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TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Copyright© Luciane Rangel

A violação de Direitos Autorais é crime, previsto na lei 9610/98 e

conforme estabelecido no Art. 184 do Código Penal Brasileiro. É


proibida a reprodução total ou parcial dessa obra, por qualquer meio,
sem a prévia autorização da autora.

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita referência a
eventos históricos reais ou locais existentes, os nomes, personagens,

lugares e incidentes são o produto da imaginação da autora ou são


usados de forma fictícia, e qualquer semelhança com pessoas reais,

vivas ou mortas, estabelecimentos comerciais, eventos, ou localidades


é mera coincidência.
CAPA: LA DESIGNER

REVISÃO: SONIA CARVALHO

LEITURA-BETA: GIOVANNA DALFORNE

DIAGRAMAÇÃO: LUCIANE RANGEL

ILUSTRAÇÃO: MERYARTT

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Sumário
Sinopse
Playlist
Aviso
Prólogo
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo catorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Capítulo trinta e seis
Capítulo trinta e sete
Capítulo trinta e oito
Capítulo trinta e nove
Capítulo quarenta
Capítulo quarenta e um
Capítulo quarenta e dois
Capítulo quarenta e três
Capítulo quarenta e quatro
Epílogo 1
Epílogo 2
Conheça outros livros da autora
Contatos da autora
Sinopse

AGE GAP

CHEFE E FUNCIONÁRIA

GRAVIDEZ INESPERADA

CONVIVÊNCIA FORÇADA

ELE SE APAIXONA ANTES!

Sebastian Turner acreditava ter tudo sob controle, até que viu
sua vida perfeita desmoronar quando perdeu sua esposa para uma

dolorosa doença. Para superar a dor, ele se apoia no trabalho – o

comando da empresa de sua família.

Layla Francis tinha um passado complicado e acabou


entrando na vida de Sebastian de maneira inesperada. Apesar de ser

estagiária na empresa dele, os dois mal se conheciam. Até que um


encontro casual, não planejado por nenhum dos dois, os uniu,

resultando em uma única e inesquecível noite de prazer.

Tudo muda drasticamente após um acidente que deixa Layla


gravemente ferida e em coma em um hospital, e para surpresa de

todos, ela está grávida. Ao acordar dois meses depois, ela recebe a

notícia de que não apenas concebeu uma criança naquela fatídica


noite, mas também descobre que seu chefe Sebastian Turner

permaneceu incansavelmente a seu lado, cuidando dela.

Agora, em uma convivência forçada devido ao bebê que estão


prestes a trazer ao mundo, Sebastian e Layla enfrentam um desafio

inesperado. Eles precisam aprender a lidar com essa nova realidade,

enquanto redescobrem o significado de suas próprias vidas e, quem

sabe... o amor.
Playlist

Ouça no Spotify:

https://open.spotify.com/playlist/4Lqp7PDe4olCdvPRSV12FJ?

si=72b7e68848c045ca

Way Back Into Love – Hugh Grant

Learning To Fly – Christina Aguilera

Another Love – Tom Odell

Shape Of My Heart – Backstreet Boys

Flame – Tinashe

You Will Be Loved – Nicole Scherzinger

Maybe It's Time – Bradley Cooper

Easy on me – No Resolve
Second Guess – You+Me

Run – Snow Patrol

Dear No One – Tori Kelly

Why Don't You Love Me (feat. Demi Lovato) – Hot Chelle Rae

Everything Has Changed – Taylor Swift e Ed Sheeran

You're My Best Friend – Queen

Love Like This – Ben Rector

Arms – Christina Perri

Nonsense – Sabrina Carpenter

Shallow – Lady Gaga e Bradley Cooper

You Haven't Seen The Last Of Me – Cher

The Voice Within – Christina Aguilera

Every Little Thing She Does Is Magic – Sleeping At Last


Decode – Paramore

All About Us – He Is We

Battlefield – Jordin Sparks

Piece By Piece – Kelly Clarkson

Me And My Broken Heart – Rixton

Me Without You – Ashley Tisdale

Don't Stop Me Now – Queen

Precious Love – James Morrison

Crazier – Taylor Swift

Touch My Body – Mariah Carey

Glad You Came – The Wanted

Like A Star – Corinne Bailey Rae

Runaway – P!nk
What Makes You Beautiful – One Direction

Unsteady (Erich Lee Gravity Remix) – X Ambassadors

Ghost Of You – 5 Seconds Of Summer

The Heart Wants What It Wants – Selena Gomez

Tell Me Where It Hurts – M.Y.M.P.

Say You Love Me – Jessie Ware

I'm Scared – Duffy

Whatever It Takes – Lifehouse

You Make It Real – James Morrison

1+1 – Beyoncé

Innocence – Avril Lavigne

Yellow – Coldplay
Ouça no Spotify:

https://open.spotify.com/playlist/4Lqp7PDe4olCdvPRSV12FJ?
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Aviso

Este é o terceiro livro da série AMORES INUSITADOS.

Os livros são independentes, cada um contando a história de


um casal, todos com início, meio e fim. Contudo, caso você prefira lê-
los na ordem, o primeiro livro ACORDEI NOIVA DO MEU CHEFE

CANALHA, conta a história do casal Michael e Camila. E o segundo


livro, ACORDEI MÃE DAS GÊMEAS DO MÉDICO RECLUSO,
conta a história de Logan e Evelyn. Você encontra os livros na

Amazon, por este link:


https://www.amazon.com.br/gp/product/B0C6N2HBWL

Espero que se apaixonem pela leitura!

Com amor,

Luciane Rangel
Prólogo

"Tenho observado, mas as estrelas se recusam a brilhar

Tenho procurado, mas eu não vejo os sinais

Eu sei que está em algum lugar

Tem que haver algo para minha alma em algum lugar"

(Way Back Into Love – Hugh Grant)

Los Angeles – Estados Unidos


31 de dezembro

Eu não via motivo algum para comemorações.

Aquela coisa de Ano Novo era completamente sem sentido

para mim. Já tinha sido no ano anterior, quando eu passei a virada do


ano em um hospital, onde minha esposa na época estava internada em

estado grave. Ela veio a falecer apenas alguns dias depois.

Aquele tinha sido o pior ano da minha vida. A ideia de uma

existência sem Bonnie ao meu lado era algo completamente

inconcebível. Eu vinha apenas sobrevivendo desde então.

Minha família – minha mãe, meus irmãos, cunhadas e

sobrinhos – vinham sendo todo o meu suporte e apoio, e seria absurdo

da minha parte pedir para que, ao final daquele ano tão difícil, eles

desistissem da ideia de realizarem uma grande festa de Réveillon.

Eu apenas não queria ter que estar ali.

A festa ocorria na mansão da minha mãe, e toda a família

estava reunida, além de alguns amigos.


Para mim, no entanto, faltava alguém. E doía pensar que
sempre faltaria Bonnie.

Minhas sobrinhas corriam por todo o quintal gramado, os sons

de seus gritos de alegria se misturando à música de fundo e ao

burburinho das vozes em pequenos círculos de conversa. Um bar havia


sido montado e fui até lá, sentando-me sozinho em um banco diante do

balcão.

Foi então que ouvi uma voz feminina falando ao telefone:

— Eu sei que é difícil, Sylvie. Mas tente se divertir. Você

precisa superar a perda e seguir a vida.

Superar a perda...

Seguir a vida...

Por mais que as palavras não fossem endereçadas a mim, eu

cheguei a bufar, irritado pelo tanto que eu já as tinha ouvido. Tive

vontade até mesmo de me meter na conversa para dizer àquela mulher


que não era assim que as coisas aconteciam. Se ela estava falando com

alguém de luto, era cruel exigir coisas desse tipo.


Porém, ela complementou, mostrando-me que, na verdade, ela

entendia muito bem:

— Nós precisamos seguir as nossas vidas, Sylvie. Por mais

duro que seja, a gente apenas... Não tem opção, sabe? ...Eu sei, Syl...
Eu sei... Ainda dói muito em mim também.

A voz dela adquiriu um tom de choro e nesse momento eu não

resisti em virar meu rosto em sua direção e enfim ver de quem se


tratava.

Eu a conhecia de vista. Era amiga das minhas cunhadas e, até


onde eu sabia, trabalhava na Turner Architecture – escritório de

arquitetura da minha família, no qual eu era o CEO. Era uma mulher


jovem – algo em torno de vinte anos – e também muito bonita.
Cabelos cacheados – que naquele momento estavam presos em um

rabo de cavalo alto – pele negra e olhos em um tom de castanho


esverdeado que, naquele momento, não exibiam nada além de pura

tristeza.

Eu tinha ouvido algo a respeito dela. Por coincidência, a mãe

dela esteve internada no mesmo hospital em que Bonnie ficou e, por


isso, eu às vezes a via por lá. Nunca nos falamos. Nunca existiu clima
para isso. Naquela época, eu adoraria ter a opção de não falar com

absolutamente ninguém.

Ela desligou o telefone e se debruçou sobre o balcão. Eu a vi


suspirar de forma pesarosa, antes de passar as mãos pelo rosto,
secando as lágrimas.

Eu não me lembrava se tinha ouvido alguma notícia a respeito

da mãe dela – e nem teria motivos para alguém me comunicar algo


sobre isso, já que eu apenas a conhecia de vista. Mas a cena, junto com
a parte que ouvi da conversa, me dava uma indicação clara de que

provavelmente a mãe dela também havia falecido.

Existe algo nos olhos de quem passou por alguma perda


recente. Um misto de vazio e melancolia que talvez passe

despercebido à maioria das pessoas.

Menos àqueles que também passam pelo mesmo.

Ela se desencostou do balcão e se virou para sair dali. Neste


momento, seus olhos cruzaram com os meus e fui flagrado enquanto a

observava. Ela balançou levemente a cabeça em um cumprimento, e eu


fiz um gesto igual. Então, ela se afastou, indo conversar com Camila –
minha cunhada.

Pedi um drinque, mas não cheguei a tomar nem mesmo a


metade. Fiquei mexendo a bebida no copo, até que mais alguém se

aproximou de mim.

— E então, querido, o que achou da decoração da festa deste

ano?

Olhei para o lado, encontrando minha mãe. Como sempre, ela

exibia um sorriso radiante no rosto.

— Extravagante — foi o que eu respondi.

— Ah, muito obrigada!

A minha resposta provavelmente não seria um elogio para a

maioria das pessoas. Mas, para a minha mãe, era sinônimo de


perfeição.

— Estou feliz por você ter vindo, filho — ela disse, agora com
uma voz já menos empolgada, com um leve tom de tristeza. — Sei

como deve ser difícil. Sinto a falta dela também.


— Mãe, se não se importa, eu prefiro não falar a respeito disso.

— Eu entendo, querido. Quando o seu pai morreu, eu...

— Não, mãe — desta vez falei um pouco mais alto,

extremamente irritado com o início daquele discurso. — Não ouse


comparar o meu pai com a Bonnie. Meu pai era um péssimo homem.
Tinha inúmeros casos extraconjugais, te fez abrir mão da sua carreira

de atriz, era controlador com você, além de um pai extremamente

ausente. Ele não tem absolutamente nada a ver com a Bonnie.

O olhar dela se entristeceu ainda mais e, no mesmo instante, eu

me arrependi daquela minha explosão e das minhas palavras.

Eu estava certo nas opiniões a respeito do meu pai. Ele era

realmente um péssimo ser humano, enquanto Bonnie era uma das

melhores pessoas que já conheci na vida. Ainda assim, eu estava sendo


cruel, porque, apesar de tudo, minha mãe tinha amado aquele homem,

com todos os seus defeitos. E tinha também sofrido demais com a

morte dele.

— Desculpe, mãe... — pedi, arrependido.


Ela balançou a cabeça, como quem diz que não era nada

demais.

— Você tem razão. Seu pai me fez muito mal.

— Mas você o amava.

— Ele me tirou muitas coisas. Mas me deu três filhos

maravilhosos, no fim das contas. E ao menos hoje eu me sinto uma

mulher de sorte por ter o Leon.

Leon era o atual namorado dela. E ela teve vários desde que

ficou viúva, nunca se prendendo muito tempo a um só. Depois de ter

passado por uma verdadeira prisão nos anos de casamento com o meu

pai, ela agora enfim se sentia livre, e eu sabia que era muito mais feliz
assim.

— Na verdade, acho que é o Leon que tem sorte em estar com

você, mãe — declarei, arrancando um sorriso dela.

Neste momento, algo pequeno se chocou contra as minhas

pernas. Olhei para baixo, avistando Alice, minha sobrinha de quase


três anos, filha do meu irmão mais novo. Ela levantou seu rostinho

para me olhar, sorrindo.


— Ío Shebáian! — falou.

Eu sorri de volta, ao mesmo tempo que senti meu peito

transbordar em tristeza. Bonnie era louca por Alice. Sempre que a

encontrava, nós dois fatalmente acabávamos conversando sobre os


filhos que algum dia teríamos. Nossos planos eram começarmos a

tentar logo que ela finalizasse todas as etapas do tratamento médico

para a sua doença cardíaca.

Faltava tão pouco para isso...

— Alice, vem! — ouvi mais uma voz infantil, desta vez de


Anna, minha outra sobrinha, chamando pela prima para voltar a se

juntar a elas em alguma brincadeira.

Alice sorriu novamente para mim antes de sair correndo,

voltando para perto das primas.

— Acho melhor eu ir embora — comuniquei à minha mãe.

— O quê? Não, filho... Ainda nem deu meia-noite. Fique pelo

menos até a virada do ano, falta menos de meia hora.

— Eu não estou em clima para isso, mãe. Desculpe.


Ela continuou a protestar, mas eu apenas dei um beijo em seu

rosto e me afastei, seguindo para a saída, tentando fazer isso da forma


mais discreta possível para não chamar a atenção dos meus irmãos, já

que não queria estragar a noite de ninguém.

Caminhei pela rua até o local onde deixara meu carro

estacionado e ouvi o som um pouco distante de um trovão. Ao menos,


já era quase meia-noite e a chuva provavelmente não cairia a tempo de

estragar a virada do ano dos que comemoravam na festa. Ainda que

caísse, havia uma área coberta no quintal já preparada para o caso de


mudanças de tempo.

Agradeci e dei dinheiro a um dos manobristas que minha mãe

tinha contratado para cuidar dos veículos dos convidados. Entrei em

meu carro e dei a partida, saindo da vaga onde tinha estacionado. Ao


passar novamente pela frente da casa da minha mãe, no entanto, parei

por alguns instantes, quando avistei uma pessoa ali parada.

A mesma mulher que eu tinha visto minutos antes, no bar da

festa.

E a cena era... um tanto...


Peculiar.

Encostada ao muro, ela apoiava um caderno na mão direita,

usando a esquerda para escrever algo. Ao mesmo tempo, empilhava o

celular sobre o caderno, e olhava a cada três ou quatro segundos para a


tela, de forma meio aflita.

Eu não estava muito animado para conversas, mas a aflição

dela com o celular me alertou que ela poderia estar tendo algum

problema.

Por isso, voltei a avançar com o veículo, devagar, e o parei


diante dela, abrindo a janela. Quando ela me olhou, perguntei:

— Está tudo bem?

Ela piscou algumas vezes e tive a impressão de que ela ficou

em dúvidas sobre eu estar falando com ela. Chegou, até mesmo, a

olhar para os lados, como se para confirmar que não havia mais
nenhuma outra pessoa ali.

— Ah... Está... É só que... — Ela virou a tela do celular em

minha direção. — Aparentemente não tem nenhum carro de aplicativo

disponível.
— Às onze e quarenta e cinco da noite do último dia do ano?

Será complicado conseguir algum.

— É... eu sei. A Cami disse que me levaria em casa, mas... eu


meio que não pretendo ficar até o final da festa.

Movimentei a cabeça em concordância, já compreendendo os

motivos de ela querer ir embora. Era notório que, assim como eu, ela

não estava no melhor clima para festas.

— Entra aí, eu te dou uma carona — ofereci.

— Ah... Não, imagina. eu moro meio longe.

— Não tem problema. Não estou com muita pressa de chegar

em casa.

Desta vez, foi ela quem moveu a cabeça em uma afirmação,

mostrando que também compreendia aquilo bem.

Vencida, ela entrou no carro. Coloquei o endereço dela no

GPS. Era realmente um pouco longe, algo que levaria em torno de

quarenta minutos, o que significava que provavelmente viraríamos o


ano juntos naquele carro. Ela não parecia se importar com isso e,
bem... eu também não.

Assim como também não me importava com o silêncio que se

instalou dentro do veículo. Foi assim por uns quinze minutos, até que

os sons dos fogos coloridos que começaram a estourar nos céus


chegaram aos nossos ouvidos.

Era isso... Um novo ano começava, enquanto eu estava dentro

de um carro, acompanhado por uma mulher que era pouco menos do

que uma desconhecida para mim.

Um novo ano... Do qual eu não esperava absolutamente nada.

Eu mal podia imaginar... eu não fazia a mais vaga ideia do

tanto que eu estava enganado.

*****
Capítulo um

"Às vezes você se sente sozinho

É quando você aprende a encontrar sua força

Toda história precisa de um herói

Todo herói precisa de um amigo

Mas às vezes até mesmo os heróis têm que esperar"

(Learning To Fly – Christina Aguilera)

1 de janeiro
Qualquer um perceberia o quanto aquele momento era

absolutamente deprimente. O trânsito seguia lento, mas, nos outros


veículos à frente, as pessoas buzinavam, e muitos gritavam votos de

feliz Ano Novo, embora, muito provavelmente, tivesse por ali muita

gente frustrada por não ter conseguido chegar a tempo em algum local
onde pretendesse passar o Réveillon.

Enquanto isso, dentro do meu carro, eu mantinha meu olhar

fixo à frente, de vez em quando olhando rapidamente para a mulher

sentada ao meu lado, com uma bolsa e um caderno sobre as pernas, e o


olhar vago a passear pelo fogos que ainda estouravam no céu.

Talvez fosse educado desejar um feliz ano novo a ela. E talvez

ela pensasse o mesmo. Mas, de alguma forma, eu sabia que ela se


sentia um pouco como eu: com o coração transbordando em agonia e

tristeza ao se lembrar da pessoa especial que não estaria em nossas

vidas no ano que começava.

Então, nenhum de nós fingiu otimismo e felicidade naquele


momento. Era mais fácil seguir fingindo que ele não acontecia.
— O meu nome é Layla Francis, aliás... — ela falou, quando
enfim os fogos começaram a diminuir.

— Sebastian Turner — respondi.

— É, eu sei. O senhor meio que é meu chefe. Eu trabalho na

Turner Architecture.

— É... Dessa informação eu já sabia. — Embora, precisava

confessar, não me recordava do nome dela.

— É verdade que o escritório vai assinar o projeto de um novo

Shopping em Los Angeles?

— Ainda estamos em negociações, mas é quase certo. A


Camila deve ser a responsável pela equipe do projeto.

— Ah... Legal...

Mais uns dois minutos de silêncio. O trânsito parecia ainda


mais lento. Decidi tentar ser simpático e seguir no assunto sobre

trabalho.

— Você é da equipe comandada pela Camila?


— Sou. Mas não sou arquiteta formada ainda. Sou estagiária.

Como eu deduzi, ela era ainda bem jovem. Era óbvio que seria

ainda uma universitária.

Talvez eu devesse perguntar a ela coisas corriqueiras, como se

ela estava gostando do curso, se pretendia seguir carreira na


arquitetura ou sobre se gostava de trabalhar para a Turner. Mas já fazia

um tempo que interações sociais não eram o meu forte. Eu não sentia
qualquer vontade de interagir com outros seres humanos e dar
qualquer indício de pretender criar uma amizade.

Era estranha essa sensação, mas absolutamente tudo me dava a

impressão de estar traindo Bonnie. Parecia errado que eu fizesse novos


amigos, que me divertisse, que voltasse a sorrir... que fizesse qualquer
coisa. Sentia que nunca mais conseguiria assistir sequer um episódio

de alguma série que ela gostava. Sentia culpa até mesmo se comesse
alguma das comidas preferidas dela.

Parecia injusto que eu fosse feliz, já que a Bonnie não poderia


mais ser.
E o fato de eu não conseguir deixar de perceber a beleza

hipnotizante daquela mulher sentada ao meu lado me deixava ainda


mais desconfortável.

De repente, todo o trânsito parou. o APP que monitorava o


tráfego alertou que um acidente tinha acontecido à frente.

— Sinto muito por isso — ela declarou, embora não houvesse

muita emoção em sua voz.

Assim como não havia na minha.

— Não foi você quem provocou um acidente.

— Mas o senhor provavelmente não teria que pegar essa


estrada se não fosse para me levar em casa.

— Sem problema. Eu não estou com muita pressa, na verdade.

— O senhor saiu mais cedo da festa, então é meio óbvio que


queria ir logo para casa.

Aquela coisa de ‘senhor’ era levemente incômoda. Porém, não

a reprimi, já que deduzi que não íamos ter que conviver fora do
ambiente de trabalho por mais do que alguns minutos.
— Não. Eu queria apenas sair de lá.

— Entendo. Eu também. E, para ser bem sincera... Minha casa

é o último lugar para onde eu queria ir agora.

Quase respondi que pensava o mesmo.

Cada pedaço do lugar onde eu morava fazia com que eu me

lembrasse de Bonnie, e passar datas especiais lá fazia tudo ficar ainda


mais difícil. Era por isso que, há alguns dias, eu tinha tomado a
decisão de procurar por um apartamento para me mudar. Porém,

aquela não era a melhor época do ano para se conseguir algo assim de
forma rápida, por isso eu pretendia começar as buscas por uma nova

moradia quando as festas de fim de ano passassem.

— Ah, não... — ela comentou, olhando pela janela.

Segui meus olhos na mesma direção, vendo o motivo de sua

reclamação: a chuva começava a cair. E já começava de forma forte.

— Acho que vamos acabar ficando aqui a noite toda... — ela

lamentou, embora sem muita emoção na voz.


Em um primeiro momento, pensei que, tirando a questão do
conforto, talvez passar a noite ali fosse mais agradável do que estar em
minha casa.

Mais um trovão. Desta vez mais forte. Percebi que Layla se

sobressaltou no banco ao lado. A situação parecia bem mais


desconfortável para ela do que para mim.

Olhei para a lateral da pista, um pouco adiante, e tive uma

ideia. Consegui virar a direção, indo para o acostamento e Layla


pareceu confusa com isso. E ainda mais quando, alguns metros à

frente, eu fiz o que pretendia com aquilo: entrei em uma via de

retorno.

— Fique tranquila — pedi. — Estamos próximos de um lugar


onde eu costumo ficar às vezes... quando não quero voltar para casa.

Podemos esperar por lá até que a chuva passe.

Olhando-a por um momento, percebi que ela me fitava com

desconfiança. E o motivo disso era óbvio.

— Não se preocupe, vou realmente apenas levá-la para um


lugar onde possamos esperar a chuva passar e o trânsito melhorar.
— E que lugar seria esse?

— Bem... um hotel... — Obviamente, isso não melhorou a


expressão de desconfiança dela. — Eu tenho uma suíte privativa lá, é

para onde eu vou... em datas em que não quero dormir em casa,

porque...

— Porque alguns dias são mais difíceis que outros, por ela não
estar mais com você, não é?

Ela entendia.

Provavelmente, qualquer outra mulher naquela situação levaria

a proposta para outro lado e interpretaria o meu discurso sobre passar

algumas noites fora em outro contexto. O que para mim seria


completamente descabido, porque eu sequer conseguia cogitar ir para a

cama com qualquer outra mulher depois que Bonnie partiu.

Mas eu realmente não me sentia à vontade para dormir em

minha própria casa em algumas datas. Especialmente aniversários... o


dela, o meu, o do nosso casamento... Dali a alguns dias, seria o

primeiro aniversário de morte dela...


— É... é isso... — respondi. — Vamos pegar um quarto para

você. E pela manhã vamos embora. O que acha? Você disse que

também não quer ir para casa.

— Eu apenas não acho que tenho como pagar por um quarto


em um hotel onde o senhor se hospeda. O salário da Turner é muito

bom, mas, ainda assim eu sou só uma estagiária.

— Fica por conta da empresa.

Ela esboçou um leve sorriso em agradecimento, e eu respondi

da mesma forma. Em seguida, ela voltou a se sobressaltar ao som de


mais um trovão, dando-me uma nova demonstração de que

tempestades não a deixavam nada confortável.

Seguindo pelo retorno, entrei em outra via que levava até o

luxuoso hotel que já era bem conhecido por mim. Eu tinha uma boa
relação com o local, já que o escritório de Arquitetura da minha

família costumava realizar todos os seus eventos ali.

Tinha sido, aliás, em uma destas ocasiões que meu irmão

Michael havia conhecido sua esposa Camila.


E, por uma grande coincidência, aquele fora também o local

onde meu irmão do meio, Logan, conheceu sua noiva Evelyn, durante
um congresso médico onde ele foi um dos convidados para palestrar,

como o famoso Neurocirurgião que era.

Há alguns meses, na primeira ocasião em que eu senti a

necessidade de dormir fora de casa por não suportar as lembranças de


Bonnie, reservei ali uma suíte presidencial. E, já sabendo que aquela

era uma situação que se repetiria mais vezes, vinha pagando um bom

dinheiro para manter aquele quarto exclusivamente reservado para que


eu pudesse ir até lá em qualquer dia ou horário que precisasse.

E foi justamente o que ocorreu nesse momento.

Deixei o carro no estacionamento e entrei caminhando ao lado

de Layla, com uma distância física entre nós que deixaria muito claro a

qualquer um que nos olhasse que, definitivamente, não éramos um


casal.

Eu nem entendia por que isso me importava tanto. Mesmo

quando Bonnie era viva, ela nunca tinha sido do tipo muito ciumenta,

porque sempre confiou na minha fidelidade. E eu não sentia qualquer


preocupação com o que outras pessoas pensariam se me vissem na
mera companhia de alguma outra mulher. Bonnie confiava em mim, eu

tinha a consciência tranquila sobre minha fidelidade, então não me

importava o que os outros poderiam pensar.

Agora, no entanto... quase um ano depois da morte dela, esse


tipo idiota de preocupação passara a me assolar.

Seguimos até o balcão e, enquanto a recepcionista checava o

sistema, podíamos ouvir os sons da festa de Réveillon que ocorria no

espaço de eventos do hotel, que ficava bem ali ao lado.

— Eu sinto muito... — a moça da recepção declarou. — Achei


que pudéssemos ter algum quarto vago, mas nossa última suíte foi

alugada há uma hora.

— Não é possível... — reclamei.

— Perdão, senhor. Mas... É Ano Novo. A festa do nosso hotel é

bem badalada na cidade.

Eu ia seguir a insistir para que ela verificasse novamente, mas

Layla me deteve.
— Não se preocupe. Não preciso passar a noite aqui. Posso

ficar no saguão até a chuva passar. Vou monitorando o trânsito pela


internet, e logo que estiver mais tranquilo eu chamo um táxi. O senhor

já fez muito por mim, obrigada.

Eu deveria ter meramente concordado e me despedido dela.

Sabia que, assim como eu, o que ela mais buscava naquela noite era a
solidão. Mas isso era algo que ela não encontraria ali naquele saguão.

Os sofás estavam tomados por pessoas que vinham da festa, todas

insuportavelmente sorridentes e falantes.

Eu definitivamente não ia querer ficar ali, e sabia que Layla


também não.

— Se é assim, você pode esperar lá em cima. Logo que a chuva

passar, eu te levo para casa.

— Não, imagina. Não quero te dar mais esse trabalho.

— Vai mesmo querer ficar aqui?

Ela abriu a boca para responder, mas sua voz foi sufocada pelas
de dois caras bêbados que adentraram o salão, vindos da área da festa,

cantando animados uma música qualquer sobre felicidade.


Afinal, festas de fim de ano eram justamente sobre isso: uma
imposição social para que todo mundo estivesse feliz. O que,

definitivamente, não era algo possível para todos.

Layla suspirou e, vencida, declarou:

— Se não for mesmo te incomodar...

Balancei a cabeça em negativa. Ela não me incomodaria.

Talvez, no fundo, a solidão que nós dois buscávamos não fosse

tão absoluta assim.

Talvez uma companhia fosse bem-vinda: a de alguém que

compreendesse como eu me sentia naquele momento.

*****
Capítulo dois

"E eu quero beijar você, fazer você se sentir bem

Estou simplesmente tão cansado de dividir minhas noites

Eu quero chorar e eu quero amar

Mas todas as minhas lágrimas foram gastas"

(Another Love – Tom Odell)

Eu já até sabia qual seria a resposta da minha mãe caso eu

contasse a ela o que tinha feito naquela noite:


"Mas o que é que você tem na cabeça, menina, para aceitar ir

para um quarto de hotel sozinha com um homem que você mal


conhece?"

E também já sabia os argumentos que usaria a meu favor.

Sebastian Turner não era exatamente um homem desconhecido.


Além de ser o atual CEO do escritório de Arquitetura onde eu

trabalhava, ele também era cunhado da minha amiga Camila, que era

uma pessoa em quem eu tinha total e plena confiança.

E eu meio que... o conhecia. Ainda que ele não me conhecesse.

Afinal, eu era meramente mais uma dentre os centenas de funcionários

da Turner. Mas ele era o chefão, O CEO gostos...

Digo... o patrão. Sem mais.

Os argumentos, obviamente, não convenceriam a minha mãe.

Superprotetora do jeito que era, ela iria em seguida me fazer um

sermão sobre perigos de se ficar sozinha com um estranho. E eu


provavelmente iria rir e responder com a brincadeira de que um
homem lindo como Sebastian Turner correria muito mais riscos

comigo do que o contrário.

Isso, obviamente, em uma situação comum.

Em uma situação que, para início de conversa, minha mãe

estivesse viva para que pudéssemos ter aquele diálogo.

Já fazia quatro meses que ela tinha morrido. E eu ainda me

pegava, dia após dia, repassando mentalmente todas as conversas que


eu queria ter com ela. Todas as coisas que eu queria contar.

Queria que ela estivesse ali, para abraçá-la e dizer o quanto eu

me sentia sozinha.

Queria que ela me orientasse sobre o que fazer com Sylvie,

minha irmã mais nova, que ainda era uma adolescente. Sobre que tipos

de conselhos eu devia dar a ela. Sobre como eu, que tinha apenas vinte

anos, iria dar conta de terminar de criar uma menina de quase

dezessete.

Queria contar sobre como estava sendo insuportável manter a

minha decisão de voltar para a casa do meu pai, para que assim eu
pudesse ficar perto de Sylvie.

Nessa parte, ela me pediria para ter paciência e diria que, no

fundo, ele gostava de mim.

Até ela mesma sempre soube que isso era uma grande mentira.

A suíte de Sebastian Turner, na verdade, era como um pequeno

apartamento. Provavelmente era maior do que a minha casa. Logo que


entramos, eu me deparei com uma luxuosa sala de estar, onde havia
uma bancada separando-a de uma cozinha, uma varanda que parecia

bem espaçosa, e uma grande porta aberta de onde eu tinha a vista para
um quarto com uma cama enorme. Caminhei de imediato até uma

grande janela que dava para a varanda, de onde se tinha uma vista
privilegiada de Los Angeles, através de vidros que protegiam o local
da chuva forte e da ventania que vinha lá de fora.

— Aceita beber alguma coisa? — Sebastian perguntou,

chamando a minha atenção de volta para ele.

Talvez fosse prudente negar. Mas, tudo o que consegui pensar

foi "Por que não?"


Então, o acompanhei até o bar que ficava na sala. Ele pegou

duas taças e uma garrafa de vinho. Enquanto abria, meu celular vibrou
e o peguei em minha bolsa para ver a mensagem recebida.

E acho que deixei meu desânimo bem evidente em minhas


feições, já que Sebastian perguntou:

— Algum problema?

— Não. É minha irmã adolescente. Ela foi a uma festinha de


Ano Novo com as amigas e eu pedi para me avisar quando chegasse

em casa. Só não imaginei que ela fosse voltar tão rápido.

— Não deve estar sendo fácil para ela.

— Não está.

Quando ele me entregou a taça, eu deixei os bons modos

completamente de lado e simplesmente virei o líquido goela abaixo, de


uma única vez. Sebastian nem tinha começado a beber o dele, mas
logo se ofereceu para me servir mais.

E apenas aquela primeira dose de álcool já me fez perder a

inibição para começar a desabafar com o meu patrão como se nós nos
conhecêssemos super bem.

— Qualquer adolescente daria tudo para ter um dia no ano

liberado para não ter hora de voltar para casa. Eu disse a ela que podia,
inclusive, dormir na casa de uma das amigas e só voltar amanhã. Mas

ela provavelmente só esperou dar meia-noite e foi embora. Por que ela
não pode simplesmente ser uma adolescente?

— Talvez porque perder um dos pais tão jovem faça com que a
gente amadureça.

— Eu sou a irmã mais velha. O peso de assumir novas


responsabilidade em uma situação como essa é minha, e não dela.

Bebi mais uma taça, e Sebastian fez o mesmo com a dele, de

modo com que, na sequência, ele tivesse que encher as duas. E talvez
essa primeira dose de álcool também o tivesse deixado um pouco mais
falante do que se mostrava até então.

— Eu sou o mais velho de três filhos, e, apesar de já sermos

adultos quando nosso pai morreu, também tomei para mim o papel de
virar uma espécie de figura paterna para os meus irmãos.

— E deu certo?
— Não. Nem um pouco. Não tive maiores preocupações com
Logan, que é o nosso irmão do meio. Mas o Michael... Abandonou a
faculdade, não queria saber de trabalho, era festeiro, irresponsável...

Ele até ouvia os meus conselhos e dizia que ia segui-los, mas... Acho
que nunca passei autoridade suficiente para isso.

— Bem... Michael Turner era o CEO da Turner Architecture

quando comecei a trabalhar lá, e era um bom patrão. Minha amiga


Camila sempre diz que ele é um ótimo marido, e vejo também que

parece ser um bom pai.

— Ele é. Um ótimo pai, na verdade. E é um bom homem

também. Ele entrou nos eixos, no fim das contas, ao contrário de tudo
o que imaginávamos quando ele era mais jovem.

— Então... Você fez um bom trabalho.

— Não acho que mereço os méritos disso. Eu coloquei um

peso sobre minhas costas que não era meu. Nós tivemos a nossa mãe.

Você e... Sylvie, não é? ...Têm o pai de vocês.

— É... A Sylvie tem um pai. Embora ele não esteja sendo bom
o suficiente nesse momento, nem mesmo para ele próprio. ...Se
incomoda se eu abrir a porta da sacada?

Ele movimentou a cabeça em negativa e fui até a porta,


abrindo-a. Ele me seguiu, levando as duas taças e a garrafa de vinho,

que já estavam quase chegando à metade.

Eu coloquei o meu inseparável caderno e minha bolsa sobre

uma das cadeiras e me sentei em outra. Havia mais uma ao meu lado,
onde Sebastian se sentou. A chuva seguia forte, batendo de forma

impiedosa sobre os vidros que cercavam o local, mas, ao menos, os

trovões já não estavam mais tão estrondosos assim. E isso, para mim,

já representava um enorme alívio.

Os piores momentos da minha vida tinham sido marcados

pelos sons de tempestades. Meu inconsciente absorveu essas

lembranças com tanta força, que o fato de chover tão forte naquela

primeira virada de ano sem a minha mãe aumentava ainda mais a dor
em meu peito.

Sebastian Turner voltou a nos servir e voltamos a beber em

silêncio por alguns segundos. Até que ele pareceu se desinibir ainda

um pouco mais, a ponto de fazer uma pergunta mais pessoal:


— Por que disse que apenas Sylvie tem um pai? Vocês são

meio-irmãs?

— Ela é minha irmã por inteiro. Tanto no registro civil quanto

no meu coração. Mas... Biologicamente...

Peguei meu celular na bolsa e abri a galeria de fotos, passando


até encontrar uma em que estávamos Sylvie, nossa mãe e eu. Tinha

sido tirada há mais de um ano, antes de o estado de saúde da minha

mãe piorar. Em uma época em que ainda acreditávamos que tudo


estava sob controle.

Entreguei o celular para Sebastian e deixei que ele visse a foto.

Sylvie e nossa mãe eram quase cópias uma da outra. Ambas com pele

cor de oliva e cabelos castanhos e lisos. Os da minha irmã, no entanto,


tinham um tom mais claro, e ela tinha os olhos azuis, herdados do

nosso pai. A diferença física delas para mim era bem visível.

— Eu fui adotada — contei.

Ele balançou a cabeça, mas eu sabia que aquilo não explicava

por que eu tinha me referido ao meu pai como sendo apenas pai de
Sylvie. Não era algo simples de explicar, muito menos uma coisa que

eu costumava contar para as pessoas.

Não era algo que eu gostava nem mesmo de pensar a respeito.

Eu era conhecida – ao menos até a recente perda da minha mãe

– como uma pessoa alegre. Mas isso se devia ao fato de eu evitar

expor os detalhes mais tristes da minha vida. Podia parecer

extrovertida, mas era, de fato, muito reservada em relação a isso.

Sebastian me devolveu o celular e, quando fui pegá-lo, nossas

mãos se tocaram e ambos levantamos os rostos, com nossos olhos se

encontrando. Ele nunca tinha me olhado desta forma (bem, na verdade,

até esse dia, ele nunca tinha me olhado de maneira alguma), e isso
mexeu com algo dentro de mim.

Era óbvio que eu já tinha percebido o quanto aquele homem

era lindo. Os cabelos loiros, os olhos azuis, a barba curta dando um ar

ainda mais másculo à mandíbula definida. Mas, naquele momento,


naquela troca de olhares... Eu senti... algo a mais.

Além da beleza, a sensualidade daquele homem me atingia em

cheio, mas sempre foi algo apenas da minha parte, e apenas de longe.
Agora, parecia existir uma tensão sexual ao nosso redor.

Ou era apenas o álcool embaralhando a minha cabeça e me

fazendo ver – e sentir – coisas que não existiam.

Pensando nisso, esforcei-me para sair daquele transe e apenas

peguei meu celular de volta, tentando ignorar a aparente atração que


ocorreu entre nós.

Afinal, era óbvio que nada iria acontecer entre a gente, por

inúmeros motivos. Já devia ter cerca de um ano que ele perdera a

esposa, mas era nítido que ainda não se recuperara daquilo. Sem contar
que ele era meu patrão.

Além disso, apesar de eu não ter ainda bebido o bastante para

me considerar bêbada, o álcool tinha deixado meu cérebro afetado o

suficiente para não saber muito bem como diferenciar o desejo da


carência. Eu estava triste, emocionalmente abalada... E, nessas

condições, sexo poderia parecer uma ótima válvula de escape.

Apenas parecer...

Olhei para fora, percebendo a chuva começar a amenizar.


— Acho que o trânsito já deve estar mais fluído agora —

declarei, me levantando.

Sebastian fez o mesmo, mas eu pedi:

— Por favor, não precisa se incomodar com isso. Eu realmente

posso ir sozinha. Caso eu não consiga um carro por aplicativo, vi que

tem uma estação de metrô aqui perto.

— Não, eu disse que te levaria.

— Realmente não precisa. Até porque, você bebeu um pouco.

Ele olhou para a taça em sua mão e a deixou sobre a cadeira


onde antes estivera sentado.

— Essa quantidade de álcool não é o suficiente para alterar

meus reflexos.

— Tem certeza?

— Absoluta.

Movimentei a cabeça em concordância. E ali, de pé um de


frente para o outro, mais um clima estranho nos envolveu.
E um monte de pensamentos desencontrados invadiram a
minha mente.

Eu estava tão sozinha...

Ele era um homem tão lindo...

Já fazia muito tempo que eu não me envolvia fisicamente com

ninguém...

Eu estava mesmo tão sozinha...

Ele era mesmo uma perdição em forma de homem...

E eu, sinceramente, não queria ir embora...

Sebastian também me olhava como se mil coisas se passassem

por sua cabeça. Foi então que ele me surpreendeu dando um passo à
frente e colocando a mão em minha cintura.

— Acho que não estou pensando direito... — ele declarou. Um

relance de arrependimento passando por seus olhos, misturando-se ao


desejo.

Ou à necessidade de fuga.
Ou as duas coisas juntas.

Em uma ousadia que eu tinha certeza de que jamais tomaria

caso estivesse completamente sóbria, apoiei as palmas das mãos em


seu peito, sentindo, por baixo do tecido da camisa social, seu peitoral

que parecia bem torneado.

Onde eu estava com a cabeça?

— Acho que eu não quero pensar direito — rebati. Meus olhos

vagando pelos lábios dele e, eu percebi, os dele também pelos meus.

E ele provou que também não queria pensar muito a respeito


daquilo quando seu braço envolveu por completo a minha cintura,
puxando meu corpo de encontro ao dele. Levantei o rosto para seguir a

olhá-lo, sentindo a respiração dele contra a minha pele.

Mais um segundo.

Mais uma troca de olhares.

Mais um pensamento me alertando do quanto aquilo era uma


loucura.

Para o inferno com a sanidade...


Então, os lábios dele vieram de encontro aos meus.

E, naquele instante, eu decidi que nada mais importava.

*****
Capítulo três

"Abrace-me agora

Não se importe se, a cada minuto, isso me tornar mais fraco

Você pode me salvar do homem que eu me tornei"

(Shape Of My Heart – Backstreet Boys)

Eu não sabia o que tinha me levado a fazer aquilo, mas de uma

coisa tinha plena certeza: eu não deveria estar beijando aquela mulher.

Mas, que inferno, ao mesmo tempo... eu simplesmente não

conseguia parar de beijá-la.


Porque eu precisava daquilo.

Naquele dia em que o planeta inteiro celebrava um recomeço,

eu me sentia imobilizado, incapaz de continuar. Então, algumas doses


de álcool – que, embora não fossem nem perto do suficiente para me

deixar bêbado, pareciam me dar coragem para tomar aquela iniciativa

impensada – e a forma como aquela garota me olhou me iludiram que,


talvez, fosse o momento de eu seguir em frente.

Apenas fisicamente. Para suprir uma necessidade puramente

carnal.

Não nos meus sentimentos.

Nunca nos meus sentimentos.

Meu coração seria para sempre de Bonnie. Mas o meu corpo

talvez já estivesse preparado para aquelas doses de alívio.

Talvez o sexo fizesse ao menos a parte física da minha


existência sentir um pouco menos a falta de Bonnie. Ali, com os olhos

fechados, enquanto minha língua invadia a boca daquela mulher,

talvez eu pudesse fingir que era Bonnie quem eu beijava.


Não era ela...

Não era nem parecida com ela...

Mas, se eu me esforçasse um pouco mais...

Sem deixar de beijá-la, comecei a recuar de volta para dentro

da suíte, onde atravessamos toda a sala, indo direto para o quarto.

Layla parecia ter o mesmo propósito que eu naquilo. Sem conversas,

sem demoradas preliminares, ambos buscávamos apenas o consolo do

sexo nu e cru. Nenhum de nós buscava sentimentos além do prazer


momentâneo.

Na realidade, buscávamos o oposto disso: a fuga completa de

todo o vazio e tristeza que estávamos sentindo. Um orgasmo para os

nossos corpos, uma anestesia para nossas almas.

Minha boca deixou a dela para vagar por seu pescoço,

enquanto minhas mãos contornavam seu corpo, começando a abrir o

zíper de seu vestido. Ao mesmo tempo, ela desabotoava a minha

camisa.

Com o vestido dela já completamente aberto, mas ainda

cobrindo seu corpo, eu a empurrei até que suas costas encontrassem a


parede. Minhas mãos acariciavam seus seios, ainda por cima das

camadas de tecido, e ela gemeu de uma forma que fez todo o meu
corpo sentir uma urgência ainda maior naquilo. Porém, no mesmo

instante, veio um lapso de consciência.

— Senhorita Francis... — falei, tentando retornar à formalidade

que era mais correta a se ter com uma funcionária minha.

Meu Deus, não apenas uma funcionária... Mas uma estagiária.


Ela devia ter, no máximo, vinte anos de idade. Era ainda uma
universitária. Uma porra de uma garota. Só então me dei conta de que

ela não devia ter idade suficiente nem para beber.

Quantas camadas de ética eu estava quebrando com aquilo?

Comecei a me afastar, mas ela me agarrou pelo cós da minha

calça. Uma de suas mãos desceu até a minha ereção, tocando-a por
cima do tecido. Ela fechou os dedos ao redor, exercendo a pressão

certa.

Puta que pariu... aquilo tornava tudo mais difícil.

— Acho que é meio tarde para me chamar de 'senhorita

Francis' — ela rebateu.


— Como devo te chamar? Você é estagiária da minha empresa.

— Não aqui. Não agora. Já chegamos longe demais. Já vamos

nos arrepender disso, mesmo se pararmos agora, então... Apenas vá até


o fim.

Com uma das mãos ainda em minha ereção, ela subiu a outra
até o meu pescoço e voltou a puxar meu rosto em direção ao seu,

mordiscando meu lábio inferior, fazendo com que eu voltasse a beijá-


la. Desci minha mão até a barra de seu vestido, deslizando por sua
coxa. O corpo inteiro dela tremeu e ela voltou a gemer quando meus

dedos invadiram o interior da sua calcinha, encontrando-a já bem


molhada, completamente pronta para mim.

Contornei meu braço por baixo de um dos seus joelhos,

erguendo sua perna. Com a mão que já a explorava, usei um dedo para
penetrá-la. Ela soltou um grito, afundando a cabeça em meu peito.
Suas mãos, aflitas, abriram minha calça e baixaram minha cueca,

libertando meu membro já mais do que duro. A mão pequena dela


começou a se mover por ele, para cima e para baixo, causando-me

sensações que eu já julgava esquecidas.


Penetrei mais um dedo, que deslizou com facilidade para
dentro dela, de tão deliciosamente molhada que ela estava, e usei o
polegar para pressionar seu clitóris em movimentos circulares. Ela

gemeu mais alto e aqueles sons eram como música para os meus
ouvidos.

Metade da minha mente seguia a me alertar sobre o quanto


tudo aquilo era errado.

Em parte, pela consciência de saber que eu apenas usava

aquela garota... embora eu soubesse que, em algum nível, eu também


estava sendo usado. Era um envolvimento casual, um prazer
descompromissado, uma busca mútua de camuflar as dores. Em outra

parte porque... que inferno, não era Bonnie ali. Não era dentro dela que
meus dedos se moviam, não era o seu cheiro que penetrava as minhas

narinas, não era a voz dela a gemer de prazer ou a sua mão a me


masturbar.

Se ela estava morta, teria eu algum direito de voltar a me sentir


vivo?

No entanto, a outra metade do meu cérebro queria apenas ir em


frente.
Nós dois ofegávamos juntos enquanto eu a fodia com os meus
dedos, a mão dela se movia mais rápido em meu pau e nossas bocas se
exploravam. Parando de beijá-la por um momento, eu me permiti olhar

para o rosto daquela mulher ali comigo, encontrando-a com os olhos


fechados, os lábios entreabertos e a respiração profunda, à medida que

palavras sem sentido escapavam entre os seus gemidos. A visão


conseguiu me deixar ainda mais enlouquecido de tesão.

Puta que pariu... ela era linda demais...

E, por mais que eu achasse que o que fazíamos, por si só, já era

errado, não queria me limitar àquilo. Precisava de mais. Precisava

senti-la por inteiro.

Precisava estar dentro dela.

Ela choramingou em protesto quando meus dedos saíram de


dentro dela, mas logo em seguida gritou pelo susto quando a peguei

pela outra perna, levantando-a e levando-a até a cama, onde

praticamente a joguei.

De pé, terminei de tirar as roupas, o que foi bem rápido, já que


minha camisa e calça já tinham sido abertas por Layla. Sentando-se,
ela fez o mesmo com o vestido, jogando-o em algum canto do quarto.

E eu me inebriei com a visão de seu corpo perfeito agora usando


apenas sutiã e calcinha.

— Se quiser parar por aqui, diga agora — falei. Minha voz

soando mais rude do que tinha a intenção.

— Preciso que você continue — ela rebateu.

Preciso...

A palavra descrevia bem a mim mesmo.

Eu também precisava daquilo.

Fui até a cama, segurando o rosto de Layla e voltando a beijá-

la. Desci as mãos ao fecho de seu sutiã, livrando-a daquela peça,

podendo agora percorrer meus dedos em seus seios sem qualquer


tecido impedindo o contato direto. Ela afastou sua boca da minha,

soltando um gemido, e eu desci até um de seus mamilos, tomando-o

entre os lábios. Lambendo, chupando, mordiscando... e sentindo-me

ainda mais duro com os sons dos gemidos dela.

— Assim... Por favor, não pare... — ela pedia.


O corpo dela se inclinou para trás, até suas costas encontrarem

o colchão, e segui o que fazia, descendo uma das mãos novamente até

dentro de sua calcinha, voltando a penetrá-la com dois dedos, enquanto


outro circulava seu clitóris. Os quadris dela começaram a se mover,

ditando o ritmo.

— Mais, senhor Turner... Mais...

Senhor Turner...

Caralho... aquilo era sexy como o inferno.

Eu nunca tivera fantasias em transar com uma funcionária


minha... Ainda mais uma estagiária, alguém tão mais jovem que eu.

Mas, naquele momento, aquilo era mais excitante do que eu poderia

imaginar.

Continuei a masturbá-la... mais rápido, mais fundo, com mais


força, até sentir os músculos dela se contraindo e ouvi-la soltar um

gemido alto e longo ao alcançar o orgasmo.

Tirei meus dedos de dentro dela, levando-os à boca. O gosto

dela era inebriante. Tanto quanto a forma como me olhava enquanto eu


fazia aquilo. Estava ainda mais linda daquela forma... ofegante,
saciada... mas, ainda assim, com seus olhos transbordando de desejo

ao me ver provar o seu sabor.

— Ainda quer mais? — perguntei. Novamente, soando rude.

Ela balançou a cabeça em uma afirmativa. Seus olhos desceram

até o meu membro e ela mordeu o lábio inferior, sedenta por aquilo.

— Diga o que você quer — ordenei.

— Quero que continue, senhor Turner.

— Seja mais clara.

— Quero você... dentro de mim.

— De que forma? Porque se estiver em busca de uma noite de

amor, não é o que terá comigo.

— Não estou.

— Então, o que quer?

Ela voltou a morder o lábio inferior e pareceu um pouco tímida

quando declarou.
— Quero que me foda. Preciso que me foda.

Perfeito. Porque eu também precisava fodê-la.

Arranquei sua calcinha, posicionei-me entre suas pernas e ergui

seus quadris, trazendo-a de encontro ao meu pau. Não quis deitar-me

sobre ela e beijá-la enquanto a penetrava, porque isso era algo que eu
fazia com Bonnie.

E, como eu tinha dito, não estava ali para fazer amor. E ela

também não. Queríamos fugas da realidade, e era o que teríamos. O

primeiro movimento foi lento e longo. Ela fechou os olhos e jogou a


cabeça para trás, conforme eu a preenchia. Ela era tão apertada e

estava tão molhada, que aquele início foi torturante para mim.

Contudo, logo que me acomodei por inteiro e bem fundo dentro dela,
comecei a me mover com mais força, certificando-me de que ela sentia

cada centímetro meu dentro dela.

— Se... Senhor Turner... — ela pronunciava, em meio aos

gemidos, enquanto todo o seu corpo se movia com meus movimentos


brutos dentro dela. — Assim... Isso... Assim...

Ela gostava daquilo...


E eu gostava de perceber isso. Embora a intenção ali era apenas

me inebriar e me perder no meu próprio prazer, a visão que eu tinha


dela – cravando as unhas no lençol, a cabeça inclinada para trás, as

expressões em seu rosto – era hipnotizante.

Aumentei a velocidade, estocando-a de modo ainda mais

agressivo. Deixei que meu corpo tentasse extravasar todo o ódio que
eu sentia pela minha perda.

E Layla seguia a pedir por mais.

E eu seguia a querer mais.

Apoiei uma das mãos ao colchão, bem ao lado do rosto dela,

levando a outra a um dos seus seios. Ela, por sua vez, deslizou os
dedos e as unhas sobre meu peitoral e abdômen.

Passei a gemer junto a ela, deixando minha boca pronunciar

palavras que nem mesmo eu conseguia distinguir, sentindo que estava

próximo de gozar dentro dela.

Passou-se rapidamente pela minha cabeça o pensamento de que


não usávamos preservativo. Já fazia muitos anos que eu não me

envolvia com nenhuma mulher que não fosse a minha esposa – que
fazia uso de DIU – e, desde que ela morrera, passei a ser um completo
celibatário, de forma com que eu sequer sabia se tinha alguma

camisinha em minha carteira. Mas deixei que o pensamento fosse

embora, sem querer refletir sobre aquilo naquele momento.

Eu não queria refletir sobre nada.

Apenas sentir...

Ou deixar de sentir toda a dor do caos que permeava a minha

alma há quase um ano.

Senti, novamente, todos os músculos de Layla começarem a se

contrair, e ela arqueou o corpo, soltando um gemido mais longo e alto,


indicando que chegava ao orgasmo. E eu a acompanhei logo depois,

derramando meu líquido quente dentro de seu corpo.

Por um instante, a sensação do gozo me trouxe paz.

Por apenas um instante...

No seguinte, um sentimento horrível de culpa despencou sobre

a minha cabeça.

O que é que eu acabei de fazer?


*****
Capítulo quatro

"Eu digo: Querido, você pode me culpar

Pois eu sei que não facilito as coisas

Meu corpo dói com cada batida do meu coração

Só diga que eu não sou a única"

(Flame – Tinashe)

Nunca tinha sido daquela maneira...

Sebastian saiu de dentro de mim e se levantou, começando a

recolher as roupas no chão. E eu, que tinha deixado aquilo rolar em

uma esperança ridícula de que os momentos de prazer fizessem com


que eu me sentisse menos vazia, tive um resultado completamente

oposto.

Agora, eu me sentia muito pior do que meramente triste e


vazia.

Eu me sentia suja, usada...

Ao mesmo tempo que tinha a consciência de que eu também

havia usado Sebastian Turner, o que acrescentava a tudo um

sentimento de culpa.

Tudo aquilo despencou em minha cabeça, trazendo-me uma

vertigem que eu não poderia mais atribuir ao álcool.

Levantei-me, observando enquanto Sebastian se vestia,

trazendo junto comigo o lençol que usei para cobrir o corpo. O que era

uma atitude ridícula, tendo em vista que ele havia não apenas visto,

como também tocado de diversas formas o meu corpo.

Meu Deus... o que tínhamos feito?

— Eu sinto muito... — deixei meus lábios pronunciarem aquele

pedido de desculpas.
Era meio idiota se desculpar por uma transa completamente
consentida por ambas as partes, e que tinha sido tão incrível...

Ao menos, durante o tempo que durou.

Agora, eu me sentia péssima. E era notório que Sebastian

Turner também.

E, que merda... eu ainda precisaria lidar com o fato de que

ocasionalmente poderíamos vir a nos encontrar na empresa, já que ele

era o meu patrão.

Ele balançou a cabeça, embora não me olhasse nos olhos.

— Eu é que peço desculpas. Isso não devia ter acontecido.

— Não deveria... — reforcei.

Queria também me levantar para me vestir, mas me sentia

tímida de tirar aquele lençol que me cobria.

O que era completamente ridículo depois do que tínhamos

feito.
— A chuva já diminuiu, vou chamar um táxi para ir embora —

anunciei.

Ele abotoava sua camisa nesse momento e eu me permiti dar

uma última olhada em seu abdômen perfeito. Mas logo desviei os


olhos, sentindo-me novamente tímida.

...Como se eu não tivesse, apenas alguns minutos antes,

deslizado meus dedos por todos aqueles músculos definidos, enquanto


ele me penetrava de uma forma tão bruta... De um jeito que nenhum
outro homem nunca tinha feito comigo antes.

Talvez eu já devesse ter notado, naquele momento, que todo o

desejo dele era movido pelo ódio por a mulher que amava não estar ali.
Eu quase poderia jurar tê-lo ouvido gemer o nome dela enquanto me
proporcionava o mais incrível dos orgasmos.

Ou talvez esta fosse uma mera impressão minha, eu jamais iria

saber.

Como algo tão fisicamente delicioso poderia ser movido por

sentimentos tão ruins?

Pensar nisso me trazia ainda mais culpa.


Ele não me respondeu e simplesmente saiu do quarto, fechando

a porta. Talvez para me dar mais privacidade para me vestir...

Talvez apenas querendo evitar voltar a olhar para mim.

Levantei-me e recolhi minhas roupas no chão, vestindo-as o

mais rápido que pude. Quando saí do quarto, encontrei Sebastian lá


próximo à porta, segurando minha bolsa e meu caderno. Ele nem

disfarçava o quanto queria se livrar da minha presença.

Contudo, foi uma surpresa para mim quando ele anunciou:

— Vamos, vou te levar para casa.

— Não precisa — retruquei. — Posso chamar um táxi.

— Não vai conseguir tão facilmente na noite de Réveillon. E


eu disse que te levaria, não disse?

— Não é como se fosse uma promessa que você precisasse


cumprir.

— Eu já quebrei promessas demais por essa noite. Vamos logo.


Ele abriu a porta, mantendo-a aberta para que eu saísse.
Quando passei por ele, pude percebê-lo baixando os olhos, nitidamente
envergonhado.

Era evidente o tanto que se sentia culpado. Como se estivesse

traindo sua esposa, mesmo depois de quase um ano de sua morte.

Descemos em silêncio pelo elevador e seguimos para o

estacionamento. No carro, ele colocou minha bolsa e meu caderno no


banco de trás antes de entrarmos, e então seguimos um bom tempo

sem trocar nem uma única palavra. Até que eu criasse coragem para
repetir o pedido feito ainda na cama do hotel.

— Desculpe pelo que aconteceu.

Ele rebateu de imediato:

— Somos dois adultos, senhorita Francis. Ambos quisemos

aquilo.

— Uma parte de nós, ao menos.

— ...Eu ainda amo a minha esposa.


Ele não tinha motivos para enfatizar aquilo para mim. Era mais
como se quisesse reforçar em sua própria mente, como uma forma de
se punir pelo que aconteceu.

— Não é como se fosse esperado que deixe de amá-la em

algum momento — respondi.

— Não deixarei. Nunca.

— É óbvio que você vai amá-la para sempre. Mas, em algum

momento, precisará seguir em frente. Não apenas no que fizemos hoje,


mas... Em seus sentimentos. Em se permitir amar outra pessoa.

— Podemos não falar sobre isso? Podemos apenas fingir que

nada disso aconteceu?

Nossa... Ele realmente precisava lidar com o que aconteceu

como se tivesse sido algo absolutamente repulsivo?

Balancei a cabeça em concordância. Eu não queria transparecer


que havia me sentido ofendida com aquilo, mas acho que minhas

feições me entregaram nisso, porque ele olhou rapidamente para mim

e suspirou.
— Não é nada pessoal, senhorita Francis.

— Eu sei. Eu entendo.

— Não entende.

— Não completamente, é claro. Mas ao menos a parte do luto,

eu...

— Não entende — ele repetiu, agora mais impaciente. — Não

é a mesma coisa.

— Claro que não. São relações diferentes, uma esposa e uma


mãe, mas ambos são lutos, e têm em comum o fato de...

Ele me cortou de forma ainda mais irritada:

— Ela nem era sua mãe de verdade.

As palavras me atingiram como uma facada certeira em meu

peito, parecendo rasgar o meu coração. E ele pareceu perceber isso.

— Desculpe... Eu... não quis dizer isso...

Senti as lágrimas quentes começarem a descer pelo meu rosto e


virei a cabeça para o lado, passando a olhar pela janela.
Sebastian continuou.

— Eu estava nervoso, Layla, e acabei falando sem pensar...

Então, tínhamos voltado ao ‘Layla’? Não era ‘Senhorita

Francis’ há até alguns instantes?

Eu não queria ouvir as desculpas dele. Sentia-me uma completa


idiota por ter sequer cogitado contar a ele a respeito da minha

conturbada relação com o meu pai. Ao menos eu não tinha feito isso.

Porque o mínimo que eu havia contado sobre minha vida já tinha sido

usado de forma cruel contra mim, mostrando-me o tanto que fui


estúpida em confiar naquele homem.

Confiado tanto a ponto de ir para a cama com ele, sendo que

mal nos conhecíamos. Onde é que eu estava com a cabeça para tomar

uma atitude como aquela?

Além da culpa e da tristeza, agora eu também me senti tomada

pela raiva. Quem aquele homem achava que era para dizer que minha

mãe não era ‘de verdade’, quando ela sempre foi a coisa mais

verdadeira da minha vida? Eu poderia ter dúvidas sobre minhas


origens biológicas, mas nunca, em momento algum da minha
existência, tive qualquer questionamento sobre o amor que minha

mãe... aquela que me escolheu... sentia por mim.

Nem do que eu sentia por ela. Que sentiria para sempre, junto a

uma saudade que esmagava o meu peito com uma força descomunal.

A chuva retornou com força e eu novamente senti o meu corpo

tremer ao som dos trovões, que era o único que se ouvia dentro

daquele carro, já que Sebastian voltou a se calar, provavelmente


entendendo que nada do que dissesse poderia abrandar suas palavras

tão duras e desnecessárias.

O som da chuva sobre a lataria do carro foi fazendo com que

minha angústia aumentasse. Minhas mãos tremiam e senti meu


coração acelerado em meu peito, demonstrando que eu estava à beira

de uma crise de ansiedade.

— Encosta o carro — falei, sem olhar para Sebastian.

— O quê?

— Eu quero descer. Me deixa em algum ponto de ônibus.

— Estamos em uma autoestrada.


Não havia nenhum ponto de ônibus ali. Era algo óbvio, mas,

em meio àquele turbilhão em que minha mente se encontrava, eu

sequer era capaz de raciocinar direito. Tudo o que eu conseguia pensar

era que queria sair daquele veículo que parecia me sufocar.

— Tem um posto de gasolina mais à frente, deixe-me lá, por

favor.

Tirei o cinto de segurança – que também parecia me sufocar

ainda mais – e me virei para pegar minhas coisas no banco de trás.

E foi neste momento que algo aconteceu.

Vi Sebastian fazer uma movimentação brusca, parecendo pisar


no freio. Virei-me novamente, vendo que estávamos prestes a bater no

veículo à frente, que havia freado abruptamente. Sebastian girou o

volante e senti meu corpo sendo jogado para o lado, em direção à


janela.

— Cuidado! — gritei, em pânico, ao ver os carros da pista que

tínhamos acabado de invadir, vindo em direção contrária, de frente

para nós.
Sebastian conseguiu jogar o carro para o acostamento, mas ele

ainda assim não parou. Meu corpo, sem a proteção do cinto de


segurança, foi arremessado em diferentes direções enquanto o veículo

girava e saía da pista, até parar ao se chocar contra algo.

Aquele impacto foi a última coisa que senti, juntamente a uma

forte dor de cabeça.

E então, fui tragada pela total escuridão e silêncio.

*****
Capítulo cinco

"Às vezes você sente que tudo está dando errado

E sentimos que é tudo nossa culpa

Às vezes, às vezes

Às vezes parece que quando tudo estiver dito e feito

Como se um amor perfeito nunca fosse chegar"

(You Will Be Loved – Nicole Scherzinger)

Tudo o que veio depois daquela batida surgia em flashs, em


breves lapsos de consciência.
O primeiro deles provavelmente foi o mais aterrorizante de

todos. O som da sirene da ambulância junto às de vozes dos


paramédicos, pareceram me despertar. Ao abrir os olhos, percebi

minha visão turva. Um dos meus olhos ardia, molhado por alguma

coisa que logo deduzi ser sangue.

— Não se mexa — uma voz falou. — Estamos tirando você do


veículo e vamos levá-lo para um hospital.

Só então percebi a dor. E me perguntei como tinha sido

possível não a notar antes, porque ela era forte e parecia atingir

absolutamente todo o meu corpo. Era tão forte, que eu sequer


conseguia sentir as mãos dos paramédicos que me tiravam do veículo.

Fechei novamente os olhos e senti que perdi a consciência por

alguns minutos antes de abri-los novamente, encontrando-me já


deitado em uma maca, tendo todo o meu corpo imobilizado. Ainda

assim, consegui virar os olhos em direção ao carro, encontrando-o com

a parte da frente destruída contra uma árvore. Ao lado do banco do

passageiro, um grupo de paramédicos tentava tirar alguém que ainda

estava lá dentro.

Eu podia ver a silhueta de alguém ali.


— A... — falei, percebendo minha voz fraca. — A garota...
Layla...

— Vamos cuidar dela — um dos profissionais que me atendia

falou.

Tentei responder, mas não consegui, já que voltei a ficar

inconsciente.

Acordei novamente já no hospital e, ao abrir os olhos, deparei-

me com o rosto conhecido de um dos meus irmãos.

Logan respirou aliviado ao me ver despertar. Vi o teto sobre a

cabeça dele se mover e ainda levei alguns instantes para compreender

que, na realidade, eu é que era empurrado sobre uma maca.

— Vai ficar tudo bem, Sebastian — meu irmão garantiu.

Percebi que ele ainda usava as mesmas roupas da festa de Ano

Novo, mostrando que provavelmente tinha ido direto para o hospital

ao receber a notícia.

— A garota... — voltei a falar, quando a imagem de Layla

voltou a surgir em minha mente.


— Que garota? — Logan indagou, confuso. — Certo, é comum

ter alucinações em momentos pós-traumáticos. Vai ficar tudo bem.

— A garota... — repeti. — Francis... Layla Francis.

Logan piscou, incrédulo. Entramos em uma sala e os demais

médicos falavam coisas que eu sequer prestava atenção.

— Layla Francis... A amiga da Evelyn? — ele indagou. — Ela


estava com você? — Ele levantou o rosto, olhando para os colegas
médicos. — Havia mais alguém com ele no carro?

Enquanto alguma pessoa respondia, eu tentei me levantar.

Porém, além da dor, fui impedido por Logan.

— Eu preciso saber como ela está — falei, consumido pela

preocupação e pela culpa.

— Ela foi levada para o centro de terapia intensiva — uma

médica respondeu.

Aquilo, por um lado, me tranquilizou, por saber que ela estava


viva. Por outro, pensei que, se tinha sido levada para o CTI, a situação

dela não devia ser nada boa.


— Está tudo bem, Sebastian — Logan garantiu. — Você vai

precisar passar por uma cirurgia. Não é minha especialidade, mas


estarei o tempo inteiro aqui acompanhando tudo. Conheço bem toda a

equipe deste hospital. Layla está certamente recebendo todos os


cuidados que precisa.

— Preciso de notícias dela, Logan.

— Você não pode ir a lugar algum agora. Nem se quisesse. Eu


já disse, vai precisar passar por uma cirurgia na perna.

Minha perna...

O que diabos tinha acontecido com ela?

Tentei novamente me levantar, agora com mais ímpeto. Desta

vez, não foi apenas meu irmão que me deteve, mas também a dor
lancinante na minha perna esquerda.

Alguém se aproximou, injetando algo no acesso em minha


veia. Mais duas pessoas se juntaram a Logan para me segurar.

Quando parei de tentar me levantar, não tinha sido por vontade

própria, mas por algum sedativo ou porra parecida que aplicaram em


mim.

— Fica calmo, irmão — Logan pediu, olhando-me nos olhos.

— Estou aqui e vou cuidar de você.

Consegui balançar a cabeça em uma negação.

— Não. Me deixe, Logan... cuide dela, por favor.

Eu não sabia como Layla estava, mas lembrava-me de ela estar


sem o cinto de segurança no momento da colisão. Provavelmente

havia batido a cabeça, e Logan era o melhor neurocirurgião do país.

Ele concordou em silêncio, e novamente senti minha visão


escurecer.

Meu último pensamento era o de que eu não me perdoaria se


algo acontecesse àquela garota.

*****
Voltei a despertar algum tempo depois, sem ter a menor ideia
de quanto tempo havia se passado. Ao abrir os olhos, encontrei-me já
em um quarto de hospital e me deparei com outros dois rostos

conhecidos. O do meu outro irmão, Michael, e o da minha mãe, que,


chorando, declarou:

— Ah, meu Deus... Você acordou, meu amor. Como você está?

— Calma, mãe — Michael pediu. — Dê espaço para ele

respirar

— O que... O que aconteceu? — indaguei, sentindo-me

confuso.

Naqueles primeiros momentos, todo o ocorrido mais me

parecia como um pesadelo distante.

— Você sofreu um acidente de carro — Michael contou. —


Mas vai ficar tudo bem agora.

Acidente...

A mera menção à palavra fez com que tudo voltasse à tona em

minhas lembranças, e meu primeiro impulso foi o de tentar me


levantar. Só então reparei que minha perna estava erguida, presa por

um suporte e totalmente imobilizada.

— Calma aí, Sebastian! — Michael pediu. — Não tem nem

vinte e quatro horas que você passou por uma cirurgia complicada.

— A garota... Que estava comigo? — perguntei, tendo aquela

como minha primeira preocupação.

A imagem dos paramédicos tentando tirar um corpo preso às


ferragens do carro não saía da minha cabeça, enchendo o meu peito

com o sentimento de culpa.

Eu não tinha conseguido frear a tempo quando o trânsito parou.

Não consegui controlar o carro quando saímos da pista.

Ela queria ter pegado um táxi... Se eu tivesse permitido isso,


aquele acidente não teria acontecido.

E, especialmente... Eu tinha sido um idiota com ela no carro, e

foi por isso que ela tirou o cinto de segurança.

Uma série de erros que podiam custar a vida de uma pessoa.


Minha mãe segurou a minha mão, tentando me acalmar.

— Ela vai ficar bem, querido. Logan está cuidando dela. Ela

está nas mãos do melhor médico do país.

— E você também precisa se focar em se recuperar — Michael

falou. — Tem noção de que podia ter perdido a perna? Mas tudo deu
certo. Você vai precisar de alguma fisioterapia para voltar a

movimentá-la normalmente, mas será uma questão de algumas

semanas.

Balancei a cabeça em negativa. Naquele momento, a porra da


minha perna era o que menos me importava.

— Qual o estado de saúde dela? — perguntei.

E os dois se calaram, trocando um olhar que já me respondia.

Mas Michael tentou disfarçar:

— Ainda não temos muitas informações.

— Mas a família dela já foi informada — minha mãe se


adiantou em dizer. — A Camila entrou em contato com a irmã dela,

que já veio ontem mesmo para o hospital.


— Ela vai sobreviver? — fui direto no questionamento.

Minha mãe se apressou em declarar um 'é claro que vai',


enquanto o rosto de Michael me passava um pouco mais de

sinceridade.

Eles não podiam afirmar aquilo.

Provavelmente, o estado de saúde dela era bem mais

complicado que o meu.

*****
Capítulo seis

"Talvez seja hora de deixar os velhos hábitos morrerem

É preciso muito para mudar um homem

Caramba, é preciso muito para tentar

Talvez seja hora de deixar os velhos hábitos morrerem"

(Maybe It's Time – Bradley Cooper)

3 de janeiro
Estavam me enchendo de remédios fortes, o que deveria ser o

padrão para quem passou por uma cirurgia como a minha, depois de
sofrer um acidente de carro. Todas as vezes que o efeito dos

medicamentos começava a reduzir, eu sentia dores em cada músculo,

osso e articulação do meu corpo, algo que parecia vir para me lembrar
da gravidade do que tinha acontecido.

E sempre me levava a pensar que, se eu estava naquele estado

tão crítico, nem poderia imaginar como Layla estaria, sendo que estava

sem cinto de segurança no momento do acidente.

Atendendo ao meu pedido, meu irmão Logan estava cuidando


diretamente do caso dela, e vinha me mantendo informado. Apesar de

atualmente ser diretor geral do Hospital de Nova Iorque, ele havia

trabalhado durante anos ali em Los Angeles e, com isso, tinha muitos

conhecidos e bons contatos naquela unidade, o que lhe permitiu pedir

alguns favores especiais. Além de poder participar diretamente dos


procedimentos, ele também conseguiu que sua esposa Evelyn e nossa

cunhada Camila fossem cadastradas como acompanhantes de Layla, já

que eram amigas dela.

