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AEt1ca como filosofia moral [1.1]

Este livro trata da Ética entendid a como a parte da Filosofia que se dedica à reflexão
sobre a moral. Como parte d;p, Filosofia, a Ética é um tipo de saber que se tenta cons-
tmir racional mente, utilizand o para tanto o rigor conceptu al e os métodos de análise
e explicaç ão próprios da Filosofia. Como reflexão sobre as questões morais, a Ética
pretend e desdobr ar conceito s e argumen tos que permitam compree nder a dimen-
são moral da pessoa humana nessa sua condição de dimensã o moral , ou seja, sem
reduzi-la a seus compon entes psicológicos, sociológicos, econôm icos ou de qual-
quer outro tipo (embora, obviamente, a Ética não ignore que tais fatores condicio nam
de fato o mundo moral).
Uma vez desdobr ados os conceitos e argumentos pertinentes, pode-se dizer que
a Ética, a Filosofia moral, terá conseguido explicara fenômeno moral, dar conta racio-
nalment e da dimensão moral humana, de modo que teremos aumenta do o nosso
conhecim ento sobre nós mesmos, e, portanto , alcançado um maior grau de liberda-
de. Em suma , filosofamos para encontrar sentido para o que somos e fazemos e bus-
camos sentido para atender aos nossos anseios de liberdade, pois consider amos a
falta de sentido um tipo de escravidão.

AÉtica é indiretamente normativa li 111

Desde suas origens entre os filósofos da antiga Grécia, a Ética é um tipo de sa be r


normativo, isto é, um saber que pretende orientar as ações dos seres humanos. A
moral também é um saber que oferece orientações para a ação, mas enquant o ela
propõe ações concretas em casos concretos, a Ética - como Filosofia mora 1 - re-
monta à reflexão sobre as diferentes morais e as diferentes maneiras de justificar r~t-
cionalmente a vicia moral, de modo que sua maneira ele orient:u a arfto é indireta : no
máximo, pode indica r qual concepç ão moral é mais razo[1vcl para que, a partir dela ,
possamo s orientar nossos comportamentos .

9
Ética

Porta nto, em prin cíp io, a Filo sofi a


mo ral o u Éti ca não tem mo tivos pa
inc idê ncia ime dia ta na vid a cot idia ra te r um a
na, po is se u objetiv o últi mo é esc
me nte o cam po dei mo ral. No ent ant o, lare cer re.fle xivu -
esse escl arec ime nto ce rtam ente pod
mo do ind iret o com o o rien tação mo e serv ir de
ral p ara os que preten dam agi r ra
con jun to ela su a vida. cio nal mente no

[Po r exe mp lo : va mo s sup or q ue a lgu


ém nos peç a par a e labo rar um "juí zo
b re o pro ble ma cio des em p rego , o u sob éti co" so-
re a gue rra, o u sob re o abo rto, o u sob
que r out ra q ues tão mo ral das que são re qu al-
obj eto de disc uss ão em nos sa soc ieda
com eça r, terí a mo s de esc la rece r que de ; pa ra
na verdad e nos estã o ped ind o um juíz
ou seja , uma o pin ião sufi cien te me nte o mo ral,
pen sad a sob re a bo nda de o u a mal
inte nçõ es, cios atos e das con seq ü ênc ícia das
ias implica dos em cada um des ses pro
Em seg uid a, dev ería mo s esclarec er ble mas .
que um juíz o mo ral sem pre se faz
algu ma con cep ção mo ral dete rminad a pan ir de
a, e, um a vez que tive rmo s anu n ciad
las con side ram os válida, pod ere mo s o q ual de-
passar a fo rmular, a partir de la, o juíz
que nos ped em. Para fa zer um juízo o mor a l
mor al correto sob re algu m dos ass unt
cotidia nos não é pre ciso ser es pec ialis os mo rais
ta em Filo sofi a mo ral. Bas ta te r alg um
dad e de raciocí nio, con hec er os prin a habi li-
cípi os bás icos da do utrina mo ra l q ue
mo s vá lida e esta r info rmados sob re con side ra-
os porme nores do ass unt o em q ues tão.
tan to, o juíz o ético pro pria mente dito No en-
seri a o que nos levo u a ace itar com o
con ce pçã o mor al que nos serviu de vá lida a
refe rên cia para nos so juízo mo ral ante
ju ízo étic o esta rá co rretame nte fo rmu ri or. Esse
lad o se fo r a conclus ão de urn a sé rie
me nto s fil osó fi cos, solidam ente con stru de arg u-
ídos, que mos trem boa s razõ es pa ra pre
dou tri na mor a l esc olhida. Em ger al, esse ferir a
juízo étic o est{1 ao alca nce dos esp ecia
e m Filo sofi a mo ral, mas às vez es tam listas
bém pod e manifesta r-se com algu m
qu a lida de ent re as pes soa s qu e cultiva gra u de
m o gos to pelo pe nsa r, des de q ue te nha
o esfo rço ele pe nsa r os proble mas "até m fe ito
o fim ".]

