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FACULDADE ÚNICA

DE IPATINGA

FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO II
SUMÁRIO

Unidade 1:

Conceitos básicos em fisiologia do exercício ..............................................................

Unidade 2:

Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais ...........................

Unidade 3:

Exercícios para gestantes ..........................................................................................

Unidade 4:

Exercício e estresse térmico. .....................................................................................

Unidade 5:

Efeitos da utilização de Recursos ergogênicos no desempenho. ..............................

Unidade 6:

Efeitos fisiológicos agudos e crônicos do exercício físico............................................


INTRODUÇÃO

Assumir a postura de um profissional que se apresente como mediador do


conhecimento é compreender a diversidade e as complexidades que surgem na
individualidade de cada educando diante de suas necessidades e potencialidades.
Estudar em EaD não é uma tarefa tão fácil como muitos pensam, os desafios
são constantes. Vale ressaltar que esta modalidade também permite muitas vantagens
na aquisição de um curso superior, como a possibilidade da interatividade entre
colegas, tutores e técnicos administrativos que auxiliam na construção da
aprendizagem dentro do conforto de sua casa.
O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) disponibiliza uma gama de recursos,
tecnologias da comunicação e ferramentas de apoio à aprendizagem que permitem a
interação acima, entre elas estão: fóruns, chats, videoconferências, simulações e
exercícios on-line.
Não poderíamos esquecer que muitas pessoas gostam de ler e estudar o
material de maneira física, fazendo suas anotações, grifos e dialogando com os autores
a partir de comentários ou apresentando dúvidas para serem sanadas pelo tutor ou
para serem compartilhada com os colegas.
Buscando mais uma alternativa para apoiar os(as) alunos(as) em seus estudos,
esta coletânea foi elaborada com o objetivo de facilitar a impressão de todos os
capítulos de livros que estão disponibilizados no Ambiente Virtual de Aprendizado
(AVA) para quem deseja estudar no material físico sem precisar imprimir os arquivos
separados por unidades. Desta forma, o aluno poderá ter acesso a todos os textos que
serão fundamentais para as atividades da disciplina em um só material.
Bom trabalho e aproveite cada instante da oportunidade de construir
conhecimento, pois este é um pilar fundamental para sua formação.
Um abraço,
Equipe Pedagógica
FISIOLOGIA
APLICADA À
FISIOTERAPIA

Marília Rossato Marques


Conceitos básicos em
fisiologia do exercício
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar as adaptações que ocorrem no organismo quando há


realização de atividade física ou exercício.
„„ Reconhecer as principais rotas metabólicas e como elas funcionam
durante o exercício físico.
„„ Relacionar os principais tipos de exercícios físicos com as rotas me-
tabólicas predominantes.

Introdução
O nosso organismo necessita continuamente de energia, seja para realizar
uma atividade física ou apenas se manter em repouso e desempenhar as
funções biológicas básicas. Ao realizar um exercício físico, o corpo ativa
mecanismos, a fim de produzir mais energia, em contrapartida, também
pode apresentar gastos energéticos durante esse processo.
É indispensável que o fisioterapeuta compreenda os efeitos dos
diferentes exercícios físicos no organismo e quais são os principais me-
canismos metabólicos envolvidos na realização desses exercícios. Esse
conhecimento será diretamente utilizado para que a intervenção fisio-
terapêutica seja planejada e definida.
Dessa forma, neste capítulo, você irá estudar os conceitos básicos da
fisiologia do exercício.
2 Conceitos básicos em fisiologia do exercício

Adaptações do organismo ao exercício físico


Quando você realiza um exercício físico, é necessário que diversos sistemas
do seu organismo sejam ativados de forma integrada. O conjunto de mudanças
que acontecem envolve modificações no metabolismo e na homeostase cor-
poral, a fim de proporcionar adaptações ao exercício realizado. Ao iniciar um
movimento, receptores sensoriais presentes nos seus músculos e articulações
(mecanorreceptores e proprioceptores) são ativados, enviando informações
para o seu encéfalo, mais especificamente para o córtex motor. Por meio de vias
descendentes do córtex motor, centros de controle no bulbo são estimulados e
adaptações no organismo são iniciadas (SILVERTHORN, 2010).
No sangue, por exemplo, as concentrações de hormônios, como o glu-
cagon, cortisol, catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) e hormônio do
crescimento, são alteradas. Essas modificações são indispensáveis para que o
organismo obtenha energia para a realização do exercício físico. O glucagon,
o cortisol e as catecolaminas, por exemplo, atuam mobilizando o glicogênio
do fígado para a corrente sanguínea, aumentando os níveis plasmáticos de
glicose, o principal substrato energético dos músculos para a execução de um
exercício. O cortisol, as catecolaminas e o hormônio do crescimento ainda
atuam na conversão de triacilgliceróis em glicerol e ácidos graxos. De forma
associada, a secreção de insulina é diminuída durante o exercício físico, favo-
recendo a baixa captação de glicose pelas demais células corporais e poupando
a glicose no sangue para que possa ser utilizada pelos músculos esqueléticos
na conversão em energia (SILVERTHORN, 2010; HEYWARD, 2004).
No sistema respiratório, as respostas acontecem em decorrência ao estímulo
proveniente do centro de controle respiratório, que é retroalimentado pelas
informações sensoriais. A frequência e a amplitude da respiração aumentam,
resultando na hiperventilação (hiperpneia do exercício). Durante e após o
exercício físico, é observado um aumento no consumo de oxigênio para suprir
a necessidade de oxigênio para o metabolismo aeróbio. Ao cessar o exercício,
o consumo de oxigênio pós-exercício está relacionado à necessidade de usar o
oxigênio para metabolizar o lactato, restaurar a concentração de FCr (fosfato
de creatina) e ATP (adenosina trifosfato), bem como restabelecer a ligação
entre a mioglobina e o oxigênio (SILVERTHORN, 2010; HEYWARD, 2004).
De forma semelhante, o centro de controle cardiovascular, localizado no
bulbo, estimula o sistema cardiovascular e, portanto, mais sangue é ejetado
a cada contração cardíaca (volume sistólico). A frequência cardíaca ainda é
aumentada, promovendo um aumento do débito cardíaco. O fluxo sanguíneo
periférico também é modificado e os músculos recrutados durante o exercício
Conceitos básicos em fisiologia do exercício 3

recebem um maior aporte sanguíneo, enquanto outros tecidos não diretamente


exercitados têm as suas arteríolas em vasoconstrição. Além disso, ocorre um
aumento na pressão sanguínea (SILVERTHORN, 2010; HEYWARD, 2004).
Grande parte da energia produzida durante o exercício físico é liberada sob
a forma de calor, o que aumenta a temperatura corporal. Em consequência,
dois mecanismos termorregulatórios são ativados: a sudorese e o aumento
do fluxo sanguíneo cutâneo. Porém, ao mesmo tempo em que a temperatura
corporal é diminuída pelo resfriamento gerado pela evaporação do suor, a
sudorese leva à perda de líquidos, podendo causar desidratação.
Em resposta à desidratação, há a ativação do processo de conservação de
água nos rins associada à percepção de sede. O aumento do fluxo sanguíneo
cutâneo também pode interferir na homeostase do organismo, pelo fato de
diminuir a resistência periférica e desviar o fluxo sanguíneo dos músculos. Se
a pressão venosa central tiver uma redução significativa por esse processo de
termorregulação, o fluxo sanguíneo é normalizado para que o fluxo sanguíneo
perfunda normalmente o sistema nervoso central (SNC) (SILVERTHORN,
2010; HEYWARD, 2004).
Toda a ação integrada do metabolismo corporal e dos mecanismos de
manutenção de homeostase diante do exercício físico permite que o organismo
mantenha a sua estabilidade. Essa habilidade permite que o organismo evite
ser submetido a alterações bruscas que criem risco ao seu funcionamento
(Figura 1).

Rotas metabólicas
Para que o nosso organismo realize as suas funções, é necessário que seja pro-
duzida energia. Essa energia química pode ser obtida pela quebra da molécula
de ATP, o que faz com que um dos três grupos fosfato seja removido dessa
molécula. Devido a essa importante função, o ATP é conhecido como a moeda
energética dos seres vivos, a qual permite que exista energia para ser utilizada
durante processos químicos, mecânicos (como a contração da musculatura),
elétricos (como a propagação de um estímulo nervoso pelo sistema nervoso),
entre outros (SILVERTHORN, 2010; TORRES; MARZZOCO, 2007).
Para iniciar um exercício, é necessário ter energia para que ocorra contração
da musculatura esquelética e que essa energia seja obtida por vias metabólicas.
Inicialmente, a energia é proveniente da quebra de moléculas de ATP existentes
nas fibras musculares. No entanto, pouco ATP existe nas fibras musculares,
permitindo sustentar apenas um ou dois segundos de contração muscular
4

DÉBITO CARDÍACO EM REPOUSO 5,8 L/min DÉBITO CARDÍACO DURANTE O EXERCÍCIO VIGOROSO OU INTENSO 25,6 L/min

Encéfalo 13% Encéfalo 3%

Débito cardíaco Débito cardíaco


= 5,8 L/min = 25,6 L/min
4% 4%
Conceitos básicos em fisiologia do exercício

19% 1%
Rim Rim

Trato GI 24% Trato GI 1%

9% 2,5%
Pele Pele

10% 0,5%
Outros tecidos Outros tecidos

21%
Músculos Músculos
esqueléticos 88%
esqueléticos

Figura 1. Modificação da distribuição do fluxo sanguíneo durante a realização de um exercício físico vigoroso.
Fonte: Silverthorn (2010, p. 820).
Conceitos básicos em fisiologia do exercício 5

intensa, por isso, existem diferentes rotas metabólicas que proporcionam essa
energia para a realização do exercício físico: a via anaeróbia alática, a via
anaeróbia lática e a via aeróbia. As principais diferenças entre essas vias são
a velocidade com que ocorrem, a necessidade ou não de o oxigênio participar
da reação e a produção ou não de lactato (SILVERTHORN, 2010; HEYWARD,
2004; TORRES; MARZZOCO, 2007).
Para dar continuidade ao exercício, ocorre a via anaeróbia alática que
necessita da participação da molécula de FCr presente na fibra muscular.
Porém, esta também é uma via rápida e, se o exercício necessitar ser mais
longo, outras vias deverão ser ativadas para a obtenção do ATP. Conforme a
disponibilidade de oxigênio, a via poderá ser a via anaeróbia lática, em caso
de ausência de oxigênio, ou via aeróbia (fosforilação oxidativa), na presença de
oxigênio. Essas vias ocorrem a partir de substratos provenientes de nutrientes,
principalmente a glicose, que pode ser obtida não apenas pela ingestão de
glicose livre, mas também em forma de amido, sacarose e lactose. Parte dos
substratos que serão utilizados pelas vias metabólicas anaeróbia lática e aeróbia
está localizado nas fibras musculares, enquanto a outra parte é direcionada
pela corrente sanguínea de outras estruturas do corpo, como o fígado e o
tecido adiposo, chegando até a musculatura esquelética (SILVERTHORN,
2010; HEYWARD, 2004; TORRES; MARZZOCO, 2007).
As diferentes fibras musculares que existem na musculatura esquelética
apresentam características diferenciadas e, por isso, têm a capacidade de
obter energia preferencialmente por uma via ou outra. As fibras tipo I, por
exemplo, são denominadas fibras lentas oxidativas. Essas fibras são altamente
vascularizadas e ricas em mitocôndrias e mioglobina, tendo a capacidade de
produzir ATP pela oxidação aeróbia. Por outro lado, as fibras tipo II, também
conhecidas como fibras rápidas, têm poucas mitocôndrias e mioglobina, bem
como poucas enzimas do metabolismo aeróbio e resistência à fadiga. Além
disso, essas fibras tipo II têm maior capacidade de realizar a contração mus-
cular com grande velocidade por meio da via da glicólise anaeróbia, a qual
utiliza a glicose e o glicogênio como substratos para obter energia (TORRES;
MARZZOCO, 2007).
A distribuição dos tipos de fibras musculares pela musculatura esquelética
é variada e determinada pelo modo de utilização dessa musculatura. Além
disso, o exercício físico é um importante estímulo para a transformação mus-
cular, podendo converter um tipo de fibra em outro. A musculatura de atletas
maratonistas que correm longas distâncias, por exemplo, tem predominância
de fibras lentas do tipo I, enquanto os corredores de curta distância têm maior
quantidade de fibras rápidas do tipo II (TORRES; MARZZOCO, 2007).
6 Conceitos básicos em fisiologia do exercício

Via anaeróbia alática (ATP-CP)


Essa rota metabólica envolve o sistema fosfagênico, pois utiliza o FCr em sua
via e, por isso, pode também receber o nome de via ATP-CP (CP do inglês
creatine phosphate). Essa via é nomeada como anaeróbia alática por não
precisar de oxigênio e não produzir lactato.
O FCr existe em pequena quantidade nas fibras musculares, sendo produ-
zido nos períodos de repouso, por isso se torna uma via bastante limitada ao
sustentar apenas 15 segundos de exercício físico. Ao mesmo tempo, também
é uma via que permite um exercício físico de alta intensidade e rápido, pois
as suas reações ocorrem rapidamente, liberando energia para o exercício
(SILVERTHORN, 2010; TORRES; MARZZOCO, 2007).
Tal via ocorre pela conversão da adenosina difosfato (ADP), proveniente
da quebra do ATP que existia nas fibras musculares, para ATP por ação
do FCr. Isso acontece pela quebra da molécula de FCr pela ação da enzima
creatina quinase, liberando um fosfato que irá se ligar à molécula de ADP,
formando uma molécula de ATP. O rendimento final dessa via é a produção
de uma molécula de ATP para cada molécula de FCr (SILVERTHORN, 2010;
TORRES; MARZZOCO, 2007).

Via anaeróbia lática (glicólise)


Nessa via, a glicose é utilizada para produzir energia. A conversão da glicose
até a molécula de piruvato rende pouco ATP, quando comparado à via aeróbia,
no entanto, trata-se de um processo utilizado por diversas células do nosso
corpo, além das fibras musculares, como, por exemplo, as hemácias, as células
na medula renal, os espermatozoides, etc. (SILVERTHORN, 2010; TORRES;
MARZZOCO, 2007).
É uma rota que não necessita de oxigênio, mas produz lactato. A partir de
uma molécula de glicose, ocorre o processo de glicólise, ou seja, a separação
dessa molécula que dará origem a dois piruvatos. Durante esse processo, ocorre
uma grande liberação de hidrogênio, o que poderia deixar a célula ácida. Para
evitar essa acidez, o transportador de elétron, nomeado como nicotina adenina
dinucleotídeo (NAD), liga-se ao hidrogênio, formando o composto NADH.
Na sequência, o NADH se liga ao piruvato, formando a molécula de lactato
(SILVERTHORN, 2010; TORRES; MARZZOCO, 2007).
Conceitos básicos em fisiologia do exercício 7

Diferentemente do que muitos afirmam de maneira incorreta, essa reação


não produz ácido lático seguido de acidose pelo aumento da quantidade de
prótons e lactato no plasma. A molécula formada é o lactato e, nesse processo,
ocorre o consumo de prótons e não a sua produção. Os prótons produzidos
nessa via são provenientes da intensa hidrólise de ATP. A produção do ATP por
essa via é 2,5 vezes mais rápida do que a via aeróbia, porém, são produzidas
apenas 2 moléculas de ATP para cada molécula de glicose (SILVERTHORN,
2010; TORRES; MARZZOCO, 2007).

Via aeróbia (oxidativo)


A via aeróbia também utiliza a glicose para produzir energia, no entanto,
rende muito mais ATP do que a via anaeróbica lática. Ela se diferencia das
vias anteriores por ocorrer a fosforilação oxidativa ao utilizar oxigênio du-
rante o processo de produção de energia. Nessa rota, além da glicose, pode
ser utilizado como substrato energético o glicogênio, os ácidos graxos ou os
aminoácidos (SILVERTHORN, 2010).
Quando a célula tem adequada quantidade de oxigênio para o metabolismo
aeróbio, as moléculas de piruvato são deslocadas para o interior das mitocôn-
drias das células. Ao chegar à matriz mitocondrial, as moléculas de piruvato são
quebradas em acetil e associadas à coenzima, formando o acetilcoenzima-A
(AcetilCoA). A partir desse momento, é dado início ao chamado ciclo do ácido
cítrico, também conhecido como ciclo de Krebs por ter sido descrito por Hans
A. Krebs. Esse ciclo produz uma rota circular que produz ATP, elétrons de alta
energia e dióxido de carbono dentro da mitocôndria celular (SILVERTHORN,
2010; TORRES; MARZZOCO, 2007).
No ciclo do ácido cítrico, a unidade de AcetilCoA com seus dois carbonos
se combina com uma molécula de oxaloacetato que tem quatro carbonos,
resultando em uma molécula de citrato com seis carbonos. Essa molécula
passa por diversas outras reações até retornar ao estado de oxaloacetato com
quatro carbonos. A energia produzida durante essa rota ou é capturada como
elétrons pelos transportadores NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo) e
dinucleotídeo de flavina e adenina (FAD) ou é usada em ligações fosfato de
ATP ou, ainda, é liberada em forma de calor (SILVERTHORN, 2010; TORRES;
MARZZOCO, 2007).
8 Conceitos básicos em fisiologia do exercício

O rendimento final da via aeróbia, apesar de ser mais lenta, é a produção


entre 30 e 32 moléculas de ATP para cada molécula de glicose (Quadro 1)
(SILVERTHORN, 2010; TORRES; MARZZOCO, 2007).

Quadro 1. Comparativo das vias anaeróbias e via aeróbia e seus processos metabólicos

Via anaeróbia Via anaeróbia


Via aeróbia
alática lática

Uso de O2 Não Não Sim

Produção Não Sim Não


de lactato

Quantidade 1 ATP a partir de 2 ATP para 30 a 32 ATP para


de ATP cada molécula de cada molécula cada molécula
produzida fosfato de creatina de glicose de glicose

Fonte: Adaptado de Silverthorn (2010) e Torres e Marzzoco (2007).