Especialmente porque, até o momento, o pai dela ainda não


tinha dado as caras por ali. Apenas a irmã, que por ser menor de idade
não podia ser acompanhante de uma paciente da UTI.

O que eu sabia até o momento era que Layla teve algumas

fraturas ósseas – embora nenhuma delas fosse grave a ponto de deixar

danos permanentes. E que perdeu muito sangue com o acidente e, por

isso, precisou passar por uma transfusão. Ela também respirava com o
auxílio de aparelhos, mas Logan me garantiu que esta provavelmente

seria uma condição temporária. Ele se mostrava otimista com a

melhora dela, mas eu não sabia até que ponto aquele otimismo era real

ou se era apenas para me manter sossegado naquela cama.

Claro, como se eu tivesse qualquer condição de fugir dali,


tendo minha perna engessada e suspensa e tanto analgésico forte

socado em minha corrente sanguínea que eu chegava a perder a noção

de quanto tempo passava acordado ou dormindo.

Contudo, eu estava bem acordado naquele momento. E, caso


não estivesse, teria de qualquer maneira despertado com a fúria com a

qual a porta do meu quarto foi aberta.

— Oi, Sebastian — a mulher me cumprimentou após entrar

como um furacão.
‘Furacão’ seria um bom termo para se referir a ela.

— Oi, Janet — respondi.

Janet Rodriguez trabalhava para minha família já há muitos


anos, desde que eu e meus irmãos éramos ainda crianças. Por conta

disso, ela tinha um modo meio maternal de falar conosco.

Não maternal de um jeito carinhoso, mas sim autoritário.

Como naquele momento, em que me olhava em um misto de

preocupação com um questionamento do tipo “mas em que merda


você foi se meter?”

Era nossa advogada. Por muito tempo, cuidava apenas de


questões da empresa, mas recentemente também tinha passado a

trabalhar em causas pessoais nossas.

Ela se aproximou da cama, olhando para a minha perna.

— Fiquei sabendo que por muito pouco você precisaria

amputar a perna.

— Que bom que não precisei, não é? — rebati, sarcástico. —

Por que está aqui? Veio como amiga da família ou como advogada?
— Inicialmente, como amiga. Como a amiga mais velha, que

tem idade para ser sua mãe, e que ficou em desespero quando
descobriu o que tinha acontecido. Sabe, Sebastian, em algum momento

da minha vida eu decidi que não queria ter filhos, e eu juro para você
que achei que com isso nunca viria a receber telefonemas no meio da

noite e passar mal por saber que alguém que eu amo se meteu em
alguma roubada ou quase se matou no meio da madrugada.

— Sempre achei que esse fosse o discurso que você usava para
o Michael quando ele aprontava e você precisava livrar a barra dele.

— E era. De vocês três, Michael era o garoto problemático.


Mas Logan e você de repente, depois de adultos, decidiram se juntar a

ele nisso. — Ela fez uma pausa, ainda tentando manter sua pose de
mandona e fria. Contudo, percebi que ela segurou a respiração, em

uma tentativa nítida de conter as lágrimas, e sua voz soou embargada


quando concluiu: — Quando vi o estado em que ficou o seu carro, eu
simplesmente surtei. Você podia ter morrido. Tem sorte de estar vivo.

— Eu sei, Janet. Eu sei. Mas estou bem. Sinto muito por ter

preocupado você, de verdade.

Ela assentiu.
— Ainda está sentindo dor?

Sabia que não era do feitio dela demonstrar preocupação,

embora ela genuinamente se preocupasse.

— Estou bem, é sério.

— Ótimo... — Ela se sentou na poltrona ao lado da minha

cama e visivelmente tentou se recompor para voltar à sua pose fria,


profissional e impaciente de sempre. — Podemos conversar como
cliente e advogada agora?

— Eu preciso de uma advogada agora?

— O que você acha? Neste momento tem uma moça em coma


na UTI desse hospital, que veio parar aqui depois de sofrer o mesmo

acidente que você, em um carro que você dirigia. Consegue me


explicar o que aconteceu?

Conseguia. Havia repassado em minha mente todos aqueles


acontecimentos umas mil vezes.

— O trânsito parou, eu estava em uma velocidade alta, mas

dentro dos limites da estrada. Não consegui frear a tempo, tentei jogar
o carro para fora da pista, mas perdi o controle e bati em uma árvore.

— Foi feito um exame de sangue em você, e tinha um

percentual alcoólico.

Essa era uma possibilidade que ainda não havia se passado pela
minha cabeça. Especialmente porque, quando assumi aquele volante,
eu não me sentia bêbado. Não tinha percebido tudo o que aconteceu

como uma consequência de uma possível falha nos meus reflexos.

Poderia ter sido aquilo? Caso fosse, minha culpa pelo ocorrido
não era apenas subjetiva. Não era mais apenas uma série de “se”. “Se

eu tivesse deixado Layla pegar um táxi” ou “Se eu não tivesse dito a

ela aquela besteira que a fez soltar o cinto de segurança”.

Agora, podia ser uma culpa objetiva e direta.

— Eu não tinha ainda ligado uma coisa à outra, Janet. Até


porque, não me sentia bêbado naquele momento. Não a ponto de ser

impossibilitado de dirigir.

— Bem, só a perícia do carro poderá dizer. Há uma chance de

ter sido alguma falha mecânica.


— Nenhuma outra possibilidade?

— Não. Tive acesso às câmeras de segurança da estrada, que


registraram o seu acidente. O intervalo de segundos entre o momento

em que o trânsito parou e que você saiu da pista eram mais do que

suficientes para você ter freado, Sebastian. Mas parece que você nem

mesmo tentou fazer isso.

— Eu tentei. Lembro claramente de ter pisado no freio.

— Lembra mesmo? Acidentes como o seu às vezes afetam um

pouco o discernimento da nossa memória.

Pensei melhor a respeito, tentando me recordar do momento do

acidente. Janet tinha razão, eu não podia ter muita certeza do que dizia.
As lembranças eram vagas demais.

— Então é por isso que veio aqui como minha advogada? —

perguntei, mas não aguardei por respostas. — Se for comprovada a

minha culpa, pagarei por isso. Não quero nenhuma defesa com relação
a isso.

— Vamos devagar, Sebastian. Sei que já está dando todo o

suporte possível à moça com as despesas hospitalares e que vai


continuar fazendo isso caso ela fique com alguma sequela ou caso

venha a óbito, mas... Estamos falando de um processo que pode

evoluir para a esfera criminal.

— Se algo mais grave acontecer a ela, Janet, eu mereço ser


punido.

— Sou sua advogada e é meu dever defender você.

— Não se eu não quiser ser defendido.

— Vamos fazer um acordo? Foque unicamente em se

recuperar. Em ficar bem para sair logo desta cama e deste hospital. E
deixe que eu cuido das questões burocráticas e jurídicas.

Senti no olhar de Janet a urgência que ela sentia para que eu

concordasse com aquilo. E foi por isso que assenti, tentando

tranquilizá-la de que eu realmente iria focar em me recuperar o mais


rápido possível.

*****
Capítulo sete

"Não há nenhum ouro nesse rio

No qual tenho lavado as minhas mãos desde sempre

Sei que há esperança nessas águas

Mas não consigo me convencer a nadar

Enquanto eu estou afogando neste silêncio"

(Easy on me – No Resolve)

15 de janeiro
Apenas duas semanas depois, eu enfim recebi autorização

médica para me levantar da cama.

Isso só ocorreu graças a Logan, que usou sua influência para


que o médico responsável pelo meu caso me liberasse. Foi-me

sugerido usar uma cadeira de rodas, já que ainda precisaria de mais

dias para minha perna se recuperar, mas optei pelo uso de muletas –
embora os médicos reforçassem que talvez ainda fosse um pouco cedo

para isso.

Eu não tinha tempo para prolongar os cuidados. Precisava me

recuperar o mais rápido possível, para sair logo daquele inferno.

De qualquer maneira, eu ainda precisaria ficar mais alguns dias

preso naquele maldito local. O mesmo onde Bonnie havia passado

suas últimas semanas de vida. O mesmo lugar onde eu adoraria nunca

mais precisar pisar.

Mas eu tinha ido parar ali por minha própria culpa. E ainda
havia arrastado comigo uma mulher jovem, que agora estava

literalmente entre a vida e a morte.


Layla seguia em coma, devido a um traumatismo craniano.

Por minha culpa...

Ela não podia receber visitas além das pessoas registradas


como suas acompanhantes. Mas pedi a Logan que me levasse até o

setor onde ela estava. Queria conversar com o médico responsável

pelos seus cuidados e vê-la nem que fosse através do vidro da porta da

UTI.

Meu outro irmão, Michael, também tinha ido me visitar nesse


dia, e os dois agiam como meus seguranças, caminhando cada um de

um dos meus lados pelos corredores do hospital, a passos lentos para

acompanharem o meu ritmo com uso das muletas.

— Vocês não têm nada mais importante para fazerem hoje? —


resmunguei, já incomodado com todo aquele cuidado.

— Sabe como é, né? — Michael respondeu, sarcástico. — Eu

sou o chefe da Turner na sua ausência, então isso também me dá o

poder de deixar alguém no meu lugar. Camila está cuidando das coisas
por lá. Sabe que ela é competente para isso.
— Mais do que você, sem dúvidas — rebati. E ele apenas riu,

provavelmente encarando aquilo como uma brincadeira.

E nem era o caso. Eu não dizia nada além da verdade.

Olhei para Logan e falei:

— E você? Não deveria voltar para Nova Iorque com a sua

família?

Minha mãe e meus dois irmãos praticamente nunca me

deixavam sozinho, os três se revezando para ficarem comigo. E, até


onde eu sabia, minhas cunhadas Camila e Evelyn também se

revezavam para ficarem com Layla.

E absolutamente ninguém sabia me responder ao

questionamento a respeito do pai dela.

Entramos no elevador e, após apertar o botão para o andar

acima do nosso, Logan respondeu:

— A Evelyn vai voltar amanhã com as meninas, mas eu


pretendo ficar mais alguns dias, ao menos até você receber alta.
— Vou precisar de um fisioterapeuta, Logan. Não de um

neurocirurgião.

— Eu pensei, na verdade, que talvez eu possa ser mais útil aqui


como irmão do que como médico.

— Quem diria que justo você se tornaria o grudento da


família?

— E quem diria que justo você fosse se tornar o mais


desapegado?

Aquela não era a palavra certa. Mas era real que eu vinha me

afastando nos últimos meses, desde a morte de Bonnie. Eu sempre


estaria disponível para minha mãe, meus irmãos, cunhadas e sobrinhos
quando precisassem de mim, mas não era mais alguém que se

animasse com visitas, jantares ou festas.

Nada disso tinha mais qualquer graça para mim.

— Tem o seu trabalho em Nova Iorque, Logan — declarei. —

Eu vou ficar bem.

— Já disse que irei embora logo que você tiver alta, Sebastian.
Pensei em retrucar, mas, neste momento, a porta do elevador se
abriu e avistamos, alguns metros à frente, minhas cunhadas Evelyn e
Camila, ao lado de uma adolescente, as três discutindo com uma

mulher uniformizada que provavelmente era funcionária do hospital.


Logan apressou o passo até lá e perguntou, colocando a mão nas costas

da menina, que era a mais tensa das três:

— Sylvie... está tudo bem por aqui?

Sylvie?

Olhei melhor para a garota, forçando minha mente a me


recordar da foto que Layla havia me mostrado em seu celular.

Então, aquela era a irmã dela...

Sylvie olhou para Logan, com seus olhos azuis imersos em


lágrimas.

— Essa moça está dizendo que minha irmã tem que ficar
sozinha.

A mulher nos olhou e explicou:

— A paciente que elas querem ver não pode receber visitas.


— Não somos visita — Evelyn rebateu, enérgica. — Nós duas
somos as acompanhantes da Layla, e essa menina é irmã dela.

A mulher respondeu de forma calma, falando mais para Logan


– que, apesar de não trabalhar oficialmente ali, usava jaleco e um

crachá de médico-visitante:

— Como eu dizia para elas, menores de idade não podem ser

acompanhantes. O novo chefe solicitou que verificássemos todas as

relações de acompanhantes dos pacientes, e a situação da senhorita


Francis está completamente irregular. Constam dois nomes como

acompanhantes, Evelyn Turner e Camila Turner, mas nenhuma das

duas são parentes dela.

— Espera... — Logan falou. — Você disse ‘novo chefe’?

— Sim, a chefia do hospital mudou este ano, e o novo chefe


assumiu ontem.

Tínhamos um problema ali. Logan usara sua influência no

hospital para conseguir que Evelyn e Camila fossem cadastradas

oficialmente como acompanhantes de Layla. Como Evelyn precisaria


voltar para Nova Iorque no dia seguinte, Camila seguiria com esse
papel. Tinha sido um pedido das duas, que não queriam que sua amiga

ficasse sozinha. Porém, pelo regulamento, apenas parentes poderiam


acompanhar pacientes internados.

— E quem é o novo chefe? — Logan perguntou.

— É o doutor Wilson.

— Wilson? Alfred Wilson?

— Exatamente.

Logan fez uma cara que me indicava que ele não apenas
conhecia o médico citado, como também que não era alguém por quem

ele tivesse apreço.

Ou o contrário, como mostrou ser o caso quando ele me disse,

enquanto Evelyn, Camila, e agora também Michael continuavam a


discutir com a funcionária e Sylvie seguia a chorar:

— Esse cara era um dos candidatos à vaga de chefia do

Hospital de Nova Iorque. E ele visivelmente não ficou muito feliz em

perder para mim.


— Isso quer dizer que você não vai conseguir usar sua

influência para manter a Camila como acompanhante?

— Definitivamente não. E a irmã não pode ser acompanhante,

é menor de idade.

— Qual é exatamente o estado da Layla, Logan?

— Ela passou por algumas cirurgias e transfusões de sangue,

mas segue em coma, sem mudanças no quadro. E infelizmente

precisamos que ela acorde para avaliar se há alguma sequela do

acidente.

— E o pai dela? Por que não está aqui como acompanhante? —

fiz essa pergunta em um tom um pouco mais baixo, para que Sylvie

não ouvisse.

E ela provavelmente não teria ouvido, já que se juntava a


Michael e minhas cunhadas nas tentativas de tentarem convencer a

funcionária a não alterar o quadro de acompanhantes de sua irmã.

— Sylvie apenas diz que ele não pode vir — Logan respondeu

no mesmo tom. — O homem perdeu a esposa há pouco tempo, talvez


o estado emocional dele não esteja dos melhores neste momento.
Era um argumento bem válido para mim. Fazia poucos meses

que a mãe de Layla havia morrido, e eu compreendia bem a dor que


era ficar viúvo de alguém que se ama. Mesmo um ano depois da morte

de Bonnie, eu sentia que ainda não havia recuperado a minha própria

sanidade.

Um ano...

Só então, eu me dei conta da data. Aquele era o exato dia do


aniversário de um ano da morte de Bonnie. E lá estava eu, naquele

mesmo maldito hospital onde ela havia respirado pela última vez.

Logan anunciou que de nada adiantaria continuarem a discutir

com a funcionária, que provavelmente não podia fazer nada naquela


situação. Ela estava apenas cumprindo ordens, no fim das contas.

— Que inferno! — Camila esbravejou, logo que a funcionária

se afastou, indo para trás de um balcão. — Layla não pode ficar

completamente sozinha, isso não é justo!

— Infelizmente, essas são as normas, Camila... — Logan falou,

abraçando a esposa. — Fiquem tranquilas, ela está sendo muito bem

cuidada aqui.
— Não quero que minha irmã fique sozinha — Sylvie

choramingou.

— Vocês não têm algum outro parente? — Logan indagou. —

Um tio, avós... Algum primo que seja maior de idade?

Sylvie balançou a cabeça em negativa.

— Não. Nossos avós faleceram há alguns anos, e nosso pai não

tem mais contato com os irmãos.

— Camila e eu somos amigas dela — Evelyn insistiu. — Que

merda, como isso não conta como família?

— Deveria, mas não conta neste caso — Michael falou, em um


tom mais sério do que lhe era de costume.

Logan concordou:

— E, infelizmente, o novo diretor me odeia. Não tenho como

fazer qualquer pedido a ele.

Nesse momento, os olhos de Sylvie finalmente pareceram


perceber a minha presença ali, e ela se mostrou confusa.
— Quem é você?

Todo mundo pareceu em alerta com o questionamento, o que

me dava uma dica do que estaria por vir.

— Meu nome é Sebastian Turner — respondi.

A expressão no rosto da menina se alterou, indo da tristeza à

revolta.

— Você... Foi você que provocou aquele maldito acidente.

Você é o culpado por minha irmã estar do jeito que está.

As acusações eram fortes, mas eu não tinha como me defender


delas. As causas do acidente não tinham ainda sido esclarecidas. Logo

que fui internado, foi feito um exame de sangue em mim que

comprovou a presença de álcool, mas eu tinha a plena consciência de


que não estava bêbado quando assumi aquele volante. Ao menos, eu

não considerava meus reflexos alterados.

Pelo menos, era a percepção que eu tinha, que obviamente

poderia estar errada. Talvez o maior erro da minha vida tivesse sido
me propor a dirigir depois de ter bebido. E eu nunca me perdoaria se

isso custasse a vida de outra pessoa.


— Eu sinto muito — foi só o que eu consegui responder a
Sylvie.

Ela continuou a me olhar com ódio e seu choro se intensificou.

Camila e Evelyn se apressaram em afastá-la de mim, puxando-a até

uma cadeira, enquanto conversavam com ela na tentativa de acalmá-la.


Eu apenas as segui com os olhos, sentindo o peso da culpa pela forma

como a menina me encarava.

Ela havia perdido a mãe há apenas alguns meses. Agora, estava

a um fio de perder também a irmã.

Por minha culpa.

*****
Capítulo oito

"Eu não sei para onde ir a partir daqui agora"

(Second Guess – You+Me)

Enquanto minhas cunhadas tentavam acalmar Sylvie, uma

médica vinha de um dos corredores e nos avistou, vindo em nossa

direção. Pela forma como Logan a cumprimentou, logo deduzi ser a


responsável pelo caso de Layla.

Confirmei essa suspeita quando meu irmão nos apresentou, e a

médica – doutora Butler – nos convidou a segui-la até a sua sala.


Logan e ela foram na frente, e eu segui mais devagar, sendo

acompanhado por Michael, que apoiou a mão em minhas costas,


mostrando-se preocupado.

— Tudo bem, cara? — ele perguntou.

— Já disse que estou bem, Mike. Mesmo usando essas

porcarias de muletas e sem poder colocar a perna no chão, eu ainda

sou capaz de me locomover sozinho.

— Sabe que não é disso que estou falando, não é?

Eu sabia. Michael poderia ter sido uma peste de irmão quando

criança, além de um adolescente e jovem bem problemático. Mas ele

tinha uma qualidade inegável: o fato de sempre ter sido um bom ser
humano. Eu sabia que, caso estivesse no meu lugar, ele, assim como

eu, estaria se corroendo em culpa pelo estado de saúde de Layla.

Então, eu sabia que ele era capaz de entender.

— Não vou me perdoar se aquela moça não sobreviver, Mike...

— declarei.

— Ela vai sobreviver. A gente precisa ter fé.


— Se fé bastasse, pessoas boas não morreriam, Mike. Você
sabe disso.

— Eu sei. Mas a gente precisa se agarrar a alguma coisa.

Eu não queria me agarrar a nada. Já bastava o tanto que eu

abraçara a certeza de que Bonnie sobreviveria à doença que, no fim

das contas, acabou levando a sua vida.

Viramos ao final do corredor e a doutora Butler abriu uma

porta que levava a outro, com meias-paredes em vidro, de onde podia


se ver cada sala de UTI e os pacientes ali dentro.

E foi na última das salas, do lado esquerdo, que eu a avistei.

Parei diante do vidro, olhando para Layla. Em uma cama,

conectada a aparelhos que mediam seus sinais vitais.

A imagem, involuntariamente, me remeteu à Bonnie, quando

estava naquela mesma situação. A diferença é que Layla tinha

hematomas, marcas de pontos e curativos pelo rosto e braços.


Provavelmente também no restante do corpo, coberto por um lençol.
— Vem, Sebastian... — Michael me chamou, tocando o meu

ombro.

Olhei Layla por mais um segundo antes de me virar e seguir ao

lado do meu irmão pelo corredor, até a sala da médica.

Logo que chegamos, ela e Logan já estavam em uma conversa:

— Infelizmente, não poderei mais dar os boletins diários a


vocês — ela falava. — Tivemos uma troca de chefia e as coisas estão
bem mais rígidas por aqui...

Logan assentiu.

— É. E descobri que o novo diretor é o Wilson. Ele realmente


tem essa fama.

— Soube que ele antes tentou a vaga para a chefia do hospital


de Nova Iorque, que você assumiu.

— Pois é. O que significa que ele nesse momento não gosta

muito de mim, então de nada adiantaria eu tentar pedir um favor


pessoal.
— É, eu sei. — Ela suspirou. — Bem, mas, por hoje, vou ainda

passar as informações da paciente. Apenas não poderei mais fazer isso


a partir de amanhã...

Ela pegou um tablet sobre a mesa e começou a deslizar o dedo


sobre a tela, aparentemente procurando pelo relatório de Layla Francis.

Enquanto aguardava, eu pensava no que poderia ser feito dali

em diante. Não poderia deixar aquela mulher internada ali, naquele


estado tão vulnerável, sem qualquer pessoa responsável por ela.

— A irmã dela poderá receber os boletins diários? — indaguei.

A médica balançou a cabeça, ainda com os olhos na tela do


tablet.

— Apesar de ser menor de idade, poderei comunicá-la sobre o


quadro clínico da irmã. Mas, infelizmente, ela não poderá permanecer

aqui como acompanhante. Poderá vir apenas nos horários de visita.

— Vou procurar pelo pai dela — afirmei. — Só preciso receber

alta daqui. Eu já estou bem, consigo andar com as muletas.


— Você não está ainda em condições de alta, Sebastian —
Logan retrucou. — Precisa de pelo menos mais alguns dias para isso.

Eu ia retrucar, mas Michael foi mais rápido do que eu:

— Deixe que eu vou atrás do pai da garota, tudo bem? Logan

terá que voltar para Nova Iorque, mas Camila e eu ainda estaremos por
aqui para te ajudar nisso.

— Vocês têm dois filhos pequenos e uma empresa para cuidar


— rebati.

— A empresa está bem, e nossa mãe está cuidando das crianças

para nós. Sei que você se fechou muito depois da morte da Bonnie,
Sebastian. Mas não esqueça de que ainda tem uma família para te

apoiar.

Que merda... ele tinha mesmo que citar Bonnie naquilo?

Finalmente, a médica pareceu encontrar o que achava e


entregou o tablet para Logan, que era o único de nós três que

entenderia aqueles termos médicos.

— E aí? — perguntei.
— Basicamente... nada de novo... — Logan respondeu. E
deslizou o dedo sobre a tela para passar para a página seguinte. — Ela
antes apresentava uma leva alteração no funcionamento dos rins, mas

aparentemente isso se normalizou, o que é ótimo.

— Ela deu muita sorte — a médica falou. E eu tive vontade de


rir daquilo. Como poderia ser considerado ‘sorte’ alguém estar ferida

daquele jeito e em coma já há quinze dias? Contudo, ela explicou. —


Ela não teve nenhuma lesão grave em nenhum órgão. Dada a

gravidade do acidente, isso foi realmente muito positivo.

— E as tomografias cerebrais não mostram nenhuma alteração

— Logan concluiu, deslizando novamente o dedo pela tela.

— Isso quer dizer que ela não vai ficar com sequelas? —
questionei.

— Ainda é cedo para saber — a médica respondeu. —

Infelizmente, para algumas análises de danos cerebrais, precisamos

que a paciente esteja acordada.

— Então por que ela não acorda, merda? — falei, mais alto e
mais irritado do que deveria.
A doutora, no entanto, não se mostrou abalada. Já devia estar

acostumada a reações agressivas de pessoas que recebiam informações


médicas de um familiar ou amigo.

Só que Layla não era nenhuma das duas coisas para mim. Era

simplesmente alguém que eu conhecia, e com quem tive uma única – e

completamente equivocada – transa. Mas a culpa que me consumia era


tão profunda, que não havia nada naquele momento que eu desejasse

mais do que a recuperação dela.

Porém, antes que a médica pudesse responder, Logan falou,

olhando fixamente para a tela:

— Espera... Esse exame de sangue aqui é dela?

A doutora se aproximou, também olhando para o tablet.

— Ah, sim... Este era o ponto mais importante que eu tinha

para contar a você. Fizemos hoje pela manhã. Eu observei algumas

alterações hormonais no último exame e decidi pedir um Beta HCG...

Beta HCG?
Eu podia ser um completo ignorante em termos médicos, mas

me recordava do nome daquele exame. Bonnie o tinha feito uma vez,

dois anos antes, quando sua menstruação atrasou e cogitamos a


possibilidade de ela estar grávida.

Espera...

— Fizeram um teste de gravidez em Layla? — questionei,

incrédulo.

Foi Logan quem respondeu:

— Pelos níveis hormonais, ela está em uma gestação de


aproximadamente duas semanas.

Aproximadamente duas semanas?

Faziam exatos quinze dias desde o acidente.

E desde a noite que nós...

— Não pode ser... — falei, em choque.

Provavelmente sem compreender toda a dimensão do meu

assombro, os três ali continuaram a conversa.


— Isso complica a situação dela? — Michael indagou.

— É um fator a mais de preocupação nesse momento — a


médica respondeu. — Vamos precisar realizar mais uma série de

exames e monitorar bem essa gestação, além de termos que alterar

algumas medicações para que não afetem o embrião.

— Duas semanas... — falei, minha mente repetindo

continuamente aquela última informação.

— Provavelmente ela nem fazia ideia de que estava grávida

quando o acidente aconteceu — a médica opinou. — Aliás, pelo tempo

aproximado de gestação, a concepção aconteceu em algum dia

aproximado ao ocorrido, ela não tinha como saber.

Não tinha sido um dia aproximado... mas horas.

Naquela mesma maldita noite.

A não ser que Layla tivesse saído com algum outro homem

naquele mesmo dia ou, no máximo, no anterior, aquela gravidez era...

Aquele filho era...

— Merda... — esbravejei.
Agindo por impulso, larguei as muletas e dei meia-volta,

ignorando a dor ao apoiar a perna engessada no chão. Meus irmãos

tentaram me deter, mas consegui me soltar deles e sair da sala. Mesmo

mancando, segui pelo corredor a passos rápidos. Fui até a sala da UTI
onde Layla estava e entrei lá.

Parei ao lado dela, firmando as mãos no ferro lateral de sua

cama e olhando em seu rosto que, apesar de tão machucado, mostrava

uma suavidade de quem estava em um sono sereno e não em coma.

— Precisa acordar, Layla... — falei, agora com a voz mais

baixa, com o meu peito transbordando em angústia. — Eu preciso

saber se esse filho é mesmo meu. Eu preciso... — Fiz uma pausa,

olhando em seu rosto. — Eu preciso que você fique bem... Por favor.

Ouvi as vozes e os passos que entravam no quarto pela porta

que eu deixei aberta. Meus irmãos me seguraram, ambos falando

qualquer coisa sobre eu estar louco, enquanto a doutora Butler

enfatizava que eu não tinha autorização para entrar ali.

Eu a encarei, usando o trunfo que agora tinha em mãos para tal

autorização.
— Tenho direito a ser acompanhante dela. Tenho direito a estar

aqui... como pai deste bebê.

Senti as mãos dos meus irmãos se afrouxarem dos meus


braços. Provavelmente, ambos perplexos pelo que tinham ouvido.

A médica me encarou em silêncio por alguns instantes, como

se julgando se minhas palavras mereciam credibilidade ou se eram um

blefe para que eu pudesse ser acompanhante de Layla.

E a realidade era que nem eu mesmo podia ter certeza da

resposta a isso.

*****
Capítulo nove

"Tenha força, minha querida

Nós estamos destinados a ter medo

Mesmo que seja só por alguns dias

Compensando toda essa confusão"

(Run – Snow Patrol)

16 de janeiro
Eu não podia ter certeza a respeito daquilo.

Não tinha qualquer relacionamento com Layla e, até onde eu

sabia, ela era uma mulher solteira, então não seria nada demais se
tivesse se envolvido sexualmente com outro homem próximo ao dia

em que transamos. E por mais que aquela dúvida me dominasse –

afinal, eu precisava saber se aquele filho era realmente meu – tentei


não permitir que isso fosse percebido quando assumi a paternidade

junto à administração do hospital.

Afinal, aquele era o modo encontrado por mim para que Layla

não ficasse sozinha pelo tempo que ainda levasse até despertar.

Um lado pessimista de mim me corrigia. Se ela acordar. Mas

tentei não dar atenção a isso. Por mais aquele momento, eu queria ter

esperanças.

Talvez Michael tivesse razão. Era importante ter alguma fé na

qual se agarrar em momentos como aquele. E acreditar que aquela

garota ia se recuperar vinha sendo algo vital para mim.

Precisei assinar alguns papéis e, agora, tudo estava

oficializado. Layla não ficaria desamparada.


Logo que terminei com toda a burocracia e consegui um
documento me autorizando a ser acompanhante de Layla Francis,

afastei-me do balcão e caminhei até a área da recepção, onde o

pequeno grupo me esperava: meus irmãos, junto às suas esposas, e

Sylvie, que foi a primeira a dizer algo:

— Há quanto tempo estava saindo com a minha irmã, e por que

ela nunca falou sobre você?

Fui sincero na resposta:

— Nós apenas ‘saímos’ uma única vez, na noite do acidente.

— Minha irmã não tem o costume de ir pra cama logo que

conhece alguém. E também sempre se previne. É o que ela me diz.

Bem... ela provavelmente diria aquilo à sua irmã caçula em

uma forma de dar o exemplo a respeito de prevenção. Quando meus

irmãos eram mais novos, eu repetia o mesmo para eles, o velho

discurso sobre usar camisinha para evitar uma DST ou gravidez

inesperada.

Na realidade, era algo sincero, já que eu costumava seguir isso

à risca... até aquele momento. Talvez Layla também seguisse. Mas


tínhamos sido dois grandes inconsequentes e irresponsáveis naquela

noite.

Para me salvar daquela conversa, Camila colocou as mãos

sobre os ombros de Sylvie e falou:

— Querida, Sebastian não está inventando isso. Layla está


mesmo grávida. A médica repetiu hoje o exame e o resultado foi o

mesmo.

A garota se mantinha irritada.

— Então, quer dizer que ele mal a conhece, mas porque

transou uma única vez com ela, tem mais direitos do que eu, que sou
irmã?

— Não se trata disso, Syl... — Camila insistiu. — Infelizmente,


como menor de idade, você não pode ser acompanhante. Se não fosse

por essa gravidez, nenhum de nós poderia. Pense dessa forma:


Sebastian poderá ficar perto dela e nos repassará tudo sobre sua saúde.

— Acha que isso pode me deixar feliz, Camila? Layla só está


nesse estado, para início de conversa, porque ele chegou perto dela.
Sylvie vinha cumprindo muito bem o papel de manter o

sentimento de culpa bem aceso dentro de mim.

Tentando dar um fim àquilo, Logan e Evelyn anunciaram que


precisavam ir embora, porque o voo deles sairia à noite, e chamaram
Sylvie para acompanhá-los, pois dariam a ela uma carona até sua casa.

Logo que os três saíram, eu me virei de frente para Michael e

Camila, e meu irmão mais novo indagou:

— Você não está fazendo isso apenas para aliviar o sentimento

de culpa e a garota poder ter alguém como acompanhante, não é,


Sebastian?

Balancei a cabeça em negativa.

— Nós fomos mesmo para a cama naquela noite, depois que


saímos da festa de Réveillon.

— Então você é mesmo pai deste bebê?

— Isso eu já não posso afirmar de forma sincera.

— Provavelmente, sim — Camila declarou. — Fazia bastante


tempo que a Layla não saía com ninguém. A gente conversava sobre
essas coisas. Acho que o último cara com quem ela namorou foi pouco
antes de o estado de saúde da mãe dela piorar, isso tem mais de um
ano.

Aquilo ainda não me dava certezas. Com base na janela de

datas possíveis para a concepção, ela talvez apenas não tinha ainda
contado à Camila sobre ter tido relações com algum outro cara. Mas,
naquele momento, ainda que eu tivesse essa confirmação, não voltaria

atrás na decisão de, por aquele instante, assumir tal paternidade para
poder acompanhar a internação dela.

— Bem, eu preciso ir — Camila comunicou. — Prometi a


Alice que hoje a levaria para a escolinha.

— Acompanhe a sua esposa, Mike — pedi. — Eu já estou

bem, não preciso mais de um acompanhante, muito menos que meu


irmão caçula banque a minha babá.

— Tem certeza? — Mike rebateu, provocador. — Ontem


mesmo você saiu correndo como um louco, sem as muletas. Então,

você me parece alguém que precisa, sim, de uma babá.


— Foi em um momento de surto pela descoberta. Eu ainda
estou digerindo tudo.

— Sei que será um ótimo pai, Sebastian. Você sempre quis ter
filhos.

Não naquele contexto, com uma mulher que eu pouco conhecia


e que agora estava em coma em um hospital. Porém, decidi que ainda

não queria conversar a respeito daquilo. Não havia processado

corretamente a parte sobre ser pai.

— É sério, Mike, vá para casa. Até porque, eu consegui a

autorização para seguir com meu tratamento como acompanhante da

Layla Francis. Não sei se existe alguma dinâmica para ‘acompanhante

de um acompanhante’.

Michael assentiu, embora se mostrasse ainda preocupado.


Contudo, pareceu se lembrar de algo e tirou a grande mochila que

carregava nas costas, abrindo-a.

— Estou há dias andando com isso e sempre me esqueço de te

entregar... — Ele tirou algo grande embalado em um saco plástico


preto e estendeu em minha direção. Peguei, sem compreender. — Seu
carro foi levado para a perícia depois do acidente, mas já no dia

seguinte me entregaram isso aqui, disseram que não são relevantes


para as investigações das causas do acidente. São os objetos que

estavam dentro dele.

Assenti, pensando que toda aquela investigação era uma grande

perda de tempo. Eu sabia bem os motivos do que ocorrera. Meus


reflexos simplesmente não tinham funcionado como deveriam e eu não

consegui frear a tempo quando o trânsito parou. Agi por instinto,

jogando o carro para o acostamento para tentar evitar uma batida e


acabei perdendo o controle do veículo.

Não havia motivos para continuar caçando uma culpa que eu já

sabia e aceitava ser minha.

De qualquer maneira, agradeci a Michael e ele me abraçou em

despedida. Correspondi ao abraço, sentindo-me grato por ter o suporte


e apoio dele e de toda a minha família em mais aquele momento

difícil.

De lá, segui para o local onde eu sabia que passaria boa parte

dos meus dias.


Não havia outra cama no quarto de CTI, apenas uma poltrona

para o acompanhante, que foi onde me sentei logo que entrei ali. Eu

seguiria a dormir no meu quarto, onde também receberia todas as


medicações necessárias em horários já determinados, e também

iniciaria sessões de fisioterapia para retornar com os movimentos da

perna operada.

Fiquei algum tempo em silêncio, olhando para Layla, sem

saber muito bem como aquilo funcionaria.

Eu deveria conversar com ela?

Aliás, ela seria capaz de me ouvir?

E, caso ouvisse, o que teríamos para conversar?

Era tudo meio estranho, e eu cheguei a me questionar se tinha

sido uma boa ideia me colocar naquela situação.

Ao mesmo tempo, eu pensava no tanto que seria solitário e


cruel deixá-la completamente sozinha.

Então, decidi começar nossa nova fase de convívio dizendo o

que estava engasgado em minha garganta desde o dia do acidente.


— Eu sinto muito. Espero que você possa me perdoar por ter te

colocado nessa situação. Eu fui idiota e completamente imprudente, e


você não merecia ter que passar por tudo isso.

Ela seguiu completamente imóvel, como já era esperado.

Sinceramente, era difícil acreditar que pudesse estar ouvindo qualquer

palavra que eu dissesse.

Olhei para o pacote em minhas mãos e o abri, perguntando-me


o que teria ali dentro para fazer tanto volume. Eu havia trocado de

carro há poucos meses, e não tinha muitos objetos pessoais nele.

Mas logo que o abri, compreendi o que fazia tanto volume.

Como esperado, tinham poucos pertences meus ali, mas havia uma
bolsa feminina e um caderno. As coisas de Layla. Entregaria tudo a

Sylvie no dia seguinte.

Fui colocar os objetos sobre uma mesa ao lado da poltrona,

mas algumas coisas acabaram escapando da minha mão e caindo no


chão. Inclusive o caderno, que se abriu. Havia alguns papéis soltos

dentro dele, que também se espalharam pelo chão.


Eu não tinha a intenção de invadir a privacidade de Layla, mas,

em meio ao texto escrito à mão ali, o meu nome se sobressaltou,

chamando a minha atenção.

(...)o nome dele é Sebastian. Sebastian Turner. Ver a tristeza nos seus
olhos destroçou o meu coração.

Voltei a me sentar, trazendo o caderno – que agora percebi que

parecia se tratar de um diário – junto comigo. Sabia que era errado

fazer aquilo, mas era o meu nome escrito ali. Por isso, voltei meus
olhos até o início da página, começando a leitura completa para

compreender em que contexto ela havia me citado.

As páginas levemente amareladas não eram pautadas. Mas

ainda assim, toda a escrita era feita de forma impecavelmente reta, e


em uma caligrafia quase desenhada.

Hoje foi um dos dias mais difíceis de todos até agora.


Fomos mais uma vez levar a minha mãe para o seu tratamento, e lá ela

conversou com o médico responsável e decidiu que não quer mais dar
prosseguimento às sessões.

O médico nos explicou que, devido ao avanço da doença, as chances de

cura são quase zero. Com isso, restavam duas alternativas: seguir

tentando, mesmo contra todas as probabilidades, e com isso conseguir um


tempo maior de sobrevida, ou parar os tratamentos, o que daria à minha

mãe uma estimativa de, no máximo, uns dez meses de vida. Com o

tratamento, ela poderia, talvez, viver o dobro disso.

Eu compreendo a decisão dela. Porque ver o sofrimento e o mal estar


causados por cada uma das sessões é algo desolador. Nada nesse mundo

me destrói mais do que ver a minha mãe sofrer.

Ou quase nada. Também me destrói a ideia de vê-la partir.

Tudo o que eu queria era poder me agarrar, com todas as forças que

tenho, à probabilidade de menos de 1% de o tratamento ser um sucesso e


ela se curar. Meu pai e minha irmã também pensam assim. Mas essa é

uma decisão que apenas ela pode tomar. De qualquer maneira, estou

disposta a conversar mais com ela. Quem sabe ela também tenha
esperanças e mude de ideia?
Encontrei com a Camila e a Evelyn lá no hospital. Na verdade, toda a
família Turner estava lá, até mesmo as crianças. Descobri que uma

pessoa da família está também em uma situação complicada. É a esposa

do mais velho dos irmãos. Se não me falha a memória, o nome dele é


Sebastian. Sebastian Turner. Ver a tristeza nos seus olhos destroçou o

meu coração.

Fechei o caderno, sendo assombrado pela lembrança daquele

momento, ocorrido no mesmo hospital onde estávamos agora. Levei


Bonnie até lá para realizar uma cirurgia que daria fim a um problema

cardíaco que ela tratava há tempos. Nem mesmo os médicos

esperavam que ela fosse apresentar uma complicação, na qual a sua


vida seria levada.

Eu deveria deixar aquele caderno de lado. Ler uma passagem


na qual o meu nome tinha sido mencionado era algo compreensível,
mas nada mais que houvesse ali era da minha conta.

No entanto, minhas mãos me traíram, voltando a abri-lo,

passando de forma rápida por todas as inúmeras páginas escritas –


algumas aparentemente desenhadas – e indo até a última delas, datada
como trinta e um de dezembro.

Então, eu me lembrei... quando saí da festa, eu a vi escrevendo


algo ali.

Eu odeio tudo isso. Odeio que o mundo inteiro espere que todos estejam
felizes em datas como esta. E odeio que eu, de alguma forma, esteja

agindo da mesma maneira.

Sylvie estava chorando no telefone. E o que eu fiz? Disse que ela


precisava tentar se distrair e se divertir na festa das amigas. Como eu
pude pedir isso? Ela é só uma menina. Nem eu mesma, com meus vinte

anos, estou sendo capaz de conseguir esse feito.

Vir à festa dos Turner foi um erro. Convencer Sylvie a ir para a festa das
amigas também. Devíamos estar juntas agora, apoiando uma à outra.
Agora é tarde demais para isso.

Tudo o que quero é ir embora daqui. Ir para qualquer lugar que não seja

a minha casa, onde preciso lidar com as lembranças da minha mãe... e


com a presença do meu pai. Foi só por Sylvie que voltei para lá, não por
ele. Não por alguém que não tem qualquer afeto por mim.

Eu queria apenas... desaparecer.

Apenas deixar de existir.

Sylvie é a única razão pela qual eu ainda me mantenho seguindo a vida.


E é por ela que eu me forço a aparentar estar bem, embora minha alma

esteja mergulhada em um imenso caos.

Porque não me resta nada mais que valha a pena.

Terminando de ler aquela última página, voltei a fechar o

caderno, sentindo o peso daquelas palavras e a similaridade com o que


eu mesmo sentia naquela noite.

Como eu pude ter sido tão idiota em dizer a Layla que ela não

era capaz de me compreender? De julgar que o luto dela fosse inferior


ao meu? De julgar seus sentimentos como filha por não ser biológica?

Eu era um merda, sinceramente.


Apanhei os papéis soltos no chão e voltei a guardá-los dentro
do caderno. Coloquei-o sobre a mesa e voltei a olhar para Layla.

— Se acha que Sylvie é sua motivação... Acorde logo, por ela.

— falei, com a voz baixa, torcendo para que ela pudesse me ouvir. —
E não só por ela. Porque agora, existe mais uma razão.

Pensei naquele bebê, que tinha grandes chances de ser meu.

Que tinha grandes chances de também ser a minha razão para


seguir.

*****
Capítulo dez

"Eu realmente não gosto de grandes multidões

Eu tendo a afastar as pessoas

Eu gosto do meu espaço, sim

Mas eu amaria ter uma alma gêmea

Deus vai me dar ele algum dia

E eu sei que vai valer a pena esperar"

(Dear No One – Tori Kelly)

30 de janeiro
Através da parede de vidro, eu observava enquanto Sylvie

conversava com a irmã. As visitas haviam, enfim, sido liberadas, e a


menina podia passar duas horas por dia por ali. Geralmente, era neste

momento que eu me ausentava para realizar minhas fisioterapias.

Meus danos motores eram menores do que o esperado pelos

médicos, e eu vinha apresentando progressos na fisioterapia. Com isso,


acabei recebendo alta há quatro dias, um pouco antes do que o

previsto.

Ainda assim, passava o dia inteiro naquele hospital, indo

embora apenas à noite para dormir em casa, e retornava bem cedo no

dia seguinte.

Uma enfermeira passou por mim e abriu a porta do quarto,

comunicando a Sylvie que o horário de visitas estava encerrado. A

menina se levantou e deu um beijo demorado na testa da irmã. Era

bonito ver o quanto elas se amavam.

Quando saiu do quarto, ela parou de frente para mim. Sequer

tentava disfarçar a raiva que ainda sentia e o quanto me culpava pela


situação em que a irmã se encontrava.

— E aí, qual o boletim de hoje? — ela indagou, de forma seca.

— Sem mudanças — respondi.

— E o bebê?

— Está tudo bem.

— Que bom. Eu não encontrei o documento de identidade da

Lay na bolsa dela. Por acaso está com você?

Estranhei a pergunta. Eu tinha entregado a bolsa de Layla para


a irmã. Contudo, não fiz o mesmo com o caderno, temendo que Sylvie

viesse a ler aquela última página, em que Layla contava como se sentia

a respeito dela. Aquilo me remeteu à forma como me senti em relação

aos meus irmãos mais novos quando nosso pai morreu, e pensei que

também não iria querer que eles soubessem a respeito disso. Portanto,

decidi guardar o diário comigo, até que Layla despertasse.

Só então, lembrei-me dos papéis soltos que estavam dentro do

caderno. Era provável que algum deles fosse um documento de

identidade.
— Talvez esteja entre os pertences que me entregaram, que

foram tirados do meu carro — respondi, emendando com uma mentira.


— Ainda não retirei tudo da sacola onde tudo foi entregue, vou

procurar e te aviso amanhã, caso encontre.

Ela assentiu.

— Perfeito.

Ela começou a se virar para ir embora, mas eu a detive,


perguntando algo que estava há dias rondando minha mente.

— Espere, Sylvie. O seu pai... Ele não pretende mesmo vir?

— Ele está com problemas... de saúde.

— Posso ajudar em algo?

— Não. Já basta todo o dinheiro que está gastando custeando a

internação da minha irmã. Provavelmente nunca vamos poder te


ressarcir tudo isso.

— E não precisam. Não é mais do que a minha obrigação.


— Concordo — ela era ácida e direta. Perguntei-me se a irmã

dela seria assim também. Afinal, Layla e eu não conversamos o


suficiente para que eu a conhecesse melhor. — Mas você não tem

obrigação alguma com o nosso pai.

— Mas se eu puder ajudar...

— Já disse: não pode. Apenas ele pode. Mas para isso ele

precisa querer.

— Como assim?

— Nada. Não é nada. Preciso mesmo ir.

Então, ela se virou e foi embora, a passos rápidos. Nisso, voltei


a entrar no quarto de Layla, sentando-me na poltrona ao lado de sua

cama.

— Sua irmãzinha é bem difícil de lidar, não é?

Abri a primeira gaveta da mesinha ao lado da cama, pegando lá

o caderno de Layla, que eu não havia voltado a abrir desde o dia em


que ele me foi entregue. Passei rapidamente as páginas, em busca dos

papéis soltos que eu tinha colocado dentro dele, encontrando todos em


uma única folha, logo no início. Eram notas fiscais, dois cartões de
visita aleatórios e o documento de identidade que Sylvie procurava.
Peguei tudo para entregar a ela no dia seguinte, e minha intenção era

voltar a guardar aquele diário como eu vinha fazendo até então.

Contudo, caí na besteira de desviar os olhos para a página


aberta. E, desta vez, não foi nada no texto que chamou a minha
atenção, mas um desenho.

Um desenho simplesmente perfeito.

Era possível reconhecer as pessoas ali retratadas: Layla e


Sylvie, ambas parecendo mais novas. Olhei a data anotada logo

abaixo, que indicava que tinha sido feito há quase dois anos.

Também havia a assinatura de Layla, confirmando a autoria da


ilustração.

— Você é bem talentosa... — falei, desviando os olhos do


papel para a mulher deitada sobre a cama à minha frente.

Era interessante descobrir algo mais sobre ela. Afinal, eu tinha


ainda tão poucas informações a seu respeito. Se eu anotasse tudo o que

sabia, não ocuparia sequer meia página daquele caderno.


Ela era estudante de Arquitetura, estagiária da Turner
Architecture, e tinha...

Olhei para o documento de identidade, checando sua data de


nascimento.

Vinte anos. Completaria vinte e um dali a um mês, e eu torcia


para que ela pudesse passar o aniversário em casa.

Ela tinha sido adotada, tinha uma irmã adolescente, perdeu a

mãe há alguns meses, e... por qualquer razão desconhecida, não se


dava bem com o pai.

Ela era canhota... reparei isso quando a vi escrevendo do lado

de fora da casa da minha mãe na noite da festa. E era deliciosa na

cama.

Balancei levemente a cabeça, tentando afastar aquele


pensamento completamente impróprio.

E ela estava grávida. Muito possivelmente de um filho meu.

E isso encerrava a lista de coisas objetivas que eu sabia a seu

respeito.
Voltei a olhar para o desenho e sabia que deveria parar por ali.

Contudo, quando me dei conta, descia instintivamente os olhos para o


pequeno texto escrito logo abaixo.

Sigo treinando o meu traço, embora saiba que isso é uma grande

perda de tempo. Achei essa foto, minha com a Syl, no meu celular e
decidi tentar reproduzi-la. Curti o resultado.

Desenhar é algo que sempre me faz bem. E eu precisava disso hoje,

depois do dia que tive ontem.

Não sei por que fui cair na besteira de ir almoçar na casa dos meus

pais. A minha mãe ama quando vou até lá, e gosto de estar com ela e
com a Syl, mas... Meu pai sempre consegue estragar cada um desses

momentos.

Ele simplesmente não consegue sequer fingir que gosta de mim e

que não se arrepende do dia em que concordou em me levar para a


sua casa.

Eu já sei que ele é assim, então não deveria mais deixar que isso me

afete. Mas, ao invés disso, uma parte de mim está sempre buscando
formas de agradá-lo, de mostrar que posso ser a filha perfeita que

ele queria que eu fosse.

Tenho pensado muito nisso nestes últimos dias. Sobre o quanto ter

entrado para a faculdade de Arquitetura pode ter sido um grande


erro. Afinal, este era o sonho dele e não o meu.

No entanto, eu preciso também pensar no meu futuro. Não é como

se eu odiasse Arquitetura. Eu até gosto, apesar de não ser algo que

eu queira fazer pelo resto da minha vida. E eu também não tenho


nenhuma outra carreira sólida que pudesse querer seguir.

Apenas coisas ligadas a artes. Mas, se eu fizesse isso, iria assinar

com mais força uma declaração de guerra entre meu pai e eu. A vida

dele é dizer que coisas como 'desenhos bobos' não dão futuro para
ninguém.

Talvez eu devesse apenas seguir o meu coração e me arriscar no que

eu amo. Tenho pensado muito nisso.

O universo podia me mandar um sinal para me ajudar a me decidir.


Vaguei meus olhos para a folha seguinte, que já iniciava em

outra data, dias depois daquela.

E o sinal veio.

Há meses, eu me candidatei a uma vaga para a nova equipe de estagiários

da Turner Architecture. Jurava que não ia conseguir, já que estou ainda

no meu primeiro ano de faculdade. Ainda assim, fui uma das


selecionadas.

É simplesmente o maior escritório de Arquitetura do país. Como posso

dizer não a uma oportunidade dessas?

O salário é bem melhor do que o do meu emprego de meio-expediente

como garçonete, além de contar muito para o meu currículo. É o trabalho


dos sonhos para qualquer estudante de Arquitetura, e caiu bem nos meus

braços.

Talvez este seja o sinal que eu tanto pedi ao universo.


Voltei a olhar para o desenho, atento aos detalhes dele. Eu não

precisava sequer ver a foto original para perceber que era

absolutamente perfeito.

— Não era um sinal, Layla... — falei, voltando a olhar para ela.


— Olha só para isso. Como pode deixar algo tão perfeito escondido

nas folhas de um diário? E não deveria escolher uma profissão com

base no que o seu pai...

Calei-me de súbito, pensando um pouco melhor a respeito


daquilo e me dando conta de que eu deveria ser a pessoa menos

indicada do mundo para dizer aquilo a alguém.

— Bem, não é muito diferente do que eu mesmo fiz, no fim das

contas... — falei. — Meu pai sempre insistiu na importância de algum


dos filhos assumir algum dia o comando da Turner. Meu irmão do

meio, Logan, desde criança sempre bateu o pé dizendo que queria ser

médico. O caçula, Michael, ainda era novo demais para decidir

qualquer coisa da sua vida, mas sempre deixou bem evidente que não
tinha qualquer compromisso em se mostrar responsável com nada. E

eu era o filho mais velho, então... Sempre pareceu meio natural que o

sucessor do meu pai fosse eu. Eu acho que nunca realmente pensei
muito a respeito disso. Eu apenas... segui com os planos dele, mesmo
depois que ele morreu. Nunca sequer pensei que pudesse ter vocação

para qualquer outra coisa na vida. Nisso, sou diferente de você,


porque... Olha só para isso.

Voltei a olhar para o desenho, reforçando em minha mente que

ela era, de fato, muito talentosa.

Minhas mãos deslizaram sobre o papel e, sem me dar conta,

acabei virando a folha. Se eu pensasse por um segundo a respeito


disso, perceberia que estava indo longe demais. Mas, naquele

momento, não queria pensar. Sentia uma necessidade absurda de

absorver mais sobre aquela mulher.

A folha seguinte também começava com um desenho. Era uma


casa, de frente para uma praia. Era noite, o céu estava bem estrelado e,

na areia, era possível ver as costas de um casal sentado e, logo adiante,

duas crianças e um cachorro, que pareciam correr em direção ao mar.

Não havia cores no desenho feito a lápis. Mas, ao mesmo


tempo, existia tanta vida ali.

Logo abaixo, se iniciava um texto que continuava pela página

seguinte.
Às vezes sonho com um futuro assim para mim.

Eu amo o mar, e seria a pessoa mais feliz do mundo se pudesse dormir e

acordar todos os dias ao som das ondas. Pode ser uma casa simples,

pequena, não me importo com maiores luxos. Contanto que tenha o mar,
tudo será perfeito.

O mar e uma família.

Quero ter dois filhos, embora só queira ficar grávida uma vez. Lembro de

quando minha mãe estava grávida da Syl, e o quanto ela parecia radiante.

Quero viver isso algum dia também, caso seja possível. Mas ao menos um
dos meus filhos será gerado apenas em meu coração, assim como eu fui

no coração da minha mãe. E, claro, quero ter ao menos um cachorro.

E, também se for possível, quero um dia encontrar um amor.

Mas tudo isso parece tão distante.

Eu tenho um bom salário na Turner, mas casas perto do mar, por mais

simples que sejam, são bem caras. E eu já queria poder ter um cachorro
desde que saí da casa dos meus pais, já que meu pai nunca nos deixou ter
nenhum animal. Mas, aqui no prédio onde aluguei meu apartamento, não
permitem pets.

E, quanto ao amor...

Andrew e eu estamos saindo há seis meses. Ele é um cara legal, e eu gosto


dele, mas...

Não sei explicar direito. Às vezes sinto que ele não é uma pessoa que vá
estar ao meu lado se em algum momento eu precisar de um apoio. Ele já

comentou que sonha em um dia ser pai, mas não o vejo segurando a mão
de uma mulher enquanto seu filho vem ao mundo.

E eu não o vejo... sei lá... fazendo coisas como olhar as estrelas do céu ao
meu lado.

Nossa, agora que eu escrevi é que percebi: como isso pareceu bobo.

Enfim, não sei se Andrew e eu vamos durar. E também não sei se vou

realizar esses sonhos, mas hoje acordei com essa imagem na cabeça.
Dessa casa. Dessa vida. E quis, ao menos em um desenho, torná-la real.
Fechei o caderno, pensando que já tinha ido longe demais em
tudo aquilo. Sentia-me invadindo a privacidade de Layla e sabia o
quanto isso era errado.

Ao mesmo tempo... senti também algo em meu peito ao ler

tudo aquilo.

Era quase como conversar com ela.

Era como, enfim, poder conhecê-la melhor.

— Nada disso é bobagem, sabe? — falei. — A gente se


conhece pouco, mas eu acho que você é o tipo de pessoa que não
merece nada menos do que ter alguém que queira olhar as estrelas do

céu com você.

*****
Capítulo onze

"Veja, eu estou com medo demais para dizer a verdade

Porque meu coração, ele não pode aguentar mais

Quebrado e machucado, esperando por você

E eu não sei pelo que estou esperando"

(Why Don't You Love Me (feat. Demi Lovato) – Hot Chelle Rae)

12 de fevereiro
A cada dia que se passava sem que Layla desse sinais de

despertar, mais eu via a preocupação no rosto da doutora Butler.

Segundo ela, todos os sinais vitais de Layla seguiam estáveis,


assim como os do bebê, que agora já estava com seis semanas. Já

entrava, inclusive, em um período ideal para a realização do primeiro

exame de ultrassom, que era recomendável ser realizado até a décima


semana. Como pai, eu poderia autorizar tal exame, mas não me sentia

confortável para isso. Parecia mais uma invasão ao corpo de Layla –

mais uma além das inúmeras feitas até ali, com tantos exames e
procedimentos dos quais eu precisei dar o consentimento. Além do

mais, ela merecia estar consciente quando aquele primeiro ultrassom

fosse realizado.

Tive minha alta nos primeiros dias de fevereiro, e precisava

apenas seguir com mais algumas semanas de fisioterapia. Mas nem

acreditava que fosse precisar de muitas, porque já estava conseguindo


caminhar bem com a minha perna operada. Sentia ainda um pouco de

dor e dificuldades em alguns movimentos, mas acreditava que em

pouco tempo estaria completamente recuperado.

Seguia no hospital. Muitas vezes, até mesmo passava a noite lá.


Tinha já me acostumado a dormir naquela poltrona.
Ainda assim, precisava sair em alguns momentos para resolver
questões pessoais. Como naquele dia, que enfim consegui marcar com

um corretor imobiliário para visitar alguns apartamentos. Eu já tinha

adiado demais a minha mudança, queria resolver aquilo o mais rápido

possível.

No momento, ele me mostrava o último dos apartamentos que

havia separado para mim. Eu o seguia pelos cômodos, balançando a

cabeça e fingindo me importar com os detalhes que ele narrava. Eu

estava disposto a simplesmente fechar a decisão de compra por

qualquer um deles naquela mesma tarde. Provavelmente do primeiro

que tínhamos visitado, já que era o que ficava mais próximo do

escritório da Turner.

Até que algo, enfim, chamou a minha atenção.

— O diferencial deste apartamento com relação aos demais


está aqui... — o corretor falou enquanto abria as portas da sacada da

suíte principal. — Você dificilmente vai encontrar outro apartamento à

venda com uma vista melhor do que esta.

Quando as portas foram abertas e o ar fresco vindo do mar


entrou no cômodo, compreendi o que ele queria dizer. Fui até a
espaçosa varanda, olhando para a praia do outro lado da rua. A

proximidade do mar não tinha sido uma questão que levei em


consideração quando solicitei aquelas visitas, mas agora eu percebia o

quanto isso, de fato, era um diferencial.

Fechei os olhos por um momento, ouvindo o barulho das

ondas. No entanto, no andar alto em que estávamos, o som já chegava


fraco, e ainda se misturava aos dos carros transitando na avenida.

De repente, passou-se pela minha cabeça que não era aquilo o


que eu queria.

O desenho feito por Layla invadiu a mente.

Era muito louco pensar que, talvez, eu estivesse agora me


dando conta de que também gostaria de ter algo como aquilo?

Antes, eu tinha mil sonhos, junto a Bonnie. Viagens que

queríamos fazer, os filhos que queríamos ter... Naquela que agora já


me parecia uma outra vida, outra existência, eu ousara sonhar. Até que
a mulher que eu amava morreu e tudo o que me restou foi a praticidade

para conseguir seguir com os meus dias. Eu apenas queria sair daquele
apartamento para fugir das lembranças dela, mas... Para onde,

exatamente, eu queria ir?

Eu não tinha sequer energia para pensar a respeito disso.

Agora, no entanto, eu enfim parei para pensar que... talvez eu

ainda quisesse algo. Talvez ainda existisse alguma vida dentro de mim.

E, talvez, isso não fosse errado.

Abri os olhos e me virei de frente para o corretor, que já tinha

em seu rosto o sorriso de quem julgava aquela venda como garantida.

— Você teria algumas casas? — perguntei.

Ele pareceu confuso.

— Casas?

— Sim. Casas.

— O senhor tinha me dito que seu interesse era unicamente por


apartamentos.

— É, mas talvez eu tenha mudado de ideia. Podemos remarcar

outro dia para vermos algumas casas?


— Claro. Tem alguma característica específica em mente?

— Tem. Quero que seja em frente ao mar.

Ele voltou a sorrir, provavelmente por saber que aquilo


aumentava consideravelmente o valor do imóvel.

E assim ficou combinado. Ele me mandaria, naquele mesmo

dia, fotos de anúncios de algumas casas para que eu escolhesse quais


queria visitar, e já marcaríamos o mais rápido possível.

Saí de lá e retornei ao hospital. Já tinha estado lá pela manhã,


quando fiz a minha fisioterapia, e em seguida passei algumas horas

com Layla. Tinha decidido que, depois da visita aos apartamentos, eu


iria direto para casa, para descansar, mas mudei de ideia.

Porque eu queria muito contar a Layla sobre aquilo.

Logo que entrei em seu quarto, como de costume, fui direto até
a poltrona ao seu lado na cama.

— Oi — falei.

E, como sempre, fiz uma pausa, como se esperasse por


respostas.
— Hoje eu visitei alguns apartamentos, mas nenhum deles
chamou muito a minha atenção. Então eu me lembrei do seu desenho e
pensei que talvez eu goste de morar em uma casa. Eu cresci em uma,

então pensei que... agora que serei pai, pode ser bom que ao menos um
dos lares do nosso filho tenha bastante espaço para ele correr.

Nosso filho...

A ideia ainda me parecia tão distante e surreal. A barriga de

Layla seguia lisa por baixo dos lençóis, e ninguém que a visse ali diria
que estava grávida.

E eu ainda nem tinha a confirmação de que o filho era

realmente meu, nem se ela iria querer que eu fizesse parte da criação

dele.

Esperava que sim. Porque, de repente, me dei conta de que eu


queria aquilo.

— Eu quero estar presente em tudo, Layla... — falei. — Se

você permitir, quero estar com você em toda a gestação e na criação

dessa criança. Quero planejar um quarto para ele ou ela em minha


nova casa. Quero poder ser seu amigo, para que juntos a gente possa
sempre decidir o melhor para o nosso filho ou filha. Mas para isso

você precisa acordar. Por que você não acorda?

Inclinei o corpo para a frente na poltrona, olhando-a mais de

perto. A serenidade em seu rosto seguia a dar a impressão de que

estivesse apenas dormindo.

Ela apenas precisava abrir os olhos, mas estava ali já há mais


de um mês...

— Por que você não acorda? — repeti, com uma angústia forte

em meu peito.

Queria que as coisas que eu dizia a ela fossem realmente uma

conversa. Queria ouvir sua voz. Queria saber mais coisas a seu
respeito.

Pensei novamente no diário, que eu não havia voltado a abrir

desde o dia em que procurei pelo documento de identidade. As páginas

que li tinham criado uma conexão inicial entre nós, mas eu sentia que
ainda não era o suficiente. Eu precisava saber mais sobre ela.

Ao mesmo tempo, entendia o erro que cometi ao invadir sua

privacidade e estava determinado a não repetir aquilo. Se ao menos


houvesse outra maneira de conhecê-la...

O celular em meu bolso tocou e eu o peguei, vendo que eram

mensagens enviadas pelo corretor, com as fotos das casas que tinha

prometido me enviar. Eu deixaria para olhar com calma mais tarde.

Respondi confirmando o recebimento e dizendo que no dia


seguinte entraria em contato. Já ia guardar novamente o celular, mas

continuei olhando para o aparelho, tendo uma ideia.

Um diário era algo pessoal. Algo que quem escreve geralmente

não quer que ninguém leia.

Mas e se Layla tivesse coisas que quisesse que outras pessoas

soubessem? Quase todo mundo tinha, na realidade. Estávamos na era

das redes sociais.

Entrei no google e digitei o nome dela. Logo nos primeiros


resultados eu encontrei um link para o Instagram. E, quando o abri,

veio a surpresa.

Ela não publicava fotos ali.

Apenas desenhos feitos por ela.


Desci todo o conteúdo, chegando ao primeiro deles, que era

justamente o desenho dela com a irmã. A postagem seguinte datava de


duas semanas depois. Retratava uma mulher negra, com os cabelos

cacheados com um efeito de movimento para trás, como se jogados

por um forte vento. Os olhos dela estavam fechados e os braços


abertos, e usava um vestido repleto de estrelas.

A legenda era bem pequena:

Eu devia me sentir triste. Mas me sinto livre. Livre para ser quem eu

verdadeiramente sou, e para amar e ser amada por alguém que

queira ver as estrelas ao meu lado.

E eu logo entendi do que se tratava. Foi quando ela terminou o

namoro do qual tinha tantas dúvidas.

Continuei a passar os desenhos. Fiz isso de forma lenta,

tentando absorver cada detalhe das imagens e dos textos que ela
postava. Por vezes, eram apenas frases curtas. Em outras, parágrafos
mais complexos. Alguns eram letras de músicas. Eu conhecia e

gostava da maioria delas.

E compartilhava de várias opiniões que ela declarava nos

textos, sobre os mais diversos assuntos.

E ficava encantado por absolutamente todos os desenhos.

Quando percebi, já era noite. Horas haviam se passado e eu não

tinha visto ainda nem um terço dos desenhos postados. Deixei para

continuar no dia seguinte, porque queria fazer aquilo ali, ao lado dela.

Queria comentar com ela as minhas opiniões, mesmo sabendo

que ela provavelmente não podia me ouvir.

Quando fui embora, pensei no quanto queria passar mais tempo

ali.

Sem perceber, talvez eu, naquele momento, já estivesse

começando a me apaixonar por Layla Francis.

*****
Capítulo doze

"E tudo que sinto

No meu estômago são borboletas

Do tipo bonitas, compensando o tempo perdido

Alçando voo, me fazendo sentir que

Eu só quero te conhecer melhor"

(Everything Has Changed – Taylor Swift e Ed Sheeran)

15 de fevereiro
— Queria que você pudesse ver, mas a borda da piscina já dá

de cara para o mar. Ainda não vi pessoalmente o pôr do sol de lá, mas
os anúncios têm fotos incríveis. Já fechei a compra, mas minha

mudança será feita aos poucos. Acredito que antes do final do mês eu

já possa me mudar.

Eu estava falante demais. Não me lembrava de estar assim


desde a morte de Bonnie. Em geral, eu não sentia vontade de falar com

ninguém, mas com Layla vinha sendo diferente.

Era irônico eu me sentir tão à vontade com alguém que nem

podia me responder. E eu queria muito poder ouvir a voz dela.

Parei de falar logo que ouvi batidas no vidro da parede da UTI.

Virei o rosto, avistando Sylvie, que tinha chegado para o horário de

visita. Geralmente, a orientação era para que permanecesse apenas

uma pessoa por vez no quarto com Layla, então eu sempre saía nesses

momento. Até mesmo para poder dar privacidade às duas irmãs.

— Volto mais tarde, Layla — falei, antes de me levantar.


Só então, enquanto caminhava até a porta, percebi que Sylvie
não estava sozinha. Ao seu lado estava um garoto que devia ter a sua

idade ou talvez um pouco mais.

Ele fazia um tipo que chamava a atenção. Não por sua

aparência física em si, mas pela forma como se apresentava, com


inúmeros piercings no rosto, roupas inteiramente pretas, e tatuagens

cobrindo boa parte dos braços.

Logo que atravessei a porta, olhei diretamente para ele e

perguntei:

— Quem é você?

Sylvie bufou, irritada, e rebateu:

— Quem é você para achar que tem qualquer direito de

perguntar isso?

— Sou o acompanhante da Layla e, portanto, quem autoriza

quem pode visitá-la.

— Ele não veio visitá-la. Veio apenas me acompanhar. Não que

eu te deva qualquer explicação, mas esse é o Brad... meu namorado.


— E sua irmã sabe que você está namorando?

O moleque soltou uma risadinha nada apropriada e resmungou:

— Eu acho que nesse momento, ela não sabe de muita coisa.

No entanto, ele deixou de sorrir logo que notou que nem eu


nem Sylvie tínhamos achado a menor graça.

Sylvie entregou sua bolsa para ele segurar e declarou:

— Me encontra aqui dentro de duas horas.

— Pode deixar, gatinha.

“Gatinha”? Jura?

Fiquei verdadeiramente pensando se Layla teria aprovado


aquele namoro, especialmente pela forma como era superprotetora

com relação a Sylvie. A garota não era minha irmã, então eu não devia
me preocupar com isso. Mas eu sentia que já compreendia tão bem os

sentimentos de Layla com relação à irmãzinha, que me senti no dever


de ficar de olho naquela situação.
O que era meio ridículo da minha parte. Porque não era como

se Layla e eu tivéssemos um relacionamento que me levasse a assumir


um papel de irmão mais velho para Sylvie.

Deixei aqueles pensamentos de lado e, quando a garota entrou


no quarto e fiquei sozinho com aquele moleque no corredor, decidi

tentar tirar outro tipo de informação dele:

— Então, você e a Sylvie estão namorando?

— É, estamos.

— E você já foi apresentado ao pai dela?

— Não! Sem chance! Acho que aquele cara nunca aprovaria


nenhum namorado para a Sylvie. Ela é a bonequinha da vida dele.

Aquilo era sério? O homem era superprotetor com relação a

uma das filhas, mas a outra não despertava nele nem mesmo a
preocupação de ir visitá-la no hospital?

— Então ele é do tipo ciumento com as filhas? — indaguei,


tentando conseguir mais informações.
— Só com a Sylvie né? Ele e a Layla têm todo aquele
problema…

— Qual problema?

— Ué, você não sabe? Achei que você estivesse saindo com

ela.

Eu não gostava mesmo daquele Brad...

— Digamos que a gente não teve muito tempo de conversar a

respeito disso.

Eu queria insistir em mais perguntas para tentar entender a


situação, mas, neste momento, o meu celular tocou e precisei me
afastar, saindo do corredor das UTIs e seguindo por outro em direção à

sala de recepção, enquanto atendia a chamada.

Era Janet. E apenas ver o nome dela no visor já fazia com que
eu me lembrasse da situação da qual ela vinha cuidando. O que fez o
peso da culpa voltar a despencar sobre a minha cabeça;

— Saiu hoje o resultado da perícia do seu carro — ela já foi

falando logo que eu atendi.


Suspirei, tenso. Por mais que eu já tivesse assumido a culpa por
aquilo, estar prestes a receber uma confirmação a isso era algo
doloroso.

— E então? Eu sinceramente, Janet, não sei por que tudo isso.

Já disse que a culpa foi minha, e responderei por tudo que for cabível.

— Que bom, então, que você tem uma ótima advogada, que

insistiu muito para que essa perícia fosse feita.

— Por que diz isso? Foi descoberta alguma falha no carro?

— Não apenas uma falha. Mas um problema dos grandes. Você


não tinha como conseguir frear quando o trânsito parou porque o seu

carro estava completamente sem freios.

— O quê?

— Freios, Sebastian. A mangueira de freio estava danificada.

Foi por isso que você não conseguiu frear quando o trânsito parou, e
nem depois que saiu da pista.

— Não é possível, Janet. Eu usei aquele carro durante horas

naquele mesmo dia. Fui à festa na casa da minha mãe, depois fui para
o hotel. O freio funcionou perfeitamente.

— É. Até não funcionar mais. Acho que você não entendeu a


gravidade do que aconteceu. Não foi uma falha mecânica. Tudo indica

que a mangueira foi danificada propositalmente.

— Está me dizendo que alguém mexeu no meu carro com o

propósito de provocar um acidente?

— Eu não digo nada, Sebastian. Quem diz é a perícia. E tudo


indica que tenha sido isso.

— Mas quem faria isso? E por quê? Em qual momento?

— Se você chegou ao hotel sem maiores problemas,

certamente foi lá que tudo aconteceu. A polícia já solicitou as imagens


das câmeras de segurança do estacionamento. Enquanto não

descobrimos o verdadeiro culpado, apenas limpe a sua consciência.

Não foi culpa sua.

— Obrigado, Janet. Obrigado por não ter desistido nem mesmo

quando eu te pedi para fazer isso.


— Relaxa, garoto. Continue cuidando da moça e do bebê.

Aliás, você e seus irmãos têm jeitos curiosos de se tornarem pais,

hein? É algum tipo estranho de tradição da família Turner?

— Caso seja, espero que isso termine por aqui.

Voltei a agradecê-la e encerramos a ligação. Em seguida, liguei


para Michael e contei tudo a ele.

— Quem poderia ter feito isso? — ele perguntou, logo que

terminei a história. — Você não é do tipo que faz inimigos por aí.

— Não sou. E eu não consigo pensar em ninguém.

— Pensa bem. Alguém com quem você tivesse intrigas na


faculdade ou na escola.

— Tenho trinta e três anos, Mike. Já faz tempo demais que

terminei os estudos.

