Você está na página 1de 31

FERREIRA LEÃO

284
ADVOGADOS ASSOCIADOS

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 7ª VARA CÍVEL


DO FÓRUM REGIONAL DE CAMPO GRANDE

GRERJ Nº 42338904000-00

TJRJ CGR CV07 202006210308 07/09/20 19:18:18137274 PROGER-VIRTUAL


Processo nº 0024138-32.2019.8.19.0205

SUPERVIA – CONCESSIONÁRIA DE TRANSPORTE


FERROVIÁRIO S.A., nos autos da ação ordinária que, perante esse MM. Juízo,
lhe move ESPÓLIO DE ALINE MACEDO FRANÇA, vem, por seu advogado
abaixo assinado, com fundamento nos artigos 994, I, e 1.009 do CPC, interpor
apelação à sentença de fls. 270/273 (cf. indexador 0000270), mediante as
inclusas razões.

Cumpridas as formalidades legais, requer a V. Exa. se digne a


remeter o presente recurso à instância superior, para ser distribuído à Eg.
Décima Primeira Câmara Cível, preventa em razão do julgamento anterior do
agravo de instrumento nº 0057701-50.2019.8.19.0000.

Nestes termos,
Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 09 de setembro de 2020

João Cândido Martins Ferreira Leão


OAB/RJ Nº 143.142

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
285
ADVOGADOS ASSOCIADOS

Razões da Apelante, Supervia –


Concessionária de Transporte
Ferroviário S.A.

Egrégia Décima Quinta Câmara Cível,

I – REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

1. Da sentença de fls. 270/273 (cf. indexador 0000270), a Ré,


doravante denominada Apelante, foi intimada em 31/08/2020, segunda-feira,
conforme a certidão de fls. 282 (cf. indexador 0000282). Logo, o prazo de 15
(quinze) dias úteis se iniciou em 01/09/2020, terça-feira, e que terminará em
22/09/2020, terça-feira nos termos dos artigos 218, 219, 224, 994, I, 1.003, §5º
e 1.009 do CPC.

2. Desse modo, é manifestamente tempestiva a presente apelação


interposta hoje, 09/09/2020, quarta-feira.

3. Também se encontram presentes os demais requisitos de


admissibilidade, eis que a Apelante efetuou o recolhimento das custas
correspondentes; é sucumbente, daí que permanece seu interesse processual;
não praticou ato incompatível com a interposição desta impugnação recursal; e
este recurso é único meio cabível a reforma da sentença.

4. Depois de ter comprovado todos os requisitos de admissibilidade,


passa-se agora a expor as razões desta apelação.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
286
ADVOGADOS ASSOCIADOS

II – SÍNTESE DA QUESTÃO

5. A Autora ajuizou ação ordinária em face da Apelante, cuja causa


de pedir mediata (fatos) é alegada ausência de rampas e elevadores, itens de
infraestrutura de acessibilidade, na estação ferroviária de Campo Grande, o que
não lhe permitiria acessar o sistema ferroviário sem o auxílio de terceiros ou de
prepostos da própria Apelante.

6. Já a causa de pedir imediata (fundamentos legais) a imediata seria


o alegado não cumprimento pela Apelante das Leis Federais nº 10.048/00 e nº
10.098/00, regulamentadas pelo Decreto nº 5.296/04, da Lei Federal nº
13.146/15, do Decreto Federal nº 6.949/09 e do Decreto Municipal nº
29.896/2008.

7. A partir dessa causa de pedir, requereu inicialmente, com


fundamento no artigo 300, § 2º, do CPC, c/c artigo 84 do CDC, que lhe fosse
concedida, inaudita altera parte, a tutela de urgência, satisfativa e irreversível,
para compelir a Apelante na obrigação de fazer consistente em realizar as
adequações necessárias a tornar acessível a estação ferroviária de Campo
Grande. Ao final da petição inicial, formulou os pedidos de fls. 20/22 (cf.
indexador 0000003), dos quais dá-se destaque:

(a) Confirmação da tutela de urgência – obrigação de fazer;

(b) A condenação da Apelante ao pagamento de danos morais.

8. Nesse momento, é importante fixar as seguintes premissas eis que


produzem efeitos ao longo de todas as questões que serão aqui expostas: ao se
analisar os elementos subjetivos e objetivos da petição inicial de fls. 03/24 (cf.
indexador 0000003), tem-se, in casu, a ocorrência da pluralidade de demandas
em uma única peça, na medida em que houve cumulação sucessiva de pedidos,

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
287
ADVOGADOS ASSOCIADOS

i.e., o pedido de danos morais somente poderia ser apreciado e acolhido se, e
somente se, for julgado procedente o pedido de obrigação de fazer consistente
em realizar adequações na estação ferroviária de Campo Grande.

9. Dito de outro modo para facilitar a visualização, permita-se fazer a


seguinte ilustração:

(i) demanda individual: figurando no polo ativo a Autora, que era


portadora de deficiência física, enquanto no polo passivo a Apelante,
cujos pedidos sucessivos são: (a) o pedido anterior consistente na
reforma da estação de Campo Grande e (b) o pedido posterior, a
condenação da Apelante para pagar-lhe indenização por danos morais
no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais);

10. Há, pois, inegável cumulação sucessiva de pedidos, matéria que


justificará a declaração de nulidade da r. sentença ou, caso assim não se
entenda, sua reforma. Prossegue-se.

11. Depois de recebida e analisada da petição inicial, a i. magistrada a


quo indeferiu a tutela de urgência (cf. indexador 0000064) e determinou a citação
da Apelante. Cumprida esta diligência, a Apelante apresentou tempestivamente
sua contestação, peça na qual arguiu, dentre outros, a preliminar de ilegitimidade
ativa as causam e a existência de questão prejudicial a justificar a suspensão do
processo, nos termos do artigo 313, V, “a”, do CPC.

12. Ato contínuo, o i. representante do Ministério Público foi intimado


para lhe dar ciência acerca da demanda (cf. indexador 0000079); a Autora não
se manifestou em réplica; a i. magistrada a quo foi oficiada pela i. representante
do Ministério Público acerca do ajuizamento de ação coletiva nº 0167632-
82.2019.8.19.0001 (cf. indexador 0000o73), o que justifico a suspensão do feito
(indexador 0000168); posteriormente, os sucessores da Autora informaram
sobre o seu falecimento (cf. indexador 0000205).