Os saberes práticos
li 1 21
Pa ra co m p ree nder me lho r q ue
tipo ele saber con stitu i a Ética tem
dis tinçã o ari stotélica ent re os sa ber os de lem hrnr a
es teóricos, p oiélicos e prá tico s. Os
co s (do gre go theorein: ve r, con te s:1bercs teó ri-
mp lar) ocu pam -se de ave rigu ar o
q ue s,1 0 :ts co isas ,
0 que oco rre de fato no mu ndo e qu ais
são as c 1usas ob jeri vas dos :1con1
São sabere s descrilívos: mostra m-n ec imen t.os.
os o q ue ex iste, o que é, o q ue .1co
re ntes ci ências da na tu reza (Física, nt cce . As dife -
Q uí1r iic 1, nin log i:1, /\st ro nom i .. 1 etc
teó ri cos na me did a em q ue o q ue .) sflo saberes
bu sc 1m l- , sim plcs rnc n lL', mostr:1r-n
m und o . Ar istó teles diz ia q ue os os corno é o
s:1h ercs Lcô ri cos vc rs:1m sob re "o
de o utra manei ra" , o u se ja, o q ue é :1ss q ue não p ode se r
im po rq ue :1ss irn o enc ont ram os
n ão por qu e ass im o di spôs a nossa no mu ndo,
vont ade : o sol aqu ece, os ani mais
res piram , a águ a

10
Oâmbito da filosofia prática

se evapora, as plantas crescem .. . tudo isso é assim e não podemos mudá-lo a nosso
bel-prazer. Podemos tentar imped ir que um a co isa concreta seja aquecida pelo sol,
utilizando para tanto quaisquer meios que tenhamos a nosso alcance, mas que o sol
aqueça ou rüo aqueça não depende de nossa vontade : pertence ao tipo de coisas que
"não podem ser de outra maneira".
Em contrapartida , os saberes poiéticos e práticos versam, segundo Aristóteles,
sobre "o que pode ser de outra maneira", ou seja, sobre o que podemos controlar à
vo ntade . Os saberes poiéticos (do grego poiein: fazer, fabricar, produzir) são aqueles
que nos servem de guia para a .elaboração de algum produto, de alguma obra, quer
seja algum tipo de artefato útil (como construir uma roda ou tecer uma manta) ou
simplesmente um objeto belo (como uma escultura, uma pintura ou um poema). As
técnicas e as artes são saberes desse tipo. o que hoje chamamos de "tecnologias" são
igualmente saberes que abarcam tanto a simples técnica - baseada em conheci-
mentos teóricos - como a produção artística. Os saberes poiéticos, diferentemente
dos saberes teóricos, não descrevem o que existe, mas procuram estabelecer nor-
mas , padrões e orientações sobre como se deve agir para atingir o fim desejado (ou
seja , uma roda ou uma manta bem feitas, uma escultura, uma pintura ou um poema
belos). Os saberes poiéticos são normativos, porém não pretendem servir de refe-
rência para toda a nossa vida, mas unicamente para a obtenção de certos resultados
que supostamente buscamos.
Por sua vez, os saberes práticos (do grego praxis: atividade, tarefa , negócio) ,
que também são normativos, são aqueles que procuram orientar-nos sobre o que
devemos fazer para conduzir nossa vida de uma maneira boa e justa, como devemos
agir, qual. decisão é a mais correta em cada caso concreto para que a própria vida seja
boa em seu conjunto. Tratam do que deve existir, do que deveria ser (embora ainda
não seja), do que seria bom que acontecesse (segundo alguma concepção do bem
humano). Tentam nos mostrar como agir bem, como nos conduzir adequadamente
no conjunto de nossa vida .
Na classificação aristotélica, os saberes práticos eram agrupados sob o rótulo
"filosofia prática" , rótulo que abarcava não só a Ética (saber prático destinado a
orientar a tomada ele decisões prudentes que nos levam a conseguir uma vicia boa),
mas também a Economia 1 (saber prático encarregado da boa administração dos
bens ela casa e da cidade) e a Política (saber prático que tem por objeto o bom go-
verno da pólis):

. ·t econon11·sc·1s
Na atua J'c.J
-
1.
1
I ac e, mui os · ' distinguem
· a "Economia. _ normativa " ela "Econorni:l . po:--iti. -
,, . • · 1 · ·entaçc':>es para ,, tornada ele clec1soes com base c 111 CLTl: ts op1;0L'S rnora1:--
va : enqua nto a pr11ne1ra me u1 o n · ' ' . . . ·~,. .. , .· . . . . .. · ..- .
- . • - 1 · ·,r,·c·tr ·1 segunda procura l1mlla1-se ,l pu1.1 L s1111pks clt:sllll,.10 dos
qu<.: a propna Eco nomia nao poc e JL1·51 ' , ' • _ . . 1, ,

f,atos econom1cos ve1 1). AS


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MlJEISON W . D. NORDI-IAUS , Eco nnml{I, Maclncl. McGr;1w -llill. I 99J . 11 )
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Nao ha duvida de que a e 1a111.1t ,1 ,(< • . .. . . . . . ,. . .. , • . ., _
, . ..~ .. . 1· .. 1- ··, •s her oc:11)1!uloquc1ra1ad:1qL1Lst.1otkq11.11s,.il<llL~(kvt:111~e1
mente um top1co (k IJ1G1 ap 1t .1c ,1 , .1 -"· 1 , . . . . .. . . . _ . .. . . _ . . _
. . . • • · . · ckcomosL·dc:vc111d1sp< 1r:1.~t·s1111tu1.1suonlll111t.1sp.11.1:-.erv11
fomentados com os rec ursos e11spon1vc 1s e
aos interesses gerais.

