Você está na página 1de 7

Perspectivas Médicas

ISSN: 0100-2929
perspectivasmedicas@fmj.br
Faculdade de Medicina de Jundiaí
Brasil

Ferrian, Andréa Marta; Simões, Fernanda Cristina; Caruso, Paula Catarina; Cappi Maia, Edna Marina
Vulvovaginites em crianças e adolescentes: uma revisão qualitativa
Perspectivas Médicas, vol. 18, núm. 1, enero-junio, 2007, pp. 33-38
Faculdade de Medicina de Jundiaí
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=243217495009

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
33

REVISÃO

Vulvovaginites em crianças e adolescentes: uma revisão qualitativa.

Vulvovaginitis in the children and adolescents: a qualitative review.

Palavras-chave: vulvovaginite, infância e adolescência.


Key words: vulvovaginites, childhood and adolescence.

Andréa Marta Ferrian*


Fernanda Cristina Simões*
Paula Catarina Caruso*
Edna Marina Cappi Maia**

* Acadêmicas do 6º ano de Curso de Graduação em higiene urinária, fecal e informações específicas, que
Medicina da Faculdade de Medicina de Jundiaí, variam de acordo com o fator causador são
Jundiaí, São Paulo. fundamentais para o sucesso do tratamento das
**Professora Adjunta da Disciplina de Ginecologia da vulvovaginites.
Faculdade de Medicina de Jundiaí, Jundiaí, São Paulo.
ABSTRACT
Instituição e Contato: The vulvovaginitis is the most common gynecologic
Edna Marina Cappi Maia - Faculdade de Medicina de problem during childhood, although the exact
Jundiaí - Rua Francisco Telles, 250 – Vl. Arens. CEP incidence of the disease is unknown. The principal
13202-550 – Jundiaí, SP. Fone: (0XX11) 4587-1095 predisposing factors are poor local hygiene conditions,
a family history of gynecological disorders, infectious
Artigo ainda não publicado. focus, systemic diseases, anatomical abnormalities of
the genital system, intravaginal foreign bodies, and
RESUMO sexual abuse, as well as digestive, urinary, and
A vulvovaginite é um problema ginecológico cutaneous symptoms. The most common clinical
comum na infância e em garotas na pré-menarca symptoms are vaginal discharge, discomfort, pruritus,
embora sua incidência seja desconhecida. Os fatores hyperemia, local irritation, dysuria and bleeding. In
predisponentes mais comuns podem ser causados por order to investigate vulvovaginitis, the clinical history
hábitos de higiene inadequados, história familiar, focos should be taken from the parents and the child and a
infecciosos, doenças sistêmicas, sintomas digestivos, physical examination should be carried out. Thus, the
urinários, cutâneos, conformação anatômica dos aim of the present study was realized a review about
genitais, além de corpos estranhos intravaginais e da vulvovaginitis in the children and adolescents.
possibilidade da ocorrência de abuso sexual. Os Vulvovaginitis in childhood and adolescence can be
sintomas clínicos como corrimento vaginal, nonspecific or specific physiological etiology.
desconforto, dor, prurido, hiperemia, irritação local, Approximately, 70% of cases are of nonspecific
disúria e sangramento são os mais encontrados. Para etiology. Among adolescents leucorrhea is the most
a investigação de uma vulvovaginite a história clínica, common cause. In specific vulvovaginitis,
obtida pelos pais e pela criança além do exame físico, microorganisms such as Candida albicans, group A
deve ser realizada. Assim, o objetivo do presente estudo beta-hemolytic Streptococcus, Gardnerella vaginalis
foi realizar uma revisão qualitativa a respeito das nterobacteriaceae, and Trichomonas vaginalis can be
vulvovaginites na infância e adolescência. As found depending on changes in hormone levels, upper
vulvovaginites na infância e adolescência podem ser de airway infections, parasitosis, and the beginning of
etiologia fisiológica, inespecífica ou específica. Cerca sexual activity. Concluding, the knowledge about fecal,
de 70% são inespecíficas, sendo a leucorréia urinary hygiene and specific information, which
fisiológica a causa mais comum entre as adolescentes. pierced according to the factor causal, are fundamental
Na vulvovaginite específica, microorganismos como for the success of the treatment of the vulvovaginitis.
Candida albicans, Estreptococo beta hemolítico A,
Enterobactérias Gardnerella vaginalis, e Trichomonas INTRODUÇÃO
vaginalis, podem ser encontradas de acordo com As vulvovaginites são comuns na infância e na
alterações nos níveis hormonais, infecções de vias adolescência, embora a sua incidência seja
aéreas superiores ou parasitoses e com a iniciação da desconhecida(1,2,3,4). Vulvovaginite é uma inflamação da
atividade sexual. Concluindo, o conhecimento sobre vulva e do tecido vaginal (5). A vaginite é caracterizada