— Ah, mas tem gente que guarda ranços a vida inteira, vai

saber.

— Provavelmente não é nada disso. Se alguém tem alguma

questão pessoal contra mim, não deve ser algo de tanto tempo assim.
— Talvez não seja exatamente uma questão pessoal, Sebastian.

Você é o CEO da Turner, né?

A sugestão me levou a pensamentos que, até então, não havia

ainda se passado pela minha mente. Michael podia ter razão.

A questão contra mim poderia ser de âmbito profissional. Ou,

talvez, tivesse nisso algo de pessoal também.

— Nosso pai tinha muitos desafetos — falei, o que pareceu ser


justamente o mesmo que Michal tinha pensado.

— É, ele tinha. Acho que daria para fazer uma lista. Aliás, se

quiser, eu mesmo posso fazer uma.

— Eu vou querer, sim. Já que está cuidando das coisas no

escritório, tente conseguir informações sobre os últimos contratos. Os


aceitos e, principalmente, os negados. E verifique também com o

jurídico todos os processos movidos ou recebidos pela Turner nos

últimos anos.

— Claro, senhor. Gostaria também de uma porção de batata-


frita para acompanhar? — ele rebateu, irônico.
— Foi você quem se ofereceu em ajudar.

— É, eu sei. Era só brincadeira. Pode deixar comigo.

— Aliás, você me disse que tentaria falar com o pai da Layla.

— E eu tentei. Fui até a casa dele algumas vezes, mas ele

nunca me atende. Fica fingindo que não está em casa, quando eu sei
que está. Da última vez, me deu vontade de arrombar a porta e entrar

na marra.

— Controle-se, Michael, você tem dois filhos para criar. Não

vai querer ir preso por invasão de domicílio.

— É, eu sei. Continuarei tentando. E vou também tentar criar


uma listagem de possíveis pessoas que queiram se livrar de você.

Ainda era difícil acreditar naquilo, que alguém poderia ter

armado com a intenção clara de acabar com a minha vida.

Despedi-me do meu irmão e encerrei a ligação. Chequei as

horas, vendo que ainda faltava bastante para terminar o horário de


visitas e, assim, Sylvie ir embora. Era estranho o fato de eu ansiar

tanto para estar novamente em companhia de Layla.


Sentei-me em uma cadeira vazia da recepção e abri o aplicativo

do Instagram pelo celular, entrando diretamente no perfil de Layla. Eu


ainda não tinha passado por todas as publicações, já que fazia isso com

calma, sempre dedicando algum tempo analisando cada detalhe dos

desenhos e dos textos que ela publicava.

Desta vez, parei em uma ilustração colorida, que retratava um


campo cheio de margaridas de várias cores. Perdi-me por longos

minutos, absorvendo cada detalhe da imagem, pensando que, por

qualquer razão, ela me trazia uma sensação de paz.

E entendi os motivos quando desci a tela e li o texto.

Muita gente não sabe, mas, quando uma criança é adotada, os pais

adotivos podem decidir um nome para ela, mesmo que ela já tenha um.

Eu tinha três anos quando fui adotada, e minha mãe me conta que não

queria trocar o meu nome. Primeiro, porque ela temia que isso pudesse
me deixar confusa. E, segundo, porque ela gostava do nome que eu já

tinha: Daisy. Significa ‘margarida’, e ela sempre diz que esta passou a ser

a flor preferida dela desde que me conheceu.


Bem, mas o meu pai implicou com o nome. Ele queria ‘Layla’, porque era
já o nome que ele desejava dar à filha biológica que não tinha ainda

vindo até aquela ocasião. Minha mãe cedeu, e, assim, eu mudei de nome.

Não me lembro de muitas coisas do tempo que vivi no abrigo, muito

menos da minha mãe biológica, por isso acredito que não tive
dificuldades em aceitar o meu nome novo. Mas minha mãe manteve a

essência do antigo em mim ao sempre me recordar dele. Quando eu era

criança, ela adorava comprar roupas com estampas de margaridinhas.


Então, o nome antigo que era para ser apenas um elo com o meu

passado, passou a ser também algo que me conecta à minha mãe.

Hoje é meu aniversário. Acho que o mais triste da minha vida, por ver

minha mãe tão mal de saúde. Quando quis fazer esse desenho logo que
acordei, não era uma forma de homenagem a mim mesma pela data. Mas,

sim, à conexão que existe entre nós duas.

Te amo, mãe. Fica boa logo.

Desci a tela pelos comentários, coisa que eu raramente fazia.


Encontrei alguns nomes conhecidos ali, mostrando que aquela rede
social de Layla não tinha nada de secreta.

@camilacollins98: Ela vai ficar bem, amiga! Muita força para ela. E feliz

aniversário pra você. Estou aqui para o que precisar!

@evelyn_spanish_teacher: Estamos todos na torcida. Parabéns pelo


aniversário!

@_michael.turner_: Feliz aniversário!

@dr.loganturner: Que interessante essa coisa do nome, eu não fazia ideia


disso. Feliz aniversário.

@anna_e_aurora_turner: tia que desenho lindo a gente amou que


flor bonita igual voce beijos da rory e da anna te amamos
Eu nem sabia que minhas sobrinhas Aurora e Anna tinham um
Instagram. E, afinal, como eu poderia saber, se tinha passado aquele
último ano completamente ausente de qualquer rede social?

Mas um fato interessante era que, dentre todos os meus

familiares que comentaram, apenas duas crianças deram um foco


maior no desenho do que no texto. Provavelmente por elas serem ainda
muito pequenas e, na certa, terem achado cansativo ler um texto tão

grande. Mas isso mostrava, também, uma sensibilidade infantil que


provavelmente os adultos perdiam com o tempo.

Desci por mais comentários de pessoas que eu não conhecia,


até chegar a um que logo deduzi de quem seria.

@hannahfrancis68: Não quero que você fique nunca mal, minha

princesa. Seremos felizes pelo tempo que ainda tivermos juntas. Você
é e sempre será a flor mais linda da minha vida. Tão linda quanto os
desenhos que faz. Que Deus te abençoe sempre. Beijos da mamãe.
Aquilo me trouxe um nó na garganta, uma tristeza imensa.
Chequei a data da publicação: dezesseis de fevereiro do ano anterior.

Há um ano, a mãe de Layla estava viva, lhe desejando feliz aniversário


em sua postagem. Agora, não estava mais aqui.

— Um ano... — murmurei, voltando a checar a data.

Faria exatamente um ano no dia seguinte.

— Amanhã é aniversário da Layla... — voltei a sussurrar.

Ela faria aniversário dentro daquele maldito hospital.

*****
Capítulo treze

"Você me faz viver

O que quer que esse mundo possa me dar

É você, você é tudo que eu vejo

Ooh, você me faz viver agora, querida"

(You're My Best Friend – Queen)

16 de fevereiro
Comprei margaridas no aniversário dela. Amarelas, porque

sabia que era a sua cor favorita.

Uma das bandas favoritas dela era o Queen. Achei curioso,


pela sua pouca idade. Até para mim, que tinha doze anos a mais que

ela, era o que eu chamaria de um gosto musical ‘antigo’. Mas coloquei

um dos álbuns para ela ouvir no dia do seu aniversário e, ao relembrar


várias das músicas, percebi que eu também gostava, embora fosse algo

que eu há anos não tinha mais o costume de ouvir.

Era interessante como uma rede social me fez conhecer tanto

sobre ela. Seu gosto musical, sua cor, suas flores, seus filmes favoritos
que ela mencionava em um post ou outro.

E sua sensibilidade explícita em seus desenhos.

Obviamente, só descobri o que ela permitia que todos

soubessem. O diário seguia guardado na gaveta. Por vezes eu quis

pegá-lo e folhear, ler mais páginas, entendê-la melhor. Mas fui firme

na decisão de preservar a intimidade dela. Eu já havia lido muito mais

do que deveria.
Os dias se passavam e ela não despertava. A agonia em mim
aumentava.

Meus irmãos e minha mãe me perguntavam se era bom para

mim seguir indo ao hospital todos os dias. Eu continuava afastado do

meu trabalho – que foi justamente no que mergulhei para me anestesiar


da dor causada pela partida de Bonnie. Sylvie também me questionava

até quando eu permaneceria ali, como acompanhante. Mas eu me

recusava a deixar Layla sozinha. Afinal, ela estava esperando um filho

que possivelmente era meu. E, além disso, se eu não estivesse ali, ela

ficaria completamente sozinha. E eu não queria que isso acontecesse.

Ausentei-me do quarto dela durante o período do horário de

visitas. Neste dia, além de Sylvie, Camila também foi visitá-la, além

de alguns outros amigos que eu não conhecia.

Quando todos foram embora, encontrei vários balões e buquês


de flores espalhados pelo quarto. Sentei-me na poltrona, mas me

levantei pouco depois, quando a doutora Butler chegou. Ela pareceu

surpresa por todos aqueles presentes no quarto, então eu expliquei:

— Hoje é aniversário dela.


Ela abriu um leve sorriso, nitidamente triste. Em seguida se

aproximou de Layla, verificando seus sinais vitais. Ela geralmente


fazia aquilo pela manhã, antes que eu chegasse.

— Se quiser que eu saia... — comecei a falar.

— Não precisa — ela respondeu. — Eu já fiz a checagem geral


do estado dela pela manhã. Decidi dar mais uma olhadinha por estar

aqui. Na verdade, vim falar com você.

— Claro... — respondi.

Ela aparentemente pretendia conversar ali mesmo, mas pedi

para que saíssemos do quarto. Se íamos falar sobre o estado de Layla,


eu preferiria que ela não ouvisse. Ainda que eu não soubesse se ela
poderia de fato escutar as coisas que eram ditas perto dela, decidi não

arriscar.

Logo que chegamos ao corredor, a médica disse:

— Já tem mais de um mês que ela segue no mesmo estágio de

coma, sem responder a qualquer estímulo. E a cada dia que se passa


nesse estágio, o risco de óbito é maior.
Balancei a cabeça em concordância. Embora minha mente

ainda tentasse processar aquelas informações, quis que a médica


continuasse falando. Que deixasse toda a situação bem clara, sem

rodeios.

Ela prosseguiu:

— Nós precisamos começar a nos preparar para a possibilidade

de ela não acordar mais.

Dessa vez, o movimento de cabeça que fiz foi em negação.

Passei a mão pelo rosto, tentando organizar meus pensamentos.

E a médica continuou:

— Manteremos todos os recursos e esforços para que ela siga

viva e com saúde, até que possamos fazer um parto cesariana, e...

— Espera... Vocês querem mantê-la como uma espécie de


incubadora, é isso?

— Este é um termo muito forte.

— Não. É exatamente o que você quis dizer.


— Sei que é muita informação de uma vez, senhor Turner.

— Ela respira sem aparelhos, tem a temperatura do corpo, a

pressão arterial, os batimentos cardíacos... Tudo em ordem.

— Sim. Ela mantém algum nível de atividade cerebral, que

permite que o corpo dela continue funcionando. Mas ela não se mexe,
não responde a qualquer estímulo. O quadro dela não apresentou

nenhuma evolução. E, como eu disse, quanto mais tempo se passa


assim, maior é chance de óbito.

— Ela não vai morrer — rebati, mais enérgico do que tinha a


intenção.

A médica, porém, não se abalou. Já devia estar acostumada a

lidar com aquele tipo de reação.

— Não estou afirmando que vai. Só estou te mantendo a par de

todos os possíveis futuros cenários.

Ela olhou para Layla através do vidro da parede, antes de se

virar e seguir para a sua sala ao final do corredor.


E eu permaneci ali parado por algum tempo, tentando processar
tudo aquilo.

A hipótese de Layla morrer era sufocante. Antes, era pelo


sentimento de não querer carregar aquela culpa pelo resto da minha

vida. Por mais que agora que eu já soubesse que o acidente não tinha
sido provocado por uma imprudência minha, eu sempre teria comigo o

remorso por aquela grande merda que eu tinha dito a ela no carro e que
a levou a tirar o cinto de segurança na intenção de descer.

Porém, agora não era mais apenas isso. Eu já a conhecia

melhor. Eu vinha, há um mês, passando dias inteiros ao lado dela e,

ainda que ela não abrisse os olhos nem dissesse qualquer palavra, tinha
encontrado mecanismos indiretos de conhecê-la.

E eu sabia que ela era uma pessoa boa demais para terminar

daquele jeito, ainda tão jovem.

Contudo, desde quando a vida respeitava essas coisas? Bonnie

tinha sido, também, uma mulher maravilhosa, e sua vida fora ceifada
aos trinta anos.
Voltei para o quarto e parei ao lado da cama de Layla. Eu

nunca havia encostado nela desde que fora para aquela UTI.
Entretanto, não resisti em segurar uma de suas mãos em meio às

minhas.

— Você pode me ouvir, Layla? Queria tanto que você pudesse

abrir os olhos e ver a quantidade de flores e balões neste quarto, para


que você entenda que existem várias pessoas desejando o seu retorno.

Você me disse que...

Parei, ao me dar conta do que falava. Ela não tinha dito aquilo

diretamente a mim, eu tinha lido em seu diário.

Prossegui:

— Eu sei que você sente que, depois da partida da sua mãe, o

que te dá forças para seguir vivendo é a sua irmã. E, quer saber? Ela

ainda precisa muito de você. Tem que ver o namoradinho estranho que
ela arranjou... Ela, de fato, ainda precisa demais dos seus conselhos. E

não só ela. Você tem amigos. E você tem... Nós temos... Um pequeno

ser que precisa de você mais do que ninguém. Por favor, Layla... Caso

você possa me ouvir, por favor... me dê um sinal, um único sinal de


que você ainda está aí e que vai lutar pela sua vida e pela do nosso

filho.

O rosto dela se mantinha tão sereno quanto sempre, sem

qualquer alteração em suas feições. E eu me senti, de repente, como


um grande idiota por tudo aquilo. Por estar completamente fora da

realidade.

Ela não podia me ouvir. E, ainda que pudesse, por que um

pedido meu seria relevante para que ela lutasse para ter qualquer
reação?

— É muito estranho se eu disser que eu também preciso que

você volte? No início, achei que era somente pela culpa, por você ter

vindo parar nessa situação por algo planejado contra mim. Mas não é
mais apenas isso. Eu sinto como se... Eu sei, é estranho, mas... Além

da minha família, talvez você seja a pessoa mais próxima de uma

amiga para mim. Eu sinto como se pudesse contar qualquer coisa para

você. E, não, não é por você estar nessa situação, porque eu às vezes
até mesmo acredito saber o que você me responderia, que opiniões ou

conselhos daria, porque... Eu sinto que já conheço você, Layla. Sei o

quanto você é sensível, esforçada, amorosa, e o quanto é especial.


Então, por favor... Volte. Se não estiver ainda pronta para isso, me dê

apenas um sinal... apenas me diga que vai ficar bem.

Neste momento, algo realmente aconteceu. E foi tão suave que

levei ainda alguns segundos para sentir um leve e quase imperceptível

toque sobre a minha mão. Quando a olhei, vi os dedos dela se

movendo de forma lenta.

— Layla... — falei, assombrado.

Olhei com mais atenção para a mão dela em meio às minhas,

ainda pensando que pudesse se tratar de alguma alucinação minha.

Mas não era. Seus dedos realmente se moviam.

Voltei a olhar para seu rosto e minha surpresa apenas

aumentou. As pálpebras dela tremiam antes de, devagar, começarem a


se abrir.

— Está acordando? Meu Deus, você está acordando!

Soltei uma das mãos de Layla para apertar a campainha de

emergência, logo voltando a me inclinar sobre ela.


— Está tudo bem, Layla. Está tudo bem... — garanti, temendo

que ela ficasse assustada por se encontrar naquela situação.

No entanto, os olhos dela, meio-abertos e sonolentos, não

apresentavam qualquer movimento. Pareciam apenas fitar o teto. Ou,


meramente, focar em um ponto fixo sem necessariamente ver nada.

Uma enfermeira entrou, sendo seguida pela médica. Elas

pediram para que eu me afastasse e a doutora Butler movimentou uma

pequena lanterna diante dos olhos de Layla, em seguida checando os


sinais vitais.

Então, as pálpebras de Layla, pesadas, voltaram a se fechar.

— Ela vai apagar de novo... — falei, aflito.

A médica se virou em minha direção, com um leve sorriso no

rosto.

Dessa vez, era um sorriso de esperança.

— Ela não vai ‘apagar’ de novo, porque não chegou


exatamente a acordar.

— Como não? Ela mexeu as mãos e abriu os olhos.


— Você falou algo com ela, para que isso que aconteceu se

caracterize como uma reação?

— Eu pedi para que ela acordasse.

— Ótimo. Isso quer dizer que, diferente de como estava até

agora, ela começou a responder a estímulos sonoros.

— Então ela realmente pode nos ouvir?

— Vamos fazer mais alguns testes para avaliar. Mas ela antes

não apresentava nenhum movimento. Então talvez isso seja um


progresso em seu quadro.

— Isso quer dizer que ela vai acordar?

— Isso quer dizer que ela, neste momento, tem um pouco mais

de chances do que antes.

Um pouco mais de chances parecia muito melhor do que quase


nenhuma chance.

Era uma esperança, na qual eu ia me agarrar com todas as

minhas forças.
*****
Capítulo catorze

3 de março

"Nunca costumava ficar animado

Para sentar aqui no silêncio

Segurando algo

O jeito que eu estou te segurando

Não sabia o quão rápido o tempo

Anda, corre e voa

Eu nunca pensei que me sentiria algo tão profundo,

Mas eu sinto"

(Love Like This – Ben Rector)


Os progressos seguiam sendo poucos. Porém, eles existiam, e
cada um deles me dava mais esperanças de que, muito em breve, Layla

enfim iria acordar.

A doutora Butler entrou de férias e, em seu lugar, ficou outra

médica mais jovem, a doutora Jones. Mandei uma mensagem para

Logan perguntando a respeito dela, e ele me deixou preocupado ao

dizer que fez uma pesquisa e descobriu que era uma médica com
pouco tempo de formada, que havia acabado de sair da residência.

Eu não queria soar como um preconceituoso com médicos

novos, mas queria que Layla seguisse nas mãos da doutora Butler, que

era uma profissional reconhecida em todo o país. Contudo, Logan me

tranquilizou, dizendo que eu não tinha motivos para supor que ela
fosse uma médica ruim.

No horário de visita, como sempre, eu aproveitei para sair

enquanto Sylvie ficava com a irmã. A garota seguia indo até lá

acompanhada pelo tal namorado, e também seguia me encarando de

forma atravessada, como se eu não tivesse o direito de estar ali.


Neste dia, precisei ir ao escritório da Turner Architecture.
Porém, não era para tratar de questões empresariais – confiava que

Michael estivesse dando conta de tudo durante aquele meu período de

ausência. Fui para uma reunião com Janet.

Quando entrei na sala de reuniões, no entanto, esperava


encontrar outros advogados junto a Janet, mas ela estava acompanhada

por apenas duas pessoas: meus irmãos Michael e Logan.

— O que houve aqui? — perguntei, enquanto caminhava até a

mesa. Meus irmãos se levantaram para me abraçar. — Logan, por que

não está em Nova Iorque?

— Quando a família precisa, a gente vem — disse o meu irmão

do meio.

— E no que nossa família está precisando, exatamente? —

Uma ideia nada agradável passou pela minha mente. — Nossa mãe...

está tudo bem com ela?

Janet respondeu enquanto apontava para a cadeira que ficava


bem diante dela, do lado oposto da mesa retangular:
— Eu ia chamar a Trinity também, mas o Michael achou

melhor não a preocupar.

— Não tem motivos para isso — Michael declarou, embora

parecesse um pouco mais preocupado do que o seu normal.

— Então, qual é o problema familiar? — questionei enquanto


me sentava. — Achei que Janet tivesse me chamado aqui para me

contar sobre as atualizações do caso do meu acidente.

— E foi exatamente para isso — a mencionada respondeu. —

Só que, talvez, a pessoa que atentou contra você pode futuramente


tentar algo contra os seus irmãos também.

— O quê? — perguntei, preocupado.

— Seus irmãos já estão cientes da situação, então preciso te


atualizar. Não havia nenhum registro de imagens de segurança do

estacionamento do hotel, que foi provavelmente onde seu carro foi


danificado. Houve uma pane no sistema de câmeras pouco depois da
meia-noite.

— Chovia muito naquela noite. Não terá sido isso? —

indaguei.
Janet riu, irônica.

— Claro, uma grande coincidência. Só que a pane aconteceu

depois que você deixou seu carro lá e entrou no hotel. Então, não foi
possível ver quem mexeu no seu carro. Mas... Consegui imagens do
momento em que você chegou.

Ela deslizou um iPad por cima da mesa e eu o peguei, vendo

um vídeo pausado. Toquei o dedo na tela e a imagem começou a rodar,


mostrando meu carro entrando no estacionamento. Segui assistindo e,
menos de um minuto depois, outro veículo entrou. O vídeo parou logo

depois, o que me indicava que aquele era o trecho importante daquela


câmera específica.

— Um carro entrou logo depois do meu... — comentei. — Isso

prova alguma coisa?

— Passe para o vídeo seguinte — ela ordenou.

Deslizei o dedo sobre a tela, passando para o próximo vídeo.


Era de outra câmera do estacionamento e mostrava o meu carro

entrando em uma vaga. Instantes depois, Layla e eu saímos do veículo


e seguimos a pé, caminhando lado a lado, provavelmente rumo à
entrada do hotel.

Tomei fôlego para perguntar, novamente, se aquilo provava


algo, mas notei uma movimentação em um canto da tela. Olhei com

mais atenção e avistei um homem atrás de uma pilastra, olhando para a


direção onde Layla e eu seguimos.

— Esse cara estava nos espionando? — perguntei, incrédulo.

— Aparentemente, ele estava seguindo vocês — Janet

respondeu. — Os vídeos de outras câmeras mostram que ele saiu do


carro que entrou logo atrás do seu.

— Então podemos chegar até ele pela placa do carro?

— Não é tão simples. O carro era roubado. Foi encontrado


abandonado na manhã depois do seu acidente. Enfim, continue

assistindo.

O homem – que parecia jovem, talvez algo em torno de trinta

anos – continuou escondido por algum tempo, até que saiu de trás da
pilastra. Ele se aproximou do meu carro e o olhou por algum tempo,

antes de começar a analisar tudo ao redor. Em determinado momento,


olhou diretamente para a câmera de segurança. Em seguida saiu
andando, até sumir do foco da filmagem.

Janet pegou o tablet de volta.

— O operador das câmeras de segurança já foi indiciado a


prestar esclarecimentos sobre como apenas as câmeras do
estacionamento pararam de funcionar poucos minutos depois disso. Eu

ainda não tive acesso ao depoimento dele, mas logo terei. Enquanto

isso, pedi a ajuda do Michael para me ajudar com outra coisinha.

Olhei para o meu irmão caçula, que assumiu a palavra:

— O estacionamento do hotel é restrito para hóspedes e

frequentadores dos eventos, como era o caso daquela noite, que estava

tendo uma festa de Réveillon. Para ir embora é preciso apresentar o

cartão magnético entregue quando os hóspedes fazem o check-in. No


caso dos frequentadores do evento, é necessário que eles façam,

também, um cadastro.

— E o cara que sabotou o meu carro seria burro o suficiente

para fazer um cadastro em seu nome verdadeiro?

Foi Logan quem explicou:


— Acredito que ele não contava que você pararia em um hotel,

e por isso não tomou o cuidado de ter consigo um documento falso de


identificação. Meu palpite é que ele simplesmente precisava apresentar

a identidade para o cadastro. Era isso, ou ele não sairia de lá com o

carro no qual chegou.

— E o meu palpite... — Janet continuou. — É que ele não


contava que você teria uma advogada tão capacitada para cavar isso

até o fim. Consegui a listagem com todos os nomes das pessoas que

fizeram check-in ou o cadastro para a festa naquela noite.

— Devem ser centenas de nomes — falei.

— Ele chegou depois de você. Então reduzimos

consideravelmente essa lista. Não teve muita gente fazendo check-in

depois da meia-noite. Filtramos apenas por homens, com idades entre

vinte e quarenta anos e que estavam sem acompanhantes. Ficaram


apenas três nomes no final.

Michael voltou a assumir a palavra:

— Lembra do que conversamos? Sobre a possibilidade de ser

alguma questão ligada ao nosso pai ou ao escritório? Janet me passou


os nomes. E eu, pessoalmente...

Janet e Logan tossiram, fazendo a pose que Michael

sustentava, estufando o peito, murchar.

— Parem de me criticar! — ele pediu. — Pois eu,

pessoalmente... pedi para o pessoal da TI do escritório dar uma


ajudinha.

— Isso não é atribuição do setor de TI, Michael — eu o

repreendi. — Não é questão de setor nenhum, é algo pessoal.

— Se eu soubesse acessar base de dados e fazer cruzamento de


informações, eu mesmo faria isso. Mas não sei, então pedi para os

nossos funcionários darem uma força. Isso por acaso é errado?

— É — respondi, em coro junto a Logan e Janet.

Michael balançou as mãos diante do rosto, como se não fosse

nada demais.

— Eu não disse para eles do que se tratava, fique tranquilo.

— Mas usou um setor da empresa para questões pessoais... —

Logan criticou.
— Era a arma que eu tinha — Michael rebateu. — Além do

mais, deu certo. E foi bem trabalhoso, viu? Porque pedi para cruzarem
cada um dos nomes com os de todas as pessoas que tiveram qualquer

reunião ou firmaram qualquer contrato com a Turner. Primeiro, pedi

pelo último ano, e não encontraram nada. Então pedi para verificarem
os últimos dois, três, quatro anos... Já estava achando que isso não

levaria a nada, mas enfim achei.

— O pessoal do TI achou — Logan o corrigiu.

— Que seja! Foi achado, é o que importa. Concluindo, o nome

dele é Daniel Reed, ele tem trinta e um anos e teve uma reunião com o
CEO da Turner há sete anos.

— Sete anos? — indaguei, surpreso. — Nosso pai ainda era o

CEO.

— Pois é — Janet voltou a falar. — Quando Michael me

passou essa informação, pedi para que ele checasse junto à segurança
do prédio da Turner. Todos os visitantes precisam ser cadastrados,

então pegamos os dados deste Daniel Reed que esteve aqui, só para ter

certeza de que não era apenas alguém com o mesmo nome do homem
do hotel. Mas os dados de data de nascimento também batem, então

não temos muitas dúvidas de que são a mesma pessoa.

— Espera... Estão dizendo que o homem que armou para tentar

me matar esteve em uma reunião com o nosso pai sete anos atrás?

— Exatamente — foi Logan quem respondeu. — Mas não


encontramos informações empresariais sobre ele. Nem registros dele

como cliente da Turner. Ao que tudo indica, nosso pai o recebeu em

seu escritório para tratar de algum assunto pessoal.

Janet suspirou, cansada, antes de questionar:

— A pergunta mais importante agora é a seguinte, Sebastian:


Você conhece, já teve qualquer contato ou qualquer desentendimento

com Daniel Reed?

Movimentei a cabeça em negativa.

— Não faço ideia de quem seja.

— Então, acho que isso deixa claro que, seja lá qual for a
questão dele, era com o pai de vocês. E isso torna vocês três possíveis
alvos deste louco. Portanto, até que ele seja preso, é bom que vocês

todos reforcem suas seguranças.

Olhei para Logan.

— Foi por isso que você voltou para Los Angeles?

— É. A Janet me contou por alto a situação por telefone. Há

até pouco tempo, eu não teria nem cogitado me mudar. Mas agora

tenho esposa e duas filhas, e sei que em Los Angeles elas ficarão mais
seguras. Pedi uma licença no Hospital e a Evelyn deixou a escola dela

sob os cuidados de uma funcionária de confiança.

— E a nossa mãe? — perguntei. — Se nós três somos alvos,

ela também pode estar em risco.

— Vamos ficar com ela — Logan informou. — Evelyn, as


meninas e eu vamos ficar na casa dela, assim ela não fica sozinha.

Olhei para Michael, que também falou sobre suas medidas de

segurança:

— Camila também pegou uma licença da Turner e achamos

mais seguro tirar Alice e Eric da creche por enquanto. Vamos reforçar
todo o esquema de segurança da casa.

Assenti. E, apenas naquele momento, em que meus irmãos

falaram sobre suas preocupações com seus filhos, me atentei ao fato de

que eu também tinha, agora, outra vida a qual proteger.

— Layla está grávida de um filho meu... — falei.

E Janet respondeu, mostrando que já tinha pensado a respeito


disso.

Claro, porque aquela mulher parecia pensar em tudo.

— A informação da gravidez dela ainda não é pública. E

vamos manter isso assim. Se ela despertar do coma e voltar para casa...

— ‘Quando’ — eu a corrigi, sem sequer pensar muito a

respeito.

E ela pareceu não compreender em um primeiro momento,

— O quê?

— Você disse ‘se’. Quando Layla acordar e voltar para casa.


Ela vai acordar.
Ela balançou a cabeça, como quem diz ‘depois conversamos
sobre isso’, e apenas continuou:

— Bem, quando ela puder voltar para casa, você vai precisar se
afastar.

— Não posso me afastar, Janet, ela está grávida de um filho


meu.

— Não estou dizendo para abandoná-la, Sebastian. Coloque-a a

par da situação e tente ser o mais discreto possível sobre o fato de ela
estar grávida de um filho seu. Ao menos até prenderem esse homem.
As provas já foram todas apresentadas, será uma questão de dias, no

máximo semanas até que ele seja preso. Mas, até lá, vocês três...
Tenham muito cuidado e cuidem de suas famílias.

Todos concordamos e Janet foi embora. Após passar mais


quase uma hora conversando com meus irmãos a respeito de tudo

aquilo, nos despedimos. Eu disse a eles que iria para a minha nova
casa, começar a pensar em toda a questão de sistemas de segurança. E

esta, realmente, era a minha intenção. Especialmente porque já era


final de tarde e o sol já começava a se pôr.
No entanto, eu não conseguia deixar de pensar em toda aquela
situação. Alguém tinha armado para tentar me matar e, com isso, outra
pessoa inocente estava agora em coma em um hospital. Novamente, o

sentimento de culpa me consumiu, e eu senti que precisava falar com


Layla a respeito daquilo. Por mais que nem pudesse saber se ela

conseguiria me ouvir.

Assim, peguei o primeiro retorno e segui para o hospital.

Logo que empurrei a porta do corredor das UTIs, parei,

assustado, ao ver uma movimentação estranha diante do quarto de


Layla.

Avistei duas enfermeiras entrando no quarto, enquanto outras


duas paravam na porta, olhando através do vidro com ares de

preocupação e curiosidade. Apressei-me em me aproximar e também


olhei através do vidro.

E mal pude acreditar no que avistei.

No primeiro momento, senti uma onda de desespero ao ver a


doutora Jones movimentando uma pequena lanterna diante dos olhos

de Layla. Foi impossível deixar de pensar que o pior tivesse


acontecido. Contudo, em poucos segundos eu percebi que era o mais
completo oposto disso.

Layla estava... acordando...

Acordando...

Fui até a porta, afastando as enfermeiras e tentando entrar.

Contudo, estava trancada por dentro. Bati algumas vezes, aflito,


voltando a olhar através do vidro. A médica me olhou por um rápido
momento, sem interromper o que falava com Layla, e então fez um

sinal para que um dos enfermeiros abrisse a porta para mim.

Eu praticamente o empurrei logo que ele destrancou a porta e


adentrei o quarto, no exato momento em que a doutora Jones dizia,
olhando para Layla:

— ....Está tudo bem agora. Seus sinais vitais estão ótimos.

Vamos precisar fazer apenas mais alguns exames para saber se está
tudo bem com você e com seu bebê.

Merda!

Mil vezes merda!


Quando a doutora Butler me disse que tinha passado todo o

caso de Layla para a sua substituta, eu acreditei que tivesse sido


realmente tudo, incluindo a informação de que Layla ainda não sabia
que estava grávida.

Ela tinha acabado de voltar de um coma de dois meses. Não

podia receber aquela notícia daquela forma.

E eu pude ver toda a confusão no rosto dela. Aquilo me deixou


tão tenso, que me apressei em dizer rapidamente alguma coisa que
tentasse desviar a atenção dela do assunto.

Certo, eu sabia que uma gravidez não era exatamente um

assunto do qual se desvia com facilidade, mas... Talvez Layla estivesse


confusa demais para ter compreendido aquilo.

— Que bom que você acordou — foi o que eu falei. —


Ficamos muito preocupados.

Os olhos de Layla se desviaram da médica para me olhar.

Confusos, assustados...

Lindos...
Eu não tinha, ainda, reparado no quanto era bonito aquele tom
esverdeado dos olhos dela.

Então, ela levou uma das mãos à cabeça, parecendo sentir


alguma dor. Ou, talvez, fosse apenas a confusão daquele momento.

A médica se virou de frente para mim e, para o meu desespero,

repetiu o mesmo que tinha falado para Layla:

— Ela parece estar bem. Mas ainda assim vamos fazer alguns

exames para verificar o real estado de saúde dela e do bebê de vocês.

— Como assim bebê? — Layla perguntou, confusa. A voz


falhada e rouca, provavelmente pelo tempo que passou sem usá-la.

Eu queria encontrar palavras para responder aquilo de uma


forma simples. Na verdade, queria poder fazê-la se esquecer daquela

informação apenas por aquele momento, até que ela ao menos


conseguisse, antes, entender tudo o que tinha acontecido.

Mas a doutora Jones foi mais rápida em responder, como se


não fosse nada demais:

— Você está grávida, querida. De nove semanas.


Layla olhou para mim, seus olhos ainda mais assustados, como
se implorassem por alguma explicação. A médica pediu para que ela

descansasse, mas ela não pareceu ouvir e perguntou:

— Por quanto tempo, exatamente, eu fiquei em coma? Que dia


é hoje?

— Hoje é três de março, querida. Você passou dois meses


dormindo.

Precisei interromper, antes que aquela mulher fizesse Layla


desmaiar e passar mais dois meses inconsciente.

— Doutora, será que eu posso conversar um pouco com ela?

— Vamos precisar realizar alguns exames — ela argumentou.

— Eu sei. Me dê apenas dez minutos antes disso, por favor.

— Tudo bem. — Ela sorriu. — Imagino que esteja feliz em vê-

la de volta. Apenas dez minutos, certo? E tente não dizer nada que
possa deixá-la nervosa ou confusa.

Ah, meio tarde para pensar nisso, né?


Qual era o problema daquela médica?

Ela enfim saiu, junto com os enfermeiros, e eu fiquei pensando


em por onde começaria aquela conversa.

Bem, não faria muita diferença. Layla já tinha recebido todos

os choques possíveis naquele dia.

*****
Capítulo quinze

"Eu nunca pensei que seria você

Aquele que seguraria meu coração

Mas você chegou

E me tirou do chão logo de cara"

(Arms – Christina Perri)

Dois meses?
Eu tinha sofrido um acidente… E passado dois meses

dormindo?

Esse tipo de coisa acontecia mesmo na vida real?

Como era possível que tivesse se passado dois meses? Eu


estava apenas indo para uma festa de Ano Novo, e...

Não... eu cheguei na festa. Eu fiquei algum tempo lá, e...

Minha cabeça doeu ao tentar lembrar. Sebastian Turner se


aproximou, tocando levemente o meu braço.

Olhei novamente para o homem diante de mim, voltando a

recapitular as informações.

Aparentemente, sofri um acidente e, quando acordei, estava

grávida… de Sebastian Turner?

Do milionário viúvo que eu mal conhecia?

— Você está bem? — ele perguntou, parecendo genuinamente

preocupado.

Ai, meu Deus...


Eu conseguia me lembrar, embora de forma meio embaçada.
Sebastian Turner tinha me dado uma carona na saída da festa. Paramos

em um lugar para esperar a chuva passar, e...

— Ai, meu Deus... — falei a frase que mais se repetia em

minha mente.

Olhei para Sebastian Turner, ali ao meu lado. Tão perto de

mim, com as mãos tocando o meu braço...

E me lembrei dos momentos em que as mãos dele tocaram


muito mais.

Ah, aquelas mãos grandes sabiam muito bem o que e como

fazer...

— Não, não foi isso o que aconteceu... — falei, balançando a

cabeça em negação.

E, novamente, pela quinta ou sexta vez, eu forçava a minha

mente a relembrar todos os passos daquela noite.

Aquela noite que devia ter sido ontem, não dois meses antes.

— Por favor, Layla... Tente se acalmar.


Me acalmar?

Eu tinha sofrido um acidente!

Tinha passado dois meses dormindo.

E antes disso... eu fui para a cama de um hotel com o meu


chefe. Um homem que, até aquele dia, nunca tinha sequer me dirigido

a palavra para dizer nada além de um eventual e meramente educado


‘oi’ quando nos encontrávamos em alguma ocasião social da família
dele ou pelos corredores da empresa.

E agora, eu... eu...

— Não é possível que eu esteja grávida... — sussurrei, em


choque.

Senti-me completamente desnorteada e girei o corpo sobre a


cama, na intenção de me levantar. No entanto, quando apoiei a mão

sobre o colchão para dar o impulso para sentar, eu simplesmente não


consegui. Não tinha força nos braços para isso.

— O que aconteceu com os meus braços? — perguntei.

— Layla, por favor, você não pode se levantar.


Mas eu mal o ouvia. Os músculos dos meus braços tremeram,

mas consegui erguer o meu tronco para me sentar. E, confiante, tentei


ficar em pé. Mas mal os meus pés tocaram o chão e meu corpo todo

despencou. Sebastian agiu rápido, enroscando os braços ao redor do


meu corpo e, assim, impedindo que eu caísse.

— O que aconteceu com as minhas pernas? — falei, já a ponto


de chorar.

O que estava acontecendo com tudo em mim?

Sebastian Turner me colocou sentada novamente sobre a cama


e explicou.

— Você passou dois meses deitada, imóvel. Seus músculos


estão fracos, você não pode simplesmente se levantar e andar.

— Eu não posso mais andar? — Olhei nos olhos dele, já sem

conseguir controlar as lágrimas.

Não queria parecer uma criança assustada, mas...

A verdade é que era exatamente desta forma que eu me sentia.


Acho que nunca antes a frase ‘eu preciso da minha mãe’ fez
tanto sentido quanto naquele momento, em que eu me sentia mais
fragilizada do que em qualquer outro da minha vida.

Mas a minha mãe não estava lá. Disso eu me lembrava bem.

— Você vai poder andar, Layla. Mas não nesse momento. Por
favor, deita de novo, você não pode fazer esforço agora, acabou de

acordar de um coma.

Ele ainda me segurava sustentando meu tronco para que eu me

mantivesse sentada na cama, ainda com minhas pernas pendendo para


o chão. Eu realmente me sentia exausta e queria voltar a me deitar,

mas havia uma urgência ainda maior que era a de respostas.

Assim, eu pouco me importei com a proximidade do meu


corpo do de Sebastian Turner. Apenas segui a olhá-lo no rosto,
precisando ter respostas.

— Que acidente eu sofri? — perguntei.

As lembranças da parte da noite que passei com aquele homem


eram ainda um pouco borradas. Eu me lembrava de termos ido para a
cama, e depois... Fomos embora, acho. Era tudo muito vago, como se
tivesse ocorrido há mil anos.

Mas, ao mesmo tempo, parecia ter sido ontem, não dois meses
antes!

— Nós sofremos um acidente de carro — ele explicou.

— Nós dois? Juntos? Você também...

— É, eu também precisei ficar um tempo no hospital. Mas meu

estado foi bem mais leve que o seu. Você tirou o cinto de segurança,

lembra?

— Por que eu faria uma bobagem dessas?

Ele suspirou, como se essa fosse uma das partes difíceis de

contar. Balancei a cabeça, já que aquilo não importava tanto naquele

momento. Eu tinha dúvidas mais urgentes.

— Eu fiquei dois meses dormindo? Já estamos mesmo em


março?

— É, estamos.
Eu tinha mesmo simplesmente perdido todo o mês de janeiro e

de fevereiro? Tinha passado todo o inverno, a volta às aulas da


faculdade, o aniversário da minha irmã, o meu próprio aniversário...

As nove primeiras semanas da minha própria gestação...

— Eu não posso estar grávida... Nós não usamos preservativo?

— Não, não usamos. Acho que nenhum de nós pensou nisso.

— Eu não costumo ser irresponsável assim.

— Nem eu.

— E eu estou mesmo...

— Grávida? Está.

— Ai, meu Deus... Acho que eu quero mesmo me deitar.

Ele me ajudou, colocando meus pés suavemente em cima da

cama. Então, me surpreendeu, passando a mão pelo meu rosto para

secar as minhas lágrimas.

E, então, o constrangimento tão adiado enfim caiu sobre mim.


Sebastian pareceu perceber isso, pois logo recuou.
— Não quero que encare minha pergunta de forma ofensiva,

Layla. Mas... Você disse que sempre usa preservativos, então... Como

nós não usamos naquela noite, e ela bate com o tempo de concepção
do bebê... Eu acredito que o filho seja meu, não é?

A pergunta não me ofendeu. Era genuína, já que eu era uma

mulher solteira, e não teria sido nada demais se eu tivesse ido para a

cama com outro cara um dia ou dois antes. A ideia poderia ser estranha

para mim, já que eu não era exatamente a maior adepta ao sexo casual,
mas...

Bem, levando em consideração a forma como eu tinha

praticamente me jogado nos braços dele naquela noite, ele não teria

como presumir isso.

— Fazia muito tempo que eu não... Que eu não tinha relações

com mais ninguém... — declarei, um pouco tímida.

Afinal, a última coisa que eu imaginava na vida era ter

qualquer conversa sobre a minha vida sexual com o meu patrão.

— Onde está a minha irmã? Ela sabe o que aconteceu comigo?


— perguntei.
Então, me dei conta de que era uma pergunta idiota. Era óbvio

que Sylvie sabia, já que tudo tinha acontecido há dois meses e não na
noite passada.

— Ela tem vindo te ver todos os dias. Mas não pode ficar

porque... bem, para ser acompanhante é preciso ser maior de idade.

— Eu tenho estado sozinha esse tempo todo?

— Não. Eu sou o seu acompanhante.

— Não pode ser meu acompanhante — retruquei, já


conhecendo bem as regras de um hospital.

— Posso. Está grávida de um filho meu.

— Mas você não tinha certeza de que era seu.

— Mas sabia que a possibilidade disso era grande. E, bem... eu

não podia simplesmente te deixar sozinha.

Por um instante, eu fiquei sem palavras diante do ato dele. Ele


realmente não tinha qualquer obrigação de fazer aquilo. Mesmo eu

estando grávida, não era como se fôssemos comprometidos. A grande

verdade é que ele mal me conhecia.


Contudo, deixei aquilo de lado para fazer outra pergunta,

mesmo sabendo que tinha um grande risco de me arrepender em

seguida.

— E o meu pai? Por que ele não está sendo meu


acompanhante?

Percebi a hesitação no rosto de Sebastian. E quando ele, enfim,

disse algo, foi em uma tentativa de fuga da pergunta:

— Acho que já se passaram mais de dez minutos, não é? — Ele

se afastou, indo até a campainha ao lado da cama. — Você precisa


realizar os exames.

— Senhor Turner... — chamei, da forma como sabia que era

mais apropriada. Teríamos juntos um bebê, mas, no fim das contas, ele

ainda era apenas o meu patrão. Ele me olhou depois de apertar a


campainha e eu repeti: — Por que o meu pai não é o meu

acompanhante?

— Eu sinto muito, Layla, mas...

— Mas...?
— Eu simplesmente não sei. Ele não veio.

— Ele não veio... nem mesmo me visitar?

— Não. Sinto muito.

Mais lágrimas escaparam de meus olhos, sem que eu tivesse


qualquer controle. Em meio a tudo o que eu descobria naquele

momento, era ridículo sofrer por algo pelo qual eu já devia estar

acostumada.

Sebastian pareceu tomar fôlego para dizer alguma coisa, mas,


nesse momento, dois enfermeiros chegaram ao quarto, dizendo que me

levariam para realizar alguns exames.

Deixei-me ser levada por eles, deixando Sebastian para trás.

Foram longas horas realizando uma série de procedimentos, nos quais


eu apenas respondia mecanicamente às perguntas que me faziam.

Ao mesmo tempo que tentava buscar em minha mente as

respostas que eu mesma precisava.

*****
Capítulo dezesseis

"Eu serei honesta

Olhar para você me faz pensar bobagem

Meu estômago fica dando piruetas quando você chega

E quando você está com seus braços em volta de mim

Oh, é um sentimento tão bom que tive que pular uma oitava"

(Nonsense – Sabrina Carpenter)

5 de março
Sylvie chegou para me ver na manhã seguinte à noite que

acordei, e passou o dia inteiro comigo. Ela chorou muito, disse mil
vezes sobre o quanto tinha ficado preocupada e, quando enfim

conseguiu se acalmar, tentou me animar contando as coisas que tinham

acontecido naqueles últimos dois meses. Desde acontecimentos da


escola dela, passando por fofocas de artistas, sobre casais famosos que

haviam se divorciado e por notícias da atualidade e do entretenimento.

Podia parecer coisa de irmã boba, mas achei fofo quando ela disse que
não tinha ainda assistido à nova temporada da sua série favorita porque

queria esperar para vermos juntas, como sempre fazíamos.

Fofo, mas, ao mesmo tempo, angustiante. Porque eu podia não

ter voltado. Eu podia ter morrido naquele acidente, e não queria que a

vida da minha irmã tivesse parado com a minha falta.

Já bastava tudo o que tínhamos parado desde que nossa mãe

faleceu.

Porém, Sylvie não mencionou nada sobre o nosso pai. E


pareceu evitar o assunto da minha gravidez. Só foi falar sobre o bebê
no final da tarde, parecendo receosa de que aquilo ainda fosse confuso
para mim.

E era mesmo.

Ela foi cautelosa na abordagem do assunto, mas se mostrou

feliz com a ideia e garantiu que me ajudaria a cuidar do bebê.

E então, mais um dia depois, Camila e Evelyn chegaram para

me visitar. As duas vieram me abraçar, ambas emocionadas, e levaram

também várias folhas de papel desenhadas.

— A Alice mandou para você — Camila explicou, enquanto

me entregava um desenho que parecia ser de mim com ela, cercadas

por um coração meio tortinho, mas lindo.

— Anna e Aurora também — Evelyn contou.

Os desenhos enviados pelas gêmeas já eram um pouco mais

elaborados, já que elas eram maiores – tinham quase sete anos,

enquanto Alice em breve faria três. E incluíam frases como “Tia, nós
te amamos” e “Fica boa logo, tia Layla”. Por mais simples que

parecesse, isso me emocionou.


— Elas são tão adoráveis... — falei, emocionada com os

desenhos. Eu andava me emocionando muito fácil com absolutamente


tudo. — E o Eric também.

Camila abriu um enorme e orgulhoso sorriso.

— Você fala isso porque ainda não viu como ele está levado!
Especialmente agora que já fica de pé, apoiando as mãozinhas nos

móveis. Quer explorar toda a casa.

— Ele já fica de pé? — perguntei, surpresa.

Aquilo não era possível. O bebê de Camila ainda estava

começando a engatinhar outro dia...

Literalmente outro dia, para mim. Era como se fosse

anteontem, mas na verdade, já havia passado mais de dois meses desde


que o vi pela última vez, na festa de Réveillon. Isso era tempo demais

para um bebê.

Tempo suficiente para eu agora saber que existia um sendo

formado dentro de mim.


— As suas visitas ainda são restritas — Camila falou. — Mas

logo que você for para outro quarto, vou poder trazer Alice e Eric para
te verem.

— E eu vou trazer as gêmeas — Evelyn emendou.

Movimentei a cabeça em uma negativa.

— Não, por favor. Por mais que eu queira muito revê-los,


hospitais podem ser lugares pesados para crianças. Espero que eu logo
possa ir embora daqui e, aí sim, eu poderei revê-los. Aliás... — Olhei

para Evelyn. — Até quando vocês vão ficar em Los Angeles?

As duas se entreolharam, como se guardassem um segredo, e


então Evy respondeu:

— É uma longa história, Lay. Qualquer hora a gente te conta.


Mas não nesse momento. Você precisa de paz para se recuperar.

Aquilo me deixou um pouco intrigada, mas logo deixei de lado,


pensando que não deveria ser nada demais.

— Bem... eu não consigo ficar em pé, tenho dificuldades até

para comer sozinha, estou ainda sendo alimentada com comida


pastosa, fazendo xixi por uma sonda, descobri que estou grávida e que
passei dois meses inteiros completamente apagada. Não sei se usaria a
palavra ‘paz’ para descrever a minha mente no momento.

Eu ri, porque era uma tentativa de piada. Mas as duas me

olharam com tristeza. Camila segurou a minha mão.

— Eu sinto muito, amiga. Estamos muito felizes por você estar

de volta, mas nem posso imaginar a loucura que deve estar a sua
cabeça.

— Eu vou ficar bem — respondi, forçando um sorriso. —


Bem, nós dois vamos ficar bem, não é? Não estou mais sozinha nisso.

Levei uma das mãos à barriga, tentando me acostumar à ideia

de que teria um bebê. Desta vez, as duas sorriram, e Camila comentou:

— E vocês dois também não estão sozinhos. Sabe que

Sebastian ficou com você durante todo esse tempo, não é?

Senti subitamente o meu rosto esquentar, tímida ao pensar a

respeito daquilo. Ainda era difícil imaginar o imponente Sebastian


Turner passando meses de vigília em um hospital para cuidar... de

mim.
Porém, se eu pensasse um pouco melhor, qualquer coisa
naquela história seria inimaginável para mim há até alguns meses. A
começar pelo fato que mencionei:

— Eu ainda não acredito que fui para a cama com o meu

patrão...

As duas riram e Evelyn disse:

— Nós ficamos surpresas também. Eu nem sabia que vocês se

conheciam mais do que de vista.

— Não nos conhecíamos — expliquei. — A coisa toda


aconteceu, mas... Eu meio que ainda não o conheço.

— Sem qualquer julgamento, amiga — Camila falou. — Mas

foi uma enorme surpresa, porque essa coisa de sexo com

desconhecidos, ou pouco-conhecidos, no caso, não é algo da sua


rotina.

— Já fazia um bom tempo que minha rotina sexual era apenas

a abstinência — respondi. — Como eu falei, simplesmente aconteceu.

Acho que eu estava meio carente com aquela coisa de ano novo,
saudades da minha mãe, raiva do mundo...
Evelyn movimentou a cabeça, demonstrando compreensão.

— Juntou a carência, a abstinência e um homem gostoso, não


teria como ser diferente.

— Evy! — Camila a repreendeu.

E nós três rimos. A minha situação não tinha nada de divertida,

mas não consegui resistir àquela análise super precisa.

— E eu falei alguma mentira? — Evelyn se defendeu. — Não


troco o meu Logan por nada, mas precisamos combinar que são três

irmãos muito bem-servidos em atributos físicos. E vamos ser

totalmente sinceras: Sebastian provavelmente também deveria estar

nessa mistura de carência, raiva do mundo, abstinência sexual... E


tinha a gostosa da Lay como companhia. Como ele iria resistir?

— Até parece... — retruquei, ainda rindo.

A verdade é que, naquela cama de hospital, com meus cabelos

há sei lá quanto tempo sem serem lavados, alguns quilos mais magra e

o rosto abatido, a última coisa neste mundo que eu poderia vir a me


sentir era uma “gostosa”. Mas era muito bom ter amigas que se

empenhavam em levantar a minha autoestima.


Camila retornou ao foco inicial do assunto:

— Como eu disse, Sebastian ficou ao seu lado durante todo

esse tempo. Pode ter certeza de que ele será um pai presente e que não

te deixará sozinha nessa.

Forçando um pouco a mente, eu tinha conseguido me recordar


com mais clareza da noite que Sebastian e eu passamos juntos. O sexo

tinha sido impulsivo e, ao mesmo tempo, maravilhoso. Mas logo que

chegou ao fim, veio o sentimento de culpa de ambas as partes.


Provavelmente a dele muito maior, por se recordar da esposa. E eu me

lembrava da forma como ele tinha lidado com aquilo. O jeito como me

olhou – ou melhor: como evitou me olhar.

E lembrei, também, da frieza e das palavras cruéis que ele tinha


me dito no carro. Ele tinha feito o comentário mais desprezível, que

tocava em uma ferida particular minha de um jeito horrível. E foi

aquilo que me fez tirar o cinto de segurança e pedir para que ele

parasse o carro em um posto de gasolina para que eu pudesse descer.

Eu pouco conhecia Sebastian Turner antes de tudo aquilo.

Logo que comecei a trabalhar na Turner, cheguei a pegar alguns meses

de sua gestão, antes que ele precisasse se afastar para cuidar da esposa
doente. A impressão que eu tinha era de um homem espetacularmente

bonito e, embora um pouco reservado, bem simpático e educado.


Então, ele ficou fora durante um longo período, retornando apenas

após a morte da mulher.

Quando voltou, parecia outro homem. Mais fechado, sem

sorrisos ou simpatias com os funcionários. E também muito mais


exigente com o trabalho.

Antes do sexo, ele seguia sendo um sujeito calado. Foi educado

comigo e até mesmo gentil ao se preocupar com meu retorno para

casa. Mas, depois... Ele se mostrou bem insensível.

Então... Por que tinha ficado dois meses ao meu lado durante o
meu coma? O acidente não o obrigava a isso. Nem mesmo a

paternidade do bebê (da qual ele nem tinha certeza ainda).

A não ser que, por baixo daquela máscara de frieza, houvesse

mesmo um homem bom.

Eu ia dizer alguma coisa, mas a médica chegou neste momento,

anunciando que eu precisava fazer mais alguns exames e, em seguida,

naquele mesmo dia, iniciaria as sessões com um fisioterapeuta para


conseguir recuperar os movimentos dos meus músculos prejudicados

depois de dois meses sem me mexer.

Camila e Evelyn se despediram e foram embora. Um

enfermeiro me ajudou a sair da cama e me colocou em uma cadeira de


rodas, na qual eu fui guiada para fora do quarto.

Quando passamos pela sala de recepção, eu o vi.

Sebastian Turner... Ele estava ali.

Depois de tudo... Mesmo que eu já tivesse despertado, ele

seguia ali.

Nossos olhares se cruzaram enquanto eu era levada para a sala


de exames. E eu senti meu coração bater mais forte em meu peito, sem

sequer compreender a razão disso.

*****
Capítulo dezessete

"Me diga uma coisa, garoto

Você não está cansado, tentando preencher esse vazio?

Ou você precisa de mais?

Não é difícil manter toda essa energia?

Estou caindo

Em todos os bons momentos

Eu me vejo ansiando por uma mudança

E nos momentos ruins, eu tenho medo de mim mesma"

(Shallow – Lady Gaga e Bradley Cooper)


8 de abril

Sebastian Turner continuava a ir ao hospital. Não mais todos os

dias, como fazia antes, mas eu o via por lá ao menos três vezes por
semana.

Eu o via na sala de recepção e, às vezes, ele ia até o setor de

fisioterapia, acenava de longe para mim e quase sempre conversava

com o meu fisioterapeuta. Deduzi que ele provavelmente fazia


perguntas com relação ao bebê. Se estava tudo bem, se ele poderia ter

alguma dificuldade em seu desenvolvimento por causa da minha

limitação física e das atividades que precisava realizar.

Bem, ao menos isso era o que eu deduzia. Tom, meu

fisioterapeuta, nunca me contou o que os dois conversavam. E eu me

esforçava bastante sondando para tentar fazer com que ele deixasse

escapar alguma coisa.

Tive progressos rápidos com as sessões. Depois de um mês, eu


ainda me cansava com facilidade e sentia alguma fraqueza para

realizar alguns movimentos, mas já era capaz de caminhar sozinha, de


ir ao banheiro. Me permitiram até tomar banho sozinha, o que me
deixou incrivelmente aliviada.

Naqueles pouco mais de trinta dias em que levei em minha

recuperação, fui descobrindo a felicidade e a satisfação em tarefas

simples que, antes, me pareciam tão banais.

Até que, enfim, chegou o dia de ir embora.

Sylvie levou para mim algumas roupas, e finalmente me vi

livre daquela coisa horrorosa que era a camisola de hospital. Consegui


me trocar sozinha no banheiro e retornei ao quarto, onde minha irmã

me esperava com um sorriso enorme no rosto.

— É tão bom te ver assim — ela falou.

E eu sorri de volta.

— Espero que a senhorita não tenha aprontado muito durante o

tempo que fiquei por aqui.

— Claro que não, Lay! — Ela fez bico, como uma criança

contrariada. — Eu vinha para cá te ver todos os dias depois da escola.

Não tive nem tempo para ‘aprontar’.


— Pois deveria ter aprontado, então. É o que os adolescentes

fazem.

— Talvez eu faça isso agora que você vai voltar para casa.

— Vamos conversar com calma sobre os termos disso.

Ainda sorrindo, abri a primeira gaveta do móvel ao lado da

cama, na qual eu já havia mexido e tinha visto que estava o meu diário.
Sylvie pareceu curiosa com aquilo.

— O que isso está fazendo aí?

— Estava comigo no momento do acidente. Alguém deve ter

trazido para cá.

— Mas por que não me entregaram? Aquele cara me entregou


a sua bolsa. Por que ele tirou o seu diário de dentro dela?

— Bem, o diário não estava dentro da bolsa na hora do


acidente. Talvez tenham entregado para ele em momentos diferentes, e

ele esqueceu de te repassar.

— Isso é muito estranho. Eu não vou com a cara dele.


Eu não estava preocupada com o fato de meu diário estar ali.

Na verdade, ficava até mesmo grata por Sebastian não o ter entregado
a Sylvie. Conhecia a minha irmã o suficiente para saber que seria

muito provável que ela lesse o que eu escrevia ali. E muitas coisas
recentes eram sobre a minha preocupação com ela.

Como uma boa adolescente, ela sabia ser um tanto quanto


enxerida quando queria. Talvez aquele fosse o único ponto que nos

levava a discutir de vez em quando, já que eu prezava demais pela


minha privacidade. Eu sem dúvidas ficaria furiosa de meu diário

tivesse sido entregue a ela e ela tivesse lido qualquer coisa dele.

— Se te anima, eu também não vou com a cara dele — rebati,

em tom de brincadeira.

Foi o suficiente para Sylvie rir. No entanto, ela logo conteve o


riso, fazendo um questionamento:

— Então vocês não estão mesmo namorando?

Eu? Namorada de Sebastian Turner? A ideia me soou tão

absurda, como se alguém dissesse que eu teria qualquer chance de


namorar o Henry Cavill.
— Não, não estamos.

— Mas vocês vão ter um bebê.

— Sylvie, você tem dezesseis anos. Já passamos pela fase de


conversar sobre como são feitos os bebês, não é?

— Dezessete — ela rebateu.

— O quê?

— Fiz dezessete anos, Lay. Em janeiro.

A lembrança deste fato me entristeceu. Eu havia perdido tanta


coisa naquele período de tempo... E ainda me sentia bem confusa
tentando retornar à vida normal.

Parecendo perceber isso, Syl voltou a falar, visivelmente

tentando me distrair daqueles pensamentos:

— Eu me lembro dessa nossa conversa. E lembro de, nela,

você ter me dito que é importante que duas pessoas se gostem para que
deem o ‘passo a mais’.

Então, ela iria mesmo usar as minhas palavras contra mim?


— Eu não disse que efetivamente não gosto de Sebastian
Turner.

— Acabou de dizer que não vai com a cara dele.

Que droga, eu estava caindo em muitas contradições.

— É diferente de efetivamente desgostar de alguém.

— Você sabe muito bem de que tipo de gostar você falou


quando teve aquela conversa comigo.

— É, eu sei. O que eu não te disse na época é que nem sempre

isso acontece. Às vezes a gente se deixa guiar só pelos hormônios e as

coisas acabam acontecendo. Mas isso em um mundo de pessoas


adultas, não de adolescentes. Lembre-se de controlar ao máximo os

seus hormônios até passar dos dezoito anos.

— Até o ano que vem?

— O quê?

— Eu faço dezoito ano que vem, Lay.

— Eu falei ‘dezoito’? Na verdade, quis dizer ‘vinte e um’.


— Você ainda tinha vinte quando foi para a cama com o seu

não-namorado chato.

— Sylvie, sério... Eu apenas não sou um bom exemplo a ser

seguido, viu? Faça o que eu digo, não o que eu faço.

— Certo. Então todo o discurso sobre ‘use sempre camisinha’

também só vale para adolescentes?

— Não. Vale para todo mundo. Eu vacilei, e... Foi isso. Agora
você tem em casa um ótimo exemplo de tudo o que não deve fazer.

Ela tomou fôlego para responder, mas nesse momento alguém

abriu a porta. Era Ashley, a enfermeira do turno, que estava

responsável pela minha alta. Ela trazia uma cadeira de rodas e eu ainda
retruquei um pouco, dizendo que podia andar até a saída. Contudo, ela

insistiu que aquela era uma norma do hospital e reforçou que eu devia

repousar o máximo de tempo possível.

— Já foram mais de três meses de repouso. Dois deles, bem


intensivos — rebati, fazendo-a rir.

Por fim, sentei-me na cadeira, colocando meu diário sobre

meus joelhos, e fui empurrada por Ashley, que ao lado da minha irmã
me guiou até a saída do hospital.

Quando chegávamos lá, eu o avistei.

Sebastian estava ali, parado próximo à porta, com um pequeno

vaso de margaridas nas mãos.

Margaridas...

Havia várias no meu quarto quando eu acordei. Teria ele sido


responsável por algumas delas?

Balancei a cabeça, tentando não pensar a respeito daquilo.

A enfermeira parou, com minha cadeira bem de frente para ele.

Ficamos em silêncio por alguns segundos, um olhando para o outro,


até que ele estendeu as flores em minha direção. Peguei-as, um pouco

tímida com tudo aquilo.

Timidez que minha irmã, definitivamente, não dividia comigo,

já que ela perguntou, sem qualquer constrangimento:

— O que está fazendo aqui?

— Vou levar vocês em casa — ele respondeu.


Não era proposital, mas a frase me causou alguns gatilhos.

Afinal, foi na oferta de me levar para casa que tudo aquilo tinha
acontecido.

— Não precisa — Sylvie rebateu, enérgica. Ela realmente não

parecia gostar nada de Sebastian. — Vamos pegar um táxi.

— Eu faço questão. — Ele olhou diretamente para mim. —

Prometo que dessa vez não teremos imprevistos e vou te deixar em


casa em segurança.

A forma como ele me olhou deixava evidente o que ele sentia:

culpa. Provavelmente aquilo deveria corroê-lo desde o dia do acidente.

Agora, tudo ficava mais claro para mim. Os motivos que


tinham levado aquele homem a passar tanto tempo indo diariamente

até um hospital para fazer companhia a uma pessoa desconhecida e

desacordada.

Eu achava que ele não tinha motivos para se culpar. Tudo tinha
sido apenas um acidente, no fim das contas. No entanto, por respeito

àquele sentimento, acabei balançando a cabeça em concordância.


Sylvie ficou nitidamente irritada com aquilo, mas não lhe

restou alternativa a não ser concordar.

O carro de Sebastian estava estacionado bem próximo à

entrada do hospital, e ele próprio empurrou a minha cadeira até o


veículo. Chegando lá, abriu a porta e me pegou nos braços, colocando-

me no banco de trás.

Eu não devia sentir todos aqueles arrepios por estar, por alguns

segundos, nos braços dele, mas não pude controlar. Era estranho, mas
eu tinha a sensação de que ele era, para mim, mais do que o meu

patrão, que eu conhecia apenas de vista, que me deu uma carona na

saída de uma festa, trocou algumas palavras comigo e com quem tive

alguns momentos de um sexo casual e um breve desentendimento em


seguida.

Tinha sido apenas aquilo, não é?

Mas, por qualquer razão, eu senti como se o conhecesse muito

além disso. Como se tivéssemos convivido por mais tempo. Como se


ele fosse, sei lá... um amigo, talvez?

Não exatamente isso. Não apenas isso.


Era estranho e confuso.

Sylvie se sentou ao meu lado e disse o endereço a Sebastian,

que nos levou em silêncio até a nossa casa.

Na verdade, até a casa onde eu havia crescido e de onde saí

logo que entrei na faculdade. E onde eu esperava nunca ter que voltar,

mas precisei fazer isso depois da morte da minha mãe. O termo mais

correto para chamar aquele lugar, onde eu me sentia apenas uma


hóspede não muito desejada, era ‘a casa do meu pai’.

Pensei em como seria reencontrá-lo. Para mim, era como se

tivesse se passado pouco mais de um mês, mas tinham sido mais de

três, contando com o tempo que fiquei em coma.

E ele não tinha ido me visitar nem ao menos um daqueles mais

de noventa dias...

Fiquei um tempo apenas olhando para a casa. A grama estava

alta demais. Afinal, era sempre eu quem contratava alguém para apará-
la, já que meu pai não vinha se preocupando com isso desde que minha

mãe morreu.
Aparentemente, ele não vinha se preocupando com nada. E este
foi o motivo para eu ter me mudado de volta para lá: para poder cuidar

de Sylvie.

E dele também, na medida em que ele me permitia cuidar.

Sebastian abriu a porta do meu lado e estendeu a mão para


mim.

— Consegue andar? — ele perguntou.

Movimentei a cabeça em concordância, mas aceitei sua mão

como apoio para sair do veículo. Sylvie se apressou em entrar em casa,

deixando-nos a sós na calçada.

— Obrigada — falei, de frente para Sebastian, segurando meu

caderno e as flores que ele tinha me presenteado. — Pela carona, e...


Bem, por tudo.

— Não foi nada demais. Eu preciso do seu telefone. Quero

muito poder te acompanhar aos exames... você sabe... do bebê.

Instintivamente, levei uma das mãos à minha barriga, que


apresentava uma leve e quase imperceptível elevação. Eu havia
perdido peso durante o tempo que fiquei em coma, então a gravidez,
até aquele momento, apenas fez com que eu chegasse perto do meu
peso de antes do acidente.

— Não conversamos ainda sobre isso... — falei. Na verdade,

não tínhamos conversado, ainda, sobre quase nada.

Era estranho, porque eu sentia como se já tivéssemos passado

horas e mais horas conversando.

— Não quero que assuma isso se não for realmente da sua


vontade — continuei. — Não existe nada pior para uma criança do que
ser criada por alguém por um simples senso de obrigação. Eu quero

esse filho, por mais que ele não tenha sido planejado, e vou criá-lo
com ou sem um pai.

Ele balançou a cabeça em concordância.

— Eu também quero esse filho, Layla. E quero fazer parte de


tudo na vida dele.

Ele era sincero. Dava para ver em seus olhos que dizia aquilo

com convicção, sem qualquer dúvida.


— Tudo bem. Já deixei o primeiro exame marcado para
semana que vem. Caso você queira ir...

— Eu quero. Eu realmente quero.

— Certo... Anote o meu número, então...

Ele pegou o celular e me preparei para ditar o meu número,


mas fui interrompida quando a porta da casa se abriu e um homem de

cinquenta e dois anos – embora aparentasse ter no mínimo uns vinte a


mais – e visivelmente bêbado veio em nossa direção.

*****
Capítulo dezoito

"Sentindo-se derrotada

Quase não aguentando

Mas há alguma coisa tão forte

Algo dentro de mim

E estou no chão

Mas eu vou levantar de novo"

(You Haven't Seen The Last Of Me – Cher)

— O que está fazendo aqui? — meu pai perguntou, irritado.


Vinha sendo cada vez mais comum vê-lo daquela maneira. Ele

sempre teve alguns problemas com bebidas, mas ainda não era nada
tão sério e preocupante até a morte da minha mãe, quando ele se

entregou de vez ao vício.

— Oi, pai... — falei, tensa.

— Nada de ‘oi, pai’. Por que veio para cá?

Fiquei sem reação ao questionamento. Para onde mais eu iria,

se era ali que eu vinha morando?

Sebastian deu um passo à frente, colocando-se entre nós.

— Desculpe, senhor... Mas sabe que Layla esteve internada em


um hospital, não é?

— Pouco me importa! — meu pai rebateu, praticamente

cuspindo as palavras. — Eu sempre disse que você não era minha

filha, e agora tenho ainda mais certeza disso. Uma filha minha nunca
arranjaria uma barriga sem estar nem mesmo casada!

Aquilo era inacreditável. Tanto, que até mesmo Sebastian

pareceu sem reação.


Eu já tinha ouvido muitas coisas do meu pai. A frase ‘você não
é minha filha’, inclusive, tinha se tornado comum desde que minha

mãe faleceu. Antes, ele evitava dizer, por respeito a ela. Mas depois

que ela se foi... e que ele me viu como a principal culpada disso... não

tinha mais por que fingir que ao menos tolerava a minha presença.

Mas ele seguiu tolerando. Afinal, eu cuidava de Sylvie, deixava

a comida preparada e a casa limpa. Os três meses sem a minha

presença talvez tivessem servido para mostrá-lhe que eu não era tão

necessária assim por ali. Especialmente agora, que teria um bebê.

Sylvie veio correndo de dentro da casa, também se colocando


de frente para o nosso pai.

— O que está fazendo, pai? — ela perguntou, furiosa. — Não

pode falar assim com, a Lay.

— Eu falo como quiser! — ele rebateu. — Uma grávida

solteira não vai entrar na minha casa.

— Tudo bem, eu vou embora — anunciei, fazendo Sebastian e


Sylvie olharem para mim, provavelmente ambos pensando que eu era
meio louca. Eu não tinha para onde ir, afinal. — Mas Sylvie vai

comigo. Não vou deixá-la morando com você.

Eu poderia ter dito mais: “não vou deixá-la morando com um

bêbado irresponsável como você”. Mas não fiz isso porque,


incrivelmente, eu ainda tinha respeito por aquele homem, mesmo ele

não merecendo isso.

E a resposta deixou bem claro que ele, em contrapartida, não


tinha uma gota de respeito por mim:

— Eu coloco a polícia atrás de você se levá-la. Não vou deixar


minha filha morar com uma vagabunda qualquer.

Sebastian voltou a olhá-lo e eu pude ver o ódio nítido em seu


rosto, bem como os nós de seus dedos ficarem brancos de tanto que ele

apertou as mãos, provavelmente tentando se controlar.

— Agradeça a Deus por eu não ter coragem de bater em um


velho bêbado — ele falou.

E, em seguida, virou-se para mim e segurou a minha mão, na


intenção de me guiar de volta para o carro. Mas eu travei onde estava,

sem entender.
— Vamos, Layla, você não precisa aturar isso.

— Eu não tenho para onde ir... — respondi. Minha voz saiu

quase em um sussurro angustiado.

— Você tem, sim. Apenas venha.

— Eu... eu não... — gaguejei, sem saber ao certo o que dizer.

A mão dele fez um pouco mais de pressão sobre a minha e ele


pediu:

— Apenas confie em mim. Sei que não fiz muito para merecer

isso, mas... Me dê esse voto de confiança.

Eu não sabia se era por eu, de fato, confiar... ou se era pelo meu

desespero naquele momento, pela urgência que eu sentia para me


afastar do meu pai e para ir embora daquele lugar... Mas, quando me

dei conta, meus pés começaram a se colocar um diante do outro,


caminhando, deixando-me ser guiada por Sebastian de volta ao carro.
Ele abriu a porta do passageiro e eu me sentei no banco, ainda com os

pés para fora do veículo, quando Sylvie veio até mim e se abaixou à
minha frente, chorando muito.
— Desculpa, Lay... Eu... eu contei para ele sobre o bebê,
porque achava que isso faria com que ele repensasse e fosse ao menos
te visitar. Eu achei... eu achei que...

A voz dela foi calada pelo choro e eu a puxei para perto de

mim, abraçando-a.

— Não é culpa sua, Syl. Nada disso é culpa sua.

— Para onde você vai? Me leva com você, por favor.