11
- Ética

(~lassificação aristÓtélica.dos ·!Í_~~ré~


Práticos (normativos
! ! Poiéticos ou produtivos para a vida em seu co~junto):
Teóricos (descritivos): [ ! (normativos para um fim Filosofia prática, ou seJa
! i concreto objetivado) :
Ética
!
:l.

1

j A técnica • Economia
: • Ciéncias da natureza · • As belas-artes p ,.
: . . • o11t1ca ---·--·- _-1
____J ------------ -·--· -· - -· ------- __________ _ j i____ --·---- -------------·- ---------·----· -

. . ~ . •T a que acabam os de expor


.
Pois bem pode-se completa r a class1ficaçao anstote ic fia prática necessa,, nas,
' ,. b ' d F'l1 a
com algumas consider ações em torno do am 1to a os~ .
nosso ver, para entender o alcance e os limites do saber pratico:

1ª Não há dúvida de que a Ética, entendida à maneira aristotélica como saber orien-
tado para o esclarecimento da vida boa, com o olhar posto na realizaçã o da felici-
dade individual e comunitária, continua a fazer parte da Filosofia prática, embora,
como veremos, a questão da felicidade tenha deixado de ser o núcleo da reflexão
para muitas das teorias éticas modernas, cuja preocupa ção está mais centrada no
conceito de justiça. Se a pergunta ética para Aristóteles era "quais virtudes morais
temos de praticar para conseguir uma vida feliz, tanto individua l como comunit a-
riamente?", na era moderna , em contrapartida, a pergunta ética seria esta outra:
"quais deveres morais básicos têm de reger a vida dos homens para que seja pos-
sível uma convivência justa, em paz e em liberdade, dado o pluralism o existent e
quanto às maneiras de ser feliz?".
2ª A Filosofia polític_a c_on~inua a fazer parte da Filosofia prática por direito próprio.
Suas perguntas pnnc1pa1s referem-s e à legitimidade do poder poli'ti·co e aos cntenos ·, ·
. . ·
que podenam" onentar-nos para o planejamento de modelos d e organiza • - ,
• d çao poh-
t1ca ca a vez melhores" (ou seja: moralmente des e1ave1s ·, · ·
ª ·1 . . . e tecmcam ente viáveis)
3 A F1 osof1a do D1re1to se desenvolveu enormem ente n os secu , 1 . ·
, l os posteno res a Ar'
t~te es, a ponto de podermos considerá-la uma disciplina do âm . , . 1s-
t1vamente independente da Ética e da F'lI oso f'ia po1,ttlca . bito prattco rela-
, Seu inte .
e a reflexão sobre as questões relaciona d . resse pnmord ial
- as com as normas 1·u ' d·
çoes de validade de tais normas a poss'b'l'd .
1 11 a d e d e s1stemat· n tcas: as condi-
, d ' ,, 1as 1eormando um
iza-
co igo coerente etc.
4ª Às disciplinas que acabamos de menc1onar . , .
. )h (Et1ca Filos f . 'd
t1ca oje teríamos de acrescentar a , o ia JUn ica, Filosofia polí-
gi -o E b ' nosso ver a reflexão fl1 oso, fica sobre a reli-
a . m ora ainda se continue a class'f .'
da fil ) . f . , I tear a Filosofia da R I' ·~
. t so ia teorica ou especulativa acred't , , e tgiao como uma parte
lisar ~.~enô~eno religioso a partir ~la per: :~:~s :u~r.e~istem boas razões para ana-
da pe1spect1va tcórica Def,t h I t1v<1 ptdl1c::ie mvez defa ~ l a parttr .
um . . ,L o, ouve uma époc-1 ze- o
, 1tema de investigação "científíca": trata . , , el m qlle a existênci a de Deus era
rea se encontra "o Se. S . " . Vcl-se e e averiguar .
' up, emo e, em caso af , . se no conJunto do
irmat1vo, tentar ind
agar sobre suas
12
Oâmbito da filosofia prática

···-.·r-..:..... i,.•.•· -"'li'.~., :_ ·-~ ~_,· \-: •. ·:.-_- • -, .

·. ··-\ r ·>; 't,:JJ'f~i•Amb~~os da Filosofi~.prática em noss':'s ~ias '.


. ". - . '.-" ~-- •. ,_ • , , ., .

ÉTICA OU FILOSOFIA FILOSOFIA FILOSOFIA


FILOSOFIA MORAL POLíTICA DO DIREITO DA RELIGIÃO
(Inclui elementos 1:
: 1
l
(Em perspectiva
de Economia i

ii ética)
normativa) ! 1

L.----------
: L--··---·-·· - --··-··-- - ······-- ~ - - - - - · ··---- L----··-···--··•- ·--·-··-·-· .. .!

propriedades específicas. No entanto, a partir da era moderna, e especialmente a


partir de Kant, a questão da existência de Deus deixou de ser própria do âmbito
"científico" para passar a ser uma questão de "fé racional" que se justifica a partir
de argumentos exclusivamente morais. Em qualquer caso, a tomada de posição
ante a existência de Deus, seja para afirmá-la, seja para negá-la, seja ainda para
suspender um juízo sobre ela, apresenta-se hoje em dia muito mais como uma
questão vinculada à moral, ao problema da injustiça e do sofrimento humano, que
ao problema da explicação da origem do mundo (embora ainda haja pessoas em-
penhadas em continuar esta última linha de investigação).