Perspectivas Médicas, 18(1): 33-38, jan. / jun. 2007


34
Vulvovaginites em crianças e adolescentes: uma revisão qualitativa. - Andréa Marta Ferrian e cols.

pelo eritema e inflamação da mucosa vaginal, QUADRO 1


Fatores predisponentes as vulvovaginites na infância e adolescência
normalmente com corrimento, sendo a vulvite uma
Fatores anatômicos Distância curta entre vagina e ânus
irritação local causada por pouca higiene, irritação
Pequena abertura himenal
química ou mecânica, alergia ou trauma(6). Na prática, Ausência de coxins adiposos vulvares
os termos vaginite, vulvite, e vulvovaginite são Ausência de pêlos pubianos
freqüentemente usados indistintamente no diagnóstico Vagina atrófica e não estrogenizada

de uma condição inflamatória no trato genital inferior Pele vulvar fina e sensível a trauma e irritações
pH entre 6,5 e 7,5
feminino(4). Diminuição de mecanismos imunes locais
A epidemiologia e a apresentação da vulvovaginite Hábitos e higiene Limpeza na direção anal-vulvar
diferem na infância e adolescência. Nas primeiras, a Banhos espumantes

infecção começa na vulva e depois se espalha para a Inadequada lavagem das mãos após brincar em locais sujos
Roupas apertadas e tecidos pouco ventilados
vagina; nas adolescentes está associada
Roupas úmidas
particularmente após o primeiro intercurso sexual, Corpo estranho intra-vaginal
envolvendo primeiramente a vagina(1,3). A genitália Abuso e relação sexual

feminina nessas fases é susceptível à infecção, seja por Antibioticoterapia


História familiar Infecções ginecológicas maternas
fatores anatômicos e fisiológicos ou por hábitos
Focos infecciosos Faringite
comportamentais. Otite
A apresentação da doença pode ser extremamente Conjuntivites
variável, compreendendo principalmente secreção Diarréia
Oxiurose
vaginal, prurido, ardência, odor, dor ou sangramento.
Doenças sistêmicas Obesidade
Dessa maneira, ginecologistas e pediatras devem estar Diabates Mellitus
preparados para atender estes tipos de queixas em seus Doenças exantemáticas
consultórios. Assim, o objetivo do presente estudo foi Psoríase

realizar uma revisão qualitativa a respeito das Sintomas digestivos Constipação


Encoprese
vulvovaginites na infância e adolescência. Tenesmo
Sintomas urinários Disúria
Revisão Qualitativa Incontinência

Etiologia Enurese
Sintomas cutâneos Dermatoses extra genitais de localização vulvar

