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SUMÁRIO

Saúde mental no trabalho ............................................................................................... 4

Consequências do adoecimento mental no trabalho ....................................................... 7

Organização do trabalho e violência psíquica ................................................................ 9

O ESTRESSE NO TRABALHO .................................................................................. 12

Definição e Classificação.............................................................................................. 14

Desencadeamento e curso ............................................................................................. 15

Pressão e Estresse – Uma relação não determinística................................................... 16

SÍNDROME DE BURNOUT....................................................................................... 17

Características da Síndrome.......................................................................................... 18

Classificação e Padrão de acometimento ...................................................................... 20

Níveis de gravidade ...................................................................................................... 20

As primeiras pesquisas da Psicopatologia do Trabalho ................................................ 23

Estratégias Defensivas Coletivas .................................................................................. 23

Medo e Ideologia defensiva coletiva ............................................................................ 25

A Exploração do Sofrimento ........................................................................................ 26

Condições de Trabalho, Organização do Trabalho e Gestão de Pessoas...................... 28

Sofrimento Criativo e Sofrimento Patogênico .............................................................. 30

Assédio moral individual .............................................................................................. 32

Assédio sexual .............................................................................................................. 33

Referências ................................................................................................................... 34
Os sentidos do trabalho

A noção de sofrimento está presente na origem da palavra “trabalho”, que se


associa aos termos latinos tripalium e trabicula, cujos significados estão ligados à
tortura, a algo penoso e, até mesmo, indesejado. Por outro lado, como pensar a vida sem
o trabalho, atividade que constrói o homem e a sociedade e que tem um papel
fundamental para a saúde e para a qualidade de vida das pessoas. Esta atividade que
caracteriza a vida humana, identificando o homem e fazendo o elo com a vida social, é
sempre uma mistura entre prazer e sofrimento.
O sofrimento do trabalho e suas consequências para a saúde mental dos
trabalhadores foi narrado pelo clássico filme “Tempos Modernos”, de Charlie Chaplin
(1936). Na obra, a brilhante interpretação e a sensibilidade do artista traduziram uma
crítica à modernidade e ao capitalismo, denunciando a violência produzida pelas
transformações impostas pelo taylorismo e pelo fordismo sobre a organização do
trabalho na linha de montagem.
O estudo das relações entre o trabalho, a saúde e a doença mental foi bastante
desenvolvido pelo psiquiatra e psicanalista francês Christophe Dejours, fundador da
psicodinâmica do trabalho. Estudando os impactos do trabalho para a saúde mental,
Dejours distinguiu dois tipos de sofrimento: o sofrimento criador e o sofrimento
patogênico.
Para Dejours (1994, p. 137), o sofrimento patogênico aparece, quando [...] todas
as margens de liberdade na transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização do
trabalho já foram utilizadas. Isto é, quando não há nada além das pressões fixas, rígidas,
incontornáveis, inaugurando a repetição e a frustração, o aborrecimento, o medo ou o
sentimento de impotência.
Ressalte-se que a saúde mental dos trabalhadores está diretamente relacionada a
um trabalho que propicie ações criativas transformadoras do sofrimento presente nas
ações laborativas que contribuam para uma estruturação positiva da identidade do
homem no trabalho. Neste sentido, Dejours aponta a outra noção de sofrimento, o
criador, ligado à superação da paralisia e da destruição das relações de trabalho. É
criador,
[...] quando o sofrimento pode ser transformado em criatividade, ele traz uma
contribuição que beneficia a identidade. Ele aumenta a resistência do sujeito ao risco de
desestabilização psíquica e somática. O trabalho funciona então como um mediador

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para a saúde. (DEJOURS, 1994, p. 137).
A dinâmica entre o prazer e o sofrimento no trabalho tem origem nas situações
vivenciadas entre os indivíduos e as organizações.

Saúde mental no trabalho

O Direito do Trabalho, desde o seu nascedouro, tem a função de promover a


dignidade humana do trabalhador por meio de instrumentos normativos de tutela à
saúde do trabalhador.
Para Oliveira, S. G. (2011, p. 73): “o homem não busca apenas a saúde no
sentido estrito, anseia por qualidade de vida; como profissional não deseja só condições
higiênicas para desempenhar sua atividade, pretende qualidade de vida no trabalho”.
Neste aspecto, assinala Silva, J. A. (1997, p. 54) que o objeto de tutela jurídica
do direito ambiental “não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos
constitutivos. O que o direito visa proteger (sic) é a qualidade do meio ambiente em
função da qualidade de vida [...]”.
A proteção à saúde é um direito fundamental do trabalhador e foi incorporada à
Constituição Federal de 1988 em diversos dispositivos constitucionais, a saber: a) art.
1°; b) art. 6°; c) art. 7°, XXII; d) art. 194; e) art. 196; f) art. 200, II e VIII; g) art. 154; h)
art. 225. É cediço ainda que esta mesma Constituição dedicou um capítulo exclusivo,
dentro do Título VIII – Da ordem social, sobre o meio ambiente do trabalho.
Aprofundando-se, a assertiva, Capítulo VI – Do Meio Ambiente, expressa, por meio do
caput do art. 225, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Trata, assim, a CR/88 do meio ambiente como um todo, e, por sua extensão, também
abrange o meio ambiente laboral hígido e saudável.
De acordo com Minardi (2010, p. 2), a saúde mental é o bem-estar da saúde
psíquica, que corresponde à saúde da mente, assim considerada a parte do cérebro
ligada aos processos psicológicos superiores, chamados de cognição, como o intelecto,

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o pensamento, o entendimento, a concepção e a imaginação.
Conforme assegura Navarro González (apud MINARDI, 2010, p. 2): “o que é a
saúde mental senão a saúde da mente, a saúde psíquica, a saúde da alma?”. Para o
jurista espanhol, a proteção à saúde se refere, assim, não só à saúde física, que é a saúde
do corpo, mas também à saúde mental, à saúde psíquica, à saúde anímica, à saúde da
alma.
Registre-se que a Convenção 155 da OIT, em seu art. 3º, estabelece: a expressão
“local de trabalho” abrange todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer
ou aonde têm que comparecer e que estejam sob o controle, direto ou indireto, do
empregador; e o termo “saúde”, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de
afecção ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde
e que estão diretamente relacionados com a segurança e com a higiene no trabalho.
Oliveira, S. G. (2011, p. 531), ao discorrer sobre a Convenção 155 da OIT,
assinala que o conceito de saúde, adotado oficialmente pela OMS, “abre vasto campo de
progresso, pois visualiza o ser humano numa dimensão abrangente (biopsicossocial)”.
Em razão disso, “a tutela jurídica do hodierno meio ambiente do trabalho vai
desde a qualidade do ambiente físico interno e externo do local de trabalho até as
manutenções da boa saúde física e mental do trabalhador”. (MINARDI, 2010, p. 39).
O direito fundamental à saúde mental está, assim, diretamente relacionado à
qualidade de vida dos trabalhadores no ambiente de trabalho e visa a promover a
incolumidade psicológica e física destes durante o desenvolvimento da sua atividade
profissional, de modo que o trabalho possa ser desenvolvido de forma saudável e
equilibrado, já que “sem saúde não há vida digna e sem meio ambiente equilibrado não
há saúde”. (SILVA, J. A. R. O., 2008, p. 8).
Neste aspecto, não há falar em dignidade da pessoa humana sem que haja
trabalho e que este apresente (sic) em condições dignas ao cidadão, sob pena de jamais
se alcançarem a paz e a justiça sociais (art. 193 da Constituição Federal de 1988), além
da redução das desigualdades sociais e da busca do pleno emprego (art. 170, VII e VIII,
da Constituição Federal de 1988). (MINARDI, 2010, p. 13).
Em todo este contexto insofismável de defesa ao direito fundamental à saúde,
em especial, à saúde mental, o trabalhador encontra guarida para a tutela de sua vida e
dos direitos da personalidade, nestes incluído o direito à integridade psicofísica.
Para melhor qualidade de vida, o trabalhador, assim, necessita conviver em um
meio ambiente de trabalho saudável e equilibrado, a fim de que o exercício do trabalho