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
288
ADVOGADOS ASSOCIADOS

13. Sendo essa síntese de toda a tramitação do processo, então a i.


magistrada a quo prolatou a sentença de fls. 270/273 (cf. indexador 0000270)
por meio da qual, acolhendo a preliminar de ilegitimidade, rejeitou o pedido
principal de obrigação de fazer e, apesar disto, acolheu a pretensão de danos
morais, cujo capítulo do dispositivo restou assim redigido, in verbis:

“Em face de todo o exposto, JULGO EXTINTO O FEITO, SEM


SOLUÇÃO DE MÉRITO EM RELAÇÃO AO PEDIDO DE
CONDENAÇÃO DA PARTE RÉ À OBRIGAÇÃO DE FAZER, na
forma do artigo 485, VI do Código de Processo Civil. Outrossim,
JULGO PROCEDENTE O PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA
PARTE RÉ AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS, na forma do artigo 487, inciso I do Código de Processo
Civil e, como consequência, condeno-a ao pagamento da quantia
de R$ 3.000,00 (três mil reais), corrigida em conformidade com os
índices do TJERJ e acrescida de juros de mora de 1% (um por
cento) ao mês a partir da publicação desta sentença.”

14. A Apelante nutre respeito e admiração pela i. magistrada a quo,


mas falando com lealdade e franqueza, a r. sentença é eivada de vícios tanto
error in procedendo, cuja consequência é declaração de nulidade, quanto error
in iudicando, devendo, neste caso, ser reformada para julgar improcedentes o
pedido de dano moral formulado pela então Autora. Para tanto, a Apelante
demonstrará nesta apelação que:

(a) Havendo cumulação sucessiva de pedidos, sendo o pedido de danos


morais subordinado ao pedido de obrigação de fazer, no momento em
que este é julgado improcedente, aquele também deveria ter seguido o
mesmo destino, o que caracteriza error in procedendo;

(b) Muito embora a i. magistrada a quo tenha reconhecido expressamente


que a ação civil pública nº 0167632-82.2019.8.19.0001 e o TAC que nesta
demanda coletiva foi celebrado entre o Ministério Público e a Apelante,

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
289
ADVOGADOS ASSOCIADOS

com abrangência para todo o território do Estado do Rio de Janeiro,


seriam questões prejudiciais ao pedido principal de obrigação de fazer,
entendeu que se tratava de hipótese de improcedência apenas do pedido
de obrigação de fazer, e não sendo motivo também rejeitar o de danos
morais ou de determinar a suspensão;

(c) A então Autora era manifestamente ilegítima para pleitear a reforma da


estação ferroviária de Campo Grande, eis que a natureza jurídica deste
direito é coletivo transindividual e indivisível, nos exatos termos do artigo
81, parágrafo único, II, do CDC, cuja legitimidade é exclusive dos entes a
quem a legislação atribuiu poderes para a defesa em juízo, conforme
entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, situação que não se
altera à hipótese de se considerar direito homogêneo, o qual não
introduziu a class action do direito norte-americano, mas sim a
possibilidade de ser tutelado coletivamente pelos mesmo órgãos com
legitimidade extraordinária;

(d) Não comprovação da condição de efetiva passageira antes do seu


falecimento.

15. Feita essa breve e necessária introdução, passa-se a expor cada


matéria.

III - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM


DIREITO COLETIVO TRANSINDIVIDUAL E INDIVISÍVEL

16. Como se destacou, a então Autora ajuizou ação ordinária em face


da Apelante, alegando ausência de acessibilidade na estação ferroviária de
Campo Grande, tendo formulado cumulação sucessivo de pedidos: o primeiro e
principal, obrigação de fazer reformas naquela estação, enquanto o segundo e
subordinado, o de pagar indenização por danos morais.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
290
ADVOGADOS ASSOCIADOS

17. Isto é: o elemento principal, senão único, da causa de pedir de


ambas as demandas individuais é a alegada inexecução do contrato de adesão
de transporte público ferroviário de passageiros, a partir do qual se cria um amplo
vínculo jurídico que uniria não só a então Autora com a Apelante, mas antes e
principalmente à coletividade com a Apelante, não sendo passível sua divisão,
pois o alegado descumprimento decorreria da ausência de infraestrutura de
acessibilidade no sistema ferroviário, especialmente na estação ferroviária de
Campo Grande.

18. É inequívoco que se está diante de direito coletivo previsto no artigo


81, II, do CPC, dispositivo que é assim comentado pelo eminente Ministro
Antonio Herman V. Benjamin, in verbis:

“Define-se os art. 81, parágrafo único, inciso II do CDC como ‘os


transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base’. Embora o seu objeto
seja indivisível, à semelhança do que ocorre com os interesses
difusos, destes se diferenciam pela determinabilidade dos sujeitos
titulares, seja pela relação jurídica-base que os liga a parte
contrária, seja pelo vínculo jurídico-associativo que mantêm entre
si.”1 (grifou-se)

19. Neste sentido, permite-se também transcrever os comentários de


Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, in verbis:

“Direitos coletivos. Aqui os titulares são indeterminados, mas


determináveis, ligados entre si, ou com a parte contrária, por
relação jurídica base. Assim como nos direitos difusos, o objeto
desse direito também é indivisível. É coletivo, por exemplo: o direito

1BENJAMIN, Antonio Herman V. Et al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, 4ª ed., p. 1.551.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
291
ADVOGADOS ASSOCIADOS

de alunos de determinada escola de ter assegurada a mesma


qualidade de ensino em determinado caso”.2

20. Não há, pois, divergência na doutrina mais especializada.


Compartilha do mesmo entendimento o eminente Desembargador Sergio
Cavalieri Filho, in verbis:

“Em suma, enquanto nos direitos difusos os sujeitos estão ligados


por circunstâncias de fato e por isso são indetermináveis, nos
direitos coletivos os sujeitos estão ligados por um vínculo jurídico,
uma relação jurídica base, por exemplo, consumidores de um
contrato de massa, sócios ou acionistas de uma empresa,
membros de uma sociedade esportiva, condôminos de um edifício
etc. Por isso os titulares desses direitos são determinados ou
determináveis”.3 (grifos do original)

21. De outro lado, poder-se-ia entender, a princípio, que o direito


alegado seria homogêneo, o que conferiria legitimidade ativa ad causam à então
Autora, de maneira que o artigo 81, III, do CDC, permitiria a ele formular a
pretensão de compelir a Apelante a reformar a estação de Campo Grande.

22. Mesmo nessa hipótese, há equívoco nessa interpretação. O real


conteúdo e extensão do artigo 81, III, do CDC, é assim fornecido por Nelson Nery
Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, in verbis:

“Direitos individuais homogêneos. São os direitos individuais cujo


titular é perfeitamente identificável e cujo objeto é divisível e
cindível. O que caracteriza um direito individual comum com
homogêneo é sua origem comum. A grande novidade trazida

2 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de Andrade. Leis Civis comentadas e
anotadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, 5ª ed., p. 592.
3 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2019, 5ª

ed., p. 408.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
292
ADVOGADOS ASSOCIADOS

pelo CDC no particular foi permitir que esses direitos


individuais pudessem ser defendidos coletivamente em juízo.
Não se trata de pluralidade subjetiva de demandas (litisconsórcio),
mas de uma única demanda, coletiva, objetivando a tutela dos
titulares dos direitos individuais homogêneos. A ação para a
defesa de direitos individuais homogêneos é, grosso modo, a class
action brasileira” 4. (grifou-se)

23. Na verdade, o artigo 81, III, do CDC, introduziu no sistema jurídico


uma nova modalidade de defesa coletiva em juízo, ao conferir legitimidade
extraordinária a determinadas entidades para defesa do direito homogêneo por
meio de ação civil pública, e não em sentido inverso de atribuir a um único
indivíduo (pessoa natural) a possibilidade de ajuizar uma demanda individual
cujo provimento judicial também atenderia a pretensão de outras pessoas
indeterminadas. Quer dizer, o referido dispositivo não consagrou o clássico
modelo de class action norte-americana.