Leucorréia fisiológica
O primeiro episódio de leucorréia fisiológica pode
ocorrer ainda no recém-nascido do gênero feminino, corrimento típico neste caso é escasso, não purulento,
enquanto os níveis de estrogênios maternos ainda mucóide e inodoro.
estiverem presentes. Sendo o corrimento acinzentado e Alguns casos de vulvovaginite não específica
gelatinoso, podendo também apresentar sangue. A podem ser precedidos de infecções do sistema
impregnação hormonal se traduz pelas modificações respiratório ou do tegumento. As mãos contaminadas,
anatômicas (turgescência mamária e dos grandes geralmente com Estreptococos, Enterococos ou
lábios) e cutâneas (pele brilhante e seborréia). Este Proteus, levam estes germes até os genitais. A infecção
período, dura de dois a três meses, podendo haver urinária também pode desencadear a inflamação dos
infecção por Candida albicans(7). tecidos da vulva e da vagina devido ao refluxo de urina
Nas adolescentes a leucorréia fisiológica é o durante a micção.
corrimento vaginal mais comum e não é acompanhado O Haemophilus influenzae é outro responsável por
de outros sintomas. O estrogênio estimula a telarca, parte dos quadros inespecíficos, e a vacinação para a
produção de muco cervical e secreção vaginal cerca de gripe tem diminuído esse achado. A secreção neste caso
6 a 12 meses antes da menarca. A vulva não se inflama, é mucopurulenta ou mucóide, amarelada e sem odor,
não há odor e a secreção não é irritante, geralmente apresentando prurido, disúria, eritema e dor
desaparece quando o ciclo menstrual se normaliza (7). vulvar (1,7,8).
Para as pacientes jovens que têm corrimento mal
Vulvovaginite inespecífica cheiroso, purulento e muitas vezes com sangue, deve-se
Cerca de 70% das vulvovaginites na infância e pensar na presença de corpos estranhos, como papel
adolescência são inespecíficas, sendo resultado de má higiênico e brinquedos. Nas adolescentes, o corpo
higiene, limpeza inadequada, roupas apertadas ou estranho mais comumente encontrado é o absorvente
irritação por banhos espumantes ou sabonetes. Fatores higiênico. A retirada destes objetos pode requerer
como a falta do pH ácido, de ácido lático, de estrogênio, sedação(1,3,6).
de lactobacilos, além do epitélio vaginal afinado estão Alergias também são causa comum de
relacionados a este quadro clínico (Quadro 1). O vulvovaginite inespecífica, tendo Garcia-Aviles et al.