O pedido pareceu cortar o meu coração. Mas tentei me focar no


fato de que, apesar de ser rotineiramente grosso comigo, meu pai não

tratava Sylvie mal. O vício em bebida o fazia passar mais tempo na rua
do que em casa, e ele não estaria presente para ser o pai que ela

merecia ter, mas também jamais seria capaz de feri-la, nem


fisicamente nem mesmo com palavras. Era nisso que eu precisava me
focar, pelo motivo que expus:

— Eu não posso te levar comigo, Syl. Ele é seu pai e seu

responsável legal.

— Ele está sempre bêbado, tem noites que nem volta para casa.

Eu tenho me sentido tão sozinha. Primeiro, perdemos a mamãe, e


depois eu quase perdi você... E agora você está indo embora.

— Não, meu amor. Você nunca vai ficar sozinha, tá? Eu

preciso ir agora, mas... Depois, com calma, prometo que daremos um


jeito em tudo.

Estava prometendo algo que eu nem sabia se seria capaz de


cumprir. Mas era tudo o que eu podia fazer naquele momento. Meu pai

tinha voltado para a varanda da casa, e andava de um lado para o outro

repetindo gritos para que Sylvie entrasse e para que eu fosse logo
embora. A cada grito, meu peito se rasgava mais e mais e tudo o que

eu mais queria era sumir logo dali.

Quando Sylvie e eu desfizemos nosso abraço, eu passei as

mãos pelo rosto dela, secando suas lágrimas. Ela se levantou e se virou
de frente para Sebastian. Sabia que ela não tinha qualquer simpatia por

ele, por isso foi uma surpresa ouvi-la pedir:

— Cuida bem dela, por favor.

Ele assentiu e, de forma gentil, me ajudou a me ajeitar no

banco, colocando minhas pernas para dentro do veículo, antes de


fechar a porta. Em seguida deu a volta no carro, entrando pela porta do

motorista.

Colocamos os cintos e, quando ele deu a partida no veículo,

olhei para trás, para a minha irmã, para o meu pai, que ainda

esbravejava na varanda, e para a casa onde eu havia crescido, até que

tudo isso sumisse do meu campo de visão ao virarmos na esquina.

Voltei a me virar para a frente, sentindo as lágrimas turvarem

minha visão. Mas eu não tinha tempo para isso naquele momento.

Sebastian estava me tirando dali, mas eu precisava decidir para onde

iria.

Sebastian pareceu ler meus pensamentos.

— Você vai para a minha casa.

— Não posso ficar na sua casa — rebati.

— Ao menos por algum tempo. O quanto precisar até encontrar

outro lugar.

— Isso pode demorar. Eu dividia um apartamento com uma


colega de faculdade, que atualmente mora com o namorado. Não sei se
meu salário daria para arcar sozinha com os custos de... Droga! —

praguejei, ao me dar conta de um detalhe.

— O que foi?

— Eu nem sei se ainda tenho um emprego.

— É claro que tem.

— Sou só uma estagiária. E, por mais que o salário da Turner


seja muito bom comparado com a média, o cargo de estagiário não

cobre três meses de licença médica.

— Eu decido o que cobre ou não.

Para qualquer um, ele podia ter soado um tanto arrogante, mas
entendi que aquele não era o caso. Ele queria me transmitir segurança.

E, na verdade, conseguiu.

— Você realmente não precisa fazer tanto por mim, senhor

Turner...

— Vamos combinar duas coisas?

— Quais?
— Bem, a primeira é que você pode parar com isso de ‘senhor

Turner’. Isso é estranho, você é mãe do meu filho,.

Mãe do filho dele...

Isso é que ainda soava estranho para mim.

De qualquer maneira, concordei. E ele continuou:

— A segunda é que... Como eu acabei de falar, você é mãe do

meu filho. É claro que farei tudo o que estiver ao meu alcance, Layla.

Não vou te deixar sem ter onde morar. E, sinceramente, depois de


conhecer o seu pai, também não confiaria em te deixar morando com

ele.

— Ele não era assim quando minha mãe estava viva. Bem, ao

menos, com relação a mim, ele costumava ser mais discreto em suas
opiniões.

— Por que ele te trata desse jeito?

Um bolo pareceu se formar em minha garganta, me mostrando

que, mesmo se quisesse, eu não conseguiria desabafar a respeito


daquilo. Toda a minha relação com o meu pai representava algo que

transbordava o meu peito da mais profunda tristeza.

Ele era o único pai que eu conhecia. Apesar de nunca ter de

fato desejado ser o meu pai.

— Desculpe... — consegui pronunciar, entre soluços. — Eu...


eu não quero... não quero falar... sobre...

Ele tirou uma das mãos do volante, tocando a minha, que

repousava sobre o diário e ao lado das flores em meu colo. Virei meu

rosto em direção a ele, ao mesmo tempo que ele me olhou de forma


rápida, mas o suficiente para, provavelmente, perceber a minha

surpresa com mais aquele contato. Com isso, ele afastou rapidamente a

mão e declarou:

— Não precisa dizer nada que não queira. Vai ficar tudo bem.

Eu queria dizer algo. Queria agradecer por tudo o que ele vinha
fazendo por mim, mas simplesmente não consegui.

O choro se tornou ainda mais forte, tornando-me incapaz de

pronunciar mais qualquer palavra.


*****
Capítulo dezenove

"Jovem menina, não chore

Estarei bem aqui quando seu mundo começar a desmoronar

Jovem menina, está tudo bem

Suas lágrimas irão secar, em breve você será livre pra voar"

(The Voice Within – Christina Aguilera)

9 de abril
Eu compreendia perfeitamente o fato de ela não querer

desabafar comigo. Porque o único desabafo que ela tinha feito, a única
coisa pessoal que havia me contado de forma direta – sobre o fato de

ter sido adotada – tinha sido usada por mim em um momento de

insanidade em que eu quis feri-la com palavras, de forma totalmente


injusta.

De que jeito, depois daquilo, ela poderia confiar em mim?

Eu a levei para a minha casa. Chegamos já de noite, e ela

estava tão abatida, que não tive como mostrar a ela a parte dos fundos

do quintal, com vista direta para o mar. Dali, bastava descer alguns
degraus, e já se pisava na areia de uma praia em Malibu, que era muito

pouco frequentada, justamente pelo fato de ficar em uma área de

mansões.

Minha nova casa não era exatamente como aquela que ela tinha

desenhado, mas o mar estava bem ali, e eu sabia o tanto que ela o

amava.

Aquilo era tão contraditório... Ao mesmo tempo que ela havia


me contado uma única coisa a seu respeito, ao menos de forma direta,

eu já sabia tanto sobre ela. Não me orgulhava do que eu tinha


descoberto através das passagens que li em seu diário, mas esta era
uma parte ainda bem pequena do todo, já que cumpri a promessa feita

a mim mesmo de não voltar a invadir a privacidade dela daquela

forma. Mas quase tudo o que eu sabia a seu respeito era por meio do

que ela deixava claro de forma pública, através de seus desenhos, de

seus textos, e até mesmo das músicas que adicionava nos posts do seu

Instagram.

Então, apenas a guiei até o meu quarto, anunciando que poderia

dormir lá. Eu tinha quartos vagos – um deles, aliás, pretendia reservar

ao bebê – mas o único com móveis era o meu. Por conta disso, dormi

na sala de estar. O que não foi nenhum grande sacrifício, tendo em

vista que o sofá era bem grande e confortável.

Ainda assim, não consegui dormir bem. Estava explodindo de

ódio daquele filho da puta que, legalmente, era pai adotivo de Layla.

Sentia que era até mesmo um insulto usar esse título para ele. Adotivo

ou biológico, ser um pai de verdade ia muito além de um registro em


uma certidão de nascimento, e aquele homem, definitivamente, não

merecia ser considerado desta maneira.

E eu tinha total propriedade para dizer algo assim, já que meu

próprio pai tinha sido um homem bem ausente na minha vida e na dos
meus irmãos. Ainda assim, ele conseguia o feito de ser melhor do que

o de Layla. Ao menos, nunca havia falado conosco daquela maneira.

Acabei me levantando bem cedo e fui para a cozinha preparar o

café da manhã. Algo que eu não fazia desde...

Desde o último dia que Bonnie passou em casa, antes de ir para


o hospital, realizar uma cirurgia da qual ela nunca retornou.

Quando fiquei viúvo, passei a não me preocupar mais com


refeições elaboradas. Deixava para tomar um café já no escritório, e

comia qualquer coisa que estivesse à venda na padaria em frente ao


prédio. No almoço, pedia uma refeição qualquer por delivery, e fazia o

mesmo no jantar, com exceção das ocasiões em que saía para jantar
com clientes importantes.

Justamente por isso, não tinha muita coisa na minha cozinha.


Abri os armários e tudo o que encontrei foram torradas integrais e

algumas geleias.

Talvez eu precisasse pedir algo por delivery...

— Bom dia... — a voz doce e feminina atrás de mim chegou

aos meus ouvidos de surpresa, fazendo com que eu quase


sobressaltasse.

Virei-me para trás, encontrando Layla parada na entrada da

cozinha, ainda usando as mesmas roupas do dia anterior.

— Bom dia — respondi. — Ainda está cedo, por que não

dorme mais um pouco?

— Acho que passei tempo demais dormindo... — ela rebateu,


em um tom mais leve, embora o sentimento de tristeza ainda fosse
bem visível em seu rosto.

— Entendo. Vim preparar algo para comermos, mas... Tudo o

que eu tenho são torradas e geleias.

— Está ótimo para mim.

— Não está, não. Uma grávida precisa comer coisas mais

nutritivas.

— Não sei sobre a nutrição, mas... Torradas e geleia me parece

bem apetitoso perto das comidas do hospital.

Ela se aproximou, parando ao meu lado. Ficou nas pontas dos


pés e ergueu as mãos, pegando o pacote de torradas e o vidro de geleia
de dentro do armário. Em seguida me olhou por um momento,
lançando-me um leve sorriso, antes de se virar e seguir até a ilha da
cozinha.

Fechei o armário e a segui, puxando uma cadeira ao seu lado

para me sentar.

— De qualquer maneira, precisamos ter comida de verdade

aqui — falei, pegando o vidro de geleia para abri-lo. — Eu me mudei


há pouco mais de um mês, e basicamente só consegui organizar os

móveis da cozinha, da sala e do meu quarto. Não sobrou tempo para ir


ao supermercado.

— Posso ir para você. É o mínimo que posso fazer por você


estar me abrigando.

— Não precisa fazer isso. Pode parecer uma tarefa simples,


mas é cansativo, e você ainda não está cem por cento recuperada.

— Estou quase. E já quero também voltar para o trabalho.

Acho que devo ter reprovado por faltas na faculdade, ainda preciso
descobrir como está a minha situação por lá. Mas preciso voltar a
trabalhar. Aliás, obrigada por segurar a minha vaga.
— Eu seria bem canalha se te demitisse depois de tudo isso.

— Você não foi um canalha. Em momento nenhum. Foi o

extremo oposto disso.

— Bem... De qualquer maneira, tire mais, no mínimo, duas


semanas para se recuperar um pouco mais antes de voltar ao trabalho.
Enquanto isso, acho que vai precisar pegar suas coisas na casa do...

Como é o nome dele?

— Do meu pai?

— Um nome. Acho que não dá para se referir a ele assim.

Percebi um leve tremor nos lábios dela, em uma visível tristeza


pelo meu comentário. Apesar de duro, julguei necessário. Achava que

quanto mais Layla se referisse àquele homem de forma afetuosa, mais

sofreria com tudo aquilo.

— Albert — ela respondeu, pegando uma torrada e tirando um


pedaço com a mão antes de levá-la à boca.

— Posso ir até lá pegar suas coisas. Sua irmã faria uma mala

para você?
— Certamente sim. Mas não quero que você tenha esse

trabalho. Se não se importa, eu posso pedir para que Sylvie traga


algumas roupas para mim? Quero vê-la e saber como está depois de

tudo o que aconteceu ontem.

— Claro. Mas eu também posso ir buscá-la. Especialmente por

causa do peso da mala.

— Não vou pedir para ela trazer muita coisa. E, sobre as duas

semanas de repouso... Acho que seria muito abuso da minha parte

passar tanto tempo por aqui.

Ela achava que duas semanas era tempo demais?

Para mim, era tão pouco. Queria que ela ficasse bem mais do
que isso.

Mas o que é que estava acontecendo com a minha cabeça?

— Pode ficar pelo tempo que precisar. Não seria abuso, Layla.

Você está grávida de um filho meu. Eu moro sozinho em uma casa

grande. E, agora que estou voltando para o meu cargo de CEO na


empresa, passarei muito mais tempo por lá do que por aqui. Você não

vai me incomodar em absolutamente nada.


— Ainda assim... Talvez não seja muito apropriado. Não é

como se tivéssemos qualquer relacionamento.

— Seremos pais da mesma criança, isso já é um

relacionamento. Podemos fazer isso da forma mais amigável possível.


Somos dois adultos.

— Mas e quando você... — Ela fez uma pausa, me analisando

em silêncio por alguns instantes. — Não, deixa para lá.

— Agora diga. ‘Quando eu’ o quê?

— Nada. Você pode se sentir ofendido, como da outra vez.

— Pelo que eu me sentiria ofendido? Vamos, diga.

Ela ainda ponderou por um momento, antes de falar:

— Tudo bem... Sei que ainda ama e sempre amará a sua

esposa, mas... Você pode e deve seguir a sua vida em algum momento.

E quando quiser trazer uma mulher para casa, como vai explicar a

minha presença aqui?

— Eu não penso nisso. O que aconteceu entre nós dois foi...


— Um erro, eu sei.

Não era a palavra que eu pretendia usar...

Mas me lembrei de que tinha sido exatamente a que eu próprio


havia usado naquela fatídica noite.

Layla prosseguiu:

— Naquele momento, do jeito como aconteceu, como uma

forma de fuga da realidade... Foi verdadeiramente um erro. Mas você

merece seguir em frente e tentar de novo. Conhecer uma mulher legal,


se apaixonar, refazer a sua vida...

— Eu apenas... Não estou mesmo pensando nisso agora. Quero

recomeçar, mas... Com o meu trabalho, e... Sendo pai.

— Bem... Todo recomeço é válido.

— Então, isso quer dizer que você vai ficar? Ao menos até o
bebê nascer?

Ela riu, como se eu tivesse acabado de dizer algo muito

engraçado.
— Faltam seis meses para o bebê nascer. Metade de um ano.

— Não é muito tempo para se reestruturar do zero, Layla. Mas

você pode... guardar uma boa parte do seu salário, voltar para a

faculdade e tentar recuperar o ano letivo, fazer planos, talvez pesquisar


por um lugar para morar... Enquanto cuidamos juntos da sua gestação.

Depois que o bebê nascer, você vai precisar de suporte e apoio nos

primeiros meses e, como eu te disse, quero fazer parte da vida dessa

criança desde o início. Quando ele ou ela já estiver um pouco menos


dependente unicamente de você, e quando as coisas na sua vida

estiverem mais em ordem, começamos alguma dessas dinâmicas de

casas separadas e guarda compartilhada.

— Não sei, Sebastian. Acho que eu preciso pensar melhor em


tudo isso.

— Bem... Tem tempo para isso. Sabe algo que me ajuda a

pensar?

Ela movimentou a cabeça em negativa e eu me levantei,


segurando-a pela mão para que me acompanhasse. Desta forma, eu a

guiei para a parte dos fundos da casa. Vi o rosto dela se iluminar diante

da vista.
— Uau... — Ela sorriu, olhando para o mar, que surgia ao final

da borda da piscina. Ficou alguns segundos em silêncio, antes de


voltar a olhar para mim. — Certo... Essa vista é um ótimo argumento

para me convencer a aceitar a sua proposta.

Eu também sorri, feliz com aquele breve momento de

felicidade dela.

— Eu não lembrava o quanto estar perto do mar me fazia bem


— declarei.

Senti vontade de complementar dizendo que tinha sido ela a me

lembrar daquilo e a, indiretamente, me fazer optar por aquela casa ao

invés de um apartamento frio com vista para outros prédios.

Contudo, me lembrei que o desenho da casa na praia não fazia

parte do Instagram dela. Era parte de algo que ela tinha optado por

guardar apenas para ela. E eu me sentia bem envergonhado por ter

descoberto aquilo.

— É. Eu também amo o mar. Disse que se mudou para cá há

pouco tempo. Não sei onde morava antes, mas... Essa casa

visivelmente foi uma ótima escolha.


— Também acho. Eu quase fui para outro apartamento, mas
mudei de ideia na última hora.

— Sério?

— É. Acabei me dando conta de que tive uma boa infância

crescendo em uma casa com quintal. Então pensei que, já que vou ser
pai, queria que ao menos um dos lares do nosso filho tivesse bastante

espaço para que ele possa correr ao ar livre.

Ela subitamente virou o rosto em minha direção, como se algo

que eu tivesse dito chamasse sua atenção.

Também a olhei, confuso com o assombro com o qual ela me


olhava.

— O que foi? — perguntei.

Ela piscou algumas vezes, até que balançou a cabeça em uma


negativa.

— Desculpe... Mas é que... Eu senti como se... Ah, não foi

nada...

— De novo com isso de ‘não foi nada’? Agora conte.


— É que é bobagem. Alguma confusão da minha cabeça...

— O que é uma confusão da sua cabeça?

— É que... eu tive a impressão muito nítida de já ter

conversado sobre isso com você. Mas é bobagem. Até porque, antes de
hoje, nós nunca efetivamente conversamos sobre como vamos criar o
bebê, não é?

Sorrindo, ela voltou a olhar para o mar. E, desta vez, fui eu que

fiquei assombrado. Porque aquilo não era um engano ou uma


bobagem...

Eu realmente tinha dito aquilo a ela, enquanto ela dormia.

Entretanto, tentei disfarçar, fazendo outra pergunta:

— E então, você vai ficar?

— Tem certeza de que não estarei te incomodando?

— Já disse, eu mal paro em casa. Mal vou notar você aqui.

Era uma mentira. Ou uma meia-verdade. Eu realmente passava

pouco tempo em casa. Porém, seria impossível deixar de notar a


presença dela.

— Com uma condição — ela falou.

— Qual seria?

— Você volta para o seu quarto. Deixe que eu fico na sala.

— Eu já encomendei móveis para os quartos de hóspedes.


Planejei um de casal e outro com duas camas de solteiro, pensando que
meu irmão Logan pode querer ficar aqui com a família quando vier a

Los Angeles. Você pode ficar com um destes quartos. E tem ainda
mais um livre, que quero transformar em um quarto para o bebê.
Podemos fazer isso juntos.

Ela levou uma das mãos à barriga e abriu um sorriso.

E eu entendi aquilo como um sim.

*****
Capítulo vinte

"Cada coisinha que ela faz é magica

Tudo que ela faz me excita

Ainda que minha vida tenha sido trágica

Agora eu sei que meu amor por ela continua

Eu tenho que contar a história

De mil dias chuvosos

Desde que nos encontramos a primeira vez"

(Every Little Thing She Does Is Magic – Sleeping At Last)


11 de abril

A equipe de montagem dos móveis chegou naquele mesmo dia,

e agora Layla já tinha o seu próprio quarto. No dia seguinte, a irmã


dela levou uma bolsa grande com roupas e objetos pessoais e,

enquanto as duas conversavam, saí para resolver algumas coisas, como

comprar comida para a casa.

Só agora, dois dias depois, eu retornava à empresa. Layla

insistiu para também ir, mas as orientações médicas e do fisioterapeuta

eram para que ela ficasse em casa descansando mais um pouco. Ainda
não estava totalmente recuperada do acidente.

Quando cheguei à Turner Architecture, fui diretamente até a

sala do CEO e, como era esperado, encontrei Michael por lá. Contudo,

ele não estava sozinho. Digitava algo no computador com apenas uma

das mãos, enquanto com a outra segurava o pequeno Eric. E, sentada


no chão, estava Alice, rabiscando algumas folhas de papel.
— Ío Shebaían! — minha sobrinha vibrou logo que me viu,
levantando-se e vindo correndo abraçar as minhas pernas.

— Sebastian! — meu irmão exclamou ao me ver. — Não sabia

que vinha hoje, mas que bom que veio. Todas as bombas desse

escritório decidiram estourar hoje.

Peguei Alice no colo e dei um beijo em seu rosto, em seguida

voltando a olhar para o meu irmão.

— Por que trouxe as crianças para cá?

— Eles estão sem creche, lembra? E a Camila hoje precisou

acompanhar a avó em uns exames de rotina.

— Podia ter deixado os dois com a nossa mãe.

— A Camila sugeriu o mesmo, mas achei que fosse dar conta,

e... Eric, por favor, filho, será que você pode ficar quieto? Certo, você

quer ir para o chão, não é? Pode ir, vá explorar o mundo.

Logo que foi colocado no chão, Eric saiu engatinhando pela

sala, realmente parecendo muito disposto a explorar tudo. Michael

voltou a se focar no computador.


— Essa coisa de ficarmos sem creche está sendo bem

complicada — ele falou, enquanto digitava algo. — A Camila tem


feito muita falta por aqui. Parece que as coisas não andam sem ela.

Estamos com três projetos grandes atrasados, clientes furiosos... um


verdadeiro caos.

— Bem, eu estou de volta. Posso voltar a assumir a função de


CEO, você volta para o seu cargo de chefia anterior... E o da Camila

não foi assumido por alguém enquanto ela cobria o seu?

— Sabe quem sempre assumia o cargo original da Camila

quando ela precisava assumir o meu de chefia?

— Quem?

— A Layla. Ela está fazendo muita falta por aqui também.

— Layla assumia o cargo da Camila? Ela não é ainda uma

estagiária?

— Camila sempre diz que Layla é muito mais competente do

que todos os arquitetos formados da equipe dela juntos. E


provavelmente tem razão, porque sem Camila nem Layla, outro sujeito

assumiu, mas vou precisar dispensá-lo, porque ele simplesmente


atrasou com todos os prazos e entregou um monte de trabalhos

errados, e agora estamos cheios de bombas para resolver, e... Que


merda! Acabei de me lembrar. Tenho uma reunião em quinze minutos.

— Trouxe as crianças para o escritório em dia de reunião?

— Achei que fosse dar conta. O Eric já devia ter dormido a


essa hora, então eu ia deixar os dois com a minha secretária.

Alice desceu do meu colo, correndo com seus passinhos ainda


meio atrapalhados atrás do irmão, que soltou um grito de felicidade e

apressou-se em engatinhar para ‘fugir’ dela. As gargalhadas das duas


crianças explodiram pela sala e eu senti vontade de sorrir, até me dar

conta de que aquele não era o momento mais adequado para tanta
felicidade infantil por ali.

— Tudo bem, Mike. Deixe que eu vou para a reunião e você


fica com as crianças.

— Ah, Sebastian... poxa vida....

Aquele ‘poxa vida’ foi dito em uma entonação de quem, na


verdade, queria xingar um palavrão, mas se segurava por causa da

presença dos filhos.


— O que foi? — indaguei.

— Achei que fosse se oferecer para ficar com eles.

— Por que eu faria isso?

— Porque você é o tio Sebastian legal. Porque você nem sabe


sobre o quê e com quem é a reunião, está totalmente por fora dos

assuntos do escritório. E porque... — Ele parou de digitar e olhou para


mim. — Eu estou exausto. A Camila está exausta. Só queremos poder
voltar com as crianças para a creche.

Não pude controlar o riso. Desde que se tornou pai, meu irmão

Michael sempre se mostrou o homem mais disposto do mundo. Agora,


sem o suporte de uma creche para que ele e Camila conciliassem bem

os cuidados com os filhos e a dedicação ao trabalho, eu podia ver nele


uma outra face da paternidade.

Na minha condição de futuro pai, aquilo devia me assustar. No


entanto, eu apenas admirei mais o meu irmão e minha cunhada. E

pensei que eu também, poderia dar conta.

— Tudo bem, Mike, vá para a reunião e deixe que eu cuido dos

dois.
— Cara... Eu te devo uma.

— Logo terei um bebê também. Então, acredite, em algum

momento eu vou cobrar o favor.

Ele sorriu e veio até mim, dando tapinhas nas minhas costas.

— Não tenho dúvidas de que você será um ótimo pai.

— Apenas vá logo para a sua reunião antes que eu mude de


ideia.

— Eu vou. Só preciso... — Ele apalpou os bolsos na calça e do

paletó, procurando por algo. — Que droga, cadê o meu celular?

Olhei ao redor, avistando Alice sentada no chão, ao lado do


irmão, mostrando para ele alguma coisa na tela do celular do pai.

Michael seguiu os olhos na mesma direção e achei que fosse ter um

ataque cardíaco quando viu aquilo.

— Meu Deus! Alice! Eric!

Ele foi até os filhos e se abaixou no chão diante dos dois,


pegando seu celular de volta e explicando que não podiam brincar com

aquilo. Enquanto se levantava e começava a caminhar em minha


direção, ele mexeu na tela do aparelho, e parou repentinamente,

parecendo ver algo que o deixou surpreso.

— Ei, Sebastian... — começou a falar.

— O quê? — indaguei, curioso.

— A Camila me mandou aqui uma coisa que viu na internet...

Escute, você não tem nada para me contar?

— Tipo o quê?

— Alguma coisa tipo...

Antes que ele pudesse completar a pergunta, a porta do


elevador privativo da sala se abriu, revelando uma Janet aparentemente

bem irritada.

— Não tem nada para me contar, Sebastian? — ela indagou.

Mas o que é que eu precisava contar para todo mundo, afinal?

Será que alguém poderia contar para mim, inicialmente?

— Eita, você está ferrado, irmão... — A ênfase no ‘ferrado’ foi


nitidamente mostrando que ele mais uma vez queria usar um termo
bem menos educado. — Se vira aí com a Janet e depois você me conta

o que tiver para contar... caso você sobreviva para isso.

Dito isso, ele praticamente correu até o elevador, passando por

Janet como se ele fosse uma criança fugindo do sermão de algum


adulto, e deixando o irmão mais velho – no caso, eu – sozinho para

enfrentar a bronca que viria.

E eu ainda nem sabia o motivo.

Minha advogada parou diante de mim e perguntou.

— O que foi que eu te pedi?

— Com relação ao que, exatamente?

— À garota, Sebastian. À sua doce Bela Adormecida.

Suspirei, entendendo ao que ela se referia.

— Que eu mantivesse alguma distância, para mantê-la segura e

fora de alvo.

— E o que você fez?


Eu não fazia ideia de como ela tinha descoberto aquilo, mas era

notório que ela já sabia, então apenas respondi:

— Eu... a levei para morar comigo.

— Inacreditável, Sebastian! Inacreditável!

Ela estendeu a mão que segurava o celular para mim, então eu

pude ver a notícia exibida na tela.

Havia uma foto um pouco distante, minha com Layla, um ao

lado do outro, tirada provavelmente da praia para a qual a minha casa


tinha vista, no instante em que conversávamos. A fotografia captou um

momento em que ela olhava para o mar e eu estava com o rosto virado

em sua direção.

Logo abaixo, o texto sensacionalista da matéria:

O último Turner solteiro está fora do mercado?

Viúvo há mais de um ano, Sebastian Turner (33 anos), estaria morando

com uma jovem misteriosa. Fontes dizem que a mulher seria estagiária da

Turner Architecture.
Não me dignei a ler o restante do texto, porque já imaginava o

tipo de radiação que encontraria ali. Eu poderia até mesmo fazer um

bingo com os tópicos que geralmente eram citados naquele tipo de


‘matéria jornalística’ de portais de fofocas.

Sempre era citado o fato do meu falecido pai ter se envolvido

em inúmeros casos extraconjugais – muitos deles com funcionárias.

Assim como também sempre mencionavam a minha mãe – por ter sido
uma atriz renomada de Hollywood – e os vários namorados que ela

teve desde que ficou viúva, como se isso fosse algo que a

descredibilizasse e ofendesse a sua honra.

Sem contar que meus irmãos também tiveram sua cota de


‘escândalos’ reportados naquele tipo de imprensa. Então eu sabia que

os nomes deles provavelmente também teriam sido citados ali.

— Bando de abutres... — resmunguei.

— São — Janet concordou. — Um bando de abutres. Mas não

muda o fato de que você fez exatamente o contrário do que eu te pedi.


— Não é o que parece, Janet. Eu apenas vou hospedar a Layla,

porque ela foi expulsa da casa do pai e não tinha para onde ir. Mas não
existe nada entre nós.

— Supondo que eu acreditasse nisso... Acha mesmo que o cara

que tentou te matar vai acreditar também? Ainda mais depois de fotos

como essa vazarem para a imprensa?

— Não... não vai.

Ela baixou o celular, colocando-o dentro da bolsa.

— Como está a segurança de vocês? Contratou guarda-costas?

— Não. Mas o condomínio onde estou morando é bem seguro.

Tenho câmeras também por toda a casa e reforçamos o esquema de

segurança aqui do prédio da empresa.

— Não é o bastante, Sebastian.

— Você disse que o cara está para ser preso, então julguei que

nossa situação de risco fosse temporária.

— Seria temporária, se ele não estivesse foragido.


— Foragido?

— É, Sebastian. A ordem de prisão já foi decretada há tempos.

Mas ele não foi encontrado.

— O que mais foi descoberto sobre ele?

— Ele tinha uma oficina mecânica. O que explica como soube

tão bem alterar os freios do seu carro. Mas o lugar está fechado. Os
funcionários que trabalhavam lá não sabem de nada, apenas chegaram

para trabalhar no dia seguinte ao seu acidente e o local estava

trancado. Daniel Reed não foi mais visto desde então. Ele morava em
uma casa alugada, e simplesmente foi embora, abandonou tudo.

— Que filho da...

— Shiu! — Ela desviou os olhos de mim para Alice e Eric, que


ainda brincavam juntos sentados no tapete da sala.

Eu precisava começar a me acostumar com o controle do meu

vocabulário.

— Então... — voltei a falar. — Seguimos todos em risco...


— Sim. A gente não sabe os motivos que levaram Daniel Reed
a atentar contra você. Então, sim, ele pode tentar algo contra seus
irmão, sua mãe, ou, obviamente, contra você. O que coloca aquela

garota também em perigo. Já contou para ela sobre a situação?

Desviei os olhos, evitando a resposta. E, obviamente, Janet


percebeu minha hesitação.

— Eu não acredito, Sebastian! Você não contou a ela?

— Não é algo simples assim, Janet. Ela acordou já descobrindo


que passou dois meses em coma e que estava grávida. Eu ia contar
logo que ela recebesse alta, mas então o pai dela fez o que fez, e... É

muita coisa para processar.

— Concordo. Mas eu, no lugar dela, ia querer ser informada


que alguém tentou me matar.

— Ela acha que foi apenas um acidente.

— Então conte a ela. A moça precisa saber que está correndo


riscos, Sebastian. Especialmente pelo fato de estar grávida.

— Certo. Vou contar ainda hoje.


— Você não imagina como eu sinto falta de trabalhar apenas
com questões empresariais. Depois que resolvermos essa sua situação,
eu vou me aposentar e vou viajar com o meu marido para qualquer

lugar bem longe, onde nenhum Turner consiga me encontrar.

— Faço questão de presentear você e seu marido com as


passagens. Será meu presente de Natal para você.

— Um belo presente será chegarmos até o Natal com todo


mundo vivo e, de preferência, sem você ou seus irmãos se enfiarem em

mais algum problema.

— Faremos o possível para isso.

— Tudo bem. Apenas conte para a garota. Ainda hoje. — Ela


desviou os olhos rapidamente para algo além de mim por um rápido
momento, antes de se virar e começar a caminhar de volta para o

elevador. — Aliás, gostei da nova decoração da sua sala.

— Nova decoração? — indaguei, confuso.

Então, eu me virei, avistando meus dois sobrinhos, cada um


com um lápis de cera em mãos, Eric sentado e Alice em pé, ambos
parecendo se divertirem muito enquanto rabiscavam a parede.
— Ei, o que vocês estão fazendo?

Quando comecei a caminhar em direção a eles, Alice soltou um


grito em meio às gargalhadas e saiu correndo. Eric tentou imitá-la,

engatinhando, mas não conseguiu ir muito longe antes que eu o


agarrasse.

— Te peguei, rapazinho! Agora vamos pegar a sua irmã


também.

E, com ele nos braços, fingi correr atrás de Alice, sempre

deixando propositalmente que ela escapasse quando eu estava prestes a


alcançá-la.

As risadas dos dois tomaram toda a sala e me fizeram, por


aquele momento, esquecer-me de todo aquele caos que tinha se

transformado a minha vida.

Fazia um longo tempo que eu não brincava com Alice. Com


Eric, eu nunca tinha chegado a fazer isso, já que ele nasceu pouco
depois da morte de Bonnie, quando eu já tinha me fechado

completamente para momentos felizes como aquele.


Enquanto brincava com os dois, eu percebia um pouco mais do

antigo Sebastian de volta. E isso me fez pensar que, talvez, eu fosse


dar conta de ser um bom pai.

De ser o pai que meu filho merecia ter.

*****
Capítulo vinte e um

"Como eu posso decidir o que é certo

Quando você fica nublando minha mente?

Eu não posso ganhar sua luta perdida

O tempo todo"

(Decode – Paramore)

22 de abril
Durante pouco mais de uma semana, Sebastian esteve estranho.

Bem, não que eu conhecesse aquele homem bem o suficiente

para poder definir qual seria o seu comportamento ‘normal’. Mas é de


se desconfiar quando uma pessoa passa dias te dizendo, pela manhã,

antes de ir para o trabalho, a frase ‘quando eu voltar, precisaremos

conversar’, e, sempre que retorna à noite, diz algo que não parece ser o
que ele queria realmente falar.

No primeiro dia, ele me mostrou a matéria que saiu em um

portal de fofocas, onde eu era descrita como uma ‘jovem bonita e

misteriosa’. Fiquei preocupada que isso pudesse trazer complicações


para a vida dele, mas ele disse que sua preocupação principal era

comigo. E, bem, eu era uma total anônima, isso provavelmente não me

afetaria em nada.

No segundo dia, ele disse que o que precisava me contar era

que teríamos dois seguranças guardando a entrada principal da casa.

Não estranhei aquilo, porque... afinal, ele era o CEO do maior

escritório de Arquitetura do país, além de filho de uma atriz famosa, e

isso fazia dele uma espécie de celebridade. Era normal que tivesse

preocupações com a segurança.


No terceiro, me informou que tinha contratado um
fisioterapeuta para que eu seguisse meu tratamento em casa. Disse que

não era bom que eu saísse pelos próximos dias, por causa da notícia. O

que levou ao assunto do quarto dia, que foi me informar que meu

ultrassom tinha sido remarcado para uma data um pouco mais à frente,

também por questões de segurança.

Então, eu comecei a estranhar o nível daquela segurança. E as

respostas com relação ao que ele dizia que precisávamos conversar

foram ficando cada vez mais vagas, deixando-me com a certeza de que

ele estava me escondendo algo.

Até que chegou o dia em que eu voltaria ao trabalho, já

liberada pelo meu fisioterapeuta.

Fomos juntos no carro dele, só que não era ele quem dirigia,

mas sim outro segurança que também estava trabalhando como


motorista.

Ficamos em silêncio durante todo o trajeto, até que o carro

parou no estacionamento do prédio do escritório. Sebastian e eu

saímos do veículo e caminhamos até o elevador. Enquanto apertava o


botão, ele perguntou, em uma nítida tentativa de puxar assunto:
— Animada para voltar ao trabalho?

— Eu mal podia esperar por isso — respondi, sendo sincera. —

Estou com saudades da equipe, da rotina... de me sentir útil.

— Que bom, porque sua equipe realmente vai precisar muito

de você. Parece que os prazos estão um pouco atrasados.

— Como assim? Camila nunca deixa nenhum prazo atrasar.

Ele coçou a nuca, e eu novamente tive a impressão de que me

escondia algo. E isso ficou mais claro quando ele voltou a desviar o
assunto:

— Vai voltar mesmo para a faculdade?

— Como eu te contei, eu perdi aulas demais e não teria tempo


para recuperar, e só volto no próximo período.

— Sim, você me contou. Estou perguntando se pretende voltar


mesmo para Arquitetura.

— Claro — respondi como se fosse óbvio. — Por que está


perguntando isso?
— Não sei. Não pensa em tentar mudar de área? Talvez para

algo que você goste?

— E de onde você tirou a ideia de que eu não gosto de


Arquitetura?

Mais uma coçada de nuca. Eu já vinha associando aquele gesto


a quando Sebastian não queria ter que responder algo.

— Eu não disse que você não gosta. Eu só... Talvez você


pudesse ter outros sonhos.

Bem, eu tinha, na realidade. Aprendi a gostar de arquitetura por

já ter começado a trabalhar na área enquanto estava ainda no início da


faculdade, mas esta não era, genuinamente, a minha primeira opção de
sonho profissional.

No entanto, Sebastian Turner não tinha como saber disso.

Afinal, era algo que eu nunca tinha contado a ninguém. Então deduzi
que o comentário tinha sido apenas uma tentativa de se desviar do
assunto principal. Qualquer coisa relacionada a Camila estar deixando

os prazos atrasarem... E que, de alguma forma, tinha alguma ligação


com algo que ele estava tentando me dizer há mais de uma semana.
Quando a porta do elevador se abriu para que entrássemos, no
entanto, eu ignorei completamente toda a parte sobre Camila e
perguntei, em um único fôlego, a ideia que vinha martelando mais

forte na minha mente naqueles últimos dias:

— Você quer que eu vá embora?

Ele me olhou, confuso.

— O quê?

Eu odiava soar como uma garotinha insegura. Mas era difícil


controlar os pensamentos de que eu talvez estivesse sendo

inconveniente por estar na casa dele, ou que talvez minha presença não
estivesse sendo de fato desejada por ali.

Talvez ele estivesse realmente se abrindo à ideia de começar a


sair com outras mulheres, o que não seria uma coisa simples quando a

escolhida por ele descobrisse que havia outra morando em sua casa.

Certo... o pensamento trouxe uma enorme angústia ao meu

peito. O que era ridículo, já que tinha sido justamente eu que o


incentivei a seguir com sua vida sexual e afetiva. Contudo, a mera
ideia de ele vir a tocar, beijar... ou se apaixonar por outra mulher me
deixava muito mais incomodada do que eu tinha o direito de estar.

De qualquer forma, ele estava me escondendo alguma coisa.


Algo que vinha tentando contar, mas sempre recuava.

— É isso que você está tentando me dizer há dias, mas não tem
coragem? — indaguei. — Eu estou atrapalhando, não é? É melhor que

eu vá embora da sua casa, mas você se sente em alguma obrigação

comigo por eu estar grávida, é isso?

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, tempo o suficiente

para que a porta do elevador voltasse a se fechar sem que nenhum de

nós entrasse.

Só depois desta pausa, ele falou:

— Não, Layla. Eu não quero que vá embora. Não quero


mesmo.

Tentei disfarçar um suspiro de alívio.

Porque eu também não queria ir embora.


— Então o que você tem para falar comigo, mas está sempre

adiando, como se te faltasse coragem?

— Acho que... não é o momento ideal para isso.

— Sabe que toda vez que você me responde assim, você me

deixa ainda mais preocupada, não é? Preocupações não são boas para

uma grávida. Especialmente se ela acabou de voltar de um coma de


dois meses.

Era uma nítida e descarada chantagem emocional, eu sabia

disso. Contudo, esperava que funcionasse. Cada um joga com as armas

que tem, afinal...

E funcionou, porque ele enfim me contou:

— O nosso acidente... Não foi apenas um acidente. Alguém

mexeu no meu carro no tempo que estávamos no hotel. Meus freios

foram danificados de forma proposital.

De todas as coisas que eu imaginava ouvir, nada chegava

sequer perto disso.

Tinha sido uma tentativa de assassinato?


De repente, a ideia de uma expulsão de casa nem me pareceu

tão grave assim...

— Alguém tinha a intenção de matar você? — indaguei.

Enfim, todo aquele reforço com a segurança pessoal fez todo o sentido
na minha cabeça.

Ele assentiu, tenso.

— É isso o que estou há dias para te contar, mas estava

tentando encontrar o melhor jeito, para não te deixar tão tensa. Na

verdade, acho que passei todo esse tempo enrolando com isso na
esperança de que o homem que quase nos matou fosse encontrado e

preso.

— ‘Encontrado’? Isso quer dizer que já se sabe quem foi, e

essa pessoa está foragida?

— É. E é alguém que eu simplesmente não conheço. A única

coisa que descobrimos a seu respeito foi que ele teve uma reunião com

o meu pai há alguns anos. Mas eu nunca estive com ele, nunca sequer

ouvi falar a seu respeito, não faço ideia de quem seja. O que nos leva a
acreditar que a questão pessoal dele seja contra o meu pai. E isso faz

com que toda a minha família seja vista como um potencial alvo.

— Então é por isso que Evelyn e Logan estão em Los Angeles

com as crianças já há mais de um mês? Eu perguntei a ela, mas percebi

que tinha algo que ela não queria me contar.

— Sim, é por isso. E é por isso, também, que Camila não está

vindo para a empresa. Ela e Michael tiraram os filhos da creche,


porque nunca sabemos do que um louco como esse é capaz.

— E eu também estou correndo risco... por estar grávida de um

filho seu?

Ele voltou a movimentar a cabeça em concordância,


nitidamente se sentindo péssimo por aquilo.

— Por minha culpa. A ideia era que eu me afastasse de você.

Mas sequer pensei a respeito disso antes de te levar para a minha casa.

E então, alguém nos fotografou e isso vazou para a imprensa.

Eu não sabia o que pensar. A ideia de estar correndo risco de


morte já era assustadora o suficiente por si só, mas passar por isso

estando grávida, era...


Era desesperador.

— Você devia ter me contado... — falei, ainda tentando

processar tudo aquilo.

— Eu queria achar a maneira certa. E acabei fazendo isso da

forma mais errada possível. A verdade é que... provavelmente tudo


isso é só por precaução. Layla. Não temos nada que confirme que esse

homem queira fazer mal a qualquer outra pessoa que não seja a mim.

— Isso não é nada tranquilizador, Sebastian.

Ele se virou de frente para mim, segurando levemente os meus

braços e me virando para que eu fizesse o mesmo. Ainda que eu


estivesse usando um blazer que cobria a minha pele, senti todas as

células do meu corpo reagirem ao toque dele. Mas foi uma sensação

quase imperceptível em meio ao pânico pelo que eu tinha acabado de


descobrir.

— Nada vai acontecer, Layla. Nem com você, nem com o

nosso bebê. Estou te garantindo isso. Eu sinto muito por ter te

colocado nessa situação, mas eu não ficaria tranquilo se você estivesse


longe de mim. Caso aquele homem queira realmente fazer mal a
qualquer pessoa ligada a mim, ele em algum momento descobriria

sobre a sua gravidez. Eu tenho uma vida pública, não posso garantir
que não seria em algum momento fotografado enquanto te

acompanhava a algum exame, ou depois que nosso filho nascer. E

ainda que eu te deixasse sozinha nesses momentos, ele poderia vir a

descobrir de alguma forma. Por isso, não considero um erro ter te


levado para a minha casa, onde poderei proteger você.

Certo... depois do toque, foram aquelas palavras que

provocaram uma estranha reação em mim.

Me proteger...

Tinha sido ele que me colocara em risco, inicialmente, mas...


Se tudo o que ele me dizia era verdade, não tinha sido por culpa dele.

Ele próprio e toda a sua família estavam em perigo, por qualquer

problema que o pai dele tivera com outra pessoa.

E se existia algo na vida da qual eu tinha certeza era a de que


ninguém poderia ser responsabilizado pelas atitudes de seus pais.

Ainda assim, aquilo era assustador demais, mas... ao mesmo

tempo... as palavras de Sebastian e a forma como segurava os meus


braços e me olhava diretamente nos olhos me trazia uma sensação de
proteção.

Alguém parou ao nosso lado, apertando o botão do elevador.

Sebastian me soltou e ambos olhamos para o lado, encontrando três

mulheres que conversavam e riam, provavelmente funcionárias da


Turner. Deviam ser de algum setor que eu não conhecia, ou tinham

sido contratadas recentemente. Eu estava afastada desde o final do ano,

afinal...

Elas nos cumprimentaram brevemente, sem interromperem sua


conversa, e nós devolvemos o cumprimento, antes que ele falasse, com

a voz baixa, de modo com que apenas eu poderia ouvir.

— Você e nosso bebê estão seguros, Layla. Eu garanto isso a


você. E prometo que vocês seguirão em segurança.

— Quero que você me prometa outra coisa, Sebastian.

— O que quiser.

— Sei que somos apenas duas pessoas que vão criar um filho
juntas e que não temos qualquer relacionamento um com o outro,

mas... Por favor... Não esconda mais nada de mim. Nada que seja
relacionado a essa situação, às investigações para encontrar esse
homem... Nem nada que tenha qualquer relação comigo ou com o
nosso bebê.

O elevador parou no nosso andar e a porta se abriu. As três

mulheres entraram, mas nós permanecemos parados, olhando um nos


olhos do outro. Tive a sensação de ter visto alguma hesitação ali, mas
esse sentimento passou quando ele enfim respondeu:

— Eu prometo.

Balancei a cabeça em concordância, mostrando que tínhamos


um acordo ali.

Entramos no elevador. E eu voltei a me sentir segura.

Não apenas porque Sebastian estava ao meu lado, mas porque

acreditei que ele não voltaria a esconder qualquer coisa de mim.

*****
Capítulo vinte e dois

"Pegue a minha mão, eu vou ensinar você a dançar.

Eu vou te fazer girar, não vou deixar você cair

Quer me deixar guiar? Você pode subir nos meus pés

Tente, vai ficar tudo bem"

(All About Us – He Is We)

29 de abril
Finalmente chegara o dia dos exames.

Fomos juntos para a clínica, onde Layla se consultou com a

médica que ficaria responsável por acompanhar toda a gestação e


realizar seu parto. Foi uma consulta bem longa, onde tanto ela quanto

eu fizemos inúmeras perguntas. Layla foi pesada, verificaram sua

pressão, seus batimentos cardíacos, sua temperatura, e, depois, ela foi


encaminhada para uma sala de exames onde teve algumas amostras de

sangue tiradas. Depois disso, uma enfermeira nos guiou até outra sala,

onde seria feito o tão esperado ultrassom morfológico.

Layla se deitou na cama de exame e eu me sentei em uma


poltrona que ficava ao lado. A enfermeira pediu para que

aguardássemos, informando que a médica logo viria, e foi embora,

deixando-nos a sós naquela sala com pouca iluminação.

Confesso que estava bem nervoso. Mas era visível que Layla

estava muito mais. Desde o dia em que contei a ela sobre nosso

acidente ter sido causado por alguém, não tínhamos voltado a

conversar a respeito. As coisas no escritório estavam realmente bem

caóticas, e ela própria fez questão de ficar além do horário – eu

obviamente a pagaria a mais por isso – para tentar adiantar um pouco


de toda a bagunça criada por conta da ausência de Camila. Com isso,
íamos e voltávamos juntos todos os dias, mas nossos trabalhos
seguiam em salas e andares diferentes. Chegávamos tarde em casa e

ela geralmente ia direto para o quarto, enquanto eu ainda passava

algum tempo no meu escritório antes de dormir.

Com tudo isso, nossas conversas durante o café da manhã e as


viagens de carro na ida e na volta da Turner vinham girando em torno

de trabalho.

Aliás, era bem difícil acreditar que Layla não amasse a

Arquitetura. Porque ela era, de fato, uma excelente profissional.

Agora, quando nos víamos sozinhos na sala de ultrassom, não

havia qualquer contexto para falarmos sobre trabalho. E eu também

não queria fazer isso.

Não queria mais falar apenas sobre trabalho com ela.

O que era estranho porque, há até tão pouco tempo, eu nem

sentia mais qualquer vontade de conversar com ninguém.

— Você acha mesmo que ele está bem? — ela falou de repente,

quebrando o silêncio entre nós.


— Como assim?

— Ele... Ou ela. O nosso bebê.

— A médica já disse que, ao que parece, está tudo bem.

— Não podemos ter certeza ainda. É este ultrassom que vai


trazer mais respostas, não é?

— Seu quadro clínico está bem, Layla. Você estava com o peso
um pouco abaixo do esperado para o tempo de gestação, mas desde

que acordou do coma vem se recuperando disso. E todos os exames


feitos no hospital mostram que está tudo bem. Este bebê foi muito

monitorado durante todo o período que você passou internada.

— Parte do período, não é? Só descobriram que eu estava

grávida com duas semanas. E neste meio tempo eu passei por


transfusões, pequenas cirurgias, todo tipo de medicamento forte foi

administrado sem que soubessem da gestação...

— Mas tudo foi imediatamente corrigido logo que a gravidez

foi detectada.
— Mas e nessas duas primeiras semanas? E se alguma coisa

fez mal para o bebê? Se, por causa disso, ele vier a ter algum problema
de saúde? E se...

— Ei... calma... — Toquei a mão dela com as minhas, da


mesma forma que tinha feito uma vez no hospital, quando pedi a ela

que voltasse. E, como naquela ocasião, ela movimentou levemente os


dedos, como se buscasse intensificar aquele contato. — Nosso bebê

está bem. E, caso não esteja, vamos cuidar para que fique.

Ela respirou fundo. Eu podia ver um brilho em seus olhos

esverdeados, ocasionados pelas lágrimas de aflição que ela lutava em


conter. E eu novamente me vi pensando no quanto ela era linda e no

quanto eu me sentia bem na presença dela.

Porque o que ela não sabia era que todas aquelas preocupações
também me assolavam. Mas eu tentava acalmá-la com palavras,
enquanto ela me acalmava com a sua simples presença.

— Estou sendo meio histérica, não é? — ela falou, quase

choramingando.

E eu sorri, achando-a ainda mais adorável.


— Não. Está sendo uma mãe preocupada.

— É estranho até entender que eu agora sou mãe.

— Eu sei. Também é estranho para mim me pensar como pai.

— Você está lidando com isso muito melhor do que eu.

— Foi só porque eu tive mais tempo para digerir a ideia. Parte


do tempo que você ficou em coma, eu estive também no hospital. Fiz
uma cirurgia, precisei de fisioterapias e algum tempo para me

recuperar. Eu tinha tempo demais sozinho para pensar.

— Soube que ficou por lá mais do que o tempo da sua


recuperação.

— Era o mínimo que eu podia fazer, depois de você ter ido


parar naquela situação apenas por estar comigo no momento errado e

na hora errada.

— Mesmo assim. Tantos dias no hospital, dentro de um quarto,

vendo uma pessoa dormindo o tempo todo... Deve ter sido tão
solitário...
Como eu explicaria a ela que aquilo não teve absolutamente
nada de solitário? Porque eu, de fato, não me senti sozinho em
momento algum.

Agora, pensava no quanto gostaria que ela tivesse sentido a

minha companhia, assim como eu senti a dela.

Talvez eu estivesse ficando louco, no fim das contas. Talvez

fosse de fato a solidão nos meses que passei naquele hospital que me

fizesse confundir as coisas. Eu certamente apenas me sentia bem com


Layla... juntando isso ao fato de ela ser uma mulher muito bonita, de a

única noite de sexo que tivemos ter sido incrível e de ela agora estar

grávida de um filho meu... Tudo isso confundia a minha cabeça e me


levava a achar que eu sentia algo a mais...

— Tem alguma ideia para nomes? — ela perguntou,

nitidamente tentando se distrair com a conversa.

A mão dela se movia entre as minhas, demonstrando que ainda

estava tensa.

Na verdade, eu ainda não havia parado para pensar naquilo.


Mas era um bom momento para começar.
— Gosto de Sophia — respondi.

Ela sorriu.

— Não era o nome da personagem da sua mãe naquele filme...?

— É. O filme que a indicou a um Oscar. Digamos que eu cresci

com as outras crianças me perguntando se eu era “filho da Sophia do

filme”.

— E ainda assim acha um bom nome para uma filha?

— Bem, aprendi a gostar, no fim das contas.

— Sophia... — ela repetiu, como se testando a sonoridade. —


Eu gosto. Também gosto de Olivia.

— É bonito também. Se for menino... O que acha de Lucas? E

Owen?

— Gosto de Lucas, mas nem tanto de Owen. Eu pensei


também em Nathan.

— Nathan... — desta vez fui eu que repeti o nome, testando a


sonoridade. Me agradava bastante. — É um bom nome, Layla.
— É bom termos algumas opções. Embora eu goste da ideia de

fazer a escolha final quando olharmos para o rostinho dele.

— A minha mãe conta que foi assim com nós três. Ela já tinha

algumas ideias de nomes, mas só decidiu em definitivo quando


nascemos.

Ela assentiu, agora já com um sorriso bem mais tranquilo,

envolvida com a conversa.

— Então, temos Sophia e Olivia... Lucas e Nathan... — ela

falou.

— Gosto de Liam também — completei.

— Lucas, Nathan e Liam. Ava, para menina?

— Não é ruim, porém por enquanto prefiro Sophia ou Olívia.

Mas ainda faltam tantos meses... Acho que podemos pensar em várias

outras opções até lá.

Ela me olhou em silêncio por alguns segundos, antes de


declarar:
— Fico feliz por ter você ao lado em todos esses momentos e

escolhas, Sebastian.

Também sorri, pensando que poderia dizer o mesmo. Que

mesmo que aquela gravidez tivesse nos pegado completamente de

surpresa, de uma forma que eu jamais imaginaria em toda a minha

vida, eu estava realmente feliz por estar vivendo aquilo.

Ficamos calados, apenas olhando nos olhos um do outro. E eu


não conseguia deixar de pensar no quanto aquela mulher era linda e do

quanto queria beijá-la.

A porta se abriu nesse momento, ocasionando um som que nos

fez sobressaltar e eliminando completamente o clima que crescia ali.


Soltei a mão de Layla, virando-me para cumprimentar a médica que

chegava para realizar o ultrassom. Ela foi até Layla e, após explicar o

procedimento, levantou sua blusa para passar um gel em sua barriga.

E eu pude ver, ali, a elevação que não se percebia ainda com as


roupas. A barriga de Layla estava ainda bem discreta, mas já era

notavelmente o ventre de uma grávida.


Instantes depois que o aparelho de ultrassom tocou a pele dela,

algumas imagens começaram a surgir no monitor. Inicialmente, algo

ainda disforme, que aos poucos foi ganhando forma.

Sem que eu me desse conta, minha mão buscou novamente a


de Layla, e quando a encontrou, elas se apertaram com firmeza,

enquanto nós dois mantínhamos nossos olhos na tela.

No nosso bebê que era mostrado ali.

A médica nos explicou tudo, mostrando cada pedaço do

corpinho, verificando o desenvolvimento de cada órgão.

— Vocês vão querer saber o sexo? — a médica perguntou.

E nós dois confirmamos ao mesmo tempo.

— Vamos. Mas o mais importante de tudo... Está mesmo tudo

bem com ele, não é? — Layla perguntou, em um tom de confirmação a

tudo o que já tinha sido dito.

A médica sorriu e confirmou:

— Está tudo ótimo. Vocês terão um menininho muito saudável.


— Um menino? Nós vamos ter um menino... — Layla repetiu,

emocionada.

Já eu, mal conseguia dizer qualquer palavra. De repente, senti


um nó em minha garganta, um sentimento tão profundo de felicidade

que eu não imaginava que algum dia fosse capaz de sentir,

especialmente depois do período em que julguei que minha vida não


fazia mais qualquer sentido.

Ali estava o sentido de tudo. Ali, no ventre daquela jovem a

quem eu tinha, meses antes, oferecido uma carona sem qualquer

segunda intenção.

Ali estava a minha nova razão de viver.

Meu filho...

Nosso filho. Meu e daquela mulher...

Que já representava para mim muito mais do que eu era capaz

de admitir até mesmo para mim mesmo.

— Nós vamos ter um menino... — repeti, emocionado.


Uma emoção que aumentou ainda mais quando o som do
coração do bebê ressoou pela sala. Eram batidas tão fortes para um

serzinho ainda tão pequeno.

Ainda nem tinha vindo ao mundo e já passara por tantas

coisas...

Mas, dali em diante, eu estava disposto a tudo para protegê-lo.

Olhei para Layla, enquanto ainda segurávamos a mão um do

outro, ambos emocionados.

E pensei no quanto, também, estava disposto a tudo para

protegê-la.

*****
Capítulo vinte e três

"Meu mundo não é nada sem você

Eu estou aqui sem proteção,

Não posso voltar agora"

(Battlefield – Jordin Sparks)

27 de abril
— Olha esse aqui, que lindo! O que você acha? — Sylvie

mostrou para mim o celular, onde exibia fotos de roupinhas de bebê.

Ela tinha passado por uma loja de artigos infantis no dia


anterior e fotografou várias peças para me mostrar. Estava a cada dia

mais empolgada com a ideia de ter um sobrinho.

Era sábado e ela tinha ido me visitar, além de levar uma bolsa

com mais roupas para mim. Estávamos sentadas dividindo uma grande
e confortável espreguiçadeira que ficava em frente à piscina e,

consequentemente, também de frente para o mar. E já tinham se

passado horas que conversávamos, mas ela nitidamente tentava fugir


de um assunto que não podia ser evitado.

— Esse macacãozinho é realmente lindo, como todos os outros

que você me mostrou, Syl. Mas agora que você já me mostrou todos,
não quer me contar como vão as coisas lá em casa?

Fiz uma correção mental de que aquela casa não era minha.

Mas isso era algo difícil de ser lembrado, tendo em vista que eu tinha

crescido lá. Mesmo depois que me mudei para começar a faculdade,


ainda sentia aquele lugar como o mais perto que tive de um lar, porque

minha mãe estava lá. Agora, as coisas haviam mudado demais.


Sylvie suspirou, deixando evidente que preferiria evitar o
assunto.

— Você sabe, Lay. Nosso pai sai para beber e eu nem vejo a

hora que ele volta para casa. Às vezes, quando estou saindo de manhã

para a escola, eu o encontro adormecido no sofá ou mesmo no chão da


sala, da cozinha... outro dia ele estava no quintal. Quando volto, ele já

saiu de novo. E é melhor assim, porque eu não quero falar com ele

depois do que ele fez com você.

— Ele está deixando faltar alguma coisa em casa?

— Não. Ele recebe o pagamento da aposentadoria e deixa uma

parte do dinheiro para as contas e despesas na mesa da cozinha. Eu já

pego tudo e escondo. Sei que ele fica com uma parte para gastar com

as bebidas, mas tenho medo de que ele acabe com tudo, venha pegar

mais, e a gente fique sem comida ou tenha a luz cortada por falta de
pagamento. E eu estou pagando todas as contas direitinho, viu? E até

conseguindo deixar algum restinho de dinheiro de reserva. Sempre vi

você cuidando de tudo, aprendi como se faz.

Ela parecia orgulhosa de si mesma e eu sorri, reforçando


aquilo. Mas não pude evitar comentar:
— Sinto muito que você tenha que dar conta dessas coisas

sendo tão nova. Devia estar focada nos seus estudos. Já está quase no
final do ensino médio, logo terá preocupações com a faculdade. Já tem

ideia de qual quer fazer?

Ela deu de ombros.

— Arquitetura, na Universidade da Califórnia, você sabe.

— Não sei, não. Quando você decidiu isso?

— Foi decidido logo que nasci e o nosso pai abriu uma


poupança para mim. Já tenho o suficiente para uns dois ou três anos de

mensalidades, o restante eu dou um jeito.

— Quando você era mais nova, dizia que queria ir para a

Universidade de Nova Iorque.

— Os custos seriam bem mais altos com a mudança, moradia,

alimentação e tudo mais. Sem contar que é do outro lado do país,


longe de todo mundo.

— Eu posso te ajudar com as despesas. E você não estará longe

de todo mundo. A Evelyn mora lá. Em uma emergência, você teria


pessoas conhecidas próximas. Além do mais, não é onde algumas das

suas amigas planejam estudar? Incluindo a Louise?

Percebi o rosto dela ficar corado, mas ela disfarçou.

— Que coisa, Lay. Parece até que você quer se livrar de mim.

— O que eu quero é que você estude o que e onde quiser. Não

é porque o nosso pai guardou o dinheiro para custear parte dos seus
estudos que você tem que fazer algo que é um sonho dele e não seu.

Ela deu de ombros, agilmente mudando o assunto, como fazia


sempre que falávamos a respeito do futuro profissional dela.

— Como você disse, eu já tenho dezessete anos. Acredita que


sou a única dentre os meus amigos que ainda não tem carteira de

motorista? Você poderia me ensinar a dirigir, não é?

— Adoraria. Mas você não está se esquecendo de um detalhe


básico? Eu não tenho carro.

Ela suspirou, desanimada, e eu também me senti mal por


aquilo. Aos dezesseis, eu tinha aprendido a dirigir com a nossa mãe.

Mas este carro onde eu tinha aprendido precisou ser vendido, assim
como eu também vendi o antigo que comprei logo que comecei a
trabalhar na Turner, para conseguirmos dar conta de todas as despesas
médicas do tratamento da mamãe.

— Podem usar o meu, se quiserem — disse uma voz

masculina, vinda da varanda.

Virei o rosto nessa direção, encontrando Sebastian. Ele

afrouxava a gravata do terno e provavelmente tinha acabado de chegar.


Apesar de ser sábado, tinha ido à Turner tentar adiantar algumas

pendências.

Sylvie bufou e se levantou, anunciando:

— Está na hora de ir.

— Posso pedir para o meu motorista te levar — Sebastian


falou. Ele vinha tentando uma aproximação.

— Não precisa. Vou encontrar com um amigo, temos um


trabalho de escola para fazer.

— O seu namorado? — Sebastian indagou.


E isso me trouxe surpresa. Em um primeiro momento, achei
que fosse apenas uma tentativa de implicância dele, mas notei o
assombro da reação de Sylvie, o que me dava a nítida impressão de

que existia algo ali que eu ainda não sabia.

— Te mando uma mensagem quando estiver em casa, Lay.


Tchau!

Ela deu um beijo em meu rosto e praticamente correu para a

saída. Sebastian se aproximou, sentando-se na espreguiçadeira ao lado


da minha.

— Sua irmã ainda não gosta de mim, não é? — ele comentou.

Mas eu ainda estava intrigada demais com o que havia

acontecido ali.

— O que você falou com ela? Sobre namorado?

Ele me analisou em silêncio por alguns segundos, até que


perguntou, receoso:

— Ela não te contou?

— Não. De onde saiu isso de namorado?


— É um garoto meio esquisito. Cheio de tatuagens e piercings.

Se eu fosse você, ficaria de olho nisso.

Um garoto de tatuagens e piercings? Eu conhecia alguém

assim...

— Ah... Fala do Brad?

— É, acho que era esse o nome.

Soltei um suspiro de alívio. Eu ficaria bem chateada se minha


irmã estivesse escondendo um namorado de mim.

— Brad não é namorado dela. É o melhor amigo, desde que

eram crianças.

— Bem, ela me apresentou como namorado.

Eu sabia que não era verdade. Brad era um ótimo garoto,

apesar de as pessoas geralmente o julgarem por sua aparência. Eu o


conhecia desde bem pequeno e sabia que não rolava absolutamente

nada além de amizade entre eles dois. Minha preocupação era com

relação aos motivos que teriam levado Sylvie a inventar aquilo.


Naquele momento, em que tantas coisas aconteciam na minha

vida, aquela preocupação com a minha irmã me sufocou. E eu sentia

que precisava falar a respeito.

— Eu não devia te contar coisas sobre a minha irmã, mas...


Promete não contar a ninguém?

— Claro — Sebastian respondeu, como se não fosse nada

demais. — Aliás, para quem eu contaria coisas sobre sua irmã?

— É que... São coisas pessoais dela, mas... Sinto que preciso

desabafar sobre isso.

— Pode desabafar comigo. Sou o pai do seu filho, acho que

isso nos torna amigos.

Amigos...

A palavra me pareceu forte demais e, ao mesmo tempo,

também muito fraca.

Ou melhor... insuficiente.

Eu queria ser amiga de Sebastian. Me deixava feliz que ele

tivesse confiança em mim para me considerar assim. Mas, ainda assim,


isso de repente me parecia tão pouco...

Forcei-me a parar de pensar a respeito daquilo e aceitei o


ombro amigo que ele me oferecia.

— Sabe, a Sylvie nunca teve um namorado. E isso não

representa um problema, de forma alguma. Assim como jamais seria

um problema o fato de eu achar... na verdade, ter praticamente

certeza... de que ela não gosta nem um pouco de meninos.

Ele franziu a testa, mostrando-se confuso.

— E onde o Brad entra nisso?

— Exatamente. Esse é o problema. Eu não sei por que ela

mentiu sobre isso para você, e se isso significa que também esteja

mentindo para outras pessoas.

— Acha que ela arranjou um namorado de mentira para

enganar outras pessoas?

— Não consigo pensar em nenhuma outra explicação.

— Mas por que ela faria isso?


— Eu não faço ideia, porque ela simplesmente não conversa

comigo a respeito. Eu dou espaço para ela, mostro que estou aqui,

mostro que podemos conversar sobre qualquer coisa, e que eu sempre

vou apoiá-la e acolhê-la. Mas ela simplesmente... Não me conta.

— Se ela não te contou, como você sabe que ela gosta de

meninas?

— Você é o mais velho de três irmãos, Sebastian. Em que

momento soube que Logan e Michael eram hetero?

— Sei lá... Acho que... eu sempre soube, desde que eles


chegaram à adolescência.

— Exatamente. A gente apenas sabe. Sei até que ela gosta de

uma menina da turma dela desde o primeiro ano do ensino médio. Ela

não me diz isso com todas as letras, mas o jeito que ela olha e fala da
menina... Quando a gente ama alguém, a gente percebe esse tipo de

coisa. A Sylvie é minha irmãzinha, e... Bem, acho que sou do tipo irmã

superprotetora.

— Você é uma ótima irmã, Layla.


— Aí é que está: eu não sou. Porque Sylvie não se sente

confiante para conversar comigo.

— Você já pensou que talvez apenas tenha tanta coisa


acontecendo nas vidas de vocês, que ela não sentiu que fosse o

momento certo para te contar? Há quanto tempo, antes do acidente,

vocês não tinham momentos sozinhas fora da casa do Albert?

Ele tinha tocado em uma questão importante. Antes de a nossa


mãe ficar doente, fazia muito tempo que não saíamos juntas somente

nós duas. A gente sempre trocava mensagens, mas... Ela morava na

mesma casa de Albert Francis. Talvez ela tivesse medo de que ele
olhasse seu celular. Depois, passamos por toda a situação de doença e

morte da nossa mãe, em seguida veio o período de luto, e eu voltei a

morar com ela, mas na mesma casa do nosso pai que não era

exatamente um exemplo de pessoa tolerante.

E então, teve o acidente, os meses no hospital... E quando ela

vinha me ver na casa de Sebastian, estava sempre preocupada com a

minha saúde e animada em falar sobre o sobrinho.

— Talvez você tenha razão. Obrigada, Sebastian. Mais uma


vez.
— Pelo quê? Não fiz nada demais.

— Você me ouviu.

— Como eu disse, vamos ter um bebê. E estamos dividindo o

mesmo teto.

— Tem razão. E, na parte sobre sermos amigos... Acho que

devíamos fazer mais... isso... — Movimentei meu dedo indicador pelo


espaço entre nós dois.

Contudo, Sebastian pareceu não entender.

— ‘Isso’ o quê?

— Conversar. Seremos pais do mesmo bebê, devíamos

conhecer mais um do outro.

Ele ficou em silêncio por alguns instantes, como se pensasse

em algo e cogitasse se deveria ou não expor. Até que, enfim, abriu um


leve sorriso.

E eu precisava confessar que amava os sorrisos dele. No início,


até o dia do acidente, eles eram quase inexistentes. Depois que

despertei do coma, eles passaram a ser raros. Aos poucos, nos últimos
dias, vinham se tornando mais comuns, mas ainda assim eram sempre
leves, silenciosos e contidos.

Além disso, eu percebia que a tristeza nos olhos dele diminuía


mais a cada dia.

— Vamos nos conhecer mais, então — ele declarou, por fim.

E foi a minha vez de sorrir. Ajeitei-me onde estava sentada,


apoiando meus pés no chão e ficando na mesma posição que ele e de

frente para ele, com uma distância de uns dois palmos entre nós.

— Bem, eu já te contei um pouco sobre mim — falei. — Sua


vez, então.

— Teoricamente, você me contou algo sobre a sua irmã.

— Falei sobre como me sinto a respeito disso. Então, é algo


sobre mim.

Ele revirou os olhos, como se meu argumento não o

convencesse. Ainda assim, falou:

— Não sei o que posso contar a meu respeito que você ainda
não saiba.
— Tem um monte de coisa que não sei sobre você. Tipo... cor
preferida.

— Preto.

— Previsível. Comida favorita?

— Chinesa. Mas aí já são duas coisas.

— Estilo favorito de leitura?

— Suspense. E aí já são três coisas.

— Tudo bem, minha vez, então. Cor: amarelo. Comida: pizza.


Estilo de leitura: também amo suspense, mas meu favorito ainda são as
comédias românticas.

Ele movimentou a cabeça em concordância, não se mostrando

surpreso com nada.

— Interessante... — foi tudo o que ele falou.

— Tá... São coisas meio bobas, não é?

— Não existe nada que seja bobo em você, Layla.


A frase foi dita de uma forma tão simples e natural, e, ao
mesmo tempo, tão sincera, que senti como se meu coração tivesse

parado de bater por um instante. Meus olhos se viram presos nos de


Sebastian, e tive a ligeira impressão de que ele se inclinou um pouco
para a frente e que seu rosto chegou um pouco mais perto do meu.

Logo percebi que não era só uma impressão, e também que não

era apenas ele que se inclinava, mas eu também. Nós dois nos
movíamos um em direção ao outro, até que nossos lábios estivessem
próximos o suficiente para que eu sentisse a respiração quente dele

batendo contra a minha pele.

Houve aquela pausa. A breve pausa que antecede o beijo. E eu


senti meu coração voltar a bater, desta vez acelerado, em uma
ansiedade boa pelo que estava por vir...

Eu queria tanto aquele beijo. Tanto e com tanta força, que era

como se mil borboletas se agitassem em meu estômago, em uma


aflição por aquilo.

Mas o beijo não veio. Porque, neste momento, um celular


tocou, trazendo-nos de volta para a realidade.
Nós nos afastamos subitamente e Sebastian pegou o telefone,

imediatamente deslizando o dedo sobre a opção de ignorar a chamada.


Eu me levantei.

— Eu... preciso arrumar as roupas que minha irmã trouxe para


mim... — Era uma desculpa estúpida. Como se ele fosse acreditar que

eu precisava sair imediatamente dali para organizar em um armário


uma dúzia de peças de roupas que minha irmã tinha levado para mim.
— Obrigada mais uma vez pela conversa — concluí, antes de me virar

e entrar na casa.

— Layla, espera... — Sebastian me chamou, mas segui


caminhando de forma rápida e simplesmente fingi não o ouvir, indo
diretamente para o quarto de hóspedes que eu vinha ocupando.

Logo que entrei, apoiei as costas na porta.

— Onde você está com a cabeça, Layla? — falei para mim

mesma.

Eu não podia confundir as coisas. Sebastian e eu já tínhamos


nos deixado guiar pelos hormônios e por um sentimento mútuo de
tristeza.
Mas aquilo não ia acontecer de novo.

Não podia acontecer de novo.

*****
Capítulo vinte e quatro

"Pedaço por pedaço, ele preencheu os buracos

Que você criou em mim aos 6 anos de idade

E sabe, ele nunca vai embora

Ele cuida de mim

Ele me ama

Pedaço por pedaço ele restaurou minha fé

De que um homem pode ser gentil e que um pai pode ficar"

(Piece By Piece – Kelly Clarkson)


19 de maio

Aparentemente, eu tinha estragado tudo.

Naquela tentativa de beijar Layla, eu acabei por afastá-la de

mim.

O quase-beijo fez com que voltássemos ao estágio de

conversas apenas a respeito de trabalho, e, agora, ainda mais breves e


objetivas do que antes. Todas as vezes em que eu tentava sequer

começar uma conversa sobre o que acontecera... ou quase acontecera...


naquele dia, Layla mudava de assunto, comentando sobre o prazo de

algum projeto ou alguma ligação de cliente.

