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1 - Cultura
Texto 1
“Considerando que a Antropologia é frequentemente definida como o estudo das diferentes
culturas, não surpreende que “cultura” seja um dos conceitos crucias desta disciplina. O
foco da Antropologia é na diversidade dos modos nos quais os seres humanos se
estabelecem e conduzem as suas formas de viver em grupo. E é desta diversidade que a
noção antropológica de cultura derivou, no século XIX. A ideia da pluralidade de cultura
contrasta com a ideia de cultura no singular, uma interpretação que começou a desenvolver-
se no pensamento europeu do século XVIII e que se tornou predominante no século XIX.
Enquadrada pelo pensamento evolucionista ligado ao imperialismo ocidental, cultura no
singular assumia uma escala universal de progresso onde, à medida que as civilizações se
desenvolviam ao longo do tempo, a humanidade se tornaria mais criativa e mais racional,
isto é, a capacidade das pessoas para a cultura crescia. O aumento da cultura e da
racionalidade eram considerados como pertencentes ao mesmo processo.
Por outras palavras, os seres humanos tornavam-se mais “cultivados” à medida que
progrediam intelectualmente, espiritualmente e esteticamente, ao longo do tempo. De
Certeau (1994: 103) notou que este modelo, que proclama cultura como sendo um aspecto
definidor dos seres humanos “cultivados” (...) pode constituir uma poderosa agenda política,
servindo mesmo, nas mãos de imperialistas, como forma de estabelecer normas elitista.
Em contraste, o olhar antropológico moderno, do lado do relativismo cultural e em confrontação
com o racismo insiste que cultura deve de ser entendida no plural e considerada no seu
contexto particular.
Desde cedo Franz Boas (1886) colocou firmemente todas as culturas em pé de igualdade.
Nesta perspectiva a cultura Chinesa é diferente de, e igual à cultura dos Nuer africanos ou dos
Yanomani da Amazónia. Cada cultura relaciona-se com um modo de vida específico e
historicamente situado que é expresso através de um conjunto de artefactos específicos, de
instituições e de padrões de comportamento. Além disso, o uso antropológico do termo reclama
que cultura se refere a esse imenso conhecimento humano e formas de fazer as coisas que são
adquiridos, aprendidos e construídos, isto é, não são inatos numa criança recém-nascida.
Assim, enquanto que a capacidade para a linguagem é inata, a linguagem específica que
a criança fala não é, e, enquanto conhecimento aprendido, a sua gramática particular e as
formas de classificar o mundo específicas tornam-se uma parte crucial da sua herança cultural.”
(Texto traduzido e adaptado de Rapport & Overing (1999) Social and Cultural
Anthropology: The key concepts. Londres: Routledge pp. 92-93)
TEXTO 2
“Os antropólogos usam o conceito de cultura de forma variada. De um modo geral, cultura
refere-se a tudo o que os humanos aprendem em oposição àquilo que é geneticamente
adquirido. (...).
Os antropólogos entendem que os significado partilhados da cultura são cruciais para a
compreensão do comportamento porque o mesmo comportamento pode ‘significar’ coisas
diferentes em diferentes culturas. Por exemplo, Gibson (1993) ao estudar uma escola
secundária na Califórnia, coloca em contraste as variações na interpretação dos pais e dos
professores sobre a participação dos alunos Punjabi nas actividades extra-escolares. Assim,
para os professores não-Punjabi, a participação dos alunos nestas actividades são
consideradas como um sinal de que os estudantes estão a sociabilizar-se com sucesso. Para os
pais Punjabi o mesmo comportamento constitui uma socialização não adequada entre os sexos.
Enquanto os indivíduos estão conscientes de alguns aspectos da sua cultura, simultânea e
frequentemente também não têm consciência de outros aspectos culturais “implícitos”. Por
exemplo, as regras e os padrões da interacção social (por exemplo, a distância a que se deve
estar de outra pessoa durante uma conversa) não costumam estar ao nível da percepção
consciente.
Apesar destes aspectos estarem fora da percepção consciente, eles podem ter efeitos
poderosos na educação. Por exemplo, Vogt, Jordam & Tharp (1993) ao estudarem as crianças
americanas de ascendência havaiana mostram que a incorporação nas aulas de leitura de
aspectos do padrão de conversação destas crianças contribuiu para o aumento das
classificações dos alunos.
Os padrões e as regras de interacção verbal não são aspectos sobre os quais a maioria das
pessoas consiga falar, mas são muito importantes para as competências de efectiva participação
numa conversação, e, no caso das crianças havaianas parece que tiveram efeitos importantes
no sucesso dos esforços para ensinar as crianças a ler.