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não prejudique a sua saúde mental e, por consequência, à sua integridade física. Os
danos de ordem psíquica e física são distintos entre si e podem atuar tanto de forma
isolada como cumulativamente.
A esse respeito, destaca Simm (2008, p. 135) que devem ser protegidos tanto o
físico, quanto o anímico, tendo em vista que, quando se fala em proteção à saúde, quer-
se referir tanto à saúde física quanto à mental, assegurando-se ao indivíduo a sua
integridade física ou mental. Além disso, há agressões que são dirigidas contra a mente
da pessoa e outras que atingem diretamente seu corpo físico, mas atacando-se a parte
estar-se-á igualmente atacando o todo, uma vez que os danos físicos sofridos acarretam
transtornos mentais e que os danos mentais acabam produzindo também lesões físicas.
Neste aspecto, há de ser respeitada e tutelada a integridade psicofísica do indivíduo.
Por conseguinte, há uma profunda relação entre o ambiente de trabalho e a
saúde mental, tendo-se em vista que, pelo fenômeno da somatização, muitas
perturbações de ordem psíquica acabam se refletindo ou se transferindo para a saúde
física do indivíduo. A medicina psicossomática tem demonstrado a influência dos
transtornos emocionais sobre o corpo, sendo frequentes os casos de pacientes que
reclamam de algum mal físico para o qual, todavia, não há uma causa orgânica. (SIMM,
2008, p. 54).
Sob tal aspecto, “para a preservação da saúde (tanto psíquica quanto física) do
empregado, é preciso que as condições e o ambiente de trabalho sejam
psicologicamente sadios. ” (SIMM, 2008, p. 54).
O acosso psíquico não só arruína a vida mental ou psíquica do ser humano como
destrói a sua própria existência física, seja em decorrência das enfermidades corporais
que causa, seja pela indução à atitude desesperada do suicídio. Portanto, com a
repressão ao acosso psíquico visa-se, primeiramente, a preservar a vida do trabalhador.
(SIMM, 2008, p. 135).
Resta claro, assim, que “a eliminação de qualquer modalidade de acosso
psíquico significa, da mesma forma, assegurar ao trabalhador uma existência digna além
de física e mentalmente saudável, cumprindo-se a proteção que a ordem jurídica dedica
à dignidade da pessoa e à sua saúde.” (SIMM, 2008, p. 136).
O local de trabalho é o lugar onde o trabalhador passa a maior parte do seu
tempo. Por este aspecto, dependendo da política administrativa e gestacional adotada
pelo empregador, a sua conduta abusiva e ilícita poderá afetar a integridade psíquica do
trabalhador. No local de trabalho, então, determinado pelo empregador, o empregado

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pode ser vítima de violências psíquicas enquanto desenvolve a sua atividade laboral,
sendo que esta pode ocasionar prejuízo à saúde mental do empregado de modo a tornar
o trabalho “adoecedor”, contribuindo para a formação de transtornos mentais
relacionados ao trabalho, tais como o estresse e a Síndrome de Burnout.
De acordo com Simm (2008, p. 58), a realidade do Brasil demonstra que há
muitas ocasiões em que o ambiente de trabalho, ao contrário de promover a dignificação
da pessoa pelo exercício de uma atividade e de ser um local de bem-estar e de
crescimento, transforma-se em espaço favorável à aquisição de enfermidades de toda
ordem, inclusive, e especialmente, as que afetam a saúde mental do indivíduo. Desse
modo, a subordinação do empregado ao empregador não pode levar à situação na qual
os poderes que este exerce sobre aquele culminem por afetar a higidez física e psíquica
do trabalhador.
Nesta linha de raciocínio, assinala Silva, E. S. (2011, p. 35) que o trabalho
“tanto poderá fortalecer a saúde mental quanto vulnerabilizála e mesmo gerar distúrbios
que se expressarão coletivamente e no plano individual”.

Consequências do adoecimento mental no trabalho

Nesta oportunidade, podem ser citados alguns exemplos de consequências do


adoecimento mental relacionado ao trabalho, tais como: redução da produtividade com
o aumento da taxa de erros em procedimentos e a quebra do ritmo de produção – e,
consequentemente, da rentabilidade; conflitos interpessoais, entre pessoas da
organização (empresa) ou com clientes, originando um número incalculável de ações
trabalhistas e também de naturezas outras – como as ligadas aos direitos do consumidor;
acidentes de trabalho, com envolvimento do profissional, da empresa e de terceiros –
muitas vezes com reflexos de longo prazo; aumento do custo de vida por diversos
motivos, como aquisição de medicamentos e consultas médicas – com sensibilização
para outros tipos de transtornos, etc. (SILVA, E. S., 2011, p. 267).
Percebe-se, ainda, que o surgimento de transtornos mentais oriundos do
ambiente de trabalho pode ser capaz de afetar o relacionamento interpessoal dos
trabalhadores, conduzindo-os aos mais diversos tipos de conflitos, tais como:
transtornos relacionados ao estresse; transtorno de estresse póstraumático; transtornos
depressivos; transtornos não orgânicos de sono; transtornos mentais e de
comportamento decorrentes do uso de álcool; transtorno obsessivo-compulsivo e
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alterações e transtornos de personalidade. (SILVA, E. S., 2011, p. 269).
Sob este aspecto, assinala Silva, E. S. (2011, p. 47) que o estudo sobre os
desdobramentos psíquicos da fadiga, da servidão e da humilhação são precursores
notáveis das atuais constatações sobre esgotamento profissional – burnout, depressões e
suicídios decorrentes de pressões organizacionais e de assédio moral.
De acordo ainda com a autora em comento, têm sido “vastas e variadas, no
Brasil, as situações de exploração da vida mental dos trabalhadores e dos sentimentos e
valores que habitam suas mentalidades”. (SILVA, E. S. 2011, p. 198).
Para Simm (2008, p. 185-194), o acosso psíquico no trabalho atinge, em um
primeiro momento, a mente do empregado, causando-lhe danos de ordem moral e
psíquica de variada intensidade e sob diversas modalidades; já em um segundo
momento, as agressões morais se refletem no corpo do trabalhador, causando-lhe danos
físicos. Além disso, podem provocar-lhe também danos materiais ou patrimoniais, seja
sob a forma de prejuízos financeiros, seja por outras lesões como o lucro cessante e a
perda de oportunidades. E, finalmente, essas lesões ainda podem refletir nos
relacionamentos sociais do trabalhador, afetando diretamente sua convivência familiar
e, não raras vezes, produzindo danos reflexos nos membros da família, seja em razão
das alterações de seu comportamento, seja em função dos danos físicos sofridos – em
face da situação de desemprego – ou mesmo pelo efeito extremo do suicídio. Assinala o
autor que resulta clara, assim, a possibilidade de o acosso psíquico causar, simultânea
ou sucessivamente, as duas modalidades de dano (o moral e o material), propiciando a
cumulação das duas indenizações, desde que provenientes do mesmo ato ilícito. Simm
(2008, p. 138), ao citar João Oreste Dalazen, assevera que não se pode baralhar o dano
moral propriamente dito, ou puro, do reflexo patrimonial do dano moral, hipótese em
que o dano moral simultaneamente pode acarretar também dano material (diminuição
do patrimônio do ofendido). Dessa maneira, a afronta aos direitos da personalidade nem
sempre terá conteúdo exclusivamente moral, ou extrapatrimonial, podendo ou não o
dano moral, propriamente dito, cumular com o dano material.
Silva, E. S. (2011, p. 140) também destaca os distúrbios mentais vinculados aos
efeitos de vários produtos químicos. Para a autora, agentes biológicos e físicos poderão
afetar o sistema nervoso do empregado. A ação de produtos tóxicos pode exercer ação
destrutiva ou prejudicar os processos bioquímicos do sistema nervoso, ocasionando,
assim, déficits intelectuais ou transtornos de ordem psicoafetiva. Têm-se, como
exemplos, as atividades em que os trabalhadores ficam expostos ao chumbo, ao

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mercúrio ou a outros metais pesados; ao estireno, ao tolueno e a outros solventes; e ao
metanol ou a outros produtos, cujas ações neurotóxicas são, há muito tempo,
conhecidas.
A autora ainda adverte que os ruídos no ambiente de trabalho e o calor podem
ser responsáveis pelo desencadeamento de surtos psicóticos, quando é constatado o
aumento das jornadas de trabalho do empregado. (SILVA, E. S., 2011, p. 289).

