AIR não
impede a melhora clínica daqueles que seguem o tratamento. Há indícios de que, nesses casos, a melhora
clínica ocorra via processamento emocional46. Nesses casos, os exercícios de RA funcionariam mais como
uma exposição à vulnerabilidade, ao risco de uma ameaça inesperada ou de experimentar um contraste
emocional negativo do que como treino de autoindução de relaxamento.
Essa questão torna evidente a necessidade de identificar, com maior clareza, como se relacionam os
processos psicológicos e fisiológicos envolvidos na sintomatologia do TAG e na melhora clínica produzida
por intervenções psicológicas. O psicólogo da Universidade da Pensilvânia, Thomas Borkovec, foi pioneiro
no estudo dos mecanismos psicológicos do TAG, comparando especialmente três populações: (a) pessoas
pouco preocupadas; (b) pessoas muito preocupadas, mas sem TAG; e (c) pessoas com TAG. Nessa linha de
pesquisa, ele observou que as preocupações se apresentavam de formas diferentes, com padrões funcionais
específicos nessas três populações, e elaborou a teoria da preocupação como esquiva (Figura 3)47,48, que se
tornou paradigmática para os principais modelos teóricos cognitivocomportamentais do TAG que o
sucederam.
Em síntese, a teoria propõe que, como parte de um sistema comportamental de defesa, as preocupações
seriam mantidas pela eliminação, atenuação ou adiamento de estimulações aversivas; ou seja, seria um tipo
de esquiva cognitiva, que ocorreria fundamentalmente de três maneiras: (a) para evitar desfechos
indesejáveis pela evocação de um encadeamento de processos orientados a soluções de problemas potenciais;
(b) para manter a ansiedade tônica elevada, atenuando o impacto emocional de estímulos ansiogênicos
inesperados; e (c) como uma estratégia de controle emocional, usando o efeito inibitório das preocupações
(enquanto processo verbal/linguístico) nas reações autonômicas frente a imagens relacionadas à ameaça, e
distraindo o indivíduo de conteúdos imagéticos mais aversivos.
Borkovec observou que, enquanto o primeiro tipo de preocupação é ubíquo e não distingue pessoas com
e sem TAG, os outros dois são bastante característicos de pessoas com o transtorno e estariam associados a
um padrão patológico de funcionamento. De modo geral, ao atenuar a resposta somática de ansiedade aguda,
a preocupação impediria a extinção das respostas de ansiedade frente a estímulos ansiogênicos (i. e.,
processamento emocional49). Sendo a preocupação mantida pelo alívio de um desconforto subjetivo (i. e.,
resposta ansiosa aguda), a consequente falha de processamento emocional levaria à cronificação dessa forma
de esquiva cognitiva, mantendo constantemente elevados os níveis de ansiedade tônica.
Nas décadas de 1970 e 1980, terapias que integravam o modelo cognitivo de Aaron Beck e técnicas de
TCC começaram a acumular evidências de eficácia no tratamento do TAG e passaram a incorporar o RA aos
seus protocolos, sendo até hoje o tratamento psicológico de escolha para o transtorno9. Entretanto, no TAG, a
TCC apresenta eficácia inferior à obtida no tratamento dos outros transtornos de ansiedade51, o que
incentivou a busca por intervenções clínicas mais eficazes e ensejou o surgimento de novos protocolos de
TCC, sustentados por modelos teóricos elaborados a partir de achados experimentais mais recentes. Embora
todos esses modelos compartilhassem, em grande medida, suas bases teóricas cognitivocomportamentais e,
muitas vezes, se apoiassem em um mesmo conjunto de estudos, cada um articulou esses achados de modo a
privilegiar processos específicos, cujo comprometimento constituiriase, em tese, no mecanismo
psicopatológico central do transtorno: as preocupações como esquiva, a metacognição, a intolerância às
incertezas, a esquiva experiencial, a desregulação emocional ou a esquiva do contraste emocional negativo26.
