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Publicado em NOVA ESCOLA 11 de Março | 2024

Altas temperaturas

Educação Infantil:
brincadeiras para as
crianças se refrescarem
no calor
Além de atividades que envolvem água e os cuidados a
serem tomados em períodos de altas temperaturas, veja
como abordar temas relacionados ao clima e ao meio
ambiente
Dimítria Coutinho

Uma brincadeira que envolve a água é a lavagem de brinquedos, que pode ser
transformada em atividades simbólicas, como dar banho nas bonecas, fazer um
lava-rápido de carrinhos ou lavar as roupinhas de bonecas. Foto: Getty Images
O ano de 2023 foi o mais quente já registrado na história do planeta, de acordo
com relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM). No Brasil, não foi
diferente: no ano passado, a temperatura média ficou 0,69°C acima da média
histórica. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), nove dos 12
meses de 2023 tiveram temperaturas acima da média no país.
De acordo com o órgão brasileiro, o calor excessivo pode ser explicado por
uma soma de fatores. O fenômeno El Niño teve grande influência, mas as
mudanças climáticas causadas pela ação humana também são determinantes
para essa situação. Com alterações no meio ambiente, o planeta vem sofrendo
não apenas com o aumento das temperaturas, mas também com outros
eventos climáticos extremos, como as tempestades que o Sul do Brasil
vivenciou em 2023 e as secas que atingiram o Norte.
O calor extremo também afeta a rotina das pessoas. No caso das crianças da
Educação Infantil, elas tendem a ficar mais irritadas e cansadas, apresentando
alterações de humor. Nesse cenário, os professores devem tomar alguns
cuidados para garantir o bem-estar e a saúde dos alunos. Os educadores
também podem aproveitar a ocasião para realizar atividades específicas – como
as que envolvem água – e introduzir a temática do clima, do respeito à natureza
e do cuidado com o meio ambiente.
Importância do contato com a natureza
O calor extremo pode sugerir, em um primeiro momento, que o melhor é ficar
em sala de aula. Seja com a ajuda de ventiladores ou de aparelhos de ar-
condicionado, presentes em algumas redes de ensino, os ambientes internos,
quando bem arejados, podem parecer mais frescos do que os externos.
Mas, na Educação Infantil, as áreas externas permitem que as crianças tenham
contato com diversos elementos, o que é essencial para o seu desenvolvimento.
A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê, entre outros, os
direitos de brincar e explorar, o que inclui a vivência em ambientes externos e o
contato com a natureza.
“A gente vê com preocupação essa tendência das escolas de manter as crianças
em ambientes fechados, porque suprime o tempo que elas passam em
ambientes externos. Na primeira infância, a movimentação do corpo, o convívio
e as atividades ao ar livre são essenciais para o desenvolvimento”, comenta
Paula Mendonça, coordenadora das áreas de Educação e Cidades no Programa
Criança e Natureza do Instituto Alana.
Além da BNCC, a própria Organização das Nações Unidas (ONU), em seu
Comentário Geral 26, define que crianças e adolescentes têm direito a se
desenvolver em um ambiente limpo, saudável e sustentável. Publicado em
setembro de 2023, o comentário foi a primeira vez em que a ONU definiu
diretrizes para garantir que as crianças tenham acesso a um meio ambiente
saudável, com especial enfoque nas mudanças climáticas.
“Esse contato com a natureza é tão fundamental que ele já está sendo tratado
na perspectiva do direito por organismos internacionais”, afirma Paula. Além de
aspectos relacionados à saúde, como o desenvolvimento do sistema
imunológico e da força física e mobilidade, ao vivenciar diferentes relevos
naturais, o contato com a natureza também estimula a curiosidade e a
capacidade de investigação das crianças.
“O desenvolvimento das crianças nesse contexto é totalmente potencializado,
porque elas podem ter contato com árvores, bichos, texturas e sons. Ficar
dentro da sala de aula limita essas possibilidades”, considera Lia Jamra
Tsukumo, diretora executiva da ONG Vaga Lume, que atua com Educação na
região amazônica. “Não tem nada mais saudável do que educar e fazer
atividades em comunhão com a natureza”, resume.
Leia também: Desemparedando a Educação Infantil: reflexões sobre
crianças e a natureza
Atividades para as crianças se refrescarem no calor
Além de potencializarem o desenvolvimento infantil, as atividades ao ar livre e
em contato com a natureza -- seja em um gramado, em local com vegetação,
na água ou em qualquer outro espaço natural presente na escola -- são
excelentes formas de as crianças se refrescarem no calor.
Por conta das altas temperaturas, as atividades que envolvem água acabam
sendo as preferidas pelos professores. Lívia Arruda, professora na EMEI
Armando de Arruda Pereira, em São Paulo (SP), conta que, para planejar
atividades externas durante o verão, costuma adaptar a rotina, incluindo a
água.
“A dica é pensar em coisas que são próprias da Educação Infantil, como o jogo
simbólico e as experiências sensoriais, e incluir o elemento água nessas
propostas. Essas atividades dão uma boa refrescada, e as crianças se engajam
bastante”, diz a professora.
Para Paula Sestari, professora de apoio pedagógico no CEI Castelo Branco, em
Joinville (SC), e colunista da NOVA ESCOLA, é importante os professores
priorizarem ambientes com sombra e darem liberdade para as crianças. “O
espaço externo deve ser usado mais para a interação, por isso é interessante
apostar em brincadeiras de escolha livre, nas quais as crianças possam brincar
e explorar. Mas, quando quiserem sentar e descansar, tenham essa opção na
sombra”.
A seguir, confira algumas opções de brincadeiras para a Educação Infantil
durante o período de calor:
Lavar brinquedos
Uma brincadeira interessante que envolve a água é a lavagem de brinquedos,
que pode ser transformada em atividades simbólicas, como dar banho nas
bonecas, fazer um lava-rápido de carrinhos ou lavar as roupinhas de bonecas e
outros bichinhos.
Lívia detalha que, quando faz essa brincadeira, o primeiro passo é separar os
brinquedos da escola que estão precisando de uma lavagem. Depois, ela
costuma pegar várias bacias e reúne as crianças em grupos, para que elas
lavem os itens com água e sabão. Também é importante destinar um local para
a secagem, como um varal, se for o caso de lavar roupinhas.
Um aspecto a ser pensado ainda no planejamento é se a brincadeira vai ser só
de molhar as mãos na lavagem ou se vai terminar com um contato maior com a
água, como banho de esguicho, ou permitir que as crianças entrem nas bacias.
Se for o segundo caso, é importante combinar com as famílias previamente
para elas enviarem trocas de roupas.