Vendo a Figura 2, é possível saber mais sobre a contribuição energética das principais
rotas metabólicas desencadeadas pelo exercício físico.
Contribuição Energética

100 ATP-CP Glicólise Oxidativo

50

0
0 1 2 3 4 5
Duração do Exercício

Figura 2. Gráfico representativo da contribuição energética anaeróbia e aeróbia conforme


a duração do exercício físico.
Fonte: Adaptada de McCallum (2017).
Conceitos básicos em fisiologia do exercício 9

Diferentes exercícios e suas


principais rotas metabólicas
Se você participar de uma corrida de 10 km ou de 100 m, todas as rotas me-
tabólicas terão a sua parcela de contribuição, porém, a porcentagem de uso
de cada via produtora de energia será diferente. O que determina a proporção
de contribuição de cada via para o fornecimento de energia à musculatura
esquelética para a execução de determinados exercícios físicos é a intensidade
e a duração do exercício (SILVERTHORN, 2010; HEYWARD, 2004).
Exercícios físicos que exigem grande intensidade, como corridas de curta
distância, levantamento de peso, saltos ou mergulhos, utilizam rotas metabó-
licas mais rápidas e dependentes da degradação anaeróbia de substratos, já
que não existe oxigênio suficiente para que ocorra o metabolismo aeróbio. Ao
iniciar um movimento, é utilizado o ATP presente na musculatura esquelética,
permitindo a ativação da via anaeróbia alática. No entanto, os músculos têm
pequena quantidade de ATP disponível, além de pouco FCr. Isso permite que o
exercício intenso tenha durabilidade máxima de 15 segundos (SILVERTHORN,
2010; HEYWARD, 2004).
Se houver a necessidade de continuidade no exercício físico, a muscula-
tura necessitará de energia derivada de outras fontes energéticas, como os
nutrientes armazenados e mobilizados do fígado ou do tecido adiposo, os
quais são transportados até os músculos esqueléticos pela corrente sanguínea.
Os carboidratos e as gorduras são os principais substratos para a produção de
energia (SILVERTHORN, 2010; HEYWARD, 2004).
As atividades com duração um pouco maior, mas que ainda necessitam de
muita força, em geral, recrutam a via anaeróbia lática. Isso acontece porque
a reserva muscular de oxigênio é pequena, aumentando gradual e proporcio-
nalmente a demanda muscular de ATP, por isso, uma alternativa imediata é a
degradação anaeróbia de glicose. É o caso de exercícios intensos com duração
de 1 ou 2 minutos, como as corridas de 200 e 400 metros, bem como os es-
portes que apresentam corridas intermitentes, como o basquete ou o futebol.
Nessa via, existe a necessidade de glicose, molécula obtida principalmente
dos carboidratos (SILVERTHORN, 2010; HEYWARD, 2004).
10 Conceitos básicos em fisiologia do exercício

Por fim, os exercícios de longa duração permitem uma maior adaptação


do organismo. Conforme o sistema respiratório e o sistema circulatório são
ativados e possibilitam um maior suprimento de oxigênio, aumenta-se a con-
tribuição da via aeróbia para o fornecimento de energia e cresce também o
fornecimento de ácidos graxos para a musculatura, que, aos poucos, assume
grande importância no metabolismo energético devido ao decréscimo da
reserva de glicogênio pela continuidade do exercício físico (SILVERTHORN,
2010; HEYWARD, 2004).
Dessa forma, exercícios como uma longa maratona exigem o fornecimento
de energia por um tempo muito maior, necessitando da ativação da via aeróbia.
Nessa via, a produção de ATP é mais lenta, porém, enquanto na via anaeróbia
lática existe uma produção de duas moléculas de ATP para cada molécula de
glicose, na rota aeróbia são produzidos entre 30 e 32 moléculas de ATP para
cada molécula de glicose. Essa grande quantidade de ATP produzida pela via
aeróbia é indispensável para a manutenção dos exercícios de longa duração
(SILVERTHORN, 2010; HEYWARD, 2004).

Veja na Figura 3 o ciclo do ácido cítrico (também conhecido como ciclo de Krebs),
perceba que o processo inicia com a AcetilCoA. Nessa rota circular, são produzidos
ATP, elétrons de alta energia e dióxido de carbono.

Misto de duas
Via anaeróbia vias Via aeróbia

Intensidade do exercício

Figura 3. Imagem representativa da relação das rotas metabólicas e dos tipos de exercícios
físicos.
Fonte: Adaptada de Riddell et al. (2017).
Conceitos básicos em fisiologia do exercício 11

Você já imaginou o porquê de alguns atletas como Usain Bolt conseguirem adquirir
performances motoras incríveis? A fisiologia pode explicar.
Acesse o link a seguir e veja a notícia que explica algumas características físicas
desse atleta.

https://goo.gl/o9NG7T

HEYWARD, V. H. Avaliação física e prescrição de exercício: técnicas avançadas. 4. ed. Porto


Alegre: Artmed, 2004.
MCCALLUM, S. Muscle fatigue, muscle recovery and how this knowledge applies to
rock climbers. Duluth Journal of Undergraduate Biology, v. 4, p. 12-18, 2017.
RIDDELL, M. C. et al. Exercise management in type 1 diabetes: a consensus statement.
The Lancet Diabetes & endocrinology, v. 5, n. 5, p. 377-390, 2017.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2010.
TORRES, B. B.; MARZZOCO, A. Bioquímica básica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.
12 Conceitos básicos em fisiologia do exercício

Leituras recomendadas
GUYTON, A. C.; HALL, J. E.; GUYTON, A. C. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro:
Elsevier Brasil, 2006.
HUIJSMANS, R. J. et al. The clinical utility of the GOLD classification of COPD disease
severity in pulmonary rehabilitation. Respiratory Medicine, v. 102, n. 1, p. 162-171, 2008.
SWANWICK, E.; MATTHEWS, M. Energy systems: a new look at aerobic metabolism in
stressful exercise. MOJ Sports Medicine, v. 2, n. 1, p. 39, 2018.
Conteúdo:
ESTUDO DO
MOVIMENTO III:
FISIOLOGIA DO
EXERCÍCIO

Gustavo Leite Camargos


Fundamentos da fisiologia
do exercício para
populações especiais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a fisiologia do exercício como ferramenta de auxílio na


prescrição e montagem do programa de exercícios.
 Apresentar os efeitos fisiológicos de base para interpretação das ne-
cessidades do exercício físico.
 Discutir as condutas iniciais para o atendimento e prescrição do
exercício.

Introdução
Para aqueles que trabalham com a prescrição de exercício físico, o co-
nhecimento em fisiologia do exercício é altamente necessário, pois é
extremante importante conhecer a ampla gama de respostas ao exercício,
incluindo aquelas que ocorrem no âmbito de uma determinada classe
de doenças, bem como entre as diferentes condições especiais.
Neste capítulo, você conhecerá a importância do conhecimento em
fisiologia do exercício na prescrição e aplicação de programas de exercício
físico com ênfase em grupos especiais. Assim, ampliará seu conhecimento
sobre as principais modificações fisiológicas ocorridas nas condições
especiais apresentadas, compreendendo o possível papel do exercício
no seu tratamento. Além disso, conhecerá as principais condutas para
o atendimento às respectivas populações especiais, com destaque para
suas individualidades e aspectos mais importantes.
2 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

A fisiologia na prescrição e montagem


de programas de exercícios
O conhecimento em fisiologia do exercício é essencial para compreender quais
são as demandas impostas ao organismo, dependendo dos tipos e métodos de
treinamento utilizados, e quais poderão ser as respostas e adaptações provo-
cadas (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). A aptidão física é um estado
de funcionamento corporal caracterizado pela capacidade do indivíduo em
tolerar o estresse do exercício. Como diferentes tipos de exercícios envolvem
diferentes capacidades para serem realizados, a aptidão física abrange um
conjunto de componentes, como força, potência e resistência musculares,
a resistência cardiorrespiratória, a flexibilidade, a composição corporal e a
agilidade. E para promover melhorias nesses componentes da aptidão física, é
importante conhecer antes de mais nada quais são as variáveis relevantes e as
relações de estímulos necessários para promover as modificações (POWERS;
HOWLEY, 2017; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Apenas assim é
possível estabelecer um diagnóstico correto das necessidades do indivíduo
(EHRMAN et al., 2017).
Quando trabalhamos com grupos especiais, esses conhecimentos se tornam
ainda mais urgentes, pois estamos lidando com indivíduos que apresentam
algum problema de saúde ou alguma condição de caráter irreversível que
pode interferir diretamente na prática esportiva, ou que exigem cuidados
específicos para participarem de algum programa de exercício físico. Nesse
contexto, podem ser incluídos idosos e indivíduos com alguma condição
cardiovascular ou alteração metabólica como diabetes, obesidade e câncer
(ROBERGS; ROBERTS, 2002; ACSM, 2018).
Para cada uma das condições citadas, se torna importante compreender
as principais modificações fisiológicas associadas e como o exercício físico
deve ser prescrito, ou seja, quais são as principais diretrizes de prescrição e as
principais variáveis fisiológicas de controle e avaliação. Assim, é necessário
compreender, por exemplo, as principais modificações vasculares e neuromus-
culares no indivíduo idoso, a fim de promover uma prescrição adequada, que
permita adaptações específicas e melhora nas variáveis necessárias (POWERS;
HOWLEY, 2017; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).
Além disso, o conhecimento das variáveis fisiológicas e de como elas se
comportam nas condições especiais permite o controle adequado da intensi-
dade do exercício. Em cardiopatas e hipertensos que usam betabloqueadores,
por exemplo, o exercício irá promover competição pela ligação de adrenalina
e noradrenalina nos receptores beta-adrenérgicos cardíacos, o que reduz a
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 3

frequência cardíaca (FC) e o vigor da contração miocárdica durante o esforço


físico. Assim, ter esse conhecimento é importante ao prescrever exercícios e
interpretar os resultados dos testes de esforço de indivíduos que tomam esse
tipo de medicamento, dentre outros (EHRMAN et al., 2017; ACSM, 2018).
Um fisiologista do exercício capacitado deve possuir ampla gama de co-
nhecimentos nas seguintes áreas: anatomia, fisiologia, química, biologia e
psicologia, além, é claro, do conhecimento sobre prescrição de exercício físico.
Os fisiologistas do exercício avaliam, planejam ou implementam programas
de condicionamento que incluem exercícios físicos destinados a melhorar
a função cardiorrespiratória, a composição corporal, a força e a resistência
muscular e a flexibilidade (EHRMAN et al., 2017).
Sendo assim, é possível afirmar que conhecimentos em fisiologia do exer-
cício para prescrição de programas permitem promover melhores resultados,
com base em análises de dados e levantamentos da condição de cada indivíduo.
Conhecer todas as respostas fisiológicas durante a realização de diferentes
modalidades e intensidades de exercícios permitirá ao profissional ser mais
assertivo na sua prescrição e, principalmente, prestar um trabalho de maior
qualidade, segurança e eficiência para seu aluno, cliente ou paciente, com
atenção especial aos indivíduos que possuem alguma condição especial ou
alguma doença diagnosticada (EHRMAN et al., 2017; POWERS; HOWLEY,
2017; MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).

Efeitos fisiológicos para interpretação


das necessidades de exercício físico
Como já destacado, os grupos especiais englobam um conjunto de indivíduos
que apresentam alguma condição especial. A fim de promover uma melhor
organização e entendimento dessas condições, serão apresentadas as principais
alterações fisiológicas para as seguintes condições, nessa ordem: crianças e
adolescentes; envelhecimento; gestantes; diabetes melito; obesidade; doenças
cardiovasculares; doenças pulmonares; câncer; doenças neurodegenerativas;
transtornos mentais comuns.

Crianças e adolescentes
As crianças e adolescentes são fisiologicamente adaptáveis tanto aos treinamen-
tos aeróbicos quanto aos de força muscular (resistência). Para essa população,
o exercício físico contribui na redução dos fatores de risco cardiometabólicos,
4 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

auxiliando no controle do peso corporal, no aumento da força óssea e no


bem-estar psicossocial. Além disso, a atividade física (AF) e a aptidão física
parecem estar associadas positivamente ao melhor desempenho escolar e
cognitivo (ACSM, 2018).
Crianças apresentam menor eficiência ventilatória quando comparadas aos
adultos, além de possuírem menor amplitude e maior frequência de passadas.
Além disso, apresentam menores valores de capacidade aeróbica absoluta (l/
min) e menor capacidade de gerar potência muscular. As crianças pré-púberes,
quando comparadas às crianças púberes e aos adultos, possuem capacidade
limitada para aumentar a massa muscular, principalmente devido aos níveis
mais baixos de andrógenos (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).

Envelhecimento
A partir dos 35–40 anos de idade, a tendência é que nossa capacidade fun-
cional comece a declinar, com a deterioração variando em qualquer idade,
porém sofrendo influências genéticas, sexuais e de estilo de vida de cada um.
Nosso pico de força muscular geralmente é alcançado entre os 20 e 40 anos,
quando, então, a força concêntrica da maioria dos grupos musculares começa
a declinar (MCARDLE; KATCH; KATCH TCH, 2018). A perda de força
sofre influência direta do nível mais baixo de AF em indivíduos idosos; no
entanto, a perda acelerada que ocorre entre os 60 e 80 anos de idade decorre
da própria perda de massa muscular, inerente ao envelhecimento, chamada
de sarcopenia (POWERS; HOWLEY, 2017).
Observa-se ainda que o ritmo de perda de força é maior nos membros
inferiores do que nos membros superiores, o que se torna uma preocupação por
elevar o risco de quedas (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). No entanto, o
treinamento de força é capaz de promover alterações positivas, aumentando a
força muscular nos idosos de forma muito similar ao que ocorre em indivíduos
mais jovens (POWERS; HOWLEY, 2017). De fato, cargas equivalentes a 80%
de uma repetição máxima (1–RM) são capazes de promover tanto o aumento
de massa quanto de força muscular (Figura 1), indicando que os idosos apre-
sentam impressionante plasticidade nas características fisiológicas, estruturais
e relacionadas com o desempenho, mesmos que as capacidades de responder
aos sinais de crescimento muscular diminuíam com a idade (MCARDLE;
KATCH; KATCH, 2018).
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 5

Figura 1. Plasticidade na resposta fisiológica de resistência em dutos mais


velhos: (a) corte transversal da coxa de idoso de 92 anos antes e (b) depois
de 112 semanas de treinamento de força. Houve aumento de 44% na área
magra de corte transversal.
Fonte: Adaptada de McArdle, Katch e Katch (2018).

A potência aeróbica máxima (VO2máx) declina com o passar dos anos, em


aproximadamente 1% ao ano (0,4–0,5 ml/kg) sendo influenciada por reduções
no nível de AF e aumento no percentual de gordura corporal. A manutenção
de programas de treinamento é útil para promover menores perdas no VO2máx
e maior cinética do consumo de O2 de forma semelhante para indivíduos
jovens, sendo necessário um tempo maior para ocorrer o efeito do treinamento
(POWERS; HOWLEY, 2017). Durante o envelhecimento, ainda se observam
outras alterações cardiovasculares, como o declínio da FC e do volume sistólico,
devido à diminuição do efluxo simpático ao coração, menor débito cardíaco
e redução na complacência das grandes artérias, com consequente elevação
da pressão arterial (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).

Gestantes
A gestação é marcada por modificações fisiológicas e anatômicas progressi-
vas. O organismo da grávida está constantemente tentando adequar as suas
demandas às necessidades do feto em desenvolvimento. Para isso, vários
mecanismos tentam manter um ambiente fisiologicamente estável. As principais
adaptações cardiovasculares e metabólicas à gestação incluem um aumento
do volume sanguíneo em torno de 40–50%, ligeiro aumento do consumo do
O2, aumento do gasto energético para exercícios com sustentação de peso,
6 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

maiores valores para frequência cardíaca e aumento do débito cardíaco durante


os dois primeiros trimestres, com sua redução no terceiro trimestre, gerando
maior risco de hipotensão. Dessa forma, a implementação de um programa de
exercício físico deve levar em consideração essas modificações (POWERS;
HOWLEY, 2017).
De fato, gestantes sem contraindicações são orientadas a se exercitar ao
longo da gravidez, pois, além dos benefícios do exercício para essa população,
existe uma preocupação com os riscos a curto e a longo prazos associados ao
comportamento sedentário. Alguns dos benefícios incluem (ACSM, 2018):

 prevenção no ganho excessivo de peso durante a gestação;


 prevenção de desenvolvimento de diabetes melito gestacional;
 redução do risco de desenvolvimento de pré-eclâmpsia;
 redução dos sintomas de lombalgia;
 risco reduzido de incontinência urinária;
 prevenção e/ou melhora de sintomas da depressão;
 manutenção da aptidão física;
 prevenção de retenção de peso no pós-parto.

Atualmente, diversas evidências apontam para o benefício da prática de exercício físico


durante a gestação; no entanto, ainda existem barreiras que precisam ser quebradas,
tal como o temor de profissionais da saúde com o risco de complicações na gestação
devido ao exercício físico. Isso é lamentável, pois já é comprovado que a AF praticada
de forma regular está associada positivamente com a prevenção de várias condições
e melhora da qualidade de vida da gestante. Portanto, deve-se enfatizar a divulgação
dessas informações para o grupo de profissionais que atuam junto a essa população,
para que tenham real conhecimento sobre os riscos e benefícios da AF durante a
gestação (POWERS; HOWLEY, 2017).

Diabetes melito
Diabetes melito é um termo que abrange um grupo de doenças metabólicas
caracterizadas pela dificuldade de se produzir insulina suficiente ou de utilizá-la
de forma adequada, resultando em hiperglicemia. A insulina é um hormônio
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 7

produzido pelas células beta do pâncreas, e é extremamente necessária para


que os músculos, tecido adiposo e o fígado, consigam utilizar glicose. Os
tipos que mais acometem os indivíduos são o diabetes melito tipo 1 (DM1)
(5 a 15% dos casos) e o diabetes metilo tipo 2 (DM2) (90 a 95% dos casos)
(EHRMAN et al., 2017).
O DM1 é uma condição ocasionada principalmente pela destruição
autoimune das células beta do pâncreas, embora, em alguns casos, seja
idiopático. Pela ausência quase absoluta de insulina, o portador de DM1
tem grande tendência a desenvolver cetoacidose diabética por acúmulo de
cetonas (corpos cetônicos) devido a maior metabolismo de ácidos graxos.
Dessa forma, é prescrito insulina via injeções regulares (insulinodepen-
dentes). A cetoacidose diabética pode ocorrer principalmente se estiverem
descompensados e/ou quando a insulina encontra-se muito baixa ou o seu
uso não está correto. Os sintomas associados a essa condição incluem
dor abdominal, náusea, vômito, hálito com odor adocicado ou de fruta e
respiração acelerada ou profunda (taquipneico) (EHRMAN et al., 2017;
MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).
O DM2 acomete principalmente indivíduos acima de 40 anos; no entanto,
atualmente observa-se um aumento da sua incidência em adolescentes. Essa
condição é complexa e multifatorial, manifestando-se geralmente com resis-
tência à insulina (RI) nos tecidos periféricos e/ou secreção diminuída de tal
hormônio (EHRMAN et al., 2017). Dessa forma, o organismo é incapaz de
utilizar a insulina de modo adequado, sobretudo nos músculos esqueléticos,
gerando uma sobrecarga do pâncreas, que aumenta a produção desse hormô-
nio. Uma vez que o pâncreas não consegue mais elevar essa produção para
compensar a RI, haverá a elevação da glicemia sanguínea (hiperglicemia)
(MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).
Os fatores que influenciam o risco de desenvolver o DM2 são genéticos,
a obesidade, principalmente central (circunferência de cintura maior que 102
cm nos homens e 89 cm nas mulheres), a idade, o sedentarismo e a presença
de hipertensão; além disso, a dislipidemia parece contribuir com a sua fisio-
patologia. De fato, 80% dos indivíduos com DM2 tem excesso de peso ou são
obesos (EHRMAN et al., 2017).
Indivíduos que apresentam obesidade central e RI frequentemente evoluem
para uma condição de pré-diabetes, marcada por hiperglicemia em resposta
a dietas carboidratadas (intolerância à glicose) e/ou glicemia plasmática em
jejum elevada (intolerância à glicose em jejum) (Quadro 1). Esses indivíduos
8 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

apresentam risco elevado de desenvolver DM, uma vez que a capacidade de


secreção das células beta tende a diminuir com o tempo (ACSM, 2018). O
exercício físico é capaz de promover o aumento da sensibilidade à insulina e
melhora no transporte de glicose para as células musculares, por sinalização
celular via AMPK (POWERS; HOWLEY, 2017).