Cada um desses modelos sustenta um protocolo específico de TCC para o TAG, com eficácia demonstrada
em ensaios clínicos controlados50,52.
Apesar de a última metanálise Cochrane não ter demonstrado superioridade da TCC sobre terapias de
apoio ativas53, ensaios clínicos aleatorizados mais recentes têm demonstrado a superioridade de protocolos
baseados nesses novos modelos, comparados com terapias de apoio (i. e., modelo baseado em aceitação26) e
com protocolos de TCC tradicional (i. e., modelo de intolerância às incertezas54; e modelo metacognitivo55).
Isso indica que a emergência de novos modelos e a atualização e o refinamento de seus protocolos têm
representado um avanço da abordagem cognitivocomportamental no tratamento do TAG. Uma descrição
mais detalhada desses modelos e de seus respectivos protocolos de intervenção pode ser encontrada em
Behar et al.50 e Sampaio et al.26.
Apesar dessa diversidade de modelos, a Tabela 2 apresenta alguns elementos comuns, ou muito
frequentemente presentes, nos diferentes protocolos de intervenção cognitivocomportamentais para o TAG.
Apesar de o processo terapêutico cognitivocomportamental seguir, tradicionalmente, protocolos
estruturados e orientados por diagnósticos psiquiátricos específicos, perspectivas mais recentes têm proposto
mudanças em diferentes aspectos desse formato. A perspectiva transdiagnóstica do protocolo unificado (PU)
de Barlow et al.56 focam em processos supostamente comuns a diferentes transtornos de ansiedade, podendo
ser aplicado em grupos mais heterogêneos de pacientes ansiosos. No ensaio clínico aleatorizado citado, o PU
mostrou eficácia equivalente e menor taxa de abandono, quando comparado com protocolo de TCC
específico para o TAG.
Outra proposta recente é o que Hoffman e Hayes57 chamaram de TCC baseada em processo, uma
abordagem mais idiográfica, focada na identificação dos processos envolvidos especificamente no
funcionamento de cada indivíduo, em vez de seguir protocolos com passos prédefinidos a partir do
diagnóstico formal. Para a modificação desses processos, o terapeuta cognitivocomportamental utiliza
intervenções e técnicas empiricamente validadas, de acordo com a necessidade particular de cada caso,
definida a partir de uma avaliação clínica sustentada em um dos dois pilares teóricos da TCC (i. e., o
comportamentalismo e o cognitivismo). Ensaios clínicos controlados e conduzidos em diferentes centros de
pesquisa são necessários para confirmar a eficácia dessas propostas no TAG.
No Quadro 2, são apresentadas algumas das principais técnicas de TCC para o TAG conforme
apresentadas por Borkovec e Sharpless47, que devem ser aplicadas a partir da avaliação clínica de cada caso
particular.
Dessensibilização por autocontrole: é uma variação da técnica de dessensibilização sistemática58 proposta por
Goldfried59. Por meio da exposição a conteúdos ansiogênicos imaginados e do treino em relaxamento, a técnica não
tem como objetivo a produção de inibição recíproca (como na dessensibilização sistemática), mas a aquisição ativa
de um repertório de enfrentamento das próprias reações proprioceptivas da ansiedade, via técnicas de relaxamento,
que deverá ser treinada e depois aplicada em situações ansiogênicas reais.
Controle de estímulos: alcançado pelo estabelecimento de um momento e um local específicos para se preocupar
voluntariamente, todos os dias, enquanto posterga para esta hora as preocupações que ocorrerem ao longo do dia –
tão logo sejam notadas – voltando a atenção para o momento presente (as preocupações devem ser gravadas ou
registradas numa lista e são checadas no momento e local designados). O objetivo da técnica é diminuir a frequência
de preocupações ao longo do dia. Isso ocorreria porque (a) ao registrar a preocupação, a pessoa garante que esta
terá a devida atenção, facilitando a retomada do foco da atenção na atividade em curso, e (b) com o tempo, o local
e o horário escolhidos adquirem controle sobre o ato de se preocupar.