Perspectivas Médicas, 18(1): 33-38, jan. / jun. 2007


35
Vulvovaginites em crianças e adolescentes: uma revisão qualitativa. - Andréa Marta Ferrian e cols.

observado um caso de alergia genital ao ácaro durante a infância e adolescência, podendo ser isolada
doméstico em menina de 9 anos de idade(5). em amostras de secreções vaginais de crianças sadias
Vulvovaginites específicas assintomáticas (9) . Deve-se sempre pensar na
É definida como a infecção vulvovaginal por possibilidade do contato sexual quando feito este
microorganismos conhecidos, que podem ser isolados. diagnóstico.
Pode ser causada por bactérias não sexualmente
transmissíveis, bactérias sexualmente transmissíveis Infecção por Trichomonas vaginalis
ou enterobactérias. Sua incidência estimada é de cerca de 3% das
infecções genitais e possivelmente relacionada à
Vulvovaginites por bactérias não-sexualmente produção de estrogênio, assim como a presença de
transmissíveis: infecção transmitida verticalmente(9). É rara a
transmissão indireta como em piscinas, sendo seu
Candidíase período de incubação de 30 dias. A paciente refere
A Candida albicans geralmente não é isolada nas corrimento vaginal amarelo-esverdeado, espumoso e
garotas pré-púberes, pois sua aparição é dependende fétido, disúria e prurido vulvar. O eritema dos genitais
de estrogênio, tendo sua maior freqüência a partir do algumas vezes é acompanhado de hemorragias
início da adolescência. O patógeno também pode ser puntiformes da vagina e cérvice(1). O diagnóstico é feito
encontrado em meninas com fatores predisponentes, pelo exame microscópico da secreção, apresentando
como o uso recente de antibióticos, uso de microorganismos móveis, flagelados e em forma de
anticoncepcionais ou de corticóides, diabetes melittus, lágrima.
imunodeficiência e uso de fraldas(6,7). Ao exame físico, o
achado é o eritema, edema de vulva e mucosa vaginal, Gonorréia
com corrimento branco aderido, grumoso, inodoro e Causada pela Neisseria gonorrhoeae apresenta
ácido. Em muitos casos, fissuras e escoriações secreção abundante, purulenta, meato vaginal e vulva
causadas pelo intenso prurido podem ser encontradas. com sinais inflamatórios. A doença se dá por atividade
Nas garotas mais jovens o eritema perineal com lesões sexual ou pela transmissão ascendente e através do
satélites também é comum (1,7). canal de parto. Mais raramente que as mulheres
adultas, as meninas podem ser portadoras desta
Vulvovaginite por Streptococcus do grupo A e doença. Os sintomas mais comuns são corrimentos
Staphylococcus aureus vaginais abundantes e amarelo-esverdeados, disúria,
A incidência do Estreptoco beta-hemolítico do sangramento inter-menstrual e metrorragia nas
grupo A é de 8 a 47% e vários estudos sugerem que esta adolescentes(1).
infecção provém do trato respiratório ou de origem
epitelial(6). Este patógeno acomete preferencialmente Parasitose
as pré-púberes, ocorrendo leucorréia profusa clara, A Chlamydia trachomatis é um parasita
acometimento inflamatório da vulva e vestíbulo, sendo intracelular obrigatório que foi subdividido em
uma manifestação regional freqüente a anite linfogranuloma venéreo e tracoma, responsável por
eritematosa (2,3,7) . O Staphylococcus aureus é um agente doenças oculogenitais humanas. As infecções são
pouco comum, e não promove vasta sintomatologia (2). agudas, com uma leucorréia purulenta ou serosa. Após
um episódio agudo é possível um longo período
É importante ressaltar que as doenças assintomático. As dores abdominais podem indicar
sexualmente transmissíveis são incomuns nestas infecção ascendente, responsável por danos tubários e
faixas etárias, seu aparecimento leva a pensar em início peritonite subaguda. A infecção por Clamydia
de atividade sexual ou mesmo de abuso e são: confirma o diagnóstico de abuso sexual, quando a
infecção não ocorreu por via perinatal (1).
Gardenerella vaginalis
Desenvolve-se no meio vaginal sem impregnação Herpes genital
estrogênica e com pH elevado. Além do aparecimento Os vírus Herpes simplex também podem causar a
em pré-púberes pode ser encontrada em mulheres no doença genital. Pode ocorrer a transmissão pela via
climatério. É considerada como saprófita que habita o materno-fetal ou perinatal, mas a principal causa dessa
meio vaginal com poucos labtobacilos. Apresenta moléstia é a atividade sexual. As pacientes apresentam
corrimento cinzento, espumoso, com mau odor. No teste prurido vaginal, disúria e dor local. Podem ser
do potássio (“whiff test”) apresenta odor desagradável observadas as vesículas agrupadas e eritematosas, com
característico, pela liberação de putrefinas e dor e erosões. A cultura do vírus confirma o
cadaverinas(7,9). Raramente causa sintomas clínicos diagnóstico (1).

Perspectivas Médicas, 18(1): 33-38, jan. / jun. 2007


36
Vulvovaginites em crianças e adolescentes: uma revisão qualitativa. - Andréa Marta Ferrian e cols.

Enteroparasitoses e enterobactérias: (Quadro 1) (1,3,7,10,11).