24. Sendo assim, a então Autora não era detentora de legitimidade


ativa ad causam no que diz respeito ao pedido principal de condenar a Apelante
a adequar a estação ferroviária de Campo Grande, tendo em vista que o direito
discutido é inegavelmente direito coletivo transindividual e indivisível, a teor do
artigo 81, II, do CDC.

25. A d. magistrada a quo filiou-se ao mesmo entendimento, conforme


se depreende no seguinte trecho do capítulo da fundamentação da sentença, in
verbis:

“E, para além da relação de consumo, da qualificação do autor


como usuário desse serviço - esse interesse, que é do autor e é
também de todos aqueles que têm, como ele, dificuldades de
acesso ao transporte por força de limitações físicas quaisquer e

4 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de Andrade. Leis Civis comentadas e
anotadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, 5ª ed., p. 592.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
293
ADVOGADOS ASSOCIADOS

ainda de todos que possam a ter restrições de acesso, ainda que


de forma temporária e limitada - o interesse não é apenas um
interesse individual e homogêneo, mas verdadeiramente um
interesse difuso e não e não apenas coletivo, porque impõe a
adoção de políticas públicas de acessibilidade e integração de
cidadãos.

Seja entendendo que a acessibilidade é um interesse difuso, seja


entendendo que é um interesse coletivo comum aos portadores de
deficiência, perspectivas ambas defensáveis, a pretensão e a
eficácia da decisão transcendem o limite do interesse individual,
que não deixa, porém, de existir: diferentemente das class actions
do direito americano, as ações coletivas representam uma via
alternativa às demandas individuais.

A tutela desses direitos que transcendem o sujeito impõe atuações


específicas (positivas ou negativas) e é por isso que a obrigação
de fazer dá o norte: o pedido de indenização é um elemento menor
e esse sim deve ser mensurado de forma individual.

Assim, porque houve a formulação de termo de ajustamento de


conduta em sede de ação coletiva autos n.º 0167632-
82.2019.8.19.0001, entendo que ficou prejudicado o pedido de
cumprimento de obrigação específica nas demandas
individualmente propostas, que continuam a ter seu curso tão
somente com relação ao pedido de indenização por danos morais
e justamente por isso, em razão da homologação desse TAC, o
qual fixou cronograma para mapeamento, identificação das
estações e realização de obras, resta apenas a fiscalização do
cumprimento do TAC e a execução de multa no processo principal.”
(fls. 271 – cf. indexador 0000270)

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
294
ADVOGADOS ASSOCIADOS

26. Embora da d. magistrada a quo tenha entendido corretamente que


a obrigação de fazer que consistiu no primeiro pedido formulado pela então
Autora, mesmo assim, deu prosseguimento à demanda para acolher o pedido de
danos morais.

IV – LEGITIMIDADE ATIVA EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO


ENTENDIMENTO DO EG. STF

27. Ao se fazer uma interpretação sistemática bem como teleológica


dos artigos 127 e 129, III, da CRFB, bem como a interpretação das Lei nº
7.347/85 e a Lei nº 8.078/90 por meio da filtragem constitucional, chega-se à
conclusão de que apenas e tão somente ao Ministério Público foi conferida
legitimidade para a defesa dos direitos coletivos.

28. Relembre-se que a principal pretensão formulada pela então


Autora é no sentido de a Apelante ser condenada a realizar as adequações
necessárias à estação ferroviária de Campo Grande a fim de conferir a esta
plena acessibilidade. Isto é, trata-se de direito (conferir acessibilidade a estação
ferroviária), cujos titulares são indeterminados, mas passíveis de determinação
(portadores de necessidades especiais), e que são vinculados com a parte
contrária, a Apelante, por meio de relação jurídica base (o contrato de adesão
de transporte ferroviário). Isto é, está-se diante manifesto direito coletivo
transindividual e indivisível previsto no artigo 81, II, do CDC.

29. Se é assim, tem-se que a CRFB estabeleceu a regra de conferir


legitimidade extraordinária ao Ministério Público para a defesa dos direitos
difusos e coletivos e, excepcionalmente, dos direitos homogêneos, mas em
todas essas hipóteses tal defesa somente se dá por meio da ação civil pública,
e não da ação individual na qual atuou como fiscal da lei.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
295
ADVOGADOS ASSOCIADOS

30. Esse é o entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal. Essa


tese foi fixada quando julgamento do RE 631.111/GO, com repercussão geral,
tendo sido relator o i. Ministro rel. Ministro Teori Zavascki. A propósito,
transcreve-se a ementa, in verbis:

“Constitucional e processual civil. Ação civil coletiva. Direitos


transindividuais (difusos e coletivos) e direitos individuais
homogêneos. Distinções. Legitimação do Ministério Público.
Arts. 127 e 129, III, da CF. Lesão a direitos individuais de
dimensão ampliada. Comprometimento de interesses sociais
qualificados. Seguro DPVAT. Afirmação da legitimidade ativa.
1. Os direitos difusos e coletivos são transindividuais, indivisíveis e
sem titular determinado, sendo, por isso mesmo, tutelados em juízo
invariavelmente em regime de substituição processual, por
iniciativa dos órgãos e entidades indicados pelo sistema normativo,
entre os quais o Ministério Público, que tem, nessa legitimação
ativa, uma de suas relevantes funções institucionais (CF art. 129,
III).
2. Já os direitos individuais homogêneos pertencem à categoria dos
direitos subjetivos, são divisíveis, tem titular determinado ou
determinável e em geral são de natureza disponível. Sua tutela
jurisdicional pode se dar (a) por iniciativa do próprio titular, em
regime processual comum, ou (b) pelo procedimento especial da
ação civil coletiva, em regime de substituição processual, por
iniciativa de qualquer dos órgãos ou entidades para tanto
legitimados pelo sistema normativo.
3. Segundo o procedimento estabelecido nos artigos 91 a 100 da
Lei 8.078/90, aplicável subsidiariamente aos direitos individuais
homogêneos de um modo geral, a tutela coletiva desses direitos se
dá em duas distintas fases: uma, a da ação coletiva propriamente
dita, destinada a obter sentença genérica a respeito dos elementos
que compõem o núcleo de homogeneidade dos direitos tutelados
(an debeatur, quid debeatur e quis debeat); e outra, caso