Otermo "moral" aqui e agora [1.2]

O termo "moral" é utilizado hoje em dia de maneiras muito diferentes, dependendo dos
contextos. Essa multiplicidade de usos dá lugar a muitos mal-entendidos que tentare-
mos evitar aqui examinando os usos mais freqüentes estabelecendo as distinções que e
consideramos pertinentes. Para começar, observe-se que a palavra "moral" é algumas
vezes empregada como substantivo, outras vezes como adjetivo, e que ambos os usos
encerram, por sua vez, diferentes significações de acordo com os contextos.

Otermo "moral" como substantivo [1 2 1)

A. Emprega-se às vezes como substantivo ("a moral", com minúscub e a1tigo de-
finido), para referir-se a um conjunto de princípios, preceitos, comandos, proibições,
permissões, normas de conduta, valores e ideais ele vicia boa que, em seu conjunto,
constituem um sistema mais ou menos coerente, próprio ele um grupo humano con-
creto em uma determinada época históric1. Nesse uso do termo, a moral é um sistema
de conteúdos que reflete determinada jbnna de vida. Esse modo ele vida não costuma

13
- Ética

, . d todos e de cada um dos mem -


. ~ , e os habit as e
da
or exem plo, dizer que os r~ma_ no~ .
coincidir totalmente com as c~nv1cçoes
. dade tomados isolad amen te. p r •e comb ativa s nao s1gnif1ca
I lhacloras auste ras .
bros da soCte essem tais quali ficati vos mora is, e
, oca da República eram pessoas tra Ja ~ '.
d d er
ep I I ins que nao~ me1ecl como síntes e de um mo o e s
que não houvesse entre e es a gL .
os própr ios ro-
ainda assim tem sentido manter essa descn çao gera om o que foram - d
., , ·o de outro s povos e c l ·, porta nto nela acep çao o
, .
e de viver que contrasta com Baixo Impe no. A mora e, .

'~i:
. · ' ·
manos mais tarde , digamos, no d t socialmenteestab lectdoe, como
tenno , um detem1inado modelo_idea~ de boa c~n ela Antro polog ia Socia l e pelas
tal. pode ser estudado pela Soc1olog1a, pela H1st~ , p d enfoq ue·clara ment e
d "t , . ·co" ao
ou.tras Ciências Sociais. No entanto, essas disciplinas a otam um
empírico e desse modo estabelecem um tipo de saber·nda que cham amos e e e~nd . 't )
' , . _ h ( que de uma 1orm a 1n tre a ,
passo que a Etica pretende onent ar a açao uman a a1 , .
e em conseqüência deve ser incluída entre os saber es prattcos.
fazer refe-
B. Também como substantivo, o termo "moral" pode ser usado para
os que "Fula no
rência ao código de conduta pessoal de alguém, como quan do dizem
os então do
possui uma moral muito rígida" ou que "Beltrano carec e de moral". Falam
vida: trata- se
código moral que guia os atos de uma pessoa concr eta ao longo de sua
ituir um siste-
de um conjunto de convicções e pautas de condu ta que costu ma const
cada um faz
ma mais ou menos coerente e serve de base para os juízos mora is que
ições ótima s de
dos outros e de si mesmo. Esses juízos, quand o são emitidos em cond
de "juízo s
suficiente informação, serenidade, liberdade etc., são cham ados às vezes
idos, são uma
ponderados ". Tais conteúdos morais concretos, pesso almen te assum
síntese de dois elementos:

a. o patrimônio moral do grupo social a que alguém pertence e


b. a própria elaboração, pessoa l com base no que alguém h erd ou d O grupo ; essa ela-
- . . · .
boraçao pessoa. l esta cond1oonada por diferentes circu ns t~anc1as , tais como 1'd d
. - biografia familiar ten p · h a e,
cond1çoes soc1oe conôm icas , 1 eramento abTd d
. ' ' 11
a e parar a-
c1ocinar corretamente etc.

. ~mbora em geral a maior parte dos conte údos mo . , .


coincida com os do código moral social não , b . ~a~s do cod1g o mora l pesso al
os grandes reformadores morais da hum' 'd ~ o n~ato no que seja
assim . De fato
tes ou Jesus Cristo, foram em certa medid:~1 ~ 1d
tais co_m~ Confú cio, Buda , Sócra~
mund o social. e e es ao cod1go mora l v·tgent e em seu
Tanto a moral socialm ente estab 1 . -
que corresponde , . . . ' e ec1cla corno a rnor-1I
sao realid ades
"moral pensada ": ~o qu ~ Ar,rnguren chamou ele "moral v· " . t:sso al contr apô-l as à
, e que falaremos em seguid a. tVK cl , para

.. temente se usa
C. Frequen -
desta vez com maiúscula , .. o ~ermo "Moral " també m c
, para iefenr-se a uma "e·~ ·, orno subst antiv o m
tenc1a que trata d 0 b ' as
em em geral, e
14
Oâmbito da filosofia prática