As fases de vida da menina diferem em muitos
Enterobíase aspectos, desde o período neonatal até a adolescência.
Também é uma parasitose intestinal cujo agente No período neonatal há a impregnação hormonal
etiológico é o Enterobius vermicularis. Os vermes materna por passagem transplacentária, tornando o
adultos ocupam a região anal e perineal. Sua epitélio da vagina maduro, com pH semelhante ao
transmissão é fecal e oral, principalmente por auto encontrado nas mulheres adultas, enquanto a pele da
infecção, ocorrendo quando os ovos presentes nos vulva, ainda em desenvolvimento, é fina e elástica. Com
alimentos ou nas mãos sujas contaminadas são a queda estrogênica no pós-parto, o pH vaginal
ingeridos ou aspirados, sendo comum à infestação em aumenta gradualmente, tornando-se alcalino (7,0 –
ambientes coletivos como escolas e creches. A 8,0) em cerca de duas a seis semanas, e assim
contaminação vulvar em crianças ocorre por migração permanece até o início da puberdade (7,9).
dos oxiúros a partir da região perianal ou por Na infância a ausência de estrogênio determina
manipulação desta região pela própria pessoa, levando atrofia dos grandes lábios, ausência de secreção
o parasita até a região vulvar. A vulvovaginite endocervical e descamação vaginal com células
recorrente desenvolve-se em 20% das meninas epiteliais pobres em glicogênio. Nessas condições os
infectadas. bacilos de Doderlein são ausentes e o pH vaginal é mais
A característica clínica marcante é o prurido elevado, tornando-se mais susceptível a patógenos.
perianal, principalmente noturno, situação que pode Na fase pré-púbere o epitélio ciliado da mucosa
levar ao desenvolvimento de proctites devido ao ato de tubária é pouco desenvolvido e a infecção ascendente
coçar intensamente. A vulvovaginite se instala pela pode facilmente se desenvolver.
irritação e inflamação causadas pelo verme, associada A instalação da puberdade é resultante da
à ação de bactérias intestinais que são carregadas por impregnação hormonal, e com a menarca o pH diminui
este helminto. O diagnóstico é feito pelo teste da fita para valores muito baixos (3,5 – 4,5), variando de
adesiva, swab anal ou quando se encontra o verme na acordo com a fase do ciclo menstrual. A flora menstrual
região perineal (1,2). é mais rica em bacilos de Doderlein, que são
responsáveis pela manutenção da flora fisiológica da
Vulvovaginite por Shigella vagina, impedindo infecções externas. As relações
A shigelose não se desenvolve quando o pH do meio sexuais precoces podem modificar este equilíbrio
é inferior a 5,5 sendo mais comum nas fases não bacteriológico, deixando o meio frágil para a
estrogênicas. A presença de diarréia é freqüente, de introdução de patógenos(7,9).
aspecto muco-purulento e hemorrágico, sendo
responsável pela contaminação vulvar. Associações Quadro clínico
possíveis estão relacionadas com a Shigella e o abuso Na paciente pediátrica, o corrimento vaginal é uma
sexual, com a contaminação por Shigella e queixa comum, sendo com freqüência o sintoma
Gardenerella (7) . primário de vulvite, vaginite ou vulvovaginite. Os sinais
e sintomas associados podem incluir prurido, disúria,
Vulvovaginite por Giardia micção freqüente ou enurese.
A Giardia lamblia é um protozoário flagelado que Em 2000, um estudo brasileiro revelou,
parasita o trato gastrintestinal do ser humano, com clinicamente, 100% de incidência de corrimento
prevalência elevada nas crianças de 1 a 12 anos. vaginal isolado (exclusivo em 40,9%), ou associado a
Manifesta-se com diarréia aquosa ou pastosa, dor outros fatores, como odor fétido na região genital
epigástrica e síndrome de má absorção. A (22,8%), prurido vulvar (14,3%), prurido e odor
contaminação é fecal e oral e grande parte dos (13,4%), dor pélvica (5,2%) e queixas vulvares
indivíduos infectados são assintomáticos, apenas (3,4%)(12). Em outra casuística, Stricker et al. (2003),
eliminando cistos destes protozoários nas fezes. A avaliando 80 garotas suíças com vulvovaginites,
contaminação vulvovaginal ocorre por contaminação demonstraram que a principal queixa foi o corrimento
fecal assintomática(1). (94%), seguido por prurido (45%), hiperemia (30%),
disúria (19%), dor (8%) e sangramento (5%)(2).
Fatores predisponentes A vulvite manifesta-se principalmente por disúria e
prurido, associados a eritema de vulva. Costuma
Entre os fatores predisponentes mais comuns nas apresentar um curso mais prolongado que a vaginite, a
pré-púberes e adolescentes, podem ser citados, fatores qual possui como característica marcante o corrimento
anatômicos, má higiene local, hábitos parafuncionais, sem relação com esses sintomas. A vulvovaginite
história familiar, focos infecciosos, doenças sistêmicas, consiste na associação dessas manifestações.
sintomas digestivos, urinários e cutâneos Devendo-se observar a cor, odor e tempo de duração do

