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Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário

Tribunal de Justiça
Regional de Campo Grande 270
Cartório da 7ª Vara Cível
Carlos da Silva Costa, 141 BL 1 6º ANDCEP: 23050-230 - Campo Grande - Rio de Janeiro - RJ Tel.: 34709838 e-mail:
cgr07vciv@tjrj.jus.br

Fls.
Processo: 0024138-32.2019.8.19.0205
Processo Eletrônico

Classe/Assunto: Procedimento Comum - Dano Moral - Outros/ Indenização Por Dano Moral

Autor: ESPÓLIO DE ALINE MACEDO FRANÇA


Herdeiro: CAUÃ ROBERTO MACEDO FRANÇA
Representante Legal: MARYANA FRANÇA DA SILVA
Herdeiro: MARYANA FRANÇA DA SILVA
Réu: SUPERVIA CONCESSIONARIA DE TRANSPORTE FERROVIARIO

___________________________________________________________

Nesta data, faço os autos conclusos ao MM. Dr. Juiz


Ana Paula Azevedo Gomes

Em 05/08/2020

Sentença
ESPÓLIO DE ALINE MACEDO FRANÇA (habilitação de herdeiros posterior ao ajuizamento da
ação) ajuizou a presente demanda em face da SUPERVIA CONCESSIONÁRIA DE TRANSPORTE
FERROVIÁRIO S/A, tendo requerido do juízo a condenação do réu a realizar obras de
acessibilidade na estação de Campo Grande, a fim de garantir o livre acesso ao transporte público
de trem no Município do Rio de Janeiro. A autora era portadora de diversas comorbidades, com
comprometimento articular e vascular, condição que retirava dela a capacidade de locomoção e
impõe o uso de cadeira de rodas de modo permanente; é usuária de transporte público e faz uso
em especial da estação de trem de Campo Grande, onde não há rampas e nem elevadores de
acesso.
Deferida a gratuidade de justiça, index 64. Liminar indeferida.
Contestação, index 81. Requereu a suspensão do processo, a fim de que seja proferida decisão
nos autos de ação civil pública e informou ainda que foi feito TAC, devidamente homologado pelo
juízo da 16ª vara de Fazenda da Capital; arguiu a ilegitimidade da autora para requerer a
obrigação de fazer; pontuou que o pedido é genérico e não traz o que deveria ser feito para
assegurar a acessibilidade à autora; que o prazo requerido é exíguo; no mérito, sustenta que
existe mobilidade assistida, já que os agentes são treinados para auxiliar embarque e
desembarque de passageiros PNE; que só existem amparo legal para que os trens - e não as
estações - sejam adaptados pela Supervia, já que como concessionária seria responsável apenas
pelos carros de transporte; que a obrigação pela adaptação das estações foi assumida junto ao
Poder concedente de acordo com cronograma orçamentário e com o fluxo de passageiros de cada
estação; que o direito brasileiro não incorporou o instituto dos punitive damages. No indexador
205, foi informado o óbito da autora e requerida habilitação dos herdeiros; deferida no index 216.
Vista ao MP, com parecer pela suspensão do processo em razão da Ação Civil Pública (index
250). Vieram-me conclusos.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

A causa está madura para julgamento, passo decidir.