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
296
ADVOGADOS ASSOCIADOS

procedente o pedido na primeira fase, a da ação de cumprimento


da sentença genérica, destinada (a) a complementar a atividade
cognitiva mediante juízo específico sobre as situações individuais
de cada um dos lesados (= a margem de heterogeneidade dos
direitos homogêneos, que compreende o cui debeatur e o quantum
debeatur), bem como (b) a efetivar os correspondentes atos
executórios.
4. O art. 127 da Constituição Federal atribui ao Ministério Público,
entre outras, a incumbência de defender ‘interesses sociais’. Não
se pode estabelecer sinonímia entre interesses sociais e interesses
de entidades públicas, já que em relação a estes há vedação
expressa de patrocínio pelos agentes ministeriais (CF, art. 129, IX).
Também não se pode estabelecer sinonímia entre interesse social
e interesse coletivo de particulares, ainda que decorrentes de lesão
coletiva de direitos homogêneos. Direitos individuais
disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em princípio,
excluídos do âmbito da tutela pelo Ministério Público (CF, art.
127).
5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando
visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm
a força de transcender a esfera de interesses puramente
particulares, passando a representar, mais que a soma de
interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da
comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses
individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos
titulares do direito individualmente considerados, mas também
comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores,
cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em
casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de
interesse social qualificado, o que legitima a propositura da
ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da
Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a
legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
297
ADVOGADOS ASSOCIADOS

coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo


de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos.
6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções
institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos
individuais homogêneos compromete também interesses sociais
qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a
respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a
adequada legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de
matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de
ofício (CPC, art. 267, VI e § 3.º, e art. 301, VIII e § 4.º).
7. Considerada a natureza e a finalidade do seguro obrigatório
DPVAT – Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de
Via Terrestre (Lei 6.194/74, alterada pela Lei 8.441/92, Lei
11.482/07 e Lei 11.945/09) -, há interesse social qualificado na
tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos dos seus
titulares, alegadamente lesados de forma semelhante pela
Seguradora no pagamento das correspondentes indenizações. A
hipótese guarda semelhança com outros direitos individuais
homogêneos em relação aos quais - e não obstante sua natureza
de direitos divisíveis, disponíveis e com titular determinado ou
determinável -, o Supremo Tribunal Federal considerou que sua
tutela se revestia de interesse social qualificado, autorizando, por
isso mesmo, a iniciativa do Ministério Público de, com base no art.
127 da Constituição, defendê-los em juízo mediante ação coletiva
(RE 163.231/SP, AI 637.853 AgR/SP, AI 606.235 AgR/DF, RE
475.010 AgR/RS, RE 328.910 AgR/SP e RE 514.023 AgR/RJ). 8.
Recurso extraordinário a que se dá provimento.”5

31. A esse entendimento do Eg. STF acresce-se o entendimento do


Eg. STJ. Para esta Corte Superior, quando a defesa de direito coletivo e direito
homogêneo atingir a coletividade, exatamente como na hipótese dos presentes

5 RE 631.111/GO, rel. Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, j. em 07/08/2014, DJ 30/10/2014


(grifou-se)

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
298
ADVOGADOS ASSOCIADOS

autos, tal defesa somente se dá por meio de ações coletivas, e não individuais.
A propósito, confira-se a ementa que consolidou a questão, in verbis:

“Reclamação. Juizados especiais. Direito do consumidor. Agência


bancária. ‘Fila’. Tempo de espera. Ação de indenização por danos
morais. Condenação por danos sociais em sede de recurso
inominado. Julgamento ultra petita. Reclamação procedente.
1. Os artigos 2º, 128 e 460 do Código de Processo Civil
concretizam os princípios processuais consabidos da inércia e da
demanda, pois impõem ao julgador - para que não prolate decisão
inquinada de vício de nulidade - a adstrição do provimento
jurisdicional aos pleitos exordiais formulados pelo Autora,
estabelecendo que a atividade jurisdicional está adstrita aos limites
do pedido e da causa de pedir.
2. Na espécie, proferida a sentença pelo magistrado de piso,
competia à Turma Recursal apreciar e julgar o recurso inominado
nos limites da impugnação e das questões efetivamente suscitadas
e discutidas no processo. Contudo, ao que se percebe, o acórdão
reclamado valeu-se de argumentos jamais suscitados pelas partes,
nem debatidos na instância de origem, para impor ao réu, de ofício,
condenação por dano social.
3. Nos termos do Enunciado 456 da V Jornada de Direito Civil
do CJF/STJ, os danos sociais, difusos, coletivos e individuais
homogêneos devem ser reclamados pelos legitimados para
propor ações coletivas.
4. Assim, ainda que o Autora da ação tivesse apresentado
pedido de fixação de dano social, há ausência de legitimidade
da parte para pleitear, em nome próprio, direito da
coletividade.
5. Reclamação procedente.”6

6Rcl 13.200/GO, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 08/10/2014,
DJe 14/11/2014 (grifou-se)

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
299
ADVOGADOS ASSOCIADOS

32. É indiscutível, pois, que a então Autora jamais deteve legitimidade


ativa ad causam em relação ao pedido principal de obrigação de fazer. Mesmo
assim, a conclusão a que chegou a d. magistrada de extinguir apenas este
pedido, julgando o de danos morais, configurou error in procendo.

33. Fixada a premissa de ilegitimidade ativa, prossegue-se.

V – CUMULAÇÃO SUCESSIVA DE PEDIDOS

V (A) – ERROR IN PROCEDENDO


REJEIÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL
IMPLICA NECESSÁRIA NA REJEIÇÃO DO SEGUNDO

34. Ao se fazer a análise dos pedidos constante na petição inicial,


chega-se à conclusão que há entre eles um vínculo indissolúvel que os une, uma
relação de causa e efeito de precedência lógica. Isto porque, um dos elementos,
senão o principal, a fundamentar o acolhimento do segundo pedido de pagar
indenização por danos morais é justamente a prévia e necessária condenação
da Apelante em realizar intervenções na estação ferroviária de Campo Grande,
de modo a conferir a esta estrutura de acessibilidade. Caso contrário, se
inexistente este dever, nada haverá a indenizar a título de danos morais, pois
não configurado ato ilícito imputável à Apelante que afetasse a mobilidade da
então Autora.