2
das ações humanas conforme marcadas pela bondade ou pela malícia" • Pois bem,
essa suposta "ciência do bem em geral" a rigor não existe. O que existe é uma varie-
dade de doutrinas morais ("moral católica", "moral protestante", "moral comunista",
"moral anarquista" etc.) e uma disciplina filosófica , a Filosofia moral ou Ética, que por
sua vez contém uma variedade de teorias éticas diferentes, e até contrapostas entre si
("ética socrática", "ética aristotélica", "ética kantiana" etc.). Em todo caso, tanto as
doutrinas mof1. is como as teorias éticas seriam modos de expressar o que Aranguren
chama de "mõral pensada", diante dos códigos morais pessoais e sociais realmente
assumidos pelas pessoas, que constituiriam a "moral vivida". Temos de insistir na
distinção entre os dois níveis lógicos que representam as doutrinas morais e as teorias
éticas: enquanto as primeiras tratam de sistematizar um conjunto concreto de princí-
pios, normas, preceitos e valores, as segundas constituem uma tentativa de explicar
um fato: o fato de que os seres humanos se orientam por códigos morais, o fato de
que existe moral, fato que nós a partir daqui vamos denominar "o fato da morali-
dade". Essa distinção não impede que, no momento de elaborar determinada dou-
trina moral, se utilizem elementos tomados das teorias éticas, e vice-versa. De fato , as
doutrinas morais costumam ser construídas mediante a conjunção de elementos to-
mados de diferentes fontes, as mais significativas dentre elas sendo:

1. as tradições ancestrais acerca do bem e do mal, transmitidas de geração em geração;


2. as confissões religiosas, com seu correspondente conjunto de crenças e as interpre-
tações dadas pelos dirigentes religiosos a tais crenças;
3. os sistemas filosóficos (com sua correspondente Antropologia filosófica , sua Ética
e sua Filosofia social e política) de mais sucesso entre os intelectuais e a população.

Quando intervém o terceiro dos ingredientes assinalados, não admira que as


doutrinas morais às vezes possam se confundir com as teorias éticas, mas em nome
do rigor lógico e acadêmico deveríamos fazer um esforço para não confundir os dois
planos de reflexão: as doutrinas morais permanecem no plano das morais concretas
Clingyagem-objeto), ao passo que as teorias éticas pretendem remontar a reflexão
até o plano filosófico (metalinguagem que considera as morais concretas uma lin-
guagem-objeto).

D. Existe um uso da palavra "moral" como substantivo que nos parece extraor-
dinariamente importante para compreender a vida moral: referimo-nos a expres-
sões que a utilizam no masculino, tais como "ter o moral bem elevado'', "estar com
o moral alto", e outras semelhantes. Aqui moral é sinônimo ele "boa disposição de
espírito", "ter forças, coragem ou confiança suficiente para fa zer frente - com dig-
nidade humana - aos desafios que a vida nos apresenta''. Essa ace pção tem uma

21
2. Diccionario de la Lengua F.spaiiola de la Real Arndemia, Madri, Espasa Calpe, 2002, 1.400.

15
Ética

·-· ---· --·····----·- ---·--· -1


A. Modelo de conduta socialmente estabelecido em
uma sociedade concreta ("a moral vigente") i 1

B. Conjunto de convicções morais pessoais


("Fulano possui uma moral muito rígida")

---,
C. Tratados sistemáticos sobre C.1. Doutrinas morais concretas 1

as questões morais ("Moral") ("Moral católica" etc.) i


1
C.2. Teorias éticas ("Moral aristotélica" '
etc., embora o mais correto seria
"ética aristotélica" etc.)
···---··- ·-·-··--- --···-··- ·-·----· ··---··-- ------,
D. Disposição de espírito produzida pelo caráter
e por atitudes adquiridos por uma pessoa ou grupo
("esta r com o moral alto" etc.)

E. Dimensão da vida humana pela qual nos vemos


obrigados a tomar decisões e a explicá-las ("a moral").

profund a significa ção filosófica, tal como mostram Ortega e Arangur en 3 . A partir
dessa perspect iva, a moral não é apenas um saber, nem um dever, mas sobretud o
uma atitude e um caráter, uma disposiç ão da pessoa inteira que abarca o cognitiv o
e o emocion al, as crenças e os sentimen tos, a razão e a paixão, em suma, uma dis-
posição de espírito (individ ual ou comuni_tária) que surge do caráter que se tenha
forjado previam ente.

E. Por fim, existe a possibili dade de emprega r o termo "moral" como substan-
tivo genérico : "a rrioral". Desse modo estaremo s nos referind o a uma dimensã o da
vida humana : a dimensã o moral, ou seja, essa faceta compart ilhada por todos que
consiste na necessid ade inevitável de tomar decisões e levar a termo ações pelas quais ' ,..._
temos que respond er diante de nós mesmos e diante dos outros, necessid ade que nos
impulsio na a buscar orientaç ões nos valores, princípio s e preceito s que constitu em a
moral nó sentido que expusem os anterior mente (acepçõ es A e B).

Otermo "moral" como adjetivo


11.2 2]

Até aqui utilizam os uma série de expressõ es nas quais o termo "moral" aparece como
adjetivo: "Filosofi a moral", "código moral", "princípi os morais", "doutrin as morais" etc.

3. J. O HTEGA Y G ASSET, Po r qué he escrito EI hombre a la defe11si11a, in Obras completas


, Madrid,
Hevisla ele Occidc ntc, 1947, 72, v. IV;J. L. L. AJ<ANGUHEN , Ética, Madrid, Neuista de Occiden
te, 1958, 81.