No momento da brincadeira, Lívia gosta de trazer elementos para conversar


com as crianças. Quando elas estão lavando roupinhas, por exemplo, a
professora costuma cantar a cantiga “Lava, lava, lavadeira”.
“É uma música da tradição popular que imita gestos, então é super legal para as
crianças se envolverem e para conversarmos sobre aspectos da história e
cultura. Eu converso com as crianças sobre quem lava as roupas delas em casa
e conto sobre a lavadeira, que a maioria dos estudantes não conhece nesse
nosso contexto de São Paulo”, conta. “Mostro imagens e explico que é uma
prática que existia antigamente e que ainda está presente em alguns locais e
culturas.”
Leia também: Brincadeiras musicais e cantadas: possibilidades e sugestões
para a Educação Infantil
Brincadeira de ir à praia
Outro jogo simbólico que Lívia garante que os pequenos adoram é o dia de
praia, no qual os alunos vão de roupa de praia à escola, e as professoras
preparam um cenário que imita o local. Para planejar essa atividade, é
interessante conversar com as crianças antecipadamente.
A professora costuma fazer uma roda de conversa perguntando quem já foi à
praia e quais objetos são próprios desse local, como guarda-sol, bola e roupa de
praia. Depois, é hora de fazer um combinado com as famílias, para que elas
enviem algumas coisas simbólicas e também biquíni, maiô ou sunga e uma
troca de roupa.
Na hora de organizar o cenário, é importante utilizar algum elemento azul
(como um pedaço de tecido) que simule o mar e adicionar guarda-sóis pelo
ambiente. Durante o período reservado para a atividade, a ideia é deixar as
crianças brincarem livremente. A depender do espaço que a escola dispõe, é
legal terminar a brincadeira com um banho de esguicho ou de bacia para
refrescar. Se não for o caso, uma opção mais simples é utilizar borrifadores
para os pequenos poderem se molhar durante a brincadeira.
Brincadeiras com tinta
As atividades com pintura, que são bastante comuns na Educação Infantil,
podem se tornar mais refrescantes se envolverem a água. Para isso, algumas
opções são: pincel só com água para as crianças “pintarem” partes do pátio da
escola, como chão e paredes; aquarela; tinta guache diluída em borrifador.
Embora essas brincadeiras não tragam tanto o contato direto com a água, para
se tornarem mais refrescantes as crianças podem participar da preparação das
atividades, ajudando o professor a separar a água ou diluir a tinta, por exemplo.
LEIA TAMBÉM: Entenda como planejar brincadeiras com intencionalidade
pedagógica
Brincadeiras com gelo
Outra opção, ainda pensando na pintura, é diluir tinta e congelar, criando uma
espécie de gelo colorido que pode ser usado pelas crianças para fazerem
pinturas. Dessa forma, elas conseguem sentir a temperatura gelada do material
e produzir obras artísticas diferentes das criadas com pincel.
Ainda envolvendo gelo, é possível programar uma atividade na qual os
pequenos escolhem algumas coisas para serem congeladas - pode ser desde
pequenos brinquedos até elementos da natureza, como folhas e flores. Na hora
de preparar a brincadeira, os alunos podem ter contato com a água,
supervisionados pelo professor, para inserir as coisas em recipientes que serão
posteriormente levados ao congelador ou freezer.
Depois de congelados, os materiais podem ser disponibilizados para as crianças
brincarem. Além de refrescar, essa brincadeira permite que os alunos
percebam o gelo derreter, tenham contato com diferentes texturas e explorem
elementos da natureza.