35. Está-se, então, diante da ocorrência de conexão entre os dois


pedidos, classificada como cumulação sucessiva de pedidos, cujo
acolhimento do segundo pressupõe por lógica a necessária e obrigatória
procedência do primeiro. Sobre o tema, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro afirma
que:

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
300
ADVOGADOS ASSOCIADOS

“Distinta é a hipótese de pedido sucessivo, que somente poderá


ser examinado se o pedido for acolhido. Na realidade, o exame e o
eventual acolhimento dos pedidos sucessivos somente ocorrerão
se o autor obtiver êxito no seu pedido principal, v.g. ação de
reconhecimento de sociedade de fato com o consequente pedido
de partilha de bens. Esse último pedido somente poderá ser
examinado se o pedido principal for acolhido.”7

36. A propósito, Fredie Didier Jr., ao se posicionar no mesmo sentido


de que há “a cumulação sucessiva quando os exames dos pedidos guardam
entre si um vínculo de precedência lógica: o acolhimento de um pedido
pressupõe o acolhimento do anterior”8, expõe o conceito de precedência lógica
a ser empregado quando do julgamento da questão, in verbis:

“Essa dependência lógica pode ocorrer de duas formas: a) o


primeiro pedido é prejudicial ao segundo: o não acolhimento do
primeiro pedido implicará a rejeição (e, portanto, julgamento) do
segundo; b) o primeiro pedido é preliminar ao segundo: o não
acolhimento do primeiro implicará a impossibilidade de exame
do segundo (que não será julgado, pois). O acolhimento do
primeiro pedido, em qualquer caso, não implicará necessariamente
o acolhimento do segundo”.9 (grifou-se)

37. Se houve cumulação sucessiva de pedidos, tendo a d. magistrada


quo julgado improcedente o pedido principal, deveria então e obrigatoriamente
também julgado improcedente o segundo pedido de danos morais. Mas não o
fez, infelizmente.

7 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Novo Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
2019, p.15.
8 DIDIER JR, Fredie. Curso de Processo Civil. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, 21ª ed., v. 1,

p. 663.
9 Op. cit. p. 663.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
301
ADVOGADOS ASSOCIADOS

38. A propósito, o Egrégio Tribunal de Justiça já teve oportunidade de


enfrentar essa questão e decidiu pela rejeição dos dois pedidos, extinguindo o
processo com um todo, in verbis:

“Agravo de instrumento. Ação de obrigação de fazer c/c


indenização por danos morais. Supervia. Parte autora que pleiteia
a condenação da Apelante na obrigação de proceder às
adequações necessárias e impostas por lei para
acessibilidade, além da condenação ao pagamento de
indenização por danos morais. Decisão de antecipação de tutela.
Extinção do processo, de ofício, nos termos do art. 485, inciso
VI, do Código de Processo Civil, em razão da ilegitimidade da
parte autora. Pedido de índole coletiva. Tendo o direito
invocado natureza indivisível. Se todas pessoas possuem o
direito a um transporte digno - o que não se questiona - o
caminho a ser percorrido não é o ajuizamento de inúmeras
ações individuais, como se tem visto, mas sim a provocação de
cobrança das agências reguladoras, do ministério público,
defensoria pública e demais entidades associativas que possuem
atribuição para regular e/ou postular em juízo tal direito em nome
de todos a coletividade. Instrumento adequado para a defesa que
é a ação civil pública (art. 81, II, CDC), cuja titularidade não é
atribuída ao particular, mas a entidades de representação
coletiva. Extinção do processo que se impõe por se tratar de
matéria de ordem pública.” 10

* * *

“Agravo de instrumento. Supervia. Acessibilidade. Tutela de


urgência deferida. Decisão que deferiu a tutela antecipada para
determina que a Apelante proceda as adequações necessárias na

10Agravo de instrumento nº 0055297-26.2019.8.19.0000, rel. Desembargador Antônio Carlos


Arrabida Paes, Vigésima Terceira Câmara Cível, j. em 27/11/2019, DJ 02/12/2019 (grifou-se)

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
302
ADVOGADOS ASSOCIADOS

infraestrutura de acesso da Estação Jardim Primavera, no prazo de


60 dias, de modo a possibilitar o embarque e desembarque de
pessoas com deficiência física, sob pena de multa de R$50.000,00
para a hipótese de descumprimento. Recurso exclusivo da parte
Apelante. Não se trata de hipótese de litisconsórcio necessário
diante da personalidade jurídica da concessionária de serviço
público para responder face ao particular pelos atos de seus
agentes, na forma do art. 37, §6º da CRFB. Contudo, merece ser
acolhida a alegação de ilegitimidade ativa. Controvérsia diz
respeito à garantia da acessibilidade na estação ferroviária
Jardim Primavera em sede de tutela de urgência. Fato narrado
que tem reflexo na esfera jurídica de toda a coletividade local,
especialmente aos portadores de deficiência física. Questão
típica de ação civil pública. Não cabe pretensão individual para
casos dessa similitude. Art. 5º da Lei nº 7.347/85. Art. 3º da Lei
nº 7.853/1989. Reforma da decisão agravada para acolher a
preliminar de ilegitimidade ativa da parte agravada e extinguir
o feito na forma do art. 485, inciso VI, do CPC. Provimento ao
recurso.”11

39. A não ter sido observada a regra de julgamento quanto à


cumulação sucessiva de pedidos, restou configurado o error in procedendo, vício
esse que, tão grave que é, é passível de resultar na declaração de nulidade do
processo, como já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao interpretar
o antigo artigo 292 do CPC/73, mas cuja ratio decidendi é perfeitamente aplicável
ao correspondente artigo 327 do CPC/15, in verbis:

“Tratando a espécie de cumulação sucessiva de pedidos, fundada


no art. 292 do CPC, o indeferimento do principal - pressuposto
lógico e essencial para o exame dos demais - impede a apreciação
dos outros pleitos sucessivamente apresentados. Portanto, não

11Agravo de instrumento nº 0042178-95.2019.8.19.0000, rel. Desembargadora Sônia de Fátima


Dias, Vigésima Terceira Câmara Cível, j. em 25/09/2019, DJ 27/09/2019 (grifou-se)

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
303
ADVOGADOS ASSOCIADOS

poderia o Tribunal de Justiça rejeitar o pedido principal e deferir, a


seu talante, um dos outros quatro sucessivos, como se alternativo
fosse.
Há, no caso, claro error in procedendo, decorrente da
equivocada interpretação dos pedidos, o que acarreta a
nulidade do acórdão recorrido e impede a apreciação, nesta
instância, do mérito da causa. Precedentes.” 12

40. Se o pedido principal de reforma não pode ser acolhido pela


ausência de legitimidade, o pedido sucessivo de danos morais também não pode
ser acolhido, eis que este segue obrigatoriamente a sorte daquele. Isto porque
está-se diante da ocorrência de conexão entre os dois pedidos nascida de uma
única questão – a existência ou não da obrigação de reformar a estação
ferroviária de Campo Grande - classificada como cumulação sucessiva de
pedidos, cujo acolhimento do segundo pressupõe por lógica a necessária e
obrigatória procedência do primeiro.

41. Uma vez configurado o error in procedendo, deve-se declarar a


nulidade da sentença.