Quadro 1. Critérios diagnósticos para pré-diabetes e DM

Normal Pré-diabetes DM

HbA1c < 5,7% HbA1c = 5,7 a 6,4% HbA1c > 6,4%

GPJ < 100 mg.dl-1 GPJ = 100 a 125 mg.dl-1 GPJ > 125 mg.dl-1

GP de 2h < 140 mg.dl-1 GP de 2h = 140 GP de 2h > 199 mg.dl-1


a 199 mg.dl-1

HbA1c: hemoglobina glicada; GPJ: glicose plasmática de jejum; GP: glicose


plasmática.

Fonte: Adaptado de ACSM, (2018).

Obesidade
O sobrepeso e a obesidade são definidos com base na avaliação do índice
de massa corporal (IMC), correspondendo a 25–29,9 kg.m-2 e a 30 kg.m-2 ou
mais, respectivamente. Para todas as idades e etnias, ambas condições estão
associadas a um aumento no risco de diversas condições crônicas como doenças
cardiovasculares, DM, alguns tipos de cânceres e até alterações musculoes-
queléticas (EHRMAN et al., 2017; POWERS; HOWLEY, 2017; ACSM, 2018).
Embora o IMC seja utilizado para avaliar a obesidade, é necessária a rea-
lização de outras avaliações para corroborar o real estado do indivíduo, pois
esse dado isolado não leva em consideração sua proporção de massa gorda e
massa magra (Figura 2) (EHRMAN et al., 2017).
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 9

Figura 2. Comparação entre dois homens com


mesma estatura e mesmo peso corporal, mas com
diferenças nas outras variáveis antropométricas.
Fonte: Adaptada de Ehrman et al. (2017).

O sobrepeso e a obesidade resultam de um balanço calórico positivo a longo


prazo, associado ao consumo e ao gasto energético (CE e GE, respectivamente);
portanto, entende-se que a redução do peso exige uma elevação do GE e uma
diminuição do CE a médio e longo prazos (ACSM, 2018). O GE envolve a taxa
metabólica basal (TMB), a termogênese dos alimentos e a prática de exercício/
AF. A primeira corresponde à velocidade do gasto energético mensurado em
condições padronizadas, e representa um gasto entre 60 a 75% do total de um
indivíduo sedentário, sendo maior em indivíduos mais jovens e, após os 20 anos,
diminui cerca de 2 a 3% por década em mulheres e homens, respectivamente.
Além disso, o aumento do percentual de gordura corporal e dietas restritivas
prolongadas contribuem para redução da TMB. A termogênese dos alimentos
corresponde a cerca de 10 a 15% do GE total, não sendo, portanto, um preditor
de obesidade quando se avalia o GE. Por fim, a AF e o exercício representam
um gasto de até 40% do GE diário. De fato, estudos mostram uma associação
inversa entre AF e o peso corporal, havendo melhor distribuição de peso em
pessoas fisicamente ativas (POWERS; HOWLEY, 2017).
10 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

Atualmente, admite-se que uma inflamação sistêmica crônica subclínica


está associada a uma gama de doenças crônicas como a hipertensão, car-
diopatias e acidente vascular encefálico, alguns tipos de câncer, condições
respiratórias, DM2 e síndrome metabólica. Essa inflamação é caracterizada por
aumento na concentração de citocinas inflamatórias como o TNFα, interleucina
6 (IL–6), interleucina 1β (IL–1β) e proteína C reativa (PCR). A quantidade
excessiva de tecido adiposo parece promover o aumento na concentração de
alguma dessas citocinas, o que poderia justificar o elo entre a obesidade e as
variadas doenças crônicas (POWERS; HOWLEY, 2017).

Em condições normais, células chamadas adipócitos sintetizam e armazenam lipídeos,


além de liberar hormônios anti-inflamatórios como a adiponectina. No entanto, essas
mesmas células possuem a capacidade de secretar citocinas inflamatórias. De fato, o
aumento dos adipócitos, principalmente viscerais, promove maior secreção de IL–6,
concomitantemente à redução de adiponectina. Além disso, macrófagos começam
a se infiltrar no tecido adiposo aumentado, contribuindo para uma inflamação local,
onde passam a secretar TNFα. O tecido adiposo passa então a liberar ácidos graxos
livres (AGL), juntamente com a IL–6 e o TNFα no fígado, que, em seguida, cairão na
circulação geral. Esses fatores inflamatórios estimulam o fígado a secretar a PCR, e esta
é usada como marcador inflamatório (POWERS; HOWLEY, 2017).

Doenças cardiovasculares
Os principais fatores de risco associados ao desenvolvimento de doenças
cardiovasculares (DCV) são sobrepeso e obesidade, comportamento seden-
tário e componente genético (EHRMAN et al., 2017). As DCVs mais comuns
englobam a insuficiência cardíaca (IC) e hipertensão arterial sistêmica (HAS)
(EHRMAN et al., 2017; POWERS E HOWLEY, 2017; ACSM, 2018; MCAR-
DLE; KATCH; KATCH, 2018).
Pacientes que sofrem de IC apresentam uma incapacidade cardíaca em
acompanhar as demandas metabólica dos órgãos e tecidos. Essa condição
está associada principalmente ao ventrículo esquerdo (VE), podendo ser
causada por falhas na função sistólica ou diastólica (EHRMAN et al., 2017).
Cerca de 60% dos casos de IC estão associados a doença cardíaca isquêmica
(DCI), ou seja, aterosclerose coronariana, gerando infarto do miocárdio (IM),
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 11

além de consumo crônico de álcool, hipertensão a longo prazo, disfunções


das válvulas cardíacas, infecções virais e/ou outros fatores desconhecidos
(EHRMAN et al., 2017).
Essa condição gera várias adaptações fisiológicas e mudanças compen-
satórias associadas à disfunção do VE. De forma resumida, podem ocorrer
reduções da fração de ejeção, aumento da massa do VE, com volume diastólicos
e sistólicos finais elevados (insuficiência sistólica) ou diminuídos (insuficiência
diastólica), edemas ou retenção de líquido tanto pelo aumento da pressão dias-
tólica quanto pela ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (RAA)
e ainda um desequilíbrio do sistema nervoso autônomo, podendo promover
inibição da atividade parassimpática e aumento da atividade simpática, que
promove maior resistência periférica, além da diminuição da secreção de óxido
nítrico (NO) e aumento de endoteliana–1 (EHRMAN et al., 2017). O treina-
mento físico é amplamente reconhecido como um complemento extremamente
importante na terapêutica para o atendimento de indivíduos com IC crônica e
estável, promovendo melhoras no VO2pico, na função hemodinâmica central,
na regulação do sistema nervoso autônomo, na função vascular periférica e
no aumento da capacidade oxidativa do músculo esquelético dos membros e
da musculatura respiratória (ACSM, 2018).
A HAS é considerada, atualmente, a doença cardiovascular mais comum,
afetando milhões de pessoas pelo mundo. Segundo as diretrizes internacionais,
a HAS é diagnosticada quando o indivíduo apresenta pressão arterial sistólica
(PAS) em repouso maior que 139mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD)
superior a 89mmHg, confirmadas por no mínimo duas medições em pelo menos
dois dias separados, ou pela ingestão de algum medicamento anti-hipertensivo
(EHRMAN et al., 2017; ACSM, 2018).
Os fatores patogênicos que contribuem para a HAS estão associados a
aumento do débito cardíaco, da resistência periférica total (RPT) ou de ambos,
sendo mais comumente associada ao aumento da RPT (EHRMAN et al.,
2017). A manutenção de valores pressóricos elevados causa lesão no endotélio
vascular, contribuindo para o processo de aterosclerose, elevando a RPT. Dessa
forma, ocorre aumento da pós-carga cardíaca, o que contribui para remodelação
hipertrófica do VE, que, como já descrito, é uma das principais causas de IC.

Doenças pulmonares
As alterações pulmonares podem ser subdivididas em condições obstrutivas,
em que há dificuldade do fluxo de ar pulmonar, ou restritivas, em que há
redução das dimensões pulmonares (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).
12 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) envolve um conjunto de


doenças do trato respiratório que geram obstrução ao fluxo de ar, sendo as mais
comuns o enfisema e a bronquite crônica, que se manifestam mais frequen-
temente em indivíduos tabagistas crônicos; seus sintomas incluem dispneia,
hipercapnia, tosse persistente e cianose. Atualmente a asma não é considerada
uma DPOC; no entanto, suas condições ventilatórias se assemelham a uma,
e, por isso, será discutida juntamente com as DPOCs (MCARDLE; KATCH;
KATCH, 2018).
O enfisema é caracterizado por um aumento permanente e anormal dos
bronquíolos e alvéolos, devido à destruição do parênquima pulmonar sem a
presença de fibrose. Os indivíduos enfisematosos costumam apresentar uma
baixa capacidade física e sensação de dispneia extrema mediante esforços físi-
cos. Já a bronquite se manifesta como uma inflamação que, quando prolongada,
pode levar a bronquite crônica. Essa inflamação pode ser desencadeada por
agentes irritantes como a fumaça do cigarro. As membranas mucosas tendem a
se dilatar, o que eleva a produção de muco, obstruindo as veias respiratórias e
gerando a tosse crônica típica desses pacientes. Assim como no enfisema, esses
indivíduos apresentam capacidade funcional reduzida, podendo apresentar
fadiga mesmo em esforços mais leves (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).
Estudos tem demonstrado que, além das alterações pulmonares, a DPOC
contribui para a disfunção da musculatura esquelética, o que poderia, por sua
vez, contribuir para a intolerância aos exercícios nesses indivíduos. Biopsias
de músculos de pacientes com DPOC demonstraram uma menor proporção
de fibras do tipo 1 (oxidativas), o que poderia ser justificado pela hipoxemia
crônica (baixa concentração de O2 no sangue) (MCARDLE; KATCH; KA-
TCH, 2018).
Por sua vez, a asma é uma condição que acomete vários indivíduos ao
redor do mundo, caracterizada por uma inflamação e hipersensibilidade das
vias aéreas inferiores, gerando broncoconstrição. É uma condição crônica que
gera episódios recorrentes de falta de ar, sibilo, dor no peito e tosse, estando
associada a uma ampla variação de obstruções, frequentemente reversíveis.
Assim, observa-se sintomas característicos da DPOC (EHRMAN et al., 2017;
MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). Algumas metanálises sugerem que o
exercício pode ser benéfico, demonstrando melhora na quantidade de dias
sem sintomas de asma, na capacidade aeróbica, na taxa de trabalho máxima,
na tolerância ao exercício e na ventilação-minuto pulmonar (POWERS; HO-
WLEY, 2017; ACSM, 2018).
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 13

Uma atenção especial deve ser dada ao indivíduo com asma, pois os sintomas podem
ser provocados ou piorados pelo exercício, uma condição associada à broncoconstrição
induzida pelo exercício (BIE), chamada de asma induzida pelo exercício (AIE). Uma
forma de minimizar essa condição é evitar a realização de exercícios em ambientes
frios e secos, bem como com alto nível de poluição (ACSM, 2018).

Por fim, as doenças pulmonares restritivas (DPR) se caracterizam por uma


redução na mobilidade do tórax, pois os tecidos pulmonares ficam enrijeci-
dos, opondo-se à expansão torácica. Essa resistência aumentada exige maior
realização de força da musculatura inspiratória para manter uma ventilação
adequada. Dessa forma, o custo energético da ventilação se eleva, podendo
corresponder a até cerca de 50% da demanda total de O2 durante a AF. Das
condições de DPR, a que mais parece se beneficiar pela prática de exercício
físico é a doença pulmonar intersticial (fibrose pulmonar) (MCARDLE; KA-
TCH; KATCH, 2018).

Câncer
O câncer engloba um grupo de doenças caracterizadas por um crescimento
descontrolado de células anormais. Dentre as consequências mais sérias para
o sobrevivente do câncer, podemos destacar a perda de massa corporal e o seu
estado funcional, incluindo dificuldade na deambulação, fadiga séria, perda de
endurance cardiovascular e força muscular, afetando suas atividades diárias.
Dessa forma, a realização de exercícios e atividades físicas para os pacientes
durante e após as diferentes modalidades de tratamento pode auxiliar na
retomada de seu cotidiano, além de parecer prevenir recaídas (MCARDLE;
KATCH; KATCH, 2018). De fato, existe uma associação inversa entre a prática
de exercício físico regular após o diagnóstico e a recidiva do câncer, além da
mortalidade específica da doença e geral. Além disso, o exercício parece ter
um papel preventivo ao desenvolvimento de certos tipos de câncer, como o
de mama, de próstata e o colorretal (EHRMAN et al., 2017).
Os tratamentos do câncer acabam por desenvolver manifestações clínicas
como sensação de dispneia, com redução da capacidade pulmonar, fraqueza
muscular, incontinência urinária, diarreia, náuseas, vômitos, aterosclerose
prematura, miocardiopatias, disfunção sexual, anorexia, anemia, perda de
massa muscular, osteoporose, cefaleia, alterações da pressão arterial, dentre
14 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

outras (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). A reabilitação para câncer


com AF auxilia na recuperação e na retomada do estilo de vida normal, com
maior independência e capacidade funcional, mitigando a sensação de fadiga
e aumentando a força muscular e o endurance cardiovascular (ACSM, 2018;
MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).

Evidências atuais demonstram que a AF está fortemente associada a um menor risco


de desenvolvimento de câncer de cólon, com uma associação um pouco mais fraca
para o câncer de mama e de endométrio e ainda limitada para cânceres de próstata,
estômago, pâncreas, ovários e pulmão. Estima-se uma média de redução nos riscos
entre 20 a 30%, e acredita-se que esses efeitos protetivos estejam associados a múltiplos
fatores, como a redução da adiposidade central, mudanças nos biomarcadores e na
resistência a insulina, aprimoramento da função imune e menores níveis de inflamação
(KRUK; CZERNIAK, 2013).

Doenças neurodegenerativas
As duas condições neurodegenerativas mais comuns são a doença de Pa-
rkinson (DP) e doença de Alzheimer (DA), que afetam principalmente
indivíduos idosos. A DP configura-se como um transtorno neurológico
crônico e progressivo marcado por sintomas que consistem em tremores em
repouso, bradicinesia (redução da velocidade da amplitude do movimento),
rigidez, instabilidade postural e anormalidade na marcha. A sua causa ainda
é desconhecida; no entanto, parece haver influências genéticas e do meio
ambiente. Além disso, o processo de envelhecimento, respostas autoimunes
e a disfunção mitocondrial dos neurônios também parecem contribuir com
a doença. O exercício físico representa um tratamento complementar no
auxílio ao paciente com DP. De fato, a prática regular de exercícios parece
retardar as sequelas secundárias que podem afetar os sistemas musculoes-
quelético e cardiorrespiratório, além de melhorar a performance da marcha,
a qualidade de vida e a capacidade aeróbica do paciente (ACSM, 2018). Um
estudo conduzido por Zigmond e Smeyne (2014) propôs a hipótese de que
o exercício físico apresenta um papel neuroprotetor em indivíduos com DP,
mas sua comprovação ainda exige mais estudos.
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 15

A DA também é uma doença crônica que apresenta um declínio progressivo


na capacidade funcional, gerando perda gradual da autonomia do indivíduo.
É considerada a principal causa de demência nos idosos. Geralmente, co-
meça com sintomas leves, marcados pela piora da memória, principalmente
para eventos recentes, além de dificuldades de raciocínio e de julgamento e
problemas de orientação no tempo e no espaço. Na sua evolução, o indivíduo
passa a ter dificuldade de aprender coisas novas e lembrar de informações
pouco utilizadas, passando a esquecer de coisas importantes e a apresentar
comprometimento da linguagem. Estudos tem demonstrado que o nível de
AF é um fator modificável de risco que pode atenuar o declínio cognitivo
nas fases progressivas da DA. Além disso, a prática de exercícios revela-se
uma estratégia importante para melhorar as capacidades neuromotoras e as
funções cognitivas, contribuindo para a melhora da capacidade funcional e
outras complicações da DA (FORLENZA et al., 2012).

Transtornos mentais comuns


São considerados transtornos mentais comuns (TMC) as alterações do hu-
mor que, em questões epidemiológicas, atingem grande parte da população.
Abrangem a depressão, a ansiedade e os transtornos somáticos, condições
que têm sido incluídas entre os maiores problemas do século XXI, estando
relacionadas com a correria do dia a dia, pressões cotidianas, questões finan-
ceiras e familiares, bem como o trabalho (VIEIRA, 2015).
Estudos demonstram que o nível de AF está positivamente associado com
a boa saúde mental quando esta é avaliada pelo bom humor, bem-estar geral
e sintomas relativamente esporádicos de ansiedade e depressão. Entre outros
aspectos, o exercício físico regular parece modular a liberação de alguns neu-
rotransmissores como a serotonina, demonstrando ser positivo para pacientes
com depressão. A manutenção de um programa de exercícios para indivíduos
propensos a distúrbios psicológicos parece promover alegria, motivação e
sociabilização (VIEIRA, 2015).
Distúrbios do sono são uma característica marcante das condições de
TMC, e muitos medicamentos utilizados no tratamento de TMC parecem
influenciar no sono (EHRMAN et al., 2017). Um estudo realizado por Singh
et al. (2005) demonstrou que 8 semanas de treinamento de força promoveram
melhora em sintomas depressivos e na qualidade do sono em relação ao grupo
de controle, além de revelar que o treinamento de força de alta intensidade foi
mais significativo que o treinamento de baixa intensidade.
16 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

Condutas iniciais para prescrição de exercícios


O Colégio Americano de Medicina do Esporte propõe que todos os indivíduos
antes de iniciarem um programa de exercícios físicos devem passar por uma
triagem pré-participação (ACSM, 2018). Nessa etapa, deve ser avaliado seu
histórico médico de forma minuciosa, incluindo informações anteriores e
atuais a respeito de sua condição. Além disso, devem ser avaliadas as variá-
veis associadas à aptidão física relacionada à saúde (MCARDLE; KATCH;
KATCH, 2018). Devido às peculiaridades das condições aqui discutidas,
apresentaremos a seguir as principais orientações e condutas para cada uma
no que tange a prescrição de exercícios.

