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Anemia

Falciforme
Relevância: Moderada
Todos as aulas da Mentoria possuem relevância moderada, alta ou muito alta,
baseado na incidência nas provas de residência médica dos últimos 5 anos.
Anemia Falciforme

Assunto curto, sem maiores dificuldades, mas muitas vezes subestimado no estudo para as provas de
residência. Preste muita atenção nas linhas a seguir e garanta pontos fundamentais, especialmente
na prova de Pediatria!

O que você precisa saber?


Anemia Falciforme (AF)
Hemoglobinopatia genética, mais comum em negros, caracterizada pela existência de uma
hemoglobina defeituosa (hemoglobina S), com enorme tendência a se polimerizar quando não está
ligada ao oxigênio. Isso gera uma deformação nas hemácias, que ganham a “forma de foice” e causam
os dois grandes mecanismos patogênicos da doença: hemólise precoce no sistema reticuloendotelial
e vasoclusão aguda e/ou crônica.
Nas crianças geram importantes complicações, como o atraso no desenvolvimento e crescimento puberal.

Qual a anomalia genética especificamente envolvida?


Substituição de ácido glutâmico por valina na cadeia beta da hemoglobina. Quando há homozigose
(dois alelos mutantes), consideramos o paciente portador de anemia falciforme (SS) e os sintomas
estão presentes.

Por outro lado, existem os heterozigotos para a mutação (AS), portadores do traço falcêmico.
Estes não possuem os sinais e sintomas da doença, além de estarem relativamente protegidos
contra formas graves da malária (a seleção natural parece ser o motivo pelo qual o traço falcêmico
é mais prevalente em regiões com grande incidência da malária), mas podem transferir esses
genes para os seus filhos, por isso a importância do aconselhamento genético.

Diagnóstico
A eletroforese de hemoglobina é o exame utilizado para o diagnóstico definitivo de anemia falciforme
(AF), mostrando enorme predomínio da hemoglobina S (> 85%). Caso a hemoglobina patológica apareça
em valores inferiores, significa que o paciente é portador do traço falcêmico. Atualmente, o teste do
pezinho é capaz de diagnosticar nos primeiros dias de vida diversas hemoglobinopatias, inclusive a
anemia falciforme.
O hemograma de pacientes com AF geralmente mostra anemia (hemoglobina entre 6 a 10 mg/
dl) normocítica e normocrômica, podendo ser microcítica quando está associada à deficiência
de ferro ou talassemia, ou macrocítica quando há deficiência de folato ou vitamina B12. Como
em outras causas de hemólise, pode haver aumento de bilirrubina indireta e de LDH, além da
redução da haptoglobina.
O esfregaço sanguíneo mostra as hemácias em forma de foice (drepanócitos – imagem a seguir),
além dos corpúsculos de Howell-Jolly, que aparecem em pacientes com hipoesplenismo.

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Anemia Falciforme

Esfregaço sanguíneo com presença de drepanócitos

Complicações agudas
Pacientes com AF vivem com uma concentração de hemoglobina abaixo do normal, mas são
adaptados e costumam ter poucos sintomas crônicos. Porém, em diversas circunstâncias
desenvolvem complicações agudas, com graus variados de gravidade.
As complicações são decorrentes de crises anêmicas (piora do valor basal) ou dos fenômenos
vasoclusivos e os principais fatores desencadeantes são: infecções, frio, desidratação, estresse físico
e/ou emocional, hipóxia, gestação, uso de álcool e menstruação.

IMPORTANTE: todo paciente com anemia falciforme passa nos primeiros anos de vida por um
processo conhecido como autoesplenectomia. Isso ocorre por conta de múltiplos infartos esplênicos
e a consequência é a perda completa da função do baço (órgão torna-se fibrótico e pequeno) até
os 5 anos de idade, acarretando numa importante predisposição a infecções. Portanto, qualquer
questão que falar em esplenomegalia em indivíduos acima de 5 anos, lembre-se que NÃO pode
ser anemia falciforme.

Crise aplásica
É a crise anêmica mais comum, normalmente causada pela infecção pelo Parvovírus B19 (mesmo
do eritema infeccioso) . O vírus infecta a medula óssea, prejudicando a produção acelerada de
hemácias que ocorre em pacientes com hemólise crônica. O tratamento é feito com hemotransfusão.