Organização do trabalho e violência psíquica

Os impactos da globalização nos modos de produção e de organização das


empresas, a transformação tecnológica e a busca de maior produtividade com menor
custo de mão-de-obra interferem na saúde dos trabalhadores, acarretando a estes o
desgaste físico e mental, além de interferir na qualidade do meio ambiente de trabalho.
Como bem esclarece Silva, E. S. (2011, p. 76-304), a crise econômica surge
sempre ligada a uma crise social. Por isso, ambas determinam, conjuntamente,
profundas repercussões sobre a saúde geral e mental do trabalhador. Assim, sofrimento
social, sofrimento físico e sofrimento mental são geralmente indissociáveis, embora
frequentemente sejam estudados de maneira reducionista. Alerta a autora que mediante
as pressões da ideologia de excelência, o cansaço se torna um verdadeiro tabu, pois,
muitas vezes, mencionar a fadiga pode ser perigoso para a carreira e até para a
manutenção do emprego.
O silenciamento de quaisquer queixas de malestar é assim imposto, contribuindo
para a escalada do presenteísmo que tanto incomoda os gestores. Presenteísmo significa
que pessoas adoecidas estão trabalhando sem manifestar queixas e, em geral, sem
procurar tratamento, ao mesmo tempo em que seus quadros clínicos se agravam e se
cronificam, enquanto, inevitavelmente, o desgaste atinge também seu desempenho. À
medida que ficam prejudicadas funções como a atenção e o raciocínio, entre outros, o
presenteísmo pode se constituir um importante fator de risco no que diz respeito a
acidentes de trabalho.
A competitividade do atual sistema capitalista globalizado – renovado por uma
nova ideologia que resgata o liberalismo econômico – tem exigido dos trabalhadores um
esforço para o aumento de produtividade aliado à cobrança de aperfeiçoamento e de
resultados, mediante o poder empregatício do empregador. Tudo isso acarreta ao

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trabalhador euforia, ansiedade, irritação, angústia e, nos casos mais graves, problemas
de saúde, como a Síndrome de Burnout, que é responsável pela incapacidade ao
trabalho. (MINARDI, 2010, p. 76).
Como bem assinala Minardi (2010, p. 196), o empregado de hoje trabalha muito
e descansa pouco. Sendo que o descanso a que o autor se refere não é o mero descanso
para dormir e relaxar, mas, sim, o tempo livre para viajar, ler, brincar, assistir a filmes e
a peças de teatro, praticar esportes, etc.
O tempo livre passa a ser entendido como tempo não produtivo, não capital; e,
neste sentido, outros aspectos da vida humana como os encontros sociais, os cuidados
com a família e os momentos de lazer tão importantes para a saúde mental deixam de
ser vividos, o que gera ainda mais a ocorrência de sofrimento.
No mesmo sentido é também o magistério de Leiter e Maslach (2012, p. 56):
Isso decorre da competitividade da atividade econômica que levou o empresário a
buscar resultados mais eficientes nos empreendimentos, mesmo que esse quadro reflita
negativamente na saúde mental dos trabalhadores, acarretando consequentemente
problemas de ansiedade, angústia, crises de choro, nervosismo, irritabilidade, depressão,
medo, frustração, autoestima baixa, entre outras doenças psicossomáticas. Por isso, são
as pressões no ambiente de trabalho o fator capaz de desorganizar o equilíbrio
psicofisiológico e/ou mental do empregado.
A nova ordem mundial vem impondo profundas mudanças na organização dos
processos de trabalho, visando ao aumento da produtividade e à redução dos custos em
um contexto responsável por acarretar uma nova
dimensão à relação entre trabalho e as condições de
vida dos trabalhadores. Tais fatores têm implicado a
degradação do ambiente em que se desenvolvem as
atividades laborativas, ainda que paradoxalmente,
ressalte-se a mundial preocupação generalizada com a
preservação e com a recuperação do meio ambiente.
(GROTT, 2012, p. 181).
No mesmo viés, assinala Silva, E. S. (2011) que a precarização trabalhista
impõe intensificação do trabalho, polivalência, grande rotatividade interna, insuficiência
de pausas e intervalos interjornadas. De acordo com a autora, o estímulo à competição
excessiva tem levado à quebra dos laços de companheirismo e tem prejudicado a
cooperação e a comunicação entre escalões hierárquicos e entre companheiros. O que

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aumenta os riscos, muitas vezes em momentos críticos, nos quais cooperação e
comunicação são essenciais para impedir acidentes e catástrofes. Sendo assim,
Entre as invectivas de maximizar o desempenho e o temor ao desemprego tem
sido gerada a submissão a condições de trabalho que levam ao acúmulo da fadiga geral
e mental sob injunções de velocidade no “trabalho que não pode parar”. O medo do
desamparo preside aos esforços e sustenta a escalada da desestabilização psicológica
que pode facilitar o acidente de trabalho. (SILVA, E. S., 2011, p. 305).
As técnicas de gerenciamento atuais predominantes, dentro dos paradigmas
voltados à acumulação flexível e à maximização de lucros, ao estimularem a
exacerbação da competição entre os empregados, concorrem, simultaneamente, para
reforçar o individualismo e promover o aumento do cansaço. (SILVA, E. S., 2011, p.
468).
Em razão disso, onde reina a ideologia da excelência e uma cultura norteada por
seus paradigmas, estes se tornam determinantes de peso no direcionamento dos
processos que conduzem ao adoecimento mental e ao desequilíbrio psicossomático,
entre outras formas de patologias relacionadas ao trabalho contemporâneo. (SILVA, E.
S., 2011, p. 499).
Desse modo, o aumento da produtividade decorrente da exigência excessiva de
metas no cotidiano das relações de trabalho tem ocasionado mudanças comportamentais
nos trabalhadores, provocando a formação de novos transtornos mentais no ambiente de
trabalho. Tem-se, como consequência dessa política estratégica organizacional de lucros
no trabalho, uma série de modos de violência organizacional responsáveis pelo
adoecimento mental no trabalho. Dentre eles se destacam o estresse, a Síndrome de
Burnout e o assédio moral.

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O ESTRESSE NO TRABALHO

A constante pressão a que o trabalhador é submetido na atualidade em seu


trabalho, ameaçado por todas as mudanças no plano das condições e organização do
trabalho, o faz sentir-se a todo momento sobressaltado. No plano da saúde mental estas
pressões acabam por produzir repercussões, uma delas, a que estudaremos no presente
capítulo, recebe o nome de estresse.
Poder-se-ia dizer que sempre o trabalhador sofre pressões no trabalho já há
muito tempo, ou seja, que isso não é um dado novo, exclusivo da contemporaneidade.
De fato, a pressão no trabalho sempre existiu, o exemplo mais emblemático disso é
conhecido como Revolução Industrial, ocorrido inicialmente na Europa no século
XVIII, e posteriormente, de modo diferente e com outras propostas, no Taylorismo e
Fordismo. O que muda então na contemporaneidade? Ou será que nada muda e então
não há nenhuma particularidade da pressão outrora sentida pelo trabalhador e a sentida
na atualidade?
O que mudou foi o contexto em que esta pressão é exercida pelo empregador e é
sentida pelo empregado. Na Revolução Industrial e nos dois modelos de administração
mencionados acima, o que contava era o trabalhador braçal, operário, trabalhando numa
esteira de produção em condições de trabalho pouco salubres.
Neste contexto histórico sócio-político-econômico-cultural o trabalhador
funcionava apenas como uma mola de uma grande engrenagem em que o que era
requisitado era apenas sua força braçal, mecânica. Deste modo este operário podia ser
rápida e facilmente substituído por outro operário que iria desempenhar igualmente a
mesma tarefa que o substituído, já que o que era lhe exigido era apenas sua força física e
sua docilidade, isto é, cumprir ordens submetendo-as e alienando-se.

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Hoje este cenário está em grande parte modificado. O crescimento do chamado
terceiro setor (setor de serviços) não requer geralmente força física. O que este setor
requer são competências que poderiam ser enquadradas, a grosso modo, na categoria do
conhecimento. Não é à toa que vivemos na Era designada de Era do Conhecimento, em
contraposição ao momento histórico anterior que o que estava em jogo era a força
braçal, mecânica de um corpo dócil e facilmente substituído.
Se na contemporaneidade, nesta Era do Conhecimento, o que se requer é então o
conhecimento o homem não será mais um operário braçal que utiliza seu recurso
mecânico para cumprir suas tarefas. Agora o profissional deve apresentar todo um leque
de competências — conhecidas pela sigla CHA (Conhecimentos, Habilidades e
Atitudes, reparem bem que a primeira palavra a aparecer é “Conhecimento”) e que são
mapeadas por processos de Gestão de Pessoas — que o habilitam a competir a uma
vaga no mercado de trabalho.
Se no contexto da Revolução Industrial o corpo do operário adoecia, agora é o
psiquismo que o faz sofrer. Esta colocação, corpo de um lado e psiquismo de outro
evidentemente, é esquemática, nada tem de uma cisão cartesiana. Ela procura, com
efeito, acentuar esta diferença de exigências nos distintos momentos históricos. Se na
contemporaneidade este psiquismo é exigido em primeiro plano, é ele também que mais
sofrerá as consequências destas novas exigências.
Estas consequências aparecem em múltiplos sintomas, uma delas, aquela que
está na ordem do dia, recebe o nome de stress.
Um quadro nos auxiliará no estudo das patologias no campo da saúde mental
relacionadas direta ou indiretamente ao fator trabalho. Trata-se do texto “A classificação
das doenças relacionadas com o trabalho (Jardim, 2000) baseado na proposta de
Schilling, que as divide em três grupos.
“GRUPO I - enquadram as típicas “doenças profissionais”, onde o trabalho é
causa necessária e, portanto, o nexo é evidente, como nas neurointoxicações
ocupacionais, provocadas pelo mercúrio, chumbo, manganês e outros produtos.
GRUPO II - neste item encontram-se as patologias em que, o trabalho pode
ser um fator de risco, que contribui, mas não é necessário, sendo mais encontradas em
determinadas categorias profissionais. É o caso do alcoolismo crônico (F 10.2) e dos
transtornos do ciclo sono-vigília devido a fatores não orgânicos (F 51.2), onde o nexo
causal é de natureza epidemiológica.
GRUPO III – representadas pelas enfermidades em que o trabalho é um

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desencadeador de um distúrbio latente, melhor explicado pela concausalidade.
Encontramos, aqui, os seguintes transtornos mentais: os episódios depressivos (F 32); as
reações ao estresse grave e os transtornos de adaptação (F43), como é o caso do
transtorno de estresse pós-traumático (F43.1); a neurastenia (F 48.0); a neurose
ocupacional (F 48.8) e também a síndrome de esgotamento profissional ou burn-out. (z
73.0).” (CAMARGO & NEVES, 2004:27-28)
Para o presente capítulo nos interessará o grupo III, especificamente os itens a
respeito do estresse. A síndrome de burnout será examinada no próximo capítulo.