Perspectivas Médicas, 18(1): 33-38, jan. / jun. 2007


37
Vulvovaginites em crianças e adolescentes: uma revisão qualitativa. - Andréa Marta Ferrian e cols.

corrimento (2,12) . interlabiais. A secreção visível, sem sinais ou sintomas


O sangramento vaginal nas meninas pré-menarca de inflamação pode ser considerada normal na recém
deve-se principalmente as vulvovaginites, com nascida e no período da pré menarca. A anatomia deve
diagnóstico diferencial como líquen escleroso, ser observada, pois alterações anatômicas podem
puberdade precoce e trauma. Os microorganismos que predispor a doenças (Quadro 2) (1) .
estão associados particularmente com sangramento
QUADRO 2
vulvovaginal são os Estreptococos do grupo A e a
Shigella. A presença de corpo estranho é responsável Alterações anatômicas como causa de
por mais de 90% dos sangramentos vulvovaginais, vulvovaginites na infância e adolescência
enquanto a presença de corrimento de odor Fusão dos lábios
desagradável é menos freqüente neste caso(13).
Hímen imperfurado
O Exame genital da criança. Masculinização (hiperplasia adrenocortical congênita)
A anamnese deve ser obtida dos pais e, se possível, Neoplasias
da criança. No caso de adolescentes, a entrevista pode
Protusão perineal piramidal
ser individual, seguida da entrevista dos pais. Devem
ser pesquisadas alterações de crescimento e
desenvolvimento, doenças próprias da infância, Exames complementares
anomalias congênitas, desempenho escolar e Amostras de secreção vaginal para bacterioscopia,
atividades habituais. Além disso, pessoas envolvidas na exame a fresco e citologia devem ser colhidas,
vida da menina podem influenciar nas afecções utilizando-se para isso swab umedecido com solução
vulvovaginais, tanto pelo descuido quanto pelo excesso fisiológica para não traumatizar o tecido vaginal
de medidas higiênicas. hipotrófico. A bacterioscopia associada à citologia
Ressalte-se que pacientes muito jovens não fornece dados sobre a freqüência de bactérias
informam os sintomas com clareza e as queixas podem presentes, sinais de processo inflamatório celular,
ser apenas de irritabilidade ou a observação pelos pais assim como a identifição de fungos, como o
de que a filha coça, manipula a genitália ou senta com Trichomonas e a Gardenerella, além de afastar
desconforto. processos neoplásicos(1).
A hipótese de abuso sexual deve ser sempre
aventada em casos de corrimento purulento ou Diagnóstico citológico
sanguinolento, ou a preocupação com anormalidade Diante da secreção vaginal, a presença de
da genitália externa. numerosas células polimorfonucleares indicam
A história deve conter questões sobre coceira, característica patológica. O exame realizado em
secreção vaginal (cor, quantidade, odor, consistência e lâmina permite pela coloração pelo método Gram a
duração), disúria e hiperemia, assim como a higiene observação das leveduras nas formas de esporos ou nas
perineal, exposição a irritantes, uso de medicações formas filamentosas. O Trichomonas vaginalis é
tópicas ou sistêmicas, início da vida sexual ou outros pesquisado a partir de secreções diluídas em soro
dos fatores predisponentes (Quadro 1) (1,10,11). fisiológico que reagem com o Potássio a 5%.
O exame genital na criança deve ser realizado com O exame de imunofluorescência direta permite
a colaboração da paciente, informando a ela sobre o rastrear a Chlamydia trachomatis(1).
consentimento dos pais, assegurando o controle da
situação e explicando a importância do exame. Ao Exame Bacteriológico
exame físico devem ser pesquisadas evidências de Deve ser sistemático nas leucorréias da infância,
doenças crônicas ou dermatológicas. podendo ser obtido no orifício vaginal. É preferível que
Nas crianças, o períneo e o intróito vulvar devem ser seja colhido no próprio laboratório, pois o meio de
inspecionados enquanto assumem a posição “frog-leg” transporte pode permitir a inoculação de meios de
(posição supina com as plantas dos pés unidas, como se cultura especiais (Thayer & Martin, Sabouraud, Mac
fosse um “sapo”) ou com os joelhos sobre o peito. Os Coy e o meio para Trichomonas). Para evitar
lábios devem ser delicadamente retraídos (para fora e contaminação por germes da vulva, propõe-se
para trás) para uma melhor visualização da vagina. obtenção da secreção por cateter (1).
Qualquer anormalidade do hímen deve ser
documentada se houver suspeita de abuso sexual. Na Exame protoparasitológico
adolescente deverá ser realizado o exame ginecológico Além de exame comum, deve ser pesquisada a
completo. presença de Enterobius vermicularis através do teste
Devem ser pesquisados edemas, hiperemia, da fita adesiva (“sellotape test”) e através de swab anal
escoriações, fissuras, se há fezes ou secreções e vulvar(1).