E isso, para mim, foi um alerta muito claro de que nosso

relacionamento devia se bastar no ponto em que estava: ela trabalhava


na minha empresa e teríamos um filho juntos.

O segundo ponto fez com que, no decorrer daquela semana, eu

tivesse dito a ela que precisávamos conversar a respeito do projeto


para o quarto do bebê. A gestação já entrava na vigésima primeira
semana e tínhamos que começar a nos organizar para a chegada do

nosso filho em poucos meses.

Combinamos de conversar a respeito disso no final de semana.

Então, quando nos encontramos na cozinha naquela manhã de


domingo, eu disse a ela que a esperaria no quarto que seria do bebê.

Ela me encontrou lá depois do café da manhã.

Não havia nada no quarto. Eu estava olhando para as paredes


brancas quando Layla entrou, parando ao meu lado.

E um breve e constrangedor silêncio nos dominou por alguns

segundos, até que eu falei:

— Bem, eu não tenho ainda nenhuma ideia, mas talvez você

tenha pensado em algo. A equipe do setor de designer de interiores da

Turner é bem competente, deixei a cargo deles os projetos para os

outros cômodos da casa e fizeram um ótimo trabalho.

— Na verdade, eu... fiz uns croquis. Queria que você desse

uma olhada.
Ela levantou um caderno que apenas agora eu percebi que ela

trazia em mãos. O mesmo caderno de folhas não-pautadas que eu já


conhecia bem.

Não tão bem quanto gostaria. Mas certamente muito melhor do


que deveria.

Ela abriu diretamente em uma página e me entregou. Os

desenhos feitos a lápis logo chamaram a minha atenção.

— Não tenho tanta prática em arquitetura de interiores — ela

se apressou em se justificar. — São só alguns esboços mesmo. E quis


fazer à mão porque desenhar em papel é algo que me acalma, e... na

verdade, só me veio à mente algumas ideias para o quartinho e eu fui


colocando no papel, mas... Eu sei que este é o quarto que nosso filho
terá na sua casa, e não na minha, só que...

— Layla... — chamei, fazendo com que ela parasse de tentar

buscar explicações. — Isso está perfeito.

Desviei os olhos do papel para olhá-la, e ela sorriu. Eu

realmente não sabia se ela tinha ficado tão tensa por insegurança a
respeito de seu trabalho ou se era pelo constrangimento devido ao que

tinha quase acontecido entre nós no mês anterior.

Talvez fosse um pouco de cada uma daquelas coisas.

Voltei a olhar para o caderno, vendo que a outra página

também tinha algo desenhado. Era uma ampliação de uma das paredes,
na qual ficava o berço. Estava toda desenhada, com uma representação

infantil do mar, com um barquinho navegando ao longe e um sol com


um rosto sorrindo.

Era delicado e simples, mas ao mesmo tempo lindo.

— Você mesma vai pintar o painel? — perguntei.

— Como eu falei, foi só uma ideia. A imagem desse quarto me

veio à mente e eu passei para o papel. Mas talvez você queira sugerir
alguma mudança.

— Não quero. Já disse, isso está perfeito. Mas acho que


ninguém mais conseguiria reproduzir esse desenho na parede tão bem

quanto você.
Ela ainda sorria e eu senti como se o muro de gelo construído
entre nós naquelas últimas semanas tivesse enfim se derretido por
completo.

— Bem, eu não sou desenhista profissional, mas ainda sou bem

melhor com o lápis do que com tintas. Mas posso tentar.

— Sério que você não é profissional? E isso aqui?

— É um croqui. A gente aprende a fazer isso logo que entra na


faculdade de Arquitetura.

— Eu não falo apenas por isso, mas...

Calei-me repentinamente, e ela ficou me olhando, aguardando


que eu concluísse. Talvez fosse uma boa chance para confessar que eu

tinha visto outros desenhos que ela fizera naquele mesmo caderno,
mas detive-me a tempo. Tive medo de como ela reagiria.

Sabia que eu precisava confessar aquilo em algum momento,


mas quis adiar isso. Então, contei outra coisa:

— Eu vi o seu Instagram.

Ela deixou de sorrir, seus olhos se alargando de surpresa.


— Você... Viu o meu Instagram?

— Digamos que eu tenha... visto e lido todos os posts.

— Todos?

— Todos.

— Quando...?

— Quando estávamos no hospital. Tive curiosidade de


conhecer um pouco mais a seu respeito, te procurei na internet e achei

o seu perfil.

Ela esboçou um leve sorriso.

— Bem... Não serviu de muita coisa. Como deve ter percebido,

eu nunca postei fotos lá.

— Se fosse um perfil cheio de fotos e vídeos, aposto que não te

conheceria melhor do que pude conhecer através dos seus desenhos.

Layla piscou algumas vezes, parecendo pensar a respeito

daquilo. Não era nenhuma invasão de privacidade, já que se tratava de

um perfil aberto, mas ela se mostrou nitidamente tímida com aquilo.


— Faz sentido agora... — ela enfim falou.

— O quê?

— Quando te perguntei sobre seu estilo de livro, cor e comida


preferidos... e te contei os meus... e você agiu como se já soubesse de

tudo aquilo.

— Bem... um dos seus desenhos era de uma fatia de pizza...

Ela cobriu o rosto com as mãos, começando a rir. E o som da


risada dela soou tão aconchegante aos meus ouvidos. Me remeteu a

quando via cada uma daquelas postagens feitas por ela, e a olhava

adormecida sobre uma cama, sem qualquer reação ou movimento. E

no quanto sentia que queria saber como seria unir a imagem dela às
emoções que lia em seus textos e via em seus desenhos. Muitos eram

profundos, reflexivos, alguns até mesmo tristes... Mas várias de suas

postagens eram também alegres e bem-humoradas... como o desenho


da pizza que eu havia acabado de mencionar.

Ela tinha dedicado um texto à uma fatia de pizza de pepperoni.

E era simplesmente genial.


— Você deve ter me achado muito boba, não é? Quem desenha

comida e escreve uma legenda de texto sobre isso?

— Em sua defesa, era uma fatia que parecia bem apetitosa, de

tão realista. E eu nem sou um grande apreciador de pizza.

— Então, retiro o que eu disse, Sebastian Turner... Você já


conhece muito sobre mim. Sinto que sempre coloco um pedaço da

minha alma em meus desenhos. Então, ao olhar aquele perfil de

Instagram, você viu uma grande parte de quem eu sou.

— Então... foi por isso que eu disse que não sabia o que te
contar sobre mim. Porque acho que nada do que eu diga pode se

equiparar a tudo o que eu sei sobre você por meio dos seus desenhos.

— Por que você não tenta? Me conte algo. Algo que possa

parecer bobo e banal... Porque é nas coisas mais simples que


conhecemos melhor as pessoas.

Pensei um pouco a respeito, tentando encontrar algo que fosse

simples e relevante.

— Eu tive um cachorro quando criança... — falei a primeira


coisa que me veio à mente.
Layla sorriu, parecendo achar aquilo realmente interessante.

— Sério? Qual era o nome dele?

— Max. Nada original.

— E como era o Max?

— Grande, bobalhão e adorável. Viveu quase quinze anos. Eu

já estava na faculdade quando ele partiu. Minha mãe ligou para me

contar e eu chorei como uma criança.

— Eu nunca tive um cachorro, mas acho que posso


compreender.

E ela sempre quis ter um. Eu também sabia disso.

— Bem... Quando criança, eu e meus irmãos às vezes

acompanhávamos nossa mãe aos sets de filmagem. Especialmente nos

períodos de férias escolares. Eu ficava absolutamente encantado com


os bastidores do cinema.

— Imagino que deva ser mesmo fascinante, especialmente para

uma criança.
— E nós a acompanhávamos porque nosso pai, apesar de viver

na mesma casa que nós, sempre foi um homem bem ausente.

O rosto dela adquiriu um semblante triste. Eu sabia que,

embora de formas diferentes, ela também compreendia bem de


ausência paterna.

— Eu sinto muito.

— Minha mãe se culpava, sabe? E meu pai se aproveitava

disso, fazia com que ela se sentisse culpada por se dedicar à carreira de

atriz. Dizia que ela devia ficar mais tempo em casa, cuidando de nós.
Mas ele... ele nunca ficava. Era comum que inventasse sempre viagens

ou reuniões de negócio. E era comum, também, que ele fosse flagrado

com muitas mulheres diferentes.

— Eu realmente sinto muito, Sebastian. Por vocês e pela sua


mãe.

— Eu também. Ela se aposentou no auge da carreira, aos

quarenta e poucos anos, porque acabou cedendo às pressões do

marido. Lembro de me sentir culpado por isso, porque o que todos


diziam era que Trinity Turner tinha parado a carreira para cuidar dos

filhos. E sei que meus irmãos também se sentiram assim.

— Foi muito cruel o que o seu pai fez com vocês. Mas... Agora
que vocês já estão todos adultos... Trinity não pensa em voltar a atuar?

— Acho que ela se sente insegura. Ainda chegam muitos

convites, mas ela recusa todos.

— E você já conversou com ela a respeito?

— Eu sempre digo que ela devia pensar na possibilidade de


voltar.

— Mas você já disse a ela como você se sente? Como se sentiu

quando ela desistiu? E tudo isso o que me falou?

Abri a boca para responder que sim, mas travei imediatamente,

em dúvida sobre a resposta. Eu teria, em algum momento, dito


realmente tudo aquilo à minha mãe? Eu tinha reforçado que ela nunca

deveria se culpar pela sua carreira? Que, por mais que trabalhasse

muito, ela nunca tinha sido uma mãe ausente?


Eu dizia sempre que ela deveria voltar a atuar e fazer o que a
faz feliz, mas... Talvez, o que ela precisasse ouvir, fosse exatamente a

parte sobre ela nunca ter errado como mãe. Que sabíamos que ela

sempre fez todo o possível para nos dar uma infância saudável e feliz.

— Acho que... Vou conversar com ela a respeito, qualquer hora


dessas.

Layla sorriu e eu sorri de volta. Ficamos em silêncio por alguns

instantes, até que ela me surpreendeu ao começar a contar:

— Meus pais passaram os primeiros doze anos de casamento


tentando ter filhos. Depois de todo esse tempo, eles perderam as

esperanças e decidiram adotar...

Ela parou e respirou fundo, mostrando que aquilo era difícil

para ela.

Eu já tinha me perguntado inúmeras vezes qual seria a história


dela com o pai e por que aquele homem tinha todo aquele ódio por ela.

Já tinha perguntado, inclusive, diretamente a Layla. Tanto quando ela


estava em coma, incapaz de responder, quanto depois, quando ela
demonstrou que não se sentia confortável para falar a respeito daquilo.
— Só que essa decisão, mesmo em comum acordo, foi
emocionalmente diferente para cada um — ela continuou. — A minha
mãe sempre entendeu que uma criança adotada não é uma mera

substituição a um filho biológico, e sim um filho vindo de outra forma.

— Isso deveria ser uma coisa óbvia.

— Não era para o meu pai.

Ela fez mais uma pausa. E eu, agindo por impulso, segurei sua

mão.

— Não precisa falar sobre isso se não quiser, Layla.

— Eu nunca falo sobre isso. Com ninguém. Mas quero contar a


você.

Assenti, desejando que eu fosse realmente digno de merecer


aquela confiança.

Após mais uma pausa, ela prosseguiu:

— Eu tinha três anos quando fui adotada por eles. E aí, apenas

algumas semanas depois, quando eles já tinham até mesmo desistido,


minha mãe descobriu que estava grávida. Para ela, isso representou a
felicidade de ter mais uma filha. Para o meu pai, foi o alívio de poder
ter ‘uma filha de verdade’.

— É difícil acreditar que alguém pense dessa forma.

— A verdade é que ele só aceitou a ideia de adoção por


insistência da minha mãe, e me via como um ‘prêmio de consolação’

por não ter filhos biológicos. Quando Sylvie nasceu, ele me viu como
um erro. Ele sempre amou a Sylvie e nunca gostou de mim. Mas
cumpria as obrigações como um responsável legal. Fez até uma

poupança para a minha faculdade. Sempre disse que eu e Sylvie


devíamos ser arquitetas como ele. Quando eu fui para a faculdade e saí

de casa, ele provavelmente sentiu que sua obrigação legal tivesse


chegado ao fim, e apenas precisava me aturar em ocasiões sociais.
Depois, veio a doença da minha mãe, e...

Ela foi completamente calada pelo choro.

Então, eu fiz algo no qual sequer pensei: puxei-a para junto de


mim, passando meus braços ao redor de seu corpo que parecia tão

pequeno em contraste com o meu. Ela me abraçou de volta e chorou


em silêncio por alguns segundos...
Ou talvez fossem minutos...

A verdade era que perdi completamente a noção do tempo


enquanto a segurava em meus braços. Tudo o que eu conseguia sentir

era ódio por Albert, por tudo o que tinha feito a ela. E o desejo de que
a dor dela se amenizasse de alguma forma.

Ainda nos meus braços, ela voltou a falar:

— Quando minha mãe decidiu parar com o tratamento, todos


nós fomos contra. Mas os médicos eram claros com relação a isso:

nada seria capaz de salvá-la. A doença já estava avançada demais.


Tudo o que os tratamentos conseguiriam seria lhe dar uma sobrevida,
alguns meses a mais. Mas a custo de muita dor e muito sofrimento. Ela

sempre ficava muito mal a cada sessão, e... e ela estava exausta. Tudo
o que ela queria era viver sem aquele sofrimento, ainda que por menos
tempo. E eu... eu fiquei do lado dela. Disse que respeitaria a sua

vontade.

Então, tinha sido por isso que Albert dissera algo a respeito de
ela ser culpada pela morte da mãe.
Tentei, naquele momento, me colocar no lugar daquele homem,

já que tinha também passado pela perda da mulher que eu amava.


Lembrei-me do momento em que Bonnie estava já em coma e pensei
na hipótese de algum médico me dizer que ela poderia voltar e viver

mais alguns meses, mas a custo de muita dor e de um sofrimento que


lhe seria insuportável. O que eu decidiria? O que estaria disposto a
permitir para ter mais alguns meses... ou ao menos algumas horas a

mais com ela?

Contudo, no caso da mãe de Layla, essa decisão cabia apenas a


ela. Era uma mulher que estava lúcida e consciente.

E Layla a amava tanto a ponto de aceitar a sua decisão.

— Eu não tinha o que fazer... — Layla falou, em meio ao


choro, ainda em meus braços. — Ela já tinha tomado a decisão. Eu

apenas faria com que ela sofresse mais se continuasse insistindo contra
isso. Ela não ia mudar de ideia. E nada, absolutamente nada iria salvá-
la. E ele foi tão cruel, julgando-a até o último minuto. Ela queria

passar seus últimos meses de vida em paz, mas passou tendo


discussões horríveis com ele, todos os dias.

— Você não tem culpa de nada, Layla.


Minha afirmação era óbvia. Contudo, eu sabia que, muitas
vezes, o óbvio precisava ser dito por outra pessoa, para que fizesse
sentido em nossos ouvidos e em nossa mente.

— A forma como ele me expulsou de casa não devia me

machucar. Nada relacionado a ele devia me ferir. Mas eu tinha três


anos quando fui para a casa deles. Então, ele é o único pai que eu
conheci na vida.

— Mas ele não é seu pai, Layla. E eu não estou falando de

genética. Porque sua mãe e sua irmã sempre foram reais para você,
mas ele não.

Eu sabia que era bem mais fácil para mim dizer aquilo do que
para ela absorver, mas sentia que precisava tentar. Layla não merecia

carregar a dor daquela rejeição.

Ela continuou a chorar em meus braços, mas aos poucos foi se


acalmando, seu choro ficando mais baixo, e os soluços reduzindo.

Até que ela tirou as mãos das minhas costas e se afastou um


pouco, apoiando-as em meu peito. Sua cabeça se inclinou para o alto,

olhando em meus olhos. E eu não fui capaz de resistir.


Mais uma vez, vi-me completamente enfeitiçado por ela. Levei
uma das mãos ao seu rosto, deslizando o dedo indicador em sua pele,

observando cada traço de suas feições e repetindo mentalmente o


quanto ela era linda.

E o tanto que eu a desejava.

Quando ela se colocou nas pontas dos pés e subiu uma das
mãos até a minha nuca, eu guiei meu rosto em direção ao dela,

permitindo que aquele beijo já há tanto tempo desejado enfim


ocorresse.

Tomei os lábios dela com os meus, inicialmente de forma


suave, em nada se parecendo com o nosso primeiro beijo ocorrido

meses antes naquele quarto de hotel. Agora, havia ainda ali a luxúria,
mas não apenas isso.

Havia, também, sentimentos. Talvez uma tonelada deles.

Minha língua pediu passagem entre seus lábios, encontrando-se


com a dela. E a suavidade no encontro e nos movimentos das duas
também se iniciou de forma suave e lenta, mas foi aos poucos ficando

mais intensa. Mais afoita. Minhas mãos deslizaram pelas costas dela,
até a barra de sua blusa, subindo por baixo do tecido por suas costelas.
Ela gemeu contra os meus lábios e aquele som me inebriou ainda mais.

Eu precisava daquela mulher, mais do que já tinha precisado de

qualquer outra coisa em minha vida.

E era notório o quanto ela também precisava de mim.

Notório demais.

As mãos dela foram até a barra da minha camisa, começando a


levantá-la. Então, eu me dei conta de tudo o que envolvia o que estava
prestes a acontecer e simplesmente parei.

Não sabia de onde tinha tirado forças para aquilo, mas... apenas

parei, sentindo meu pau doer logo que um gemido de protesto escapou
dos lábios dela.

— Sebastian... — ela murmurou, novamente puxando minha


nuca na intenção de voltar a me beijar.

— Layla, não... — pedi.

— O que...
— Nós não vamos fazer sexo, Layla. Não agora.

Ela parou, parecendo assombrada por aquelas palavras, por

mais que eu as tivesse pronunciado da forma mais gentil que poderia.

— Você não me quer? — ela perguntou. E pude ver mais


lágrimas rolando em seus olhos.

Porra… como ela poderia sequer cogitar aquilo?

Peguei a mão que ela ainda mantinha em minha nuca e a levei


até a minha calça, querendo que ela sentisse como eu estava. Apenas

aquele contato por cima das roupas me fez inspirar com força,
tentando me conter. E percebi nos olhos dela que ela tinha percebido o
quanto eu estava duro e louco por ela.

— Acha mesmo que eu não quero você?

Ela engoliu em seco, seus olhos me encarando em uma mistura

de desejo e tristeza.

— Se você me deseja e eu estou te pedindo, o que te impede?

Levei a mão ao rosto dela, passando os dedos por suas

lágrimas.
— Isso, Layla. Como da outra vez, você está vulnerável. Como
da outra vez, está buscando no sexo um alívio não apenas para o seu
corpo, mas para a sua alma ferida.

— E que diferença isso faz? Você quer me comer, não quer?

Estou aqui, me oferecendo por inteira para você.

Deslizei os dedos até o queixo dela e voltei a me aproximar,


mordendo seu lábio inferior e puxando-o devagar. E depois beijando-a
mais uma vez, mas sem deixar que aquilo se aprofundasse, ou eu seria

incapaz de cumprir o que dizia. Aproximei meus lábios de sua orelha e


mordisquei o lóbulo, fazendo toda a sua pele se arrepiar. Só o bastante
para manter aquele desejo aceso e para que ela entendesse o quanto eu

também queria aquilo.

Então sussurrei em seu ouvido:

— Quando eu estiver dentro de você de novo, quero ter certeza


de que você não tomou essa decisão quando sua cabeça não estava
bem para isso. Quero me afundar em você tendo certeza de que está

sentindo somente o prazer, e não buscando uma anestesia.


Quando me afastei para olhá-la nos olhos, percebi o choro dela
se intensificando ainda mais.

— Eu preciso de você, Sebastian.

— E eu não pretendo ir a lugar algum.

Ela se atirou em meus braços e eu voltei a abraçá-la. Beijei o


topo de sua cabeça e repeti, várias vezes, que tudo ficaria bem.

*****
Capítulo vinte e cinco

"Eu preciso de um pouco de amor esta noite

Me abrace, para que eu não desmorone

Só um pouco,

Mas espero que seja o suficiente para talvez ressuscitar

Eu e meu coração partido"

(Me And My Broken Heart – Rixton)


“Eu sinto que já conheço você, Layla. Sei o quanto você é sensível,

esforçada, amorosa, e o quanto é especial. Então, por favor... Volte.”

Abri devagar os olhos, como se atendendo ao pedido que eu


podia jurar ter ouvido na voz de Sebastian. Percebi que tinha

adormecido justamente com a cabeça apoiada no peito dele, ambos

deitados em sua cama, em seu quarto...

Pela segunda vez, eu me via na mesma cama que Sebastian


Turner. Agora, no entanto, sem que tivéssemos feito nada além de

trocarmos beijos.

Muitos beijos. Mas nada mais do que isso.

Ele tinha me guiado até o seu quarto, deitou-se comigo e

afagou meus cabeços enquanto eu chorava. Ele me disse que tudo iria

ficar bem, repetiu inúmeras vezes que eu era linda, perfeita, incrível e

tantos outros adjetivos absolutamente encantadores. O auge da

intimidade foi quando ele levantou minha blusa e acariciou minha


barriga, à medida que beijava minha boca de um jeito tão gostoso...

E tão... apaixonante...
Era um caminho sem volta para o meu coração. Porque eu
sabia que já sentia por ele algo que nunca tinha sentido antes com

nenhum outro cara.

Acho que passamos horas ali. Eu me recostei em seu peito e ele

acariciou os meus cabelos até que eu adormecesse, exausta pelo choro.


Agora, eu despertava, tendo a sensação de ouvi-lo me chamar. Porém,

alguns segundos após acordar, eu me dei conta de que ele não tinha

dito nada. Provavelmente aquela voz estava apenas em minha mente.

Era apenas um sonho...

Ergui o rosto, encontrando os olhos dele a me olharem com um

carinho e uma preocupação visíveis. Eu quase podia imaginá-lo de fato

dizendo aquelas palavras com as quais sonhei. Era quase como uma

lembrança...

“Eu sinto como se... Eu sei, é estranho, mas... Além da minha família,

talvez você seja a pessoa mais próxima de uma amiga para mim.”
O que era bobagem, obviamente. Porque eu não me lembrava

de nenhum momento em que Sebastian tinha me dito aquelas palavras.

No entanto, eu me lembrava muito bem das palavras ditas por

ele antes que eu adormecesse. Especialmente as ditas antes de irmos


parar naquele quarto. Com relação a ele se afundar dentro de mim.

Apenas aquela ideia fazia eu sentir um arrepio entre as pernas.

Algo que eu definitivamente precisava controlar.

— Está tudo bem? — ele perguntou, com sua voz rouca e

preocupada.

E excitante, diga-se de passagem.

Balancei a cabeça em concordância.

— Eu dormi por muito tempo?

— Além daqueles dois meses? — ele brincou.

— Engraçadinho... — retruquei, contendo o sorriso.

Porque eu gostava daquela face de Sebastian. Quando ele se


permitia fazer brincadeiras e deixar aquela aura sombria de lado.
— Apenas alguns minutos — ele respondeu. — Meia hora,

talvez um pouco mais.

Por mais que eu me sentisse ótima estando nos braços dele, e


que desejasse que aquele despertar tivesse sido depois de algo bem
mais excitante do que me acabar em lágrimas diante de um homem

lindo como aquele, eu precisava fazer uma confissão:

— Estou feliz por não termos transado.

As sobrancelhas dele se ergueram.

— Nossa… você sabe bem como elevar a autoestima de um

cara, hein?

Dessa vez, não pude evitar o riso.

— Não se trata disso. Eu queria ter transado com você. Para

falar a verdade, eu queria muito. Mas você estava certo: não daquela
forma.

— Que bom que eu estava certo. Isso fez valer o sacrifício.

Lembrei-me do momento em que ele guiou a minha mão até o


seu membro sob sua calça, e de tê-lo sentido... enorme e duro como
uma rocha. Confesso que, agora, sentia-me mal por tê-lo deixado
naquele estado. Especialmente porque eu já tinha provado uma vez do
que era ser fodida por Sebastian Turner, e... apenas o breve

pensamento disso já me fazia sentir um umidade se formando entre as


minhas pernas.

E eu sinceramente não me lembrava de nenhum outro homem


que fizesse eu me sentir molhada daquele jeito somente por me

remeter a lembranças de uma noite de sexo.

Talvez os hormônios da gravidez estivessem me afetando


demais.

Ou, talvez... ou certamente... Fosse mais do que isso. E mais,


também, do que o fato de que nenhum outro cara nunca tinha me dado

um orgasmo como o que Sebastian me proporcionou. Não que eu


tivesse uma lista enorme de experiências em meu currículo amoroso.
Apenas um namorado no final do ensino médio, mais dois na

faculdade.

Nenhum deles chegava nem perto de Sebastian Turner. Em


nenhum aspecto... de tamanho, desempenho, beleza... ou sentimentos.
Voltei a falar:

— Além do mais, na última vez… na verdade, na única vez…

que buscamos apenas consolo nos braços um do outro, você me disse


logo depois que tinha sido um erro.

Ele levou o dedo indicador a uma mecha de cabelo que caía em


um cacho sobre o meu rosto, afastando-a.

— Isso te magoou?

— Não. Talvez tenha me chateado um pouquinho no ego,

enquanto mulher, mas… naquela ocasião, você era apenas um cara


gostoso com quem eu tinha ido para a cama. Não é mais assim.

— Não sou mais um cara gostoso? Você realmente tirou o dia

para destruir a minha autoestima, hein?

Dei um tapinha no braço dele, voltando a rir.

— Você ainda é um cara gostoso. Muito gostoso. Mas não é


mais apenas isso. Você me disse, naquela ocasião, que se eu procurava

uma noite de amor, não teria isso com você. Não era o que eu

procurava, então tudo bem se você considerou um erro. Mas, agora, eu


não quero mais que você meramente me foda, Sebastian. Eu não sei

ainda definir o que sinto exatamente por você, mas o que sei é que
agora não quero nada que não seja fazer amor com você.

Ele abriu a boca para dizer algo, mas toquei seus lábios com

meus dedos.

— Me deixa terminar, por favor. Você não me deve nada. Sei


que tem uma ferida enorme em seu peito e que, talvez, ainda não se

sinta pronto para seguir em frente com algo além de sexo. E eu fui a

pessoa que aceitei ser seu primeiro passo nessa primeira etapa, em se

permitir voltar a sentir prazer. E naquele momento, eu também queria


apenas isso. Mas agora não. E tudo bem se não estivermos na mesma

sintonia com relação a isso.

Quando terminei de falar, ele se manteve em silêncio, apenas

olhando para mim.

— Não vai dizer nada?

Ele deslizou a mão até as minhas costas e eu não pude conter

um grito ao ser pega de surpresa quando ele rapidamente girou o corpo

sobre mim, fazendo com que minhas costas encontrassem o colchão e


passasse a sentir a pressão do corpo dele por cima do meu, mesmo ele

tendo se apoiado em um dos braços para não fazer peso sobre a minha

barriga.

Então, ele tomou meus lábios em um beijo.

— Vou... — ele falou, afastando sua boca por um momento,


antes de me beijar de novo. — Vou dizer que você é adorável.

— Não sei se é exatamente o que eu queria ouvir — retruquei.

E mais um beijo. Minha garganta soltou um gemido de protesto

quando ele mais uma vez se afastou.

— Você também é incrivelmente sexy.

— Hm... Acho que gosto disso...

Mais um beijo. Dessa vez, um pouco mais demorado, mas

ainda rápido demais para o meu gosto.

No entanto, valeu a pena pela declaração que veio a seguir.

— E que me apaixonei por você enquanto você ainda dormia.


Quando ele me beijou novamente, eu não tive reação. Mantive-

me estática, pega completamente de surpresa por aquelas palavras.

— Agora é você que não vai dizer nada? — ele provocou.

Meu Deus, o que eu poderia dizer?

— Mas você disse que eu dormi por apenas meia hora... —

falei, como uma boba.

E foi a vez dele de rir.

— Não agora. Falo dos dois meses em que esteve em coma.

— Mas... Como pode... Como pôde se apaixonar por alguém


que você nem conhecia?

— Eu vi os seus desenhos, li os seus textos... Ouvi as músicas

que você colocou em cada uma daquelas postagens... Foi como

conversar com você em cada um daqueles dias. Foi assim que eu, de
fato, te conheci e me apaixonei por você.

Ai, caramba... Se ele repetisse mais uma vez aquilo sobre estar

apaixonado por mim, acho que eu seria capaz de ter um troço e entrar

em coma mais uma vez.


Segurei o rosto dele e o puxei para junto do meu, assaltando

sua boca com a minha de uma forma que deixava muito claro que eu

não precisava ouvir mais nada. Em seguida, eu o empurrei, fazendo

com que ele voltasse a se deitar com as costas sobre a cama. Sentei-me
sobre seu abdômen, com um joelho apoiado de cada um dos lados, e

afastei nossas bocas para poder tirar minha camiseta, ficando com

meus seios cobertos apenas pelo sutiã.

Eu o vi respirar mais fundo, olhando para mim.

— Layla, nós não precisamos...

Afastei meus quadris para trás, até me sentar sobre a ereção

dele. Mesmo contido pelas calças, consegui senti-lo já bem duro,

mostrando que queria aquilo tanto quando eu.

Ele voltou a inspirar com força depois daquele contato. E fez


isso mais uma vez quando levei minhas mãos às costas, abrindo o

fecho do sutiã e permitindo que a peça caísse sobre a cama, deixando

meus seios à mostra.

— Não estou mais vulnerável agora, Sebastian.


Deslizei as mãos por baixo de sua camisa, encontrando os

músculos definidos de seus peitoral. Precisava confessar que sequer


saberia dizer de onde eu tinha tirado toda aquela audácia. Depois

daquela nossa primeira noite, talvez Sebastian tivesse me visto como

uma mulher sexualmente muito bem resolvida, o que não era

totalmente verdade. Os três únicos caras antes dele eram apenas


garotos. E eu sempre demorava um pouco até me sentir solta daquele

jeito. Se é que algum dia tinha me sentido.

Não daquele jeito. Nunca.

Sebastian tinha aquele poder sobre mim, o de me fazer sentir


audácia, coragem, segurança.

Ele subiu as mãos pelas minhas coxas, percorrendo os olhos

por todo o meu corpo.

— Você é linda. É perfeita.

A forma como ele me olhava naquele momento, percorrendo a


parte do meu corpo que estava à mostra, fazia eu me sentir desejada,

derrubava qualquer resquício de insegurança que eu poderia sentir pela

minha barriga e meus seios já marcados pelas estrias da gravidez. Eu


podia ver mil imperfeições em mim, mas ele me olhava como se me
venerasse. Como se eu não fosse nada menos do que perfeita.

E esse efeito que ele tinha sobre minhas inseguranças a respeito

da minha aparência física era o mesmo com relação aos meus traumas

e minhas dores. Eu tinha passado toda a minha vida me sentindo frágil,


quebrada, insuficiente...

Mas Sebastian era capaz de ver o melhor em mim. E de me

fazer enxergar o mesmo.

Agarrei a barra da camisa dele, levantando-a, e Sebastian me


ajudou na missão de tirá-la, deixando livre minha visão para o seu

peitoral esculpido. Inclinei-me sobre ele, voltando a beijá-lo,

inebriando-me com a forma como a sua língua se enroscava na minha.


Quando suas mãos seguraram meus seios, uma onda de prazer

percorreu todo o meu corpo como uma descarga elétrica.

Contudo, logo senti um incômodo naquela posição, por causa


do tamanho da minha barriga pressionada contra o abdômen dele. E
Sebastian pareceu perceber isso, pois girou o corpo, sustentando o meu

até que eu me deitasse de lado sobre a cama. Seus lábios se afastaram


dos meus e ele perguntou:
— Você tem certeza? Não precisamos fazer isso.

— Eu é que te pergunto, Sebastian: você tem certeza do que

me disse?

— Que me apaixonei por você? Sem qualquer sombra de


dúvidas. Mas repito o que disse antes: no momento em que estiver
fazendo amor com você, quero ter certeza de que você está cem por

cento aqui comigo, e não apenas buscando prazer para abrandar a dor.

A forma como ele disse ‘fazer amor’ mexeu com cada célula
do meu corpo, disparando as batidas do meu coração.

— Estou cem por cento aqui — garanti. — Estou


completamente aqui. Faça amor comigo, Sebastian Turner.

Ele voltou a me beijar, o que me serviu como uma resposta de

que ele iria atender ao meu pedido.

*****
Capítulo vinte e seis

"Quando tudo se vai abaixo

E parece que o mundo está desabando sob meus pés

Você gosta do melhor em mim

Quando eu estou uma bagunça

Quando eu pareço minha pior inimiga

Você me faz sentir bonita

Quando eu não tenho mais nada a provar

E eu não posso imaginar como conseguiria...

Não há um "eu" sem você"

(Me Without You – Ashley Tisdale)


Era a segunda vez que eu o via se despir daquele jeito, de pé

diante da cama onde eu estava. E, também pela segunda vez, senti-me


ainda mais excitada diante da visão. Não podia mentir para mim

mesma e negar que, antes mesmo daquela nossa primeira noite, eu

nunca tivesse imaginado como seria Sebastian Turner nu. E em


nenhuma das versões que imaginei – por mais que fossem todas muito

bem-dotadas – ele era tão grande.

As lembranças de quando ele estocou aquela coisa enorme com

força e brutalidade dentro de mim me fizeram pressionar as coxas uma


contra a outra, sentindo um calor ainda maior no meio das minhas

pernas.

— Se gosta tanto do que vê, poderia fazer um desenho — ele

me provocou, jogando as roupas em um canto qualquer do quarto.

— Talvez eu desenhe mesmo — rebati. — Mas não vou

mostrar a ninguém.

Ele se ajoelhou diante da cama e agarrou o cós da minha

bermuda, puxando-me até que meus joelhos ficassem bem na ponta do


colchão, com minhas coxas ainda sobre a cama e minhas canelas e pés

pendendo para baixo. Em seguida desabotoou a bermuda, puxando-a


até me ver livre daquela peça de roupa. Achei que fosse fazer o mesmo
com a calcinha, mas, ao invés disso, ele voltou para a cama e tomou a

minha boca com a sua.

Ele me beijava como um homem, não como os garotos com

quem eu tinha me relacionado até então. As mãos dele deslizavam pelo


meu corpo em um misto de suavidade e reivindicação. Quando seus

dedos exerciam um pouco mais de pressão sobre a minha pele,

deixavam claro tudo o que ele queria.

E foi assim que uma das mãos dele desceu, tocando-me por

cima do tecido da calcinha, novamente com uma pressão gostosa, nem


bruto demais, nem leve demais. O suficiente para fazer aquela

urgência em meu ventre aumentar e eu me sentir ficar ainda mais

excitada. Seus dedos deslizaram por dentro do tecido e, sem deixar de

me beijar, eu ouvi um som gutural escapar de sua garganta quando

percebeu o quanto eu já estava molhada.

Ele afastou a boca da minha, descendo-a pela minha garganta,

até chegar aos meus seios, lambendo-os e mordiscando. Seus dedos

deslizavam em um vai e vem pela minha fenda, e eu levei as costas da

mão à boca, tentando conter os gemidos, porque tudo aquilo era uma

explosão enlouquecedora de sensações deliciosas.


— E eu ainda nem comecei, Layla... — ele falou, levantando

os olhos para olhar em meu rosto enquanto continuava a lamber meu


mamilo.

Eu me senti até um pouco constrangida com aquilo. Ainda nem


tínhamos feito nada e eu já estava tão molhada, com meus mamilos tão

sensíveis, e me controlando para não gemer de forma alta demais,


tendo em vista que ele ainda nem havia penetrado o dedo em mim, e

nem mesmo tocado no meu...

— Sebastian... — pronunciei o nome dele e joguei a cabeça

para trás quando seus dedos encontraram meu clitóris, começando a


massageá-lo.

— Eu quero provar você, Layla. Posso?

Movimentei a cabeça em uma confirmação aflita.

— Faça comigo o que quiser, Sebastian.

Ele desceu devagar, beijando e lambendo minha barriga, ainda

me estimulando com os dedos, até descer da cama, voltando a se


ajoelhar no chão, no meio das minhas pernas. Foi então que tirou a

minha calcinha, devagar, olhando-me nos olhos durante todo o


processo, antes que seu rosto sumisse entre minhas pernas,

desaparecendo do meu campo de visão por trás da minha barriga.

A forma como a língua dele entrou em mim fez com que


minhas mãos se fechassem, agarrando o lençol da cama. Tentei
pronunciar o nome dele mais uma vez, mas o que saiu da minha boca

foi um som incompreensível.

E ele começou a movê-la de um jeito delicioso, entrando e


saindo, deslizando pelo meu clitóris e passando alguns segundos ali,
chupando-o, antes de volta a entrar em mim.

— Você é tão gostosa, Layla... — ele falou em algum

momento, o ar quente de sua respiração tocando a pele sensível no


meu ponto mais íntimo. E lambeu novamente, fazendo-me inspirar

com força. — Tão gostosa...

— Sebastian... eu... eu...

O que eu queria dizer? Nem eu mesma sabia. Minha mente


parecia nublada, envolta em meio a um prazer que eu nunca tinha

sentido antes.
— Você é tão doce... — Ele voltou a me penetrar com um
dedo, sua língua passando a se focar em meu clitóris.

— Meu Deus, Sebastian... — minha voz saiu em meio a


gemidos.

— Tão quente... — Ele penetrou mais um dedo,


movimentando-os dentro de mim em um ponto que...

— Assim... Bem aí...

— Está tão molhada... Tão sensível...

Tentei dizer mais alguma coisa, mas não conseguia mais


formular palavras em minha mente. E nem precisava, porque ele
continuou me estimulando bem no ponto exato que eu queria.

Um ponto exato que eu nem sabia que existia dentro de mim.

— Deliciosa... — Voltou a me lamber, e me chupou de um jeito


que...

Meu Deus, eu não ia aguentar!


— Você gosta assim, não é? — ele provocou, entre uma sucção
e outra, enquanto seus dedos faziam miséria dentro de mim. — Sou
capaz de passar horas sentindo o seu gosto, até você desmaiar de

prazer.

— Seb...

Senti que não estava nada longe disso. Movimentei os quadris,

sentindo Sebastian aumentar o ritmo com que seus dedos entravam e

saíam de dentro de mim, escorregando com muita facilidade pelo tanto


que eu estava molhada. Junto aos sons das estocadas, eu o ouvia gemer

ao mesmo tempo que me chupava, como se aquilo de fato fosse uma

deliciosa iguaria. E quanto mais eu gemia, mais ele parecia também


sentir prazer, sem que eu sequer tocasse nele.

A onda de prazer foi se avolumando cada vez mais, até

explodir por completo. Foi como se minha mente se desligasse por

alguns segundos, imersa em um orgasmo indescritível.

Ele se deitou ao meu lado, ainda mantendo uma das mãos,


deslizando onde sua boca estava instante antes. Agora, de forma mais

lenta, como em um carinho íntimo e delicioso. Ele me beijou, fazendo-

me provar do meu próprio gosto em sua língua.


— Você fica ainda mais linda quando está sentindo prazer —

ele declarou.

— Como você consegue? — perguntei, com a voz ainda

ofegante.

Provavelmente, não era o que ele esperava ouvir. Tanto que

franziu a testa.

— Como consigo o quê?

— Saber exatamente como fazer. Apenas com os dedos e... a

boca... Ninguém nunca...

Senti-me constrangida de concluir a frase. Antes de Sebastian,

o sexo para mim era algo mais... ‘tradicional’ e ‘prático’. Sempre da


mesma forma, na maioria das vezes sem orgasmos... Nunca orgasmos

como os que ele me proporcionara. E nunca nada além da penetração,

no máximo com alguns toques como preliminar.

Até aquele momento, eu era praticamente uma virgem de sexo

oral.
— Sei fazer muitas coisas, Layla. E quero te ensinar muitas

coisas também.

— Como um chefe com sua estagiária? — instiguei.

Um leve sorriso surgiu no rosto dele, mostrando que tinha

gostado da ideia. Ele voltou a me beijar e eu logo me senti


completamente pronta mais uma vez. Agora queria muito mais do que

línguas e dedos.

— Me ensine a fazer amor, senhor Turner — falei.

— Será nossa aula de hoje, senhorita Francis.

Ele me ajeitou sobre a cama, colocando um travesseiro


embaixo das minhas costas para poder inclinar meu quadril para cima

sem que o peso da minha barriga me machucasse. Então, se posicionou

entre as minhas pernas e começou a me penetrar.

Bem devagar...

Meu Deus...

— Sebastian... — pronunciei seu nome em meio a um gemido.


Era diferente da outra vez. Agora, eu o sentia centímetro a

centímetro, se afundando devagar dentro de mim, tão fundo...

Tão gostoso...

Quando estava completamente dentro de mim, ele me olhou

nos olhos, iniciando as estocadas. De início lentas, numa cadência

gostosa. Diferente da outra vez, ele fazia isso olhando diretamente nos

meus olhos, e eu pude verdadeiramente sentir como se estivéssemos


nos tornando um só corpo.

Era uma conexão simplesmente incrível.

Aos poucos, os movimentos dele foram se tornando mais

fortes, e sons de prazer saíam de sua garganta, enquanto ele ainda


olhava para mim. Uma de suas mãos alcançou um dos meus seios e a

outra percorria minha barriga e minha perna.

Mais forte...

A velocidade aumentou e eu pude ver um pouco daquele

Sebastian da noite no hotel. Mais bruto, mais selvagem, fazendo os


sons das estocadas se misturarem aos nossos gemidos.
Mais fundo...

Mais rápido...

Mais forte...

Mais bruto...

Mais...

Minhas pernas se apertaram com mais força ao redor dele,

conforme eu sentia mais uma onda de gozo se aproximando. Fechei os


olhos no momento em que fui novamente tragada pelo orgasmo,

abrindo-os em seguida para ver Sebastian fazer o mesmo, enquanto eu

sentia o seu membro pulsando dentro de mim, enchendo-me com seu


líquido quente.

Fazer sexo com Sebastian naquela noite no hotel tinha sido, até

então, a coisa mais prazerosa da minha vida.

Mas não chegava nem aos pés do que era fazer amor com ele.

*****
Capítulo vinte e sete

"Porque eu estou me divertindo, me divertindo

Eu sou uma estrela cadente saltando pelo céu

Como um tigre desafiando as leis da gravidade

Eu sou um carro de corrida passando por aí, como a Lady Godiva

Eu vou, vou, vou, vou

E nada vai me parar"

(Don't Stop Me Now – Queen)


8 de junho

Tudo ia bem, em todos os aspectos possíveis.

Na Turner, enfim estávamos quase colocando todos os prazos

em dia. Layla seguia ficando até depois do horário, por mais que eu
me preocupasse em estar sendo cansativo para ela. Ela sempre

respondia que não, que gostava do trabalho, que o dinheiro das horas

extras era bem-vindo e que se sentiria entediada indo para casa


sozinha, sendo que eu precisaria, de qualquer maneira, ficar no

escritório até mais tarde.

E, no fim das contas, eu me sentia mais seguro por ela estar


comigo. Ficaria preocupado se ela voltasse para casa sem mim, mesmo

que o esquema de segurança por lá estivesse bem reforçado.

E, em casa, as coisas iam... ainda melhores. As noites – e as

manhãs – com Layla eram incríveis, e faziam com que eu me

perguntasse por que tínhamos demorado tanto tempo para nos


entregarmos àqueles sentimentos. Agora, o quarto de hóspedes tinha

ficado vazio, já que Layla dormia comigo.


Apesar de as coisas no escritório já estarem mais tranquilas, eu
ainda precisava ir até lá aos sábados para agilizar mais algumas

pendências. Layla ficava em casa, já que este era o dia em que Sylvie

costumava ir visitá-la. E, mesmo com alguma resistência da

adolescente, Layla tinha conseguido convencê-la a aceitar que um dos

seguranças a levasse embora.

Eu não acreditava que o homem que tinha tentado me matar

tentasse algo contra a garota, mas preferia ter essa precaução.

Quando cheguei, deixei minha pasta no sofá da sala, pegando

apenas um convite que tinha recebido naquele dia. Com ele em mãos,
segui pelo corredor. Ouvi o som de música vindo de um dos quartos e

segui caminhando devagar, pois achei que, talvez, Sylvie ainda

estivesse lá. Quando parei na porta do quarto do bebê, no entanto,

encontrei Layla sozinha lá. Seu celular, sob uma das caixas de móveis

que ainda seriam montados, tocava uma música do Queen, e a mãe do

meu filho se balançava lentamente, no ritmo da música, de costas para


mim e de frente para a parede. Com um pincel em mãos, ela fazia um

degradê com tintas em diferentes tons de azul na parte em que,

provavelmente, desenharia o mar.

— Decidiu começar sem mim? — falei.


Por estar concentrada, ela acabou se sobressaltando, assustada

com a minha voz, e virou-se para trás. A visão dela, com os cabelos
cacheados presos por um rabo de cavalo alto, usando uma calça de

moletom e um top branco que deixava sua linda barriga à mostra,


assim como o contorno dos seios sem sutiã me encantou.

— Sebastian! — ela exclamou, levando uma das mãos ao peito.


— Não pode chegar sorrateiro desse jeito. Quer me matar do coração?

Ela cruzou os braços diante do peito, fingindo-se de zangada. E


eu me aproximei, enquanto afrouxava a minha gravata, e dei um beijo

em seus lábios.

— Desculpe. Achei que ainda estivesse com a Sylvie.

— Ela precisou sair mais cedo. Hoje terá uma festinha de

aniversário de uma amiga. E você, também, chegou mais cedo. Isso


era para ser uma surpresa para você.

— Jura que cheguei cedo? Achei foi que passei tempo demais
longe de você.

Eu a beijei novamente, voltando meus olhos para a parede

parcialmente pintada de azul, e para as várias latas de tinta de outras


cores espalhadas pelo chão coberto com jornais.

— Você ia mesmo fazer o desenho inteiro hoje? — indaguei,

assombrado.

— Provavelmente não, mas ia ao menos adiantar a parte do

mar e do barquinho. Se você voltasse no horário de sempre, teria uma


surpresa.

— Bem, já que eu cheguei mais cedo, posso te ajudar. — Tirei


o paletó e comecei a dobrar as mangas da camisa. — Por onde eu

começo?

Ela seguiu com os braços cruzados, olhando-me enquanto


reprimia um sorriso.

— Você sabe pintar paredes?

— Só vou saber se tentar.

— Então você nunca fez isso, não é?

— Bem, sou bom em tentar coisas novas. Tem várias que eu

adoraria tentar com você, aliás.


Voltei a me aproximar, mas antes que pudesse voltar a beijá-la,
fui surpreendido quando ela passou o pincel, sujo de tinta azul, na
minha bochecha.

— Ei! — reclamei, fingindo irritação.

Ela riu.

— Se quiser se aventurar na pintura, precisa aceitar se sujar um


pouco. — Os olhos dela se desviaram para o convite em minhas mãos.
— O que é isso?

— Ah, o Logan foi hoje até a Turner e me entregou. São os

convites do casamento.

Entreguei o envelope para ela, que o pegou com muita

empolgação, abrindo e admirando o convite branco com letras


douradas. Meu irmão Logan e Evelyn já viviam juntos há algum tempo

e eram casados no civil. Mas tinham planos de realizarem um


casamento em Los Angeles no próximo verão.

— Que lindo... — ela falou, olhando encantada para o convite.


— Evelyn me convidou para ser uma das damas de honra, ainda

preciso comprar o meu vestido. Ela disse apenas que quer que Camila
e eu usemos algo azul, mas deixou livre para decidirmos o tom e os
modelos. Só não sei muito bem o que usar, porque essa será a primeira
vez que vou a um casamento desse tipo... Em uma praia, durante o pôr

do sol...

— É uma boa questão. Também preciso perguntar isso a


Logan, porque acho que não estaremos no clima propício para

smokings. Esse casamento será basicamente o oposto do de Michael e


Camila, que foi em Aspen, no meio do inverno. E todo mundo

precisou usar camadas e mais camadas de tecido de tanto frio que

fazia.

— Seus irmãos são bem opostos, não é?

— Você não faz ideia. Que bom que encontraram


companheiras que dividem os mesmos gostos peculiares por

celebrações de casamento diferentes.

Ela me olhou por alguns segundos, como se me analisando,

antes de perguntar:

— E o seu?

— O meu?
— É. O seu casamento. Como foi?

Eu percebia a hesitação dela na pergunta. Há até bem pouco


tempo, qualquer assunto que me remetesse a recordações sobre a

Bonnie seriam evitados para mim, até mesmo com certa agressividade.

Agora, no entanto, eu percebi que pensar nela já não me causava mais

uma dor tão extrema. Era mais como um sentimento agridoce, uma
mistura de saudade com a gratidão por ter podido viver tantos

momentos incríveis ao lado dela.

— Meu casamento foi no estilo mais tradicional possível. Em

uma igreja, tudo bem padrão. Eu não fazia muita questão de nada, na
verdade, mas era o sonho da Bonnie. E foi uma cerimônia bem bonita.

Ela sorriu de forma sincera, e isso me fez admirá-la ainda mais.

Talvez outra pessoa, no lugar dela, sentisse ciúmes e até mesmo

evitasse falar a respeito daquilo.

Decidi repassar a pergunta. Obviamente, de outro modo:

— E você? Qual o seu tipo de casamento ideal?

— Sinceramente? Não penso muito a respeito disso.


— Sério? — Fiquei realmente surpreso.

— Sério. Talvez... Talvez algo mais intimista. Uma cerimônia

em casa mesmo, seguida por um jantar com as pessoas próximas, para

comemorar. Quando penso em casamento, acho que foco muito mais


no relacionamento em si do que em uma grande celebração, sabe?

Penso no que quero viver ao lado da pessoa.

Foi impossível deixar de me lembrar daquele desenho dela. Da

casa na praia, as crianças, o cachorro, o casal feliz admirando o mar e


as estrelas...

O sonho de ter alguém para olhar as estrelas ao seu lado...

E em como aquilo também era o que eu próprio queria.

Eu teria comentado algo a respeito, mas Layla foi mais ágil em

mudar o foco do assunto.

— Por falar em relacionamentos... Eu meio que conversei com


a Sylvie hoje.

— Sério? E como foi?


— Bem, não foi nada tão direto assim. O aniversário que ela

vai hoje é justamente da colega de turma por quem eu sei que ela é
apaixonada. Eu não te contei, mas dei uma olhada nas redes sociais da

menina e descobri que ela é declaradamente bissexual, e também que

está solteira no momento.

— Sério, Layla Francis? Stalkeando a menina?

— Olha quem fala... Foi você mesmo quem indiretamente me


deu essa ideia, depois de dizer que tinha visto o meu Instagram e que

conheceu muito de mim através dele. Sylvie é minha irmãzinha. Antes

de apoiá-la a se declarar a alguém, eu precisava saber o mínimo sobre


a pessoa.

— Tudo bem, é justo. Mas, então, o que conversou com ela?

— Bem, eu... — Ela desviou os olhos para o convite em suas

mãos e percebi que fazia isso por certa timidez pelo que estava prestes

a dizer. — Comecei contando a ela sobre nós dois.

— E ela ficou furiosa? Já que não gosta muito de mim...

— A princípio, não ficou muito feliz. Mas ela disse que já tinha

reparado que estava rolando alguma coisa entre nós. Contei algumas
coisas sobre você para tentar tranquilizá-la e mostrar que você é um

cara legal. Ela não retrucou muito, então eu tenho um palpite de que

ela já não te odeia mais... ao menos não tanto assim.

— Fico sinceramente feliz com isso.

— Então eu disse a ela, inicialmente, que eu a amo muito, que


me orgulho muito dela e que estarei ao seu lado em qualquer situação.

Ela rebateu com um “eu, hein, por que isso agora do nada?” — ela fez

a pergunta imitando o jeito de falar da irmã e eu não pude evitar rir. —


Aí eu disse que quero muito que ela seja feliz e que, se tem uma lição

que aprendi, tanto com a morte da minha mãe quanto com o meu

acidente, é que a vida é muito frágil. Em um segundo, alguém que

amamos ou nós mesmos podemos não estar mais aqui, então não
devemos deixar de expressar nossos sentimentos por insegurança ou

medo de ser ou não correspondido. Se ela gosta de alguém, se essa

pessoa está livre, se é alguém legal e se não há impedimentos, é uma


bobagem não dizer o que sente.

Balancei a cabeça em concordância e ficamos em silêncio por

alguns instantes, até que ela voltou a me olhar e eu perguntei:

— E então, o que ela disse?


— Que eu estava muito esquisita e ‘emocionada demais’. Daí

perguntou se podíamos pedir uma pizza e começou a falar sobre uma


nova série que está assistindo. — Ela bufou e eu ri. — Adolescentes

são difíceis demais, sabia?

— É, eles são. Mas tenho certeza de que ela entendeu o que

você disse e que vai pensar a respeito.

— Espero que sim. ...E então? Ainda vai mesmo querer me


ajudar com isso aqui? — Ela apontou para a pintura que começava a

surgir na parede.

— Óbvio que vou. Só preciso antes tirar essa camisa branca, já

que você é meio desastrada com os pincéis. — Apontei para o meu


rosto pintado de azul.

Ela riu.

— Está bem quente hoje. Pode ficar sem camisa, se quiser. Eu

não me importo.

— Ah... você não se importa? — Afastei-me alguns passos,


começando a desabotoar a camisa.
E a vi morder o lábio inferior enquanto seus olhos observavam
meu peitoral começando a ser exposto.

— Nem um pouquinho... — ela rebateu.

— Mesmo? Nadinha? — Terminando com os botões, tirei

completamente a camisa, jogando-a em cima de uma das caixas de


móveis.

— Talvez eu me importe um pouquinho, mas de um jeito

bom...

Voltei a me aproximar, levando as mãos à sua barriga e

deslizando-as até a cintura. Voltamos a nos beijar, de forma lenta, sem


pressa. Tínhamos já passado por um estágio em que mal conseguíamos

nos tocar sem que um verdadeiro incêndio corresse em minutos.

Agora, eu sentia que estávamos um passo adiante. Gostava de ir


devagar, de prová-la aos poucos. Eu sabia que teríamos o final de

semana inteiro juntos, apenas nós dois naquela casa. E, depois disso,
mais meses inteiros...

Que eu queria que se transformassem em anos...

Em uma vida inteira.


Afastei-me um pouco, interrompendo nosso beijo, e aguardei
até que ela abrisse os olhos para declarar, de forma simples, breve e
direta:

— Eu te amo.

Ela piscou, pega de surpresa.

— Sebastian... — começou a falar, mas eu prossegui.

— Hoje parece que eu aprendi mais uma coisa com você. A


vida é breve e imprevisível demais para se guardar sentimentos. E eu

já sentia algo por você quando você despertou. Passei dois meses ao
seu lado... conhecendo você, pedindo dia após dia para que você
despertasse. No início, apenas pela culpa, mas aos poucos, eu fui

sentindo uma necessidade enorme de ver seus olhos abertos, de ouvir a


sua voz, de tocar em você. Depois que você despertou e veio morar
comigo, esse sentimento foi se desenvolvendo, se aprofundando... Eu

tive a certeza de que estava apaixonado, e agora sinto que até essa
palavra é pouco para descrever o que sinto. Porque é isso, Layla... Eu

amo você.
Os olhos dela logo começaram a transbordar em lágrimas e eu
pensei que, talvez, aquilo estivesse sendo precipitado da minha parte.
Sabia que Layla sentia algo por mim, mas provavelmente ainda não

estivesse no mesmo nível que eu. Mas, para o inferno... Eu não dizia
aquilo esperando por uma resposta. Mas porque era o que eu sentia, e

eu precisava dizer a ela.

Ela encostou a cabeça em meu peito, contornando seus braços


ao meu redor, e eu a abracei de volta.

— Eu às vezes me lembro de algumas coisas... — ela falou


baixinho, com a voz embargada pelo choro. — Eu tenho algumas

lembranças rápidas da sua voz, dizendo algumas coisas que eu não me


recordo de termos conversado. No início, eu achava que eram coisas
da minha cabeça, mas depois entendi que são reais. Porque sempre que

penso no tempo que passei em coma, eu tenho a nítida sensação de que


não me senti sozinha em momento nenhum.

— Você podia me ouvir?

— Embora não me recorde com muita exatidão de tudo, eu sei


que sim, que eu podia te ouvir. E eu podia sentir que você estava lá,

cuidando de mim.
Eu a apertei com mais força.

— Eu estava lá.

— E eu estou aqui agora, e... — Ela levantou o rosto, olhando


nos meus olhos. Em meios às lágrimas, abriu um lindo sorriso. — E eu

também amo você.

Levei uma das mãos às bochechas dela, secando suas lágrimas.


E pensei que queria estar sempre ao seu lado para fazer aquilo. Para
sorrir com ela, mas também secar suas lágrimas sempre que fosse

necessário.

Em seguida, não resisti em fazer uma provocação: em um


movimento rápido, levei a mão até as minhas costas, onde a dela
segurava o pincel, e apertei as cerdas em meus dedos. Percebendo o

que eu pretendia fazer, Layla tentou se afastar, mas consegui passar a


mão suja de tinta azul em seu braço.

— Sebastian! — ela fingiu estar furiosa, embora mal


conseguisse segurar o riso. — Isso foi golpe baixo!

— Precisa aceitar se sujar um pouco, caso queira se aventurar

na pintura — impliquei, repetindo o que ela mesma havia me dito.


— Você... me... paga.

Ela avançou sobre mim, novamente trazendo o pincel, mas

consegui detê-la com facilidade, depois me afastar e pegar outro pincel


mais fino, que estava sobre uma lata de tinta vermelha.

Ao som de Don't Stop Me Now, nós dois nos divertimos como


duas crianças, antes de terminarmos, como em todas as noites, fazendo

amor, desta vez com partes dos nossos corpos sujos de tinta.

Eu tinha dito a Layla, certa vez, que o preto era a minha cor
favorita. Agora, eu mudava de ideia.

Achava que todas as cores eram incríveis, desde que ela


estivesse em minha vida.

*****
Capítulo vinte e oito

"Eu estava tão perdido

Não sabia o que fazer comigo mesmo

Eu era meu pior inimigo

Eu estava perdido e sei que precisava de ajuda

Então você veio até mim

E viu o estado que eu estava

Você me deu forças

Quando eu estava para baixo

Me mostrou como se vive de novo"


(Precious Love – James Morrison)

9 de junho

Acordei com o som de notificação de algum celular. Mas

confesso que não me importei com isso. Estava confortável demais ali,

na cama, com nossos corpos ainda nus junto um ao outro, depois de


uma noite de sexo bem intenso. A última vez que acordamos e

deixamos que nossos beijos terminassem comigo me afundando dentro

de Layla, já passava de quatro da manhã. Não fazia ideia de que horas


seriam agora, mas senti que ainda fosse cedo demais para sair da cama

em um domingo.

Estava quase voltando a dormir quando ouvi novamente o som


de notificação. Layla se moveu em meus braços, de forma preguiçosa.

— Que horas são? — ela murmurou, sonolenta.

Dei um beijo no alto de sua cabeça.

— Provavelmente ainda é cedo. Durma um pouco mais.


O celular voltou a apitar e só então identificamos que era o de
Layla. Ela comentou:

— Deve ser o grupo com a Evelyn e a Camila, em mais um

debate a respeito dos vestidos das damas de honra para o casamento.

— Não precisa responder agora, então. Descanse um pouco

mais.

Ela levantou o rosto, fitando-me com um olhar cheio de

malícia.

— Agora que já acordei, não sei se quero voltar a descansar.

— Garota, não devia me provocar assim. No nosso último


round, você disse que estava com as pernas doloridas.

— Posso descansar depois, teremos o dia inteiro. A não ser que

você esteja cansado demais para isso, senhor...

Eu estava o mais completo oposto de cansado. Só em ouvir

aquela provocação dela, meu pau já reagiu, mais do que pronto para

reiniciarmos tudo novamente.


Ainda assim, o corpo dela era tão pequeno em relação ao

meu... E ela estava grávida. Eu tinha medo de machucá-la, mas ela


sempre me surpreendia com a forma como se mostrava tão insaciável

quanto eu.

Dei outra sugestão:

— Podemos, também, nos divertir de formas menos

doloridas...

Ela subiu a coxa, devagar, por cima da minha perna, e eu

pensei que ela não devia, mesmo, brincar daquele jeito comigo. Ela
aproximou os lábios dos meus e estávamos prestes a nos beijar,

quando o celular apitou mais uma vez.

— Camila e Evelyn querem mesmo decidir a respeito desses

malditos vestidos agora? — perguntei.

Ela riu e estendeu a mão até a mesinha do seu lado da cama,


pegando o celular.

— Vamos resolver isso colocando no modo silencioso, para


não termos mais interrupções — ela falou. Contudo, logo que olhou

para a tela, mostrou-se preocupada.


— Não são as meninas, é a minha irmã... — Ela se sentou, seu

corpo nu exposto diante de mim, aumentando em mim a urgência para


me perder em suas curvas.

Contudo, percebi a expressão séria em seu rosto enquanto


percorria os olhos pelas mensagens.

— Algum problema, Lay?

A preocupação dela aos poucos foi se transformando,


adquirindo um ar mais surpreso. E, um leve sorriso se curvou em seus

lábios.

— Ela contou, Sebastian... A Syl contou.

— Contou o quê?

— Para a menina... o nome dela é Louise... Ela se declarou na

festa, e... Ai, meu Deus! — Ela riu, levando a mão para a frente da
boca, ainda lendo. Aparentemente, Sylvie havia mandado um texto
enorme para ela.

Ou mais de um, já que o celular voltou a apitar.


— Ai, meu Deus... — Layla repetiu. — A Louise disse que
também já gostava dela... Elas estão oficialmente namorando, e... —
ela fez uma pausa, olhando para mim. — Sebastian, ela contou!

Sorri.

— Você já disse que ela contou para a menina, Lay. E eu fico


muito feliz por isso.

— Não, não estou falando disso, mas... Ela contou para mim.
Está contando para mim.

Passei as mãos de forma carinhosa pelas costas dela.

— É claro que ela ia te contar, Lay. Você é a melhor irmã que


alguém poderia ter.

Um sorriso emocionado surgiu nos lábios dela.

— Eu... Quero ligar para ela, para conversarmos melhor. Você


se importa? Prometo que volto logo, e vamos continuar de onde

paramos.

— Leve o tempo que precisar. Vou preparar um café da manhã


reforçado para nós dois. Quero você muito bem alimentada, porque
teremos um dia inteiro juntos.

Sorrindo, ela voltou a se aproximar, depositando um beijo em

meus lábios. Então se levantou e pegou uma camisa minha que estava
sobre um poltrona, vestindo-a. E seguiu com o celular para a varanda,

já iniciando a ligação.

Fiquei ainda algum tempo deitado, olhando para ela através das

cortinas brancas que separavam o quarto da varanda com vista para o

mar. Layla caminhava enquanto conversava ao telefone, parecendo


animada com a conversa que tinha com a irmã. Minha camisa batia na

altura dos seus joelhos, mas, ainda assim, ela ficava incrivelmente

sexy ao usá-la.

Também me levantei, vestindo apenas uma calça e saindo do


quarto para dar uma privacidade ainda maior à conversa de Layla com

a irmã, e também na intenção de preparar o café da manhã que havia

prometido. Peguei meu celular na sala, onde eu o tinha deixado –


dentro de uma pasta – no dia anterior logo que cheguei da empresa.

Ainda tinha alguma carga, então eu aproveitei para realizar um velho

hábito de verificar as notícias do dia.

E uma delas chamou a minha atenção.


Era de um portal de cinema e entretenimento.

Trinity Turner nega oferta milionária para atuar em próximo filme de


renomado cineasta.

Não desci para além do título no intuito de saber qual papel ou

qual cineasta seriam. Em vez disso, abri os meus contatos, procurando


pelo da minha mãe e fazendo uma ligação.

— Ah, querido, que bom que você me ligou — ela já foi logo

falando, com seu jeito sempre animado. — Você acha mesmo que eu

preciso de todo esse esquema de segurança aqui em casa? Tem tanto


tempo que não dou uma festa, sequer comemoramos a sua

sobrevivência naquele acidente horroroso. Estava pensando em algo

pequeno, bem íntimo, umas cento e cinquenta pessoas, aqui em casa

mesmo, e...

— Mãe... — eu a interrompi. — Por que negou o papel?

— O quê? — ela pareceu confusa.


— Recebeu outra proposta de voltar aos cinemas e recusou,

acabei de ler na internet. Por que fez isso?

Ela fez uma pausa. Pareceu um pouco confusa com meu

questionamento.

— Ah, Sebastian, já tem muito tempo que me aposentei.

— Você pode voltar quando quiser. Tudo bem se a proposta

não foi boa para você ou se o personagem ou o roteiro não te agradou,

mas... Você tem recusado absolutamente tudo.

— Por que isso agora, Sebastian? Já passou, faz parte do


passado.

— Por que, mãe? Por que você pensa assim?

Mais uma pausa. Ela pareceu hesitante, antes de desabafar:

— Eu já passei do meu auge. Não sou mais uma garotinha. E

eu nunca nem fui tão boa assim. Aquela indicação ao Oscar que recebi

foi muito mais pela história da personagem do que pela minha atuação
em si. Sem contar que já ganhei muito dinheiro com isso, já me diverti
o suficiente, parei quando estava mais do que na hora de sossegar para

cuidar da minha família de forma correta.

— Era ele quem te dizia tudo isso, mãe? Foi o meu pai que

encheu a sua cabeça com esses absurdos para te fazer desistir da sua

carreira?

Eu a ouvi inspirar profundamente e podia apostar que estava

tentando conter o choro.

— Seu pai não era tão ruim assim, filho. Ele apenas queria

evitar que eu passasse pelo papel ridículo dessas pessoas que não

aceitam quando o seu auge já ficou para trás.

— Ele era ruim, mãe. Um homem que destrói a autoestima de


uma mulher dessa maneira é um bosta de ser humano.

— Não faz mais diferença, filho.

— Faz. Faz diferença todos os dias, mãe. E eu sinto muito por

não ter te dito isso antes de forma tão direta, mas: você foi e ainda é

uma ótima mãe. É uma avó maravilhosa. Uma mulher incrível. E uma
atriz espetacular. Hollywood está perdendo por não ter mais você. E

não sou eu quem digo isso, são todos esses diretores que mandam
convites para você praticamente todos os meses desde que você parou.

Eu entendo e respeito se você achar que os cachês ou os papéis não são

à altura do seu talento, que você sabe que tem. Ou se realmente achar

que será cansativo ou meramente não quiser. Mas eu não aceito que
você siga se privando dos seus sonhos porque algum dia um babaca

colocou na sua cabeça que você não era boa o bastante. Porque você é

simplesmente a melhor.

Eu a ouvi fungar do outro lado da linha e lamentei por estar


dizendo tudo aquilo pelo telefone e não pessoalmente, para poder

abraçá-la naquele momento. Mais do que isso, lamentei ter deixado

tanto tempo se passar sem que eu lhe dissesse cada uma daquelas
palavras. Sempre julguei que era o bastante quando meus irmãos e eu

lhe dizíamos frases como “você deveria voltar a atuar, mãe”. Mas não

era.

Layla tinha razão quando conversamos a respeito daquilo: eu


precisava dizer mais. Precisava deixar claro para minha mãe tudo

aquilo que parecia óbvio para mim.

— Obrigada, querido. Acho que eu precisava ouvir isso. Amo

você e seus irmãos mais do que tudo, você sabe disso, não é?
— E nós te amamos também, mãe. Você sempre fez o melhor

que podia por nós. E lamentamos que meu pai tenha te feito acreditar
que precisava abrir mão dos seus sonhos para ser mais presente. Mas o

que passou não tem mais retorno. Você pode recomeçar agora. Nunca é

tarde para isso.

— ...Oras, e por que seria tarde? Sou ainda uma mulher jovem,
sabia? Estou ainda entrando na casa dos cinquenta...

Comprimi os lábios, contendo o riso. Minha mãe já tinha

passado dos sessenta anos. Mas isso era algo que ela não admitiria

nem sob tortura.

— Você realmente é uma mulher muito jovem, mãe.

— Há alguns meses, pouco antes do seu acidente, eu fui buscar

o Logan e a família no aeroporto, e me perguntaram se as gêmeas eram

minhas filhas. As pessoas se assombram por eu já ter netas do tamanho

delas.

— Claro, mãe. Quem iria supor algo assim? ...Enfim, prometa

para mim que vai analisar com um pouco mais de carinho as propostas

que chegarem?
—...Vai depender muito do papel também, né? Você sabe. Meu
retorno precisa ser triunfal.

Então, ela já considerava esse retorno...

Voltei a sorrir.

— Claro, mãe. Precisa ser algo à sua altura.

— Obrigada mesmo, querido. Bem, agora eu preciso desligar.


Preciso ligar para umas amigas, e...

— Mãe... — eu novamente a interrompi.

— Sim?

— Nada de festas.

— Sebastian!

— Não é seguro.

— Mas seriam poucas pessoas, e...

— Por enquanto não, mãe.


Ela resmungou qualquer coisa, mostrando-se decepcionada.
Mas, ao mesmo tempo, ela também estava feliz.

*****
Capítulo vinte e nove

"Eu estava tentando voar, mas não consegui achar asas

Mas você chegou e mudou tudo

Você tira os meus pés do chão

Você me faz girar

Você me deixa mais louca, mais louca

Sinto como se estivesse caindo e eu

Estou perdida em seus olhos

Você me deixa mais louca, mais louca, mais louca"

(Crazier – Taylor Swift)


8 de julho

O tempo seguia passando sem que a polícia descobrisse o

paradeiro de Daniel Reed. E, se não fosse todo o esquema de


segurança e as modificações que precisamos fazer em nossas vidas,

daria até mesmo para deduzirmos que a existência daquele homem não

tinha sido nada além de algum delírio coletivo, porque ele havia
sumido completamente do mapa e não voltara a tentar nada contra

nenhum membro da família Turner.

Contudo, eu ainda tinha em meu corpo algumas cicatrizes de


locais de pontos que ganhei naquele acidente. Sem contar os meus dois

meses de vida completamente perdidos. Isso fazia com que eu me

lembrasse rotineiramente da existência daquele homem e não

menosprezasse o que ele poderia fazer.

E era só por isso que eu ainda não tinha pedido pelo amor de
Deus para Camila voltar ao trabalho, porque comandar aquela equipe

estava simplesmente me enlouquecendo.


Naquela manhã, tive duas reuniões super tensas, com colegas
que me faziam sinceramente me perguntar em que faculdade haviam

se formado. E o problema maior era que alguns deles não iam com a

minha cara. Eu sabia que rolava o assunto sobre eu ter assumido

aquele cargo por ser amiga da chefe do setor e, principalmente, por

estar grávida do CEO do escritório. O fato de eu ainda ser apenas uma

estagiária e bem mais nova do que todos ali tornava isso ainda mais
inadmissível para eles.

E, se comandar uma equipe já era uma tarefa difícil, se torna

ainda mais quando alguns integrantes não vão com a nossa cara.

A última das reuniões terminou pouco mais de meio-dia e eu

me sentei em uma das cadeiras do hall do andar onde eu trabalhava.

Peguei meu celular e mandei uma mensagem para Sebastian.

LAYLA:

Oi, chefe.

O que acha de almoçar com sua estagiária hoje?


Depois do envio, dei uma olhada em outras mensagens.

Algumas de Sylvie, reclamando por ter tirado 8,5 em uma prova,

algumas do grupo com minhas amigas, onde Evelyn mostrava,


empolgada, as fotos de um dos hotéis onde ela e Logan ficariam na

viagem de Lua de Mel, e várias outras do grupo da faculdade, onde


ainda me mantinham mesmo eu tendo perdido o ano e não fazendo

mais parte da mesma turma.

Respondi rapidamente todo mundo e, logo que terminei, soou a

notificação da chegada da resposta de Sebastian.

SEBASTIAN:

Que fique registrado que é você quem está me convidando.

Ninguém pode me acusar de assédio.