V (B) – ERROR IN PROCEDENDO


DIREITO TRANSINDIVUAL É QUESTÃO PREJUDICIAL
AO JULGAMENTO DO PEDIDO DE DANOS MORAIS

“A denominação de prejudiciais é, pois,


a que histórica e logicamente mais
convém às questões de cuja solução
depende o teor da solução de outras”.
(BARBOSA MOREIRA, José Carlos.
Direito Processual Civil. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1971, p. 86)

12RMS 38.632/MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 22/09/2015, DJe
01/10/2015 (grifou-se(.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
304
ADVOGADOS ASSOCIADOS

42. Tão oportunas quanto atuais são as palavras de José Carlos


Barbosa Moreira, as quais justificam a suspensão da apreciação da questão
subordinada (o presente processo de natureza individual) até o julgamento do
mérito da questão subordinante (demanda coletiva).

43. Relembre-se que a causa de pedir consiste na alegação de que a


estação ferroviária de Campo Grande, então utilizada pela então Autora, não
conteria todos os itens suficientes a considerá-la acessível a fim de atender as
peculiaridades para conferir mobilidade a pessoa com deficiência. A partir dessa
única causa de pedir, elas formularam dois pedidos, ambos de natureza
condenatória, contra a Apelante: (i) o primeiro, obrigação de fazer consistente na
realização de intervenções visando conferir acessibilidade àquela estação; e (ii)
o segundo, pagamento de indenização a título de danos morais pela inexistência
da referida acessibilidade.

44. Há, aqui, matéria que impedia o julgamento da lide. Muito embora
a d. magistrada a quo tenha reconheceu sua existência, atribuiu a ela
qualificação e consequência jurídicas diversas, motivo pelo qual, ao julgar o
pedido de danos morais, incorreu novamente a r. sentença em error in
procedendo, devendo, neste caso, ser declarada a nulidade.

45. Isso porque o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro,


legitimado extraordinário por excelência, ajuizou a ação civil pública nº 0167632-
82.2019.8.19.0001, em tramitação perante o MM. Juízo da 16ª de Fazenda
Pública, que, conforme afirma o próprio Ministério Público, “tem por objeto [leia-
se, causa de pedir] a promoção de adequadas condições de acessibilidade para
pessoas com deficiência nos trens e estações ferroviárias localizadas no
município do Rio de Janeiro, operadas pela concessionária Supervia”.

46. Do cotejo desta demanda individual que tramita neste MM. Juízo
com a da ação coletiva, verifica-se que há identidade tanto da causa de pedir –
ausência de plena acessibilidade na estação de Campo Grande.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
305
ADVOGADOS ASSOCIADOS

47. Nesse momento, chega-se a primeira conclusão a justifica a


suspensão do presente feito: o pedido de obrigação de fazer formulado na
demanda individual é de natureza transindividual e indivisível e, portanto,
questão prejudicial ao pedido de condenação por danos morais, devendo este
aguardar o julgamento daquele em sede da demanda coletiva.

48. Prosseguindo, já o segundo pedido formulado de condenar a


Apelante a pagar indenização por danos morais é pessoal e disponível. Contudo,
tais atributos não afastam a necessidade de ser acolhido o pedido de natureza
transindividual, que é matéria prejudicial ao seu julgamento.

49. Com isso, chega-se à conclusão de que, se não extinto o processo,


deveria então ter sido suspensas das demandas individuais: o pedido de danos
morais, de natureza individual, é sucessivo, com dependência lógica, ao pedido
de reforma da estação, de natureza transindividual. Isto implica que somente
após a procedência deste em demanda coletiva aquele poderá ser acolhido ou
não. Caso contrário, estar-se-á incorrendo, como se disse, em error in
procedendo ao julgar questão para a qual não se apreciar em sede individual.

50. A isso soma-se o importante fato que tramita simultânea e


paralelamente, mas não conjuntamente, a esta demanda individual a ação
coletiva, cuja causa de pedir e um dos pedidos desta englobam os daquela,
acarreta, d.m.v., insegurança jurídica, uma vez que há o enorme risco, senão a
certeza, de serem proferidas decisões judiciais conflitantes, situação essa que
ocorre em um sistema judicial cuja jurisdição é una, característica que não é
alterada pelo fato de o Poder Jurisdicional ser distribuído de acordo com as
regras de competência.

51. Com efeito, o eventual julgamento deste processo acerca das


questões de acessibilidade, sendo sucessivamente julgado o pedido dos danos
morais, será feito de maneira isolada, individual, considerando-se apenas as
peculiaridade da então Autora, sem levar em consideração o entendimento do
Ministério Público, órgão ao qual foi atribuída legalmente a legitimidade ativa

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
306
ADVOGADOS ASSOCIADOS

para a defesa dos direitos coletivos transindividuais e indivisíveis, nos termos da


decisão do Egrégio STF, sobre quais itens de acessibilidade se farão
necessários, nem a complexidade de se realizar intervenções na estação
ferroviária de Campo Grande, muito menos os impactos operacionais que
repercutirão, seja na própria estação de Campo Grande, seja no todo sistema
ferroviário.

51. Enquanto isso, na ação civil pública que tramita paralela e


contemporaneamente, o Ministério Público e a Apelante celebraram o TAC, já
homologado, em um modelo de processo estruturado, de maneira que nesse
momento está sendo realizado o diagnóstico pericial de todas as estações
ferroviárias, inclusive a de Campo Grande, com a supervisão dos i. membros do
Parquet, com apoio técnico do GATE, para especificar, se necessário, quais os
itens de acessibilidade deverão ser instalados em cada estação.

52. Uma vez concluído esse trabalho técnico, o qual posteriormente


será analisado pelo Poder Judiciário, então será estabelecido o cronograma das
respectivas intervenções, mas sendo obrigatoriamente observados critérios
técnicos e operacionais de todo o sistema ferroviário, como complexidade das
obras; verificação junto ao mercado nacional e internacional quanto à
disponibilidade e ao tempo de fornecimento de equipamentos, máquinas e
elevadores, o que foi agravada pela atual crise da Covid-19; impactos externos
nas vias de acesso ao sistema ferroviário em razão da instalação de canteiros
de obras; obtenção de autorização junto às autoridades competentes; fluxo de
passageiros pelos períodos matutinos e vespertinos; impactos financeiros em
razão do fechamento temporário de plataformas ou até mesmo da própria
estação; quantidade de trens disponíveis em razão do cronograma de
manutenção preventiva, preditiva e corretiva.