Zonas livres de preocupação: uma variação mais simples da estratégia de controle de estímulos, que consiste em
estabelecer um espaço particular (p. ex., carro, sala de estar, banheiro) em que se postergará a preocupação para
qualquer momento em que a pessoa estiver fora dessa área e, após ter sido bemsucedida nessa primeira área,
novas “zonas livres” são gradativamente incluídas.
Restruturação cognitiva: por meio do questionamento socrático e do desafio de pensamentos e crenças, visando à
aquisição de perspectivas interpretativas variadas e mais flexíveis em relação a situações e desfechos negativos
imaginados.
Monitoramento do resultado das preocupações: envolve o registro diário das preocupações, descrevendo os
desfechos temidos, e a revisão dos acontecimentos passados para checar se, e em que medida, estes realmente
ocorreram.
Valores intrínsecos e o foco atencional no momento presente (ou foco no processo): realizado no momento em que
se posterga as preocupações ou em que se engaja em comportamentos associados a desfechos incertos e
importantes (p. ex., ao se preparar para uma prova) e, atualmente, também, por meio de práticas meditativas,
especialmente a atenção plena/mindfulness.
Valores intrínsecos e vida livre de expectativas: visa a atenuar a expectativa ansiosa ensinando o paciente a motivar
se mais pelo processo do que pelo resultado (p. ex., fazer 1 hora de caminhada, 3 vezes/semana, em vez de
motivarse para perder 5 quilos; ou comprometerse com o aumento do número de horas diárias de estudo, em vez
de motivarse pela aprovação em um concurso). O terapeuta discute com o paciente como a valorização excessiva
do resultado e do reconhecimento social atrelado ao sucesso (valores extrínsecos) podem gerar ansiedade,
preocupações e comportamentos de esquiva, na medida em que desfechos incertos adquirem função legitimadora do
valor do indivíduo enquanto pessoa. Após a identificação de princípios, que descrevem formas de agir cujo valor é
intrínseco, o paciente aprende a medir a si mesmo e a seus comportamentos mais por seu alinhamento a esses
princípios do que pelos resultados obtidos. Paradoxalmente, ao diminuir a importância relativa do resultado, o
desempenho tende a melhorar, por reduzir a ansiedade e os comportamentos de esquiva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo médico deve estar familiarizado com os sintomas do TAG, uma vez que, frequentemente, os
pacientes se apresentam com queixas somáticas em unidades de atenção primária. Na avaliação destes
pacientes, é muito importante pesquisar por sintomas depressivos e abuso de substâncias, especialmente
álcool e sedativos. O tratamento inicial pode ser psicoterápico (TCC) ou medicamentoso. O tratamento
medicamentoso é preferível quando há comorbidade com depressão. São opções de tratamento
medicamentoso de primeira linha os ISRS, os IRSN e a pregabalina.
Vinheta clínica
M.J.L., 47 anos, sexo feminino, é advogada e mãe de uma filha de 16 anos. Considera que sempre foi muito
preocupada com tudo e sofreu com o estresse, mas via isso como algo natural. Apesar de períodos de insônia e da
dificuldade para relaxar mesmo em períodos de lazer com a família (“tinha uma sensação de que estava perdendo
tempo, apesar de saber que aquele tempo era importante”), nunca procurara um tratamento. Há 2 anos, o marido de
M. faleceu em decorrência de um câncer que evoluiu rapidamente. Ela passou por um período de luto e fez
psicoterapia nessa época e considerava que tinha ficado bem. Contudo, M. viuse como a única responsável por
sustentar a casa e cuidar da filha. Apesar de, nesse período, ter conseguido uma promoção no escritório em que
trabalha, as preocupações foram piorando progressivamente.
No momento da consulta inicial, tinha a sensação de que estava “esperando algo ruim acontecer o tempo todo”.