110 MAEVESOUZA
Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário
Tribunal de Justiça
Regional de Campo Grande 271
Cartório da 7ª Vara Cível
Carlos da Silva Costa, 141 BL 1 6º ANDCEP: 23050-230 - Campo Grande - Rio de Janeiro - RJ Tel.: 34709838 e-mail:
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Não há razão técnica ou prática a justificar a suspensão desta ação individual em razão do
ajuizamento pelo Ministério Público da ação coletiva citada (processo n. 0167632-
82.2019.8.19.0001), porque, como se depreende da análise daqueles autos, foi firmado entre as
partes um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), já homologado pelo Juízo competente da 16ª
Vara de Fazenda Pública, no tocante à obrigação de fazer aqui reclamada, comprometendo-se a
concessionária ré à realização das obras de adequação das estações para fins de atendimento às
regras de acessibilidade para deficientes, após o estabelecimento de um cronograma conjunto.
Não há, ante a esse fato, "macro-lide" a ditar a suspensão das correlatas ações individuais
multitudinárias existentes, porque o TAC judicialmente homologado nos autos da ação coletiva,
dado seu objeto, extinguiu o conflito até então existente entre as partes, consolidando um título
executivo. Em outras palavras, não há, uma vez homologado judicialmente o TAC entre as partes
no processo coletivo (por meio do qual, frise-se, a concessionária ré assumiu o compromisso de
prover, precisamente, a providência reclamada como obrigação de fazer nas ações individuais
múltiplas), ponto controvertido a ser objeto de instrução processual e cognição em sentença.
Passo ao mérito.

Inicialmente, é preciso ponderar que o serviço de transporte prestado pela ré por força de contrato
de concessão, não perde a natureza de serviço público porque delegado a um particular.

E, para além da relação de consumo, da qualificação do autor como usuário desse serviço - esse
interesse, que é do autor e é também de todos aqueles que têm, como ele, dificuldades de acesso
ao transporte por força de limitações físicas quaisquer e ainda de todos que possam a ter
restrições de acesso, ainda que de forma temporária e limitada - o interesse não é apenas um
interesse individual e homogêneo, mas verdadeiramente um interesse difuso e não e não apenas
coletivo, porque impõe a adoção de políticas públicas de acessibilidade e integração de cidadãos.

Seja entendendo que a acessibilidade é um interesse difuso, seja entendendo que é um interesse
coletivo comum aos portadores de deficiência, perspectivas ambas defensáveis, a pretensão e a
eficácia da decisão transcendem o limite do interesse individual, que não deixa, porém, de existir:
diferentemente das class actions do direito americano, as ações coletivas representam uma via
alternativa às demandas individuais.

A tutela desses direitos que transcendem o sujeito impõe atuações específicas (positivas ou
negativas) e é por isso que a obrigação de fazer dá o norte: o pedido de indenização é um
elemento menor e esse sim deve ser mensurado de forma individual.

Assim, porque houve a formulação de termo de ajustamento de conduta em sede de ação coletiva
autos n.º 0167632-82.2019.8.19.0001, entendo que ficou prejudicado o pedido de cumprimento de
obrigação específica nas demandas individualmente propostas, que continuam a ter seu curso tão
somente com relação ao pedido de indenização por danos morais e justamente por isso, em razão
da homologação desse TAC, o qual fixou cronograma para mapeamento, identificação das
estações e realização de obras, resta apenas a fiscalização do cumprimento do TAC e a execução
de multa no processo principal.

Em inspeção pessoal realizada à estação de Campo Grande, pude constatar que, efetivamente,
não existe acesso livre para os portadores de deficiência: existe uma rampa, que dá acesso a um
portão, o qual é aberto através de solicitação por interfone que, quando atendido, libera o acesso à
estação, mas apenas a uma das plataformas: a depender do trajeto, o cadeirante não terá acesso
à plataforma.

A estação tem três plataformas, separadas por trilhos e com uma passagem elevada entre elas,
como uma passarela à qual só se tem acesso por escadas. Há uma passarela que interliga as

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plataformas, com destaque para a escadaria que dá acesso à plataforma do meio.

Repito, em inspeção realizada à estação em outros autos, verifiquei que existe rampa para a
entrada, com acesso apenas a um ramal, sem interligação aos outros dois e ainda, para quem
desembarca na estação, a saída passa necessariamente por uma escadaria. Para o réu apenas
poucos degraus, mas, para o cadeirante, é como se fosse o muro de um presídio. Ele só passa
carregado. E ser carregado não é o sentido de acessibilidade. Acessibilidade, por definição,
significa ter fácil acesso, significa poder romper barreiras. Essa acessibilidade passiva é na
verdade, falta de acessibilidade, significa que a pessoa não pode transpor a barreira física que se
lhe apresenta.