53. Todos esses critérios somados, frise-se, servem para, mitigando os


inevitáveis impactos negativos, garantir e compatibilizar simultaneamente a
continuidade do serviço público essencial de transporte ferroviário com o efetivo
e integral cumprimento das intervenções.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
307
ADVOGADOS ASSOCIADOS

54. Logo, está configurada a hipótese de prejudicialidade externa,


prevista no artigo 313, do CPC, in verbis:

“Art. 313. Suspende-se o processo:


V - quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de
existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o
objeto principal de outro processo pendente.” (grifou-se)

55. Por isso, a suspensão também se justifica a fim de conferir-se


racionalidade a prestação jurisdicional, evitando-se decisões conflitantes. Nesse
sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça firmou em mais de uma
oportunidade três teses sobre o referido tema, no sentido de que as demandas
individuais, cujo objeto dependa da prévia análise de questões de direito
transindividual, aguardem o julgamento da ação coletiva. Confira-se:

“Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de


processos multitudinários, suspendem-se as ações
individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva”13
(Tema nº 60 – grifou-se).

“Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de


processos multitudinários, suspendem-se as ações
individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva.” 14

(Tema 589 – grifou-se)

“Até o trânsito em julgado das ações civis públicas n. 5004891-


93.2011.4004.7000 e n. 2001.70.00.019188-2, em tramitação na
Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual de Curitiba, atinentes
à macrolide geradora de processos multitudinários em razão de

13 REsp 1110549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Segunda Seção, julgado em 28/10/2009, DJe
14/12/2009.
14 REsp 1353801/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em

14/08/2013, DJe 23/08/2013.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
308
ADVOGADOS ASSOCIADOS

suposta exposição à contaminação ambiental, decorrente da


exploração de jazida de chumbo no Município de Adrianópolis-PR,
deverão ficar suspensas as ações individuais.”15 (Tema nº 923)

56. Justamente em linha com as teses fixadas pelo Eg. Superior


Tribunal de Justiça, respeitando-as de forma a manter a unidade e a integridade
do sistema jurídico, o Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já se
manifestou em diversas oportunidades sobre a questão aqui posta, quando do
julgamento pelos mais diversos dos colegiados que o compõem, tendo decidido
pela à imperiosa necessidade de suspender a tramitação da ação individual16.

57. Nesse sentido, pede-se vênia para transcrever a ementa do agravo


de instrumento nº 0051991-49.2019.8.19.0000, de relatoria da i.
Desembargadora Marília de Castro Neves Vieira, in verbis:

“Agravo de instrumento. Ação de reparação de danos c/c obrigação


de fazer. Direitos da pessoa com deficiência ou mobilidade
reduzida. Acessibilidade em estação de trem. Suspensão diante
do ajuizamento de ação civil pública versando sobre a mesma
matéria de fundo. Tema repetitivo 60 do C. Superior Tribunal
de Justiça. Quando do julgamento do resp 1.110.549/RS, sob o

15 REsp 1525327/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em
12/12/2018, DJe 01/03/2019.
16 A propósito, confira-se as ementas dos seguintes julgados: 0053680-31.2019.8.19.0000,

0076190-38.2019.8.19.0000, 0078648-28.2019.8.19.0000, 0060339-56.2019.8.19.0000,


0053682-98.2019.8.19.0000, 0066388-16.2019.8.19.0000, 0065300-40.2019.8.19.0000,
0075702-83.2019.8.19.0000, 0056815-51.2019.8.19.0000, 0054118-57.2019.8.19.0000,
0056735-87.2019.8.19.0000, 0051982-87.2019.8.19.0000, 0051991-49.2019.8.19.0000,
0052082-42.2019.8.19.0000, 0056826-80.2019.8.19.0000, 0052980-55.2019.8.19.0000,
0056821-58.2019.8.19.0000, 0052924-22.2019.8.19.0000, 0052676-56.2019.8.19.0000,
0053672-54.2019.8.19.0000, 0052105-85.2019.8.19.0000, 0052295-48.2019.8.19.0000,
0076420-80.2019.8.19.0000, 0052138-75.2019.8.19.0000, 0057536-03.2019.8.19.0000,
0073773-15.2019.8.19.0000, 0069664-55.2019.8.19.0000, 0078665-64.2019.8.19.0000,
0065122-91.2019.8.19.0000, 0076182-61.2019.8.19.0000, 0050456-85.2019.8.19.0000,
0079323-88.2019.8.19.0000, 0056802-52.2019.8.19.0000, 0069618-66.2019.8.19.0000,
0069606-52.2019.8.19.0000, 0057832-25.2019.8.19.0000, 0057543-92.2019.8.19.0000,
0057543-92.2019.8.19.0000, 0058559-81.2019.8.19.0000, 0059227-52.2019.8.19.0000,
0065760-27.2019.8.19.0000, 0066634-12.2019.8.19.0000, 0060767-38.2019.8.19.0000,
0069649-86.2019.8.19.0000, 0080868-96.2019.8.19.0000

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
309
ADVOGADOS ASSOCIADOS

rito dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça


concluiu que, diante do ajuizamento de ação coletiva, a
suspensão ex officio do processo de ação individual
multitudinária atinente à mesma lide, preservados os efeitos
do ajuizamento para futura execução, não ofende os
dispositivos legais envolvidos. Afirmação da seguinte tese:
‘ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de
processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no
aguardo da ação coletiva’. Apesar de assegurado o direito
individual de ação, tal não impede a suspensão de tais demandas,
em atenção ao interesse público de preservação da efetividade da
justiça, evitando que esta se frustre pelo congestionamento
decorrente de processos individuais multitudinários, contendo a
mesma e única lide. Precedentes desta e. Corte. Incensurável a
decisão recorrida. Desprovimento do recurso.”

58. Como último ponto a justificar a suspensão da presente demanda,


foi instaurado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas sob o nº
0069855-03.2019.8.19.0000, o qual versará sobre os seguintes pontos:

a) O direito à acessibilidade no transporte público tem natureza


coletiva, porquanto titularizado por todas as pessoas portadoras de
deficiência física;

b) Resulta dessa natureza coletiva a prevalência das ações


coletivas já existentes sobre as individuais em curso, que não
poderão tratar separadamente das obras necessárias nas diversas
estações de trem;

c) Não são passíveis de transação os direitos coletivos, ao menos


pelos integrantes do grupo isoladamente considerados.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
310
ADVOGADOS ASSOCIADOS

59. A admissão de tal incidente implicará na suspensão de todas as


demandas, individuais e coletivas, nos termos do artigo 982, I, do CPC, cuja ratio
é justamente uniformizar o entendimento sobre a questão.

60. Sendo assim, a d. magistrada a quo incorreu, d.m.v., em error in


procendo ao não rejeitar o pedido de danos morais.

61. Caso assim não se entenda, a r. sentença deverá então ser


reformada para determinar a suspensão do processo, o que não trará quaisquer
prejuízos aos herdeiros da então Autora. Em exercício de ponderação de
interesses, será conferida a garantia de uniformidade de julgamento em razão
da necessidade de ser julgada previamente questão de natureza transindivual e
indivisível, o que é reforçado pelo fato de o bem aqui pleiteado – indenização por
danos morais – não necessitar de provimento jurisdicional de provisório de
urgência.