Definição e Classificação

O termo “stress” é um conceito


que tem sua origem na Física, porém seu
uso extravasou este campo e adentrou no
terreno da medicina e psicologia, onde
então recebeu outro significado e se
difundiu de tal modo que já é uma palavra
utilizada por leigos no senso comum.
O autor que, reconhecidamente, introduziu a partir de 1936 os estudos sobre
stress foi Hans Seyle que o definiu como sendo uma “(...) síndrome específica,
constituída por todas as alterações não-específicas produzidas num sistema biológico.”
(Seyle, 1965, apud Zanelli, Borges-Andrade e cols, p.281).
Desta definição podemos destacar, numa perspectiva crítica, certos
desdobramentos de sua inespecificidade e seu caráter biológico. O primeiro destaque
nos leva a refletir a respeito do quanto esta síndrome pode ser confundida com tantas
outras, levando a possíveis erros de diagnóstico, seja pelo equívoco de abundância ou
escassez no estabelecimento deste diagnóstico. Esta problemática permite-nos ver o
quanto o diagnóstico do stress é sujeito à controvérsias, e, por extensão, também seu
tratamento. Diante desta situação cria-se muitas vezes um certo mal-estar quando um
funcionário se queixa de stress, como não há especificidade desta síndrome, nem um
exame com resultado patognômico, seus colegas ou mesmo sua chefia podem
negligenciar esta queixa, levando a este funcionário a omitir ou desconsiderar seu
sofrimento.
Ainda sobre a inespecificidade é importante salientar que o stress, entendido

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como Síndrome Geral de Adaptação não se refere exclusivamente ao impacto das
atividades laborativas à saúde mental do sujeito, bem como não é intrinsecamente
“positivo”/ “saudável”, ou “negativo”/“adoecedor”.
O segundo ponto que destacamos refere-se ao caráter biológico que Seyle dá a
esta síndrome. Este é outro ponto problemático, pois retira — ou parece pelo menos
minimizar — do stress o fator psíquico, restando, portanto, unicamente o fator
biológico. Nota-se, deste modo, que a definição que este autor pioneiro neste campo dá
ao stress é reducionista. Esta concepção unicamente biológica trazida por este autor vem
possivelmente atender aos cânones de uma concepção científica positivista, sendo deste
modo respaldada pela comunidade científica afinada com este paradigma.
A CID X — Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde, 10ª revisão (1992) — categoriza no grupo
diagnóstico F43 (Reação ao “stress” grave e transtornos de
adaptação) os seguintes itens:
- F43.0: Reação aguda ao stress
- F43.1: Estado de “stress” pós-traumático
- F43.2: Transtorno de adaptação
- F43.8: Outras reações ao “stress” grave
- F 43.9: Reação não especificada a um “stress”
grave
O DSM-IV(1994), por sua vez, classifica os transtornos relacionados ao estresse
em Transtorno agudo de estresse; Transtorno de estresse pós traumático e transtornos de
ajustamento.

Desencadeamento e curso
Na perspectiva biológica — reducionista, como salientamos acima — o stress é
desencadeado pela necessidade de adaptação ou ajustamento do indivíduo frente às
pressões do meio o qual está inserido. Vemos assim que o stress seria um estado reativo
a algo, portanto, não seria um estado primário. Nesta perspectiva o acento se dá ao meio
estressor, o qual o indivíduo precisaria reagir se defendendo por meio da adaptação a
ele. Nesta perspectiva o que fica em evidência é a necessidade do trabalhador de se
conformar ao meio, sob pena de possivelmente sofrer alguma retaliação. Nota-se aí que
o fator biológico do stress não é tão unicamente biológico como postulam certos
autores. Há aí nesta necessidade de reagir se conformando, se submetendo, toda uma

15
constelação psicodinâmica inegavelmente envolvida.
Cabe reforçar aqui a ressalva que stress não é só desencadeado pelo fator
trabalho. O sujeito pode se estressar por múltiplos fatores, como, além deste fator
mencionado, por sua relação conjugal, familiar, social, cultural, entre outras. Um
mesmo sujeito é afetado inevitavelmente por todos estes fatores, que podem estar
atuando em conjunto e dificilmente isoladamente no desencadeamento e até mesmo no
agravamento do stress.
O curso do stress, segundo Seyle, seguiria três fases sucessivas: alarme diante de
um agente estressor, a resistência a ele e, por fim, a exaustão . O agente estressor pode
ser cada um destes fatores acima citados os quais farão exigências constantes ao sujeito
e os quais este sujeito deparar-se-à ao longo de sua vida, frente os quais terá que lidar e
dar um destino. Este destino, que pode ser aqui entendido como uma resposta diante de
outras delas possíveis, é que manifestar-se-à sob a forma de alarme, resistência e
exaustão.

Pressão e Estresse – Uma relação não determinística

É relevante destacar a dimensão psíquica do modo como cada sujeito,


singularmente, vive e interpreta as pressões que sofre no trabalho. A prova desta
importância é a de que indivíduos trabalhando no mesmo local, ao mesmo tempo e na
mesma atividade não desenvolverão, necessariamente, estresse. Vê-se, portanto, que a
despeito das mesmas pressões as reações serão distintas, dadas as singularidades dos
sujeitos.
Sobre as distintas reações às pressões no trabalho a Organização Mundial da
Saúde numa série sobre proteção à saúde dos trabalhadores escreve:
A pressão no trabalho é inevitável devido às demandas do ambiente de trabalho
contemporâneo. A pressão percebida como aceitável pelo indivíduo pode até mesmo
manter os trabalhadores alertas, motivados, capazes de trabalhar e aprender,
dependendo dos recursos disponíveis e das características pessoais. Entretanto, quando
esta pressão torna-se excessiva ou, diferentemente, não-manejável, isto leva ao estresse.
O estresse pode prejudicar a saúde dos trabalhadores e sua performance laboral.
(WHO,2003: 3-4, tradução minha)
Destacamos nesta citação a questão dos recursos psíquicos que cada sujeito pode
mobilizar para enfrentar as pressões no trabalho. Enquanto para alguns esta pressão

16
pode ser impulsionadora e deste modo motivadora, para outros, ao contrário, ela pode
ser estressante. Nota-se, portanto, que a pressão no trabalho não é determinante no
desencadeamento do estresse, se o fosse todos trabalhadores na contemporaneidade
estariam obrigatoriamente estressados, e não é isso o que se observa. É verdade que há
um alto índice de trabalhadores estressados, mas isso não permite — pelos motivos
apresentados acima — estabelecer uma relação determinística verdadeira.
Apresentamos abaixo uma citação que revela o resultado de algumas pesquisas
que comprovam esta relação não determinística pressão-estresse:
“(...) pesquisadores concordam que a natureza e a severidade do estresse
dependem das características da demanda, qualidade da resposta emocional e processo
de enfrentamento (coping) mobilizados pelo indivíduo. Entre as características pessoais
mediadoras entre trabalho e estresse estão a auto-estima e o lócus de controle.” (Codo,
Soratto e Menezes, 2004: 285)
Esta inexistência de relação determinística demonstra a necessidade fundamental
dos gestores de pessoas estarem atentos ao modo como seus funcionários estão lidando
com as pressões no trabalho, isto é, se saudavelmente ou não e os recurso psíquicos que
os mesmos dispõem para tal. Mais adiante, nas considerações finais do presente estudo,
pretendemos propor, numa perspectiva crítica, uma inversão deste raciocínio, isto é, não
seria o caso do gestor e, num plano maior, a própria empresa/organização, proporcionar
um ambiente (mais) saudável de modo a minimizar as pressões exercidas no trabalho?
Continuando o estudo sobre Saúde Mental e Trabalho investigaremos no
próximo capítulo uma modalidade particular de estresse designada de burnout.