Os antropólogos assumem que existe uma regularidade significativa nos significados e
comportamentos culturais no seio do conjunto dos indivíduos pertencentes a uma determinada
cultura. Contudo, a diversidade também existe no interior do grupo cultural. Uma razão para esta
diversidade é que os indivíduos são socializados de forma diferente nas normas culturais e são
influenciados por diferentes subgrupos da sua sociedade. Segundo, embora as normas culturais
exerçam uma influência poderosa no comportamento, não o determinam, uma vez que os
indivíduos podem decidir quando e como aplicar as orientações culturais de comportamento em
situações especificas. Terceiro, os significados e comportamentos culturais não são estáticos.
(...)
Inicialmente a palavra cultura era usada para sociedades delimitadas e grupos étnicos, contudo
actualmente este conceito também é aplicado referindo padrões partilhados por outros grupos
que interagem regularmente. Por exemplo, para referir a cultura(s) das escolas, da sala de aula e
de grupos de alunos que interagem regularmente.
Dois termos usuais e relacionados com a aprendizagem de uma cultura são enculturação e
aculturação. ‘Enculturação’ (também denominada socialização) refere-se à aprendizagem de
normas e comportamentos pelas primeira vez. ‘Aculturação’ refere-se à aprendizagem que
ocorre quando pessoas de diferentes culturas ficam em contacto umas com as outras. Assim,
uma criança vivendo em S. Salvador é enculturada/ socializada na cultura são salvadorenha,
mas se a criança vai para os Estados Unidos torna-se, em maior ou menor grau, aculturada na
cultura dos EUA.
CONTEXTO
A noção de contexto está relacionada com a noção de cultura. No sentido antropológico,
contextos são lugares criados por pessoas nos quais certos comportamentos são definidos como
apropriados e outros como inapropriados. Instituições como igrejas, escolas, escritórios são
exemplos de um nível de contexto. Dentro destes contextos mais abrangentes existem outros
contextos. Por exemplo, a sala de aula de história da professora Jones é um contexto e a sala
de aula de Educação Visual da professora Smith é outro. Enquanto ambos possuem em comum
algumas normas culturais da escola, cada um tem igualmente algumas regras contextuais
específicas.”
“ (...) podemos entender o fato de que indivíduos de culturas diferentes podem ser facilmente
identificados por uma série de características, tais como o modo de agir, vestir, caminhar, comer,
sem mencionar a evidência das diferenças linguísticas, o facto de mais imediata observação
empírica.
Mesmo o exercício de actividades consideradas como parte da fisiologia humana podem reflectir
diferenças de cultura. Tomemos, por exemplo, o riso. Rir é uma propriedade do homem e dos
primatas superiores. O riso se expressa, primariamente, através da contracção de determinados
músculos da face e da emissão de um determinado tipo de som vocal. O riso exprime quase
sempre um estado de alegria. Todos os homens riem, mas o fazem de maneira diferente por
motivos diversos.
(...)
O facto de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequência a propensão
em considerar o seu modo de vida como o mais correcto e o mais natural. Tal tendência,
denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos
conflitos sociais.
O etnocentrismo, de fato, é um fenómeno universal. É comum a crença de que a própria sociedade
é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. As autodenominações de diferentes
grupos reflectem este ponto de vista.
Os Cheyene, índios das planícies norte-americanas, se autodenominavam "os entes humanos";
os Akuáwa, grupo Tupi do Sul do Pará, consideram-se "os homens"; os esquimós também se
denominam "os homens"; da mesma forma que os Navajo se intitulavam "o povo". Os
australianos chamavam as roupas de "peles de fantasmas", pois não acreditavam que os ingleses
fossem parte da humanidade; e os nossos Xavante acreditam que o seu território tribal está
situado bem no centro do mundo. É comum assim a crença no povo eleito, predestinado por seres
sobrenaturais para ser superior aos demais. Tais crenças contêm o germe do racismo, da
intolerância, e, frequentemente, são utilizadas para justificar a violência praticada contra os
outros.
A dicotomia "nós e os outros" expressa em níveis diferentes essa tendência. Dentro de uma
mesma sociedade, a divisão ocorre sob a forma de parentes e não-parentes. Os primeiros são
melhores por definição e recebem um tratamento diferenciado. A projecção desta dicotomia para
o plano extragrupal resulta nas manifestações nacionalistas ou formas mais extremadas de
xenofobia.