No link a seguir, você poderá acompanhar um vídeo de apresentação do instrumento


proposto pelo Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM) para a realização
da triagem pré-participação em exercícios.

https://qrgo.page.link/6cpdJ

Crianças e adolescentes
Crianças e adolescentes saudáveis podem iniciar um programa de exercícios
sem a necessidade de realização de teste de esforço; no entanto, se apre-
sentarem condições como asma, diabetes, obesidade ou alguma condição
cardiovascular, o teste de esforço pode ser solicitado. Em geral, podem ainda
ser realizados testes de saúde e aptidão, como, por exemplo, a bateria de testes
do FitnessGram, que avalia os seguintes componentes: composição corporal
(IMC, dobras cutâneas ou impedância bioelétrica) aptidão cardiorrespiratória;
e aptidão muscular e flexibilidade (ACSM, 2018).
Geralmente, as diretrizes de treinamento de força para adultos podem ser
aplicadas a esta população, respeitando-se as características inerentes a cada
idade (ACSM, 2018). A maneira como crianças e adolescentes respondem ao
exercício pode ser diferente de como o adulto responderia, e suas adaptações
ao treinamento estão associadas, até certo ponto, ao crescimento e maturação
(EHRMAN et al., 2017).
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 17

Envelhecimento
As recomendações para programas de treinamento físico voltados para idosos
são similares àquelas para pessoas mais jovens, com a necessidade de realização
de um exame clínico e de triagem de fatores de risco, já que idosos apresen-
tam maior probabilidade de terem DCV e outras comorbidades. Devem ser
investigados os padrões de AF habituais, seu nível de capacidade funcional
e os sintomas induzidos pelo exercício (dor no peito, dispneia, palpitações,
tonturas ou claudicações). Caso o idoso apresente histórico desses sintomas
ou infarto do miocárdio, revascularização periférica, presença de DM e/ou
outros distúrbios, ele deverá ser colocado em uma categoria de maior risco.
Devido às possíveis condições que essa população pode apresentar, é importante
identificar os medicamentos utilizados, pois podem influenciar no desempenho
e na segurança do exercício físico. Exemplo disso são os fármacos psicoativos
(como os ansiolíticos), que podem aumentar o risco de quedas (ACSM, 2018;
MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018).
Deve ser realizado um exame físico focado na PA e na auscultação cardíaca
e pulmonar, além de avaliações físicas que incluem medidas antropométricas
para composição corporal, avaliação postural e avaliação funcional. Um teste
simples de caminhada por um corredor pode revelar alterações na marcha.
Geralmente, idosos que não apresentam alterações da PA e nenhuma outra DCV
podem iniciar um programa de exercício de intensidade baixa ou moderada (de
3 a 6 METs; 40–60% do VO2máx estimado) sem a necessidade de um teste de
esforço (MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). No caso de idosos com riscos
maiores ou que desejam realizar exercícios mais intensos, é recomendado a
realização de um teste de esforço, incluindo capacidade cardiorrespiratória,
força e flexibilidade. Se apresentarem histórico de queda, é importante a
avaliação do equilíbrio. Alguns dos testes de desempenhos mais utilizados
são o Senior Fitness Test, Short Physical Performance Battery, Velocidade de
Marcha Usual, Teste de Caminhada de 6 min e Teste de Desempenho Físico
de Escala Contínua (ACSM, 2018).

Gestantes
A avaliação médica da gestante para prática de exercícios físicos pode incluir
a aplicação do PARmed-X para gestação, que é um instrumento que avalia o
seu estado de prontidão para AF (ACSM, 2018). Os testes de esforço máximo
não devem ser realizados, a menos que seja uma necessidade médica e desde
18 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

que a grávida não apresente qualquer contraindicação para a realização de


exercícios físicos (POWERS; HOWLEY, 2017; ACSM, 2018).
De maneira geral, as seguintes recomendações devem ser observadas junto
a gestantes (POWERS; HOWLEY, 2017):

 se forem previamente sedentárias e desejam iniciar a prática de exercício


físico, devem preferir atividades de baixo risco, como caminhada,
natação, hidroginástica, etc.;
 se já praticam atividade física e desejam continuar, é recomendado
atividades de médio risco, como ginástica aeróbica, musculação e
esportes com raquetes;
 atividades que apresentam grandes possibilidades de trauma, como
esportes coletivos e ginástica de alto impacto, devem ser evitados.

Diabetes melito
O exercício físico regular em indivíduos com DM2 resulta em melhorias na
tolerância à glicose, na sensibilidade à insulina e na diminuição da hemoglo-
bina glicada (HbA1c). Além disso, existem outros benefícios para indivíduos
com DM1, DM2 ou pré-diabéticos, que incluem melhoria nos fatores de risco
associados a doenças cardiovasculares, bem como no bem-estar geral. A prática
de exercícios 150 minutos/semana está associada à diminuição da morbimor-
talidade em todas as populações, incluindo aquelas com DM (EHRMAN et
al., 2017).
A prescrição de exercícios físicos para indivíduos com DM1 deve ter como
preocupação a possibilidade de hiperglicemia e cetose, que podem resultar em
coma diabético (ACSM, 2018). Os sintomas comuns associados à hiperglicemia
são fadiga, poliúria, fraqueza, sede e hálito cetônico. É recomendado avaliar
a concentração de cetonas se a glicemia do paciente estiver superior a 250
mg.dl-1. Indivíduos que apresentem uma glicemia maior que 299 mg.dl-1, se
estiverem se sentindo bem e não apresentarem corpos cetônicos nos testes de
sangue e urina, podem praticar exercícios de intensidade moderada, abstendo-se
de exercícios de intensidade vigorosa. Caso apresentem corpos cetônicos, o
exercício deve ser adiado (Figura 3) (LAMOUNIER et al., 2015; EHRMAN
et al., 2017).
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 19

Figura 3. Exercício físico e hiperglicemia.


Fonte: Adaptada de Lamounier et al. (2015).

Porém, outra preocupação é a possibilidade de ocorrência de hipoglicemia


(glicose sanguínea inferior a 60–70 mg.dl-1) ocasionada pelo excesso de insulina
ou agente hipoglicemiante oral, ingestão inadequada de carboidratos, jejuns
prolongados e prática de exercícios excessivos ou mal planejados, sendo os
principais sintomas tremores, fraqueza, sudorese anormal, ansiedade, formi-
gamento na boca e nos dedos e fome, podendo evoluir para dor de cabeça,
distúrbios visuais, confusão mental e até coma. A hipoglicemia pode ocorrer
tanto durante o exercício quanto várias horas após o término da sessão. Em
indivíduos com DM1, uma glicemia inferior a 70 mg.dl-1 é uma contraindica-
ção relativa para início de exercícios aeróbicos agudos. Dessa forma, quem
faz uso de insulina deve monitorar a sua glicemia antes, durante e após o
exercício. A maioria desses indivíduos pode precisar consumir entre 15 e 45
g de carboidratos (incluindo glicose, sacarose ou lactose) antes da prática
de exercícios se sua glicemia estiver abaixo de 100 mg.dl-1, dependendo da
intensidade e da duração do exercício (EHRMAN et al., 2017; MCARDLE;
KATCH; KATCH, 2018).
Já os indivíduos com DM2 tendem a não apresentar as mesmas flutuações
na glicemia durante os exercícios. Nesse caso, se sua glicemia estiver elevada
por duas ou três horas após uma refeição (pós-prandial), eles provavelmente
sofrerão queda no nível de glicose sanguínea durante o exercício aeróbico, uma
vez que os níveis endógenos de insulina estarão altos (ACSM, 2018). Nessa
situação, é preciso ter cuidado, pois pode haver um aumento na micção de
forma exagerada, o que poderia levar a uma desidratação e uma diminuição
da atividade mental, podendo resultar em coma. Essa condição é chamada de
síndrome hiperosmolar não cetótica, e ocorre quando a glicemia é intensa e
prolongada. Nesse caso, o exercício é contraindicado (EHRMAN et al., 2017).
20 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

Obesidade
Embora a obesidade seja, aparentemente, uma condição médica óbvia, é
necessária uma avaliação completa para determinar sua real condição. Para
isso, é preciso realizar uma avaliação da massa corporal, da estatura, das cir-
cunferências de cintura, quadril e pescoço (recentemente sendo demonstrado
como fator de risco para DM e DCV), gordura corporal, problemas musculo-
esqueléticos e/ou ortopédicos, além de outras medidas para identificação de
possíveis comorbidades, como HAS e DM (ACSM, 2018).
Um teste de esforço não é indicado para indivíduos com sobrepeso ou obesos
antes do início de um programa de exercícios de intensidade leve à moderada
(2–6 METs). Porém, caso seja realizado, principalmente para os indivíduos
obesos, é recomendado a utilização de bicicletas ergométricas que permitam
com que o indivíduo possa ficar sentado (ACSM, 2018). Apesar disso, um
estudo conduzido por McCullough et al. (2006) com indivíduos obesos que
possuíam indicação para cirurgia bariátrica (IMC > 45 km.m-2), demonstrou
que apenas um não pode realizar o protocolo de caminhada testado. Além
disso, recomenda-se a realização de teste de força, para orientar na elaboração
de um programa de força, e a avaliação da flexibilidade, para identificar
articulações com amplitude limitada (EHRMAN et al., 2017).

Doenças cardiovasculares
Antes de iniciar um programa de AF, é necessário realizar uma triagem de
saúde que deve incluir anamnese, exame físico, avaliações laboratoriais e
testes fisiológicos pertinentes. O histórico médico deve estar atualizado,
sendo importante seu acompanhamento ao longo do programa de treinamento
(MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). O ACSM (2018) propõe a utilização
do algoritmo de triagem de pré-participação, um instrumento desenvolvido
para identificar participantes com risco de complicações cardiovasculares
durante ou imediatamente após exercícios.
Para indivíduos com sinais/sintomas ou alguma DCV diagnosticada, é reco-
mendada a avaliação dos níveis plasmáticos de colesterol e triglicerídeos, além
da glicemia de jejum. Além disso, deve ser realizado, com base na avaliação
médica, eletrocardiograma de 12 derivações em repouso, angiografia coronária,
ecocardiograma, radiografia de tórax (em caso de suspeita ou presença de IC),
perfil bioquímico e hemograma completo (EHRMAN et al., 2017).
O teste de esforço limitado por sintomas é seguro junto a pacientes com
IC, e, quando associados à medição indireta de gases inspirados, fornece
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 21

informações úteis sobre respostas eletrocardiográficas e hemodinâmicas ao


exercício (ACSM, 2018).
Já para indivíduos hipertensos, controlados e assintomáticos, o teste de
esforço não é uma indicação; porém, pode ser útil para avaliar a resposta
da PA ao exercício. Indivíduos com HAS podem apresentar respostas exa-
geradas da PA durante a AF, mesmo se ela estiver controlada em repouso
(MCARDLE; KATCH; KATCH, 2018). A utilização de medicamentos pelos
praticantes sempre deve ser levada em consideração, como é o caso dos be-
tabloqueadores, que podem reduzir a capacidade submáxima e máxima do
exercício. Medicamentos anti-hipertensivos e vasodilatadores podem levar
a reduções excessivas e súbitas da PA pós-exercício, justificando uma volta
à calma de forma gradual e prolongada, com monitorização da PA e da FC
até que retornem aos níveis de repouso. Independentemente dessa resposta,
indivíduos que sofrem de HAS tendem a apresentar hipotensão pós-exercício,
principalmente aeróbico, e devem ser conscientizados sobre isso (EHRMAN
et al., 2017; ACSM, 2018).

Doenças pulmonares
Antes de iniciarem um programa de exercício físico, os pacientes que apre-
sentam doenças pulmonares devem ser orientados a realizar testes de esforço,
pois eles fornecem medidas objetivas da capacidade de exercício, mecanismos
de intolerância ao exercício, prognóstico, progressão da doença e resposta
ao tratamento. Em indivíduos cuja doença é leve ou moderada, os sintomas
podem surgir apenas quando o sistema respiratório é demandado, como du-
rante o exercício. Já nas condições graves, a sua capacidade está tão reduzida
que até a atividade simples se torna um desafio para o sistema respiratório
(EHRMAN et al., 2017).
Durante os testes, devem ser realizados a monitorização da PA, a atividade
elétrica cardíaca (eletrocardiograma), a saturação de O2 arterial e a medição
da dispneia. Já existem aparelhos validados para a medição da PA durante
exercícios. Além disso, um oxímetro de pulso, também validado, pode ser
utilizado. Para avaliação da dispneia, podem ser utilizadas escalas subjetivas
(como a escala de Borg CR-10 modificada para dispneia) (EHRMAN et al.,
2017; ACSM, 2018).
Para indivíduos com DPOC, é preciso tomar um cuidado especial com seu
risco de desenvolver hipertensão pulmonar, tanto durante os testes quanto
durante os exercícios. É recomendada cautela ao realizar exercícios de membros
superiores, pois o aumento da pressão adicional nos músculos assessórios da
22 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

respiração pode dificultar ainda mais a ventilação nesses indivíduos, aumen-


tando sua dispneia. Para os pacientes que sofrem de asma, deve-se acompanhar
a utilização do medicamento broncodilatador inalatório de curta duração
(como albuterol, bitolterol e pirbuterol), que pode ser indicado para evitar BIE
(ACSM, 2018). Além disso, uma dessaturação de oxi-hemoglobina inferior
a 80% pode ser utilizada como forma de término tanto do teste quanto do
exercício. Se houver exacerbações da asma, o paciente não deve se exercitar
até que os sintomas e a função respiratória tenham melhorado. Também deve
ser evitada a realização de exercícios em ambientes frios ou com poluentes,
sob risco de desenvolvimento de broncoconstrição (EHRMAN et al., 2017).

Câncer
Ainda são poucas as pesquisas que demonstram a prescrição adequada de
exercícios para indivíduos com câncer, bem como o momento mais adequado
para iniciar o programa em relação às fases do tratamento. Por conta disso, as
recomendações para a reabilitação oncológica, em geral, incluem exercícios
que são limitados por sintomas. Devem ser avaliados o estado nutricional,
possíveis problemas metabólicos, além de sinais agudos ou sintomas que
são específicos de um tipo de câncer e que poderiam impedir a participação
no exercício (uma mulher que realizou mastectomia recente, por exemplo,
pode estar limitada a realizar exercícios de membros superiores). Também
deve ser realizada uma avaliação funcional que permita identificar possíveis
instabilidades na marcha associadas à quimioterapia ou ao envolvimento do
sistema nervoso, alterações na cicatrização, imunossupressão e sangramentos.
Além disso, alguns sintomas agudos podem exigir mudanças no planejamento,
como náusea, vômito, fadiga e fraqueza. Isso requer uma reavaliação constante
durante o programa de treinamento (EHRMAN et al., 2017).
Os procedimentos utilizados para os testes de esforço são os mesmos
adotados para indivíduos sadios, com a ressalva de que tais pacientes devem
receber uma atenção especial em termos de suas sensações de fadiga. Não é
recomendado que se exercitem ao máximo, e algumas informações podem
sugerir uma contraindicação para a realização de exercícios (EHRMAN et
al., 2017):

 Hemoglobina < 10 g.dl-1


 Células brancas (leucócitos) < 3.000/ml
 Neutrófilos < 0,5.109.ml-1
 Plaquetas < 50.109.ml-1
Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 23

 Febre > 38°C (100,4° F)


 Marcha instável (ataxia)
 Caquexia ou perda de > 35% do peso pré-comorbidade
 Dispneia limitante com esforços físicos
 Dor óssea
 Náusea severa
 Metástase esquelética extensa

Doenças neurodegenerativas
Como estas condições afetam principalmente os idosos e apresentam re-
percussões significativas nas suas capacidades funcionais, é recomendada
a realização de testes de aptidão física específicos para idosos, que incluam
avaliações de equilíbrio, marcha, mobilidade geral, amplitude de movimento
articular, flexibilidade e força e resistência musculares (ACSM, 2018).
Como se tratam de condições degenerativas progressivas, pode haver dis-
função do sistema nervoso autônomo, o que talvez acarrete em anormalidades
na pressão arterial. Dessa forma, deve-se ter cuidado na prescrição e deve
ser realizado monitoramento constante das variáveis hemodinâmicas. Além
disso, esses indivíduos podem apresentar com maior frequência hipotensão
ortostática, sendo recomendado, portanto, a realização de exercícios com a
maior segurança possível, evitando-se a mudança de posição rápida e constante
(FORLENZA et al., 2012; ACSM, 2018).

Transtornos mentais comuns


As orientações para indivíduos com TMC são as mesmas, respeitando-se sua
idade, sexo e/ou alguma comorbidade que apresentem. No entanto, deve-se
dar uma atenção especial ao seu estado motivacional e à sua percepção de
esforço, pois eles tendem apresentar menor tolerância à fadiga. Portanto,
o profissional deve criar estratégias que promovam a maior adesão destes
indivíduos ao programa de treinamento, preferencialmente promovendo a
prática de exercícios mais prazerosos para cada um. É importante também que
os profissionais conheçam os sintomas específicos da condição apresentada.
Sendo assim, todo um processo de pré-participação deve ser realizado junto
a estes indivíduos (VIEIRA, 2015; EHRMAN et al., 2017).
Com base no que foi exposto, podemos perceber a importância dos co-
nhecimentos em fisiologia aplicada à prescrição de exercícios, principalmente
associados às populações especiais. Foi possível identificar os principais
24 Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais

cuidados, necessidades e restrições que devem ser levados em conta durante


a prescrição e orientação do treinamento. São procedimentos a serem segui-
dos para a análise das principais condições associadas aos indivíduos, que
permitem nortear com segurança a atuação do profissional de educação física
e outros profissionais que atuem na área do exercício físico. A fisiologia do
exercício é uma área em constante crescimento, e hoje existe um ramo dessa
disciplina, chamado fisiologia do exercício clínico, que amplia o entendimento
das principais doenças crônicas e o papel do exercício físico no seu tratamento.