Pontos de atenção no calor


Durante as atividades em áreas externas, sobretudo em
contato com a natureza, é essencial que os professores
fiquem atentos a alguns cuidados relacionados à saúde das
crianças. Veja algumas dicas:
Hidratação: atente se as crianças estão bebendo água, principalmente
durante as atividades ao ar livre. Mantenha lembretes visuais, como
cartazes, que façam os alunos se recordarem de beber água,
Alimentação: em dias de forte calor, a gestão escolar deve promover
uma alimentação mais leve para as crianças.
Sombra: se as áreas externas não tiverem sombras naturais, é
importante que o professor pense nisso na hora de levar as crianças
para fora. Uma opção é criar cabaninhas com tecidos, para que elas
possam descansar na sombra. E, se possível, priorizar locais com
árvores e menos cimentados.
Protetor solar: a escola deve orientar que as famílias passem protetor
solar nas crianças e/ou mandem o produto na mochila dos alunos.
Bonés e chapéus: outros tipos de proteção, como bonés e chapéus,
também são muito importantes em atividades ao ar livre. Para isso, é
fundamental manter a comunicação e os combinados com as famílias.
Repelente: outro ponto de atenção é o aumento nos casos de dengue
durante o verão. Por isso, oriente os pais e responsáveis sobre o uso
de repelentes adequados para a faixa etária.
Horário: os professores devem planejar as atividades ao ar livre
priorizando os horários de início da manhã ou final da tarde. Segundo a
Sociedade Brasileira de Dermatologia, o período de maior incidência
de raios UVB é entre 10h e 16h.
Atividades leves: em atividades externas, as crianças devem ter a
oportunidade de descansar e fazer atividades mais leves. No caso de
brincadeiras mais intensas, priorize ambientes cobertos, mantendo
uma boa ventilação.