Crise megaloblástica
Parecida com a anterior, mas ocorre por deficiência de folato e nas questões será reconhecida pela
anemia aguda macrocítica (VCM > 100). Para evitá-la, todos os pacientes com AF devem receber
reposição de ácido fólico.

Sequestro esplênico
Obstrução aguda da drenagem venosa do baço, causando aumento rápido do baço com queda dos
níveis de hemoglobina (esplenomegalia e hemólise acelerada) e risco de evoluir com hipovolemia
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Anemia Falciforme

(pode ser muito grave). Ocorre quase sempre entre 6 meses a 1 ano de idade (especialmente nas
provas!), sendo incomum após os 2 anos de idade. A hemotransfusão é o tratamento de escolha,
seguida de esplenectomia após estabilização do quadro (recorrência elevada).

*Tanto na crise aplásica e de sequestro esplênico podemos ter anemia! Então, como
vamos diferenciá-las laboratorialmente? Na crise aplásica há reticulocitopenia (queda de
reticulócitos) e no sequestro esplênico vamos ver reticulocitose (aumento dos reticulócitos).

Vamos ver como as questões de residência abordam esse tema!

(HNMD RJ – 2019) Lactente de 2 anos chega à emergência com quadro de palidez importante e
aumento do volume abdominal de início súbito, ocorrido há 3 horas. A responsável informa que a
criança é portadora de anemia, identificada no teste do pezinho. Durante o exame físico, é observado:
regular estado geral, afebril, palidez (hipocorada +++/4+), anictérica, taquipneica, com perfusão
periférica lenta. Ausculta cardíaca apresenta taquicardia e abdome mostra-se globoso, com fígado
no rebordo costal direito, e baço a 5 cm do rebordo costal esquerdo. De acordo com o quadro clínico
descrito, os diagnósticos prováveis são anemia:

(A) Ferropriva e estado infeccioso.


(B) Falciforme e sequestro esplênico.
(C) Megaloblástica e desnutrição.
(D) Hemolítica e traço falciforme.
(E) Por deficiência de vitamina B12 e desnutrição.

Gabarito: B

CCQ:
Reconhecer uma crise de Sequestro esplênico em um paciente com anemia falciforme.

Uma das crises mais cobradas pelas bancas é a crise do sequestro esplênico. Lembre-se dela quando
uma criança apresentar exatamente o quadro descrito na questão.

Crises álgicas
Principal causa de hospitalização de pacientes com AF, caracterizada por fenômenos vasoclusivos,
gerando dor intensa (principalmente óssea).
A dactilite (imagem a seguir) é um tipo específico de crise álgica, que afeta crianças de 5 a 36 meses
de idade, causando dor e edema simétricos em mãos e pés (isquemia aguda dos ossos – síndrome da
mão e pé). Além disso, outro tipo importantíssimo de crise álgica é o priapismo , que caracteriza-se
por uma ereção prolongada (> 30 minutos) e dolorosa, que pode levar à disfunção erétil permanente.

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Anemia Falciforme

Dactilite.

Todas as crises álgicas devem ser tratadas com analgesia adequada (opioides devem ser usados!),
oxigênio e hidratação. Se não houver melhora, no caso do priapismo, pode ser indicada avaliação
urológica e até drenagem de corpos cavernosos.

OBS: a maioria das complicações da AF devem ser tratadas com analgesia, hidratação e oxigênio,
sendo os dois últimos importantes para evitar a polimerização das hemoglobinas (afoiçamento de
hemácias). Já a hemotransfusão é usada em crises moderadas/graves ou quando associada a
anemia intensa, com o objetivo de aumentar a concentração de hemoglobina normal (melhorar a
anemia) e reduzir a proporção de hemoglobina S. Além disso, nas complicações muito graves (ex:
AVE), está indicada a transfusão de troca (exsanguineotransfusão parcial), que nada mais é do que
uma hemotransfusão normal associada à retirada de sangue do paciente. Esse processo reduz mais
rapidamente a concentração de hemoglobina S, acelerando o tratamento.

Síndrome torácica aguda


Complicação grave de etiologia multifatorial, como por exemplo, infecção e infarto pulmonar.
O quadro clínico envolve febre alta, taquipneia, tosse, dor torácica, infiltrado pulmonar na radiografia
de tórax (imagem a seguir) e hipoxemia que pode ser grave. É a principal causa de morte da doença,
independente da faixa etária.O tratamento deve ser feito com hemotransfusão ou transfusão de
troca (dependendo da gravidade); antibioticoterapia (cefriaxone + macrolídeo), além de oxigênio,
analgesia e hidratação.