16
Oâmbito da filosofia prática

a
A mai oria elas exp ress àes e m que apa
rece esse adjetivo estã o re laci ona das com
dize mos que tem os "certeza moral " so-
Érica, m~1s ne m todas: por exe mpl o, qua ndo
acre dita mos firm eme nte nes se algo,
bre algo, nor mal men te que rem os dize r que
confirmá-lo ou desm enti -lo. Esse uso do
emb ora nào tenh amo s prov as que pos sam
alid ade , e se situa em um âmb ito me ra-
adjetivo '·moral" é, em prin cípi o, alhe io à mor
exp ress ões citadas, e em mui tas outr as
mente psic ológ ico, no enta nto, nas outr as
al ", "valores morais" etc.), há uma refe-
que com enta rem os mais adia nte ("virtude mor
ana cha mad a de "a moralidade". Mas
rência con stan te a essa dim ens ão da vida hum
o humana? Que características dist ingu em
em que con siste exa tam ente essa dim ensã
Essas que stõe s serã o dese nvo lvid as deta -
o aspe cto moral do jurídico ou do religioso?
ntar emo s brev eme nte dois significados
lhad ame nte mais adia nte. Aqui ape nas apo
do com o adjetivo pod e adotar.
muito diferentes que o term o "moral" emp rega
s dize r que o adjetivo "moral'' tem
Em prin cípi o, e seg uind o]. Hierro, pod emo
sentidos diferentes:

A. "Moral" com o opo sto a "imoral". Por


exemplo, diz-se que este ou aqu ele com -
outr o é um com port ame nto real men te
port ame nto é imoral, ao pass o que aqu ele
rativo, porq ue significa que uma deter-
moral. Nesse sent ido é usad o com o termo valo
aqui se está utilizando "moral " e "im oral"
minada con duta é apro vad a ou reprovada;
"incorreto". Esse uso pres sup õe a exis tên-
com o sinô nim o de mor alm ente "correto" e
rência para emitir o corr esp ond ente juízo
cia de algum cód igo moral que serve de refe
juízo "a vingança é imoral" e com pree n-
moral. Assim, por exe mpl o, pod e-se emitir o
m código moral con cret o para o qua l
der que esse juízo pres sup õe a ado ção de algu
códigos morais - digamos , os que acei-
essa afirmação é válida, ao pass o que outr os
dade dess e juízo.
tam a Lei de Talião - não aceitariam a vali

o, a con duta cios anim a is é amo -


B. "Moral " com o opo sto a "amoral ". Por exempl
a mor alid ade , pois se sup õe qu e os ani-
ral , isto é, não tem nen hum a rela ção com
os ainda os vegetais, os minerai s ou os
mai s não são resp ons áve is por seus atos. Men
que atingiram um des e nvolvim e nto com -
astros. Em con trap artid a, os sere s hum ano s
side rado s "sen hore s ele seus atos", tê m
pleto, e na med ida em que pos sam ser con
"amoral " assim e nten dido s não avaliam ,
uma con duta moral. Os termos "moral" e
uma con duta é ou não suscetível de
mas desc reve m uma situação: exp ress am que
reún e , os requisitos indi spen sáve is par:1
qualificação moral por que reún e, ou não
ais (nor mas , valores, conselh os etc. ). A
ser posta em relação com as orie ntaç ões mor
ame nte esse s requisito s o u critérios que
Ética tem que escla rece r qua is são con cret
lacle". Essa é uma de suas tart.-f:1s princi-
regulam o uso descritivo cio term o "moralic
s. Sem dúv ida , esta segund:1 :1ce pçJ o de
pais, e de la falaremos nas pág inas segu inte
e ira, uma vez que só pod e ser qu:1lifi-
"mora l" com<, adjeLivo é mais básica que a prim
sent ido aqu ilo qut· poss:1 ser con side rado
cado d e "imo ral'' ou c.l<: "mor~tl" no primeiro
" moraI" no scgun<.1o senlK · 1o .

17
Ética
1
1

1
~sos estranhos à Ética:"certeza moral" etc. - . - ·---···· ··--· - -·-- .. .J
- - - - - - - - --- -·-- ----- - -!
A "moral" em contraposição a "imoral" !
Usos que interess am à Ética B. "moral" em contraposição a "amoral"
... --··--·- --··- ... _i

[13]
Otermo "moralidade"

referê ncia a
A. Embo ra o termo "mora lidade " seja utiliza do freqü entem ente em
ssões como "du-
algum códig o moral concr eto (por exem plo, quand o se usam expre
lidad e e dos bons
vido da moral idade de seus atos" ou "fulano é um defen sor da mora
ntes, dos quais
costumes"), esse termo també m é utilizado com outro s sentid os difere
vamo s destac ar mais dois:
nos como
B. Por um lado, distingue-se "moralidade" de outro s fenôm enos huma
termo "mora lidade "
"legalidade", "religiosidade" etc. Em muitos contextos empre ga-se o
como "a mora l"
para denot ar essa dimen são da vida huma na a que acima nos referi mos
s concr etas que
(substantivo genérico): trata-se dessa forma comu m às divers as morai
seus respe ctivos
nos permi te reconhecê-Ias como tais apesa r da hetero genei dade de
" em geraL
conteúdos. Nesse sentido, "moralidade" seria sinôn imo de "vida moral
é evide nte a
Houv e muitos tipos de moral ao longo da história, e hoje em dia
ntes coexi stindo -
existência de uma pluralida_d e de formas de vida e de códig os difere
mode rnas. No
nem sempr e convi vendo - no seio de nossas comp lexas socie dades
entanto, apesa r de sua diversidade de conte údos, pode perce ber-se
a mora l ou a mora -
morai s. Que
lidade em uma série de características comu ns às difere ntes propo stas
dizer o segui nte:
características são essas? Em uma primeira aprox imaçã o, podem os