Preocupase particularmente com “pendências” do trabalho, que poderiam ser coisas simples como um email que
precisaria mandar, e com a filha. “Estou atormentando a vida dela. Toda hora quero saber se está tudo bem.” Os
sintomas foram piorando ao longo destes 2 anos, mas se tornaram mais intensos há 6 meses. Neste período, passou
a ter dificuldade para iniciar o sono (“a cabeça não desliga”), tem se sentido fadigada, com dores nas costas, mais
irritada e cometendo erros básicos no trabalho por desatenção. Após o período de luto, não voltou a ter sintomas
depressivos, mas estava sentindo que as coisas estavam “perdendo um pouco a graça”. Sentiase um pouco culpada
nestes últimos meses, pois tinha começado a namorar (“Um rapaz um pouco mais jovem. Nada sério.”). Recebeu o
diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada. Achava que não havia espaço na sua vida para psicoterapia
naquele momento e optou por iniciar escitalopram 10 mg/dia. A paciente também foi orientada quanto à natureza da
ansiedade, sobre seu caráter adaptativo em níveis normais e seu caráter disfuncional em níveis desproporcionais. Foi
orientada quanto ao efeito esperado com a medicação, inclusive, quanto à demora nos efeitos benéficos e aos
efeitos colaterais. Optou por não usar medicação para o sono porque tinha “medo de ficar dependente”.
Após 1 mês, retornou bem melhor, conseguindo administrar suas preocupações, com melhora do padrão do sono
e buscando incluir atividades de lazer e atividades físicas na sua rotina. No entanto, queixavase de disfunção sexual:
“perdi completamente o desejo”. Diante da boa resposta ao medicamento, optouse por manter a medicação e iniciar
TCC com o objetivo de retirar a medicação o mais rápido possível. Depois de 2 meses, ela mantinha a melhora e
estava engajada na terapia. Como mantinha diminuição importante da libido, dificuldade de excitação e anorgasmia,
optouse por reduzir a dose para 5 mg/dia. Houve uma melhora parcial destes efeitos colaterais, o que permitiu
continuar o tratamento de manutenção da medicação até completar 6 meses. A paciente optou por não retirar
precocemente a medicação por receio da piora dos sintomas, apesar do bom efeito da terapia. Depois disso, a
medicação foi retirada com sucesso, e a paciente permaneceu bem fazendo sessões de manutenção de TCC.
Para aprofundamento
Gandarela L, Bernik MA. Tratamento farmacológico do transtorno de ansiedade generalizada. In: Bernik M,
Savoia M, Lotufo Neto F. A clínica dos transtornos ansiosos e transtornos relacionados: a experiência do Projeto
AMBAN. São Paulo: Edimédica; 2019. p.20118.
Capítulo publicado recentemente que aborda de forma mais detalhada os ensaios clínicos de cada
medicamento, além de incluir informações sobre outras drogas com menor evidência.
Sampaio T, Martins D, Pimenta G, Jorge RC. Terapias cognitivocomportamentais do transtorno de ansiedade
generalizada. In: Bernik M, Savoia M, Lotufo Neto F. A clínica dos transtornos ansiosos e transtornos
relacionados: a experiência do Projeto AMBAN. São Paulo: Edimédica; 2019. p.21932.
O capítulo aborda com mais profundidade cada um dos principais modelos cognitivo
comportamentais atuais de TAG, descrevendo os protocolos de atendimento desenvolvidos a partir
deles.
Katzman MA, Bleau P, Blier P, Chokka P, Kjernisted K, Van Ameringen M, et al. Canadian clinical practice
guidelines for the management of anxiety, posttraumatic stress and obsessivecompulsive disorders. BMC
Psychiatry. 2014;14 Suppl 1(Suppl 1):S1.
Diretrizes clínicas para o tratamento de transtornos relacionados à ansiedade, baseadas em uma
extensa revisão atualizada das evidências disponíveis.
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Diretrizes clínicas para tratamento dos transtornos relacionados à ansiedade da Associação Britânica de
Psicofarmacologia baseada em vasta revisão da literatura com recomendações atualizadas.
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