ACSM. Diretrizes do ACSM para os testes de esforço e sua prescrição. 10. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2018.
EHRMAN, J. K. et al. Fisiologia do exercício clínico. 3. ed. São Paulo: Phorte, 2017.
FORLENZA, O. et al. Doença de Alzheimer: uma perspectiva do tratamento multiprofis-
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KRUK, J.; CZERNIAK, U. Physical activity and its relation to cancer risk: updating the
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LAMOUNIER, D. et al. (ed.). Atividade física e diabetes: a prática segura de atividades
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em: https://www.diabetes.org.br/profissionais/images/2017/posicionamento-4.pdf.
Acesso em: 1 ago. 2019.
MCARDLE, W. D.; KATCH, F. I.; KATCH, V. L. Fisiologia do exercício: nutrição, energia e
desempenho humano. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.
MCCULLOUGH, P. A. et al. Cardiorespiratory fitness and short-term complication after
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POWERS, S. K.; HOWLEY, E. T. Fisiologia do exercício: teoria e aplicação ao condiciona-
mento e ao desempenho. 9. ed. Barueri: Manole 2017.
SINGH, N. et al. A randomized controlled trial of high versus low intensity weight training
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tology: Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, v.60, n. 6, p. 768–776, 2005.
VIEIRA, A. A. U. Exercícios físicos e seus benefícios no tratamento das doenças. Rio de
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ZIGMOND, M. J.; SMEYNE, R. J. Exercise: is it a neuroprotective and if so, how does it
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Fundamentos da fisiologia do exercício para populações especiais 25

Leituras recomendadas
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GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de fisiologia médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017.
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SILVERTHORN, D. V. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 7. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2017.
WEST, J. B. Fisiologia respiratória: princípios básicos. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
EXERCÍCIO FÍSICO
PARA POPULAÇÕES
ESPECIAIS

Alexandre Machado Lehnen


Exercícios para gestantes
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Enumerar os cuidados que devem ser adotados para a prática de


exercícios físicos, com atenção especial aos três primeiros meses de
gestação.
 Aplicar programas de treinamento específicos para fortalecimento
do core: músculos do quadril, lombar e pelve.
 Desenvolver estratégias de treinamento para atendimento e otimiza-
ção do treinamento aplicado a diferentes perfis de gestante: sedentária
e atleta.

Introdução
Gravidez não é doença, mas requer cuidados especiais. Esta frase traduz
o tema que será abordado neste capítulo. De fato, a gestação não implica
doença ou condição patológica alguma. Contudo, as gestantes são clas-
sificadas como “população especial” perante os programas de exercícios
físicos, por exigirem cuidados extras àqueles normalmente aplicados
na população em geral. Não são todas as modalidades, volumes, inten-
sidades e/ou posições de exercícios que as gestantes podem executar.
O entendimento dos principais cuidados, especialmente no primeiro
trimestre de gestação, pode determinar o sucesso de um programa
de exercício físico. Além disso, o fortalecimento do assoalho pélvico e
lombar, entre outros objetivos, tanto para gestantes sedentárias quanto
para aquelas habituadas a treinos, deve ser executado com segurança.
Assim, neste capítulo você conhecerá os cuidados que devem ser
adotados para a prática de exercícios físicos, com atenção especial
aos três primeiros meses de gestação. Também aprenderá a aplicar
programas de treinamento específicos para fortalecimento do core:
2 Exercícios para gestantes

músculos do quadril, lombar e pelve. Por fim, ficará a par das dife-
rentes estratégias de treinamento para perfis distintos de gestantes:
sedentárias e atletas.

Cuidados para a prática de exercícios físicos


em gestantes
É importante respeitar as alterações no corpo da mulher frente à gestação,
principalmente quando o assunto é a prática de atividade física e/ou exer-
cício físico. Ainda circulam por aí mitos de que o exercício físico pode ser
prejudicial tanto para a mãe quanto para o bebê. Assim, é fundamental
entender as alterações que a gestação proporciona e confrontá-las com os
possíveis mitos. As modificações ocorrem em todos os planos: físico, emo-
cional, psicológico etc. Todas as alterações manifestadas nos 9 meses (ou
aproximadamente 40 semanas) de gestação servem para preparar a mulher
para o nascimento do filho.
Primeiramente, o aumento do hormônio gonadotrofina coriônica (HCG, na
sigla em inglês) e da progesterona tem a função de inibir a musculatura lisa para
evitar contrações e movimentos indesejáveis neste período (LEVENO, 2014;
CARVALHO, 2016). Contudo, o sistema gastrointestinal possui musculatura
lisa ao seu redor, que também é afetada. Assim, a digestão torna-se mais lenta,
elevando a probabilidade de acidez e azias no estômago. Com a motilidade
mais lenta, aumentam as chances de constipações, e os enjoos e regurgitações
são comuns em 70–80% das gestantes (GOMES, 2012). A tendência é que
esse quadro, iniciado principalmente pelo HCG, perca intensidade no início
do segundo trimestre.
Em paralelo, o corpo da gestante apresenta metabolismo mais acelerado,
com objetivo de desenvolver o embrião ou feto. Essa aceleração leva a um
maior esgotamento geral, exigindo mais horas de sono. No segundo trimestre
de gravidez, outra mudança latente é a maior frequência de micção. Isto ocorre
porque durante a gestação a mulher aumenta sua volemia (quantidade de sangue
total no corpo) entre 40-50%, e a maior parte deste aumento se dá na forma de
volume plasmático (SOUZA; BATISTA FILHO; FERREIRA, 2002). Com isso,
os rins trabalham mais para que todo o sangue seja filtrado, produzindo maior
quantidade de urina. Além disso, o crescimento do feto no útero pressiona
fisicamente a bexiga, reduzindo sua capacidade de armazenamento. Os seios
Exercícios para gestantes 3

ficam maiores, preparando-se para a produção de leite e maior circulação


sanguínea. Em paralelo a isso, as aréolas tornam-se bem mais sensíveis, o
que pode trazer desconforto para as mulheres, principalmente durante um
exercício físico em que haja atrito pelo movimento corporal.

Por definição, o embrião, produto da união do gameta masculino e do gameta femi-


nino, ocupa os primeiros estágios de desenvolvimento gestacional, estendendo-se
até a 8ª semana (período embrionário). A partir da 8ª semana, começa o período de
desenvolvimento do feto, já implantado no útero, o que exige maior mobilização de
nutrientes, oxigenação etc. para este local.

Embora estes aspectos físicos sejam importantes, são os aspectos emo-


cionais que requerem maiores cuidados. Há mulheres, especialmente na
primeira gestão, que transitam do riso ao choro com extrema facilidade.
Essas alterações de humor e sensibilidade à flor da pele são causadas pela
variação hormonal do primeiro trimestre, bem como pelas incertezas que
surgem pela nova situação. Embora o quadro geral possa parecer preocupante
em relação às alterações no corpo da mulher, muitas respostas corporais
são benéficas e podem ser potencializadas pela prática regular de atividade
física e/ou exercício físico.

Você sabe qual é a diferença entre atividade física e exercício físico? Atividade física
é todo movimento corporal realizado pela musculatura esquelética que requer gasto
calórico acima do repouso. Exercício físico, por sua vez, é uma atividade física com o
objetivo específico de aumentar a aptidão física relacionada à saúde e/ou desempenho
esportivo. Assim, por atividade física, entenda “movimentar-se mais”, e por exercício
físico, entenda “[...] praticar atividade física programada e com objetivo definido sobre
a aptidão física” (GUEDES; GUEDES, 1995, documento on-line).
4 Exercícios para gestantes

Em relação à prática de exercícios físicos, se na população geral a pre-


valência de sedentarismo fica entre 40–50% (BRASIL, 2015), para as
gestantes a prevalência é ainda maior. Em uma coorte de 118 gestantes,
a maioria mostrou um baixo nível de atividade física durante o período
gestacional. Além disso, 100% da amostra apresentaram comportamento
sedentário na 32ª semana de gestação (NASCIMENTO et al., 2014). Em
outro trabalho, foram avaliadas 305 gestantes, verificando-se que 80%
apresentaram um padrão de leve atividade física ou sedentarismo. A di-
retriz do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG
COMMITTEE OBSTETRIC PRACTICE, 2002) recomenda a prática de
atividade física na gestação, o que é reconhecidamente seguro para todas
as gestantes saudáveis.
Inúmeros benefícios podem ser elencados tanto para a mãe quanto para o
feto pela prática de atividade física. Os benefícios maternos são:

 manutenção do gasto energético, associado à capacidade cardiorrespiratória;


 controle do peso corporal para esta condição;
 prevenção/tratamento do diabetes gestacional;
 prevenção/tratamento da pré-eclampsia;
 menor estresse cardiovascular;
 ajuda no trabalho de parto;
 melhora da recuperação pós-parto;
 melhora da postura para esta condição;
 prevenção de dores na região lombo-sacra;
 melhorados aspectos psicológicos e emocionais (humor, autoimagem,
ansiedade etc.).

Para o feto, os benefícios estão associados a menor risco de complicações


no parto e menor prematuridade.No entanto, por se tratar de uma população
que requer um cuidado adicional, foram elaboradas certas contraindicações
absolutas (aquelas que são indiscutíveis e não exigem avaliação) e relativas
(aquelas que são vistas “caso a caso” e que podem ser avaliadas mediante
pontos de cortes para cada contraindicação) para a prática de exercícios
(Quadro 1). Embora essas contraindicações possam se impor em qualquer
período da gestação, o primeiro trimestre é o mais preocupante, porque
o desenvolvimento do bebê ainda é muito dependente das condições ma-
ternas, incluindo nutrição, nível de oxigenação (fluxo sanguíneo) e grau
de imunidade.
Exercícios para gestantes 5

Quadro 1. Contraindicações absolutas e relativas na prática de exercícios físicos para


gestantes

Absolutas Relativas

Doença cardíaca Anemia (hemoglobina inferior a 10 mg/dL)

Doença pulmonar restritiva Arritmia cardíaca

Incompetência istmocervical Bronquite

Gestação múltipla (após 30 semanas) Diabetes não controlado

Sangramento durante a gestação Hipertensão arterial crônica, epilepsia ou


doença da tireoide

Placenta prévia Obesidade extrema, desnutrição ou


desordem alimentar

Trabalho de parto prematuro Restrição de crescimento fetal

Ruptura prematura de membrana Fumante em excesso

Pré-eclampsia ou qualquer hiperten- Estilo de vida sedentário


são arterial não controlada

Fonte: Adaptado de Nascimento et al. (2014).

A prescrição adequada de exercício físico passa, obrigatoriamente, por


uma bateria de avaliações, incluindo as avaliações físicas. Para a população
gestante, devem ser observadas algumas orientações especiais nesse caso:

 Não deve ser prescrito exercício máximo, mesmo que seja para avaliação.
 É recomendada a presença ou supervisão de um médico.
 Para avaliação do consumo máximo de oxigênio (VO2máx), pode ser
realizado um teste submáximo (até 80% FCmáx predita pela idade, ou
65–70% FC de reserva).
 Gestantes sedentárias devem ser avaliadas pelo médico antes da rea-
lização dos testes físicos.

A resposta fisiológica durante os testes, sejam eles para determinação de


VO2máx ou de força, é similar à da população em geral, porém com mais in-
tensidade. Assim, a frequência cardíaca responderá de forma mais acentuada e,
em consequência, o mesmo ocorrerá com o débito cardíaco e a pressão arterial.
A ventilação será maior em profundidade e frequência para garantir o aporte
6 Exercícios para gestantes

de ar necessário em resposta ao exercício físico. Este cenário provoca exaustão


mais precocemente em mulheres gestantes, se comparadas às não gestantes.
Outros cuidados gerais são importantes para a prática de exercício físico,
tais como:

 evitar esportes de contato físico;


 evitar exercícios isométricos e posições supinadas após o primeiro
trimestre, especialmente devido à obstrução venosa;
 evitar a manobra de Valsalva, prática comum nos exercícios de muita
força; e
 evitar, sob todos os aspectos, o estresse térmico, ou seja, manter a
gestante hidratada e praticar o exercício físico em ambiente ameno.

Mesmo com estas precauções, é importante que o profissional de educação


física reconheça os principais sinais para interromper o exercício físico:

 todo e qualquer sangramento vaginal;


 dispneia durante e/ou imediatamente após exercício físico;
 tonturas, dor de cabeça ou dor no peito;
 dor muscular excessiva ou inchaços repentinos;
 diminuição do movimento fetal;
 perda de líquido amniótico.

A adoção de um estilo de vida mais saudável deve fazer parte da vida de


todos. Na condição de gestantes, essa prática deveria ser ainda mais incisiva.
A falta de conhecimento dessa condição, partindo da fisiológica da gestante
até os sinais de alerta, é uma realidade que deve ser revista. As diretrizes
apresentadas, embasadas na ciência, garantem os benefícios e a segurança da
prática regular de exercícios físicos. Uma grande parte destes exercícios deve
objetivar o fortalecimento do core, como você verá a seguir.

Programas de treinamento específicos


para fortalecimento do core
O conceito de “core” vem do significado da palavra em inglês (núcleo, cerne,
centro, âmago etc.), ou seja, uma região central que é responsável por grande
parte do equilíbrio (realinhamento central) e postura do corpo. São músculos
profundos da região abdominal, lombar e pélvica, cujo objetivo é manter a
Exercícios para gestantes 7

estabilidade dessa região proporcionando melhor equilíbrio e postura (EVAN-


GELISTA, 2015). Pessoas com core enfraquecido têm maior chance de desvios
posturais e lesões, principalmente hérnia de disco. Assim, o fortalecimento
do core para as gestantes é de grande valia.
Para que seja possível determinar um treinamento específico da região, é
importante conhecer os músculos envolvidos no core. Ao todo são 29 músculos,
sendo os principais deles apresentados no Quadro 2, acompanhados das respectivas
ações. Além dos músculos elencados no Quadro 2, os glúteos têm fundamental
importância para o core, pois realizam diversas ações sobre os quadris. Para
complementar, temos ainda os músculos do assoalho pélvico: quando contraídos,
elevam os órgãos pélvicos e mantêm a continência urinária e fecal; quando rela-
xados, permitem o esvaziamento intestinal e vesical. São músculos com ação de
grande distensão para permitir e auxiliar no trabalho de parto. Evidências indicam
que cerca de 10% das mulheres sofrem lesão na musculatura do assoalho pélvico
durante o parto. Assim, o trabalho de fortalecimento prévio é fundamental.

Quadro 2. Principais músculos para o fortalecimento do core

Ação geral Ação específica

Reto abdominal: a contração Multífidos: estabilização e extensão da


aumenta a pressão intra-abdominal coluna vertebral, rotação e flexão lateral.
para a respiração, regurgitação, defe-
cação, micção e trabalho de parto.

Oblíquo externo: rotação do tórax, Psoas maior: a flexão da coxa e a contra-


flexão do tronco e aumento da ção unilateral inclinam a coluna lombar e a
pressão intra-abdominal. contração bilateral eleva o tronco, saindo da
posição supina.

Oblíquo interno (porção anterior): Transverso do abdômen: aumenta a


similar ao oblíquo externo; contudo, pressão intra-abdominal e estabiliza a coluna
rota o tronco para o mesmo lado da lombar.
contração.

Iliocostais: inclinam a cabeça Quadrado lombar: inclinação lateral do


lateralmente, estendem a cabeça e tronco e depressão da 12ª costela.
parte da coluna vertebral.

Oblíquo interno (porção posterior): similar


ao oblíquo externo; contudo, rota o tronco
para o mesmo lado da contração.

(Continua)
8 Exercícios para gestantes

(Continuação)

Quadro 2. Principais músculos para o fortalecimento do core

Ação geral Ação específica

Longuíssimo: extensão da coluna vertebral


e flexão lateral.

Diafragma: as bases dos pulmões estão


apoiadas no diafragma; quando da sua con-
tração, aumenta a área do pulmão e diminui
a pressão intrapulmonar e, por diferença
de pressão em relação ao ambiente, o ar
entra nos pulmões (inspiração). Quando do
seu relaxamento, a musculatura expiratória
comprime o pulmão, elevando a pressão
intrapulmonar, e o ar é expirado. Além deste
processo, o diafragma é importante para o
espirro, a tosse, a defecação e no trabalho
de parto.

Fonte: Adaptado de Evangelista (2015).

O fortalecimento do core, baseado na musculatura envolvida, pode ser


feito por diversas modalidades, tais como: exercícios de força com o peso
corporal, utilização de bolas grandes, faixas elásticas, BOSU (meia lua de
borracha em que a pessoa fica em cima), exercícios com métodos Pilates ou
ioga, entre outros. Os exercícios podem ser feitos em sequência ou “circui-
tado”, de acordo com a necessidade. Você deve priorizar a utilização do peso
corporal da praticante e faixas elásticas, em vez de pesos guiados (aparelhos de
musculação). Evite tensões elevadas e fique atento aos exercícios isométricos
intensos que coloquem a gestante em risco quanto à posição de execução.
Para exercitar especificamente o assoalho pélvico, a gestante pode realizar
contrações sustentadas durante 5 a 10 segundos ou contrações rápidas (contrair
e relaxar) em diferentes posturas. Uma orientação segura é realizar diariamente
2 séries de 8 a 10 contrações.
Após os exercícios para fortalecimento do core, utilize técnicas de alonga-
mento muscular leve, que já foram evidenciadas para a diminuição das queixas
de dor pélvica posterior e de dor lombar durante a gestação. Cabe ressaltar que
durante a gestação ocorre um aumento dos níveis dos hormônios relaxina e
progesterona; assim, devem-se evitar alongamentos extremos.
Exercícios para gestantes 9

Seguem alguns exemplos de exercícios para o fortalecimento do core que


podem ser executados pelas gestantes, sempre observando os critérios e sinais
de alerta. Os movimentos devem ser realizados em baixa velocidade e com
estabilização da cintura pélvica para melhor resultado. As gestantes jamais
devem realizar a manobra de Valsalva (segurar a respiração) durante os exer-
cícios. A partir dos exemplos recomendados, pode-se criar variações com o
BOSU ou faixas elásticas para aumentar a dificuldade (somente para aquelas
gestantes que já praticavam exercícios físicos e que tenham condicionamento
e experiência motora) (EVANGELISTA, 2015).

