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Inflamação e anti-inflamatórios

fosfolipídeos teciduais pela ação da fosfolipase A2


por um processo controlado por hormônios e outros
estímulos. Existem duas vias principais para a
A inflamação é uma resposta normal do
síntese de eicosanoides a partir do ácido
corpo em proteção a lesão tecidual causada de
araquidônico: a via da cicloxigenase e a da
diversas formas. É a tentativa do organismo em
lipoxigenase.
expelir o agente agressor e reparar o tecido
lesionado. 1. Via da cicloxigenase: são descritas duas
isoformas relacionadas das enzimas
A inflamação também pode decorrer da
cicloxigenases: a cicloxigenase-1 (COX-1) é
ativação imprópria do sistema imune, resultando
responsável pela produção fisiológica de
em doenças imunomediadas. As manifestações
prostanoides, e a COX-2 provoca o aumento
clinicas do processo inflamatório são: dor, eritema,
da produção de prostanoides em locais de
edema, hiperplasia e limitação funcional.
doença e inflamação crônicas.
A resposta inflamatória é caracterizada por 3 A COX-1 é uma “enzima constitutiva” que
fases: regula os processos celulares normais, como
a citoproteção gástrica, a homeostase
1. Aguda: caracterizada por uma vasodilatação
vascular, a agregação plaquetária e as
arteriolar e venular no local, aumento da
funções reprodutiva e renal.
permeabilidade vascular e surgimento de
A COX-2 é expressa de maneira constitutiva
edema;
em tecidos, como cérebro, rins e ossos. Sua
2. Subaguda: tem-se a migração dos leucócitos
expressão em outros locais aumenta durante
e fagócitos;
os estados inflamatórios crônicos.
3. Crônica proliferativa: instalada entre 36 e
2. Via da lipoxigenase: Alternativamente,
48h após o estimulo que ocorrem sinais de
várias lipoxigenases podem atuar no ácido
regeneração e reconstrução da matriz
araquidônico formando leucotrienos.
conjuntiva – originam a degeneração
tecidual e a fibrose. As PGs e seus metabólitos, atuam como
sinalizadores locais que fazem o ajuste fino da
É comum que quando há a desnaturação
resposta de um tipo celular específico. Suas
proteica, causada pela liberação de enzimas líticas,
funções variam, dependendo do tecido e das
tendo por consequência a atuação de fagócitos. A
enzimas específicas daquela via e que estão
alteração das proteínas, sintetizam e liberam
disponíveis naquele local específico.
substâncias intermediária de lesão como histamina,
serotonina, bradicinina, prostaglandinas, As PGs têm seu papel principal na
leucotrienos e outros. modulação da dor, da inflamação e da febre. Elas
também controlam várias funções fisiológicas,
Prostaglandinas como a secreção ácida e a produção de muco no
As prostaglandinas são as mais frequentes, e que devem ser trato gastrintestinal (TGI), a contração uterina e o
inibidas por fármacos anti-inflamatórios. fluxo de sangue nos rins. As PGs também estão
Em geral, elas atuam localmente nos tecidos, entre os mediadores químicos liberados nos
onde são sintetizadas, sendo rapidamente processos alérgicos e inflamatórios.
metabolizadas em produtos inativos em seus locais
de ação. Portanto, as PGs não circulam em Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)
quantidades significativas no sangue.
Os AINEs são um grupo de fármacos
O ácido araquidônico é o principal precursor quimicamente heterogêneos que se diferenciam na
das PGs e dos compostos relacionados. Ele é sua atividade antipirética, analgésica e anti-
componente dos fosfolipídeos das membranas inflamatória.
celulares. O ácido araquidônico livre é liberado dos
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Eles atuam, principalmente, inibindo as responsável pelo efeito analgésico dos
enzimas cicloxigenase que catalisam o primeiro AINEs.