"aque la é uma
• Toda moral se cristaliza em juízos morais ("essa condu ta é boa ",
o" etc.).
pessoa honrada ", "essa divisão foi justa", "não se deve agredir o próxim
entam certas
• Os juízos morais correspondentes a diferentes tipos de moral apres
·
afinidades:
fazem referê nch" ,a atos 11·vres , responsave1, ·s
- No. aspect, o.forma . morais
l, os juízos
seres huma nos , uma est.I·u tura b'1ops1-·
, . ave1s, o que
e 1mput permi, te supor em nós ,
poss1v el e necess ária a liberdade de escolh a e as su b seq ue .. n-
colog1 ca que torna
. . . . .
_
tes 1esponsabil1dade e 1mputabd1clade·· uma "mora"l coni o es trutura ", em tenno s
ele Aranguren , também chamada de "protomoral " po r o . G ldCia ., · .
os juízos morais coincidem ,ao se , 1.e t·e nr
· ao que os seres
- Quanto ao conteú . do,
•.·1tam, cons1c· leram valioso ou inreres-
humanos anseia m, querem , clese1·-1' 1n , nece.ss

18
Oâmbito da filosofia prática

FJID!llfl1w™1liill9, ,M tirt= Flir?


,, = "I
A Como sinónimo de "moral" no sentido de uma concepção moral concreta ("Isso é uma imoralidad e sso
"[d
-
nao e mora ment~ c~rreto e acordo com determinado código]).
• 1

não redutível a
B. Como sinónimo de "a moral": uma dimensão da vida humana identificável entre outras e
que nos
nenhu~a outr.a (a vida moral, tal como se manifesta no fato de que emitimos juízos morais, fato
remete a ex1stenc1a de certas estruturas antropológicas e a certas tradições culturais).

C. Na contraposição filosófica de cunho hegeliano entre "moralidade"e "eticidade''.

sante. No entanto, é conveniente distinguir dois tipos de juízos segundo o conteúdo :


os que se referem ao justo e os que tratam sobre o bom. Os primeiros apresentam
um aspecto de exigibilidade, de auto-obrigação, de prescriptividade universal
etc., ao passo que os segundos nos mostram uma modesta aconselhabilidadeem
relação ao conjunto da vida humana. Esses dois tipos de juízos não expressam
necessariamente as mesmas coisas em todas as épocas e sociedades, de modo
que cada moral concreta difere das demais quanto ao modo de entender as noções
do justo e do bom e na ordem de prioridades que estabelecem em cada urna.

Vemos, portanto , que a moralid ade é um fenôme no muito comple xo, que por
isso admite diversas interpre tações: mas não devemo s perder de vista o fato de que
essa varieda de de concepç ões morais evidenc ia a existênc ia de uma estrutura co-
mum dos juízos em que se express am, e que essa estrutura moral comum remete a
um âmbito particul ar da vida humana , um âmbito diferent e do jurídico, cio religioso
ou do da mera cortesia social: o âmbito da moralid ade.

C. Por outro lado, conferiu -se ao termo "morali dade" um sentido clarame nte
filosófico (segund o uma distinçã o criada por Hegel), que consiste e m contrap or "mo-
ralidade " a "eticida de". Este último sentido será explica do mais adiante, e m relação
com as classific ações éticas.

11.4)
Otermo"ética"

Fn.:c..iücn1 c rncnl e uliliza -sc :1 palavra "étic:1'' como sintmim o dl> (!llL' :1111LTion~1en1e
s e
cliarn;imos de "a moral '', ou s<.:ja , c:ssc conjunlCl dl' prim·ípios, nurm:1s, preceito

19
r
Ética

valores que regem a vicia dos povos e cios indivíduos. A palavra "ética
" proce de do
crrego ethos, que significava origin ariam ente "mora da" , "lugar em que
vivemos", mas
;o~te rionnente passou a significar "o caráte r", o "mod o de ser" que
uma pesso a ou
um grupo vai adqui rindo ao longo ·da vida. Por sua vez, o termo "mora
l" proce de do
la rim mos, rnoris, que originariamente significava "costume", mas em
segui da passo u
a significar também "caráter" ou "mod o de ser". Desse modo , "ética"
e "moral" conflu-
em etimologicamente em um significado quase idênti co: tudo aquil
o que se refere ao
modo de ser ou carát er adqui rido como resultado de pôr em prática
algun s costu mes
ou hábitos consi derad os bons.
Dadas essas coincidências etimológicas, não é de estran har que os termo
s "mo-
ral" e "ética" apare çam como intercambiáveis em muito s conte xtos cotidi
anos: fala-se,
por exemplo, de uma "atitude ética" para desig nar uma atitude "mora
lment e correta"
segun do determ inado códig o moral; ou diz-se que um comp ortam
ento "foi pouc o
ético" para significar que não se ajustou aos padrõ es habituais da moral
vigente. Esse
uso dos termos "ética" e "moral" como sinôn imos está tão difun dido
que não vale a
pena tentar impugná-lo. Mas convé m ter consciência de que esse
uso denot a , na
maioria dos contextos, o que aqui denom~namos "a moral", ou seja,
a referência a
algum código moral concreto.
Não obstante isso, podem os nos propo r a reservar - no contexto acadê
mico em
que nos movemos aqui - o termo "Ética"4 para nos referir à Filosofia
moral , e manter
o termo "moral" para denotar os diferentes códigos morais concretos.
Essa distinção é
útil, pois se trata de dois níveis de reflexão diferentes, dois níveis de
pensa mento e
linguagem acerca da ação moral, e por isso se torna necessário utiliza
r dois termos
diferentes se não queremos cair em confusões. Assim, chamamos de "mora
l" esse con-
junto de princípios, normas e valores que cada geração transmite à geraç
ão seguinte
na confiança de que se trata de um bom legado de orientações sobre
o modo de se
comportar para viver uma vida boa e justa. E chamamos de "Ética "
essa disciplina
filosófica que constitui uma reflexão de segun da ordem sobre os probl
emas morais. A
pergunta básica da moral seria então: "O que devemos fazer? ", ao passo
que a quest ão
central da Ética seria antes: "Por que devemos?", ou seja, "Que argumentos
corroboram ·
e sustentam o código moral que estamos aceitando como guia de condu
ta?".