Ri, logo pensando que ele não corria aquele risco. Porque o que

era dito pelos corredores do escritório era que eu é que tinha dado um
golpe da barriga no chefe.

Como se eu me importasse com aquilo.

E chegaram mais mensagens:

SEBASTIAN:

Desculpe demorar para responder, linda.

Hoje as coisas estão tumultuadas por aqui.

Por que não sobe até a minha sala e pedimos algo por delivery para
almoçarmos por aqui mesmo?

Acho que hoje será complicado para eu conseguir sair.

Digitei uma resposta:

LAYLA:
Me espere aí, então.

E peça pizza para mim.

SEBASTIAN:

Como se uma grávida saudável comesse pizza no almoço...

Vou pedir comida de verdade para nós dois.

Revirei os olhos, mas no fundo achava fofa a forma como


Sebastian cuidava de mim e do nosso bebê.

Guardando o celular, fui até o elevador que levava ao último


andar, onde ficava a sala do chefe. O acesso só podia ser feito através

de uma senha que pouquíssimas pessoas tinham acesso.

Logo que a porta se fechou, eu abri minha bolsa para guardar o


celular e encontrei meu diário lá dentro. Levei-o para a empresa

naquele dia porque Sebastian me pediu para montar no computador o


projeto do quarto do nosso bebê, que eu tinha feito à mão em meu
caderno. Apesar de o quarto já estar quase pronto, ele queria o projeto
como portfólio da Turner, dizia que era um dos mais bonitos que ele já
tinha visto para quartos infantis.

Eu achava a opinião dele um tanto quanto suspeita, mas

concordei, de qualquer forma. Pretendia fazer aquilo na parte da tarde.

Enquanto pensava a respeito disso, ainda olhando para o

caderno, uma voz distante veio à minha mente, como uma espécie de

lembrança:

“Olha só para isso. Como pode deixar algo tão perfeito escondido nas

folhas de um diário?”

Era a voz de Sebastian.

Pisquei algumas vezes, tentando me recordar do momento em


que ele teria dito aquilo. Eu não me lembrava de ele ter usado aquelas

exatas palavras quando me pediu para digitalizar o projeto do quarto

do nosso filho, Até porque, isso tinha acontecido há uns dois ou três
dias. A voz na minha mente era meio nublada, distante... Como se

tivesse sido dita há mais tempo.

O elevador parou e a porta se abriu. E eu sacudi a cabeça,

pensando que eu deveria estar bem cansada e estressada, porque todos

aqueles pensamentos não faziam qualquer sentido.

— Lay? — a voz de Sebastian chamou a minha atenção.

Olhei para ele, vendo-o se levantar da sua poltrona. Saí do


elevador, indo em direção a ele e abrindo um sorriso. Trocamos um

selinho logo que nos encontramos.

— Está tudo bem? — ele perguntou.

— Depende. Pediu pizza para mim?

— Engraçadinha. Podemos pedir pizza no sábado, o que acha?

— Sábado é o casamento da Evelyn e do Logan, esqueceu?

— Pizza domingo, então. E já vamos comer bobagens pouco

nutritivas no casamento, certamente.

— Fechado.
Voltamos a nos beijar e, mais uma vez, era para ser apenas um

selinho. Mas acabou se aprofundando mais do que deveria. Eu não

tinha o hábito de ir à sala de Sebastian. Geralmente saíamos para


almoçar e nos encontrávamos já no térreo do prédio ou no meu andar.

E, nas poucas vezes que fui até ali, a secretária dele estava na sala bem

ao lado.

Desta vez, eu sabia que ela não estava, porque era horário de

almoço.

De qualquer maneira, ainda era um ambiente de trabalho, então

coloquei um pouco de juízo em minha cabeça e o afastei, empurrando

levemente as minhas mãos contra o seu peito.

Aquele peitoral que eu sabia ser uma perdição de tão definido,


mas que também ficava bem sensual usando aquele terno com gravata.

E minha mente não colaborava comigo...

— Sério, Lay, você está bem?

— Estava pensando em umas bobagens — confessei, em uma

leve provocação.
— Sei. Mas não estou falando de agora. Quando o elevador

parou, você parecia... sei lá... assustada.

“Assustada” era uma palavra meio forte. Eu estava, na verdade,

era um pouco confusa. E o questionamento de Sebastian me fez voltar

a pensar a respeito daquilo.

“Como pode deixar algo tão perfeito escondido nas folhas de um


diário?”

As palavras voltaram a se repetir em minha mente. Ao mesmo

tempo que eram distantes, também me pareciam nítidas. A frase inteira

se repetia com exatidão, como se eu tivesse, de fato, ouvido Sebastian


me dizer aquilo em algum momento.

Era da mesma forma como acontecia com as lembranças que

eu tinha de algumas coisas ditas por ele no período em que estive em

coma. Mas, provavelmente, não era o caso daquela vez, porque, se


fosse... seria o mesmo que entender que Sebastian tinha lido o meu

diário enquanto estive inconsciente.


E eu não acreditava que ele teria feito aquilo.

— Lay? — Sebastian me chamou mais uma vez, e só então eu

me dei conta de que tinha voltado a me distrair em pensamentos.

— Sebastian, você... — Fiz uma pausa. — Nada... Não é nada.

Pensei que ele não esconderia algo assim de mim. Ele mesmo
tinha me prometido que não me esconderia nada que tivesse alguma

relação direta comigo. Se ele tivesse, de fato, feito algo como ler o

meu diário quando eu estava em coma, ele me contaria.

Ao menos era nisso que eu queria acreditar.

— Agora diga. Não vai me deixar na curiosidade.

— É só que... — Levei a mão ao rosto dele. — Eu te amo. Eu


me sinto segura com você, porque sei que você nunca faria nada para

me magoar.

Ele apenas me olhava de volta, provavelmente sem

compreender os motivos de eu dizer aquilo sem qualquer contexto.


Mas era algo que eu sentia e que precisava dizer em voz alta,

especialmente para acalmar o meu próprio coração a respeito daqueles


meus pensamentos. Eu não tinha qualquer motivo para cogitar que

Sebastian tivesse lido o meu diário com base apenas em uma


lembrança de uma fala dele que poderia perfeitamente ter sido

moldada em minha mente por algum sonho ou devaneio.

Ele segurou a minha mão que se mantinha em seu rosto e eu

pensei no tanto que eu amava a textura da sua pele por baixo da barba
por fazer. Do quanto amava a forma como ele me olhava.

Do quanto amava tudo naquele homem.

— A pior coisa do mundo para mim seria magoar você — ele

respondeu.

Sorri, tentando aliviar o clima.

— E é por isso que você vai pedir pizza para mim?

— Não. Eu te amo, e é por isso que você vai comer comida de


verdade. Bobagens ficam para o final de semana. Você teve um quadro

de anemia enquanto esteve internada, então não vamos voltar para ele.

Bufei, fazendo-me de irritada, e ele desfez o meu bico tomando

minha boca mais uma vez com a sua.


E, novamente, o que era para ser algo breve acabou se
aprofundando. A mão dele envolveu o contorno da minha barriga,

conforme ele aprofundava o beijo, de forma ávida, como se

estivéssemos afastados há meses. Nossas línguas iniciaram aquela


dança perigosamente sensual que geralmente terminava de uma forma

quente demais para ser cogitada para aquele momento.

— Sebastian... — falei, em um momento em que ele liberou a

minha boca, descendo uma trilha de beijos pelo meu pescoço.

Suas mãos agora já desciam pelos contornos do meu corpo e eu


tinha certeza de que, se não fosse a minha barriga já bem elevada entre

nós, eu poderia sentir sua ereção contra o meu ventre.

— Não é certo, Sebastian...

— Por que não? — Agora, a mão dele descia até a minha coxa,
voltando a subir por baixo do tecido do meu vestido.

— É o seu escritório...

— E ninguém vai entrar aqui.

— Disse que tinha muito trabalho a fazer...


— O trabalho pode esperar. Eu sou o chefe por aqui.

Eu sentia um desejo úmido entre as minhas pernas, que

aumentou ainda mais quando ele voltou a me beijar e a caminhar, com


seu corpo pressionado contra o meu, fazendo com que eu recuasse

vários passos até minhas costas encontrarem a parede de vidro da sala,


naquele momento coberta por cortinas.

Aquilo deixou claro para mim que, definitivamente, não


iríamos parar por ali.

*****
Capítulo trinta

"Toque meu corpo, coloque-me no chão

Lute comigo, brinque comigo mais um pouco

Toque meu corpo, jogue-me na cama

Eu só quero te fazer sentir como nunca antes"

(Touch My Body – Mariah Carey)

— Você é minha estagiária, lembra? — ele falou, com uma


ênfase no ‘minha’ que soava deliciosamente possessivo.
Naqueles momentos a sós, eu gostava de quando ele falava

assim.

— Sou... — respondi, já meio inebriada pela excitação.

— E eu estou te achando muito tensa no trabalho. Acho que é


minha função, como seu chefe, te fazer relaxar um pouco.

Ele me virou de costas para ele e me surpreendeu quando, em

um único movimento, abriu subitamente as cortinas à minha frente. A

vista que se tinha dali para a cidade de Los Angeles era espetacular.
Todos aqueles prédios, carros, pessoas que dali pareciam minúsculas...

milhares delas, no vai e vem frenético de uma cidade grande.

Ele me abraçou por trás, enfim permitindo que eu sentisse seu


membro, enorme e duro, contra as minhas costas. As mãos dele

voltaram a subir pelo meu vestido, levantando o tecido.

— Sebastian... — Aflita, segurei as mãos dele com as minhas,

sentindo-me exposta ali diante daquele vidro.

— Sabe que as paredes são espelhadas por fora, não é?

Ninguém pode te ver.


Eu sabia, mas... Era difícil lembrar disso, já que dali a vista
para fora era tão clara. Meu subconsciente fazia com que eu me

sentisse exposta, como se qualquer pessoa dos prédios ao redor

pudesse olhar pela janela e me ver ali, naquela posição, e isso era...

Meu Deus, isso era... excitante.

Fazia correr pelas minhas veias uma sensação de estar fazendo

algo impróprio, correndo riscos de ser flagrada, e... Isso fazia o calor

em meu ventre aumentar ainda mais.

Sebastian voltou a beijar meu pescoço e a subir as mãos. As

minhas ainda seguravam as dele, mas agora já de forma fraca, sem que

eu sequer tentasse detê-lo. Os dedos dele afastaram o tecido da minha

calcinha e este contato me fez arfar.

— Como explica o fato de estar tão molhada, senhorita

Francis?

— Não deveria, chefe?

Seus dedos deslizaram até a minha fenda, começando a me

penetrar e me fazendo novamente arfar, meu corpo já se preparando


para recebê-lo. Contudo, ele entrou apenas o suficiente para molhá-lo

bem, em seguida retornou até o meu clitóris.

— Como eu posso dizer que não, se fico louco por te sentir

assim?

— E é você que me faz ficar assim.

Dois dedos dele escorregaram para dentro de mim, fazendo


com que eu jogasse minha cabeça para trás, mordendo os lábios para
conter um gemido. Enquanto isso, seu polegar esfregava meu clitóris

em movimentos circulares, ocasionando ondas de prazer por todo o


meu corpo. Com as mãos apoiadas sobre o vidro, eu olhava para toda

aquela movimentação da cidade, ao mesmo tempo que pensava que a


secretária de Sebastian poderia chegar a qualquer momento, ou mesmo
alguém do grupo muito restrito de funcionários que tinha a senha de

acesso para aquele andar.

E isso me fazia pensar no quanto eu me permitir estar naquela


posição, sendo tocada daquele jeito pelo CEO da empresa em sua sala,
em pleno horário de trabalho, era terrivelmente errado.
E era pensar a respeito disso que tornava aquilo ainda mais

excitante.

E tudo ficou ainda pior quando a mão livre de Sebastian foi até
o zíper do meu vestido, abrindo-o até a altura da cintura. Em seguida
ele fez o mesmo com o meu sutiã e, com as duas peças presas apenas

pelos meus braços, espalmou um dos meus seios, seus dedos girando
sobre o meu mamilo já mais do que sensível.

— Sebastian... — gemi.

— Quer que eu pare, senhorita?

Movimentei a cabeça em uma negação aflita.

— Não... Não pare, por favor... Eu... eu vou... eu...

— Não goze ainda — a voz dele tinha um tom de autoridade,

como se fosse de fato uma ordem.

— Eu... eu não aguento, Sebastian...

— Eu te proíbo de gozar agora, senhorita Francis.


Apesar das palavras, ele continuou com os movimentos de seus
dedos, entrando e saindo de dentro de mim e friccionando meu clitóris,
ao mesmo tempo que beijava meu pescoço e estimulava meus seios.

Por mais que eu quisesse, não conseguia mais controlar meus

gemidos, que se tornavam mais altos e aflitos conforme eu me


aproximava do orgasmo.

Eu estava quase...

Quase...

Então, Sebastian simplesmente parou.

— Eu disse que não — ele falou, com a voz autoritária.

Afastou-se e eu me virei, ainda ofegante, vendo-o virar sua


cadeira de frente para mim e se sentar, com sua postura imponente.

Olhei para o meio de suas pernas, vendo seu membro visivelmente


duro.

— Sabe como funciona um estágio, não é? Eu, como seu


patrão, te ensino as coisas... Mas também deixo que as faça sozinha e

avalio o seu desempenho.


— Não pode começar isso e simplesmente parar... chefe.

— Posso. Já te ensinei muitas coisas. Você sabe qual é o seu

objetivo e o que você quer, não é? Então faça, sob minha supervisão.

Ele não podia estar me pedindo aquilo. Não ali, na sala dele,
com aquela constrangedora parede de vidro bem atrás de nós, naquela
sala tão grande e imponente. Não era como no aconchego de um

quarto, de um ambiente íntimo.

— Você quer que eu... — comecei a falar.

— Faça, senhorita Francis. Quer gozar, não é? Então faça isso


para que eu veja.

Mesmo depois de tudo que já tínhamos feito, eu senti o meu

rosto queimar, tímida.

Mas, ainda assim... Eu quis fazer aquilo.

Sebastian e eu já tínhamos nos tocado de inúmeras formas


diferentes. Ele conhecia cada ponto sensível do meu corpo. Mas, até

aquele momento, eu nunca havia me tocado na frente dele.


Hesitante, levei uma das mãos ao meio das minhas pernas,

afastando o tecido da calcinha por baixo do vestido que já estava


completamente solto em meu corpo. Mas Sebastian me corrigiu:

— Não é assim, senhorita. Tire as roupas.

— Quer que eu fique completamente nua na sua sala?

— É a minha orientação como seu chefe. Quero ver se está

fazendo tudo como eu lhe ensinei.

A brincadeira me excitava, mas me deixava igualmente com

uma pontinha de raiva. Quando estivéssemos em casa, eu o faria pagar

por aquilo.

Lá, era eu quem daria as ordens.

Deixei meu vestido e o sutiã escorregarem até o chão, e em


seguida tirei a calcinha, ficando apenas com meus sapatos. Não eram

os mais sexy possíveis, já que, àquela altura da gravidez, eu evitava

usar saltos muito altos. Mas, ainda assim, tornavam a coisa mais...

interessante.
Afastei um pouco as pernas, levando as pontas dos dedos até o

meu clitóris. Fiz isso olhando fixamente para Sebastian, e o primeiro

arrepio de prazer que senti foi não apenas pelo meu próprio toque, mas
pela forma como ele me olhava enquanto eu fazia aquilo.

— Faça com mais vontade, senhorita. Não vai obter sucesso

desse jeito.

E eu fiz. Deixei meus dedos deslizarem por entre os meus

grandes lábios, indo e voltando, rapidamente já lubrificados pela


umidade que saía de mim. Com a outra mão, acariciei um dos meus

seios. Meus quadris logo começaram a também se mover no mesmo

ritmo, e eu gemia, extasiada com tudo aquilo. Não apenas com o

prazer que eu proporcionava a mim mesma, mas por toda aquela


atmosfera. Por ter aquele homem ali, sentado de forma imponente de

frente para mim, admirando-me como se eu fosse a mulher mais

desejável do mundo.

Fiquei alguns minutos assim, me estimulando, sentindo


gostosos pequenos espasmos de prazer provocados pelos meus

próprios dedos. Mas não me deixei ir até o fim.

Parei o que fazia, caminhando devagar até Sebastian.


— Por que parou? — ele indagou, autoritário.

— Uma boa estagiária mostra que sabe fazer mais do que o que
lhe é esperado.

Afastei suas pernas e ajoelhei-me diante dele. Estaria mentindo

se negasse que ainda me sentia um pouquinho envergonhada com

aquilo, mas, ao mesmo tempo, deixei que o meu lado audacioso

assumisse o controle.

— Você me ensinou muitas coisas, senhor. — Abri devagar o

zíper de sua calça, olhando para o alto, estudando cada reação de seu

rosto. — Quero te mostrar como eu aprendi tudo direitinho. Sei que

existem muitas formas de gozar, mas não é com os meus dedos que
quero fazer isso agora.

Com o zíper da calça totalmente aberto, eu puxei sua cueca box

para baixo, libertando seu pau. Em seguida, contornei as mãos na sua

base. Achava que isso não era possível, mas a ereção ficou ainda
maior.

— Me avise se eu fizer algo errado, chefe — provoquei, antes

de abocanhar a cabeça do seu membro.


Um som gutural escapou da garganta de Sebastian e eu olhei

para o alto, vendo-o inspirar com força. Enquanto chupava o topo,

minhas mãos se moviam, subindo e descendo, deslizando fácil por

conta dos meus próprios fluídos em meus dedos. Fiz a anotação mental
de que, depois daquilo, íamos precisar de um banho, e já me excitei

ainda mais ao lembrar que havia um chuveiro no banheiro daquela

sala.

Um banho juntos seria uma ótima forma de finalizar tudo


aquilo.

Comecei a movimentar a cabeça para frente e para trás, até que

o topo do pau dele estivesse bem no fundo da minha garganta. As

mãos de Sebastian seguraram meus cabelos, com uma brutalidade


dosada para não me machucar.

— Layla... Vai devagar, senão eu vou...

Quase ri. O que tinha acontecido com o ‘Senhorita Francis’?

Nem tínhamos precisado voltar para casa para que ele provasse do
próprio veneno e até mesmo se esquecesse de sustentar a sua

brincadeirinha de chefe e estagiária.


Mas ele logo voltou ao personagem. Fiquei olhando em seus

olhos enquanto fazia aquilo, e ele também me encarava e dava suas


ordens, dizendo como queria que eu fizesse, em meio a elogios de

como eu era uma garota exemplar. A voz grave, autoritária e rouca, do

jeito que eu gostava de ouvir.

— Você é a minha garota exemplar — ele se corrigiu. —


Minha...

Aumentei o ritmo, sentindo-o cada vez mais pronto para

explodir de prazer. Mas ele me segurou antes disso e me empurrou, em

seguida me levantando e vindo para trás de mim. Meu corpo se


inclinou para a frente e eu apoiei as mãos nos braços da cadeira,

enquanto ele afastava minhas pernas e me penetrava por inteiro em

apenas um movimento aflito e urgente. Desta vez, não houve

suavidade alguma no início e as estocadas já começaram brutas, ambos


já mais do que prontos para aquilo.

Ainda estava bem claro lá fora, mas eu vi estrelas inebriarem a

minha visão quando alcancei o orgasmo apenas alguns segundos antes

de Sebastian gozar dentro de mim.


*****
Capítulo trinta e um

"O Sol se põe

As estrelas aparecem

E tudo que importa

É o aqui e o agora

Meu universo nunca será o mesmo

Estou feliz que você veio"

(Glad You Came – The Wanted)

13 de julho
Eu achava, até então, que nunca tinha visto nenhuma noiva tão

linda quanto Camila, mas agora encontrava outra.

Usando um vestido branco, curto, e com rendas que eram ao


mesmo tempo simples e delicadas, Evelyn parecia uma boneca com

seus cabelos escuros caindo em cachos pelo pescoço e uma coroa de

flores sobre a cabeça. Ela usava pouca maquiagem, algo bem leve,
combinando com o clima quente que fazia naquela tarde de verão e

com o local escolhido para a cerimônia.

Eu estava junto a ela e a Camila em uma tenda montada para a

noiva e suas damas de honra, e nós três já estávamos prontas,

esperando pelo momento de sair. Evy e Logan faziam questão de que a

cerimônia ocorresse durante o pôr do sol.

E eu achava aquilo tão lindo e romântico...

Por mais que eu própria não tivesse planos envolvendo

vestidos de noivas e cerimônias de casamento – meus sonhos eram


muito mais com o relacionamento e a família em si – eu via a beleza
daquilo e entendia o quanto era importante para Evelyn. E isso me
deixava feliz.

Conversávamos sobre várias coisas, já que tinha algum tempo

que não nos encontrávamos pessoalmente. Janet nos aconselhara a

evitar grandes encontros familiares, por questões de segurança. Ela


tinha sugerido, inclusive, que o casamento fosse adiado, mas Evelyn e

Logan reforçaram bastante o esquema de segurança no entorno da

faixa de praia onde a cerimônia aconteceria, e também limitaram bem

a lista de convidados e proibiram a presença de qualquer veículo de

imprensa.

Evelyn contava sobre a empolgação das gêmeas nas últimas

semanas, fazendo as provas dos vestidos que usariam para levar as

alianças aos pais no casamento, e também ensaiando como iriam

entrar, junto ao cachorro deles, um mestiço de pastor alemão chamado

Blue, que elas fizeram questão de que participassem do casamento dos

pais.

Eu amava ver a forma como Evelyn falava das gêmeas. Ela as

conheceu já com cinco anos, já que eram filhas de Logan com uma

namorada que ele teve na época da faculdade e que tinha falecido há

pouco tempo. Mas o amor que Evy sentia pelas duas era algo
perceptível no brilho em seus olhos cada vez que mencionava qualquer

coisa a respeito delas. O mesmo acontecia com Camila, que era, na


verdade, madrasta de Alice, mas a conheceu ainda bebê e se apaixonou

por ela.

Eu conseguia, de alguma forma, ver um pouco da minha mãe

nas minhas amigas. Naquele amor incondicional que sentiam por


aquelas garotinhas de quem escolheram serem, mães. Quando conheci

Evelyn, ela sempre dizia que não tinha qualquer plano de ter filhos.
Ainda agora, sempre que surgia o assunto ‘mais um filho’, ela dizia
que Logan entendia e apoiava sua decisão em não querer engravidar. A

resposta dela era sempre bem direta: “Eu já tenho duas filhas, que
surgiram em minha vida sem eu planejar, mas que amo mais do que

tudo no mundo. Elas não são menos minhas por não terem nascido de
mim”.

Nós três rimos ao final da história, que terminava com o relato


do Logan correndo pela casa atrás do cachorro que fugiu com uma das

suas gravatas na boca. As meninas tinham pegado no closet deles e


colocado em Blue para ensaiarem a entrada do casamento com seu

cãozinho ‘vestido de forma elegante’.


— Acho que vocês conseguiram a proeza de adotarem um cão

com a mesma energia e atração para travessuras que Anna e Rory —


comentei.

— Nem me fale! — Evelyn concordou. — Vou sentir tanto a


falta da bagunça dos três durante a viagem.

— Pelo amor de Deus! — Camila exclamou. — É sua lua de

mel. Os três estarão com Trinity e você e Logan vão aproveitar bem
esses dias de viagem.

— Fico preocupada... — Evelyn confessou. — Por causa de


tudo que vem acontecendo. Logan e eu cogitamos adiar, mas sabemos

que a casa de Trinity é bem segura. E também não acreditamos que


esse cara vá conseguir sair do país para nos perseguir na nossa lua de

mel na Europa.

— Provavelmente não — Camila opinou. — Se fosse em outra

data, Michael e eu ficaríamos com as gêmeas e o Blue, mas também


vamos viajar, já amanhã.

Camila e Michael haviam sido convidados para um importante


congresso de Arquitetura que ocorreria em Boston. Como Trinity já
ficaria com as gêmeas, eles optaram por levar os filhos juntos. Seus
pets – eles tinham também um cachorro, além de um gato – ficariam
com a avó de Camila.

— Acho que tudo ficará bem — opinei. — Ninguém nem sabe

ainda o que motivou aquele homem a atentar contra o Sebastian, nem


se qualquer pessoa relacionada a ele está mesmo em perigo.

Sem contar que o fato de ele não ter voltado a tentar qualquer
coisa nos trazia certa sensação de segurança. Sabia que era algo incerto

e que precisávamos seguir tomando os cuidados. Mas nossas vidas já


tinham sido alteradas demais. Seguindo com todas as precauções
possíveis, Logan e Evelyn poderiam ir para sua Lua de Mel, assim

como Camila e Michael para o congresso – que era, inclusive, uma


realização profissional muito importante para a minha amiga.

— Então... Por falar em Sebastian... — Camila disse. —


Quando eu comecei a sair com Michael, nunca imaginaria que minha

melhor amiga de infância e minha melhor amiga do trabalho fossem


terminar agarrando os outros dois irmãos Turner.

Evelyn riu e as duas olharam para mim. Porque, obviamente, a


novidade ali era justamente o meu relacionamento com Sebastian.
Fazia poucas semanas que eu havia contado a elas. De início,
antes da declaração dele dizendo que me amava, eu estava ainda um
pouco insegura, pensando que talvez fosse uma coisa que não duraria,

ao menos não muito tempo depois que o bebê nascesse. Depois, eu


simplesmente não voltei a encontrá-las pessoalmente, e nossas trocas

de mensagens estavam muito focadas no casamento de Evelyn e, em


momentos mais tensos, em conversas sobre o homem que adulterou os
freios do carro de Sebastian, que seguia foragido.

Além disso, eu sofria com mais uma insegurança: Evelyn não

tinha convivido muito tempo com Bonnie, mas Camila sim, e a

adorava. Confesso que sentia um pouco de receio de como minha


amiga lidaria com isso.

Um medo bobo, já que ela lidou da melhor forma possível.

Quando contei, a reação das duas foi algo no estilo ‘nós já

desconfiávamos’, do mesmo jeito que Sylvie fez. Será que estava tão
na cara assim?

— O que eu posso dizer é que... Eu também não me imaginava

aqui neste momento com o meu patrão Sebastian Turner — declarei.


— Mas a gente, sinceramente, já imaginava há um tempinho —

Evelyn falou. — Ao menos alguns meses, desde que você saiu do


hospital.

— De certa forma, um pouco antes — Camila declarou. — Ao

menos da parte dele. A forma como se dedicou a cuidar de você no

hospital... No início, eu achava que fosse por culpa... e talvez


realmente fosse, mas... Logo deu para perceber que havia sentimento

no que ele fazia.

Não pude evitar um sorriso ao ouvir aquilo. Mas não me

surpreendia. Eu já sabia que Sebastian se dedicou muito a cuidar de


mim no período que eu passei em coma, e ele próprio já havia me

contado que se apaixonara aos poucos enquanto eu ainda dormia. Mas

ouvir a confirmação disso vindo de outra pessoa só fazia o meu


coração se aquecer ainda mais.

O assunto foi interrompido quando Anna e Aurora adentraram

a tenda, correndo, ambas usando vestidos que pareciam uma réplica

em miniatura do de Evelyn e usando também coroas de flores sobre


seus cabelos castanho-claros. Logo atrás delas entrou Alice, também

correndo, e usando um vestidinho branco e bem rodado, com as bordas


estampadas com borboletas no mesmo tom de azul do meu vestido e

do de Evelyn. Depois, veio Trinity, trazendo Eric nos braços.

— Meu Deus, querida, como você está linda! — Trinity

declarou, logo que viu Evelyn, indo abraçá-la.

Eu ainda conhecia muito pouco Trinity Turner. Nas outras


vezes em que a vi, senti-me um pouco tímida pelo fato de ela ser uma

conceituada atriz de Hollywood. Eu tinha crescido assistindo filmes

dela, alguns deles eram até hoje meus favoritos. E eu ainda sentia esse
sentimento de timidez provocado pela admiração, mas agora já vinha

junto a outro motivo: o fato de ela ser mãe do homem que eu amava.

E eu ainda não sabia como, exatamente, ela via a nossa relação.

Talvez me visse como uma intrusa, por surgir na vida de seu filho
menos de um ano depois da morte de Bonnie. Ou, talvez, como uma

interesseira, já que eu era uma simples estagiária na Turner

Architecture.

Contudo, ela conseguiu eliminar toda a minha insegurança


quando, após abraçar Evelyn e Camila, virou-se de frente para mim.
— Até que enfim estamos no encontrando novamente, agora

com você sendo mãe de mais um netinho meu!

E ela me puxou para junto dela em um abraço tão apertado, que

achei que eu fosse me sufocar.

— Isso não é uma coisa incrível? — ela perguntou. — Sou

ainda uma mulher tão jovem, mas já tenho cinco netos! É nisso que dá

ser mãe tão nova, não é? Eu não devia ter nem a sua idade quando tive
Sebastian.

Sorri, embora soubesse que aquilo não era exatamente verdade.

Trinity era uma pessoa pública e, apesar de eu nem ser ainda nascida

durante seus anos de sucesso no cinema, sabia de algumas coisas a seu


respeito, como do fato de ter se aposentado aos quarenta e poucos

anos, quando seus três filhos eram ainda crianças. Quando Sebastian,

que era o mais velho, nasceu, ela já devia estar perto dos trinta anos.

Mas Sebastian já tinha me alertado que sua mãe tinha certo


problema para admitir a própria idade e que era bem mais seguro para

todos apenas concordarem.

— É mesmo incrível, senhora Turner... — falei.


— Ah, pare com essa bobagem e me chame apenas de Trinity,

somos família agora.

Eu era família... de Trinity Turner?

Meu Deus... lembrei-me do quanto minha mãe amava os filmes

dela. Ela ficaria tão feliz em conhecê-la.

— Obrigada. Significa muito para mim. Minha mãe era... era

uma grande fã sua...

Senti minha voz falhar, mas Trinity acolheu meu rosto com as

mãos, fitando-me com um carinho quase maternal.

— Ah, minha querida... Eu também perdi a minha mãe quando


era muito jovem, sabia? E ainda tive uma péssima sogra. Nossa, aquela

mulher era horrorosa, que Deus a tenha! Você não vai passar por isso.

Estou aqui para cuidar muito bem de você. Cami e Evy podem

confirmar para você que eu sou uma ótima sogra.

— Eu não tenho do que reclamar — Camila se apressou em

dizer.
— Muito menos eu — Evelyn reforçou. — Especialmente

porque ela vai cuidar das gêmeas por mais de uma semana, não sou
nem louca de reclamar.

— Ah, sua interesseira! — Trinity retrucou.

Todas riram. Anna começou a falar sobre como estava ansiosa

para ficar na casa da avó, e Aurora confirmava tudo, usando sinais

com as mãos – já que tinha deficiência auditiva e não era oralizada.

Ali, no meio delas, eu me senti feliz e acolhida.

Era como estar em família.

Pensei em todos os medos que senti quando descobri estar

grávida. Mas, agora, eu só conseguia sentir gratidão por saber que meu

filho cresceria cercado por muito amor.

*****
Capítulo trinta e dois

"Como uma estrela pelo meu céu,

Como um anjo fora da página,

Você apareceu na minha vida,

Parece que eu nunca vou ser a mesma,

Como uma canção em meu coração,

Como óleo em minhas mãos,

É uma honra amar você"

(Like A Star – Corinne Bailey Rae)


Trinity tinha ido avisar a respeito do horário. O sol iria se pôr

em alguns minutos e, desta forma, já poderíamos iniciar o casamento.


Uma cerimonialista assumiu a organização de tudo.

Camila e eu saímos da tenda e nos posicionamos como

madrinhas próximas ao altar, do lado onde Evelyn ficaria. Já Sebastian

e Michael ficaram do lado oposto, onde um ansioso Logan aguardava a


chegada de sua noiva.

Sentando-se na primeira fileira de cadeiras, Trinity chorava,

emocionada, segurando o neto Eric nos braços. Janet, no papel de uma

figura quase materna para Logan e os irmãos, estava também ali,

sentada ao lado do marido. Os pais de Evelyn não foram ao casamento,

já que ela tinha se afastado deles por conta de uma vida inteira de um
relacionamento familiar conturbado. Quem ocupava este lugar na

cadeira ao lado da mãe do noivo era Jenna, avó de Camila, que sempre

considerou Evelyn como uma neta. E ela também estava muito

emocionada.

Olhando aquilo, para o tanto de amor que elas tinham uma pela

outra e o quanto tinha sido saudável para Evy se afastar de seus pais,
eu pensava na minha própria história de vida. Eu nunca tive qualquer
interesse em procurar pelos meus pais biológicos e estava bem com

relação a isso. Minha maior tristeza sempre foi relacionada à rejeição

do meu pai adotivo. Mas Sebastian tinha razão quando me dizia que

ele nunca tinha sido meu pai. Mais do que sangue ou documentos,

família era uma questão de escolhas.

Eu teria minha mãe para sempre em meu coração. Tinha a

minha irmã, minhas amigas, em breve teria também um filho...

E tinha Sebastian...

Olhei para ele, que estava bem de frente para mim, do lado

oposto do caminho por onde Evelyn viria. E o flagrei também olhando

para mim, com um meio-sorriso entre os lábios. Ele estava lindo

demais, usando uma calça de cor clara e uma camisa social branca, em

um traje parecido com o dos irmãos.

Apesar de toda a simplicidade, havia uma única extravagância

naquele casamento: um piano, bem ali na praia. Diante dele, uma

jovem pianista começou a tocar uma linda melodia, anunciando que

tinha chegado o momento.


Quem entrou primeiro foi a pequena Alice, jogando pétalas de

rosas pelo caminho. A garotinha arrancou sorrisos de todos os


convidados.

Logo em seguida, veio a esperada noiva.

E, então, todos se emocionaram. Olhei para Logan, vendo a


forma completamente apaixonada com que ele a olhava.

A cerimônia foi breve, porém linda. Os raios alaranjados do sol


se pondo tornavam tudo ainda mais belo e especial.

Já próximo ao final, foi a vez de as gêmeas entrarem, junto

com o cachorro da família, o Blue, que levava as alianças em sua


coleira.

Depois da troca de votos do casal, que voltou a emocionar


todos os presentes, eles se beijaram. Enquanto aplaudíamos, troquei

mais um demorado olhar com Sebastian. Ele tinha lágrimas nos olhos
e no rosto, e eu sabia que, apesar da felicidade pelo irmão, havia ali
também um resgate da tristeza pela partida da sua esposa. Eu sabia que

era algo que ele sentiria para sempre. Porém, em meio a isso, ele sorriu
para mim. Mostrando que, apesar de toda a tristeza, ele estava pronto

para recomeçar.

E eu estava pronta para estar ao lado dele naquele recomeço.

*****

Por questões de segurança, a festa após o casamento não durou


muitas horas, e nós logo voltamos para casa. Entramos de mãos dadas,

conversando animados sobre a cerimônia e rindo do momento em que


Alice tentou escalar a mesa do bolo.

— Todas as crianças da família Turner têm esse histórico de


comportamento... animado? — perguntei, rindo junto a Sebastian com

a palavra que usei.

— Bem, de nós três, quando crianças... o mais disciplinado

sempre foi o Logan. Mas até ele aprontava de vez em quando.

— Então você também era levado igual às suas sobrinhas?


Aliás, Eric ainda é muito pequeno, mas já dá para ver que vai seguir os
passos da irmã nas travessuras.

— A Alice é quase uma cópia do Michael nessa idade. E, sim,

o Eric com certeza vai seguir os mesmos passos. Eu era levado, sim,
mas não tanto quanto nosso irmão caçula. Mas acho que ninguém

supera Anna e Aurora. Engraçado serem filhas justamente do Logan,


que era o irmão mais tranquilo.

— Ah, mas a Evy sempre conta que foi também muito


travessa. Elas podem ter puxado isso dela, e... — Calei-me por um

momento e percebi no olhar de Sebastian a dica para a bobagem que


eu estava falando. — Eu sempre me esqueço de que elas não são filhas
da Evelyn.

— Normal. Eu também me esqueço. Eu diria que parte do

comportamento vem das vivências, mas as duas já eram levadas


demais quando Evelyn as conheceu, então ela não pode levar créditos
por isso.

Seguíamos caminhando pelo quintal da casa, até chegarmos à

parte da piscina. Pensei que dali entraríamos pela porta da cozinha,


mas Sebastian me surpreendeu ao me puxar até as escadas que iam
para a praia. Descemos, chegando até a areia. Fiquei preocupada por
um instante, mas logo olhei de volta para a casa e vi dois seguranças
observando lá de cima.

Por um segundo, lamentei pela falta de privacidade completa.


Mas sabia que, naquele momento, isso era necessário pela nossa

proteção.

Paramos diante do mar e me permiti fechar os olhos por algum

tempo, sentindo a brisa fresca contra o meu rosto. Quando tornei a

abrir as pálpebras, levantei o rosto, olhando para o céu. Estava uma


noite linda, cheia de estrelas. Muito mais do que conseguíamos ver

normalmente no céu de uma cidade grande como Los Angeles.

Quando olhei para o lado, percebi que Sebastian também

olhava para o alto e isso trouxe uma onda de calor ao meu peito.
Lembrei-me de um desenho que tinha feito há alguns anos, nas páginas

do meu diário, que também servia como um caderno de ilustrações e

de reflexões. A casa em frente ao mar que desenhei ali era bem


simples, nada nem comparado à mansão que eu agora dividia com

Sebastian, mas a parte que mais me importava era justamente aquela: a

do som das ondas batendo, da brisa fresca, do cheiro de maresia...

E ter alguém ao meu lado para olhar as estrelas comigo.


— Acho que nosso filho será muito feliz aqui — declarei.

Sebastian me olhou, com um leve sorriso entre os lábios.

— Foi esse pensamento que me levou a comprar essa casa.

— Eu preciso começar a procurar um lugar para mim também.

Percebi que o sorriso dele estremeceu. Mas aquele já era o

combinado desde o início: que minha presença ali era apenas

temporária.

— Você não precisa. A não ser que queira.

— Nós não precisamos morar juntos para estarmos juntos.

— Gosto da forma como estamos, Layla. De verdade.

Aquele era um convite para que eu continuasse por ali? Se

fosse, eu precisava que ele dissesse aquilo de forma mais direta.

Ele segurou minha cintura, virando-me de frente para ele.

Colocou uma das mãos sobre a minha barriga, encostou sua testa na

minha, e eu senti...

...Tanta paz.
Fechei os olhos, sendo imersa de um sentimento tão incrível de

conforto e segurança. Era como se eu estivesse onde eu sempre

devesse estar.

Então eu percebi que nenhuma palavra mais direta precisava


ser dita. Eu sabia que Sebastian me queria ali. Tanto quanto eu queria

estar ali.

E este ‘ali’ não era meramente um lugar. Não era a casa ou a

praia, nem mesmo as estrelas sobre nós.

Sebastian era o meu lar.

— Me conte algo seu que pode soar meio bobo e banal — ele

pediu, relembrando-me do jogo que eu tinha feito com ele há alguns

meses.

— Gosto de estrelas — confessei.

Ele afastou a testa da minha e me olhou, ainda mantendo uma


mão em minha cintura e outra em minha barriga.

— Algo que não seja tão óbvio.

— Pediu para que eu contasse algo bobo e banal.


— Quase todo mundo gosta de estrelas.

— Você não disse que devia ser algo exclusivo meu.

Ele revirou os olhos.

— Vou refazer a pergunta, então: me conte algo que eu ainda


não saiba sobre você.

— Você destrinchou todo o meu Instagram, tem muita coisa

que sabe a meu respeito.

— Aposto que nem tudo.

Bem, ele tinha razão. Eu não escrevia absolutamente tudo em


uma conta pública do Instagram. Tinha meus sentimentos guardados e

meus segredos. Pensei em algum que fosse minimamente interessante.

— Eu tenho muito medo de temporais.

— Isso eu meio que já sabia.

— Como? Não me lembro de ter postado nada a respeito.

— Estava chovendo na noite do acidente. Por isso paramos no


hotel. Eu percebi que você estava tensa. Existe algum motivo por trás
desse medo?

Existia. E era algo que eu também não costumava contar a

qualquer pessoa.

— Eu nem sei muito bem como tenho recordações disso, já que

era muito pequena. Mas me lembro muito vagamente de cair uma


chuva muito forte no meu último dia em um dos lares temporários que

tive. Lembro de sentir muito medo dos sons dos trovões. E que a

minha ‘mãe temporária’ estava impaciente para a chuva parar logo.


Depois eu descobri o motivo: logo que parou de chover, ela me

colocou dentro do carro e me levou de volta para o abrigo.

A mão de Sebastian subiu até o meu rosto, acariciando-o.

— Você passou por coisa demais, Lay. Eu só queria poder curar

todas essas feridas da sua alma.

— Como eu disse, eu nem me lembro direito disso. Só alguns


flashes, era ainda muito pequena. Mas a coisa do medo de chuva ficou

forte. Eu superei, de certa forma, até que, muitos anos depois...

Também chovia muito no dia que minha mãe morreu. Esse medo em
mim reacendeu com isso. — Forcei um sorriso. — Como pode, não é?
Medo de chuva é quase um trauma infantil, que eu voltei a

desenvolver depois de adulta.

— Traumas podem vir em qualquer momento da vida.

— É. ...Bem, me conte alguma coisa sua também.

— Tipo o quê?

— Algum medo infantil?

— Quando criança eu tinha medo de... palhaços.

Comprimi os lábios, contendo o riso.

— Sério?

— Juro que isso passou depois que cresci. Mas, sinceramente,


ainda não simpatizo muito com circos.

— Vou me lembrar de nunca te convidar para ir a um. Seu


medo tem alguma motivação?

— Acho que só vi alguns muito feios e assustadores quando

criança, em algum set de filmagem enquanto acompanhava a minha

mãe.
— Nem todos os palhaços são feios. Alguns são fofos e
simpáticos.

— Não são, não. Eles são todos medonhos.

— Disse que tinha superado o medo.

— O medo, sim. Mas não a antipatia por eles. Sua vez, me

conte mais alguma coisa.

Pensei em mais algo que não tivesse ainda contado a ele.

Existiam algumas coisas, na verdade. Mas parte delas me deixavam

constrangida de mencionar, então voltei às relacionadas com a

infância.

— Eu era bem briguenta nos meus primeiros anos escolares.

Fui expulsa da primeira escola onde estudei depois de ser adotada.

— Ah, não...

— O que foi?

— Não bastasse nosso filho ter metade do sangue dos Turner, a


outra metade é de uma mãe que era briguenta quando criança?
— Talvez a gente seja chamado com frequência na escola.

Nós dois rimos juntos, mas logo deixei de sorrir, recordando-

me dos desdobramentos daquele meu comportamento.

— Eu não me lembro de quase nada da minha vida antes de ser


adotada, mas minha mãe me contava que eu era muito arredia nos
primeiros meses de adoção. E eu fui assim durante uma grande parte

da minha vida. Sempre meio desconfiada. Por muitos anos eu tive


muita dificuldade de confiar nas pessoas.

Ele balançou a cabeça de forma afirmativa, mas parecia


pensativo a respeito.

— Tinha motivos para ser assim.

— Eu morei em dois lares temporários até ser adotada, e nas

duas vezes fui devolvida ao abrigo. Acho que é mesmo difícil confiar
em alguém depois de passar por isso.

— E hoje, você se considera uma pessoa que confia nos


outros?
— Hoje, sim. Eu mudei muito desde que fui para a faculdade,
acho que a maturidade faz isso. Mesmo tendo quebrado a cara algumas
vezes, eu aprendi a confiar. Acho que a Camila foi a minha primeira

amiga de verdade. E depois ela me apresentou a Evelyn. E depois eu...


conheci você.

Ele voltou a acariciar o meu rosto. Senti naquele toque uma

angústia que imaginava ser por tudo o que eu tinha contado. Aquilo
que tinha começado com a brincadeira do ‘conte-me algo bobo e
banal’ tinha virado praticamente uma sessão de desabafos. Mas eu me

sentia confortável para isso com Sebastian. Aquelas eram coisas que
eu realmente não costumava contar a mais ninguém.

Mas eu confiava nele.

— Ei... — chamei. — Desculpa, era para ser um momento


leve, e estou aqui, lamentando a minha vida.

— Não, Lay... Nunca se desculpe por isso. Eu só estava


pensando que... eu fui tão cruel com você naquela noite, com o que eu

disse no carro sobre a sua mãe. Você tinha me contado um único fato
da sua vida e eu o usei contra você. Como você conseguiu voltar a

confiar em mim depois daquilo?


— Você não estava bem naquele noite. E eu também não. Às
vezes a gente fica meio babaca em momentos assim.

— Você não foi babaca em nenhum momento.

— Eu tirei o cinto de segurança e mandei você encostar o carro

para eu descer em uma autoestrada. Isso foi bem estúpido da minha


parte.

— Foi por minha causa. Se eu não tivesse dito aquilo, você não
teria aquela reação. E talvez não tivesse se ferido daquele jeito no

acidente.

— Não se culpe mais por isso, tá? Você cuidou de mim depois
daquilo. Todos que estavam lá, até mesmo a Sylvie que não simpatiza
tanto com você, me contam sobre o quanto você foi cuidadoso e

dedicado a mim. E é por isso que eu me sinto tão segura com você. E
que confio tanto em você.

— Escuta, Lay... Tem algo que preciso te contar.

Balancei a cabeça em concordância, olhando-o enquanto


esperava pelo que teria a me dizer. Ele se manteve em silêncio por
alguns instantes, como se refletisse a respeito, como se procurasse as

palavras certas para me contar alguma coisa importante.

Até que, enfim, disse algo, de forma séria.

— Eu amo você.

Sorri, jogando-me nos braços dele e deixando que ele

contornasse meu corpo em um abraço.

— Também amo você, Sebastian Turner.

Ele me beijou, me dando ainda mais certeza de que, depois de


uma vida inteira de abandonos, eu enfim me sentia plenamente em um
lar.

*****
Capítulo trinta e três

"Estaremos vivendo em cores

Ontem foi preto e branco

Não mais olhando por cima do meu ombro

Estaremos no paraíso

Eu sei que há algum lugar melhor

Longe daqui, somos ouro

Desde que estejamos juntos"

(Runaway – P!nk)
14 de julho

Todo o desabafo de Layla sobre confiança me fez perder o


sono naquela noite. Porque eu não conseguia deixar de pensar que, de

certa forma, eu havia quebrado a dela.

Lembrava-me do dia em que entregara a ela o seu diário,

depois de tê-lo guardado comigo durante o período em que ela esteve

em coma. E ela apenas o pegou, sem fazer qualquer pergunta a


respeito. Na verdade, em determinado momento ela chegou a me

agradecer. Disse que era grata por eu não o ter entregado a Sylvie,

porque estava certa de que sua irmã o leria.

Ela me agradeceu... por eu guardar os seus segredos.


Acreditando que eu não tinha chegado a lê-los.

Em minha defesa, eu poderia explicar a ela como tinha lido o

primeiro trecho, meio sem querer, por avistar meu nome quando o

caderno caiu e se abriu. Era natural que eu acabasse lendo algo onde o
meu nome era citado, não era? Eu deveria ter parado naquela página,

mas minhas mãos me traíram e acabei passando para outras...


Mas percebi o meu erro a tempo e parei. Até que outra ocasião

me levou a abrir o caderno – para procurar por seu documento de


identificação – e novamente me vi preso pelos desenhos e pelo texto

que encontrei ali.

Contudo, mais uma vez, tinham sido apenas algumas páginas, e

eu parei em seguida. Foram o quê? Umas quatro datas lidas, em meio


às centenas que havia ali.

Eu tentava arrumar mentalmente argumentos para defender o


que fiz, mas percebi que o único deles era: “eu fiz algo errado, mas

podia ter feito pior, e ainda assim não fiz”. O que era ridículo em
incontáveis níveis.

De qualquer maneira, eu precisava contar aquilo a Layla. E o


mais rápido possível, Quanto mais tempo passasse guardando aquele

segredo, mais me sentiria traindo a confiança dela.

Pensava a respeito de tudo aquilo enquanto preparava o café da


manhã. Era cedo demais para um domingo, mas eu não tinha
conseguido dormir, por isso decidi me levantar e fazer algo.
Achei que Layla fosse demorar ainda um pouco para acordar,

mas vi que estava enganado quando ela atravessou a porta da cozinha,


ainda de pijama, vindo até mim me cumprimentar com um beijo.

— Bom dia, amor. Por que acordou tão cedo?

O que eu responderia a ela? Deveria ser sincero em contar que


eu sequer tinha dormido? Talvez fosse a melhor opção, assim já

emendaria explicando os motivos disso.

No entanto, antes que eu conseguisse responder, percebi que

ela se sentava diante da ilha da cozinha, olhando um tanto preocupada


para o celular.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntei.

— Recebi uma mensagem de Sylvie essa noite, pedindo para


eu ligar para ela o mais rápido possível. Ela a enviou às duas da

manhã, ainda não são nem oito. Deve estar ainda dormindo a essa
hora, não é? Por isso eu respondi com outra mensagem pedindo para
ela me avisar quando acordar.

— Deve ser alguma coisa de adolescente, não? Ela deve estar

querendo algum conselho seu.


— É isso o que me preocupa. Sylvie é do tipo que não pede
conselhos, a não ser que esteja encrencada.

— Em que tipo de encrenca ela se meteria às duas da manhã?


Você mesma diz que ela não é de ir para festas e que tem um horário

rígido para voltar para casa.

— Pois é. É isso o que me preocupa. Bem, vou esperar que ela

me avise, e então eu ligo para ela. — Layla voltou a me olhar e sorriu.


— E você? Por que caiu da cama tão cedo?

— Nada demais, na verdade. E hoje é domingo. Podemos


voltar para a cama.

— Sei. Algo me diz que não é para dormir, não é?

Não era. Nem para o que ela provavelmente estava pensando.

Claro que eu adoraria passar o domingo fazendo amor com ela,


mas naquele dia estava disposto a contar a respeito do diário. Não ia
mais adiar aquilo.

Então, podíamos tomar nosso café da manhã com calma,

conversar um pouco mais, então voltar para a cama, onde eu a


abraçaria, diria que a amava, e...

Pediria desculpas por ter sido um idiota, e então contaria tudo a

ela.

Era um ótimo plano. Já conhecia Layla bem o suficiente para


saber que ela ficava um pouco menos paciente quando estava com
fome. Seria ótimo alimentá-la antes da conversa.

Terminando de preparar os ovos, eu os coloquei em um prato e

servi para Layla, depositando um beijo em seus lábios e voltando para


o fogão na intenção de preparar outro para mim. Neste momento, o

celular dela tocou.

Ela atendeu com bom humor:

— Foi dormir mais de duas e já está acordada antes das nove?

Mas o que é que está acontecendo? — Ela fez uma pausa e, quando
voltou a falar, já parecia tensa. — Calma, Syl... Fala devagar... O que

aconteceu?

Virei-me de frente para Layla e percebi que ela estava

preocupada, agora segurando o celular com as duas mãos.


— Eu não acredito que ele fez isso... Acalme-se, meu amor...

Não, ele não vai fazer nada... Não, ele não pode fazer isso... Se ele
tentar qualquer coisa, eu o denuncio ao conselho tutelar e pego a sua

guarda para mim. ...Acalme-se, Syl...

Layla se levantou, começando a andar de um lado para o outro,

indo da cozinha para a sala. Desliguei o fogão e fiquei a postos. Se


aquele maldito Albert tivesse feito qualquer coisa contra a menina, eu

mesmo iria lá dar um jeito nele.

Aguardei cerca de vinte minutos até que Layla encerrasse a

ligação e retornasse à cozinha, parecendo furiosa.

— Aquele... aquele... babaca!

Ela estava com muita raiva. Mas, aparentemente, ‘babaca’ era

o máximo de insulto que ela conseguia usar contra Albert.

— O que ele fez, Lay?

— Ele descobriu sobre o namoro da Syl. Disse a ela coisas

horríveis. Ameaçou tirá-la da escola. Tentou tirar o celular dela, mas


ela se trancou no quarto e não deixou.
— Ele não pode tirá-la da escola contra a vontade dela.

— Não pode. Se fizer isso, eu pego a guarda dela para mim,

terei respaldo para isso. Junto ao fato de que ele está sempre

embriagado e mal para em casa.

— Tenho ótimos advogados, Lay. Se é o que vocês duas


querem, vamos adiante nisso.

— Você me ajudaria com isso?

Ela realmente ainda tinha essa dúvida? Eu faria qualquer coisa

para vê-la feliz.

Aproximei-me dela e a abracei.

— Ele a machucou? Tentou algo contra ela? — indaguei,

preocupado.

— Não fisicamente. Mas... sabe como ele descobriu tudo?

— Como?

— Ele pegou o celular dela quando ela estava dormindo. Usou

o próprio dedo dela para desbloquear a tela, e abriu as mensagens. Mas


especificamente, as mensagens que ela trocava comigo.

— Que homem doente. Por que ele fez isso?

— Provavelmente por achar que eu sou uma péssima influência


para a Sylvie. E certamente acredita ter confirmado isso, porque ela

me contou sobre o início do namoro por mensagens de texto. Ele leu,

ficou furioso e a acordou com gritos.

— Ela deve ter ficado muito assustada.

— Ficou. Como ele pôde fazer isso? Ele nunca foi o melhor
dos pais para mim, mas sempre foi bem melhor com Sylvie. Eu não

imaginava que ele fosse capaz de chegar tão baixo com ela. Invadir a

privacidade dela desse jeito? Entendo pais que querem saber o que e
com quem seus filhos menores conversam na internet, mas... Era uma

troca de mensagens comigo, que sou irmã dela. Algo tão pessoal. Isso

foi... foi horrível.

— Eu sei... eu sei, Lay...

Eu sabia.
E sabia, também, que o que Albert tinha feito ainda poderia ser

justificado como superproteção de um pai. Diferente de quando eu

tinha feito praticamente o mesmo com a Layla.

Eu não tinha essa intenção...

Mas a intenção pouco importava perto do que eu tinha feito.

— Lay, a gente precisa conversar... — falei.

Ela se afastou um pouco para me olhar nos olhos, mas ainda

mantive minhas mãos em sua barriga. Layla ficou me olhando,

aguardando que eu começasse o que tinha para contar. Tomei fôlego

para isso, mas minha voz foi interrompida pelo som da campainha.

— Quem será a essa hora? — ela questionou, curiosa.

Eu também estaria curioso, caso o sentimento mais forte em

mim não fosse o de raiva por seja lá quem teria interrompido aquilo.

Afastei-me de Layla e fui para a sala. Percebi que ela me

seguiu a passos mais lentos.

Logo que abri a porta, dois pequenos raios de cabelos

castanhos entraram correndo pela casa, sendo seguidas por... aquilo era
um cachorro?

— Tio Sebastiaaaaaan! — Anna vibrou, voltando correndo até

mim e abraçando minhas pernas.

Olhei mais adiante, vendo Aurora subir de pé em cima do sofá,

sendo seguida por Blue.

— Mas o quê... — comecei a falar, mas minha voz foi

interrompida pela de minha mãe.

— Que bom que vocês já estão acordados, tive medo de que


fosse ainda muito cedo. — Ela olhou para Layla, que parou ao meu

lado. — Layla, querida, como está? Nossa, eu te vi ontem mesmo, mas

hoje já parece que sua barriga cresceu mais. Ah, que bobagem, devem
ser as roupas, não é?

— Mãe? — falei, assombrado, olhando para minha mãe parada

em minha porta. Ao seu lado estava uma mala infantil, com desenhos

de unicórnios.

Olhei mais adiante, encontrando um homem de terno, na faixa


dos quarenta e poucos anos, parado no jardim. Ele acenou para nós.
Layla acenou de volta, confusa. Já eu, estava perdido demais para
conseguir ter alguma reação.

— Quem é aquele cara? — indaguei.

— Ah, é o Mark.

— Mark? Que Mark, mãe?

— Ele era um dos seguranças lá de casa. Agora é um pouco


mais do que isso, se é que me entende. Já assistiu aquele filme da

Whitney Houston com o guarda-costas?

— Você... Está namorando um dos seguranças?

— Às vezes o amor surge onde menos se espera.

— Como assim, mãe? O que aconteceu com o Leon?

Por que diabos eu ainda fazia aquele tipo de pergunta?

Ela balançou as mãos diante do rosto, como se não fosse nada

demais.

— As coisas entre nós não deram certo. É uma longa história,


filho. Enfim, aquele é o Mark. Vai adorar conhecê-lo.
Eu já devia estar acostumado às trocas frequentes de
namorados da minha mãe. Até que Leon tinha durado tempo demais.

Mas aquele não era o fator mais importante daquele momento.

— O que faz aqui tão cedo? — perguntei. — Com as meninas,


e... o cachorro...

— Blue, não pode comer a almofadaaaa! — Anna gritou,


soltando minhas pernas e entrando correndo, indo puxar a almofada

que o cachorro mastigava. Os dois, então, começaram uma espécie de


cabo de guerra.

Voltei a olhar para a minha mãe, exigindo uma explicação.

— Vocês não vão acreditar! — ela começou, empolgada. —


Ontem à noite eu recebi um telefonema de ninguém mais, ninguém

menos que Richard Muller.

— O cineasta? — Layla perguntou, parecendo impressionada.

Já eu, me impressionei com o som de tecido sendo rasgado. A


almofada com a qual Anna e Blue brincavam havia praticamente
explodido pela sala, e agora Aurora já rodopiava no chão com as mãos
para o alto, como se a espuma fosse flocos de neve.

— O cineasta! — minha mãe confirmou. — Ele quer fazer um


teste comigo para ser protagonista do seu próximo filme. Não é

maravilhoso?

— E você não podia nos contar isso pelo telefone? — indaguei.

— Você não entendeu, Sebastian. O teste é amanhã. Preciso


viajar ainda hoje.

— Como assim viajar? Hollywood fica a menos de uma hora


de carro daqui.

— O teste será em Miami.

— O quê?

— Richard está no momento em meio às gravações de outro

filme. E já precisa fechar o elenco para o próximo. Ele aceitou fazer os


testes comigo no set. Será só uma formalidade, porque ele disse que,
se eu quiser, o papel já é meu.
— Pode pular as formalidades, então? Para que precisa ir para
lá? — eu me desesperei, pensando nos rumos que aquilo iria tomar.

— São formalidades necessárias, filho. E, bem... eu não tenho

como levar as crianças e o Blue comigo. Camila e Michael também


estão viajando, por isso...

— Não, mãe...

— Pensei que você poderia...

— Não diga, por favor...

— Cuidar das meninas.

Abri a boca para responder, mas o som de algum objeto sendo


quebrado chegou aos meus ouvidos.

Layla correu para resolver seja lá o que as gêmeas tinham


aprontado, e eu continuei ali estático, de frente para a minha mãe.

— Elas não podem ficar comigo, mãe. Layla e eu vamos para a

empresa amanhã.

— Você é o chefe. Pode tirar uns três dias de folga.


— Três dias?

— Talvez quatro. Richard disse que seria importante se eu

fosse jantar com alguns patrocinadores do filme.

— Quatro dias?

— Filho, foi você quem me incentivou para voltar ao cinema.

Eu disse que só faria isso se fosse em grande estilo, e essa é a melhor


oportunidade que vou conseguir. Não quer que eu desista, não é?

Ela me lançou o seu melhor olhar de mãe dramática. Melhor

ainda: mãe dramática e atriz, que tornava aquele pedido ainda mais
difícil de ser negado.

Que droga, como eu diria não em uma situação daquelas?

— Que bom que vai me ajudar nisso, filho! — Ela me abraçou.


Mas eu podia jurar que nem tinha conseguido responder nada. —
Obrigada. E obrigada também, Layla! Vejo vocês em alguns dias,

trarei presentes de Miami. Rory, Anna, vovó ama vocês!

E antes que eu conseguisse sequer abrir minha boca para


responder, ela deu meia-volta e praticamente sumiu da minha vista.
— Rory, querida, desça daí! — ouvi a voz de Layla.

Em seguida chegou aos meus ouvidos o som de algo se


quebrando na cozinha, denunciando que, se Aurora estava em cima de
algum lugar na sala de onde deveria descer, Anna aprontava algo na

cozinha. Blue passou correndo por entre as minhas pernas e quase me


derrubou, carregando na boca algum objeto que não consegui
identificar.

Era um cenário do mais completo e absoluto caos.

*****
Capítulo trinta e quatro

"Se ao menos você visse o que eu posso ver

Você entenderia porque eu te quero tão desesperadamente

Agora mesmo eu estou olhando para você

E eu não consigo acreditar

Você não sabe

Você não sabe que você é linda

Mas é isso que te torna linda"

(What Makes You Beautiful – One Direction)


— Nós vamos ser péssimos pais...

Parado ao meu lado, assistindo comigo a zona de guerra na

qual a sala havia se transformado, Sebastian só conseguiu movimentar


a cabeça em concordância.

— Pelo menos será apenas um bebê, não é? — Ele olhou para

mim, assombrado. — Não tem chance nenhuma de ter algum outro

escondido que não conseguimos ver pelo ultrassom, tem?

— Acho que, com os exames modernos atuais, esse tipo de

coisa já não acontece mais. ...Meu Deus, e se acontecer? Sua mãe disse

que achou a minha barriga maior. Seu irmão teve gêmeas e essas
coisas são genéticas. E se forem dois bebês? Sebastian, como vamos

sobreviver se forem dois bebês?

Eu ia pedir para ela não entrar em pânico, mas o som de mais

alguma coisa sendo derrubada no chão chegou aos meus ouvidos,

fazendo-me perceber que... Puta que pariu, eu também estava


apavorado.
Teríamos mais uma criança Turner. Mais um pequeno furacão
como Alice, Eric, ou aquelas duas garotinhas que no momento davam

gritos eufóricos enquanto brincavam de pega-pega, derrubando

qualquer coisa que surgisse em suas rotas.

Mas eu era um homem adulto. Ainda por cima, prestes a me


tornar pai. Não poderia ser derrotado por duas garotinhas. Eu era

plenamente capaz de colocar aquela situação sob controle.

— Meninas, prestem atenção. Vocês precisam parar de correr...

Agora! ...Anna, agora! — Correndo, Aurora olhou para mim, e eu

aproveitei esse momento para falar bem pausadamente, de forma com


que ela pudesse ler os meus lábios. — Rory, pare agora!

Ela continuou a rir e me ignorou completamente. Layla saiu de

perto, seguindo para o corredor, e eu imaginei que estivesse querendo

se afastar de todo aquele caos.

Certo, eu tinha sido abandonado naquela guerra.

— Anna, pare! Aurora, olhe para mim, vocês precisam parar.


Blue, pare agora de arranhar a tela da TV. Vamos, parem!
Ao mesmo tempo que fazia aqueles pedidos, eu corria atrás e

tentava segurar cada um deles – incluindo o cachorro – sem obter


qualquer sucesso. Em determinado momento, consegui agarrar Aurora,

levantando-a com um dos braços. As perninhas dela continuaram


sacudindo no ar, como se ainda estivesse correndo. Blue agarrou o
tecido da minha calça com os dentes, começando a puxar, e Anna

escalou o sofá, usando o encosto dele para ganhar altura e pular em


minhas costas, enroscando os braços ao redor do meu pescoço para

não cair.

— Muito bem! — a voz salvadora de Layla chegou aos meus

ouvidos. — Quem aí quer gastar uma parte dessa energia com isso?

Consegui olhar para ela, vendo que ela segurava uma lata
pequena de tinta de parede e alguns pincéis. Anna e Aurora pararam de

se sacudir no mesmo momento, ambas olhando para Layla.

— Pin... tar? — Aurora falou, de forma vacilante, e isso me

paralisou por um momento.

Logan tinha me contado que ela estava iniciando sessões de

fonoaudiologia para ser oralizada. Mas eu não tinha, ainda, ouvido sua
voz. E isso me encheu de emoção. Minha sobrinha estava aprendendo

a falar...

— Rory... — Minha voz saiu embargada de emoção.

Mas nenhuma das duas me deu qualquer atenção, ambas ainda

olhando para Layla.

Anna perguntou:

— Pintar no papel? Eu não quero. Quero brincar de algo mais

divertido.

Olhei para Layla e vi que ela continuava fitando Aurora,


também emocionada com o que ouvimos. Mas piscou algumas vezes,
tentando se recuperar para não deixar aquilo tão evidente naquele

momento.

— Quem falou em papel? Temos ainda uma parede branca do


quarto do bebê. O que vocês acham de a deixarmos bem colorida?

Houve um breve instante de silêncio, antes de Anna e Aurora


descerem de cima de mim e, empolgadas, saírem correndo, cada uma
pegando um pincel das mãos de Layla e indo para o quarto do bebê.
Blue as seguiu, correndo de forma estabanada.

— Você tem certeza disso? — perguntei, pensando em se


deixar as gêmeas responsáveis pela pintura de uma parede seria uma

boa ideia.

— Eu não tenho mais certeza de nada — Layla respondeu. —

Mas se isso puder mantê-las entretidas por algumas horas... Apenas o


suficiente para a gente...

— Fazer as malas e fugir para o México?

Ela riu.

— Eu ia dizer: “apenas o suficiente para pensarmos em mais

algumas atividades para ocupá-las por mais quatro dias sem que elas
destruam a casa”, mas, agora que você falou, a fuga me parece uma

opção válida.

— Eu faço as malas enquanto você pega um pouco de comida e

as chaves do carro.
— Engraçadinho. É tentador, mas não vamos a lugar algum.
Apenas ao quarto do bebê, observar uma grande obra de arte sendo
feita.

Ela me estendeu a sua mão e eu a segurei, antes de seguirmos

para o quarto. Anna e Aurora olhavam para as várias latas de tintas de


cores diferentes abertas sobre jornais que forravam o chão. O desenho

do mar com um barquinho e o sol brilhando no céu já estava pronto,


em outra das paredes, assim como boa parte dos móveis já tinha sido

montada. Faltava apenas uma estante que ocuparia aquela parede ainda

em branco, que Layla agora estimulava as meninas a pintarem.

— Uma parede toda, todinha, só pra gente pintar? — Anna


perguntou, eufórica.

E Aurora olhou atentamente para mim e para Layla,

aguardando uma resposta.

Eu ainda hesitei, mas Layla foi mais rápida em responder:

— Todinha para vocês. Podem fazer um monte de desenhos

bem bonitos. O priminho de vocês vai amar.


Elas vibraram, felizes, e cada uma mergulhou o seu pincel em

uma tinha diferente, começando a tingir a parede com traços ainda


meio sem forma.

— Você tem mesmo certeza disso? — voltei a perguntar. — É o

quarto do nosso filho. Vai mesmo querer uma parede toda rabiscada?

— Elas estão paradas, não estão mais quebrando nada, e estão


se divertindo. Então, sim, eu tenho certeza. Por que a gente não se

diverte também?

Ela me entregou um dos pincéis que ainda tinha em mãos,

ficando com o outro. E antes que eu dissesse qualquer coisa, ela se


aproximou, depositando um beijo em meus lábios e se juntando às

meninas nas pinturas.

Blue, enfim, se deitou – em cima da poltrona de amamentação

e com suas patas possivelmente sujas – mas eu deixaria para me


preocupar com aqueles detalhes em outro momento. O cachorro tinha

sossegado, afinal, e eu ficava aliviado por isso.

Bem como as meninas, que já riam e conversavam sobre os

desenhos que começavam a fazer.


— Eu tô fazendo um carro — Anna contou. — Um carro azul,

bem grandão e bem bonito. Nosso priminho vai amar.

Aurora tinha parado por um instante para olhar para a irmã e

fazer a leitura de seus lábios. Em seguida, fez alguns sinais com as


mãos. Layla a olhou sem compreender, então eu expliquei:

— Rory disse que está fazendo flores. ‘Um monte de flores’,

pelo que eu entendi.

Layla me olhou de forma surpresa, e perguntou:

— Sabe língua de sinais?

— Eu aprendi alguma coisa, quando soube que Rory não podia


ouvir. Mas sei muito pouco. Muito menos do que deveria.

— Os seus últimos anos foram muito difíceis... — ela falou.

E tinha razão. Tanta coisa tinha acontecido. A descoberta da

doença de Bonnie, o início de um longo tratamento, até o dia da

cirurgia que deveria marcar o fim de toda aquela luta... mas que se
desenrolou em complicações que a levaram ao coma e, semanas

depois, à morte. A partir disso, mergulhei no processo do luto, e


durante todo esse período eu mal tive cabeça para qualquer coisa. Mas

me esforcei em aprender um pouco, dentro dos meus limites


emocionais, pela razão que expus:

— Rory é minha sobrinha. Ela está começando apenas agora a

ser oralizada, então, por mais que consiga fazer leitura labial, o

principal meio de comunicação dela é a língua de sinais. Eu precisava


aprender ao menos o básico. Estou bem atrasado com relação a todo o

restante da família, aliás.

Layla sorriu.

— Pode me ensinar um pouco também? Começando pelo que

ela disse agora.

— Bem, eu entendo melhor do que sinalizo. Mas sei que isso...

— Fechei os dedos de uma das mãos, levando-os de um lado para o

outro sobre o nariz. — Significa “flor” na Língua Americana de

Sinais. E isso... — Agora usando as duas mãos, juntei novamente os


dedos e os abri em seguida, em um movimento para a frente. — quer

dizer “muitas”. Apenas não entendi a última parte do que ela disse.
Mostrando estar atenta à conversa, Anna se virou de frente para

nós e fez alguns sinais usando apenas uma das mãos.

— A Rory disse isso aqui. Quer dizer ‘margaridas’. Ela vai

desenhar muitas flores. Margaridas.

— Margaridas? — Layla sorriu.

Anna fez um sinal para que a irmã a olhasse, em seguida

fazendo alguma pergunta com as mãos. Aurora sorriu e se voltou para

nós, apontando para Layla.

— Eu? — Layla perguntou.

Aurora movimentou a cabeça em concordância e Anna


explicou:

— Ela quer dizer que é por causa daquele seu desenho do

Instagram, tia Layla. Aquele que tem um montão de margaridas

coloridas. É o favorito da Rory.

— É sério, Rory? — Layla perguntou para a outra menina, que


também a olhava. Aurora balançou a cabeça alegremente em uma
confirmação. — Fico muito feliz, porque é um desenho muito especial

para mim também. E você, Anna? Qual o seu favorito?

— O da pizza — Anna respondeu sem sequer pensar muito a


respeito, logo voltando sua atenção aos desenhos feitos na parede.

Aurora também voltou a se concentrar nas pinturas e eu me

aproximei de Layla, parando ao seu lado.

— Então... Você tem duas fãs aqui, não é?

— Acredita que elas sempre comentam em todos os desenhos


que publico? Do jeitinho delas. Mesmo que tenha um texto triste

embaixo, elas sempre comentam algo tipo “que desenho legal, tia

Layla”.

— Como eu disse, são suas fãs. E não são as únicas. Quando vi


o seu trabalho, fiquei me perguntando por que você ainda não ficou

rica com isso.

Ela riu.

— Com desenhos? Até parece...


— Poderia fazer algo para expor. Ou publicar as ilustrações em
um livro. É arte, Layla. E arte de qualidade.

— Nem sempre arte paga as contas.

— Foi o Albert que te disse isso?

Eu sabia da resposta a respeito daquilo. Ainda assim, aguardei

até que Layla confirmasse.

— É. E ele sempre quis que Sylvie e eu fôssemos arquitetas

como ele, e tivéssemos mais sucesso com isso do que ele teve. Eu me

esforço para dizer a Sylvie que ela não precisa seguir os planos de

outras pessoas, que pode decidir por si mesma o que quer fazer na
faculdade, e até mesmo mudar de ideia depois que se formar e

começar outra coisa diferente.

— Se diz isso para a sua irmã, por que não faz o mesmo?

— Ah, não é igual. Eu realmente gosto de Arquitetura, sabe?

No início achava que não ia gostar tanto e que estava realmente


fazendo isso apenas pela vontade do meu pai, porque era ele quem
estava pagando pelos meus estudos, para me mostrar grata por isso.
— Ele assumiu o compromisso de ser seu pai. Então, por mais
que não tenha feito isso no âmbito emocional, custear os seus estudos
não era nada além da obrigação dele.