Entender-nos como indivíduos significa reconhecer a cada um e em cada um a dimensão do


humano em seu todo, significa que somos plenos sendo incompletos, que devemos ser não
apenas sujeito de direitos, mas objeto de tutela e é justamente porque devemos ser tutelados que
essa "acessibilidade passiva" não pode ser reconhecida como acessibilidade: primeiro, porque de
fato não o é; segundo porque em vez dar-nos a possibilidade de nos direcionarmos, fazermos e
seguirmos os caminhos que quisermos, reforça a ideia do limite, destacada a impossibilidade,
revela falta de autonomia.

E digo isso atenta ao fato de que o autor, especificamente, sempre necessitará do apoio de
terceiro, mas que esse terceiro deve poder experimentar junto com a autora a autodeterminação, a
possibilidade no lugar a impossibilidade, a suficiência no lugar da deficiência.

Apesar de ter por caracterizado o dano moral a cada impossibilidade de uso, a cada escolha por
não ir aonde seria preciso para fugir aos limites, a cada renúncia e a cada enfrentamento,
pondero, para a fixação do dano, que existe um contínuo nas ações, uma progressão na
percepção do humano, uma necessária correção de rumo e que ela se faz primordialmente pela
obrigação de fazer, pela realização de uma política pública de inclusão que deve-se estar
implementando, no gerúndio, como um contínuo, sem data para acabar, mas que teve início com o
TAC formulado e ainda considerando que o réu herdou uma estrutura obsoleta, que ele aderiu
uma política de transporte público obsoleta, mas que deverá ser, ao lado dos usuários e ao lado do
Poder Concedente, agente de transformação, entendo que a ausência da acessibilidade, gera o
dano moral, mas que esse dano deve ser fixado de forma mínima, em valor de R$ 3.000,00, já que
o mais importante é a realização da obra e essa foi a finalidade alcançada com o processo.

Em face de todo o exposto, JULGO EXTINTO O FEITO, SEM SOLUÇÃO DE MÉRITO EM


RELAÇÃO AO PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA PARTE RÉ À OBRIGAÇÃO DE FAZER, na forma
do artigo 485, VI do Código de Processo Civil. Outrossim, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO DE
CONDENAÇÃO DA PARTE RÉ AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, na
forma do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil e, como consequência, condeno-a ao
pagamento da quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), corrigida em conformidade com os índices
do TJERJ e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da publicação desta
sentença.

Custas pela parte ré. Fixo os honorários advocatícios em favor do patrono do autor em 15% do
valor da condenação, na forma do artigo 85, parágrafo 2º do CPC, já considerados o grau de zelo
do advogado, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado, bem como o tempo para
ele exigido. Publique-se, registre-se e intimem-se. Após, cumprida, dê-se baixa e arquivem-se os
autos. PI.

Rio de Janeiro, 19/08/2020.

110 MAEVESOUZA
Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário
Tribunal de Justiça
Regional de Campo Grande 273
Cartório da 7ª Vara Cível
Carlos da Silva Costa, 141 BL 1 6º ANDCEP: 23050-230 - Campo Grande - Rio de Janeiro - RJ Tel.: 34709838 e-mail:
cgr07vciv@tjrj.jus.br

Ana Paula Azevedo Gomes - Juiz Titular

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Autos recebidos do MM. Dr. Juiz

Ana Paula Azevedo Gomes

Em ____/____/_____

Código de Autenticação: 4MR2.1VS5.3DAN.WJQ2


Este código pode ser verificado em: www.tjrj.jus.br – Serviços – Validação de documentos
Øþ

110 MAEVESOUZA

Assinado em 20/08/2020 17:28:32


ANA PAULA AZEVEDO GOMES:27304 Local: TJ-RJ

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