O ponto fundamental de referência não é a humanidade, mas o grupo. Daí a reacção, ou pelo
menos a estranheza, em relação aos estrangeiros. A chegada de um estranho em determinadas
comunidades pode ser considerada como a quebra da ordem social ou sobrenatural. Os Xamã
Surui (índios Tupi do Pará) defumam com seus grandes charutos rituais os primeiros visitantes da
aldeia, a fim de purificá-los e torná-los inofensivos.
O costume de discriminar os que são diferentes, porque pertencem a outro grupo, pode ser
encontrado mesmo dentro de uma sociedade. A relação de parentesco consanguíneo afim pode
ser tomada como exemplo. Entre os romanos, a maneira de neutralizar os inconvenientes da
afinidade consistia em transformar a noiva em consanguínea, incorporando-a no clã do noivo pelo
ritual de carregá-la através da soleira da porta (ritual este perpetuado por Hollywood). A noiva
japonesa tem a cabeça coberta por um véu alto que esconde os "chifres" que representam a
discórdia a ser implantada na família do noivo com o início da relação afim. Um outro exemplo
são as agressões verbais, e até físicas, praticadas contra os estranhos que se arriscam em
determinados bairros periféricos de nossas grandes cidades.
(...)
(...)
Mas, qualquer que seja a sociedade, não existe a possibilidade de um indivíduo dominar
todos os aspectos de sua cultura. Isto porque, como afirmou Marion Levy Jr "nenhum sistema
de socialização é idealmente perfeito, em nenhuma sociedade são todos os indivíduos
igualmente bem socializados, e ninguém é perfeitamente socializado. Um indivíduo não pode
ser igualmente familiarizado com todos os aspectos de sua sociedade; pelo contrário, ele
pode permanecer completamente ignorante a respeito de alguns aspectos". Exemplificando:
Einstein era um génio na física, um medíocre violinista e, provavelmente, seria um completo
desastre como pintor.
(...)
A cultura é dinâmica
No primeiro caso, a mudança pode ser lenta, quase impercebível para o observador que não
tenha o suporte de bons dados diacrônicos. O ritmo, porém, pode ser alterado por eventos
históricos tais como uma catástrofe, uma grande inovação tecnológica ou uma dramática
situação de contacto.
O segundo caso, como vimos na afirmação do Manifesto sobre aculturação, pode ser mais
rápido e brusco. No caso dos índios brasileiros, representou uma verdadeira catástrofe. Mas,
também, pode ser um processo menos radical, onde a troca de padrões culturais ocorre sem
grandes traumas.
Este segundo tipo de mudança, além de ser o mais estudado, é o mais actuante na maior parte
das sociedades humanas. É praticamente impossível imaginar a existência de um sistema
cultural que seja afectado apenas pela mudança interna. Isto somente seria possível no caso,
quase absurdo, de um povo totalmente isolado dos demais. Por isto, a mudança proveniente de
causas externas mereceu sempre uma grande atenção por parte dos antropólogos. Para atendê-
la foi necessário o desenvolvimento de um esquema conceptual específico. Surge, então, o
conceito de aculturação, utilizado desde o início do século pela antropologia alemã e a partir de
1928 pelos antropólogos anglo-saxónicos (p.96 –97)
(Em Laraia (2006) Cultura um conceito antropológico. Rio de janeiro: Zahar Editor)
2 – Socialização
TEXTO 4
A aprendizagem de uma cultura – o processo através do qual se aprende o que é especifico de
uma cultura, como por exemplo as normas, os valores, o conhecimento etc. – é denominado o
processo de socialização, por vezes também denominado enculturação.
A família, os amigos e outras pessoas que interagem quotidianamente com a criança
constituem o grupo social primário. È no seio deste grupo que decorre a denominada
socialização primária. Isto é, através da imersão no mundo social em que vive, a criança
incorpora e adquire um conhecimento de base que serve de referência para interpretar o mundo
exterior. A socialização primária inclui, assim, as aprendizagens que capacitam a criança a
comportar-se adequadamente no grupo de pertença, tornando-se um elemento de uma
determinada família ou grupo social . Esta aprendizagem é essencial para a auto-identificação
com o grupo.
As aprendizagens das crianças, realizadas no seio da família e da comunidade, são pilares
fundamentais no processo educativo. Através da transmissão oral, conhecimentos, práticas e
técnicas vão sendo observadas, imitadas e experimentadas pelas crianças, que deste modo,
aprendem e reproduzem o conhecimento do seu grupo social.
Para muitas crianças os contextos de aprendizagem alargam-se para além do seu grupo social
primário, incluindo, por exemplo, os infantários e jardins de infância, os grupos de educação
religiosa, ATLs etc.. Este tipo de grupos constituem os denominados grupos sociais
secundários, no seio dos quais decorre a socialização secundária e que implica a aquisição de
saberes e papeis específicos.