Síndrome torácica aguda – anemia falciforme.


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Acidente vascular encefálico


Complicação aguda mais grave da AF, atingindo cerca de 10% dos pacientes, mais comum em
crianças. Tanto o isquêmico quanto o hemorrágico são mais frequentes, com predomínio do primeiro
tipo em crianças e o hemorrágico sendo mais comum em adultos. O tratamento envolve o suporte
habitual de pacientes com AVE, além da exsanguineotransfusão parcial imediata.
Todo paciente com AF que sofre um AVE deve receber transfusões de troca (profilaxia secundária)
para manter a hemoglobina S abaixo de 30% no 1º ano e de 50% após esse período.
Além disso, está indicado que todos os pacientes com AF, entre 2 e 16 anos de idade, realizem doppler
de artéria cerebral média anual. Caso o fluxo no vaso seja maior do que 200 cm/s, devem receber
transfusões crônicas para reduzir o valor (profilaxia primária).

Febre
Todo paciente com AF com doença febril aguda é um caso de urgência médica, até que se prove o
contrário. Infelizmente não há parâmetros objetivos para essa avaliação, mas recomendamos que você
indique internação hospitalar e ATB venoso, caso: temperatura maior que 40°C; hemoglobina < 5 mg/dl;
hipotensão arterial; desidratação; dor intensa; enchimento capilar lentificado, etc.

Outras complicações
Incluem necrose de papila renal, colelitíase, úlceras em membros inferiores, oclusão dos vasos da
retina (com hemorragia, neovascularização e descolamentos), necrose asséptica da cabeça do fêmur,
suscetibilidade à osteomielite.

Tratamento crônico
Até agora falamos das complicações agudas, que, sem dúvida, são a parte mais cobrada nas provas.

• Suplementação de ácido fólico, podendo ser necessária também a reposição de ferro em


alguns casos.

• Profilaxia de infecções graves com Penicilina V (via oral), começando aos 2-3 meses de
idade e encerrando aos 5 anos. Esta é uma conduta importantíssima, capaz de modificar a
morbimortalidade da doença. As principais bactérias causadoras de doenças em pacientes
com AF são: Pneumococo (principal), H. influenzae e Salmonella (principal em caso de
osteomielite).

• Uso de hidroxiureia. Agente mielossupressor muito utilizado em algumas doenças


reumatológicas e que aumenta a produção de hemoglobina fetal (Hb F), melhorando o
quadro da anemia falciforme. Tem como principal efeito colateral a leucopenia, anemia e
trombocitopenia sendo por isso reservada para casos moderados/graves (pelo menos 3
crises isquêmicas ou 2 síndrome torácicas agudas no último ano, priapismo recorrente, Hb
< 6 mg/dl persistente, etc) em indivíduos com mais de 9 meses de idade.
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Anemia Falciforme

• A transfusão sanguínea crônica pode ter como complicação a aloimunização e sobrecarga


de ferro (para prevenir isso pode ser usado um quelante de ferro, como o deferasirox).

OBS: ao contrário do que ocorre em várias outras doenças hematológicas, o transplante de


medula óssea NÃO é uma das primeiras opções terapêuticas na AF, sendo reservado para casos
graves e refratários, apesar de ser a única terapia potencialmente curativa nos pacientes com AF.
Porém, recentemente o Ministério da Saúde liberou sua utilização em indivíduos com mais de 16 anos
de idade, o que estava proscrito anteriormente e por isso pode ser cobrado em provas de residência.

Como estudar?
Bom este foi nosso resumo do que há de mais importante sobre anemia falciforme. O tempo sugerido
para estudo é de 1 hora e meia, mas isso pode variar conforme o seu ritmo. A partir de agora, qualquer
questão que você errar sobre o assunto, questione-se o motivo do erro. Lembre que existem questões
mal redigidas ou muito específicas que não merecem muita atenção. Porém, se seu erro for evitável,
retorne ao conteúdo esquecido e revise!

#JJTop3

Crise de sequestro esplênico.

Síndrome álgica.

Tratamento crônico da anemia falciforme.

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