AÉtica não é nem pode ser "neutra"


[1.4 1]

A caracterização ela Ética como Filosofia moral leva-nos a enfatizar que essa
disciplina
não se identifica, em princípio, com nenhu m código moral determinado
. Pois bem,
isso não significa que permaneça "neutra" diante dos diferentes códig
os morais que

4. Ado tamos aqui a conven ção ele escreve r o termo "Ética" com
inicial maiúsc ula quando nos referi-
mos à discipli na filosófi c 1 em geral, e com minúscula quando
fal amos de alguma teoria ética em particu lar
(ética kantiana etc.) .

20
Oâmbito da filosofia prática

psia axiol ógica " não é possí-


existiram ou possa m existir. Tal "ne utralidade " ou "asse
a co mprometem com cer-
vel, uma vez que os mf·todos e objetivos próprios da Ética
is como "incorreto s", ou até
tos valores e a obrigam a denunciar alguns códig os mora
reafirmados por ela na medi-
mesmo como "desumanos", enqu anto outros pode m ser
até mesm o "excelentes" .
da em que os considere "razoáveis", "recomendáveis" ou
levar a reco mend ar
No entan to, não é certo que a investigação ética poss a nos
. Dada a comp lexid ade do
um único códig o moral com o racio nalm ente preferível
nalid ade e de méto dos e
fenô men o moral e a plura lidad e de mod elos de racio
amen te plural e aberto. Mas
enfo ques filosóficos, o resultado tem que ser nece ssari
orien tar de mod o medi ato
isso não significa que a Ética fracasse em seu objetivo de
teorias éticas pode m dar
a ação das pessoas. Em primeiro lugar, porq ue difer entes
lhan tes (a coinc idênc ia em
com o resul tado algumas orientações morais muit o seme
inco rpora dos à moral vi-
certos valores básicos que, embo ra não estejam de todo
, porq ue é muit o possível
gente , são justificados como válidos). Em segu ndo lugar
a evid encia r que a missão
que os prog resso s da própria investigação ética cheg uem
o códi go moral prop ria-
da Filosofia moral não é a justificação racional de um únic
is básic os dent ro do qual
ment e dito, e sim um quad ro geral de princípios mora
si poss am legitimar-se
diferentes códigos morais mais ou meno s compatíveis entre
l geral assinalaria as cond i-
com o igual ment e válidos e respeitáveis. O quad ro mora
ser racio nalm ente acei-
ções que todo código moral concreto teria que cump rir para
uma plura lidad e de mod e-
tável, mas essas condições pode riam ser cump ridas por
dess e mod o um plura lismo
los de vida moral que rivalizariam entre si, mant endo -se
moral mais ou meno s amplo.

[14 2)
Funções da Ética

o: 1) esclarecer o que é a
Em noss o mod o de ver, corresponde à Ética uma tripla funçã
moral, quais são seus traços específicos; 2) fund ame ntar
a moralidad e, ou seja , pro-
ao esforço dos seres huma-
curar averiguar quais são as razões que conferem senti do
tos ela vida social os resul-
nos de viver moralmente; e 3) aplicar aos diferentes âmbi
se adote nesses âmbitos
tados obtidos nas duas primeiras funções, de maneira que
tada) , em vez de um códi-
sociais uma moral crítica (ou seja, racionalmente fund amen
ências morais.
go moral dogmaticamente imposto ou da ausência de refer
modelos éticos que
Ao longo da história da Filosofia ofereceram-se diferentes
as éticas. As éticas arisro -
procuram cumprir as três funções anteriores: são as teori
desse tipo de teori as. S:1o
télica , utilitarista, kantiana e discursiva são bons exem plos
grau ele sistem atiza ç,1o, que
constructos filosóficos, geralmente dotados de um alto
da prefe ribilid acle ele certos
tentam dar conta elo fenômeno da moralidade em geral, e
princípios de racio nalidade
códigos mora is na medida em que estes se ajustam aos
capítulo desre livro vamos
que regem o modelo filosófi co de que se trata. Em o utro
expo r algumas elas teoria s éticas mais relcvant<:s.

21

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