Como garantir o bem-estar no calor


Diante do constante aumento das temperaturas globais, é essencial ir além
das brincadeiras refrescantes e começar a pensar também em ações de médio
e longo prazo para tornar as escolas lugares que propiciem bem-estar às
crianças e à comunidade escolar.
Paula Mendonça, do Instituto Alana, afirma que os gestores públicos devem
considerar a adaptação dos espaços externos das escolas às mudanças
climáticas. Isso passa por transformações como o plantio de árvores, a
diminuição dos espaços com concreto (que tornam os ambientes mais quentes)
e a geração de mais sombreamento natural. “Essa ‘naturalização dos pátios
escolares’, como a gente vem chamando, tem sido uma medida de
enfrentamento à crise climática, visando garantir o direito das crianças de ficar
em áreas externas.”
Mesmo que essa mudança não seja proposta pelas gestões públicas, a própria
gestão escolar pode tomar iniciativas mais simples para adaptar os espaços,
aponta Paula. Nesse sentido, é muito importante conscientizar e sensibilizar as
famílias e a comunidade escolar a respeito das mudanças climáticas, para que
todos estejam “na mesma página” em relação ao entendimento de que é
necessário que os espaços externos sejam modificados.
“Sensibilizar a comunidade de pais para a importância da natureza para as
crianças e para a questão das mudanças climáticas é um passo grande para que
eles entendam a importância da experiência infantil com a natureza”, destaca
Paula. “Pensar nessa transformação do espaço é um bom convite para engajar
a comunidade escolar para pensar como a gente pode agir junto na adaptação
desse espaço, seja com o plantio de árvores ou com a colocação de mobiliário
do lado de fora, por exemplo”.
LEIA TAMBÉM: 10 planos de atividades com brincadeiras para explorar
ambientes externos
O calor enquanto pauta
Além de pensar em adaptações para o bem-estar, é também papel da escola
olhar para o calor extremo como uma oportunidade de abordar a temática das
mudanças climáticas e do meio ambiente não só com as famílias, mas
principalmente com as crianças. “Estamos formando uma geração que vai
enfrentar ainda mais do que a nossa esse desafio das mudanças climáticas”,
ressalta Paula Mendonça.
Tratando-se da Educação Infantil, esse trabalho deve ser feito de forma
bastante lúdica, com uma linguagem simples. O próprio contato com a
natureza, por si só, já é uma boa forma de desenvolver nos alunos uma
certa intimidade com o meio ambiente que, ao longo da vida, tende a se
transformar em cuidado e proteção.
“Se dentro da escola esse contato não é possível, é interessante frequentar
lugares próximos, como parques e praças, nos quais as crianças possam ter
essa experiência com a natureza no cotidiano escolar. A escola é aquele lugar
que ela frequenta todo dia, então essa é uma forma de manter essa vivência na
memória afetiva”, comenta a coordenadora do Instituto Alana.
Na prática, Lívia conta que utiliza essa abordagem de desenvolver nos
pequenos a ideia de amor, cuidado e respeito à natureza. “Eu tento sempre
começar pelo assunto que está mais próximo. Por exemplo: ao invés de falar
logo de início sobre o desmatamento na Amazônia, foco na importância das
árvores ao nosso redor”, exemplifica. “Depois , busco aprofundar a conversa,
explicando que as árvores nos dão a sombra e ajudam na temperatura do
ambiente, portanto cortá-las gera mais calor. Abordar diretamente o
aquecimento global, por exemplo, pode ser muito abstrato para eles”.
Outra prática que Lívia adota é prestar bastante atenção aos assuntos trazidos
pelos estudantes. Por vezes, as crianças ouvem notícias e ficam curiosas para
saber mais sobre assuntos relacionados ao meio ambiente. Nesses momentos,
a escuta da professora garante uma oportunidade de falar sobre o tema e
explicar alguns conceitos, sempre com linguagem simples.
Acontecimentos do cotidiano e ludicidade
A professora Paula Sestari também aproveita essas oportunidades do dia a dia:
quando acontece uma tempestade, por exemplo, é um bom momento para
abordar fenômenos climáticos extremos.
Além disso, Paula aposta na ludicidade para explicar para as crianças temas
ambientais. Um recurso bastante utilizado na escola é a horta presente no
local. “Falamos muito sobre como a incidência de sol afeta as plantas e
hortaliças. Nós também trabalhamos a questão do calendário, analisando quais
são as plantas mais adequadas para cada época do ano, levando em conta o
calor.”
Outras formas usadas por ela para explicar as consequência do calor excessivo
são experiências com elementos da natureza, como aquela em que se utiliza
uma lupa para focalizar raios solares sobre uma folha, por exemplo, e queimá-
la.
Lia, da ONG Vaga Lume, afirma que é importante que os professores
proporcionem essas experiências. “O contato com a natureza cria a percepção
da importância daquele ambiente, de que aquele lugar onde a criança está é
fundamental para ela poder viver. Mais importante ainda é a criança se
reconhecer nesse ambiente, perceber o impacto que mudanças ambientais têm
no dia a dia dela e do grupo.”

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