estágio da biossíntese de prostanoides. Isso leva à OBS.: Os AINEs são usados, principalmente, para combater dores
redução da síntese de PGs, com efeitos desejados de leves a moderadas originadas de distúrbios musculosqueléticos.
e indesejados.
3. Ação antipirética: A febre ocorre quando o
OBS.: diferenças na segurança e na eficácia dos AINEs podem ser “ponto de referência” do centro
explicadas pela seletividade relativa das enzimas COX-1 ou COX-2.
A inibição da COX-2 parece levar aos efeitos anti-inflamatório e
termorregulador hipotalâmico anterior é
analgésico dos AINEs, ao passo que a inibição da COX-1 é aumentado. Isso pode ser causado pela
responsável pela prevenção dos eventos cardiovasculares e pela síntese da PGE2, que é estimulada quando
maioria dos eventos adversos.
agentes endógenos causadores de febre
• Ácido acetilsalicílico (AAS) e outros anti- (pirógenos), como as citocinas, são liberados
inflamatórios não esteroides pelos leucócitos ativados por infecção,
hipersensibilidade, câncer ou inflamação. Os
O AAS pode ser considerado um AINE
AINEs diminuem a temperatura corporal em
tradicional, mas ele apresenta efeito anti-
pacientes febris, impedindo a síntese e a
inflamatório apenas em dosagens relativamente
liberação da PGE2. Isso rapidamente baixa
altas, raramente usadas. Ele é mais usado em
a temperatura corporal de pacientes febris,
dosagens baixas para a prevenção de eventos
aumentando a dissipação do calor como
cardiovasculares, como o acidente vascular
resultado da vasodilatação periférica e da
encefálico (AVE) e o infarto do miocárdio (IM). O
sudoração.
AAS é diferenciado dos outros AINEs,
frequentemente, por ser um inibidor irreversível da OBS.: Os AINEs não têm efeito sobre a temperatura normal do
organismo.
atividade da cicloxigenase.
Usos terapêuticos:
Mecanismo de ação: O AAS é um ácido orgânico
fraco que acetila irreversivelmente e, assim, inativa ➢ Usos anti-inflamatório e analgésico:
a cicloxigenase. Todos os outros AINEs são Esses fármacos também são usados para
inibidores reversíveis da cicloxigenase. tratar condições comuns que requerem
Os AINEs, inclusive o AAS, realizam três ações analgesia (p. ex., cefaleia, artralgia, mialgia
terapêuticas principais: reduzem a inflamação e dismenorreia). O acréscimo de AINEs pode
(afeito anti-inflamatório), a dor (efeito analgésico) e levar a um efeito poupador de opioide, ao
a febre (efeito antipirético). permitir o uso de dosagens menores desse
fármaco. Os salicilatos exibem apenas
1. Ação anti-inflamatória: A inibição da
atividade analgésica em dosagens baixas.
cicloxigenase diminui a formação de PGs e,
Somente em dosagens mais altas eles têm
assim, modula os aspectos da inflamação
atividade anti-inflamatória (por exemplo, dois
nos quais as PGs atuam como mediadoras. comprimidos de 325 mg de AAS administrados quatro vezes
ao dia produzem analgesia, ao passo que 12-20
OBS.: Os AINEs inibem a inflamação na artrite, mas não evitam o
comprimidos diários de 325 mg produzem analgesia e
avanço da doença nem induzem remissão.
atividade anti-inflamatória).
2. Ação analgésica: Acredita-se que a PGE2 ➢ Uso antipirético: AAS, ibuprofeno e
sensibiliza as terminações nervosas à ação naproxeno podem ser usados para combater
da bradicinina, da histamina e de outros a febre.
mediadores químicos liberados localmente ➢ Aplicações cardiovasculares: O AAS é
pelo processo inflamatório. Assim, usado para inibir a aglutinação plaquetária.
diminuindo a síntese de PGE2, a sensação Doses baixas de AAS inibem a produção de
de dor pode diminuir. Como a COX-2 é TXA2 mediada por COX-1, reduzindo, assim,
expressa durante inflamações e lesões, a vasoconstrição e a aglutinação de
parece que a inibição dessa enzima é plaquetas mediada por TXA2 e o