SÍNDROME DE BURNOUT

As rápidas mudanças condições políticas, econômicas e sócio-culturais

17
ocidentais como vimos no capítulo anterior provocam consequências. No campo do
trabalho e do desdobramento deste para a saúde mental notamos que o stress tem
figurado como um destes sinais das referidas mudanças e do ritmo delas.
Neste capítulo examinaremos uma modalidade particular de estresse que atinge,
sobretudo, profissionais do campo da saúde e da educação. Trata-se da síndrome
designada de “Síndrome de Burnout”, também conhecida como Síndrome do
esgotamento/estafa profissional.
Esta síndrome foi primeiramente descrita pelo psicólogo H.J. Freudenberger em
1974, nos Estados Unidos, sendo por ele designada de “burnout”, expressão da língua
inglesa que associa o verbo “ to burn”, queimar, com a preposição “out”, fora, podendo
ser traduzida para o português extinguirse, esvaziamento, exaustão . Este psicólogo
observou que os voluntários com os quais trabalhava apresentavam, por um período de
um ano, um processo gradual de desgaste do humor e/ou desmotivação, sendo
acompanhado de sintomas físicos e psíquicos que denotavam um particular estado de
estar exausto.
Posteriormente a psicóloga Christina Maslach empreende pesquisas empíricas
acerca da estafa profissional, publicando em 1986 o primeiro estudo sobre este tema.

Características da Síndrome

A partir dos estudos destes dois autores mencionados acima pôde-se verificar
que esta Síndrome constitui um quadro caracterizado por exaustão emocional,
despersonalização e redução da realização pessoal.
Sobre cada uma destas características Soares e Cunha (2007:505) escrevem:
“A exaustão emocional representa o esgotamento dos recursos emocionais do
indivíduo. É considerado o traço inicial da síndrome e decorre principalmente da
sobrecarga e do conflito pessoal nas relações interpessoais. A despersonalização é
caracterizada pela insensibilidade emocional do profissional, que passa a tratar clientes
e colegas como objetos. Trata-se de um aspecto fundamental para caracterizar a
síndrome de estafa (burnout), já que suas outras características podem ser encontradas
nos quadros depressivos em geral. Por fim, a redução da realização pessoal (ou
sentimento de incompetência) revela uma auto-avaliação negativa associada à
insatisfação e infelicidade com o trabalho (Tucunduva et al, 2006).” (grifos meus)
Guimarães & Cardoso (2004) apontam outra versão, mencionando Maslach que conclui
18
não haver consenso sobre a evolução da síndrome, e que poderiam haver oito possíveis
combinações, de acordo com pesquisas de Golembieswski e Munzenrider, sendo a
primeira fase a da despersonalização, seguida da redução da realização pessoal e
culminando com o esgotamento emocional. Uma outra possibilidade é que as diferentes
dimensões se desenvolvam simultaneamente, mas de forma independente.
Seja seguindo uma sequência, ou
ainda havendo uma simultaneidade de
sintomas, destacamos o aspecto da
despersonalização pois é ele que marca
uma especificidade desta síndrome, ou
seja, as outras duas características —
exaustão emocional e redução da
realização pessoal — podem ser encontradas em outras patologias. Neste sentido sendo
esta uma síndrome que é localizada em profissionais que prestam cuidados, os
indivíduos que estão sob os cuidados destes agentes profissionais não desenvolvem
burnout. Assim, professor pode ter burnout não alunos, o mesmo acontecendo com
profissionais de saúde, estes poderão desenvolver burnout, não os pacientes.
É preciso que os sujeitos que percebam estar desenvolvendo alguns destes sinais
possam pedir ajuda, pois dado o seu ofício de agente de cuidados há, necessariamente,
outras pessoas envolvidas — as que recebem estes cuidados — e que, por sua vez,
também estão necessitadas de cuidados que esperam receber deste agente. Porém, se o
próprio agente de cuidados não está em condição de fazê-lo dado o prejuízo em sua
saúde mental, como ele poderá cuidar adequadamente do seu objeto de cuidado?
Outra questão se coloca, nem sempre o próprio agente de cuidado reconhece
estar passando pelos sinais e sintomas acima descritos. Neste caso é necessário que
alguém, um outro profissional, o faça ou ainda um setor, no caso de uma instituição, se
incuba de fazê-lo. Pois, caso contrário, aquele indivíduo que recebe os cuidados do
agente cuidador pode se transformar em “vítima” deste, não recebendo os cuidados
apropriados.
Alguns sinais podem ser observados com certa facilidade, são aqueles expressos
física e comportamentalmente pelo sujeito. Freudenberguer assim os divide:
“- os sintomas físicos: sensação de exaustão e fadiga, tremor, frequentes dores
de cabeça, distúrbios gastrintestinais, perda de sono e falta de ar;
- os sintomas comportamentais: hiperatividade, explosão emocional violenta,

19
aumento do consumo de estimulantes como café, álcool e abuso de substâncias,
comportamento de evitação, dificuldade nas relações interpessoais (Tamayo, 1997).”
(Camargo & Neves, 2004:64-65).
Dado o caráter manifesto destes sinais — aqui há um pleonasmo que convém
explicar: “sinal” é um conceito que traz subjacente a ele justamente esta característica
de ser manifesto — é possível que se o sujeito não for capaz de percebê-los e procurar
ajuda, outro profissional ao ver tais sinais pode tentar ajudar a este indivíduo, mesmo
que este não lhe peça ajuda.

Classificação e Padrão de acometimento

Na CID-X esta síndrome é classificada na categoria Z.73.0, sendo também


designada de “Síndrome do esgotamento profissional”.
Como visto anteriormente são os profissionais que prestam cuidados que
desenvolvem o burnout, principalmente aqueles com maior nível de estresse, como por
exemplo: bombeiros, controladores de tráfego aéreo, professores, agentes penitenciários
e sobretudo profissionais de saúde.

Níveis de gravidade
Uma pesquisa realizada por Casadei et al (2000, apud Campos et al, 2004) com
médicos em Buenos Aires detectou diferentes graus de gravidade de burnout nestes
profissionais. Para efetuar esta investigação foi utilizado o instrumento MBI (Inventário
de Burnout de Maslasch) estabelecendo assim quatro níveis de gravidade:
“ 1 – Leve: Apresentação de sintomas físicos vagos como: cefaleias, dores de
contraturas musculares etc. Pode observar-se influência na personalidade e diminuição
da eficiência na operacionalidade laboral;
2 – Moderado: Apresentação de alterações no sono, dificuldades para
concentrar-se, problemas relacionados a questões interpessoais, alteração no peso,
diminuição do apetite sexual, pessimismo. É comum ocorrência de automedicação.
3 – Grave: Nesse estágio a produtividade laboral diminui, marcadamente,
aumento do absenteísmo e da sensação de angústia acompanhada de baixo auto-estima.
É comum o abuso de álcool e/ou de psicofármacos.

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4 – Extremo: Frequentemente encontram-se quadros de isolamento,
sentimentos de perdas e tristeza. A sensação de fracasso acompanha a falta de sentido
do trabalho e da profissão. Nesse estágio existe certo risco de suicídio. ”

Legislação:

Benevides-Pereira (2009) relata que a Síndrome de Burnout “(...) em 1999


passou a figurar como doença do trabalho segundo o Anexo II pertencente ao Decreto
nº3048/99”. No mesmo texto, um pouco mais adiante, a mesma autora menciona a lei
11.430/2006, regulamentada pelo decreto 6042/07, como facilitadora da obtenção dos
direitos dos trabalhadores no que se refere a esta síndrome.

PSICOPATOLOGIA DO TRABALHO - PSICODINÂMICA DO


TRABALHO

Buscando garantir sua subsistência o sujeito vê-se submetido à condições de


trabalho muitas vezes ameaçadoras a seu psiquismo. Frente a elas haveria uma
bifurcação, para um lado o sujeito sucumbe, e para outro este mesmo sujeito busca
encontrar saídas frente à tais pressões que garantam sua permanência como força de
trabalho. No primeiro caminho vemos um rumo de adoecimento, no segundo vemos
uma tentativa de seguir pelo caminho da saúde.