Perspectivas Médicas, 18(1): 33-38, jan. / jun. 2007


38
Vulvovaginites em crianças e adolescentes: uma revisão qualitativa. - Andréa Marta Ferrian e cols.

Exames Bioquímicos Vulvovaginites específicas


Para confirmação do diagnóstico de infecção por O tratamento dos corrimentos específicos depende
Clamydia, utiliza-se detecção do antígeno através da da etiologia envolvida, sendo recomendados em nosso
imunofluorescência direta ou pelo método ELISA, de país diferentes fármacos (tabela 1) (10).
leitura mais subjetiva. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
As amostras bacteriológicas são efetuadas A vulvovaginite é uma infecção comum na infância
juntamente com outros locais de infecção (por exemplo e adolescência, sendo mais freqüente o tipo não
no caso de conjuntivite, faringite, diarréia). Os germes específico, principalmente de causa infecciosa. As
encontrados nas duas amostras serão comparados. O garotas pré-púberes são mais vulneráveis à infecção
exame citobacteriológico de urina será realizado no vulvovaginal devido ao pH vaginal elevado, pobreza de
caso de disúria, abuso sexual ou na pesquisa de lactobacilos e mucosa tubária imatura, com
Chlamydia e Gonococo. possibilidade de infecção ascendente e seqüelas
Um exame intracavitário será necessário diante de tubárias. Além disso, fatores anatômicos e hábitos
uma leucorréia sangrante ou recorrente. O toque retal próprios da fase etária predispõe as infantes e
pode rastrear um corpo estranho. A possibilidade de adolescentes a este tipo de infecção. Na vigência de
anestesia geral será discutida em função da idade da vulvovaginite por patógenos sexualmente
criança e da opinião dos pais. A utilização de um transmissíveis deve-se sempre lembrar da
histeroscópio de um diâmetro de 4 mm permite a possibilidade de contato sexual ou mesmo abuso, e,
exploração da genitália sem danos(1). quando este último é considerado, há necessidade da
pesquisa de HIV e Sífilis (14).
Tratamento Alterações comportamentais e hábitos de higiene
Vulvovaginites inespecíficas são capazes de diminuir a prevalência das
O tratamento das vulvovaginites inespecíficas visa vulvovaginites, principalmente as não específicas. O
afastar a causa da doença. Na maioria dos casos, tratamento das doenças específicas é baseado no
medidas simples e de baixo custo são suficientes. patógeno causador. Sendo que, novos estudos são
Podem ser realizados banhos de assento com soluções necessários, contribuindo assim, com o esclarecimento
anti-sépticas (permaganato de potássio, benzidamina), dos fatores relacionados a estas doenças.
orientação de higiene urinária e fecal, uso de sabonetes