— Eu sei. Mas, como eu disse, depois de um tempo eu aprendi

a gostar. E, trabalhando na Turner, isso aumentou ainda mais.


Especialmente por trabalhar diretamente com a Camila. Ela é tão
empenhada e tão esforçada... e tão talentosa no que faz. E ela confiou

em mim desde que cheguei lá. Mesmo eu sendo apenas uma estagiária,
ela me deu muitas oportunidades lá dentro, e eu aproveitei cada uma
delas para aprender ainda mais... E também aprendi a amar o que faço.

Eu não sabia a respeito daquilo. O trecho que tinha lido no

diário dela sobre a faculdade era anterior à sua contratação na Turner, e


por isso eu não fazia ideia de que ela tinha passado a, de fato, gostar da
área. Fiquei feliz por isso, ao mesmo tempo que também foi

esclarecedor. Eu via o amor e a competência que Layla empregava ao


seu trabalho na arquitetura, a empolgação com que sempre voltávamos
no carro conversando sobre algum projeto da equipe dela. Então, ela

realmente tinha adquirido paixão por aquele trabalho, e isso me


deixava feliz.

Vê-la feliz me deixava feliz também.


— E por isso você vai mesmo voltar para a faculdade de
Arquitetura?

— Sim, é o que eu quero. Vai ser muito difícil com um bebê,


mas... Quero voltar para a faculdade no próximo ano letivo, e

conseguir me formar. E, se a Turner me quiser, seguir meu trabalho por


lá.

— ‘Se a Turner te quiser’? A Turner seria louca se te perdesse


para outro escritório. Mas... sério, não desista da parte dos desenhos.

Você é talentosa demais para não mostrar isso ao mundo.

Ela voltou a sorrir, inclinando a cabeça e a apoiando em meu


braço. Ficamos em silêncio por alguns instantes, ouvindo apenas a voz
de Anna enquanto ela e a irmã desenhavam na parede.

Até que Layla perguntou:

— E você, qual o seu favorito?

— O quê?

— Dos meus desenhos do Instagram. Disse que viu cada um

deles. Qual o seu favorito?


Não precisei pensar muito antes de responder.

— O da casa na praia.

— ...Por que eu não estou surpresa? — Ela riu.

— Porque eu decidi imitá-lo e comprar uma casa em frente ao


mar também?

— A casa do meu desenho era bem mais simples.

— Malibu não tinha muitas opções com mais simplicidade.

— Tudo bem. Porque é perfeito do mesmo jeito.

— É. É perfeito. Porque você está aqui.

Ela levantou o rosto e eu a beijei brevemente, antes de nos


juntarmos às meninas na missão de deixar aquela parede branca e sem

graça bem colorida e divertida.

Talvez os desenhos não ficassem nenhuma grande obra de arte.

Mas eu sabia que nosso filho ia gostar.

Porque existia amor ali.


*****
Capítulo trinta e cinco

"Se você me ama, não deixe ir

Segure, segure, me agarre

Porque eu sou um pouco instável

Um pouco instável"

(Unsteady (Erich Lee Gravity Remix) – X Ambassadors)

Aquelas garotinhas eram absolutamente adoráveis. Nem

pareciam as mesmas que tentaram nos enlouquecer no início do dia.


Tudo tinha sido uma questão de entendermos como conversar

com elas e encontrar atividades que as divertissem – de preferência


sem o risco de fraturas ou de levarem a casa abaixo.

Passamos a manhã inteira e o início da tarde pintando a parede

do quarto do bebê. Em seguida, pedimos a ajuda das meninas para

prepararmos o almoço e, depois de comer, fomos para a praia, onde as


duas gastaram bem suas energias, junto a Blue, correndo e brincando.

No finalzinho da tarde, ainda ficamos um pouco na piscina até umas

sete da noite, quando voltamos a entrar em casa. Comemos pizza e


brincamos com um jogo de tabuleiro que elas haviam levado na mala.

E agora, pouco mais de dez da noite, aquele dia super intenso chegava

ao fim com Sebastian e eu colocando as duas para dormir no quarto de


hóspedes.

Assim que fechamos a porta do quarto delas, nós nos

entreolhamos e respiramos fundo juntos.

— Conseguimos, elas dormiram e ninguém foi ferido —

Sebastian disparou, me fazendo rir.

— É. E, ao contrário do que você disse pela manhã: nós

seremos ótimos pais.


— Seremos. Se damos conta de Rory e Anna, podemos dar
conta do nosso bebê também.

— Aliás, as meninas perguntaram quando ele terá um nome,

porque querem fazer cartinhas para ele.

— Precisamos organizar a nossa lista para facilitar a escolha.

Desde que descobrimos que seria um menino, que vínhamos

conversando a respeito de nomes. Mas precisávamos dar alguma

ênfase àquilo.

— Vamos começar a anotar aqueles que nós dois concordamos

serem boas opções — sugeri aquilo que já era meio óbvio, mas que, na

correria dos últimos meses, não tínhamos ainda parado para fazer.

— Não agora, não é? Tem coisas mais interessantes para

fazermos, já que as meninas enfim dormiram.

Ele levou as mãos às laterais da minha barriga – que estava

cada dia maior – trazendo-me para mais próxima a ele. Aproximou os


lábios dos meus, roçando-os de forma provocativa sem chegar, de fato,

a me beijar.
— Vamos para o quarto? — ele indagou, deixando claro que

queria começar aquele beijo quando já estivéssemos lá, e que não


pretendia parar por ali.

— Vamos. Só preciso pegar um pijama no outro quarto.

— Mas o que te leva a pensar que você vai dormir vestida? —


Ele voltou a me provocar, levando os lábios até a minha orelha e

mordiscando o lóbulo.

E eu quase desisti das roupas, absurdamente tentada a apenas

puxá-lo até o quarto. Mas resisti e expliquei:

— Bem, precisarei, então, de algo para vestir pela manhã antes


de sair do quarto, não é? Temos hóspedes em casa, esqueceu? E
hóspedes bem atentas. Não pense que elas não perguntariam por que

eu dormi usando as mesmas roupas do dia anterior.

— Justo. Muito justo. Te espero no quarto.

E ele enfim beijou meus lábios, mas de forma rápida, recuando

quando íamos aprofundar o beijo e se afastando. Aquele homem sabia


muito bem como me provocar.
Enquanto ele entrava no quarto dele, eu praticamente corri até

o outro de hóspedes, onde dormi nas primeiras semanas em que fui


morar ali. Eu tinha levado as minhas coisas para lá logo que fui para

aquela casa e guardado tudo nos armários. Depois que passei a dormir
com Sebastian, ele volta e meia me dizia que eu poderia colocar

minhas roupas no closet dele, mas julguei meio precipitado.

Agora, conforme abria o guarda-roupas para pegar algumas

peças de dormir, pensava em como estava perdendo tempo, talvez por


medo de aceitar toda aquela felicidade.

Eu me sentia tão plena e realizada... Provavelmente vivendo o


momento mais feliz da minha vida. E, também, cheia de sonhos e

planos. Ter meu filho nos braços, obviamente, era o maior deles, mas
havia muito mais o que eu desejava realizar além de ser mãe – e a

melhor mãe que eu pudesse ser. Queria, como contara mais cedo a
Sebastian, retornar para a faculdade e conseguir me formar. Queria
verdadeiramente construir uma carreira dentro da Arquitetura. E,

agora, também começava a ver como possível ser ainda mais do que
isso...

Quando peguei as duas peças do pijama dentro do guarda-


roupa, encontrei meu diário logo embaixo e não resisti em segurá-lo
em minhas mãos. Fazia já algum tempo que eu não escrevia nada nele.
Na verdade, desde que fui para aquela casa, eu tinha registrado
pouquíssimas coisas. Mas o que Sebastian disse sobre o meu talento

me reacendeu a vontade de voltar a desenhar, algo que eu amava fazer


nas páginas de folhas de alta gramatura e levemente amareladas

daquele caderno sem pauta. Pensei que aquela fase, do último trimestre
da minha gestação, seria ótima para criar algo que, no futuro, eu
poderia mostrar ao meu filho.

Talvez pudesse mostrar para muito mais pessoas. Mais do que

apenas ao meu filho, às pessoas próximas a mim e aos poucos


seguidores que tinha no Instagram. A ideia de tentar entrar em
exposições era realmente tentadora e, pela primeira vez na minha vida,

algo que eu de fato cogitava ser possível.

Pensava a respeito disso, com um sorriso bobo em meu rosto,


enquanto folheava o caderno. Fazia aproximadamente três anos que eu
tinha começado a usá-lo, desde o início da faculdade. Obviamente, não

escrevia nele todos os dias – nem perto disso – senão não restariam
mais páginas, mesmo sendo um caderno bem grosso. Mas eu contava

ali algumas percepções que eu tinha, além de acontecimentos,


sentimentos e pensamentos, em geral coisas que eu queria colocar para
fora de alguma forma sem necessariamente contar a alguém.
Provavelmente, se eu mesma relesse alguns trechos, julgaria como
bobos ou como coisas descoordenadas escritas no calor da emoção.

Mas não era justamente essa a maior beleza de um diário?

Poder guardar nossos pensamentos mais secretos sem fazer


julgamentos?

Mais do que textos, ele era um escape para as imagens que me

vinham à mente e que eu tentava reproduzir em desenhos feitos a lápis.


A maioria deles acabam depois sendo escaneados, digitalmente

pintados ou retocados e, depois, postados no meu Instagram. Mas nem

todos. Havia também aqueles que eu queria guardar apenas para mim.

Passando pelas páginas, acabei chegando a um dos primeiros


que fiz ali. O da casa na praia, com duas crianças correndo, brincando

com um cachorro, e um casal a olhar tudo, sob a luz das estrelas. Sorri,

pensando que Sebastian e eu tínhamos vivido algo bem parecido horas


antes, com a diferença de ter sido à luz do dia e não à noite. E ele tinha

me dito que aquele era o meu desenho favorito dele.

O desenho favorito dele...


Um pensamento me ocorreu, mas eu prontamente o repreendi.

Porque não me recordava de ter em algum momento publicado aquele


desenho no Instagram, mas se Sebastian comentou a respeito dele, eu

devia ter postado, porque...

De que outra forma ele conheceria?

Desci os olhos para o texto a respeito do desenho. Eu o fiz na


época em que estava namorando um carinha da faculdade, em uma

fase em que eu já sabia que o relacionamento estava esfriando. Escrevi

um texto sobre a pessoa que eu gostaria de ter ao meu lado no futuro.

E aquele texto... era algo pessoal demais, que eu sabia que não
tinha postado de forma pública.

Para tirar a dúvida, peguei meu celular e acessei meu

Instagram, verificando minhas postagens em busca daquele desenho.

Mas eu sabia que não encontraria. Eu nunca havia postado aquela


ilustração ali.

Minhas mãos tremiam enquanto eu refletia sobre aquilo,

tentando achar alguma resposta que não fosse o óbvio. Porque era

difícil aceitar que Sebastian tinha...


— Ele não faria isso... — falei para mim mesma.

Recordei-me daquela manhã. Da ligação de Sylvie contando o

que nosso pai tinha feito com ela, e como eu conversei a respeito com

Sebastian.

E lembrei-me de outras coisas...

Do meu primeiro dia de retorno à empresa... Quando ele me

perguntou sobre eu desistir da Arquitetura para fazer algo que eu

quisesse. E eu sabia, com toda a certeza do mundo, que nunca tinha

feito qualquer postagem ou comentário a respeito daquilo.

Mas tinha escrito sobre... em meu diário... várias e várias

vezes...

Mas naquele mesmo dia ele me prometeu que nunca esconderia

nada de mim.

Ele prometeu...

Fechei os olhos, uma recordação distante da voz dele vindo – já


pela segunda vez – à minha mente, em meio à total escuridão:
“Olha só para isso. Como pode deixar algo tão perfeito escondido nas

folhas de um diário?”

Quando ele tinha me dito aquilo? Seria imaginação minha?

Forcei um pouco mais a memória.

Não era uma ilusão.

Ele tinha, sim, falado aquelas palavras para mim e mencionado

as páginas do meu diário. Em algum momento em que eu estava...


presa, em um lugar escuro, frio e sombrio... E a voz dele me acalmou,

trazendo calor ao meu peito.

Foi quando eu estava em coma. Eu tinha certeza.

Ele tinha me dito aquilo... depois... de ler o meu diário...

Ouvi o som da porta se abrindo e sobressaltei, olhando para

trás. Sebastian ainda segurava a maçaneta.

— Tudo bem, amor? Vim ver por que está demorando.

Levantei a mão que segurava o caderno.


— Você... Você leu o meu diário, Sebastian?

O sorriso que ele trazia no rosto se apagou, dando lugar a uma

expressão que eu não era capaz de desvendar.

Não era a reação que eu esperava. Ele deveria estranhar a

pergunta e negar de forma imediata. Era o que ele faria se...

Se minha pergunta não tivesse cabimento...

Se ele não tivesse feito aquilo.

Senti as lágrimas quentes descendo pelo meu rosto e repeti a

pergunta, ainda que já soubesse a resposta.

— Sebastian, você leu o meu diário enquanto eu estava em

coma?

— Lay... Eu posso te explicar...

Eu posso te explicar?

Eu quase ri do início daquela resposta. O que ele poderia

explicar? Que traiu a minha confiança? Que tinha invadido a minha


privacidade quando eu estava desacordada? E que tinha me escondido

aquilo durante todo aquele tempo?

— Eu não tinha mesmo a intenção de fazer isso — ele


continuava a falar, tentando dar suas explicações para o que era

injustificável. — Seu diário caiu aberto em uma página aleatória, e eu

apenas comecei a ler porque... eu vi o meu nome nele.

Uma sensação de enjoo tomou o meu estômago.

Ele tinha lido o nome dele? Tinha lido alguma passagem em

que eu o citava?

Meu rosto queimou de vergonha, constrangimento e raiva.

— E então você simplesmente não conseguiu mais parar de

ler? — zombei, prevendo o que ele diria a seguir.

— Não foi exatamente isso.

— Leu só uma passagem que tinha o seu nome, então? Porque

eu não mencionei o seu nome em nenhum momento sequer próximo à

página do desenho da praia. Nem da parte que escrevi que não queria

fazer faculdade de Arquitetura.


— Escute, Lay... Eu li mais do que uma passagem, mas... Eu
não o li todo, eu juro...

— Ah, claro... a leitura ficou tediosa em algum momento e

você parou? Já tinha descoberto tudo o que queria?

— Não... Lay, não... Por favor, vamos conversar. Eu ia te


contar...

— Quando ia me contar?

— Hoje. Eu me preparei para começar a te contar, mas aí

chegaram as meninas, e...

Nossa... Que conveniente!

Voltei a me virar de frente para o guarda-roupas e puxei minha

bolsa de viagem, jogando meu diário dentro dela. Em seguida,


comecei a fazer o mesmo com algumas peças de roupa. Sebastian veio
até mim.

— Layla, o que está fazendo?

— O que acha que estou fazendo, Sebastian?


— Você não tem motivos para ir a lugar algum. Esta é a sua
casa.

— É a sua casa, Sebastian. E eu não quero mais ficar aqui.

— Não decida nada assim, Layla. Está tarde, estamos


cansados. Vamos para cama, descansar um pouco, e conversaremos
com calma amanhã...

— Eu não vou para a cama com você, Sebastian. Não entende?

Você quebrou a minha confiança.

Após colocar peças o suficiente para encher a mala, eu fechei o


zíper e me virei para sair, mas Sebastian segurou o meu braço. Eu o
encarei e ele, imediatamente, mostrando-se arrependido pela forma

como me segurou – apesar de não ter feito isso com força para me
machucar – afrouxou os dedos, mas ainda manteve a mão encostada ao
meu braço. Seus olhos pareciam suplicar quando ele pediu:

— Por favor, Lay... Eu sei que errei. Mas, por favor, me perdoe

e vamos conversar.

Eu não esperava por um pedido de perdão. Na verdade,


imaginei que ele fosse apenas insistir em tentar justificar o que fez sem
admitir o erro. E, neste momento, eu quase fraquejei e quase voltei
atrás...

Quase...

Ao menos naquele momento, eu estava ferida demais para isso.

Puxei o braço e me afastei, ouvindo os passos de Sebastian


atrás de mim, junto aos seus pedidos para que eu ficasse. Fui, no

entanto, obrigada a parar logo que cheguei ao corredor e vi a porta do


quarto das meninas se abrindo. Anna saiu, esfregando os olhinhos.

— Tia Lay... Eu tive um pesadelo... Eu posso dormir com


você?

Aquilo era golpe baixo.

Eu não teria coragem de ir embora naquela situação. Olhei por

um momento para Sebastian, antes de ir até Anna, segurando sua mão.

— Vem, meu amor. A tia Layla vai dormir com você, sim.

E entrei no quarto delas, sem olhar para trás. Deixei minha

bolsa de viagem no chão e ajeitei-me na cama de solteiro junto a Anna,


acariciando seus cabelos até que ela voltasse a pegar no sono, ao
mesmo tempo que sentia as lágrimas quentes descendo pelo meu rosto
e meu coração despedaçado.

*****
Capítulo trinta e seis

"Aqui estou eu acordando

Ainda não consigo dormir no seu lado da cama

Lá está sua xícara de café

A mancha de batom desbota com o tempo

Se eu pudesse sonhar por tempo o bastante

Você me diria que eu ficaria bem

Eu ficarei bem"

(Ghost Of You – 5 Seconds Of Summer)


15 de julho

Era a segunda noite seguida em que eu não dormia direito.

Tirei alguns breves cochilos, vencido pelo cansaço, mas passei a maior
parte da noite acordado, sozinho em meu quarto.

Relembrei todas as histórias que Layla havia me contado sobre

sua própria vida. Deixada em um abrigo desde que tinha menos de um

ano de idade, de modo que não tinha qualquer recordação dos seus
pais biológicos. Depois disso, morou em dois lares temporários

diferentes, sendo devolvida ao abrigo como um objeto sem valor.

Então veio a adoção, que lhe trouxe uma mãe e uma irmã, mas um

homem que nunca a aceitou completamente como filha.

Era, em resumo, uma vida inteira de elos de confiança

quebrados. E eu agora era mais um a fazer isso.

Esperei os primeiros raios de sol entrarem pela fresta que

deixei aberta na cortina do quarto para me levantar. Mas logo percebi


que aquele tinha sido um erro meu.
Porque eu realmente acreditei que, se saísse bem cedo do
quarto, eu ainda encontraria Layla ali. Mas ela não estava.

Quando abri a porta do quarto das meninas, encontrei as duas

dormindo, cada uma em sua cama, e nenhum sinal de Layla.

Saí apressado, revirando cada cômodo da casa, Fui até o

quintal, a área da piscina, olhei tudo... ela não estava mais lá.

Ela tinha ido embora...

Fui para a entrada principal da casa, que era guardada por dois

seguranças.

— Onde está a minha esposa? — perguntei.

Foda-se que Layla e eu não fôssemos casados. Falei da forma

como já a sentia para mim.

— Ela saiu antes das cinco da manhã, senhor — um deles


respondeu.

— Saiu como? Meus carros estão na garagem.

— Ela chamou um táxi.


Minha vontade era a de gritar com aqueles homens, mas me

contive porque, afinal, sabia que eles não tinham qualquer culpa a
respeito daquilo. Layla não era uma prisioneira para que eles a

impedissem de sair de casa.

Ainda assim, não consegui evitar fechar minha mão e socar

meu punho contra uma parede, o que assustou os dois seguranças.

Voltei para dentro de casa e peguei meu celular, discando o


número de Layla. Após dois toques, a ligação caiu na caixa postal.
Abri o app de mensagem e digitei algo para ela.

SEBASTIAN:

Lay

Por favor.

Para onde você foi?

Sabe que é perigoso.

Entendo se não quiser continuar na mesma casa que eu


mas eu preciso saber que você está em um lugar seguro.

Depois de mandar as mensagens, tentei novamente fazer uma


ligação. Mais três toques antes de cair na caixa postal. Liguei

novamente e, desta vez, a ligação sequer chegou a ser completada. Ela


devia ter desligado o celular.

Merda...

Eu precisava saber onde ela estava. Precisava saber se ela


estava bem. E já estava a ponto de sair desnorteado de casa, para

procurar por ela em todos os lugares possíveis, mesmo sem ter ideia de
para onde ela poderia ter ido. Sabia que não iria para a empresa. Nem
voltaria para a casa do pai. Suas amigas estavam fora de Los Angeles.

Para onde ela iria?

— Tio Sebastian? — a voz de Anna chegou aos meus ouvidos.

Eu estava em meu quarto, onde entrei para pegar o celular,


sentado em minha cama, e tinha deixado a porta aberta. Anna e Aurora

estavam ali, ambas me olhando em um misto de susto e preocupação.


Rory fez uma pergunta através de sinais, que eu consegui
compreender.

“Por que você está chorando, tio?”

Levei a mão ao meu próprio rosto, só então percebendo que eu,


de fato, estava chorando, sem sequer perceber. Mas eu não tinha uma

resposta simples a dar para aquelas garotinhas.

Mas elas também não esperaram por alguma. Apenas vieram


até mim, sentando-se cada uma em um dos meus lados, e envolveram
seus pequenos braços ao meu redor em um abraço.

*****
Capítulo trinta e sete

"A cama está ficando fria e você não está aqui

O futuro que temos é tão incerto

Mas eu não vivo enquanto você não me ligar

E vou apostar, contra tudo, que dará certo"

(The Heart Wants What It Wants – Selena Gomez)

17 de julho
Já era o terceiro dia sem que eu falasse com ela.

Era tempo demais. O suficiente para que eu cogitasse as piores

hipóteses. Acionei Janet para que ela verificasse e me atualizasse sobre


o paradeiro de Daniel Reed, mas simplesmente não se tinha qualquer

novidade a respeito dele. Liguei para Sylvie, mas o rancor dela com

relação a mim pareceu ter voltado com força total e ela apenas disse
que não me contaria nada a respeito de Layla e, depois disso,

provavelmente bloqueou o meu número. Tinha restado a mim entrar

em contato com Camila, que me atendeu em meio ao congresso e me


tranquilizou um pouco ao contar que vinha falando com Layla e que

ela estava bem “na medida do possível”.

Camila também estava visivelmente brava comigo. E eu não

tiraria o direito dela a isso, como uma boa amiga mais velha e

superprotetora.

E, desde que recebi as notícias, eu vinha tentando me acalmar

enquanto cuidava de Aurora e Anna. As meninas, parecendo perceber

que algo ruim havia acontecido, vinham se comportando bem naqueles

últimos dias, além de estarem extremamente carinhosas. E

perguntavam pouco sobre a ‘tia Layla’, mas não porque não sentiam a
falta dela. Era evidente que já tinham notado que a ausência da Layla
era o que vinha me abalando.

Neste dia, eu estava sentado no sofá, inquieto, pensando no que

mais eu poderia fazer. As meninas brincavam sentadas no chão, com

um jogo de cartas. Blue dormia ao lado delas.

Sequer percebi quando elas se levantaram e se aproximaram de

mim, até que a voz de Aurora, que era ainda tão rara de ser ouvida,

chegou aos meus ouvidos:

— Tio...

Levantei a cabeça, olhando para as duas paradas de pé diante

de mim. Mesmo mergulhado em tristeza, não pude conter um sorriso,

que era inevitável sempre que Rory pronunciava alguma palavra, por
menor e mais simples que fosse.

Anna prosseguiu:

— A gente tem uma coisa pra perguntar.

— Claro... podem dizer.


Elas se entreolharam, antes de voltarem a olhar para mim.

Aurora fez alguns sinais, que ainda levei alguns segundos para
conseguir conectar e compreender.

— Disse que... não quer que eu fique chateado com a pergunta,


é isso? — Fiz uma pausa. Aurora movimentou a cabeça em

concordância. — Não vou ficar chateado. Podem perguntar.

Após uma breve pausa, Anna disparou:

— A tia Layla vai voltar?

Meu primeiro impulso era o de responder com um enfático

‘sim’. Mas aquilo seria novamente desrespeitar as vontades de Layla.


Eu queria, mais do que tudo, que ela voltasse, mas isso era algo que
dependeria unicamente dela.

— Eu não sei — respondi de forma sincera.

E vi os olhos das duas se arregalarem. Anna falou, quase


chorando:

— A nossa mãe... não a mamãe-Evy, mas a nossa outra

mamãe... um dia dormiu com a gente, e depois não voltou mais.


— Não — apressei-me em responder, antes que elas caíssem

no choro por deduzirem algo completamente errado. — Quando eu


disse que não sei se Layla vai voltar, é para morar aqui nessa casa. Não

para a vida de vocês.

As duas respiraram de forma aliviada e Anna voltou a falar,

agora de forma mais enérgica.

— É porque vocês, adultos, são muito complicados. Vocês às


vezes falam uma coisa, mas querem dizer outra. E às vezes também
não falam o que têm que falar.

Ao lado dela, Aurora mexeu a cabeça em uma concordância

bem enfática.

— Vocês têm razão. Nós adultos somos complicados demais.

Eu realmente tinha que ter falado algo para a tia Layla, e não falei.

Aurora fez alguns sinais, perguntando o que eu omiti. E eu


contei, do modo mais simples possível:

— Eu fiz uma coisa errada. Não dava mais para desfazer. Mas
eu precisava ter, ao menos, contado para ela. E não fiz isso, porque

senti medo de que ela ficasse magoada.


— E aí ela ficou magoada porque você não contou? — Anna
indagou. — Tio Sebastian, esconder as coisas que a gente faz errado é
muito, muito feio. Foi que nem quando a Rory quebrou o batom da

mamãe-Evy e escondeu na gaveta pra ela não ver.

Aurora colocou as mãos na cintura por alguns instantes,


irritada, e depois fez alguns sinais que pareciam significar “foi você
quem quebrou, e não eu”, e então elas duas começaram uma discussão

sobre qual das duas tinha feito aquela arte. Enquanto elas discutiam, a
campainha tocou e eu me levantei, correndo para atender, em uma

esperança idiota de que poderia ser Layla.

Porém, obviamente não era. Afinal, Camila e Michael estavam

de volta a Los Angeles naquele dia e já tinham me ligado pouco mais


de uma hora antes, informando que iam para a minha casa buscar as

gêmeas. Minha mãe retornaria apenas à noite. Já Logan e Evelyn


ficariam em sua viagem pela Europa até o final da semana seguinte.

Meu irmão me cumprimentou com um tapinha no ombro,


enquanto Camila – nitidamente irritada – passou direto por mim, indo

falar com as meninas.


— Está tudo bem em ficarem com elas? — perguntei a
Michael.

— Fica tranquilo. Só achamos melhor deixar Alice e Eric com


a avó da Camila. Primeiro, porque eles estavam com saudades da

bisavó. E segundo porque quatro crianças Turner poderiam dar um


pouco de trabalho de serem transportadas juntas em um mesmo carro,

além de um legítimo cachorro-Turner como o Blue. Nossa mãe volta


hoje à noite e ficará com elas, então buscaremos Eric e Alice, além dos

nossos cachorro-Turner e gato-Turner que estão com a avó da Camila.

Aparentemente, não eram apenas as crianças Turner que eram

adeptas a travessuras, mas também os animais de estimação da família.

— Ela entrou em contato com você? — Michael perguntou.

E eu logo soube a quem ele se referia.

— Não. Tudo o que eu sei é por intermédio da Camila. Que

não me contou muita coisa.

— Não que ela saiba de muita coisa também. As duas têm

conversado toda noite por telefone, e eu obviamente não fico perto


para ouvir. Mas Camila comentou que ela não quis contar onde está,

mesmo ela tendo insistido muito para isso.

Aquilo foi, para mim, como mais uma facada no peito. Mais

uma evidência do mal que eu tinha feito a Layla. Ela tinha aprendido,

muito recentemente, a confiar nas pessoas, e Camila era sua melhor

amiga. O fato de não querer contar a ela sobre o local onde estava era
mais uma demonstração do quanto se sentia, agora, insegura sobre o

quanto poderia se abrir com os outros.

— Muito bem, meninas — Camila falou, enquanto voltava

para perto de nós, tendo o cuidado de ficar com o rosto virado em


direção às duas para que Aurora pudesse fazer a leitura labial do que

ela dizia. — Peguem a mala de vocês para irmos embora.

Elas correram para o quarto, onde eu já tinha deixado a

bagagem delas pronta. Quando Camila parou ao lado do marido,


fingindo me ignorar, Michael começou a repetir, com a voz baixa:

— Cara... Não pergunta... Por favor, só não pergunta... Não

pergunta...

Ignorando-o, eu realmente perguntei:


— Como ela está, Camila?

— Ah... você quer mesmo saber como ela está? — Camila

enfim me olhou, nitidamente furiosa.

— Eu avisei para não perguntar... — Michael resmungou,

afastando-se alguns passos.

E Camila prosseguiu:

— Eu vou te dizer como ela está: na vigésima nona semana de

gestação, aquele momento em que a mulher fica com a ansiedade

aumentada, oscilações do humor, cansaço físico, azia, dores na coluna,


cãibras, bebê se mexendo de forma aflitiva, e no meio de tudo isso

minha amiga agora está sozinha, morando em um quarto de hotel, com

o coração partido porque você se sentiu na porra do direito de

desrespeitar a intimidade dela, lendo o diário dela sem permissão,


quando vocês mal se conheciam.

— Eu disse para não perguntar... — Michael repetiu.

Camila sabia ser bem afiada e precisa nas palavras, mas não

tinha dito absolutamente nada que eu ainda não soubesse. Nada que eu
já não estivesse remoendo exaustivamente naqueles últimos dias.
— Eu sei o quanto errei, Camila. Acredite, eu sei muito bem.

Mas eu tenho o direito de saber onde ela está. Ela está grávida de um
filho meu.

— Antes de ser a grávida de um filho seu, ela é um ser

humano. E eu, ao contrário de você, não vou trair a confiança dela

contando onde ela está.

— Até porque, você também não sabe... — Michael


murmurou. Mas logo se mostrou arrependido da própria fala quando

ela lhe lançou um olhar bem intimidador.

— Certo, eu não sei. Mas mesmo que eu soubesse, não

contaria. E Lay devia confiar em mim com relação a isso, mas ela não
confiou porque foi muito ferida por outra pessoa em quem ela confiou.

E Camila seguia sendo certeira.

— Eu sei que, antes de ser mãe de um filho meu, ela é um ser

humano. E é com ela que me preocupo. Ela pode passar mal estando
sozinha, sem qualquer amparo. Mais do que isso: tem um louco a solta

que já quase tirou a vida dela uma vez. Ela agora está completamente

desprotegida.
O olhar de Camila estremeceu. E eu sabia que, por mais que

não quisesse admitir que eu tinha razão, ela sentia as mesmas

preocupações que eu.

— Já disse que ela não quis me contar onde está. Apenas que
está em um hotel, mas não disse qual.

Certo... quanto hotéis deviam existir na Califórnia? A ideia de

vistoriar um por um, de repente, me pareceu válida.

Mas eu poderia tentar aquilo por meios mais simples e

eficazes.

— Ela não atende minhas ligações, certamente bloqueou o meu


número. Mas o seu ela atende. Me deixe ligar para ela do seu celular.

— Mas que caral... — Ela se calou, provavelmente contendo

um palavrão, ao avistar Anna e Aurora voltando para a sala. — Quer

pegar o meu celular para ligar para a Layla, Sebastian? Jura que acha
que essa é uma ótima ideia? Sabe que ela vai atender achando que sou

eu, e aí será justamente a pessoa com quem ela não quer falar? Já te

disse e repito: eu não vou trair a confiança da minha amiga.


Sinceramente, o que ela menos precisa agora é de mais uma decepção.
Mais uma vez, palavras certeiras. E eu me senti um completo

idiota por ter sequer cogitado aquilo. Eu queria me desculpar com


Layla por ter traído sua confiança... justamente fazendo outra pessoa

em quem ela ainda confiava fazer o mesmo...

— Você tem razão, Camila. Eu estou sendo um idiota.

— É, você está.

— Nisso eu tenho que concordar... — Michael resmungou ao


meu lado. Quando o olhei, ele ergueu os braços em sinal de rendição.

— O que posso dizer, irmão? Palavra de quem já vacilou muito nessa

vida: você mandou muito mal.

Bufei, voltando a olhar para a minha cunhada.

— Pode fazer outra coisa então, Camila? Ligue para ela... e


pergunte se ela concorda em falar comigo. Eu só quero ouvir a voz

dela. Sei que você tem falado com ela e confio quando diz que está

bem, dentro da medida do possível. Mas eu preciso ouvir a voz dela.


Por favor.

Ela me encarou por alguns momentos, parecendo pesar os prós

e os contras daquilo. Até que, enfim, pegou o celular dentro da bolsa e


bufou, se afastando e indo para a cozinha enquanto fazia a ligação.

E eu fiquei ali parado, olhando para a direção para onde ela

tinha seguido, apenas torcendo para que Layla dissesse sim. E quando

Camila regressou, menos de dois minutos depois, eu imaginei que a

resposta teria sido um não, mas ela me surpreendeu estendendo o


celular em minha direção.

— Não seja insistente e respeite o espaço dela... ao menos

dessa vez. Venham, meninas. Tragam o Blue e vamos para o carro.

As gêmeas fizeram o que ela pediu, seguindo ela e Michael


porta afora e, assim, me deixando sozinho ali na sala. Levei o celular

ao ouvido, ainda parando por um segundo apenas para ouvir a

respiração de Layla. Um som tão sutil, mas do qual eu senti tanta falta.

— Sebastian? — ela falou depois de alguns instantes,


provavelmente percebendo que eu já estava na linha.

— Oi, Lay. Preciso saber como você está.

— Camila me disse que você vinha perguntando isso a ela por


mensagem todos os dias. Então, ela já te disse que estou bem.
— Mas preciso ouvir de você. Como você está? Como o nosso
filho está?

Ela fez uma pausa. E eu já a conhecia o suficiente para saber


que tentava segurar o choro.

— Está tudo bem com o bebê. Eu recebi por e-mail os


resultados dos últimos exames de sangue que fiz. Está tudo em ordem.

— Ele tem se mexido muito?

— O tempo inteiro.

— É um sinal de que está bem, não é?

— É, sim.

— E você, Lay? Como você realmente está?

Mais uma pausa. Eu a ouvi inspirar profundamente antes de


responder:

— Eu só concordei em falar contigo porque sei que tem o


direito de saber sobre o nosso filho. Mas eu ainda não estou pronta

para conversar agora, Sebastian.


— Tudo bem. Mas me deixe saber onde você está. Posso
mandar alguns seguranças para ficarem de olho.

— Eu não quero ninguém de olho em mim, Sebastian. Eu só


quero ficar sozinha. Ao menos por um tempo. Não dei o endereço de

onde estou nem mesmo para a Camila, porque a conheço o suficiente


para saber que ia voltar para Los Angeles e correr para cá.

— Ela certamente iria. Você tem amigas que amam você. Você
tem várias pessoas que amam você. Por mais que uma delas tenha te

decepcionado muito. Me conta onde você está, por favor.

— Eu só preciso de um tempo, Sebastian. Você disse que


queria saber como eu estava... Estou triste, decepcionada,
envergonhada...

— Não tem do que sentir vergonha.

— Você leu o meu diário, Sebastian. Eu me sinto com a alma

exposta.

— A sua alma é linda. Foi pela sua alma que eu me apaixonei.


E eu juro para você: eu não li tudo. Li cinco passagens, exatas cinco.
Boa parte delas com coisas que você mesma me contou depois. Eu
posso te dizer exatamente quais foram...

— Não — ela me interrompeu. — Por favor, não. Você podia

ter me dito antes. Ao menos me pouparia o papel de boba de te contar


como desabafos coisas tão pessoais. Você já sabia de tudo o tempo
todo, e eu fiquei como uma otária, com a brincadeira estúpida de ‘me

conte algo sobre você’.

— Não, Lay... Eu não sabia de tudo. Eu não fingi


absolutamente nenhuma reação a nenhuma confissão que você me fez.
Se a gente puder conversar...

— Eu não quero. Ao menos não agora. Eu... Preciso de um

tempo. Respeite isso, por favor.

Foi a minha vez de inspirar profundamente. Tudo o que eu


menos queria era aquilo. Queria ir naquele exato momento até ela.
Mas eu já tinha falhado uma vez em não respeitar o espaço dela. Não

faria isso de novo.

— Eu te amo — declarei. — Só não duvide disso, por favor.


— Eu também te amo, Sebastian. E é por isso que está doendo

tanto.

— Eu faria qualquer coisa pelo seu perdão, Lay.

— Só o que eu te peço agora é um tempo, tá? Quando eu


estiver pronta para isso, vou te procurar. Se você ainda estiver disposto
a isso, conversaremos.

— Eu vou esperar pelo tempo que for.

Ela ficou em silêncio por mais alguns segundos, mais um

período de tempo que fiquei ouvindo o som de sua respiração. Até que
ela encerrou a ligação.

Ainda fiquei ali parado por algum tempo, com o celular junto
ao ouvido, tentando resgatar as lembranças do som da voz dela.

*****
Capítulo trinta e oito

"Por que você não me diz o que te machuca agora, baby?

E eu farei meu melhor pra melhorar

Eu farei meu melhor para você parar de chorar.

Apenas me diga o que te machuca agora,me diga

E eu amarei você com toda força

E se você me deixar ficar

Te amarei até o sofrimento ir embora"

(Tell Me Where It Hurts – M.Y.M.P.)


24 de julho

Vinha sendo bem difícil atender ao pedido dela, mas eu seguia

me esforçando. Minha vontade diária era a de colocar um detetive


particular atrás dela, de voltar a pedir a Camila para que me deixasse

falar com ela pelo seu celular, ou mesmo cometer a insanidade de

vasculhar cada hotel da cidade de Los Angeles, do Estado da


Califórnia ou mesmo de todo o país até encontrá-la. Mas eu me

controlei...

Até aquele dia...

Recebi um telefonema de Janet. Ela tinha novidades sobre o

caso de Daniel Reed: ele tinha sido avistado em um bar de Los

Angeles na última noite. E câmeras de segurança do lugar

confirmaram isso.

Aquele homem que esteve os últimos meses foragido, tinha

voltado à cidade. Por esse motivo, eu não podia mais permitir que

Layla ficasse sem proteção.


Diante disso, eu precisei agir. Peguei meu carro e dirigi até o
local onde morava a única pessoa que eu poderia apostar que sabia

onde Layla estava. Era já final de tarde, então deduzi que ela já tivesse

voltado da escola.

Parei em frente à casa pequena situada em um bairro da


periferia e toquei a campainha. As janelas estavam todas fechadas, mas

havia luzes acesas, o que me fazia deduzir que devia ter alguém em

casa.

Mas ninguém me atendeu.

Tentei bater na porta e chamar:

— Sylvie, você está aí? Eu preciso falar com você. — Bati

novamente, desta vez mais forte. — É importante. — Nenhuma


resposta. Soquei a porta com mais força, na verdade, desejando

colocá-la abaixo.

Acreditando que não tinha mesmo ninguém ali, eu voltei a

caminhar em direção ao meu carro, pensando em ficar por ali


aguardando até que Sylvie chegasse. Mas parei ao ouvir o som de

batidas no vidro.
Quando me virei de frente para a casa, avistei a menina lá

dentro, de frente para a janela do andar de baixo. Ela bateu no vidro


mais uma vez e eu voltei a me aproximar, sem entender o que

acontecia.

Ela levou a mão ao trinco da janela e acreditei que fosse abri-

la, mas o que fez foi levantar um cadeado para me mostrar que estava
trancada.

A menina estava trancada dentro de casa.

— Seu pai fez isso? — perguntei com a voz bem alta. Primeiro,
para que ela pudesse me ouvir do outro lado do vidro. E, segundo,

porque eu estava furioso com aquilo.

E fiquei ainda mais quando ela balançou a cabeça em uma

resposta afirmativa.

Se Albert tinha trancado as janelas, provavelmente havia feito


o mesmo com as portas da casa.

Olhei ao redor naquele quintal que mais parecia pertencer a


uma casa abandonada, com a grama alta e cheio de entulhos e lixo

espalhados, até avistar uma barra de ferro. Peguei-a e gritei:


— Afaste-se, Sylvie.

Ela arregalou os olhos, certamente assustada com o que

percebeu que eu pretendia fazer. No entanto, não contestou o meu


pedido e se afastou. Tomado por uma soma de ódio por diversos
fatores, eu precisei de apenas um golpe da barra de ferro contra a

janela para fazer com que o vidro se partisse em mil pedaços. Dei mais
alguns golpes para arrancar os resquícios das bordas para que a menina

conseguisse atravessar sem se ferir.

Ela subiu em uma cadeira e eu a ajudei a descer já no quintal.

— Não devia ter feito isso... — ela falou, embora estivesse

visivelmente aliviada por estar livre, — Meu pai pode chamar a


polícia. Anda, vai embora antes que ele volte.

Ela realmente achou que eu tinha medo do pai dela?

— Vai ser ótimo se ele chamar a polícia. Talvez ele queira


explicar por que estava mantendo uma adolescente presa em casa. Há
quanto tempo isso está acontecendo?

— ...Desde que ele leu minha troca de mensagens com a Lay.


— Isso tem mais de uma semana.

— É... eu sei.

— Está presa há esse tempo todo? E a escola?

— Ligaram de lá. Meu pai mentiu dizendo que estávamos de


mudança e por isso eu saí. Mas eu não tenho o que fazer. Ele disse que

se eu tentasse fugir ou contasse a alguém ele iria até a casa da Lou


para falar com os pais dela. E o pai dela é muito parecido com o meu.
Não é um bêbado, mas nunca aceitaria a orientação sexual da filha.

— Layla me disse que ela é declaradamente bissexual,

encontrou essa informação nas redes sociais abertas dela.

— Pois é, os pais dela obviamente sabem, mas gostam de fingir

não saber e está confortável para eles assim. Mas se o meu pai for até
lá... isso pode dar muitos problemas para ela, entende? Vai embora,

Sebastian. Quando ele voltar eu invento alguma mentira... vou dizer


que alguma criança jogou uma pedra na janela e quebrou o vidro.

— Sylvie...

— Eu?
— Primeiramente, respire.

Ela fez o que eu pedi, mostrando que realmente estava sem ar.

As mãos dela tremiam e seus olhos estavam imersos em lágrimas, mas


ela tentava se manter firme. Era uma garota durona.

...Nitidamente irmã da Layla, claro.

— A Layla sabe disso tudo? — indaguei, preocupado.

— Não. Eu consegui convencer o meu pai a me deixar com o

meu celular, disse a ele que as pessoas iam estranhar se eu não

respondesse mais mensagens e sumisse completamente. Eu tenho


conversado com a Lay todos os dias, mas não contei o que aconteceu.

Ela me pediu para levar roupas para ela, ainda tem muita coisa dela

aqui em casa. Mas eu menti dizendo que estou tendo que ir aos finais

de semana para a escola para estudar para os exames da faculdade.

Foi a minha vez de respirar aliviado. Em meio a todo o caos

pelo qual passava, tudo o que Layla menos precisava era saber daquela

situação da irmã.

Sem contar que aquilo também me dava a confirmação de que


Sylvie sabia onde ela estava, Mas antes de perguntar a respeito disso,
eu precisava resolver toda aquela situação.

— Volte para dentro de casa, arrume uma mala e venha


comigo. Eu vou te deixar na minha casa antes de ir atrás da Layla.

— Está louco? Aliás, em primeiro lugar, você não vai atrás da

Lay coisa nenhuma. Ela está irritada com você. Você leu o diário dela,

que coisa horrível.

— Sabe o que ela me disse quando acordou do coma e eu


devolvi o diário para ela? Que estava feliz por eu ter guardado, porque

tinha certeza de que você ia acabar lendo.

— Ela disse isso? Que absurdo! Eu nunca faria uma coisa

dessas!

Cruzei os braços diante do corpo, tombando a cabeça para o

lado e lançando a Sylvie um olhar de ‘Jura mesmo que acha que eu

vou acreditar nisso?’. Pensei que era um bom olhar que eu deveria

guardar para usar no futuro, quando meu filho tivesse a idade de


Sylvie, aprontasse alguma coisa e tentasse negar suas intenções.

Eu já tivera um treino intensivo de quatro dias com Aurora e

Anna sobre como ser pai de crianças. Sylvie era um bom treino com
relação a adolescentes.

— Tá... — ela falou. — Talvez eu quisesse ler alguma coisa...

Mas só do final... para saber como ela estava conseguindo lidar com a

morte da nossa mãe. Ela foi tão forte durante todo o tempo...

— Ela teve que ser forte, Sylvie. Por você. Se você ainda não
percebeu, sua irmã te ama muito. E ela sinceramente surtaria se

descobrisse o que o seu pai está fazendo contigo.

— Eu... não queria... nunca quis que a Lay se sentisse tão

responsável por mim. Por isso é que ela não pode saber de nada disso.
Eu só preciso aguentar firme mais alguns meses, até fazer dezoito anos

e poder ir embora dessa casa.

— Você vai embora agora, já disse. Vá buscar suas coisas.

Ela tomou fôlego para retrucar, mas seus olhos se desviaram


para algo além de mim e ela recuou alguns passos, assustada. Antes

mesmo que eu me virasse, descobri do que se tratava ao ouvir a voz

daquele grande filho da puta.

— O que está acontecendo aqui?


Olhei para Albert, que se aproximava a passos rápidos e

cambaleantes, e tentei pensar nos motivos que eu tinha para não socar
aquela fuça dele.

A filha adolescente dele estava bem ali, e não seria algo muito

saudável de ser presenciado.

Ele era um homem desprezível, mas ainda era bem mais velho

do que eu, e estava completamente bêbado. E eu não era um covarde –


ao contrário dele, que manteve a filha adolescente presa dentro da

própria casa usando chantagens cruéis.

E, acima de tudo... ele não valia um mísero centavo, mas Layla

não conseguia deixar de vê-lo como seu pai. Mesmo com todos os
defeitos que ele tinha.

No entanto, eu não pude ficar parado quando ele se aproximou

de Sylvie e levantou a mão na clara intenção de lhe dar um tapa.

Agarrei a mão dele no ar, apertando seu pulso com força o suficiente
para fazê-lo gritar de dor.

— Não ouse encostar um só dedo na menina — adverti.


— Você é louco! — ele rebateu, ainda gemendo de dor. — Veio

aqui a mando de Layla, não é? Se ela acha que vai se meter na minha

vida, está muito enganada. Sylvie é minha filha e não é nada dela!

— Sabe onde vamos decidir isso? Na Justiça. Sylvie virá


comigo e Layla vai entrar com uma ação pela guarda dela.

— Se levar a minha filha eu coloco a polícia atrás de você.

— Coloque. Assim aproveitamos para contar sobre o fato de

você ter mantido sua filha menor de idade em cárcere privado. Tem

ideia de quantos anos de cadeia você pode ganhar com isso?

Ele arregalou os olhos e isso foi o suficiente para que eu


percebesse que tinha entendido muito bem o recado.

Quando soltei, ele caiu no chão como uma porra de uma fruta

podre e eu destravei as portas do meu carro, começando a caminhar

em direção a ele.

— Vamos, Sylvie.

A menina ainda olhou para o pai por algum tempo e, em meio

às lágrimas, hesitou. Mas, por fim, veio correndo até o carro e entrou
pela porta ao lado da minha.

Arranquei com o veículo e Sylvie afundou o rosto entre as

mãos, seu choro se tornando mais intenso. Aquilo me cortou o coração


e fiquei pensando em como Layla iria se sentir quando soubesse de

tudo pelo que sua irmã tinha passado.

— Vai ficar tudo bem, Sylvie — falei, tentando soar o mais

convincente possível.

Entre soluços, ela respondeu:

— Não vai dar certo. Como a Lay pode ficar comigo? Ela vai

ter um bebê... E tem que terminar a faculdade dela... E nem uma casa

ela tem.

— Ela tem uma casa e é para lá que estou te levando.

— A casa é sua, Sebastian. E eu não sou nada para você.

— Você é a irmãzinha da mulher que eu amo. É a família dela.

O que te torna minha família também.

Ela fungou e passou as mãos pelo rosto, secando as lágrimas e

tentando se recompor. Em meio a isso, esbravejou:


— Que droga...

— O que foi?

— Você é mesmo um cara legal.

Meus lábios se curvaram em um leve sorriso.

— Pode dizer isso para a sua irmã, não pode?

— Eu meio que já tenho dito.

— Sério?

— É. Eu tenho tentado te defender quando a gente conversa,


mas ela sempre troca de assunto. Então acho que não posso te ajudar.

Vai ter que reconquistá-la sozinho.

— O plano é esse. Mas antes eu preciso cuidar para que ela

esteja em segurança.

— Como assim segurança?

Era uma longa história, que Sylvie em algum momento teria

que saber. Mas não imaginei que isso ocorreria ali mesmo, dentro
daquele carro.
Meu celular, que eu tinha deixado sobre o painel do carro,
começou a tocar. A tela se acendendo e o nome de Layla surgindo no
visor.

Eu tinha passado os últimos dias pensando na felicidade que

sentiria quando aquilo acontecesse. No entanto, não foi isso o que eu


senti.

Por qualquer razão, quando eu me apressei para aceitar a


ligação, o que eu senti foi uma estranha sensação de medo.

Talvez já fosse minha intuição me avisando que algo estava


acontecendo com a mulher que eu amava.

*****
Capítulo trinta e nove

"Diga que me ama na minha cara

Eu preciso disso mais do que o seu abraço

Apenas diga que você me quer, é tudo o que importa

O coração está se machucando com seus erros"

(Say You Love Me – Jessie Ware)

24 de julho
Minutos antes...

A depressão já era uma velha conhecida minha.

Eu nem sabia há quanto tempo a conhecia, para falar a verdade.

Mas me lembrava da sua presença me acompanhando já em diversas


fases da minha infância.

Era sempre uma montanha-russa de sentimentos... os bons


vindo seguidos por quedas bruscas em penhascos de decepções, perdas

e tristezas.

Os lares temporários... o retorno ao abrigo.

A adoção... o desprezo do homem que passou a ser o meu pai.

A independência com a saída de casa e o início da faculdade...


a doença da minha mãe.

As novas amizades... A morte da minha mãe.

A noite com Sebastian... o acidente, o coma, a notícia de uma

gestação não planejada.


E aí veio o momento que demorei tanto a aceitar como sendo
real, aquele em que eu me sentia flutuando em uma felicidade

inabalável ao lado de Sebastian, sentindo nosso bebê crescer forte e

saudável em meu ventre, os planos para o futuro... E a quebra de

confiança.

Talvez essa última parte pudesse parecer pequena perto de tudo

o que eu já tinha passado. Podia parecer pouco perto de todo o amor e

o cuidado que Sebastian teve por mim... Mas tinha feito eu me sentir

exposta nos segredos que eu guardava. E talvez isso, vindo naquele

ponto da gravidez em que meus hormônios já estavam tão

desorientados... tivesse batido em mim com mais força do que deveria.

O fato era que eu precisava de um tempo sozinha. Para pensar,

para conviver apenas comigo mesma. Eu tinha ido para um hotel duas

estrelas que tinha uma localização que muitos julgariam como ruim,

mas que para mim era perfeita. Ficava em um ponto longe de

comércios, estações de metrô e paradas de ônibus. Mas que, ao mesmo


tempo, possuía uma vista privilegiada. Não do hotel em si, mas de um

lugar bem perto dele.

O hotel ficava bem no meio de uma subida íngreme – mais um

ponto negativo para atrair turistas. Contudo, todos os dias, no final da


tarde, eu saía dele e caminhava pela estrada da subida até o seu ponto

mais alto, que era uma espécie de mirante. Bem lá embaixo daquela
formação rochosa, as ondas do mar batiam de forma violenta contra as

pedras. Não havia qualquer mureta de segurança, e alguém desavisado


que subisse ali de carro poderia ter problemas caso fizesse isso à noite
e acabar despencando de um penhasco, já que o local não tinha

qualquer iluminação noturna. Às vezes, eu encontrava ali algum grupo


de turistas aventureiros que faziam a trilha de subida – diziam que

alguns mais ousados até desciam de rapel. Mas eles, assim como eu,
sempre iniciavam a descida antes que o sol começasse a se pôr, sob o

risco de não enxergar nada no caminho de volta.

Neste dia, eu voltei para o hotel por volta das seis da tarde,

quando a noite estava ainda começando a cair. Sentei-me na cama de


solteiro do quarto simples e pequeno que eu tinha conseguido alugar a

poucos dólares por diária e peguei o meu diário na mesa de cabeceira.

Eu tinha voltado a desenhar naqueles últimos dias. Fiz coisas

simples como flores, paisagens, um cachorro que se parecia com o


Blue... E o desenho de um bebê recém-nascido, deitadinho de bruços

dentro de um cestinho e com a cabecinha apoiada em um travesseiro.


Um bebê de pele negra, em um tom um pouco mais clara que a minha,

que eu imaginava como sendo a mistura minha com Sebastian.

O nosso pequeno bebezinho ainda sem nome.

Passei algum tempo ali parada, olhando para o desenho que eu

havia finalizado apenas algumas horas antes, e acariciando a minha


barriga.

— Acho que hoje eu vou ligar para o seu pai... — falei


baixinho.

Quando eu disse que sentia a necessidade de ficar sozinha, não

se tratava de uma solidão completa. Eu vinha conversando muito com


o meu bebê. E, de alguma forma, sentia como se ele me respondesse.

— Eu não estou mais com tanta raiva, sabe? — falei. — Na


verdade, a raiva mesmo passou em alguns dias. Mas eu sinto muita

vergonha. E... me sinto meio... sei lá... boba.

Retornei algumas páginas no meu diário, chegando até uma

data do ano anterior, poucos meses antes da morte da minha mãe.


Estou a cada dia amando mais o meu trabalho.

Tenho me envolvido muito nos projetos da Turner. Aliás, muito mais do

que deveria, já que sou apenas uma estagiária. Mas Camila tem uma
confiança muito grande em mim, e me delega funções que seriam para

arquitetos formados e com anos de experiência. Eu recebo pagamentos


adicionais da empresa por cada um desses serviços e, no início, confesso
que achava que minha amiga fizesse isso apenas como uma forma de me

ajudar, já que ela sabe que os custos do tratamento da minha mãe são
bem altos. Mas agora eu já entendo que ela faz isso, também, porque de

fato confia no meu profissionalismo.

E isso tem me ajudado muito. Em parte, claro, pelo dinheiro a mais, que é

super bem-vindo neste momento tão difícil. Mas também porque o


trabalho distrai a minha cabeça e me ajuda a suportar toda essa situação.

Mas tem outra coisa no trabalho que também me faz muito bem... E que
também me ajuda muito a distrair a minha mente para pensamentos mais

leves e... agradáveis.

Há algum tempo Sebastian Turner voltou a assumir seu cargo como CEO
da empresa. A situação que o levou a se afastar por um tempo foi a mais
triste possível, que foi o tratamento médico de sua agora falecida esposa.
Após a morte dela, ele voltou.

O motivo de Sebastian Turner distrair os meus pensamento é um tanto


quanto... complexo. Não vou mentir, preciso começar pelo fato mais

óbvio, ele ser certamente um dos homens mais lindos que já vi


pessoalmente em minha vida (parece ser uma característica daquela

família, aliás. Os três irmãos são muito bonitos. E não é à toa, já que a
mãe dele foi uma das atrizes mais lindas da sua geração). Mas dizer que é

apenas a beleza dele que chama a minha atenção seria também uma

mentira.

Existe algo a mais nele. Algo de misterioso, talvez, embora eu tenha


comentado isso uma vez com Camila e ela rebateu dizendo que Sebastian

não é do tipo que guarda segredos.

Talvez seja algo meio que... sensual?

Bem, seria ridículo tentar negar que Sebastian Turner é sexy como o

inferno. Já registrei aqui que ele é certamente o homem mais lindo que já
vi pessoalmente em minha vida? Pois é.
Mas não é só isso. Existe algo nele que me hipnotiza. E eu às vezes

preciso me forçar a não ficar encarando o meu patrão como uma tarada
sempre que ele passa pelo andar onde eu trabalho.

É algo tipo...

Bem, eu não sei. Em algum momento talvez eu volte para contar o que,

exatamente, me fascina tanto em Sebastian Turner.

Isso, é claro, se eu descobrir.

Virei a página, encontrando o próximo texto, datado de uma

semana depois:

Acho que entendi.

Mas acho, também, que não vou saber muito bem como explicar sem ser
mal compreendida.

Apesar de isso ser bem ridículo. A vantagem de um diário é justamente


não existir julgamentos.
A verdade é que eu acho que o que me encanta em Sebastian (além de ele

ser um pedação de mau caminho, né?) é um sentimento de identificação.

Os olhos dele me transmitem as rachaduras profundas que existem em


sua alma.

Não é algo bonito, na verdade. Eu sei que ele perdeu a mulher que

amava, e eu sequer consigo mensurar o tamanho desta dor. Apenas chego

perto disso quando penso a respeito da minha mãe, mas é algo que eu

imediatamente afasto, porque tenho muita fé de que ela vai optar por
continuar o tratamento e que vai conseguir se recuperar (ela tem falado

muito em desistir, mas não quero, ainda, aceitar essa opção). Mas, ao

mesmo tempo, eu sei também que já sofri muitas perdas, ainda que eu
não consiga me recordar muito bem delas, porque foram coisas que eu

vivi quando ainda era bem pequena.

Deve ser infinitamente pior quando se lembra, mas as rachaduras na

alma não somem quando você não se lembra mais da queda que levou a
isso. Elas estão ali, mesmo que você não as veja. Por mais que você ache

que foi colado e cicatrizado, é só passar os dedos pela superfície para

sentir o relevo do local que foi quebrado.

Eu sinto que Sebastian Turner tem uma alma parecida com a minha. E
tem sido cada vez mais difícil desviar meus olhos dele nas poucas vezes
em que o vejo.

Ah, e é claro... também pelo fato de ele ser um baita de um gostoso.

O que não faz muita diferença, no fim das contas. Apesar de ele ser
cunhado da minha melhor amiga, é como se existisse um abismo de

distância entre nós.

Mas eu torço, de todo o meu coração, para que ele fique bem. Que algum

dia as rachaduras de sua alma não sejam mais tão evidentes através de
seus olhos. E que ele encontre motivos para ser feliz. Seja através de

alguma outra mulher em sua vida, ou de outras realizações pessoais. De

qualquer coisa que faça com que ele recupere o desejo de ser feliz.

Camila sempre me diz que a falecida esposa dele era uma mulher
maravilhosa. Então, eu acredito que ela iria querer isso para ele também.

Eu já tinha relido aquele trecho inúmeras vezes nos últimos

dias. E não conseguia evitar me questionar sobre o que Sebastian teria

pensado a meu respeito ao ler aquilo.


Eu sabia bem das minhas intenções ao escrever. Sabia que em

momento algum tinha sido desrespeitosa com o luto dele ou com a

memória de sua esposa que havia, naquele momento, falecido há tão

pouco tempo.

Afinal, chamá-lo de gostoso nada mais era do que uma

constatação óbvia. Eu tinha certeza de que Bonnie concordaria

comigo.

Mas eu o imaginava no hospital, nos meses em que passei em


coma, lendo aquilo, sentindo ainda o luto tão doloroso em sua alma...

E me achando uma completa idiota.

Eu nunca tinha contado a ele que eu já o olhava de forma

diferente desde bem antes do nosso envolvimento. Nunca tinha

contado aquele encantamento que eu sentia por ele...

Nem outras coisas que descrevi ali no diário em outras


passagens algum tempo depois, que eram bem mais constrangedoras e

diziam respeito às ondas de desejo que ele me provocava.

Eu tinha chegado a citar em outra passagem, em meio a um

relato sobre um final de semana que passei tendo reflexões diversas,


sobre um sonho impróprio que tive com ele.

Tudo aquilo estava registrado ali.

Óbvio que tudo citado ali dizia respeito à pura atração física,
aliada a um sentimento de identificação que eu sentia com o olhar de

tristeza que Sebastian exibia desde a morte da esposa. E, em minha

defesa, eu nunca tinha mencionado o nome dele ali quando Bonnie

ainda era viva – com exceção da vez em que o encontrei no hospital,


quando ela ainda estava internada.

Apesar disso, ele já sabia que existia algo previamente da

minha parte. Mas, ainda assim, fez comigo todo um jogo de sedução,

provavelmente achando engraçado as vezes em que eu resistia a isso.


Porque ele no fundo sabia que eu já estava completamente entregue.

Fora isso, quantas coisas eu contei que ele já sabia e, mesmo

assim, fingiu surpresa? Ele mostrou todo um interesse em saber sobre

a minha situação com o meu pai. Não resistiu em deixar escapar que
eu tinha iniciado a faculdade de Arquitetura tendo outros sonhos para

o meu futuro... mas me instigou a contar que eu tinha descoberto uma

paixão pela área.


E tantas outras coisas...

— Quando mentem para você uma vez, é muito difícil voltar a

confiar — falei, ainda alisando minha barriga. — Aprenda isso, filho:

por mais difícil que seja, a verdade é sempre a opção correta.

Ele chutou e eu sorri, imaginando aquilo como uma


confirmação de que ele tinha compreendido o meu conselho.

Neste momento, alguém bateu em minha porta e, instantes

depois, falou:

— Senhorita Francis?

Levantei-me, caminhando até a porta. Sem abri-la.

— Pois não? — perguntei.

— Perdão, não foi possível realizar a troca de toalhas do seu

banheiro no período em que esteve fora. Eu trouxe algumas toalhas


limpas.

Todos os funcionários do hotel eram muito prestativos e


simpáticos, então eu não estranhei aquela chamada e abri a porta.

Encontrei um homem usando o uniforme do estabelecimento, com


uma pilha de toalhas em mãos. Ele sorriu para mim e eu sorri de volta,
abrindo espaço para que ele entrasse no quarto. Ele caminhou até a
entrada do banheiro e parou, virando-se de frente para mim, sem tirar o

sorriso de seus lábios.

— Senhorita, vou precisar te fazer um pedido especial.

— Claro... — respondi, sem entender muito bem.

— Eu quero que você, para o seu próprio bem, não grite, tudo

bem?

— O quê?

Ele enfiou a mão em meio às toalhas e tirou de lá um revólver,


apontando-o para mim. Sobressaltei para trás, levando as mãos à boca
para tentar sufocar o grito que veio de imediato em minha garganta.

— Quietinha, moça. Eu já não tenho muita coisa a perder. Se

gritar ou tentar reagir, não vou hesitar em atirar, entendeu?

Movimentei a cabeça em uma concordância aflita e, por


instinto, levei as duas mãos à barriga, como se isso pudesse proteger o
meu bebê.
****
Capítulo quarenta

"Estou assustada

Por encarar outro dia

Porque o medo em mim

Simplesmente não vai embora

Num instante

Você se foi

E agora estou assustada"

(I'm Scared – Duffy)


— Eu não tenho muito dinheiro comigo, mas pode levar o que

quiser — falei, imaginando, inicialmente, tratar-se de um assalto.

— O que eu quero levar é justamente você. Então você vai


chegar aqui bem pertinho de mim, vai me abraçar, e vamos sair daqui

juntinhos como se fôssemos um casal, e você vai ter em mente que,

por baixo do meu casaco, eu estarei o tempo inteiro com uma arma
apontada bem para a sua barriga. Negócio fechado?

Eu adoraria ter qualquer opção de resposta que não fosse

aceitar aquilo. No entanto, estava tão assustada que mal conseguia me

mover.

Ele pegou meu celular sobre a mesa de cabeceira e o enfiou no

bolso do casaco. Em seguida, veio até mim e envolveu um dos braços

em minhas costas, escondendo a outra mão, que segurava a arma, por

baixo da roupa, com o cano encostado em minha barriga como ele

disse que faria.

Ele começou a andar, guiando-me para fora do quarto, e eu

apenas consegui acompanhá-lo de forma automática, movida apenas


pelo medo.

— Tire essa expressão assustada do rosto, moça — ele falou

com a voz baixa próxima ao meu ouvido, enquanto começávamos a

descer as escadas. — Se qualquer pessoa desconfiar de algo e chamar

a polícia, eu acabo com você, entendeu?

Movimentei a cabeça em concordância e tentei fazer o que ele

pedia, mas não seria capaz de garantir que pudesse fingir em meu rosto

que eu não estava apavorada.

— Você é Daniel Reed? — perguntei, em um auge de coragem.

— Por enquanto, sim. Mas logo passarei a ser Daniel Turner.

Não entendi o que ele estaria querendo dizer com aquilo, mas

também não consegui perguntar. Passamos pela recepção, fomos para a

parte externa do hotel, e ele me fez entrar em um carro pela porta do

motorista. Entrou pela outra porta e manteve a arma escondida sob o

casaco, apontada em direção a mim.

— Agora dirija. Quando chegarmos à pista ali em frente, vire à

direita.
Por um instante, eu imaginei que ele tivesse se enganado.

Precisaríamos virar à esquerda para descer até a via principal.

— Se vamos embora daqui, você quer dizer ‘esquerda’, não é?

— Eu quis dizer exatamente o que eu disse. Vamos, vire à

direita.

Guiei o carro até a pista e acabei fazendo o que ele mandou. O


hotel era a última construção beirando aquela estradinha estreita, de
forma que em alguns poucos metros não existia mais qualquer

iluminação além dos faróis do carro.

De forma inocente, ainda deduzi que ele estivesse cometendo


um engano e que não conhecesse direito aquele lugar. Por isso, ousei
falar mais uma vez:

— Não existe saída além desta subida.

— Existe, sim. E você logo vai descobrir qual é. Agora cale a


porra da boca e apenas dirija até o topo.

Fiz o que ele falou, subindo devagar, com muito cuidado nas

curvas, já que estávamos literalmente à beira de um precipício.


Quando avistei o penhasco logo à frente, freei o carro, aguardando as

próximas ordens.

Ele enfiou a mão livre no bolso do casaco e pegou meu celular,


entregando-o a mim.

— Agora, precisarei de mais uma atuação sua. Ligue para


Sebastian e marque um encontro com ele. Exatamente aqui, daqui a...

Acho que trinta minutos são o suficiente para que ele chegue aqui, não
é? Ele não mora tão longe assim.

— Por que quer encontrar Sebastian?

— Não faça perguntas e apenas obedeça.

— Ele vai querer saber por que Daniel Reed está querendo

encontrá-lo.

— Você não entendeu, não é? Não vai mencionar que eu estou


aqui. Você fará uma voz bem melosa e sensual e dirá que você está
sozinha, esperando-o bem aqui.

Movimentei a cabeça em uma negativa aflita.

— Eu não vou conseguir fingir. Não vou conseguir fazer isso.


O cano da arma pressionou em minhas costelas com mais
força.

— Você vai, sim. Eu sinto muito por te colocar nessa situação,


especialmente estando grávida, moça. Não era a minha intenção. O

plano era me livrar apenas de Sebastian, mas tem sido difícil chegar
até ele, e você é a isca perfeita. Então, eu sinto muito, mas vocês vão
ter que morrer juntinhos.

Um onda ainda maior de desespero tomou conta de mim. O

cano da arma pressionou minhas costelas com ainda mais força, a


ponto de me arrancar um gemido de dor. Com as mãos trêmulas e sob
ameaça, fiz o que ele me pediu. Os olhos dele estavam atentos no visor

do telefone enquanto eu buscava o contato de Sebastian e fazia a


ligação. Ia levar o celular ao ouvido, mas ele advertiu.

— Coloque no viva-voz. Só para eu ter certeza de que você não


vai tentar me enganar dizendo que ele não atendeu.

Atendi ao pedido, ao mesmo tempo que comecei a pedir a Deus

para que Sebastian, de fato, não atendesse. Ou que, talvez, o período


que fiquei longe, sem dar notícias, já tivesse sido o suficiente para que
ele desistisse de mim. Quem sabe ele estivesse chateado, achando que
eu tinha feito muito drama ou qualquer coisa parecida, e apenas
negasse minha proposta inusitada para me encontrar. Quem sabe, desta
forma, Daniel Reed apenas fosse embora e nos deixasse em paz.

— Lay? — Fechei os olhos quando a voz de Sebastian soou no

interior do carro, vindo do celular. — Está tudo bem, Lay?

A pergunta dele não tinha o mesmo tom da última vez em que

nos falamos. Não era como uma preocupação pelo meu estado geral de

saúde ou emocional, era algo além disso. Era como se ele já deduzisse
que algo estivesse acontecendo naquele exato momento.

— Lay? Lay, fala comigo — ele repetiu, só então me fazendo

me dar conta de que eu tinha ficado calada por tempo demais.

Daniel pressionou a arma conta a minha barriga, forçando-me a

falar alguma coisa.

— Oi, Sebastian. Está... Está tudo bem, sim... — Tentei fingir o

máximo possível de naturalidade em minha voz, mas era perceptível

que não estava tendo muito sucesso. — Você pode vir me ver?

— Estou indo agora. Já estou no carro, chego em uns vinte


minutos.
— Sabe onde eu estou?

— Sylvie está comigo.

— ...Não traga ela, por favor.

Minha voz soou mais desesperada do que deveria e Daniel me

lançou um olhar de advertência, que me fez tentar consertar tudo.

— Deixe-a no hotel e suba até aqui para me encontrar sozinho,

porque... nós precisamos conversar a sós.

— O que está acontecendo, Lay?

— Nada... Eu só quero te ver... e conversar com você.

— Não é verdade, Lay. Eu conheço a sua voz. Sei que está

acontecendo alguma coisa. Eu já vou chegar aí. Fica comigo na linha,

por favor.

Daniel movimentou a cabeça em negativa, como se me dizendo


para recusar aquilo e encerrar a ligação. Respirei fundo, tentando

recompor a calma, mas isso se tornou mais difícil quando um clarão

iluminou o céu, apenas alguns segundos antes do som de um trovão

fazer o meu corpo todo tremer.


Ia começar uma tempestade...

E eu estava literalmente à beira de um penhasco, pedindo para

que Sebastian se juntasse a mim.

"Vocês vão ter que morrer juntinhos"

Era difícil raciocinar bem quando se estava sob a mira de uma

arma. Especialmente na situação em que eu estava, grávida de quase

oito meses. Mas só então compreendi a totalidade do que estava em

jogo ali.

Aquele homem ia me matar. De qualquer maneira. Ele só

queria que eu atraísse Sebastian até ali. Então, minhas opções eram

duas mortes – minha e do meu bebê – ou três, com Sebastian.

Era a situação mais desesperadora possível. Mas estava em

minhas mãos salvar ao menos um dentre nós.

Sem pensar mais a respeito disso, eu passei a gritar, falando de

forma acelerada:
— Não venha, Sebastian. Chame a polícia. Daniel Reed está

aqui. Ele está armado e quer...

Fui interrompida pelo punho de Daniel se chocando contra o

meu rosto. A força era tanta que minha cabeça bateu no vidro da

janela. O celular escapou da minha mão, caindo sobre as minhas

pernas, e senti a mão de Daniel pegando-o.

— Layla? — Sebastian gritou. — Layla, fala comigo! Layla?

— Se trouxer a polícia, eu estouro os miolos dela.

Daniel abriu a porta e saiu do carro, levando o celular junto, e

eu não consegui ouvir mais nada da conversa. Mas vi que não durou

muito, pois ele logo encerrou a ligação e atirou o celular no mar.

Vi a cena de forma meio turva. Não conseguia enxergar direito.


Toda a minha cabeça doía, tanto o rosto, onde levei um soco, quanto a

lateral que bati contra o vidro da janela. Doía muito, de forma

insuportável.

Minhas pálpebras, pesadas, começaram a se fechar, e eu tentei


lutar contra aquilo. Não podia perder a consciência naquele momento.
Mas de nada adiantou o meu esforço.

O som de mais um trovão foi a última coisa que ouvi antes de

mergulhar na mais profunda escuridão.