 Prancha reta ou com os joelhos apoiados: 2 a 3 séries; contrações sus-


tentadas de 10 a 15 segundos; descansar por 20 a 30 segundos.
 Elevação do quadril (ponte): em decúbito dorsal, pés apoiados ao chão
e com os joelhos dobrados, realizar a elevação do centro gravitacional
e sustentar na posição elevada (2 a 3 séries; contrações sustentadas
de 10 a 15 segundos, sem manobra de Valsalva; descansar por 20 a 30
segundos). Uma alternativa é apoiar os pés em uma bola grande.
 Agachamentos podem ser feitos preferencialmente sem peso adicional
(somente o peso corporal). Executar 2 a 3 séries de 10 repetições e inter-
valos de 45 segundos a 1 minuto. Uma alternativa para o agachamento
é a utilização da bola grande na parede, com ângulo próximo a 90º na
articulação do joelho e do quadril.
 Abdominal sobre a bola grande é ótimo e seguro; basta ter cuidado
para não estender demasiadamente a coluna vertebral na bola para não
sobrecarregar a região abdominal. Movimentos em decúbito ventral
não são recomendados em hipótese alguma.
 Elevação das pernas com a bola grande presa nos joelhos ou nos pés,
sempre em decúbito dorsal. Elevar as pernas (articulação do quadril)
e ao mesmo tempo pressionar a bola (adutores).

No link a seguir, você encontra exemplos de exercícios com método Pilates para
reforçar o core. É necessário ajustar os exercícios de acordo com a individualidade
biológica das gestantes, levando-se em consideração a experiência prévia, possíveis
dores e desconfortos etc.

https://qrgo.page.link/dmBmL
10 Exercícios para gestantes

Além do fortalecimento do core, a prática de exercícios aeróbicos também


tem sua relevância. Contudo, é preciso separar as gestantes com experiência
prévia (atletas profissionais e/ou amadoras) daquelas que não praticavam
exercícios e, por recomendação médica, querem praticá-los durante a gra-
videz. A seguir, você verá pontos de otimização do treinamento físico que
devem ser observados para as diferentes populações: gestantes sedentárias e
gestantes atletas.

Estratégias de treinamento para diferentes


perfis de gestantes: sedentárias e atletas
A recomendação de prática regular de exercício físico na condição de gestante
está muito bem consolidada, e há consenso sobre o tema (ARTAL; O’TOOLE;
WHITE, 2003; BARAKAT; LUCIA; RUIZ, 2009; ROBLEDO-COLONIA,
2012). No entanto, quando a gestante já é uma atleta profissional ou mesmo
uma atleta amadora muito bem condicionada, qual seria a recomendação
neste caso? Ela pode competir em esportes que não sejam de contato? Dois
exemplos são emblemáticos e ajudam a embasar essa discussão. Em 2017, a
fi nal do Aberto da Austrália de tênis foi vencida por Serena Willians. Nada
fora do comum, não fosse o fato dela estar na 8ª semana de gestação. O se-
gundo caso foi um pouco mais intenso: a corredora americana Alysia Montano
participou de uma prova de 800 m entre o 7º e 8º mês de gestação! Ficou
na última colocação, mas participou de uma prova oficial de 800 m. Estes
fatos não devem ser levados como regra na sustentação de “fazer exercícios
físicos na gestação é amplamente recomendado”. Existem limites na gravidez
que devem ser respeitados. É verdade que a regra básica determina que a
mulher deve seguir a sua rotina pré-gestação, ou seja, praticar os exercícios
de acordo com o que o corpo estava acostumado antes da gravidez. Porém, é
necessário ajustar a prática de exercícios à nova realidade, tal como: reduzir
os impactos, diminuir a intensidade e grandes volumes, evitar determinadas
posições, ficar em alerta contra choques térmicos e ricos de quedas, entre
outros. Na Figura 1, podem ser observadas duas realidades, ambas de com-
petição: Alysia Montano em uma prova oficial de 800 m e uma segunda,
aparentemente em uma prática mais leve, sem a preocupação e a carga do
profissionalismo. Qual é a sua opinião quanto à conduta de um profissional
de educação física frente a estes dois panoramas?
Exercícios para gestantes 11

Figura 1. “Competição” no período gestacional.


Fonte: UOL Esporte (2014, documento on-line); Halfpoint/Shutterstock.com.

Tradicionalmente, a rotina recomendada de exercícios e esporte para grávidas


costuma abranger acima de tudo hidroginástica, ioga e Pilates. Existem várias
outras modalidades que precisam ser encorajadas, de acordo com o histórico da
gestante e sua experiência prévia. Contudo, não é porque a ioga é aparentemente
mais calma que não possa trazer prejuízo à gestante. O cerne da questão ultrapassa
a modalidade e recai sobre a intensidade, volume, posições e condições ambientais.
A prescrição de exercícios aeróbicos deve preferencialmente partir de ca-
minhadas e/ou corridas leves, de acordo com o condicionamento prévio da
gestante (NASCIMENTO et al., 2014). Outras opções incluem a bicicleta e
modalidades aquáticas (deep running ou water bike). A intensidade dos exercí-
cios de característica aeróbica pode ser controlada pela frequência cardíaca e/
ou escala subjetiva de Borg. Neste sentido, a intensidade relativa para FCmáx
predita pela idade fica entre 60 e 80%. Outra opção é controlar a intensidade
pela frequência cardíaca de reserva com intervalo entre 45 e 65% da FCreserva.
Na escala de Borg, esta intensidade encontra-se entre 12 e 14 (para a escala de 6
a 20 pontos). A Sociedade Canadense de Ginecologistas e Obstetras (WOLFE;
DAVIES, 2003) generalizou estas zonas de treinamento da seguinte forma:

 idade inferior a 20 anos —140 a 155 bpm;


 entre 20 e 29 anos —135 a 150 bpm;
 entre 30 e 39 anos —130 a 145 bpm;
 mulheres com mais 40 anos —125 a 140 bpm.

Para as mulheres atletas, esta intensidade pode ser reavaliada de acordo


com a condição física da gestante. Contudo, não é aconselhável ultrapassar
o liminar anaeróbico.
12 Exercícios para gestantes

Para utilizar a fórmula de Karvonen (frequência cardíaca de reserva) deve-se conhecer


(ACSM, 2018):
 FCmáxima: por se tratar de gestante, não é aconselhável a realização de um teste de
esforço para a FCmáxima real. Uma alternativa é a utilizar “220 – idade”.
 FCrepouso: menor frequência cardíaca em 15 minutos de repouso absoluto (decúbito
dorsal), sem pernas ou braços cruzados.
 FCtreino = [ (FCmáxima – FCrepouso) × %intensidade ] + FCrepouso.

Quanto à frequência semanal e tempo da sessão, para mulheres sedentárias


pode-se iniciar um programa de exercícios com 3 vezes por semana de 15–20
minutos e progredir até 5 vezes por semana de 30 minutos, paulatinamente
(meta: 150 minutos por semana de exercícios leves à moderados). Em mulheres
atletas, treinos de 4 a 5 vezes por semana em sessões de 30–45 minutos já
garantem benefícios maternos e fetais.
Embora a prática de exercícios regulares seja encorajada durante todo
período gestacional, o 2º trimestre é o mais apropriado e seguro. Isso porque
no 1º trimestre a formação fetal deixa a gestante mais propensa a elevação da
frequência cardíaca em maior magnitude, indisposição (enjoos e regurgita-
ções), desequilíbrio hormonal, entre outros. No 2º trimestre, estas alterações
tendem a se estabilizar, e os aspectos corporal, emocional e psicológico
da mulher já estão em maior harmonia. Ademais, o desenvolvimento do
feto já não é tão delicado em comparação ao 1º trimestre. No 3º trimestre,
os cuidados recaem sobre o peso corporal agindo sobre a lombar, cintura
pélvica, espaço interno dos órgãos etc. Assim, os exercícios, especialmente
com deslocamentos corporais, devem ser aplicados com parcimônia frente
a esta realidade.
Resumidamente, a maior diferença entre a prática de exercícios físicos por
mulheres atletas e mulheres sedentárias é que em gestantes atletas pode-se
continuar realizando os mesmos exercícios que antes, devido à sua memória
muscular, mas ajustando alguns parâmetros, como a intensidade, tempo da
sessão, posições e condições ambientais. Já para as gestantes sedentárias, a
prática deve ser incentivada com progressões mais amenas e sem agressões
extras, como impactos ou sobrecargas na coluna vertebral. A prática regular de
exercícios físicos é o meio mais saudável e com menor custo para a população
geral, incluindo as gestantes.
Exercícios para gestantes 13

Patrícia tem 30 anos e experiência mediana na prática de exercícios (realiza somente


exercícios aeróbicos 2 vezes por semana, por 60 minutos). No 1º trimestre de gestação,
os exercícios aeróbicos que ela já praticava foram reduzidos para 30–45 minutos por
sessão com intensidade moderada. Ela também incorporou um fortalecimento muscular
com aulas de Pilates. Atualmente está na 20ª semana de gestação, e por se mostrar
muito bem-disposta, ela quer evoluir e pediu para fazer uma aula experimental de HIIT
(high intensity interval training) na academia, modalidade ministrada por você. Nesse
caso, qual seria a sua conduta? Reflita sobre o caso e discuta com os seus colegas.

ACOG COMMITTEE OBSTETRIC PRACTICE. ACOG Committee opinion. Number 267,


January 2002: exercise during pregnancy and the postpartum period. Obstetrics &
Gynecology, v. 99, n. 1, p. 171–173, 2002.
ACSM. Diretrizes do ACSM para os testes de esforço e sua prescrição. 10. ed. Rio de Janeiro:
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ARTAL, R.; O'TOOLE, M.; WHITE, S. Guidelines of the American College of Obstetricians
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CARVALHO, C. S. C. Fitoterapia na gravidez: segurança e eficácia de produtos à base
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sertação (Mestrado em Ciências Farmacêuticas) — Faculdade de Farmácia, Univer-
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GOMES, R. C. Enjoos e vômitos na gravidez. Portal Educação, 2012. Disponível em: https://
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14 Exercícios para gestantes

GUEDES, D. P.; GUEDES, J. E. R. P. Atividade física, aptidão física e saúde. Revista Brasileira
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LEVENO, K. J. Manual de obstetrícia de Williams: complicações na gestação. 23. ed. Porto
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WOLFE, L. A.; DAVIES, G. A. Canadian guidelines for exercise in pregnancy. Clinical
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Leituras recomendadas
FINKELSTEIN, I. et al. Comportamento da freqüência cardíaca e da pressão arterial, ao
longo da gestação, com treinamento no meio líquido. Revista Brasileira de Medicina
do Esporte, v. 2, n. 5, p. 376–380, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/%0D/
rbme/v12n6/a15v12n6.pdf. Acesso em: 12 jul. 2019.
MONTENEGRO, L. P. Musculação: abordagens para a prescrição e recomendações para
gestantes. Revista Brasileira de Prescrição e Fisiologia do Exercício, v. 8, n. 47, p. 494-98,
2014. Disponível em: http://www.rbpfex.com.br/index.php/rbpfex/article/view/676/618.
Acesso em: 12 jul. 2019.
526 TREINAMENTO EM MÉDIA ALTITUDE E OUTRAS SITUAÇÕES ESPECIAIS DO MEIO AMBIENTE

capacidade integral de trabalho somente entre o sétimo e As reações do esportista ao calor: adaptação
o décimo dia. De maneira geral, propõe-se que para cada Sabemos que aproximadamente 75% da energia produzida
hora de diferença é necessário um dia de adaptação. durante um treinamento intenso ou uma competição é li-
Klein (1977), citado por Platonov, refere que, quando berada para o meio externo sob a forma de calor. O meio
se voa em direção oeste, a adaptação é 30 a 50% mais rápida mais ativo dessa liberação de calor é a exalação durante a
do que na direção leste. Essa assimetria na influência dos ventilação e a difusão de líquidos através da pele. Produto
vôos transoceânicos deve-se ao fato de que o ritmo circa- disso, se a temperatura ótima do ar para a atividade vital
diano natural na direção oeste supera as 24 horas e, na do ser humano oscila entre 18 e 22oC, a atividade física
direção leste, diminui. intensa requer uma diminuição na temperatura ótima. Por
Como em algumas ocasiões a alteração no fuso horário exemplo, para uma atividade física que requeira uma fre-
está acompanhada de alteração no clima, na temperatura qüência cardíaca de 140 bpm, a temperatura ideal seria
e na alimentação, recomenda-se que, no caso de competi- entre 16 e 17oC e, para 170 a 180 bpm, a realização ótima
ções fundamentais (como olimpíadas e campeonatos mun- de trabalho seria a uma temperatura de 13 a 14oC.
diais), os esportistas com possibilidade de medalha partam, O aumento da temperatura externa acima de um nível
junto com seus treinadores e equipe médica, 2 a 3 semanas relativamente suportável elimina a diferença útil, do ponto
antes do evento, a fim de garantir uma adaptação completa. de vista fisiológico, entre a temperatura interna do corpo e
A defasagem de horário é também conhecida como jet- a externa, o que dificulta seriamente a liberação de calor e
lag, expressão inglesa que se refere ao desequilíbrio que gera uma ameaça por meio do superaquecimento do corpo.
acompanha as viagens de avião através das diferentes zonas A evaporação do suor da superfície do corpo torna-se
de fusos horários no mundo. Isto é, voando transversal- mais difícil quando ocorre aumento na umidade. Com a
mente sobre o globo terrestre no sentido leste-oeste ou vice- pressão dos vapores de água do ar ambiente superior a 40
versa. mm rrtst, a evaporação do suor é quase nula. Por isso, o
Possíveis recomendações: esportista suporta melhor uma temperatura do ar muito
 Quando se voa na direção oeste: o dia fica maior, alta quando a umidade não é significativa em relação a
assim, o mais provável é que haja interesse em man- uma temperatura relativamente baixa mas com grande
ter-se acordado, o que é o melhor para a adaptação. umidade.
É importante uma dieta rica em proteínas (carne, O aumento da temperatura e da umidade do ar em rela-
peixe, ovos, derivados do leite), o que ajuda a man- ção ao nível de bem-estar (Tabela 19.5) está relacionado
ter-se desperto. com uma diminuição importante do nível de consumo de
 Quando se voa na direção leste: o dia se torna mais oxigênio com o qual o ser humano mantém a temperatura
curto, de forma que é melhor descansar no avião. corporal constante. O treinamento ou a competição em
Para dormir, é conveniente uma dieta rica em car- temperaturas muito elevadas sem que haja aumento da
boidratos (massa, arroz, frutas, vegetais, etc.). temperatura do corpo exige uma forte diminuição da inten-
sidade da atividade, o que produz uma diminuição do
De maneira geral: VO2máx em aproximadamente 33% e uma marcada dimi-
 Antes e durante o vôo, pensar positivamente em rela- nuição do rendimento esportivo, de forma mais notória
ção ao próprio vôo e a futura permanência. nas modalidades de tempo prolongado.
 Beber em abundância água mineral ou sucos para A partir dos 37oC de temperatura seca ou dos 29oC de
evitar a perda de líquidos que ocorre nos vôos. Não temperatura úmida, o esportista apresenta sérias dificulda-
é conveniente ingerir bebidas alcoólicas, nem bebi- des fisiológicas, e a manutenção da atividade física prolon-
das com cafeína (café, chá, bebidas à base de cola). gada provoca uma diminuição no rendimento e, em tempe-
 Durante as escalas nos terminais de aeroporto, apro- raturas extremamente elevadas, como observado na Tabela
veitar para andar e realizar alongamentos. 19.5, pode colocar em perigo a saúde do atleta. Essas si-
 No local de destino: estabelecer um cronograma aco- tuações influenciam negativamente os sistemas circulató-
plado ao novo horário, sendo muito rigoroso com os rio e respiratório, alteram a formação do suor e a transpi-
horários de treinamento, de alimentação e de des- ração, assim como o balanço salino e hídrico. Por exemplo,
canso. Evitar comer ou dormir fora de horário. O o fluxo de sangue e o VO2 não são diferenciados do nível
primeiro treinamento deve ser uma sessão curta com alcançado no início do trabalho em condições normais e
caráter aeróbio (corrida contínua, não mais de 30 em condições de calor, porém são diferenciados em qualida-
min), realizando aquecimento e resfriamento apro- de, já que com o calor há aumento da circulação da pele
priados. (cutânea) até 20% do fluxo cardíaco (cerca de quatro vezes
MEDICINA DO ESPORTE 527