21
Cabe aqui, porém, uma fundamental ressalva, estes caminhos não são
mutuamente excludentes, ou seja, ao seguir o rumo de um não estamos,
necessariamente, garantindo que não haja o atravessamento do outro. Saúde e doença
não são condições obrigatoriamente antagônicas. Pelo contrário, há toda uma dinâmica
entre estas condições, assim está bifurcação é apenas uma ilusão.
A psicanálise, desde a sua fundação por Sigmund Freud, traz esta concepção da
ausência de dicotomia entre saúde e patologia. Entre elas haveria uma diferença não de
natureza, mas de intensidade. Isto é, o que as distinguiria estaria no plano quantitativo e
não qualitativo. Nota-se assim que Freud introduz uma novidade no campo da saúde
mental, não há um abismo separando o normal – saudável, do patológico – doentio.
Estas condições não são mais separadas por um muro intransponível, onde haveria uma
permanência irreversível seja de um lado deste muro seja do outro.
Vê- se assim que Freud opera com uma noção de saúde mental que traz
subjacente a ela a ideia de movimento, da dinâmica entre as condições de normalidade e
patologia. Não há, portanto, garantias de que uma vez conquistada a saúde esta
permanecerá até o término da vida daquele sujeito. Pelo contrário, para que haja uma
condição mínima de saúde psíquica que permita ao sujeito possa manter sua vida, e
assim adiar a sua futura e inevitável morte, é preciso um esforço, o dispêndio de uma
energia psíquica, energia esta que Freud designará de libidinal.
Para que o trabalhador possa
se manter vivo, e capaz de utilizar sua
força de trabalho em prol de seu
sustento torna-se necessário
justamente o emprego desta energia
libidinal. É esta energia que precisa
também mobilizar para enfrentar o
sofrimento advindo das pressões do
trabalho, e não sucumbir a ele.
Cristophe Dejours, psicanalista francês, explora este campo participando
inicialmente da corrente de pesquisas composta em grande parte por autores franceses
da Psicopatologia do Trabalho e, posteriormente, funda a chamada Psicodinâmica do
Trabalho. A fundamentação teórica da primeira linha de pesquisa é heterogênea, já na
segunda a fundamentação teórica utilizada pelos autores é oriunda da Psicanálise.

22
As primeiras pesquisas da Psicopatologia do Trabalho

As primeiras pesquisas da Psicopatologia do Trabalho tiveram seu início na


década de cinquenta do século XX, tendo como objeto de estudo as perturbações
psíquicas ocasionadas pelo trabalho. Algumas destas perturbações estudadas foram
chamadas de “neurose das telefonistas” (operadoras de centrais telefônicas), “neurose
dos mecanógrafos”, psicopatologia das empregadas-para-todo-serviço e a dos
mecânicos de estradas de ferro. Assim, buscava-se descrever na Psicopatologia do
Trabalho as doenças mentais do trabalho.
Segundo Dejours (1996) estas pesquisas tinham como principal dificuldade a
dependência de modelos médicos clássicos, como por exemplo os conhecimentos
oriundos da patologia profissional e da medicina do trabalho. Embora este autor não
especifique que dificuldades eram estas podemos supor que deveriam girar em torno dos
entraves de conciliar o modelo médico clássico, cartesiano, com a complexidade
dinâmica do funcionamento da subjetividade, a qual seguiria um modelo anti-cartesiano.
Estas dificuldades aliadas às críticas de seus motivos permitiram a realização do
que Dejours (ibid) classificou como “reviravolta epistemológica”.
O interesse agora não se voltava mais às patologias do trabalho, mas
inversamente, ao enigma de como podem os trabalhadores não adoecer. Dito de outro
modo, as pesquisas voltam-se agora para outro objeto, o da manutenção da normalidade,
isto é, de um equilíbrio psíquico, apesar de todas as pressões vividas no trabalho.

Estratégias Defensivas Coletivas


A mudança no objeto das pesquisas conduziu seus autores a uma nova direção,
saindo do campo das “doenças mentais” e então voltando-se para as estratégias
utilizadas pelos trabalhadores para enfrentar as adversidades vividas no trabalho. Este
enfrentamento se dá sob a forma de estratégias defensivas e são tais estratégias que
permitirão ao trabalhador manter sua saúde psíquica mesmo, e apesar, da pressão acima
mencionada.
Estas estratégias são desenvolvidas inconscientemente pela coletividade de
trabalhadores, geralmente do mesmo setor, envolvidos com a mesma tarefa. Diante de
determinadas pressões organizacionais do trabalho intrínsecas à determinadas
atividades, o conjuntos de profissionais erigem defesas que os permite continuar a
desempenhar seu trabalho.
23
Estas estratégias, por serem inconscientes, são evidentemente involuntárias, isto
é, sem intenção consciente, podendo receber diferentes nomes, como por exemplo,
defesas coletivas ou ainda ideologias defensivas de profissão.
Uma destas estratégias, designada pelo autor de ideologia defensiva da
vergonha, é ocultar ou minimizar a dor e/ou o sofrimento. Estes devem permanecer
nesta condição oculta ou minimizada pois são encarados pelos demais funcionários ou
mesmo por parentes ou vizinhos como uma espécie de vagabundagem, Isto é,
confundido com preguiça, “corpo mole”. De acordo com esta equivocada compreensão
da coletividade, o sujeito sente-se culpabilizado e, logo, envergonhado de sua condição
enferma. Diante desta vergonha o sujeito protelará ao máximo um pedido de ajuda
diante seu problema, e somente o fará se tal doença tenha atingido um tal nível de
gravidade que o impeça de continuar exercer seu trabalho, Isto é, que o deixe em uma
condição de incapacitado. Portanto, o que se espera de cada trabalhador e ao mesmo
tempo de todos eles é que não adoeçam, e que se o fizer que protelem ao máximo a
interrupção da atividade laborativa.

Dejours (1988) propõe seis características da ideologia defensiva. A primeira


delas mencionada pelo autor diz respeito a seu objetivo funcional, qual seja, o de
distorcer, conter e ocultar uma angústia grave; a segunda característica diz respeito a
especificidade destas defesas no que diz respeito a um grupo social particular. Um
exemplo mencionado pelo autor de defesa atrelado a uma determinada categoria
profissional é o da ideologia defensiva da vergonha; a terceira característica indica que

24
estas ideologias defensivas incidem contra um perigo e risco reais, e não contra uma
angústia intrapsíquica, logo intra-subjetiva; a quarta característica aponta a necessidade
de que todos os envolvidos em determinada atividade estabeleçam tais defesas, ou seja,
elas devem ser coletivas, aqueles que não a aderem são excluídos; a quinta característica
é a de que as ideologias defensivas devem ser coerentes; a sexta aponta o grau elevado
da relevância de sua existência, devendo ser vital, fundamental, necessário, portanto,
obrigatória. O autor ainda acrescenta neste item o fato destas ideologias defensivas
coletivas substituírem as defesas individuais.

Medo e Ideologia defensiva coletiva

O tema do medo é também explorado por Dejours, sentimento este, segundo o


autor, presente em todas ocupações profissionais. O medo frequentemente não pode ser
admitido pelos funcionários e para impedí-lo de se manifestar é preciso erigir
mecanismos de defesas, sob pena de, no limite, haver a interrupção do trabalho, como
podemos ver abaixo o autor salientar:
“Apesar do risco de crítica, afirmamos que se o medo não fosse assim
neutralizado, se pudesse aparecer a qualquer momento durante o trabalho, neste caso os
trabalhadores não poderiam continuar suas tarefas por muito tempo mais.” (ibid:70)
Esta neutralização é justamente papel do mecanismo de defesa, ou mais
precisamente, a neutralização será o mecanismo defensivo utilizado para aplacar,
subtrair, de modo a fazer o medo desaparecer e junto com ele o sentimento de se sentir
vulnerável diante da ameaça de um risco potencial. É preciso que este mecanismo exista
num nível individual e coletivo, para que impeça a “contaminação”, isto é, que o medo
de um indivíduo acabe influenciando outro(s) indivíduo(s) que passam a tê-lo também.
Esta participação de todos nesta estratégia defensiva coletiva do medo, numa espécie de
pacto de silêncio resulta, segundo o autor, de sua eficácia simbólica.
Uma das formas estratégicas de se defender do medo é não só buscar ignorá-lo
como enfrentá-lo, procurando dar provas de sua suposta inexistência através de atos de
bravura e de sacrifício.
O uso inconsciente, isto é, não racional, portanto, não voluntário, do recurso das
estratégias defensivas permite aos trabalhadores não sucumbirem diante das contínuas
pressões no trabalho. Vê-se deste modo que os funcionários de uma organização
conseguem por estes mecanismos defensivos manter a saúde mental sem maiores
25
prejuízos, ou seja, dentro de uma “normalidade” funcional.
Esta manutenção da “normalidade” a despeito de todas pressões das mais
diversas ordens que os funcionários são submetidos, especialmente no mundo
contemporâneo como vimos na introdução do presente estudo, levou justamente a este
novo desenvolvimento da Psicopatologia do Trabalho. Esta nova abordagem realiza
uma reviravolta nos estudos que até então vinham sendo empreendidos. A partir dos
estudos que constatam a existência destes mecanismos de defesa, desloca-se a ênfase da
patologia relacionada ao trabalho para a manutenção da “normalidade”, abrindo assim
um campo para a futura fundação da abordagem da Psicodinâmica do Trabalho,
introduzida por Christophe Dejours.
O equilíbrio psíquico dos trabalhadores no trabalho não é, portanto, algo natural,
mas sim construído inconscientemente e por um coletivo, isto é, entre pares. Este
equilíbrio é dinâmico, tendo que ser reconquistado a cada dia, num embate contra uma
organização do trabalho que muitas vezes é francamente hostil e inflexível com seus
funcionários.