Ao longo da vida os grupos sociais secundários diversificam-se, sendo a escola e as instituições
laborais, por exemplo, locais importantes de socialização secundária.
•OBSERVAÇÃO
Se o que constitui matéria de educação varia conforme os povos e os grupos sociais, sendo
também variável no seio de cada família, existem certos assuntos que, em todas as culturas,
constituem noções educativas e matéria de ensino. Por exemplo:
noções de parentesco, noções espaciais, noções sobre o meio ambiente, tais como o que é
perigoso, o que se pode comer,
quais os comportamentos sociais esperados em determinadas situações,
o que é razoável cada criança saber em determinada faixa etária, etc.
3 - Aprendizagem e sua relação com a cultura
TEXTO 5
“No decorrer da sua existência todo o ser humano se apropria de um conjunto vasto de
conhecimentos, desenvolvendo-os e dominando-os de acordo com determinados factores, tais
como: a idade, o sexo, a sua pertença a uma cultura determinada, o seu estatuto social etc.
Os processos de aprendizagem parecem à primeira vista muito diferentes. De facto, o que existe
em comum entre a aprender a andar ou a falar, entre a aprendizagem da matemática ou da escrita,
ou da condução de um automóvel ou das regras da etiqueta?
Estudos recentes mostram que enquanto os processos de aprendizagem parecem ser universais,
existe uma variabilidade cultural não somente nos conteúdos, mas também na “diferente
valorização dos conteúdos de aprendizagem e nos contextos nos quais os mecanismos cognitivos
são utilizados” (Dasen 1988a: 137) e, ainda, na frequência relativa com que se utiliza os processos
de aprendizagem segundo os contextos”.
(Adaptado de Brill, B. (1991) Em Chevallier, D. (Dir) (1991) Savoir faire et pouvoir transmetre: transmission et
aprentissage des savoir-faire et des techniques. Paris: Editions de la Maison des Sciences de l’Homme. )
Em culturas diferentes:
i)Saberes diferentes constituem diferentes matéria de educação
O Objecto de aprendizagem- isto é, as propriedades daquilo que se está a aprender, que requer
competências cognitivas e motoras diversas conforme o assunto, mas também os recursos sociais
nos quais se insere, já que certos saberes e saber/fazer podem ser apropriados pelo conjunto do
grupo social mas outros só são por certos elementos do grupo
(Adaptado de Brill, B. ; (1991) Em Chevallier, D. (Dir) (1991) Savoir faire et pouvoir transmetre: transmission et
aprentissage des savoir-faire et des techniques. Paris: Editions de la Maison des Sciences de l’Homme
5 - Educação formal e educação informal
Texto 7
Na educação formal existe um saber que vai estar presente para ser ensinado, saber esse
que pela sua própria organização e conteúdo está "quebrado" em várias partes, necessita
de ser explicado, reflectido e exige comportamentos e artefactos próprios para ser fixado à
nossa existência pessoal. A aprendizagem exige modos de interacção com o conhecimento
caracterizados por pensamentos e acções sobre símbolos abstractos e formalizações do
saber. Assim, a educação formal é marcada pela intencionalidade, pela regularidade e pela
sequencialidade. Além disso, tem objectivos específicos e, regra geral, é certificada.
Por exemplo, a educação escolar é maioritariamente do tipo formal
Na educação informal o saber é resultante de uma imersão no contexto de aprendizagem.
Ninguém explicitamente afirma o que é para aprender ou para ensinar ou segue uma
sequência programática de itens. Aprende-se imitando, observando e participando
activamente num contexto que tem significado para quem neles está e sabe que tem de
adquirir aquilo a que está exposto para poder funcionar nesse contexto. Assim, a educação
informal tende a ser menos hierárquica, sendo o tempo e o espaço de aprendizagem mais
flexível e estando os conteúdos presentes de uma forma implícita
Decorrendo num ambiente de maior informalidade onde o contacto pessoal é valorizado, as
aprendizagens informais são caracterizadas por um modo de relacionamento com o saber
através de acções e pensamentos inseridas em contextos particulares.
Por exemplo a aprendizagem de determinadas profissões como por exemplo, a de pedreiro é
resultante de uma educação maioritariamente informal. Aprender a andar de bicicleta é também o
resultado de aprendizagens informais
Embora certos contextos de aprendizagem possam privilegiar mais a educação informal e outros
a educação formal, existem aprendizagens que necessitam tanto de uma educação formal como
informal.