Tabela 19.5 Condições de temperatura e rendimento Tem-se observado que pessoas de climas moderados e
de olhos negros e castanhos adaptam-se, de forma geral,
Temperatura Temperatura mais facilmente. Pessoas de olhos claros, em algumas oca-
Classificação seca (oC) úmida (oC) siões, são acometidas no período de aclimatação com irri-
tabilidade, insônia, hipertensão arterial, etc.
Agradável 27 22
Quando os atletas devem deslocar-se de países frios para
Quente 37 29
competir em países quentes, é necessário organizar uma
Muito quente 40 32,5 aclimatação prévia, entre 7 e 14 dias, com sessões diárias
de 2 ou 3 horas, inicialmente com baixa intensidade. Se
não for possível treinar nessas condições, é preciso utilizar
mais que em condições normais). Esse aumento em direção uma roupa que bloqueie a liberação de calor e limite a eva-
à rede capilar cutânea é necessário para impedir um supera- poração do suor, com a finalidade de ir criando mecanismos
quecimento do corpo. de adaptação.
Uma das conseqüências mais negativas da desidratação Os esportistas jovens suportam menos o calor do que
é a diminuição do volume do plasma sangüíneo. Durante os adultos, já que se aclimatam mais lentamente a um clima
a desidratação, como conseqüência do trabalho prolongado quente.
em altas temperaturas secas e/ou úmidas, perde-se aproxi- De maneira geral, são dadas algumas recomendações
madamente 4% do peso corporal, e o volume do plasma para a adaptação ao calor:
diminui em 16 a 18%. Também há diminuição do volume  Quando nos deslocamos em direção a um país com
sangüíneo circulante e do volume sistólico, observando-se temperaturas e/ou umidade elevada, a adaptação an-
uma hemoconcentração com um aumento do hematócrito tes da competição deve ser, no mínimo, de 7 a 14
e da viscosidade do sangue, aumentando a carga de traba- dias.
lho que o coração pode suportar e diminuindo a sua produ-  É preciso, no início, diminuir a duração e a intensida-
tividade. Isso leva a uma diminuição da circulação nos mús- de e aumentar progressivamente as cargas. Realizar
culos que estão sendo utilizados devido ao aumento da por- mais de uma sessão diária de treinamento. Não pas-
centagem do fluxo cardíaco dirigido aos vasos cutâneos sar de 2 a 3 horas de treinamento nos primeiros dias.
para intensificar a perda de calor, diminuindo o volume de  Os esportistas devem estar bem-hidratados antes de
sangue circulante. Isso leva a um acúmulo de lactato e, treinar e de competir. É preciso repor as necessida-
por conseguinte, diminui o ritmo de trabalho. Uma conse- des hidreletrolíticas mediante bebidas isotônicas e,
qüência da desidratação é, inclusive, a diminuição do volu- em algumas ocasiões, somente água, durante o
me de líquido intercelular e intracelular. Nas células com treinamento e a competição, em uma proporção de
baixo conteúdo de água e com um equilíbrio alterado de 150 a 200 mL a cada 20 a 30 minutos.
eletrólitos, a atividade normal altera-se. Esse desvio do flu-  Essas condições críticas de temperatura fazem o or-
xo sangüíneo em direção à pele também afeta o suprimento ganismo consumir de 2 a 2,5 vezes mais do que em
para o fígado, para os rins e para o intestino. Essa situação condições normais, devido à grande quantidade de
crítica de insuficiência coronariana aumenta a freqüência água absorvida.
cardíaca, a qual é insuficiente. Se isso persistir por um tem-  A alimentação deve ser balanceada e com poucas
po prolongado, em condições de competição, pode provo- calorias no início da adaptação.
car no esportista um choque térmico e colocar sua vida em  Utilizar roupas leves, as quais devem ter apenas uma
perigo. Pode ser típico da maratona. camada de tecido para permitir a evaporação da água
O treinamento e a competição do esportista com altas e abrir o máximo possível a superfície da pele.
temperaturas e umidade ambiental provocam, pouco a pou-  Ainda devemos ser mais cuidadosos com crianças e
co, o desenvolvimento de reações de adaptação, fazendo adolescentes, já que sua adaptação é mais lenta, es-
com que a atividade do organismo seja mais efetiva e o pecialmente as crianças.
rendimento aumente.  Lembrar que a resposta é individual e que alguns se
As pessoas que vivem em países quentes caracterizam- recuperam mais rapidamente.
se por um limiar menor de perda de calor, não só por adap-  A adaptação do esportista ao calor seco não é garan-
tação, mas também por um aumento de 0,2oC na tempera- tia de adaptação ao calor úmido.
tura corporal e, inclusive, um acentuado aumento na quan-  A adaptação ao trabalho de baixa intensidade (25%
tidade de glândulas sudoríparas por cada cm2 de superfície do VO2máx ou um pouco mais) em condições de
corporal em comparação com as pessoas que vivem em paí- calor não garante a adaptação a um trabalho de
ses de temperaturas moderadas. maior intensidade nas mesmas condições.
528 TREINAMENTO EM MÉDIA ALTITUDE E OUTRAS SITUAÇÕES ESPECIAIS DO MEIO AMBIENTE

 Em algumas ocasiões, as alterações de adaptação nas mais afetadas. Por exemplo, utilizar luvas nos dedos
modalidades esportivas de tempo prolongado, como das mãos e, se possível, durante a prática do esporte,
é o caso de algumas modalidades de resistência em como pode ocorrer no futebol, atletismo de fundo,
clima quente, são bastante complexas e necessitam etc. É fundamental evitar doenças respiratórias, as-
de 3 a 4 semanas. sim como lesões do esporte, incluindo fraturas devi-
 Os esportistas de países mais quentes e úmidos adap- das a quedas após nevar.
tam-se melhor ao treinamento e à competição nessas  Dieta balanceada, com um maior aporte de calorias
condições. do que o habitual em esportistas que não tenham
 O aumento da temperatura retal do corpo é um índi- dificuldades com sobrepeso, com um pequeno au-
ce que informa sobre a ação da carga no organismo mento das proteínas e dos lipídeos a fim de garantir
do esportista, e há uma elevação considerável dessa um maior aporte calórico e enfrentar os gastos extras
temperatura quando estamos realizando trabalho devidos ao frio.
em condições de alta temperatura. Tem sido proposta  Realizar um ótimo aquecimento para garantir o au-
como um indicador para classificar a intensidade mento e a manutenção do calor corporal por meio
de trabalho, segundo os registros da temperatura, do aumento do metabolismo, evitando também fu-
em: leve até 38,1oC; difícil de 38,1 até 39,4ºC; ex- turas lesões.
tremamente difícil (crítica) em mais de 39,4°C. Tem-
se demonstrado, em um seguimento de esportistas, O não-cumprimento dessas medidas conduz à diminui-
durante um trabalho intenso e durante a recupe- ção da temperatura corporal abaixo do normal, devido ao
ração, a relação desse indicador (temperatura retal) resfriamento, o que diminui o VO2máx, o fluxo cardíaco, a
com a freqüência cardíaca, com o fluxo sangüíneo e capacidade de trabalho e a recuperação. Também decrescem
com a ventilação pulmonar. significativamente os índices de força e velocidade, cujo
nível está diretamente relacionado com a temperatura mus-
cular. A capacidade de resistência também diminui. A adap-
As reações do esportista ao frio: adaptação tação crônica ao frio diminui a vasoconstrição cutânea, in-
A adaptação aguda e crônica do esportista ao frio é muito tensificando a circulação sangüínea periférica e diminuindo
menos complexa. Não obstante, para os esportistas de paí- menos a temperatura cutânea e muscular. Aumenta a coor-
ses quentes, é mais lenta e um pouco arriscada para a saúde, denação dos esportistas, assim como a força-velocidade, a
observando-se o aumento da incidência de lesões esporti- mobilidade articular e a resistência. A adaptação deve durar
vas. entre 7 e 14 dias, lembrando que as crianças se adaptam
As reações de adaptação aguda do organismo a certas mais lentamente do que os adultos.
temperaturas estão condicionadas pela necessidade de de-
fesa do corpo ante a perda de calor.
Influência das condições climáticas
O aumento da capacidade de isolamento por meio de
sobre o rendimento esportivo
vasoconstrição cutânea é fundamental. Isso provoca uma
diminuição da temperatura cutânea, pela qual é produzida As condições climáticas também influenciam o treinamen-
uma diferença de temperatura entre a superfície do corpo to, a competição e a preparação do esportista para o desen-
e o meio ambiente. volvimento da competição. A informação sobre o tempo
A vasoconstrição mais importante é produzida nas ex- real permite aumentar a qualidade da preparação do es-
tremidades, especialmente nos dedos das mãos e dos pés. portista e a realização das competições, assim como permite
A circulação entre os dedos das mãos e dos pés pode dimi- resolver melhor os problemas envolvendo o treinamento e
nuir cerca de cem vezes, enquanto os tecidos das partes a competição.
distais das extremidades podem diminuir até a temperatura Para organizar o treinamento e a competição, convém
do meio ambiente. Por isso, a capacidade de isolamento da conhecer a previsão do tempo em curto prazo (segurança
pele pode aumentar 5 ou 6 vezes. de 80 a 90%), em médio prazo (70 a 75%) e em longo prazo
É importante conservar o calor do corpo em temperatu- (60 a 65%).
ras baixas. Para que isso seja garantido, deve-se: Quando o tempo é agradável e quente, pode-se reduzir
a duração do aquecimento e diminuir um pouco a sua in-
 Utilizar roupas adequadas. Utilizar roupa e calçado tensidade. Quando, por exemplo, sopra um vento forte,
esportivos durante o treinamento e a competição, deve-se corrigir a técnica e a tática da atividade competitiva
para garantir a manutenção de uma temperatura em esportes que dependem do tempo, como vela, remo,
ótima e proteger as áreas do corpo que podem ser canoagem, esqui, ciclismo, triatlo, futebol e vôlei de praia.
MEDICINA DO ESPORTE 529

As temperaturas baixas podem modificar os programas das  Colaborar, oportunamente, na avaliação da organiza-
sessões de treinamento e alterar os programas das com- ção do evento.
petições; por exemplo, quando chove forte são adiadas as  Prever a chegada para ao menos três dias antes do
corridas do ciclismo em pista aberta, beisebol, etc. evento.
 Pode ser útil manter um tratamento com uma fór-
mula antioxidante via oral.
Influência das condições de poluição  Usar uma medicação preventiva da tosse induzida
ambiental sobre o rendimento esportivo pelo esforço após exercício em indivíduos sensíveis,
Existem muitos compostos químicos que, isoladamente ou como o Nedocromil, o qual produz efeitos benéficos
em combinação com outros compostos, produzem efeitos nessas situações e não é um produto proibido.
danosos sobre a saúde, afetando principalmente o sistema  Avaliar a presença de outros possíveis contaminantes
respiratório por meio da diminuição ou alteração de sua e, conseqüentemente, fazer profilaxia da bronco-
função. Essas substâncias tóxicas terão uma maior ou constrição em indivíduos hiper-reativos, sejam ou
menor repercussão no rendimento físico do esportista que não asmáticos. Devem ser utilizados medicamentos
compete ou treina sob condições atmosféricas adversas, simpaticomiméticos que não se encontrem na lista
dependendo de diferentes fatores, como a concentração de substâncias proibidas pelo COI.
do produto químico no meio e a combinação com outros  Se a área estiver muito contaminada, deve-se avaliar
produtos químicos, ocasionando uma soma por adição de seriamente a possibilidade de não competir, sobretu-
efeitos tóxicos; o nível de ventilação do esportista; o estado do atletas de esportes de moderada e alta intensida-
prévio da árvore brônquica do atleta; o estado de saúde e a de e duração, como ciclismo, provas de fundo no
forma física do esportista; a combinação com outros fatores atletismo, marcha, triatlo, e, fundamentalmente, es-
atmosféricos (altitude, temperatura, umidade, etc.). portistas com maior sensibilidade.
Os agentes contaminantes são classificados em primá-
rios e secundários. Os secundários são muito mais prejudi-
ciais. Formam-se por meio de reações químicas de precurso- Asma e hiper-reatividade brônquica nos
res naturais ou emitidos por fontes artificiais; estes incluem esportistas de rendimento
o ozônio (O3), o HNO3, o H2SO4, o peroxiacetil nitrato e A presença de asma no esportista deve ser avaliada com
uma grande quantidade de compostos inorgânicos que certa cautela e deve-se estar preparado para atendê-la e
pode existir em forma gasosa ou de partículas. A principal preveni-la durante as competições. Em condições de conta-
fonte dos agentes de poluição, tanto primários quanto se- minação ambiental, esses esportistas são mais suscetíveis.
cundários, é a combinação de produtos derivados do pe- Em condições ambientais normais, a porcentagem de espor-
tróleo pelos meios de transporte nas cidades e nas áreas tistas asmáticos é similar à da população em geral, oscilando
industriais. entre 5 e 10%; porém, nos atletas, existe uma hiper-rea-
É preocupante que esportistas treinem em áreas onde tividade brônquica superior à da população em geral. O
existe contaminação ambiental, correndo por grandes ave- motivo ainda não está claro, mas suspeita-se de que a hi-
nidas em que a contaminação ambiental é elevada devido perventilação durante períodos longos, desde idades muito
aos produtos da combustão dos meios de transporte, ou jovens, em muitos casos, provoca o envio de certas subs-
tenham parte de seu circuito de treinamento em zonas in- tâncias irritantes e/ou hipersensibilizantes em maior quan-
dustriais. tidade e intensidade.
Drobnic (1996) propõe uma série de recomendações Além do efeito do exercício, há o próprio efeito do ar
para o esporte em um meio ambiente com contaminação frio e seco sobre a mucosa brônquica. Devemos lembrar
ambiental, que citaremos a seguir: que um atleta de maratona ventila, em duas horas e meia,
Organizadores do evento: o mesmo volume que ventilaria em 5 ou 6 dias levando
uma vida sedentária.
 Estudar os locais onde se vai competir.
Como hiper-reatividade brônquica entende-se um esta-
 Avaliar os locais de treinamento.
do de maior sensibilidade dos brônquios ante um determi-
 Estabelecer um horário compatível com os horários
nado estímulo físico (exercício) ou químico (substâncias
de menor contaminação.
provocadoras), resultando em uma diminuição da capaci-
 Estabelecer medidas oportunas para limitar a poluição
dade brônquica. O esportista hiper-reativo pode jamais
durante a atividade física (indústrias, transportes).
apresentar uma crise, porém, em condições de gripe ou
Equipe esportiva (técnicos do esporte, equipe médica e durante um clima muito frio ou seco, pode apresentar sinto-
esportistas): mas leves de “sufoco”, tosse ou sensação de aperto no peito
530 TREINAMENTO EM MÉDIA ALTITUDE E OUTRAS SITUAÇÕES ESPECIAIS DO MEIO AMBIENTE

e sibilos. A diferença em relação à asma é que esta é uma REFERÊNCIAS


doença crônica, caracterizada pela presença de dispnéia e ALVIRA, R. et al. Análisis de la patología de las alturas, adaptación
revertida com a ajuda de um broncodilatador. cardiorrespiratoria y su relación con radicales libres y especies acti-
A população esportista que sofre de asma ou de hiper- vas de oxígeno. Consideraciones Bioquímicas y Fisiológicas. Apuntes,
reatividade brônquica é mais sensível à contaminação am- v. 27, p.103-125, 1990.
biental. Lembrar de utilizar os medicamentos estabelecidos CÓRDOBA, A. et al. Aspectos básicos de biomedicina. Soria: Universidad
pelo COI. Não devemos esquecer que atletas fumantes Internacional Alfonso VIII, 1995.
apresentam um risco maior, já que sofrem com maior ETIENNE, J.L. Medicine et sports de Montagne. Paris: Acal, 1987.
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Substâncias químicas tóxicas MANNO, R. Fundamentos del entrenamiento deportivo. Barcelona:


próprias do esporte Paidotribo, 1991.

 Altos níveis de monóxido de carbono estão relaciona- NAVARRO, F. Metodología del entrenamiento para el desarrollo de la
resistencia. Master en alto rendimiento, COE, 1993.
dos com a patinação sobre o gelo, juntamente com
outro gás, o NO2. São convertidos em irritantes do ______. Sobre el entrenamiento en la altitud. XXII Congreso Técnico de
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expostos desde idades muito precoces, podem apre- 1997.
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deportivo en condiciones de media. Teor. Prakt. Fiz, p. 18-50. 1976.
436 NUTRIÇÃO. SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS E ESPORTE DE COMPETIÇÃO DE ALTO NÍVEL

conseqüente eliminação pelas fezes. A Tabela 15.7 Ergogenia é uma palavra de origem grega que, em rela-
apresenta os primeiros sinais e sintomas de de- ção ao esporte, significa economia na utilização, no controle
ficiência do ferro, e a Figura 15.11 mostra a rela- e na eficiência da energia. Não se deve confundir ajuda
ção do ferro em seus depósitos de reserva e fun- ergogênica com ingestão de substâncias proibidas (doping)
cional e sua relação com a anemia do esportista. e/ou com administração de transfusões sangüíneas ou ma-
 Considerando as características do atleta e sua mo- nipulações químicas. É um dever de todos lutar contra o
dalidade esportiva, idade e sexo, deve-se orientá-lo doping, por isso é importante educar os atletas desde seu
ao consumo da dieta apresentada anteriormente. As início para evitar esse hábito prejudicial. Todos os treina-
carnes vermelhas, as vísceras, a gema do ovo, os le- dores, dirigentes de federações, médicos e profissionais do
gumes secos, o cacau, os mariscos e a salsa são ali- esporte, em seus respectivos comitês olímpicos nacionais,
mentos ricos em ferro. Às vezes, é necessário utilizar federações esportivas e instituições estatais do esporte, de-
suplementos com a combinação de ferro ferroso e vem informar sobre substâncias que contenham doping e
ácido fólico, assim como complexo de vitamina B, que anualmente aparecem publicadas nas listas oficiais
principalmente a B12. emitidas pelo COI.

Embora seja caro, o controle sérico é importante. Às


vezes, os controles de exames de Hb e Fe de rotina podem Objetivos da ajuda ergogênica
mascarar o estado de carência dos depósitos (ferritina). por meio de suplementos nutricionais
Nos atletas de elite, o controle da ferritina deve ser acompa-
Colaborar para manter o equilíbrio endócrino-metabólico
nhado sempre.
com predomínio anabólico e evitar a depleção de substratos
importantes.
 Poupador de glicogênio. Produtos: glutamina, tri-
AJUDA ERGOGÊNICA E ESPORTE
glicerídeos de cadeia média e carnitina, que, por seus
DE ALTO NÍVEL
efeitos, também pode contribuir para a diminuição
A ajuda ergogênica constitui qualquer intervenção realizada do peso.
sobre o esportista cujo objetivo seja melhorar o rendimento.  Poupador de glicogênio, melhora a reserva de ami-
O auxílio pode ser um suporte mecânico, a utilização de noácidos e colabora no desenvolvimento da força.
substâncias farmacológicas, a adoção de medidas psicoló- Produtos: ornitina, arginina e lisina (aminoácidos
gicas (biofeedback, hipnose e placebos) e fisiológicas (aque- essenciais) e aminoácidos ramificados.
cimento, massagens, autotransfusão, etc.) e orientação nu-  Recuperador cardiovascular, colabora no desenvol-
tricional (supercompensação de carboidratos, suplemen- vimento da força. Produto: inosina.
tação de aminoácidos, bicarbonato de sódio, ginseng, pró-  Desenvolvimento da força. Produtos: creatina, con-
polis, etc.). centrados protéicos, como o superamino, que se utili-
No esporte de alto nível é necessário utilizar suplemen- za para aumento de peso à custa do peso magro.
tos nutricionais como ajuda ergogênica devido às exigên-  Reguladores do metabolismo, aporte de agentes an-
cias do nível competitivo, existindo cada vez mais compe- tioxidantes, imunomoduladores, aporte de ferro.
tições de elite, com maiores prêmios e menos tempo para a Produtos: vitaminas e minerais.
recuperação biológica e psicológica. Assim, pode-se apli-  Reposição hidromineral. Bebidas istônicas que apor-
car a ajuda ergogênica para atletas que tenham assimilado tam a necessidade de água, minerais e carboidratos,
bons hábitos alimentares. A ajuda ergogênica é um suple- necessários para o treinamento e para a competi-
mento à quantidade e à qualidade calórica. ção. Produtos: Gatorade, Isostar, Flectomin, etc.