A Exploração do Sofrimento
As estratégias defensivas, e diríamos sobretudo a estudada logo acima, é
explorada pelos gestores de modo a tirar delas um proveito. Este proveito diz respeito à
elevação da produção. Explicando melhor: os gestores tem conhecimento da existência
destas estratégias defensivas coletivas que vimos examinando e buscam se beneficiar
delas, pois tem como resultado uma submissão dócil ao trabalho, ou mais exatamente,
às condições e organizações (respectivamente, condições do ar, temperatura, ruídos etc
organogramas, fluxogramas etc).

Dejours (ibid:102-103) cita o exemplo da exploração do sofrimento do trabalho

26
das telefonistas, em que a tensão nervosa das mesmas resulta em aumento da
produtividade. O acúmulo de tensões, frustrações e provocações diante do interlocutor
resulta em agressividade, que, porém, precisa ser contida, pois caso contrário corre o
risco de ser demitida. Esta pressão, embora precise ser contida, acaba escapando de
algum modo. Este modo muitas vezes pode assumir a forma de auto-agressão, já que ela
não pode agredir o cliente-interlocutor. Assim, para dar um certo escoamento a esta
agressividade a telefonista acaba por acelerar o tempo de comunicação com o
interlocutor, trabalhando assim mais depressa, de modo a aumentar, involuntariamente,
a produtividade, ao custo do sofrimento psíquico.
Analisando este exemplo das telefonistas Dejours (ibid:103) propõe uma
inversão na concepção tradicional da relação trabalho—sofrimento psíquico, vejamos:
“Mostra-se então, nesse trabalho de informações telefônicas, que o sofrimento
psíquico, longe de ser um epifenômeno, é o próprio instrumento para obtenção do
trabalho.

O TRABALHO NÃO CAUSA O SOFRIMENTO, É O SOFRIMENTO


QUE PRODUZ O TRABALHO

A frase acima destacada tem um forte impacto pois põe em cheque uma relação
clássica, de um certo determinismo, onde o trabalho provocaria necessariamente, em
alguma medida, o sofrimento psíquico. Acreditamos ser necessário uma certa cautela na
análise desta afirmação de Dejours. Parece nos que a intenção do autor com esta frase,
digamos, “de efeito”, é mais sublinhar o quanto a exploração do sofrimento do
trabalhador pelo gestor pode resultar no aumento da produtividade, do que negar
categoricamente que o trabalho cause sofrimento.
Seguindo o mesmo texto, um pouco mais adiante, o autor dá maior precisão a
esta frase analisada especificando que “O que é explorado pela organização do trabalho
não é o sofrimento, em si mesmo, mas principalmente os mecanismos de defesa
utilizados contra esse sofrimento.” (ibid:104. Grifo do autor). Vemos assim que os
mecanismos de defesa que permitem o funcionário manter sua produção, e que existem
para afastar certos riscos, eles próprios são explorados — sem que o funcionário tenha
esta percepção — resultando num aumento ainda maior da produtividade.
Diante do medo de um determinado risco o trabalhador precisa desenvolver um
mecanismo de defesa que o permita protegê-lo. A gestão da empresa tendo ciência do

27
medo de seus funcionários diante deste risco e da necessidade dos mesmos de se
protegerem os mantém num estado de alerta permanente. Assim estes funcionários
ficarão atentos a quaisquer situações ameaçadoras que fujam à normalidade do
funcionamento de sua atividade e, assim, tomarão maiores precauções diante de
anomalias na produção. Disto resulta um benefício para a empresa, pois o funcionário
torna-se mais eficiente, logo sua produção (aqui englobando a atividade de serviços do
chamado “terceiro setor”) também.

Condições de Trabalho, Organização do Trabalho e Gestão de Pessoas


É preciso fazer aqui uma especificação com relação a uma maior precisão no que
diz respeito a que aspecto do trabalho que poderia desencadear uma determinada reação
no campo do psiquismo. Dejours em suas pesquisas afirma que o fator conhecido como
organização do trabalho é que seria responsável por este atravessamento trabalho-saúde
mental no que diz respeito ao abalo da saúde psíquica, em contraposição ao fator
condições de trabalho. Vejamos:
“Foi possível mostrar que as pressões do trabalho que põem particularmente em
causa o equilíbrio psíquico e a saúde mental derivam da organização do trabalho. Ao
contrário, os constrangimentos perigosos para a saúde somática dos trabalhadores
situam-se nas condições de trabalho, isto é, nas condições físicas (barulho, temperatura,
vibrações, irradiaçõe ionizantes etc), químicas (poeira, vapores etc) e biológicas (vírus,
bactérias, fungos), que têm o corpo como alvo principal. Por organização do trabalho é
preciso entender, de uma parte, a divisão das tarefas (chegando à definição do modo
operatório) que atinge diretamente a questão do interesse e do tédio no trabalho; de
outra parte, a divisão dos homens (hierarquia, comando, submissão) que atinge
diretamente as relações que os trabalhadores estabelecem entre si no próprio local de
trabalho.” (ibid:153. Grifos do autor, negritos meus.)
Podemos ver que Dejours propõe que reservemos a expressão “condições de
trabalho” para a esfera daquilo que atinge o corpo, ao passo que a expressão
“organização do trabalho” diz respeito ao que atinge o psiquismo. Nota-se deste modo
que quando falamos em saúde mental e trabalho, sendo este inclusive o presente título
de nosso Trabalho de Conclusão de Curso, estamos nos referindo mais propriamente às
relações da saúde mental e organização do trabalho.
Conhecer esta distinção “condições de trabalho” e “organização do trabalho” é
fundamental para o campo da Gestão de Pessoas. Esta importância se deve às
28
expectativas de resultados a partir da elaboração de um Planejamento Estratégico da
Empresa. Sendo mais claro: não se pode esperar que haja um incremento, por exemplo,
da motivação dos funcionários de uma empresa se, no referido Planejamento, buscar-se
apenas melhorias nos aspectos das condições de trabalho da instituição. Neste caso as
ações voltadas para conseguir-se a motivação dos funcionários deveriam incidir no
aspecto da organização do trabalho.
Evidentemente que um âmbito não anula o outro, ou seja, ações voltadas para
organização do trabalho não exclui que também possam ser feitas ações nas condições
de trabalho e vice-versa. Porém é necessário que o Gestor de Pessoas ao elaborar o
Planejamento Estratégico conheça com precisão esta distinção para que a
implementação deste Planejamento, ou seja, as ações, possam ser eficazes.
Cabe aqui uma observação, muitas vezes uma mudança não ocorre
isoladamente, ou seja, pode haver um efeito sistêmico. Assim, mira-se em um
determinado aspecto e este ressoa nos demais, mesmo que estes não estejam
estreitamente vinculados. Assim, é possível que condições de trabalho e organização do
trabalho, embora âmbitos distintos, possam ser campos complementares. Assim, ações
estratégicas voltadas para um podem provocar efeitos indiretos no outro.
Contudo, estes efeitos não são garantias, apenas possibilidades, portanto, ao
traçar o Planejamento Estratégico nos parece importante não perder de vista a referida
distinção.
A busca por melhorias no campo da saúde mental dos funcionários, o qual
poderia começar por frear a exploração do sofrimento psíquico dos trabalhadores —
procedimento examinado anteriormente — deveria incidir assim na organização do
trabalho. Assim, promover melhorias apenas nas condições de trabalho pode não
resultar o objetivo almejado, ou se o fizer pode ser apenas um efeito passageiro,
efêmero, não indo, assim, no cerne da questão.
Oferecer incrementos apenas nas condições de trabalho e esperar que possam
automaticamente gerar melhorias na esfera da saúde mental é o risco dos programas
conhecidos como Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Estes deveriam contemplar,
para tal objetivo, prioritariamente ações voltadas para a organização do trabalho.
Ocorre, contudo, que muitas vezes é mais fácil e mais rápido formular no
Planejamento Estratégico ações voltadas para melhorias nas condições de trabalho do
que ações voltadas para a organização do trabalho. Vê-se, assim, que é mais cômodo e
conveniente uma empresa oferecer programas de QVT na empresa do que, de fato,

29
buscar mudanças significativas na organização do trabalho.
Propor mudanças na organização do trabalho resulta, no limite, em colocar o
“poder” em jogo. Pôr o poder em jogo pode resultar num conflito de forças, em que se
de um lado uns podem tê-lo fortalecido, outros podem tê-lo enfraquecido. Neste sentido
é a hierarquia da instituição que é diretamente afetada e com ela toda uma engrenagem
institucional.