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subsequente risco de eventos da formação do trombo) é reduzida,
cardiovasculares. Doses baixas de AAS são produzindo efeito antiplaquetário com
usadas profilaticamente para (1) reduzir o aumento do tempo de sangramento. Por
risco de eventos cardiovasculares esse motivo, o uso do AAS é suspenso ou
recorrentes e/ou morte em pacientes com IM não é administrado por pelo menos uma
prévio ou angina de peito instável; (2) reduzir semana antes de uma cirurgia. Além do
o risco de ataques isquêmicos transitórios AAS, outros AINEs não são usados por seu
(AITs) recorrentes ou AVEs; e (3) reduzir o efeito antiplaquetário, mas podem prolongar
risco de eventos cardiovasculares ou morte o tempo de sangramento.
em pacientes de alto risco, como aqueles OBS.: Os AINEs podem bloquear a ligação do AAS à cicloxigenase
com angina estável crônica ou diabetes. se forem usados simultaneamente. Pacientes que usam AAS para a
cardioproteção devem evitar, se possível, o uso concomitante de
OBS.: Como o AAS inibe irreversivelmente a COX-1, o efeito AINEs.
antiplaquetário persiste por toda a vida da plaqueta. O uso crônico
de doses baixas assegura a inibição continuada conforme novas ➢ Ação sobre os rins: Os AINEs previnem a
plaquetas vão sendo produzidas. O AAS também é usado para
diminuir o risco de morte em IM agudo e em pacientes submetidos a
síntese de PGE2 e PGI2, PGs responsáveis
certos procedimentos de revascularização. pela manutenção do fluxo sanguíneo renal.
A diminuição da síntese de PGs pode
Efeitos adversos: Devido aos eventos adversos, é
resultar na retenção de sódio e água e,
preferível usar os AINEs na menor dosagem eficaz
consequentemente, causar edema em
e pelo menor tempo possível.
alguns pacientes.
➢ Efeitos TGI: Normalmente, a produção de ➢ Efeitos cardíacos: Fármacos como o AAS,
PGI2 inibe a secreção de ácido gástrico, e a com alto grau de seletividade pela COX-1,
PGE2 e a PGF2α estimulam a síntese de mostraram efeito protetor cardiovascular
muco protetor no estômago e no intestino provavelmente devido à redução na
delgado. Fármacos que inibem a COX-1 produção de TXA2. Fármacos com maior
diminuem os níveis benéficos dessas PGs, seletividade relativa para a COX-2 são
resultando em aumento da secreção de associados ao aumento do risco de eventos
ácido gástrico, diminuição da proteção da cardiovasculares, possivelmente por
mucosa e aumento do risco de sangramento diminuir a produção de PGI2 mediada pela
GI e ulcerações. Fármacos com maior COX-2.
seletividade relativa para a COX-1 podem ter OBS.: O aumento do risco de eventos cardiovasculares, incluindo IM
maior risco de eventos GI se comparados e AVE, é associado a todos os AINEs, com exceção do AAS. O uso
àqueles com menor seletividade pela COX-1 de AINE, exceto AAS, é desaconselhado em pacientes com doença
cardiovascular estabelecida.
(isto é, maior seletividade pela COX-2).
OBS.: Os AINEs devem ser tomados com alimento ou líquido para
➢ Toxicidade: A intoxicação por salicilatos
diminuir o desconforto GI. pode ser leve ou grave. A forma leve é
OBS.: Se os AINEs forem usados em pacientes com risco alto de
denominada de salicilismo, sendo
eventos GI, inibidores da bomba de prótons ou misoprostol devem caracterizada por náuseas, êmese,
ser usados concomitantemente para prevenir úlceras induzidas pelos hiperventilação acentuada, cefaleia,
AINEs.
confusão mental, tontura e zumbidos
➢ Aumento do risco de sangramentos (zunidos e ruídos auriculares). Doses
(efeito antiplaquetário): O TXA2 aumenta a elevadas de salicilatos podem causar
aglutinação das plaquetas, ao passo que a intoxicação grave gerando agitação, delírio,
PGI2 a reduz. O AAS inibe irreversivelmente alucinação, convulsão, coma, acidose
a formação de TXA2 mediada por COX-1, e respiratória e metabólica e até morte por
outros AINEs a inibem reversivelmente. insuficiência respiratória.
Como resultado da diminuição de TXA2, a
aglutinação plaquetária (o primeiro estágio
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• Celecoxibe