*****
Capítulo quarenta e um

"O que me mata é que eu te machuquei assim

A pior parte é que eu nem sabia

E agora existem um milhão de razões para você partir

Mas se você conseguir achar um motivo para ficar

Eu farei o que for preciso

Para mudar tudo isso

Eu sei que te magoei

E se me der uma chance

Eu vou nos manter juntos, custe o que custar"


(Whatever It Takes – Lifehouse)

O homem tinha dado as instruções. Eu deveria deixar o carro

no estacionamento do hotel e subir o restante da trilha a pé, sem o


envolvimento da polícia. Perguntou se havia alguém ouvindo a

conversa e eu menti dizendo que não, embora Sylvie estivesse bem ao

meu lado.

Ele estava com Layla e atiraria nela caso eu não fosse ou se


chegasse acompanhado de qualquer pessoa. Logo que ele desligou, eu

tentei ligar novamente, mas ninguém atendeu.

Soquei o volante com força, repetindo mentalmente que eu


arrancaria cada órgão do corpo daquele filho da puta se ele ousasse

ferir Layla.

Só que, pelo estrondo que eu tinha ouvido antes que ele

assumisse a ligação, eu tinha um indício de que ele já havia feito


aquilo.

Se antes a minha intenção era passar em minha casa e deixar

Sylvie lá antes de seguir para o hotel – que agora eu sabia qual era, já
que ele tinha me dito – eu imediatamente alterei o trajeto para ir direto
até lá.

— O que está acontecendo? — Sylvie perguntou do meu lado,

assustada. — O que fizeram com a minha irmã?

— Ninguém fará nada com ela. Mas vou precisar da sua ajuda.

Ela movimentou a cabeça em uma aflita concordância e eu

peguei meu celular, colocando o dedo na tela para desbloqueá-la. Em

seguida o entreguei a Sylvie.

— Altere as configurações para tirar o desbloqueio por digital.

Coloque uma senha simples que você lembre de forma fácil, porque o

telefone vai ficar com você.

Ela fez rapidamente o que eu pedi, e eu só precisei colocar o

dedo mais uma vez sobre a tela para confirmar a alteração de

configurações de segurança.

— Coloquei o dia do aniversário da Lay. Você sabe qual é?

— É, eu sei. Eu vou parar o carro em frente ao hotel. Você vai

entrar e esperar na recepção, lá é mais seguro do que no carro. Quero


que você ligue agora para Michael ou para Logan. Se um não atender,

tente o outro e diga que os dois devem ir para o hotel imediatamente.

— O que eu vou explicar para eles? — a pergunta dela era

lógica, já que ela mesma ainda não sabia o que estava acontecendo.

— Diga que Daniel Reed está lá. Os dois moram perto do local,
não devem demorar para chegar. Encontre com eles e mostre a direção

para onde eu fui. Eles vão saber o que fazer.

Ela movimentou a cabeça em concordância. Por um momento,

eu me perguntei se estava fazendo a coisa correta. Daniel Reed tinha


sido bem enfático ao ordenar que eu fosse sozinho, mas eu sabia que

aquilo era uma armadilha. De qualquer forma, eu chegaria sozinho,


como ele mesmo mandou. E, se tudo desse certo, eu conseguiria
resolver toda a situação.

Mas, caso não desse, precisaria de um reforço. E eu não

confiava em ninguém para isso além dos meus irmãos.

Segui com as instruções.:

— Em seguida você vai ligar para a polícia e informar que um

homem chamado Daniel Reed está mantendo uma mulher refém e


ameaçando-a, e vai informar o endereço. E avise também que ela está

possivelmente ferida, então eles devem mandar uma ambulância.

— A Lay está ferida?

— Sem tempo para perguntas, Sylvie. Já pode começar as

ligações agora.

Estávamos a cerca de dez minutos do hotel, então era prudente


que tudo aquilo fosse adiantado. Ao meu lado, Sylvie ligou para Logan
– provavelmente porque o nome dele vinha antes na agenda do celular

– e ele logo atendeu. Não prestei atenção à conversa rápida que ela
teve com ele, porque minha mente estava completamente fixada em

Layla, sentindo todo o temor ao pensar no que aquele filho da puta


podia ter feito com ela

Eu já chegava ao hotel quando Sylvie encerrou a conversa com


a polícia e desligou o telefone. Seu choro se tornou mais intenso e eu

pensei no quanto Layla odiaria saber que sua irmã passou por toda
aquela situação de pânico de perdê-la... pela segunda vez.

— Syl... — eu a chamei pelo mesmo apelido carinhoso que


Layla sempre usava. — A chave da casa está no porta-luvas. Se algo
acontecer comigo, meus irmãos levarão você e Layla para lá. A casa é
de vocês.

— Não vai acontecer nada — ela rebateu de imediato. — A


Lay é louca por você. Ela já perdeu a nossa mãe. Ela já perdeu pessoas

demais. Você vai voltar para casa com ela, ouviu? Você vai salvar a
minha irmã e vai voltar para casa com ela.

Se eu não estivesse tão tenso, teria sorrido diante daquilo. Às


vezes Sylvie tinha um jeito incisivo de falar muito parecido com o da

irmã.

— Eu vou salvá-la, prometo para você. E a Lay é louca por

você também. Então quero que você me prometa que não vai permitir
que ninguém, nem mesmo o seu pai, tenha controle sobre suas

escolhas. A decisão da faculdade é apenas sua e não dele. E o seu


coração é apenas seu também.

Olhei para ela por um momento, enquanto já parava o carro em


frente ao hotel, e a vi balançar a cabeça em concordância.

Abri o porta-luvas e Sylvie sobressaltou ao meu lado ao ver um


revólver.
— Por que você anda com isso no carro? — ela perguntou,
assustada.

Era a mesma longa história que eu não tinha tempo para contar
naquele momento. Então apenas peguei a arma, além das chaves da

casa que entreguei a Sylvie. Logo que saímos do veículo, joguei para
ela, também, a chave do carro.

— Fique na recepção — ordenei, temendo que ela pudesse vir

a tentar me seguir. — Aconteça o que acontecer, não vá lá para cima,


entendeu?

Ela assentiu e eu corri pela estrada deserta que seguia a subir.

Apenas alguns segundos depois eu já não enxergava um só palmo de

distância diante do meu rosto. Podia ter levado meu celular para ser
usado como lanterna, mas quis deixá-lo com Sylvie caso meus irmãos

precisassem entrar em contato – já que a menina tinha deixado o dela

na casa do pai. Mas não me importei com isso e apenas continuei a


subir em uma corrida, usando o acostamento do asfalto, que era uma

faixa de terra contornando a encosta, como guia para os meus pés.

Trovões fortes estremeciam o céu e pensei que aquilo devia

contribuir para deixar Layla ainda mais assustada. Ela odiava


temporais, e era irônico que mais um momento terrível da vida dela

acontecesse junto ao prenúncio de um.

Eu não conhecia aquele caminho e não fazia ideia de quanto

ainda faltava para chegar ao final, já que não existia nada além de

escuridão à minha frente. Até que um forte clarão surgiu, fazendo-me

parar abruptamente e colocar as mãos, de forma instintiva, em frente


ao rosto para proteger os olhos da luz.

— Coloque agora as mãos para cima — disse uma voz

masculina. A mesma com quem eu tinha falado ao telefone minutos

atrás. — Antes, coloque no chão a arma que eu tenho certeza de que


trouxe com você.

Consegui tirar as mãos da frente do rosto, acostumando

devagar os meus olhos com a luz forte que agora eu via que vinha dos

faróis de um carro velho parado a poucos metros de onde parecia se


iniciar um precipício. O homem que falava comigo estava do lado do

veículo, com um revólver na mão. Não o apontava para mim, mas sim

para dentro do veículo, que estava com a porta do passageiro aberta.

Eu não conseguia ver Layla dali, mas deduzi que estivesse


dentro daquele carro.
Levantei as mãos, atendendo às ordens daquele homem. E eu

tive ainda mais certeza de que nunca o tinha visto antes – a não ser

pelas imagens de segurança do estacionamento do hotel, na noite em


que ele sabotou o meu carro. Contudo, ao mesmo tempo, eu senti algo

familiar nele. Algo que, em um primeiro momento, não consegui

identificar o que era.

— Onde está Layla? — perguntei.

— Sou eu quem faço as perguntas aqui. Cadê a sua arma?

— Eu não tenho uma arma.

— Claro... Como seu fosse idiota o suficiente para acreditar

nisso. Livre-se logo da sua arma, ou eu atiro na garota.

Aquilo me confirmava que Layla estava mesmo dentro do

carro. As mãos daquele homem tremiam e ele parecia completamente


fora de si. O que me dava motivos para não abusar de sua paciência.

Ainda com uma das mãos para o alto, desci com a outra até o

meu cinto, pegando lá o revólver que eu havia levado. Em seguida,

abaixei-me devagar, ainda analisando aquele homem e procurando


uma brecha para que eu pudesse me arriscar a tentar atirar nele. Mas
logo percebi que aquilo seria uma sentença para Layla. Ele mantinha

seus olhos bem fixos em mim, sequer parecia piscar, e a mão que
segurava a arma estava preparada para atirar a qualquer mínimo

movimento fora do esperado.

Desta forma, acabei soltando meu revólver no chão e voltei a

me levantar, ainda com as mãos para cima.

— Muito bem. Agora chute a pistola em direção a mim. Não


quero ninguém aqui tentando bancar o super-herói.

Novamente, não tive alternativa a não ser obedecê-lo. Minha

arma foi parar no meio do caminho entre nós dois, mas Daniel Reed

não se moveu para ir pegá-la.

— Tem mais alguma arma? — ele indagou.

— Não — respondi. — Era apenas essa.

— Devo acreditar em você? Ou devo me aproximar para

conferir? Se eu for até aí e você tiver nem que seja um canivetezinho

guardado no bolso, eu mando bala no carro e explodo a cabeça da sua


garota, entendeu?
— Entendi. Pode vir, não tenho mais nada comigo.

Era verdade. E ele pareceu ter acreditado, porque não tentou se

aproximar.

— Certo. Então, agora quero que você venha andando devagar

e entre no carro. Eu vou ser bem legal com você e fazer tudo ser mais
rápido e menos doloroso.

Ele enfiou a mão no bolso e pegou um frasco de comprimidos,

que atirou para mim. Consegui agarrá-lo antes que caísse no chão.

— O que é isso? — indaguei.

— Apenas tome e entre no carro. Pode colocar o cinto de


segurança, se quiser. Não que vá fazer qualquer diferença.

Olhei para o frasco, lendo o rótulo. Parecia ser algum

medicamento sedativo.

— Por que quer me dopar e para que quer que eu entre no

carro? — perguntei.

Mais do que uma dúvida genuína, eu queria ganhar tempo.

Sabia que meus irmãos chegariam a qualquer momento e, se tudo


corresse como o esperado, a polícia também já estava a caminho.

De preferência, com uma ambulância, como Sylvie pediu.

— Deu isso para a minha mulher? — indaguei, estranhando o


silêncio dentro do carro. Deduzi que Layla pudesse estar dormindo.

Por um lado, isso me tranquilizava, porque ela não estaria

presenciando toda a tensão daquele momento. Por outro, me

assombrava. Ela estava grávida e não podia tomar aquele tipo de


medicamento.

— Não precisei — ele rebateu, ainda sério. — E eu já disse que

você não está em condições de fazer perguntas por aqui.

— Eu tomo isso. Mas apenas se, antes, deixar que eu veja a

minha mulher.

— Acha mesmo que pode fazer pedidos?

— Nada me impede de tentar. Você está ameaçando atirar

dentro de um carro, mas eu nem sei se tem realmente alguém aí dentro.

O olhar de confiança dele estremeceu. Ele pareceu pensar por

alguns instantes, e então fez um movimento com a mão, em um gesto


de quem me mandava caminhar para o lado. Fiz isso devagar,
mantendo ainda uma boa distância dele, enquanto ele próprio também

girava o corpo, até ficar praticamente de costas para a lateral do carro,

com seu braço virado em um ângulo bem desconfortável para seguir


apontando lá para dentro. Desta forma, eu fiquei de frente para a porta

aberta do veículo e, enfim, pude vê-la.

Layla estava realmente lá dentro.

Estava sentada no banco do motorista, com a cabeça tombada

para o lado, nitidamente desacordada.

A visão fez a minha fúria aumentar.

— O que fez com ela? — Dei um primeiro passo em direção ao

carro, mas Daniel balançou a arma, me mostrando que atiraria caso eu

me aproximasse mais.

— Fique bem aí! — ele gritou. — Não estou brincando, eu vou


estourar os miolos dessa vadia se você tentar qualquer gracinha.

— O que você quer de mim?

— Já disse: tome as porras dos comprimidos e entre no carro.


— Por quê?

— Acha que tenho tempo para ficar de conversa com você?

Faça logo o que eu mandei. Agora, ou eu atiro! Vou contar até três!
Um...

Antes que ele pudesse seguir com a contagem, eu abri o frasco


e coloquei os três ou quatro comprimidos que havia ali na palma da

minha mão, virando-os dentro da boca. No entanto, eu não os engoli.


Apenas fingi fazer isso, escondendo-os em um canto da boca.

— Agora vamos esperar uns minutinhos até que façam efeito


— ele falou. — E então você entra no carro. E relaxe, porque será tudo

bem rápido.

— Enquanto esperamos, por que não me conta os seus planos?

— Não devo explicação alguma a você. Mas, se quer tanto


saber, vou empurrar o carro com vocês dois. Todos vão pensar que foi
um triste acidente.

— Já é a segunda vez que você planeja me matar, Reed. Me dê

ao menos o direito de saber os motivos disso.


— Digamos que eu me cansei da vida de migalhas que nosso
pai me deu... irmãozinho.

Fiquei em choque, pego completamente de surpresa por aquilo.


Era óbvio que minha primeira reação era a de negar aquilo. No

entanto, olhando melhor para o rosto daquele homem, eu enfim me dei


conta de porque ele me parecia familiar. Os traços do rosto, os olhos e

cabelos castanhos... Ele era parecido demais com o meu falecido pai.

Seria possível que...

Na verdade, olhando bem para ele, percebi que, de fato, seria

impossível que ele não fosse filho do meu pai. A semelhança física
entre os dois era desconcertante.

Então, era aquilo...

Daniel Reed, o homem que tentava pela segunda vez me matar,


era meu irmão.

Um relâmpago iluminou o céu, instantes antes do estrondo de

um trovão que veio quase ao mesmo tempo que a chuva começou a


cair entre nós.
*****
Capítulo quarenta e dois

"Há tanta loucura me rodeando

Tanta coisa acontecendo, que fica difícil respirar

Toda minha fé foi embora e você a traz de volta pra mim

Você torna as coisas reais pra mim"

(You Make It Real – James Morrison)

A dor forte em minha cabeça foi, aos poucos, me trazendo de

volta à realidade. Não só ela, mas também os sons dos trovões em


conjunto com a chuva que caía sobre a lataria do carro.

E das vozes...

A voz de Daniel Reed conseguia fazer meu corpo estremecer

de medo ainda mais do que os trovões que sempre me assustaram


tanto.

Contudo, não havia apenas a voz dele ali, mas também a de

Sebastian.

Fui aos poucos abrindo os olhos, conforme a consciência

retornava devagar. A conversa tida por Sebastian e Daniel chegava aos

meus ouvidos de forma confusa, quase como murmúrios, que pouco a

pouco foram criando sentido.

“Nosso pai...”

“Irmãozinho...”
De repente, o que Daniel tinha me dito no hotel fazia sentido.
Ele disse que em breve se tornaria Daniel Turner. Estaria ele, então,

em busca de uma vingança póstuma para o pai que não o reconheceu

como filho?

Bem, se ele fizesse ideia de que tanto Sebastian quanto eu


compartilhávamos com ele a experiência de ter figuras paternas

problemáticas em nossas vidas, não ia querer nos matar, mas sim

sentar com a gente em uma mesa de bar para encher a cara enquanto

conversávamos sobre nossas péssimas experiências no assunto.

O pensamento estúpido me mostrava que a pancada na cabeça


provavelmente tinha sido bem forte. Eu não estava em meu juízo

normal em esperar empatia, identificação ou a possibilidade de dividir

uma mesa de bar com aquele sujeito com tendências assassinas.

Minha visão, turva, aos poucos foi clareando, e consegui


avistar Sebastian, a alguns metros de distância à frente, com os braços

levantados em sinal de rendição, enquanto, de lado para mim, com o

rosto voltado em direção a Sebastian, Daniel Reed mantinha sua arma

apontada para dentro do carro. Os dois já molhados pela chuva que

caía, embora não estivesse ainda tão forte.


A conversa entre eles prosseguiu, com Daniel falando:

— Aquele maldito nunca me reconheceu legalmente.

— É possível fazer isso agora — Sebastian propôs. Por causa


da distância e da chuva, os dois falavam de forma bem alta para serem

ouvidos um pelo outro, o que me permitia ouvir tudo também, embora


com um pouco mais de dificuldade por causa dos sons da chuva sobre

o carro. — Um exame de DNA basta. Ele está morto, mas você teria
todos os direitos à herança dele como filho.

— Eu não quero uma herança, Sebastian. Eu queria um pai.

— Lamento. Mas, sendo bem sincero, isso nenhum de nós teve,


mesmo tendo crescido na mesma casa que ele.

Daniel baixou o rosto e balançou a cabeça parecendo


perturbado com aquilo. E foi nesse momento que Sebastian olhou para

mim. Vi a surpresa e o alívio em seus olhos ao me ver acordada, mas


ele logo voltou a olhar para o outro homem e a disfarçar o seu
semblante, para que aquele louco não percebesse que eu estava

consciente.
— Não me importa mais. Depois de todo o abandono, não vou

me contentar apenas com uma parte da herança. — Daniel voltou a


falar.

Sem fazer movimentos bruscos, eu estiquei o braço e comecei


a, devagar, abrir o porta-luvas, na esperança de que ele tivesse mais

alguma arma ali.

— Eu quero a Turner. A empresa que aquele filho da puta


deixou registrado em testamento que seria de seu filho mais velho.
Temos apenas meses de diferença de idade, Sebastian. Por isso vou

precisar me livrar de você para, após o reconhecimento, ser eu a


assumir a empresa.

Meses de diferença...

Aquilo quase me fez vomitar. Significava que Trinity estava


grávida enquanto seu marido se envolvia com outras mulheres. Ele era

incapaz de respeitar até mesmo a gravidez da esposa. Era realmente


um homem detestável.

Eu pensava a respeito disso ao mesmo tempo que terminava de


abrir o porta-luvas, bem devagar e fazendo o mínimo possível de
movimentos corporais. E depois eu passei a mão lá dentro, tocando
cada objeto e tentando encontrar algo que pudesse ser usado como
arma. Senti algo cilíndrico e o peguei. Não era um revólver, mas uma

lanterna.

Uma simples e inofensiva lanterna.

Voltei a olhar para fora do carro, abaixando a lanterna em

direção aos meus pés e testando o botão. Estava funcionando, além de


ter uma luz bem forte. Apaguei-a rapidamente.

Daniel esfregava as mãos na cabeça, atordoado, e Sebastian


olhou novamente para mim. Aquele local completamente escuro era

iluminado apenas pelos faróis do carro. E isso me fez começar a ter


ideias.

Se eu conseguisse fazer Sebastian ter alguma vantagem sobre


aquele homem armado...

Quando Daniel voltou a levantar o rosto, Sebastian se apressou

em olhá-lo novamente e a distraí-lo com mais perguntas:

— Então é isso? Você pretende me matar para ficar com a

Turner? E vai matar junto uma mulher que não tem absolutamente
nada a ver com isso, e que está grávida?

— Eu não queria fazer isso. Era para ser só você, naquela noite

de Ano Novo. Eu achava que você ia embora sozinho daquele hotel, ia


tudo parecer um simples acidente e ninguém mais seria envolvido.

Mas não deu certo, eu precisei fugir, e agora você está sempre com
umas porras de segurança na sua cola. A única brecha de chegar até

você foi através da moça.

— E você chegou até mim. Então deixe-a fora disso.

— Para ela ir correndo contar para a polícia? Acha que sou

algum idiota?

Sebastian continuou a argumentar, tentando negociar com

aquele homem. E sempre que Daniel deixava de olhá-lo por algum

instante, ele olhava para mim. Aproveitei um desses momentos e


mostrei-lhe a lanterna. Percebi a confusão em seu rosto. Em outro

olhar, apontei para os faróis do carro e em seguida para Daniel e ele

pareceu compreender qual era o meu plano. Tanto que balançou


levemente a cabeça em uma negativa, certamente com medo de que eu

acabasse sendo ferida naquilo.


Mas era nossa única chance. Daniel voltou a gritar para que

Sebastian entrasse no carro. E, se eu não fizesse algo enquanto ele


ainda não tinha percebido que eu estava acordada, não teria outra

oportunidade.

Então, eu agi, após trocar mais um olhar com Sebastian e

acenar com a cabeça. Apontei a lanterna em direção a Daniel, com


meu dedo posicionado no botão para acioná-la. Levei a outra mão ao

botão dos faróis no painel do carro e, mentalmente, reforcei que

precisaria sincronizar ao máximo as duas ações.

Respirei fundo e pressionei os dois botões. As luzes do carro se


apagaram, criando um verdadeiro breu em todo o nosso entorno, com

exceção de um único ponto: Daniel Reed, iluminado pelo foco da

lanterna.

Eu não podia mais ver Sebastian. Sabia que ele não tinha
ficado parado no mesmo local, mas ainda assim não consegui evitar o

grito de pavor quando Daniel, agindo por reflexo em meio à tensão

daquela surpresa, girou o braço com a arma que apontava para mim
para a direção onde Sebastian estava segundos antes, atirando quatro

vezes.
Ouvindo meu grito, ele se virou de frente para mim, enfim

notando que era eu quem tinha apagado as luzes e mantinha o foco de

uma lanterna sobre ele.

— Vadia desgraçada... — praguejou, apontando o revólver para


mim.

Fechei os olhos, assustada, esperando pelo tiro, mas o que ouvi

foi o baque, seguido por um grito do próprio Daniel. Imaginei que

Sebastian teria se jogado contra ele, surpreendendo-o em meio à


escuridão. Abri os olhos, mas não conseguia ver mais nada. Ouvia

sons do que parecia ser uma luta corporal, mas não conseguia focar a

lanterna onde tudo acontecia. Foi então que tentei ir para o banco ao

lado.

E fui detida por uma dor insuportável. Uma dor em meu ventre.

Ainda assim, tentei ao menos me arrastar para o outro banco.

Logo que consegui fazer isso, sentindo ainda muita dor, voltei o foco

da lanterna para o meu próprio corpo. Meu vestido havia levantado e


um pedaço do short que eu usava por embaixo estava à mostra... O

tecido amarelo-claro agora em um vermelho-vivo, ensopado de

sangue.
— Não... — sussurrei, apavorada. Os piores pensamentos

passando pela minha mente.

Os sons de luta lá fora continuaram e consegui inclinar o corpo

para o lado, usando a lanterna para iluminar o que acontecia. Daniel

estava caído de costas no chão e, sobre ele, Sebastian desferia

inúmeros socos raivosos sobre o seu rosto.

Tentei dizer alguma coisa, mas a dor me calou. Uma luz forte
chegou ao local e eu virei o rosto para trás, vendo outro carro chegar

ali. Em um primeiro momento, me apavorei com a possibilidade de ser

alguém trabalhando junto a Daniel, mas logo fui tomada pelo alívio
quando a porta de trás do veículo se abriu – antes mesmo de o carro

parar completamente – e Sylvie saiu, vindo correndo até mim.

— Lay! — ela gritava, em desespero. Parou na porta do carro,

olhando assustada para o meu rosto ferido pelo soco que eu tinha
levado. — Está machucada, Lay. Vai ficar tudo bem agora, tá?

Ela me abraçou e eu, ainda atordoada, vi as outras portas do

carro se abrirem. Logan e Michael saíram de lá, o mais novo deles

correndo até Sebastian.


— Chega, irmão! Ele já desmaiou. Vamos deixar o restante

com a polícia.

Sebastian estava tão tomado pelo ódio que nitidamente não

queria parar. Mas acabou dando um último soco em Daniel – que


aparentemente já estava mesmo inconsciente – e o deixou com

Michael, levantando-se e vindo até mim.

— Layla! — ele falou, aflito. Eu ainda estava abraçada a

Sylvie, então ele passou as mãos molhadas de chuva pelo meu rosto.
— Aquele desgraçado machucou você. Você estava desmaiada quando

cheguei, vamos levá-la para o hospital.

Ele estava em pânico com o meu rosto ferido e com o fato de

eu ter desmaiado ao bater a cabeça, mas sequer imaginava que além


disso eu corria o risco de...

— Não posso perder nosso filho... — sussurrei, em pânico.

Sylvie se afastou, assustada, e então ela e Sebastian olharam

para as minhas pernas, onde o sangue já escorria.

Vi o pavor nos olhos de Sebastian aumentar ainda mais. Logan,

que estava de pé próximo ao carro, se abaixou, pedindo que Sylvie e


Sebastian lhe dessem espaço.

— Acalme-se, Layla — ele pediu. — Respire fundo e tente não

se mexer. Tem uma ambulância já a caminho, tudo bem?

Movimentei a cabeça em concordância, embora não

conseguisse parar de chorar. Logan pegou a lanterna da minha mão e a

usou para olhar melhor para os ferimentos na minha cabeça, enquanto

fazia algumas perguntas sobre o que eu estava sentindo. Eu respondia


apenas com sim ou não, em meio ao choro. Ele pegou o meu pulso e

verificou a minha pressão arterial com o auxílio de um cronômetro do

próprio celular.

— Tente se acalmar, Layla. A ambulância já está a caminho,


certo? — A ênfase que Logan dava ao pedido para que eu me

acalmasse conseguia me deixar ainda mais tensa, porque me parecia

ser um indicativo de que minha pressão não estava tão boa quanto
deveria.

Sebastian se abaixou ao lado do irmão médico e segurou a

minha outra mão, olhando nos meus olhos.


— Vai ficar tudo bem — ele me garantiu. — Você vai ficar
bem e o nosso filho também. Acredita em mim?

Movimentei a cabeça em uma concordância sincera. E nesse

momento ouvi os sons de sirene se aproximando. Provavelmente a

ambulância a qual Logan se referia. Ele se afastou, indo falar com os


paramédicos. Vi policiais passarem também, indo até onde Daniel

estava. Olhei para Sylvie, que permanecia de pé próxima ao carro,

chorando assustada embaixo da chuva que já caía forte. Ouvi os sons


dos trovões e minha visão estava turva em meio aos clarões de

relâmpagos no céu.

E eu não me recordava de ter sentido tanto medo em nenhum

outro momento de toda a minha vida.

— Lay... — Sebastian me chamou, fazendo com que eu

voltasse a olhá-lo. Ele ainda segurava as minhas mãos. — Vai ficar


tudo bem. Daniel Reed não tentará mais nada contra nós. Nosso bebê
ficará bem. Logo estaremos em casa com ele. E então, depois de hoje,

sempre que estiver chovendo assim, quero que você se lembre deste
momento em que eu estou garantindo para você que tudo vai ficar
bem, tá?
Movimentei a cabeça em concordância e, em meio ao choro,
declarei:

— Eu amo você. Eu não... não devia ter ficado tantos dias


longe.

— Eu te amo. E ainda teremos muitos e muitos dias... e anos...


e décadas para ficarmos juntos.

Tentei sorrir, mas a dor forte me impediu. Ouvi os passos dos

paramédicos se aproximando e suas vozes, e os sons das sirenes... mas


tudo se tornou confuso e indistinto.

Então me dei conta que estava novamente perdendo a


consciência.

*****
Capítulo quarenta e três

"Se eu não tiver nada

Eu tenho você

Se eu não conseguir algo, eu não dou a mínima

Porque tenho você

Eu não sei muito sobre álgebra, mas sei que

Um mais um é igual a dois

E somos eu e você

Isso é tudo que teremos quando o mundo acabar"

(1+1 – Beyoncé)
O Hospital agora era outro, mas ainda tinha aquela mesma

atmosfera pesada do anterior... aquele onde eu tinha perdido Bonnie e


onde por pouco não perdi Layla. Onde tinha passado dois meses

pedindo para que ela acordasse, no fundo sentindo medo de que isso

nunca acontecesse.

Agora, estávamos em um lugar onde, segundo Logan, havia a


melhor emergência obstetrícia da Costa Oeste. Layla foi levada

desacordada, e meu irmão novamente usou sua influência como

médico para conseguir acompanhá-la. Sylvie ficou comigo na sala de


espera. Michael não foi conosco porque se prontificou em ir até a

delegacia. Daniel Reed tinha sido levado, sob custódia, para um outro

hospital, já que eu provavelmente tinha deixado uns bons

traumatismos enquanto o socava.

Meu desejo naquele momento era o de matá-lo. E sentia que

seria capaz de ir atrás dele até no inferno para finalizar aquele trabalho

caso qualquer coisa mais grave acontecesse a Layla ou ao nosso filho.

Depois de um período angustiante de espera, Logan retornou

com notícias.
— Ela vai precisar passar por uma cesariana de emergência.

— A gestação dela ainda não completou nem trinta e uma

semanas, Logan. Li o suficiente sobre gravidez nestes últimos meses

para saber que o bebê ainda não está pronto para nascer.

— As chances de sobrevivência são grandes nesse estágio,

Sebastian, ainda que o bebê seja prematuro. Mas o fato é que não

existe outra possibilidade no momento. Layla está sendo preparada

para a cirurgia.

— Ela está consciente? — Logan movimentou a cabeça em

concordância, e isso me fez respirar aliviado. — Quero ficar com ela.

— Você vai. Venha comigo.

Assenti e já ia segui-lo. Mas, antes, voltei-me para Sylvie e

tentei acalmá-la dizendo que tudo ficaria bem. Ela me surpreendeu

com um abraço.

— Cuida bem dela, por favor — ela pediu. — Ela deve estar
nervosa. Fala com ela que vai ficar tudo bem.

— Vou cuidar dela.


Ela me soltou, passando as costas das mãos pelo rosto para

secar as lágrimas.

— Não conta para a Lay que eu te abracei. Senão ela vai achar

que eu realmente me convenci de que você é um cara legal.

— Pode deixar. Vamos continuar fingindo que você ainda não


está convencida. — Troquei um leve sorriso com ela. — Não sei se ela

vai poder receber visitas ainda hoje. Se você quiser ir lá para casa...

— Não — ela me interrompeu. — Vou ficar aqui. Eu posso?

Olhei para Logan, que movimentou a cabeça em uma

concordância, antes de declarar:

— Já sei que Layla é uma irmã preocupada, então diga a ela

que estou cuidando da Sylvie. Vou te acompanhar até a sala de cirurgia


e voltarei para ficar com ela. Precisarei ficar de prontidão, por mais

que não vá participar da cirurgia, mas Evelyn e Camila estão vindo


para cá e vão levá-la para comer alguma coisa.

— Não precisa de tudo isso — a menina rebateu.


— Bem-vinda à família Turner — Logan declarou. — Nós

temos um monte de defeitos, mas as famílias das pessoas que amamos


se tornam nossa família também. E sempre cuidamos uns dos outros.

Troquei um sorriso com meu irmão e nos abraçamos de forma


rápida, antes que ele me acompanhasse até o local onde eu me

prepararia para entrar na sala de cirurgia.

Quando entrei lá, Layla já estava pronta. Ela me olhou,


parecendo aliviada ao me ver. Seu rosto tinha um hematoma,
provavelmente ocasionado por Daniel Reed, e isso voltou a me encher

de ódio por um instante. Mas logo tentei deixar aquilo em segundo


plano. Nosso filho ia vir ao mundo e isso deveria acontecer em um

ambiente de paz.

Fui até ela, beijando sua testa por cima da máscara que eu
usava.

— Estou com tanto medo... — ela confessou.

Eu também estava apavorado, mas tentei não transmitir isso a

ela.
— Você está nas mãos de uma ótima equipe, Lay. E eu estou
aqui com você.

A médica responsável pelo parto nos avisou que a cirurgia ia


começar e eu me sentei em uma cadeira ao lado da mesa, segurando a

mão de Layla. Ela estava trêmula e olhava o tempo todo para a cortina
sobre o seu peito, como se pudesse enxergar através dela.

Abaixei meu rosto próximo ao ouvido dela e perguntei,


baixinho:

— Me conte alguma coisa que pareça boba e banal.

Ela abriu um leve sorriso, e isso já fez o meu coração se


acalmar.

— Eu odeio hospitais... — ela declarou.

— Também não é o meu lugar favorito — respondi. — Eu


meio que já sabia disso, então me conte algo que eu não saiba.

Ela pensou por um segundo.

— E eu sempre sonhei em ficar grávida e ter um bebê, mas...


Também quero ser mãe por adoção.
— Também já sei disso. E você sabe que eu sei, não é?

O motivo para eu já saber não era algo do que eu me

orgulhasse, já que era uma das coisas que eu tinha lido em seu diário.
Ainda assim, estava disposto a não contar mais qualquer mentira, nem

fingir surpresa sobre coisas que eu já tinha conhecimento.

— Sei. Mas não sei o que você acha disso.

— O que eu acho... Ou melhor, o que eu tenho certeza, é que

quero ser o pai dos seus filhos, Lay. Eu entendo o seu medo, pelo
homem que te adotou nunca ter compreendido o que era, realmente,

ser pai.

— Não tenho esse medo, Sebastian. Você foi pai do nosso bebê

desde que descobriu que ele existia, antes mesmo de ter a confirmação

de que fosse seu.

— Vou amar muito cada um dos nossos filhos, Lay.

Ela voltou a sorrir e aquilo significou o mundo para mim.

Apenas aquela conversa, sobre os filhos que ainda viríamos a ter, era

um sinal de que ela havia conseguido me perdoar.


— Me conte alguma coisa você, então — ela pediu.

Ainda que o perdão dela estivesse explícito ali, eu sabia que


deveria deixar tudo aquilo da forma mais clara e verdadeira possível.

Por isso contei:

— Eu li cinco passagens do seu diário. Exatas cinco. E estou

sendo totalmente sincero.

— Eu acredito em você. Pode me contar quais?

Tínhamos algum tempo para aquilo. Então eu contei, ali

baixinho, tudo a ela.

Contei tudo, desde o dia em que seu diário caiu aberto em uma

página onde vi o meu nome, onde ela contou sobre quando me


encontrou no mesmo hospital em que sua mãe estava fazendo o

tratamento. Falei sobre cada uma das passagens que li e, mais do que

isso, como me senti em cada uma delas.

Como a forma como ela descreveu estar se sentindo naquele

réveillon foi tão familiar para mim, porque era exatamente a mesma
revolta que também tomava o meu peito. Sobre meu encantamento ao

ver seus primeiros desenhos ali. Sobre meu choque ao ler que Albert
não gostava dela e, já naquela ocasião, me perguntar como era possível

que alguém deixasse de gostar de Layla. E que eu ainda não soube,

pelo diário, de toda a história, e por isso a minha curiosidade a respeito


quando perguntei aquilo a ela era totalmente genuína.

E, por fim, contei sobre a última passagem que li, que era o

texto junto ao desenho da casa na beira do mar.

— Eu só conseguia pensar no quanto você merecia ter alguém

para olhar as estrelas ao seu lado, Lay — completei.

Ela tinha lágrimas nos olhos. Sua mão ainda segurava a minha
com força.

— Posso te contar algo também? — ela perguntou.

Seguíamos conversando baixo, ao mesmo tempo que sempre

verificávamos os monitoramentos dos sinais vitais dela e do bebê e


tentávamos identificar nas feições da equipe médica se tudo parecia

correr bem na cirurgia.

— Claro. É assim que funciona, não é? Eu te conto algo, você

me conta alguma coisa de volta.


— Eu escrevi mais coisas sobre você. E confesso que fiquei

bem envergonhada achando que você tinha lido.

Aquilo era, de fato, uma surpresa.

— Que tipo de coisa você escreveu sobre mim que te deixaria

envergonhada se eu lesse? — Aproximei mais o rosto de seu ouvido e

sussurrei. — Algo impróprio, sua safadinha?

Ela riu levemente.

— Não. Talvez eu tenha mencionado que sonhei contigo uma


vez, mas não descrevi o sonho.

— Vai me descrever depois, não vai?

— Talvez. Mas o fato é que, antes daquela nossa primeira

noite... Eu já percebia você. É claro que eu ainda não te amava, não era
apaixonada nem nada do tipo. Mas já existia uma atração e uma

curiosidade. E eu meio que já me identificava com alguma coisa em

você. Do mesmo jeito que você leu o que eu escrevi na noite de ano

novo e viu que se sentia da mesma forma... Eu olhava em seus olhos e


já percebia que tínhamos dores parecidas.
Era incrível o quanto aquilo era real. Layla e eu tivemos vidas

diferentes, viemos de realidades tão opostas e de situações distintas.

Mas dividíamos o sentimento de ausência paterna, além de termos

ambos decidido nossas vidas profissionais em tentativas de agradar


esses mesmos pais que não se importavam com nossas reais

necessidades. Nós dois dividíamos o instinto de querer proteger e

cuidar dos nossos irmãos mais novos. E, por fim, conhecíamos a dor
do luto.

Eu ia responder alguma coisa, mas, neste momento,

percebemos uma movimentação maior entre a equipe médica. Quis me

aproximar mais, mas permaneci ao lado de Layla, segurando sua mão,


tentando acalmá-la, embora também me sentisse tenso. Até que,

instantes depois, nós ouvimos aquele som mais esperado por nós.

O choro do nosso bebê.

Nosso garotinho veio ao mundo. Ainda tão pequeno, mas,

mesmo assim, já perfeito. O choro de Layla se intensificou quando o


médico o ergueu para mostrar a ela, e eu também estava

completamente tomado pela emoção. A médica responsável nos

explicava tudo, mas eu não conseguia tirar os olhos do nosso filho


enquanto ele recebia os primeiros cuidados. Só consegui me atentar às
informações mais importantes. Ele era muito pequeno, pesava pouco

menos de dois quilos, e com isso precisaria passar alguns dias no


hospital, mas apenas para ganhar peso. Tudo estava aparentemente

bem com ele. Era saudável e muito forte para alguém com um

corpinho tão pequeno e frágil.

E Layla também estava bem.

Não controlei as lágrimas quando cortei o cordão umbilical.


Senti-me agoniado ao vê-lo com um aparelho para auxiliar sua

respiração, mas a médica nos garantiu que seria apenas um suporte.

Ele já precisaria ser colocado em uma incubadora, mas antes

pôde ir para os braços de Layla por alguns minutos. E o choro


baixinho dele se amenizou logo que foi colocado deitado sobre o peito

da mãe.

— Meu Deus... Sebastian, nosso bebê é tão perfeito.

— Ele é — concordei, voltando a me sentar ao seu lado e


dando um beijo em sua testa, sem conseguir deixar de olhar para o

nosso filho.
— Oi, meu amor... — Layla falou baixinho. — Sabia que você
é muito amado? A mamãe e o papai esperaram tanto por você. Mesmo

você tendo vindo de surpresa. Tão de surpresa que ainda nem

decidimos o seu nome.

— E você chegou em uma noite bem chuvosa, filho. — Layla


me olhou e eu sorri para ela. — Está caindo o mundo lá fora. Acho que

é uma das chuvas mais fortes que já caíram na cidade nesses últimos

anos.

— O momento mais especial da minha vida está acontecendo


em meio a um temporal.

— É. Isso ressignifica tudo, não é?

Ela movimentou a cabeça em concordância e levantou o rosto

para trocarmos um breve beijo, antes de ambos voltarmos nossos olhos


para o bebê. Então voltei a falar:

— Eu tive muito tempo tentando ocupar a mente nesses dias

em que você esteve fora. E dei uma pesquisada nos significados de


alguns dos nomes que cogitamos para ele.

Ela me olhou, curiosa.


— Sério? E qual significado achou mais bonito?

— No dia do ultrassom nós falamos em ‘Nathan’. Vem do

hebraico. E significa ‘presente’, ‘dom’ ou ‘dádiva’.

— Nathan... Ela repetiu.

— Também pesquisei outros nomes que cogitamos, como...

— Não — ela me interrompeu — Nathan... É perfeito. Porque


ele é o nosso presente. É uma dádiva nas nossas vidas.

Dei mais um beijo em sua testa, em seguida fazendo o mesmo


na cabeça do nosso filho.

Nosso Nathan...

Nosso pequeno presente.

A maior dádiva das nossas vidas.

*****
Capítulo quarenta e quatro

"Achei um lugar seguro, sem nem uma lágrima

Pela primeira vez na vida, e ficou tão claro

Me sinto calma, é aqui que eu pertenço, estou feliz aqui

É tão forte e agora eu consigo me deixar ser sincera

Eu não mudaria nada nisso

E esta é a melhor sensação"

(Innocence – Avril Lavigne)

Agosto do ano seguinte...


Abri a porta de trás do carro, tirando com cuidado o nosso

pequeno Nathan de sua cadeirinha de segurança. Ele tinha completado


um ano há poucas semanas e estava a cada dia maior e mais esperto.

Depois que nasceu, ele precisara passar alguns dias no hospital, mas

logo tivera alta. Desde então, tudo na nossa vida fluía incrivelmente
bem.

Layla voltara para a faculdade no ano letivo seguinte, apenas

alguns dias depois de Sylvie – que passara os últimos meses de seu

ensino médio morando com a gente – se mudar para Nova Iorque, para
começar a faculdade dos seus sonhos.

E toda a vida da minha família voltara à normalidade. Logan e

Evelyn retornaram com as gêmeas para sua casa em Nova Iorque, e


Camila pôde voltar para a Turner, já que agora não havia mais riscos

em deixar as crianças em uma creche.

Daniel Reed (ou Turner, pouco me importava. Não era o

sangue ou um sobrenome que tornava alguém parte da nossa família,


já tínhamos aprendido isso há muito tempo) ainda amargou uma longa

estadia no hospital, até receber alta e seguir de lá direto para a cadeia,


onde eu esperava que ele ficasse por um longo tempo – de preferência,
pelo resto da vida.

Agora, iniciávamos uma nova etapa, que começaria com a

surpresa que eu tinha preparado para Layla, com uma pequena ajuda

de toda a família.

Daquela nossa família que não parava de crescer.

Depois de pegar Nathan nos braços e tirá-lo do carro, abri a

porta da frente do veículo, onde Layla estava sentada e com os olhos


vendados.

— Posso olhar agora? — ela repetiu a pergunta que tinha feito

durante todo o trajeto até ali.

— Em breve poderá. — Juntei uma das minhas mãos à sua,

enquanto mantinha a outra segurando nosso filho. — Venha comigo.

Cuidado para não bater a cabeça na porta, nem tropeçar na calçada.

— Sebastian Turner, para onde você está me levando?

— Você logo verá, Layla Turner.


Sim, Turner. Oficialmente. Tínhamos nos casado no civil,

apenas três meses depois de Nathan nascer. Não precisávamos adiar


mais. Fizemos apenas um jantar com nossa família e deixamos nossa

viagem de luz de mel para depois que Layla terminasse a faculdade – o


que já seria no próximo ano – e Nathan estivesse um pouco maior.

Contudo, o que Layla não sabia é que naquele dia teríamos


mais uma data especial, com a presença das pessoas mais queridas por

nós.

Eu a guiei pela calçada até a entrada de um dos mais

conceituados museus de Los Angeles. O local reunia naquele momento


cerca de trinta pessoas, dentre familiares e alguns amigos. E todos

ficaram em silêncio logo que entramos. As crianças da família – Alice,


Aurora, Anna e Eric – tamparam suas bocas com as duas mãos,

mostrando que estavam empenhadas nos planos de surpreenderem a tia


Layla.

Sylvie se aproximou para me ajudar, pegando Nathan em seus


braços para que eu, com minhas mãos livres, pudesse começar a

desamarrar a venda dos olhos de Layla,

— Preparada, amor? — perguntei.


— ‘Ansiosa’ seria a palavra certa. Quero saber o que você

aprontou e para onde me trouxe.

— Em minha defesa, eu não aprontei isso tudo sozinho e você


logo vai entender.

Quando a venda foi tirada dos seus olhos, Layla deixou de


sorrir, seu rosto adquirindo uma expressão de espanto quando todos

gritaram ao mesmo tempo:

— Surpresa!

Ela levou as mãos à boca, seus olhos percorrendo cada uma das

pessoas ali presentes. Ela pareceu enfim querer fazer uma pergunta,
mas então olhou para as paredes e avistou o motivo de todos estarem
ali.

Seus desenhos estavam espalhados por todo o espaço da

galeria, emoldurados e expostos nas paredes.

Nós já vínhamos há meses conversando sobre aquilo. Ela

própria selecionou os desenhos que mais amava – muitos deles feitos


no último ano, quando Nathan trouxe mais inspiração para as nossas

vidas – e os colocado em uma pasta para portfólio. O plano era, em


algum momento, marcar reuniões com produtores de exposições para
que ela pudesse apresentar sua arte.

Só que Layla ainda se sentia insegura com aquilo, por isso


estava sempre adiando essa tarefa. Tinha medo de nenhum produtor

achar seus desenhos bons o bastante para serem expostos.

Então, eu fiz aquilo por ela. E não apenas um produtor se

interessou, mas vários. Decidi pelo mais renomado deles. Ele tinha
boas opções de locais para realizar a exposição, mas eu queria que

aquilo fosse a estreia perfeita para Layla, por isso entrei com um forte
patrocínio para que o evento fosse realizado em uma das galerias
daquele museu, que era um dos maiores de Los Angeles.

— Meu Deus, mas... o que está... — Layla começou a falar,

confusa.

O produtor se aproximou e se apresentou a ela. E eu vi os olhos

de Layla se alargarem ainda mais ao reconhecer o nome dele. Ela


obviamente já o conhecia e o admirava. Eles conversaram brevemente

(na verdade, Layla estava ainda tão surpresa que mal conseguia falar),
ele elogiou muito o seu trabalho e explicou que aquela primeira mostra
era apenas para que eles se conhecessem e que, caso ela concordasse
em assinar um contrato, a exposição permaneceria ali durante um
período de dois meses e, se ela quisesse, ele tinha planos de levá-la
para outras cidades.

— Eu... Claro... Quero... Eu... Seria uma honra... — ela

gaguejava, tentando responder.

Satisfeito, o homem se afastou para pegar o contrato e, nesse

momento, as outras pessoas presentes se aproximaram para

cumprimentá-la. As crianças foram as primeiras, pois correram


empolgadas até a tia. As três meninas fizeram desenhos em cartinhas

que entregaram para ela. Eric era ainda muito pequeno para isso, mas

deu um forte abraço na tia, parecendo entender o quanto aquele


momento era importante e especial.

Em seguida veio Sylvie, com Nathan no colo. Ela estava

acompanhada pela namorada Louise. As duas ainda estudavam juntas,

mas agora na mesma faculdade.

— Que arraso, Lay! Olha como tudo isso é chique! — Sylvie


falou.

Layla ainda parecia um tanto confusa.


— O que está fazendo aqui, Syl? Não deveria estar na

faculdade?

— Tudo bem faltar alguns dias para prestigiar minha irmã, que

em breve será uma artista famosa, não é? E eu vim de carona com o

Logan e a Evelyn. Você sabia que a família Turner tem um jatinho

particular? — a última pergunta dela foi feita em um sussurro, como


quem faz uma fofoca. Ainda assim, eu consegui ouvir, estando bem ao

lado de Layla.

Nathan apontou para uma mesa de doces e Sylvie se dirigiu

para lá, levando-o junto, acompanhada pela namorada. Com isso, foi a
vez de meus irmãos e minhas cunhadas virem parabenizar Layla.

Depois veio a minha mãe, que, após dar um beijo no rosto dela, veio

também me cumprimentar.

— Por que o Mark não veio? — perguntei a ela, estranhando a


ausência de seu namorado.

— Shiu, fale baixo, filho! — ela pediu. E apontou para um cara

que estava distraído olhando os desenhos expostos. — Aquele ali é o

Patrick. Logo trago ele aqui para apresentá-lo a vocês.


— Quem é Patrick, mãe? — mal fiz a pergunta e já sabia que

era desnecessário, Já imaginava a resposta.

— Meu novo namorado. As coisas não deram certo com o

Mark, sabe? Ele era ciumento demais, não tenho muita paciência nem
idade para isso. Não que eu fosse tão mais velha do que ele, claro.

Eu não ousaria criticá-la por aquilo. Sabia que minha mãe era

feliz daquela forma, sem se prender a ninguém. Especialmente porque

agora ela se dedicava totalmente à carreira que amava e a qual fora


praticamente obrigada a abandonar por tantos anos.

Enquanto Layla conversava com Evelyn e Camila, eu avistei

Janet e chamei meus irmãos para irmos até ela. Minha esposa não seria

a única surpreendida naquele dia.

— Que bom que veio, Janet! — falei, logo que chegamos até
ela, que estava acompanhada pelo marido.

Nós três apertamos a mão dele e Michael foi folgado o

suficiente para parar do outro lado de Janet e passar um dos braços por

cima dos seus ombros.


— Estamos mesmo muito felizes por você ter vindo, Janet —

ele falou. — Confesso que às vezes tenho medo de você bloquear


todos os nossos contatos no seu celular.

— Vontade não me falta — ela rebateu. — E vocês também

sabem que não conseguirão mais nada me pedindo socorro quando

estiverem mergulhados em problemas. Estes são meus últimos dias na


advocacia, estou me aposentando no mês que vem.

— Sabemos disso — falei. — E por isso mesmo, decidimos te

dar um presente de Natal adiantado.

Logan pegou um envelope no bolso do paletó e o entregou a

ela. Quando ela o abriu, um enorme sorriso surgiu em seus lábios.

— Viagens para as Maldivas?

— Eu prometi, não foi? — respondi. — Que faríamos questão

de presentear você e seu marido com uma viagem.

— E para um lugar bem longe de vocês. Nossa, isso é perfeito!

Ainda abraçado a ela, Michael se fez de magoado.


— Poxa, Janet... Assim você fere os nossos sentimentos. Nós te

demos muito trabalho, mas também muitas alegrias, não foi?

— Não posso negar que vou sentir falta de vocês — ela

confessou. — Mas eu espero que não se metam mais em apuros depois


da minha aposentadoria, hein? São agora três pais de família. Sejam

responsáveis!

— Sem dúvidas nós seremos — Logan levantou uma das mãos

como em um sinal de juramento.

Todos rimos e seguimos conversando. Janet contou seus


inúmeros planos para suas tão merecidas férias de aposentadoria.

Enquanto interagia com eles, eu olhava para Layla, vendo-a

ainda receber parabenizações das pessoas presentes ali. Em

determinado momento, Sylvie foi até ela para lhe entregar Nathan, que
estava pedindo pela mãe, como fazia sempre que estava com sono.

Layla o ajeitou em seus braços e eu ainda aguardei alguns minutos até

que ela, enfim, ficasse sozinha.

Pedi licença a Janet, seu marido e meus irmãos, e fui até a


minha esposa. Ela me recebeu com um emocionado sorriso.
— Ainda não acredito que você fez tudo isso por mim... — ela

falou.

Dei um selinho em seus lábios.

— Eu só fiz uma ponte entre você e o produtor, já que você

estava tão insegura. E sem motivo algum para isso, porque ele ficou

absolutamente encantado com a sua arte. Não apenas ele. Outros três

produtores se mostraram interessados em fazer a exposição.

— Jura?

— Não mentiria para você. Seus desenhos são incríveis, Lay.

Tudo o que você precisava era de um pequeno empurrãozinho, já que

não acreditava em si mesma.

— Obrigada por acreditar em mim, até quando nem eu mesma


consigo.

— Bem, eu só estou com um medo agora.

— Qual?

— Eu já estava contando com a sua efetivação na Turner no

ano que vem, logo que se formar. Agora corro o risco de perder minha
melhor arquiteta para o mundo das artes.

— Bem... Posso dar um jeito de conciliar as duas coisas.

— E eu vou sempre te apoiar. Não importa quantas coisas

queira fazer.

— Sebastian Turner... Eu já te disse que você é o homem da

minha vida?

— Bem... Nunca é demais ouvir.

— Então... Você é homem da minha vida.

Voltei a aproximar meu rosto do dela, tomando seus lábios com

os meus em mais um beijo. Em seguida, beijei a cabeça de Nathan, que

estava apoiada sobre o ombro da mãe.

— E você foi a minha razão de voltar à vida. Vocês dois, na

verdade.

Ela abriu um sorriso. Daqueles que pareciam iluminar tudo ao


redor.
E que sempre preenchiam tanto a minha alma quanto o meu
coração de amor.

*****
Epílogo 1

"Olhe para as estrelas

Olhe como elas brilham para você

E para todas as coisas que você faz

Sim, elas eram todas amarelas"

(Yellow – Coldplay)
Três anos depois

O telefone tinha tocado.

Fazia quase um ano que esperávamos por aquela ligação, e ela

enfim aconteceu. Sebastian e eu estávamos ainda em casa, pela manhã,


nos preparando para sair. Levaríamos Nathan para a escola e

seguiríamos para a Turner. Era uma sexta-feira e tínhamos, ainda,

planos para aquela noite: uma importante premiação de cinema na qual


Trinity estava concorrendo ao prêmio de melhor atriz pelo último

filme que tinha feito.

Sabíamos que aquele seria um bom dia. Sebastian e eu


acordamos um pouco mais cedo que de costume e aproveitamos o

tempo livre para fazermos amor no chuveiro, em meio ao banho. Então

nos aprontamos, acordamos nosso filho e eu fui arrumá-lo para a

escola enquanto Sebastian preparava o café da manhã.

Servimos a ração no potinho da Ollie, uma vira-lata que


tínhamos adotado no ano anterior e que era a melhor amiga de Nathan.
Enquanto ela comia, sentamos na mesa do mesmo cômodo e fazíamos
a refeição juntos, quando o esperado telefonema aconteceu.

Então, houve uma mudança completa de planos. Sebastian

ligou para a Turner, mandando cancelar todos os nossos compromissos

e pedindo a Michael para assumir seu lugar no que não poderia ser
desmarcado. Eu liguei para a escola de Nathan, informando que ele

não poderia ir nesse dia. Depois disso, começamos a rodar a casa à

procura das chaves dos carros – tanto do meu quanto do de Sebastian –

porque ambas decidiram desaparecer justamente naquele momento. E

precisávamos também pegar alguns documentos que, apesar de já

estarem há meses separados, nós demoramos ainda alguns minutos

para nos lembrarmos onde, exatamente, tínhamos deixado.

Fizemos tudo isso de forma um tanto desorientada, como se eu

fosse naquele momento uma grávida com sua bolsa estourando e

precisássemos correr para a maternidade para que o nosso segundo

filho pudesse nascer.

Não era isso o que acontecia. Mas era algo parecido.

Porque estávamos, justamente, prestes a nos tornarmos


novamente pais.
Enfim encontrei a chave do meu carro e fomos nele mesmo.

Colocamos Nathan na cadeirinha de segurança do banco de trás e eu


pedi para que Sebastian dirigisse. Estava nervosa demais para isso.

— E se formos um completo desastre? — perguntei no


caminho. — E se eles perceberem que houve algum engano? Se

olharem para nós e pensarem: não, eles não estão aptos para isso.

— Layla...

— Sim?

— Respire.

Fiz o que Sebastian pediu, começando a respirar


profundamente. Ele sorriu. Embora também se mostrasse tenso, estava

visivelmente mais calmo do que eu.

— Nós já somos pais, esqueceu? Temos um filho de quatro

anos que é muito inteligente, saudável, e... Ei, campeão?

Nathan estava distraído no banco de trás, olhando pela janela


como sempre fazia nos passeios de carro, mas olhou para a frente logo

que foi chamado.


— O que foi, papai?

— Diga para a sua mãe: você é feliz?

Pelo retrovisor, eu o vi franzir o rosto, como se aquela fosse


uma pergunta muito inusitada. O que, de fato, era.

Nathan era um garotinho lindo. A pele negra como a minha, os

cabelos castanhos e cacheados como os meus, mas o mesmo formato


dos olhos e as feições do pai.

— Por que a mamãe acha que eu não sou feliz?

— Não faço ideia, filho! — Sebastian rebateu, me fazendo rir.

— Eu sou muito feliz, mamãe — Nathan enfim respondeu. —

Menos quando vocês não querem pedir pizza pro jantar.

Desta vez, Sebastian riu junto comigo. O amor por pizza era

outra característica que nosso garotinho tinha herdado de mim.

— Talvez a gente peça pizza hoje — Sebastian falou. —


Porque teremos motivos para comemorar. Você sabe o que vai

acontecer hoje, não sabe, Nathan?


Ele movimentou a cabeça em uma confirmação bem
empolgada, e o meu coração transbordou de amor.

Enfim chegamos ao nosso destino. Era um abrigo para


crianças.

Eu conhecia bem a realidade de lugares como aquele. Sabia


que a maioria dos que estavam ali não era de forma definitiva. Muitos

tinham sido afastados dos pais por inúmeros motivos diversos, mas
ainda tinham esperanças de serem reinseridos às suas famílias

biológicas. Outros, a menor parte, já não tinham mais a possibilidade


desta inserção, ou haviam sido efetivamente abandonados ou eram
órfãos.

Eu não sabia ainda em qual destas três últimas categorias

estava a criança que esperava por nós, mas não fazia diferença para
mim. Ela agora teria uma família de verdade.

Logo que chegamos lá, fomos guiados até um escritório. E,


assim que entramos, Sebastian e eu paramos apenas um passo depois

de atravessarmos a porta, quando a vimos.


Uma garotinha. Tinha quatro anos – a mesma idade de Nathan
– conforme nos contaram pelo telefone. A pele cor de oliva, os cabelos
ondulados e castanho-escuros, no mesmo tom dos seus olhos, que nos

fitaram de forma curiosa. Estava sentadinha em um sofá em um canto


da sala e usava um vestidinho amarelo e rodado.

E ela era uma coisinha linda e perfeita.

A diretora do abrigo tinha ido até a porta para nos

cumprimentar, mas nós mal olhamos para ela ou ouvimos qualquer


palavra do que dizia, já que tanto eu quanto Sebastian, de mãos dadas,

não conseguíamos deixar de olhar para aquela garotinha.

Já sabíamos como aquilo deveria funcionar. Precisávamos ir

devagar, deixar que a diretora nos apresentasse a ela – inicialmente


como os ‘tios’ que a levariam para passar alguns dias na casa deles.

Haveria um período de adaptação, e nós sabíamos, também, que não

era tão raro que crianças fossem devolvidas antes mesmo do final
deste prazo.

E esta, definitivamente, sequer era uma opção para nós.


Enquanto a diretora nos falava alguma coisa, Nathan se

adiantou e soltou a mão de Sebastian, correndo até a menina e se


sentando ao seu lado.

— Oi! Você quer ser minha irmã? — ele foi logo perguntando,

com a maior naturalidade do mundo, causando-nos surpresa.

Ele sabia os motivos daquela visita, mas tínhamos dito a ele


que primeiro levaríamos a garotinha para casa, para que ela nos

conhecesse melhor. Mas nosso filho não tinha todo esse filtro ou

paciência. Porque crianças eram assim: diretas e sinceras.

Assim como a menininha também foi, ao sorrir e movimentar a


cabeça em uma concordância. Em seguida, os dois se abraçaram, de

uma forma tão fraternal e fofa que me fez sentir como se meu coração

fosse explodir em meu peito.

Afinal, eu tinha uma irmã adotiva e conhecia muito bem a


potência e sinceridade daquele amor.

Assim como eu tive uma mãe adotiva... Então eu conseguia,

também, entender a força daquele sentimento que já brotava em meu

peito só de olhar para aquela criança.


— Bem, parece que eles já adiantaram as coisas — a diretora

falou, em tom de brincadeira. — Vocês vão precisar assinar alguns

documentos e posso contar um pouco sobre a história dela.

— Não precisa — Sebastian respondeu de imediato. — Digo, a


parte da história. Só queremos saber qual é o nome dela.

— Bem, sabem que, caso optem por adotá-la oficialmente,

poderão fazer a alteração do primeiro nome. Mas ela foi registrada

pelos pais biológicos como Daisy.

Aquilo só podia ser alguma brincadeira muito inusitada do


destino.

Ela tinha o mesmo nome que eu.

Senti a mão de Sebastian apertar a minha com um pouco mais

de pressão e eu o olhei quando ele falou.

— Eu acho um nome lindo. E você, Lay?

— Eu acho perfeito — respondi.

E, naquele dia, mais um capítulo da nossa vida foi escrito.


O dia em que nos tornamos pais também da Daisy.

Horas depois, naquela mesma noite, ficamos Sebastian e eu,


sentados lado a lado na areia da praia em frente à nossa casa, olhando

enquanto nossos dois filhos brincavam juntos com Ollie.

Como no desenho que eu um dia tinha feito.

Não... Na verdade, era muito mais lindo do que aquele

desenho. Porque não era mais um sonho.

Agora era real.

Daisy e Nathan, seriam sempre as obras de arte mais perfeitas

que Sebastian e eu criamos juntos.

*****
Epílogo 2

Onze anos depois...

24 de dezembro

O carro parou em frente à casa da minha avó, onde todos os

anos comemorávamos o Natal em família. Eu sabia que a presença de


todos era rigorosamente exigida para a ceia, mas ainda estava um

pouco cedo para isso. Por isso tinha aproveitado para passar o dia com
os meus amigos de Los Angeles.
— Você volta quando para Nova Iorque? — Quem perguntou

foi Harper, minha amiga que tinha me dado uma carona até ali. Afinal,
os pais dela moravam no mesmo condomínio que a minha avó. Foi

assim que tínhamos nos conhecido quando crianças.

— Devo ficar por aqui até depois do Ano Novo. Sabe que

minha avó não abre mão da grande festa dela de Réveillon.

— Podia ficar mais tempo dessa vez, não é?

— Não dá. Tenho a faculdade.

— Pode faltar alguns dias, doutora Anna. Que diferença vai

fazer?

Revirei os olhos. Harper era meio irresponsável. Bem, não que

eu, em geral, fosse um exemplo de garota exemplar. Mas era teimosa e

perseverante quando colocava algo na cabeça. E me formar em

Medicina era algo que eu há anos tinha como objetivo de vida.

— Em alguns meses eu começarei como médica interna —

comentei. — Então não posso me dar ao luxo de repetir disciplinas

nem fazer nada que atrase isso ainda mais.


— Você não está atrasada, Anna. Foi a sua irmã que se
adiantou.

Claro, porque Rory era a jovem gênia da família. Mas isso não

me incomodava nem um pouco, era algo que eu sempre dizia em um

tom de implicância. Minha irmã gêmea era minha melhor amiga,


afinal. Por mais que fôssemos praticamente opostas em

personalidades. Ela era doce, amável, carinhosa e mega inteligente.

Já eu era... mais parecida com um furacão caótico.

Despedi-me de Harper e saí do carro, entrando em casa. Tentei

fazer isso de forma discreta, olhando para meus familiares espalhados

pela grande sala de estar. Meus pais e tios conversavam em uma

grande roda, todos rindo e achando graça de alguma história do

passado que era teatralmente contada pelo meu tio Michael, com os

comentários sempre ácidos da tia Camila.

Em um sofá, estavam os três adolescentes da família: meus

primos Eric, Nathan e Daisy, comendo algo que provavelmente

roubaram da mesa da ceia antes do horário. Também estava com eles a

nova namorada do Eric, mas eu não sabia o nome dela. E como


saberia, se meu primo, no auge dos seus quase dezessete anos, parecia

trocar de namorada toda semana?

Tentei passar despercebida por todos eles, mas fui flagrada pela

minha avó, que se aproximou por trás, tocando o meu ombro e me


fazendo sobressaltar.

— Achei que não viria, Anna! Onde estava até agora?

— Ai, que susto, vó! Eu saí com a Harper e meus amigos aqui
de Los Angeles. Mas cheguei a tempo para a ceia, como prometi.

— Bem, é o que importa. Ao menos chegou mais cedo que

Robert. Já são quase onze horas e nada dele...

Robert era o novo namorado da vovó. Um cara de uns

cinquenta e poucos anos, que era até velho para os padrões dela. Era
um cara legal, mas, assim como as namoradas do Eric, a gente nunca

tinha tempo suficiente para se acostumar aos parceiros da vovó Trinity


antes que ela se cansasse deles e arranjasse outro.

— Ele deve estar a caminho, vó. O trânsito está meio ruim


hoje. Acho que muita gente decidiu sair em plena véspera de Natal

para comprar presentes de última hora ou coisa do tipo.


— Típico, todos os anos são assim. Enfim, querida, depois

tenho algo importante para conversar com você. Adiantando o assunto,


você sabe que ano que vem eu farei cinquenta e sete anos, não é?

— Claro... Sei, vó... — Na verdade, no ano que vem a vovó


completaria setenta e sete. Mas isso era algo que ninguém da família

ousaria declarar saber.

De qualquer maneira, não faria diferença. Se não soubéssemos


a idade de Trinity Turner, seria bem fácil acreditar que ela fosse de fato
uns vinte anos mais jovem. Eu esperava que a beleza e a saúde dela

fossem fatores genéticos, porque chegar perto dos oitenta como ela era
um verdadeiro sonho para qualquer pessoa.

— Acho que é uma marca especial, não é? — ela continuou. —

Estou planejando fazer uma semana inteira de eventos.

— Eu te ajudo com os planejamentos, vó.

— Ah, querida... ajuda mesmo?

— Claro! E sei que Rory e Alice vão se animar muito em


ajudar também.
— Ah, vocês são tão preciosas! Tudo bem, então amanhã
conversamos sobre isso. Vou agora ligar para o Robert para saber se
ele por acaso se perdeu no meio do caminho.

Ela deu um beijo em meu rosto antes de se afastar, e eu segui

para a varanda da sala, onde sabia que encontraria minha irmã e minha
prima Alice.

Elas estavam sentadas nas confortáveis cadeiras da varanda,


com uma livre no meio delas, que foi onde eu me sentei. Elas bebiam

alguma coisa, muito provavelmente algo sem álcool. Bem, Alice ainda
tinha dezoito anos, portanto não possuía idade legal para beber.

Aurora, assim como eu, já tinha vinte e dois, mas era certinha
demais para beber.

Aurora e eu éramos gêmeas idênticas, mas, àquela altura da


vida, era bem difícil que alguém nos confundisse. Ela tinha os cabelos

castanhos bem longos e ondulados, com uma franja reta caindo sobre a
testa, enquanto eu usava os meus em um corte bem acima dos ombros,

em um estilo mais despojado, como os das minhas roupas. No


momento, eu usava calça jeans desfiada, um cropped azul-escuro e
tênis. Já a minha irmã era adepta a vestidos mais delicados e sapatos
ou sandálias em um estilo mais ‘bonequinha’.

— E aí, qual é o assunto? — já cheguei perguntando. Como


sempre, olhava para Aurora ao falar qualquer coisa, para que ela

pudesse ler meus lábios.

Foi minha prima Alice quem respondeu:

— A Rory estava falando mal do orientador do internato dela.

Revirei os olhos.

— E com razão. Ela conseguiu a proeza de ficar na equipe

médica do pior professor possível. Eu avisei a ela que ele era um


carrasco, mas ela achou que fosse um exagero.

Minha irmã respondeu usando sinais. Apesar de ela ser

oralizada, ela se sentia bem mais à vontade usando língua de sinais, e

era como ela geralmente se comunicava quando estávamos em família.

“Acho que me iludi com o rostinho bonito dele. Ninguém diz que um homem

lindo daqueles pode ser tão cruel com seus alunos.”


Voltei a revirar os olhos.

— Falta de aviso é que não foi. Todo mundo que passou pelo
internato com ele diz que ele é insuportável. Espero sinceramente que,

quando eu for para o internato, seja na equipe de algum outro médico.

Alice comentou:

— Mas o tio Logan é o diretor do hospital. Quem seria o


médico louco de reprovar ou dificultar a vida acadêmica de vocês?

— A gente meio que não conta para ninguém que somos filhas

dele — rebati. Inclinei-me sobre a mesinha diante das cadeiras,

pegando um pedaço de queijo na bandeja de frios colocada ali.


Mastiguei rapidamente, antes de voltar a falar. — Para a Rory é mais

difícil, já que tem uma ala do hospital com o nome dela. Mas eu

consigo passar mais despercebida. ‘Turner’ não é exatamente um

sobrenome incomum.

— É muito bom saber disso — Alice respondeu. — Assim não


corro o risco de acabar comentando sem querer quando chegar lá na

faculdade também.
Ela jogou os cabelos loiros para trás em um gesto teatral e

divertido. Alice estava radiante, já que no próximo ano também iria

para a Universidade de Nova Iorque. Não ia cursar Medicina, e


provavelmente estudaria em um prédio diferente do nosso, mas

conviveríamos muito, já que ela ia morar com a gente. Aurora e eu

dividíamos um apartamento de três quartos bem próximo à faculdade,

e em breve nossa priminha seria também nossa colega de quarto.

— Vai se preparando, Alice — brinquei. — A universidade é


uma selva.

Aurora riu e fez um sinal negativo com a cabeça, como se

achando o meu comentário exagerado.

— Eu mal posso esperar! — Alice rebateu, empolgada.

Ela era, sem dúvidas, a mais animada dentre nós três. Alice
parecia um pontinho de luz saltitante. Sempre alegre e otimista.

Olhei por um momento para as duas. Minha irmã e minha

prima. E minhas melhores amigas. Éramos tão diferentes umas das

outras. No entanto, eu as amava tanto, que seria capaz de matar ou


morrer por elas.
Tio Sebastian chegou à varanda naquele momento. Sempre

atento, ele provavelmente tinha percebido quando eu cheguei, pois


trouxe um copo para mim, além de uma garrafa de refrigerante, com a

qual me serviu e completou os copos de Alice e Aurora.

— Poxa, tio! — rebati. — Podia trazer algo mais forte do que

Coca-Cola para mim, não é?

— Para o seu pai cortar o meu pescoço, Anna? Nem sonhando.

— Você é o irmão mais velho, precisa se impor! — brinquei.

— Eu nasci só doze minutos antes da Rory, e ela me respeita.

— Nem sonhando... — Aurora respondeu, com sua voz soando

com um leve sotaque devido ao fato de não ouvir.

— Pois deveria! — rebati.

Nosso tio apenas riu e, após nos servir e informar que a ceia

começaria a ser servida em quarenta minutos, voltou a entrar na casa.

Animada, Alice ergueu o seu copo e propôs um brinde:

— Ao ano que está por vir e a todas as aventuras que vamos

viver juntas em Nova Iorque.


— À sua iniciação na selva que é a faculdade — emendei.

E Aurora também falou, já que estava com uma das mãos

ocupada com o copo e, desta forma, não seria tão simples usar sinais:

— E à sua iniciação, Anna, na selva que é o internato.

— E à sua, Rory — rebati. — Na selva ainda maior que,


provavelmente, será a residência.

— Não importa as selvas que teremos que enfrentar — Alice

retrucou. — Um brinde à nossa família, à nossa amizade e a tudo o que

ainda vamos viver.

Fizemos o brinde, batendo as bordas dos nossos copos.

E desejando, realmente, que o próximo ano reservasse boas


surpresas para as nossas vidas.

Continua em...
Este é o terceiro livro da série AMORES INUSITADOS.

Os livros são independentes, cada um contando a

história de um casal, todos com início, meio e fim. Contudo,


caso você prefira lê-los na ordem, o primeiro livro ACORDEI

NOIVA DO MEU CHEFE CANALHA, conta a história do

casal Michael e Camila. E o segundo livro, ACORDEI MÃE

DAS GÊMEAS DO MÉDICO RECLUSO, conta a história


de Logan e Evelyn. Você encontra os livros na Amazon, por

este link:

https://www.amazon.com.br/gp/product/B0C6N2HBWL

A trilogia AMORES FRAGMENTADOS contará as histórias

das três primeiras herdeiras dos irmãos Turner, sendo um

livro com o romance de cada uma delas: Anna Turner, Alice


Turner e Aurora Turner.

O primeiro livro, da Anna, tem previsão de lançamento no


primeiro trimestre de 2024, na Amazon.
Siga o Instagram da autora para ficar atualizado sobre os

lançamentos:

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disponíveis em e-book na Amazon, para compra


ou leitura pelo Kindle Unlimited.

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