62. Concluindo esse capítulo, sem se esquecer da preliminar de


ilegitimidade ativa ad causam, tem-se que no presente feito houve a cumulação
sucessiva de pedidos, em que o pedido de obrigação de fazer, de natureza
transindividual e indivisível, precede por ser prejudicial ao de danos morais, de
natureza individual, de modo que este somente poderá ser apreciado após a
decisão a ser proferida no julgamento da ação coletiva, em conformidade às
teses firmadas pelo Egrégio STJ, com fundamento no artigo 313, V, “a”, do CPC.
Deste modo, caso não entenda que houve error in procedendo, a r. sentença
deverá ser reformada para determinar a suspensão do processo.

VI – NÃO COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE PASSAGEIRA

63. O presente capítulo guarda relação com o de cerceamento de


defesa, eis que a Apelante foi impedida de produzir provas, especialmente
documental suplementar, a qual tinha, como ainda tem, a finalidade de
demonstrar que a então Autora não era usuária regular do sistema ferroviário.

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
311
ADVOGADOS ASSOCIADOS

64. Sobre isso, além da inserir no devido contexto, faz-se a importante


ressalva de que as observações agora feitas não são acusações, para que as
palavras da Apelante não sejam distorcidas nem intencionalmente aproveitadas
para o ajuizamento de outras e novas demandas por danos morais.

65. Sem adentrar na questão das peculiaridades físicas da então


Autora nem deprecia-las, fato é que se trata de mais uma das milhares
demandas individuais ajuizadas pelo mesmo grupo de advogados que de forma
organizada utiliza petições iniciais idênticas, alterando-se apenas o nome da
parte, e que foram distribuídas ao longo do Estado do Rio de Janeiro por onde
há estação ferroviária após o tema acessibilidade ser veiculado pela mídia e
contemporaneamente o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ter
ajuizado a ação civil pública nº 0167632-82.2019.8.19.0001.

66. Não se acusa, mas chama-se atenção para os indícios de


demandas artificiais. Tanto o é que em nenhuma das demandas ajuizadas
individualmente os autores apresentaram o cartão de Vale Social, política
pública instituída pelo Estado do Rio de Janeiro quando da promulgação da Lei
Estadual nº 4.510/2005, por meio do qual é concedida gratuidade desde 2005
ao transporte público intermunicipal a toda qualquer pessoa portadora de
necessidades especiais.

67. Note-se, não se trata de RioCard nem Bilhete Único Estadual ou


Municipal, mas de Vale Social.

68. Essa ausência é muito contraditória com a declaração feita


aqui pela então Autora que seria financeiramente hipossuficiente para
pagar as despesas do processo e, ao mesmo tempo, arcaria, sem
quaisquer problemas, diariamente com a tarifa!

69. Esses foram os reais e sérios motivos pelos quais as. i.


representantes do Ministério Público que assinaram a petição inicial da ação civil
pública nº 0167632-82.2019.8.19.0001 formularam, dentre outros, o pedido de

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
312
ADVOGADOS ASSOCIADOS

tutela de urgência no sentido de serem suspensas todas as demandas


individuais, além, é lógico, uniformizar o tratamento a ser conferido à questão, a
fim de evitar decisões judiciais conflitantes acerca da obrigação de adequar
estações ferroviárias.

70. E aqui não é diferente. Há a completa ausência de prova de que a


então Autora era de fato usuária regular do sistema ferroviário. Cabia a ela
demonstrar tal condição, nos termos dos artigos 320, 373, I, e 434 do CPC.
Somente a então Autora teria de fato a possibilidade de provar não só que
fazia jus à política pública instituída pela Lei Estadual nº 4.510/2005, que
prevê o vale social a todos os portadores de deficiência, ou seja,
gratuidade, mas que estava devidamente cadastrada. Essa prova pré-
constituída lhe coube quando do ajuizamento da petição inicial, a qual
deveria ter sido instruída com o cartão gratuidade, concedido pelo Estado
do Rio de Janeiro, que é individual, personalíssimo e, portanto,
intransferível. Este documento não foi fornecido nem juntado
tempestivamente.

71. Verifica-se, pois, a i. magistrada a quo ignorou esses fortíssimo


indícios de demanda artificial. A despeito disto, o fato é que a então Autora não
comprovou tempestivamente que era usuária regular do sistema ferroviário, não
era titular de uma situação jurídica advinda da prévia celebração do contrato de
transporte.

72. São também por esses motivos que a r. sentença merece ser
reformada para rejeitar o pedido de danos morais.

VII - PEDIDO

73. Ante o exposto, requerer a V. Exa. se digne a

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
313
ADVOGADOS ASSOCIADOS

(a) Admitir a presente apelação para;

(b) Declarar a nulidade da r. sentença em razão da ocorrência de error in


procedendo, pelas seguintes razões:

(b1) tendo em vista que houve cumulação sucessiva de pedidos,


de modo que a rejeição do pedido principal de obrigação de fazer
acarreta a necessária e obrigatória rejeição do pedido de pagar
indenização, o que não ocorreu; ou

(b2) muito embora a i. magistrada a quo tenha reconhecido


expressamente que a ação civil pública nº 0167632-
82.2019.8.19.0001 e o TAC que nesta demanda coletiva foi
celebrado entre o Ministério Público e a Apelante seriam questões
a justificar a improcedência do pedido de obrigação de fazer, o
processo não foi suspenso, tendo sido prolatada d. sentença
acolhendo o pedido de danos morais;

(c) Se não foram acolhidas as razões para declarar a nulidade, dar


provimento a presente apelação para reformar a d. sentença no seguinte
sentido:

(c1) rejeitar o pedido sucessivo de danos morais, tendo em vista


que o pedido principal de obrigação de fazer foi rejeitado, além do
que a então Autora não detinha legitimidade ativa ad causam
quanto ao pedido principal de obrigação de fazer;

(c2) rejeitar o pedido de danos morais em razão da então Autora


não ter demonstrado tempestivamente que era beneficiária da
política pública instituída pela Lei Estadual nº 4.510/2005, prova
imprescindível a demonstrar que era de fato usuária do sistema
ferroviário, sem o que não restou demonstrada a celebração de
contrato de transporte com a Apelante;

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281
FERREIRA LEÃO
314
ADVOGADOS ASSOCIADOS

(c3) caso não sejam colhidas as razões para rejeitar o pedido de


danos morais, determinar a suspensão do processo até o
julgamento da ação civil pública nº 0167632-82.2019.8.19.0001,
em consonância com as teses fixadas pelo Egrégio STJ e inúmeros
acórdãos do Egrégio TJRJ.

Nestes termos,
Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 09 de setembro de 2020

João Cândido Martins Ferreira Leão


OAB/RJ Nº 143.142

Rua da Assembléia, nº 19, 14º andar, centro, Rio de Janeiro – RJ, CEP 20.011-000. Tel –
(21) 2215-7995 – (21) 31782281

Você também pode gostar