Sofrimento Criativo e Sofrimento Patogênico


A utilização pelos funcionários das estratégias defensivas descritas
anteriormente os permite controlar o sofrimento psíquico, impedindo que este se
transforme em patologia. Assim, não há neuroses de trabalho ou psicoses do trabalho,
estas patologias, segundo Dejours, são compensadas justamente por estas estratégias
defensivas.
A inexistência de neuroses ou psicoses do trabalho indica que a atividade
laborativa, por si só, não provoca adoecimento psíquico. A impossibilidade destes
quadros psicopatológicos serem desencadeados exclusivamente pelo trabalho não
impede, porém, que o sofrimento exista e seja desencadeado pelo trabalho. Portanto, na
esfera psíquica, o trabalho, ou mais especificamente, a organização do trabalho, pode
fazer sofrer, mas não adoecer.
O sofrimento psíquico, contudo, ao contrário da doença somática/orgânica, é
desqualificado ou mesmo não reconhecido pelo funcionário. Nesta perspectiva o
sofrimento não sendo doença não deve ter o mesmo status desta última, pelo contrário,
este — o sofrimento — deve ser ocultado dos demais funcionários. Assim, enquanto a
doença é admissível pelo conjunto dos funcionários o mesmo não deve ocorrer com o
sofrimento, o qual deve ser proibido, junto com a fadiga — a qual, por sua vez pode
estar relacionada com o sofrimento — de se manifestar no ambiente de trabalho.
O trabalho pode sim desencadear uma descompensação neurótica ou psicótica,
porém, é fundamental a ressalva que esta ocorrência se dá em função da estrutura
psíquica do sujeito, a qual é formada anteriormente a entrada no trabalho. É justamente
a presença de uma destas estrutura que tornará o sujeito ou mais ou menos vulnerável às
referidas descompensações no trabalho. Neste sentido, tendo o sujeito tendo uma
estrutura neurótica caso descompense em função do trabalho sua descompensação será
neurótica, mutadis mutandi para o caso do sujeito com estrutura psicótica.
Nota-se assim que ao abordar a temática do sofrimento no trabalho imputar a
30
este fato, isto é, o trabalho a causa de uma neurose ou psicose é um equívoco
Se, como vimos o trabalho pode desencadear, e não produzir, estes quadros
psicopatológicos o mesmo pode promover uma saída criativa. Quanto a essa possível
saída vejamos o que Dejours propõe como duas possíveis vicissitudes que o trabalhador
pode tomar frente a seu sofrimento no trabalho:
“Às vezes, em sua luta contra o sofrimento, o sujeito chega a elaborar soluções
originais que (...) são em geral favoráveis simultaneamente à produção e à saúde:
caracterizaremos então esse sofrimento denominando-o sofrimento criativo. Ao
contrário, nessa luta contra o sofrimento, o sujeito pode chegar a soluções desfavoráveis
à produção e desfavoráveis também à sua saúde. O sofrimento será então qualificado
como sofrimento patogênico.” (Dejours, 1996:150. Grifos do autor)
Vemos aqui que o autor afirma haver a possibilidade do trabalhador ao ter que
lidar com o sofrimento no trabalho conquistar uma habilidade para conciliar a
necessidade de ter que produzir com sua saúde. Vê-se, deste modo, portanto, não haver
um antagonismo necessário entre as vertentes saúde e trabalho.
Embora tal antagonismo não exista, é necessário destacarmos que sempre haverá
o sofrimento, pois este é condição humana, logo inescapável. O que pode haver é
sofrimento sem adoecimento, que caracterizaria o que Dejours designou pensando a
relação do sujeito com o trabalho de “sofrimento criativo”, em oposição ao sofrimento
com adoecimento, “sofrimento patogênico”.
Pretender exterminar o sofrimento no trabalho é, assim, uma tarefa impossível,
e, no limite, indigna já que seria extrair do trabalhador sua condição humana.
Como ficaria então uma organização diante do sofrimento inescapável de seus
trabalhadores — a propósito cabe aqui destacar que o sofrimento, evidentemente, não
atinge apenas os trabalhadores mas também aos gestores — que papel os gestores
poderiam ter?
Parece-nos que um caminho poderia ser o de se buscar por meio da elaboração
de um Planejamento Estratégico ampliado da organização inserir na organização do
trabalho condições que por um lado promovessem um destino do sofrimento em direção
à criatividade — sofrimento criativo —, e que por outro buscasse excluir as condições
de possibilidade do sofrimento patogênico.
Este caminho poderia iniciar-se pela reformulação da organização do trabalho,
onde se buscaria fundamentalmente implantar um modelo que privilegia a ética nas
organizações.

31
Assédio moral individual

Consoante ensina Hirigoyen (2002, p. 65), o assédio moral pode ser


compreendido
[...] como toda e qualquer conduta
abusiva manifestando-se sobretudo (sic)
por comportamento, palavras, atos, gestos,
escritos que possam trazer dano à
personalidade, à dignidade ou à
integridade física ou psíquica de uma
pessoa, por em perigo seu emprego ou
degradar o ambiente de trabalho.
O assédio moral afronta diversos
princípios constitucionais, a saber: a)
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88); b) valorização social do trabalho (art.
1º, IV, CF/88); c) objetivo fundamental da promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3º, IV, CF/88);
d) direito de ninguém ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante (art. 5º, III, CF/88); e) direito à inviolabilidade da intimidade, da vida
privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5º, X, CF/88). (GARCIA, 2011, p. 95).
Assinala Minardi (2010, p. 165) que, nas relações trabalhistas, em especial no
meio ambiente de trabalho, é evidente a necessidade da estrita observância dos deveres
anexos, como a obrigação de o empregador adotar medidas de segurança e medicina do
trabalho, de modo que o meio ambiente de trabalho se torne sadio e agradável.
Entretanto, o assédio moral já se tornou um fenômeno comum nos dias atuais e decorre
da violação do dever de cuidado, proteção e lealdade com o empregado, tendo-se em
vista que, de tal descumprimento, podem-se ocasionar doenças ocupacionais como a
Síndrome de Burnout.
Logo, “a pressão psicológica, o assédio moral, o mobbing são formas de
violência psíquica cada vez mais presentes nas relações de emprego, tornando o meio
ambiente de trabalho nocivo à saúde mental do trabalhador”. (SIMM, 2008, p. 10).

32
Assédio sexual
O assédio sexual pode ser definido como a conduta reiterada de caráter lascivo
que tenha como objetivo cercear, direta ou indiretamente, a liberdade sexual da pessoa
que está sendo constrangida. Tal cerceamento pode ocorrer tanto a partir de um superior
hierárquico quanto entre trabalhadores do mesmo nível hierárquico.

O assédio sexual compreende, assim, uma violência psíquica praticada na


relação de trabalho que denigre a personalidade e a dignidade da pessoa humana,
atingindo “em cheio” os direitos fundamentais do trabalhador e vários direitos da
personalidade da vítima, como à liberdade sexual, à intimidade e à privacidade, à honra
e à integridade psíquica da vítima. (ALKIMIN, 2009, p. 86).
Destarte, o assédio sexual viola a preservação da dignidade da pessoa humana
nas relações de trabalho e, por conseguinte, os direitos da personalidade do empregado,
por gerar danos à integridade física e psíquica do empregado.

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Referências

ALKIMIN, Maria Aparecida. Violência na relação de trabalho e a proteção à


personalidade do trabalhador. Curitiba: Juruá, 2009.
DEJOURS, Christophe. Psicodinâmica do Trabalho. São Paulo,
Atlas,1994.
FIORELLI, José Osmir; MALHADAS JUNIOR, Marcos Julio Olivé Malhadas.
Psicologia nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2003.
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medicina do trabalho. São Paulo: Método, 2011.
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mental. Curitiba: Juruá, 2012.
HIRIGOYEN, Marie-Frande. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio
moral. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002.
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desgaste? São Paulo: Papiros, 1999.
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mental. Curitiba: Juruá, 2010.
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SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 2 ed. São Paulo:
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SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. A saúde do trabalhador como um
direito humano. São Paulo: LTr, 2008.
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TOLEDO, Tallita Massucci. A saúde mental do empregado como direito
fundamental e sua eficácia na relação empregatícia. São Paulo: LTr, 2011.

BENEVIDES-PEREIRA,Ana Maria T. (2009) O que é a síndrome do Burnout?


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(consultado em 16 de junho de 2009)
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