É um inibidor seletivo da COX-2,


significativamente mais seletivo para inibir a COX-2
do que a COX-1. A inibição da COX-2 é reversível.

Usos terapêuticos: No tratamento da dor, a eficácia


do celecoxibe é similar à dos AINEs.
Efeitos adversos: Cefaleia, dispepsia, diarreia e dor
abdominal são os efeitos adversos mais comuns do
celecoxibe. Quando usado sem o tratamento
concomitante com AAS, o celecoxibe provoca
menos sangramento GI e dispepsia do que outros
AINEs. O celecoxibe oferece risco de eventos
cardiovasculares similar ao de outros AINEs. Ele
deve ser usado com cautela em pacientes alérgicos
a sulfonamidas. Os pacientes que apresentaram
reações anafilactoides ao AAS ou aos AINEs não
seletivos correm o risco de apresentar efeitos
similares com celecoxibe. Os inibidores do
CYP2C9, como fluconazol e fluvastatina, podem
aumentar os níveis séricos de celecoxibe.

• Paracetamol (Acetaminofeno)

Ele inibe a síntese das PGs no SNC. Exerce


menor efeito sobre as cicloxigenases nos tecidos
periféricos devido à inativação periférica, o que Anti-inflamatórios esteroides
contribui para a sua fraca atividade anti-
inflamatória. Esse fármaco não afeta a função Glicocorticoides são hormônios sintéticos
plaquetária nem aumenta o tempo de sangramento. que mimetizam as ações do cortisol endógeno,
O paracetamol não é considerado um AINE. secretado pela zona cortical da glândula adrenal.
São obtidos por modificações na estrutura química
Usos terapêuticos: é um substituto adequado para do hormônio original. A pesquisa farmacológica
os efeitos analgésicos e antipiréticos dos AINEs em gerou grande número de glicocorticoides com
pacientes com problemas ou riscos gástricos, nos diferentes potências, alguns atributos especiais e
quais o prolongamento do tempo de sangramento amplo uso terapêutico. Eles têm propriedade
não é desejável, e naqueles que não necessitam da imunomoduladoras e linfolíticas sendo aproveitados
ação anti-inflamatória dos AINEs. em terapias imunossupressoras.
Efeitos adversos: em dosagens altas, a glutationa Glicocorticoides são os mais eficazes anti-
disponível no fígado se esgota, e a NAPQI reage inflamatórios; pois promovem a melhora
com o grupo sulfidrila das proteínas hepáticas, sintomática de uma série de manifestações clínicas,
formando ligações covalentes. Pode ocorrer sem afetar a evolução da doença básica.
necrose hepática, uma condição muito grave e
potencialmente fatal. Os pacientes com doença Os corticoides difundem-se a quase todas as
hepática, hepatite viral ou história de alcoolismo células e ligam-se a proteínas receptoras
correm mais riscos de hepatotoxicidade induzida citoplasmáticas, com alto grau de afinidade e
pelo paracetamol. especificidade, para regular expressão de genes
responsivos a corticoides. Eles determinam

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modificação conformacional nos receptores e sua ➢ A melhora de sintomas e o não retorno da
translocação ao núcleo, onde ativam a transcrição doença no futuro deve ser o objetivo
gênica por meio de interação com específicas terapêutico;
sequências de DNA. Processa-se mRNA que, no ➢ A suspensão de um tratamento prolongado
citoplasma, ativa síntese de proteínas específicas e deve ser feita de maneira lenta e gradual.
peptídeos reguladores que controlam a função
Usos terapêuticos:
celular. Embora geralmente haja aumento na
expressão de genes-alvo, os corticoides podem • Em procedimentos cirúrgicos, para suprimir
diminuir a transcrição desses genes, como ocorre a inflamação aguda;
com a de algumas citocinas, cuja regulação • Contra reações alérgicas, como
inibitória tem papel nas ações anti-inflamatórias· e coadjuvantes de epinefrina;
imunomoduladoras de corticoides. Como certo • Pode ser usado de maneira tópica;
tempo é requerido para que ocorram alterações de
expressão gênica e síntese proteica, os efeitos dos
corticoides não são imediatos, só ocorrendo após
várias horas.
Dentre as proteínas corticoide-induzidas,
estão vasocortina e lipocortina que inibem,
respectivamente, a liberação de substâncias
vasoativas e fatores quimiotáticos e a enzima
fosfolipase A2, responsável pela transformação de
fosfolipídios de membrana em ácido araquidônico.
Com isso, não há síntese de prostaglandinas e
prostaciclinas (rota da cicloxigenase) e leucotrienos
(rota da lipoxigenase), elementos da reação
inflamatória.
Em altas concentrações teciduais, os
corticoides estabilizam lisossomas, impedindo a
liberação de enzimas lipolíticas e proteolíticas.
Inibem a resposta de acúmulo de macrófagos,
induzida pelo fator de inibição de migração (MIF),
liberado pelos linfócitos durante a interação
antígeno-anticorpo. Com isso, há diminuição da
fagocitose e digestão dos antígenos. Ainda ocorre Referências:
inibição da produção de IL1 e IL2 a partir dos EDITORIA DE WANNMACHER, Lenita;
macrófagos, impedindo a replicação de linfócitos T FERREIRAS, Maria Beatriz Cardoso
que se segue ao estímulo antigênico. Como (editora). Farmacologia clínica para dentistas.
moduladores da reação imunitária, esses 3.ed. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
compostos alteram predominantemente 545. p
subpopulações de linfócitos.
GOODMAN & GILMAN. As Bases
Indicações: Farmacológicas da Terapêutica. 12ª Ed. Rio de
➢ Em doenças ou manifestações responsivas Janeiro; Editora Guanabara Koogan. 2012.
a eles; WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T.
➢ Devem ser usados em última opção; A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre:
➢ Sempre se deve usar as menores doses Artmed, 2016.
eficazes, pelo menor tempo possível;
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