e vestuário adequado. Não havendo melhora clínica Referências Bibliográficas
apreciável, recomenda-se a antibioticoterapia com 1. Kokots F, Adam HM. Vulvovaginitis. Pediatrics in review. v 27(3):116-7,
2006.
amoxicilina (20 a 40mg/kg/dia, divididos em três 2. Stricker T, Navratti F, Serinnhauser FH. Vulvovaginitis in prepubertal
doses)(4). girls. Arch Dis Child, v 88:324-6, 2003.
3. Merkley K. Vulvovaginitis and vaginal discharge in the pediatric patient.
TABELA 1 J Emerg Nurs, v 31(4):400-2, 2005.
Tratamento das vulvovaginites de acordo com o patógeno envolvido 4. Jaquieri A, Stylianopoulos A, Hogg G, Grover S. Vulvovaginitis: clinical
Vaginose features, aeiology, and microbiology of the genital tract. Arch Dis Child, v
81: 61-7, 1999.
30mg/kg/dia VO 10 dias
Metronidazol 5. García-Avilés C, Carvalho N, Fernández-Benítez M. Allergic
50mg/kg/dia VO 10 dias vulvovaginitis in infancy: study of a case. Allergol Immunopathol (Madr), v
Ampicilina
29(4):137-40, 2001.
Candidíase
6. Joishy M, Sandeep A, Jain A, Gonsalves R. Do we need to tracto
Aplicação tópica vulvar ou instilação vulvovaginitis in prepubertal girls? British Med J, v 330:186-8, 2005.
Clotrimazol
Miconazol
vaginal 7. Larrègue M, Vabres P, Guillet G. Vulvo-vaginites dans l'enfance. Ann
Dermatol Veneorol, v 131:889-99, 2004.
Nistatina 8. Cuadros J, Mazón A, Martinez R, Gonzáles P, Gil-Setas A, Flores U, Orden
Violeta de genciana 0,5% B, Gómez-Herruz P, Millan R. The aetiology of pediatric inflammatory
Ácido bórico vulvovaginitis. Eur J Pediatr, v 163:105-7, 2004.
9. Deligeoroglou E, Salakos N, Makrakis E, Chassiakos D, Hassan EA,
Permaganato de potássio 1:20.000
Christopoulos P. Infections of the lower female genital tract during
Tricomoníase childhood and adolescence. Clin Exp Obst & Gin, v 3: 175-8, 2004.
30mg/kg/dia VO 10 dias 10. FEBRASGO. Saúde do adolescente. Manual de orientação. São Paulo,
Metronidazol
2001.
Gonococcia 11. Rehme MMFB, Berzeowski G, Fonseca FV. Vulvovaginites na infância.
RBGO, v 29(3):131-3, 2001.
Probecenid + 50mg/kg (até 1g) VO + 12. Wanderley M, Magalhães EM, Trindade ER. Avaliação clínica e
laboratorial de crianças e adolescentes com queixas vulvovaginais. RBGO, v
Amoxicilina 50mg/kg (até 3g) VO dose única
22 (3): 334-8, 2000.
13. Britton H. Sexual abuse. Clin Obs Gynecol, v 40 (1): 226-40,1997.
Penicilina G procaína 100.000U/kg (até 4.800.000 unidades) 14. Fischer GO. Vulval disease in pre-pubertal girls. Austr J Dermatol, v 42:
IM dose única 225-36, 2001.
Oxiuríase
5ml ou 1cp (100mg) VO 12/12h 3 dias.
Mebendazol Repetir após 21 dias.

Perspectivas Médicas, 18(1): 33-38, jan. / jun. 2007

Você também pode gostar