Caracterização de alguns produtos ergogênicos


Tabela 15.7 Conseqüências da deficiência de ferro
 Glutamina: é um aminoácido não-essencial regula-
Perda de apetite dor da síntese hepática do glicogênio, poupador de
Apatia glicogênio muscular e dos aminoácidos essenciais
Fadiga
em nível muscular e precursor dos aminoácidos es-
senciais valina, leucina e isoleucina. A ingestão ade-
Palpitações ao exercício
quada garante um sistema protetor das proteínas
Inflamação da língua e do estômago
que participam na construção muscular. Aporte ime-
Diminuição da produção de hemoglobina
diato de energia. Dosagem: 2 a 4 cápsulas de 400
MEDICINA DO ESPORTE 437

mg, 15 a 20 minutos antes do treinamento principal principal. Próximo à competição, em modalidades


do dia. Deve ser ingerida sempre depois das refeições esportivas individuais ou em campeonatos de tem-
para evitar a competição com outros aminoácidos poradas extensas, não se deve administrar esse pro-
existentes nos alimentos. duto, ou deve-se reduzi-lo ao máximo, uma vez que
 Triglicerídeos de cadeia média: poupador de glico- os esportistas podem perder elasticidade em seu
gênio e de proteínas. Utilidade principal em provas aparelho musculoesquelético, o que pode ocorrer so-
de fundo, principalmente em maratonas e em triatlo. bretudo em atletas extremamente musculosos, favo-
De 1 a 3 colheres, duas vezes ao dia, dependendo do recendo as rupturas de miofibrilas. Em atletas com
peso corporal. Apresentação: 1.000 mL. pouco desenvolvimento muscular não se deve utili-
 Inosina: recuperador cardiovascular, contribui para zar esse produto.
o desenvolvimento da força. Melhora a síntese de  Aminoácidos ramificados (AAR ou BCaa): compos-
ATP, já que é um elo natural na cadeia bioquímica tos pela L-Leucina (200 mg), pela L-Valina (200 mg)
da produção de ATP. É um nucleotídeo da purina, e pela L-Isoleucina (100 mg). Têm uma atividade
componente natural que se encontra nos tecidos do essencial para o desenvolvimento da massa muscu-
organismo, principalmente no coração e no músculo lar e contribuem para melhorar a resistência, o ren-
esquelético. Melhora a potência aeróbia e a anae- dimento físico e a regeneração das fibras musculares.
róbia. Dosagem: 1 a 3 cápsulas de 500 mg no almo- Possuem um efeito anabólico natural. Indiretamen-
ço e jantar. Tomar dois dias e descansar um, já que te, são poupadores de glicogênio. Apresentação em
pode elevar o ácido úrico. Atualmente está entrando cápsulas de 500 mg. Dosagem: 6 a 9 cápsulas ao dia
em desuso. em três doses diárias, entre as refeições e antes do
 Arginina, ornitina e lisina: são aminoácidos que, em treinamento.
sua forma livre, colaboram com o treinamento de for-  Superamino 2000: é uma fórmula de aminoácidos
ça, contribuindo para eliminar os radicais de amônia. obtida mediante processamento de alto valor biológi-
Retardam a produção de lactato e poupam glicogênio. co. É um produto composto 100% por lactoalbumina
Acredita-se que atuem indiretamente sobre o hormô- e albumina de ovo digerida por enzimas. É usado
nio do crescimento. Dosagem: 1 a 3 comprimidos uma para aumentar o peso à custa do peso magro. Seu
hora antes de deitar, já que nesse horário têm maior aporte de gordura é praticamente nulo. Dosagem:
efeito. Cada um dos aminoácidos contém 500 mg. nove comprimidos diários divididos em três doses;
 L-Carnitina: poupador de glicogênio. Ativa especifi- cada comprimido contém 2.000 mg de aminoácidos.
camente o metabolismo dos lipídeos, ajudando a re- Existem similares desse produto no mercado, em
duzir a gordura corporal por metabolizá-la, favore- diferentes apresentações.
cendo a obtenção de energia. Colabora indiretamen-  Suplementos vitamínicos e minerais: encontram-se
te na melhora da capacidade aeróbia pela utilização vários nas casas comerciais. Aportam as necessida-
dos lipídeos como fonte energética. É usada tam- des extras dos micronutrientes exigidos no esporte
bém para diminuir o peso em esportistas ou pesso- de alta competição para obter uma nutrição balan-
as com sobrepeso. Dosagem: 1 a 3 comprimidos di- ceada. Como sabemos, os micronutrientes intervêm
ários de 1.000 mg nas refeições ou meia hora antes em diferentes processos endócrino-metabólicos, in-
do treinamento. cluindo a obtenção de energia. Também possuem
 Creatina: é um metabólito rico em energia que se ações antioxidantes e imunomoduladoras. Depen-
encontra no músculo. Colabora na elevação da capa- dendo da apresentação, deve-se tomar 1 ou 2 compri-
cidade anaeróbia aláctica, melhorando o desenvol- midos ao dia, em diferentes etapas, durante a tem-
vimento da força, a explosão e a velocidade. Melhora porada.
a potência e a recuperação do músculo. Dosagem: o  Bebidas isotônicas: aportam hidratação e minerais.
Plus Creatine deve ser administrado nos primeiros São uma pequena fonte energética necessária para
cinco dias na razão de 200 mg/kg em quatro doses responder às necessidades hidrominerais durante
acompanhadas de suco de frutas com açúcar, após treinamentos ou competições, devendo-se repor lí-
o café da manhã, o almoço e o jantar e 15 minutos quidos entre 150 e 200 mL a cada 15 a 20 minutos.
antes do treinamento principal. A partir da segunda Existem diferentes marcas, como Gatorade, Isostar,
semana, diminui-se a dosagem para 50 mg/kg, em Flectomin, etc. Observamos na Tabela 15.8 algumas
dose única 15 a 20 minutos antes do treinamento características de diferentes bebidas isotônicas.
438 NUTRIÇÃO. SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS E ESPORTE DE COMPETIÇÃO DE ALTO NÍVEL

Tabela 15.8 Características de algumas bebidas comerciais utilizadas no esporte

Bebida Osmolaridade Conteúdo g/L HC Na+ (mEq/L) K+ (mEq/L) Cl- (mEq/L)

Isostar 296 73 24 4 12
Gatorade 349 62 23 3 14
Lucozado Sport 280 69 23 4 1
Prips Energy 260 75 13 2 7

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ou, ainda, não mencionam em seus rótulos com-


RELACIONADAS AOS SUPLEMENTOS ponentes que foram detectados.
NUTRICIONAIS – Cientificamente se comprovou que muitos bene-
fícios anunciados na maioria dos suplementos
 Devemos levar em conta em sua dosagem: a super-
nutricionais são falsos.
fície corporal do atleta, seu peso atual e o peso dese-
– A demonstração mais perigosa desses estudos é
jado, com um adequado desenvolvimento muscular,
a de entre os componentes substâncias que são
estado de saúde, objetivos a desenvolver nos micro-
detectadas e que de forma direta ou indireta são
ciclos, capacidades funcionais motoras da modalida-
substâncias proibidas. As que se encontram com
de esportiva, características individuais do atleta,
maior freqüência são os agentes anabolizantes,
etapa do treinamento e sistema competitivo.
hormônios ou pró-hormônios que produzem efei-
 A ajuda ergogênica em nenhum momento substitui
tos anabolizantes, entre outras.
uma nutrição balanceada. Antes da ajuda ergogêni-
ca, devemos promover bons hábitos de alimentação Com relação a isso, a Comissão Médica do COI indi-
e hidratação dos esportistas, assim como uma ade- cou ao Instituto Antidoping de Colônia, Alemanha, a
quada carga de treinamento e recuperação. realização um amplo estudo, que se realizou de outu-
 É muito importante selecionar adequadamente o bro de 2000 a novembro de 2001, em que se demons-
produto e a etapa em que será administrado, cor- trou a falta de seriedade de algumas empresas de
respondendo sempre a um objetivo bem-definido. suplementos nutricionais, as quais atentavam contra
Produtos indevidamente utilizados podem entorpe- a saúde de seus clientes e a ética esportiva e médica.
cer as capacidades morfofuncionais a desenvolver. O estudo realizou-se com empresas de 13 países de-
 O êxito não reside na ajuda ergogênica, uma vez que senvolvidos, 12 da Europa e os Estados Unidos, sen-
ela é parte da estratégia de recuperação biológica do do analisados 634 diferentes suplementos nutricio-
atleta. nais, todos declarados livres de agentes anabolizan-
 É obrigação do médico e do treinador zelar pelo uso tes e de pró-hormônios que pudessem possuir efeitos
correto dos suplementos nutricionais, evitando a au- anabolizantes. O estudo demonstrou que 94 suple-
tomedicação e os efeitos prejudiciais que pode oca- mentos nutricionais foram positivos por conter hor-
sionar. O trabalho educativo é especialmente impor- mônios não-listados. Nesses casos, esses suplemen-
tante. tos foram positivos no controle de doping por pos-
 Existem produtos naturais, como o mel, a espirulina, suirem agentes anabolizantes. Desse estudo, 14,8%
entre outros, que são utilizados como suplementos foram positivos o que deve servir de alerta, confir-
nutricionais. O mel no aporte de carboidratos de qua- mando a grave situação que permeia suplementos
lidade, com a finalidade de poupar glicogênio, e no nutricionais.
aporte de aminoácidos, vitaminas e sais minerais; a O trabalho realizado pelo Instituto de Colônia tem o
espirulina, no aporte de minerais e de aminoácidos. título: “Analysis of Non-Hormonal Nutritional Su-
 Pesquisas recentes de diferentes suplementos nu- plements for Anabolic-Androgenic Steroides. An In-
tricionais em laboratórios de doping credenciados de- ternational Study”. Pode ser encontrado no site do
monstraram: Comitê Olímpico Internacional: www.olympics.org,
– Alguns suplementos declaram possuir certos em que se deve buscar a Comissão Médica do COI.
componentes que não possuem, ou que possu- A falta de informação em relação aos suplementos
em em quantidades diferentes das mencionadas, nutricionais pode afetar outras substâncias ou méto-
MEDICINA DO ESPORTE 439

dos proibidos, como estimulantes e diuréticos, muito De forma breve, apresentaremos a classificação atual
utilizados para diminuir o peso corporal. da Agência Mundial Antidoping (WADA - AMA) e do Comitê
Se este foi o resultado encontrado ao avaliar-se em- Olímpico Internacional para 2004, relacionada às substân-
presas de países desenvolvidos, é muito provável que cias e aos métodos proibidos.
a situação de países menos desenvolvidos seja mais
grave.
Substâncias proibidas
 A Agência Mundial Antidoping, WADA, informa ao
S1. Estimulantes
Movimento Desportivo Olímpico e a todos os prati-
S2. Narcóticos
cantes de exercícios físicos que o uso de suplemen-
S3. Canabinóides
tos nutricionais não é necessário para a performance
S4. Agentes anabolizantes
e recuperação do atleta, ressaltando que o verdadeiro
S5. Hormônios peptídicos
êxito do rendimento esportivo e da longevidade do
S6. Beta-2-agonistas
atleta encontra-se no sucesso de um planejamento
S7. Agentes com atividades antiestrogênica
e controle do treinamento cientificamente funda-
S8. Agentes mascarantes
mentados e personalizados, necessitando-se de uma
S9. Glicorticosteróides
ótima relação entre as cargas de treinamento e com-
petições aplicadas, uma boa recuperação e ótima nu-
trição.
Métodos proibidos
M1. Aumento do transporte do oxigênio
M2. Manipulação farmacológica, química e física
DOPING E ESPORTE M3. Dopagem genética
Com o objetivo de melhorar o rendimento esportivo, alguns
treinadores, atletas e, lamentavelmente, certos médicos e
investigadores do esporte recorrem a fármacos e/ou méto- Substâncias proibidas para
dos para conseguir tal objetivo, tentando justificar que o determinada disciplina esportiva
preço não é demasiado elevado para atingir o objetivo de Sustâncias como álcool, diuréticos e beta-bloqueadores
vencer. Além dos problemas éticos, por tentar obter uma encontram-se registradas como substâncias proibidas para
vantagem adicional sobre seus adversários, tal prática põe determinadas disciplinas esportivas. A nova classificação
a saúde do atleta em risco. de dopagem é discutida no Capítulo 22.
O doping não é novo, embora nos últimos tempos a pro- Cada vez mais as federações esportivas internacionais
fissionalização e a comercialização excessivas do esporte, exigem o cumprimento do regulamento oficial do COI –
repleto de competições de alto nível e poucas possibilidades WADA que relaciona a lista das substâncias proibidas
de recuperação, associadas ao aparecimento de fármacos (doping).
novos (alguns deles obtidos por técnicas recombinantes, A recente criação da Agência Internacional Antidoping
que dificultam ou impossibilitam sua detecção na análise fortaleceu essa posição em nível mundial.
da urina), possam sugerir que tais meios têm sofrido um Os controles sangüíneos incorporados contribuirão de
considerável aumento. No entanto, deve-se levar em con- forma definitiva para a detecção de substâncias não-detec-
ta que a detecção de um maior número de positivos tem tadas na urina.
exercido um papel importante no controle e na regulamen-
tação mais rigorosa a que em épocas anteriores.
A Agência Mundial Antidoping com a elaboração de seu ESPORTE DE ALTO RISCO E NUTRIÇÃO
código ético, em união ao Comitê Olímpico Internacional,
MARGINAL: EFEITOS FISIOPATOLÓGICOS
da mesma forma que as diferentes federações esportivas
internacionais, exerce um papel importante na atualização
DA RESTRIÇÃO CALÓRICA E DIMINUIÇÃO
das substâncias e dos métodos considerados doping, DE PESO E DO PERCENTUAL DE GORDURA
tentando, com isso, assegurar o jogo limpo e a segurança CORPORAL
dos esportistas. Os fármacos proibidos são um arsenal A perda da gordura corporal abaixo dos valores normais
terapêutico reduzido. Portanto, o atleta que, por motivos mínimos do percentual de gordura corporal (5% nos ho-
clínicos, necessite de um tratamento, dispõe de alternativas mens e 10 a 12% nas mulheres), a longo prazo, não melhora
válidas que garantem seu direito a um tratamento apro- o rendimento esportivo. Ocorre primeiro um estancamen-
priado. to nos resultados e, posteriormente, uma redução, o que
440 NUTRIÇÃO. SUPLEMENTOS NUTRICIONAIS E ESPORTE DE COMPETIÇÃO DE ALTO NÍVEL

se acentua quando a situação ocorre por meses ou tempo- cuperação biológica, incluindo má relação carga de treina-
radas, ainda que seja de forma flutuante (ver Capítulo 13). mento e/ou competição com recuperação insuficiente, são
A Tabela 15.9 mostra um grupo de modalidades esporti- causas multifatoriais desses quadros negativos para a per-
vas nas quais isso pode ocorrer se os atletas possuírem di- formance esportiva e o futuro dos atletas. Tudo isso está
ficuldades com sua composição corporal. Observamos dois relacionado à depleção de carboidratos endógena.
grupos com diferentes características metodológicas com-
petitivas, ambos com um possível problema de peso.
CUIDADOS NOS PROGRAMAS DE
Mecanismos desencadeantes de fadiga PERDA OU AUMENTO DE PESO
por deficiência de reserva energética Na hora de definir os programas de perda ou aumento de
peso dos atletas, deve-se levar em consideração importantes
Ao diminuir a reserva de gordura corporal do organismo
aspectos que caracterizam a qualidade desse programa:
esgotam-se também as reservas do glicogênio e, assim, ini-
ciam-se mecanismos catabólicos no organismo do atleta,  Conhecer o estado de saúde do atleta, já que a causa
que se caracterizam por: do problema de baixo peso ou sobrepeso geralmente
está associada a hábitos de alimentação incorretos.
 Depleção de substratos (triglicerídeos e glicogênio),
Devem ser descartadas alterações endócrino-meta-
acúmulo de metabólitos, alterações hidreletrolíticas, bólicas, parasitismo, entre outras.
alteração na captação de aminoácidos ramificados  Caracterizar o esportista do ponto de vista morfo-
e alteração de enzimas cinases. funcional. Conhecer a superfície corporal, o gasto
 A depleção do glicogênio e dos triglicerídeos armaze- energético da modalidade, tanto nas sessões de trei-
nados exerce um papel muito importante nas altera- namento como na competição e no resto de sua ati-
ções endócrino-metabólicas. vidade diária.
 Começar o programa desde o início da etapa prepara-
tória e, inclusive, se for necessário, iniciá-lo entre 4
Depleção de carboidratos endógenos: efeitos e 8 semanas antes que seus demais companheiros
Alteração na função dos aminoácidos, importante mudança de modalidade para poder criar uma base ideal, do
na relação aminoácidos intramusculares e plasmáticos, uti- ponto de vista morfofuncional, combinando a nu-
lização dos aminoácidos ramificados e aumento rápido dos trição e o treinamento necessário.
produtos finais protéicos. Tudo isso leva à limitação do ren-  Conhecer o gasto energético diário do atleta, incluin-
dimento esportivo. do o do treinamento.
A ação crônica desse quadro produz desequilíbrio hor-  As modificações que forem necessárias na ingestão
monal, favorecendo dos processos catabólicos. calórica e no treinamento não podem afetar a saúde
Nos Capítulos 17 e 20 trataremos de diferentes estados do atleta.
fisiopatológicos que ocorrem no esporte de alto rendimento,  A combinação do programa de nutrição (incluída a
como a tríade da atleta, problemas de depressão imuno- ajuda ergogênica) com o treinamento não deve
lógica e fadiga crônica, em que a perda exagerada de peso produzir aumento ou perda de peso maior de 1 kg
e uma diminuição excessiva do percentual da gordura cor- por semana.
poral, com nutrição deficiente e maus mecanismos de re-  Obter o peso corporal e a distribuição de sua com-
posição corporal ideal pelo menos uma semana an-
tes da competição.
 Estabilizar o peso corporal do atleta de maneira que
Tabela 15.9 Esportes de alto risco em nutrição marginal responda à estratégia competitiva, sem afetar o esta-
do de saúde, o rendimento e a longevidade atlética.
Critérios Modalidades esportivas  Para competir ou treinar com menos de 5% de gordu-
ra corporal nos homens e de 12% nas mulheres, de-
Peso baixo Ginástica esportiva e artística, vemos ter permissão do médico especialista. Procu-
< % Gordura patinação artística, balé, aeróbica, nado
rar evitar essa situação para qualquer modalidade,
Aparência corporal sincronizado, salto de trampolim, salto
de esqui, hípica (jóquei) idade e sexo.
 Os atletas que estão acima de seu peso ideal devem
Competição vs Judô, boxe, luta, taekwondo, remo reduzi-lo gradualmente, na razão de não mais que
categoria de peso (categorias leves), halterofilismo,
1 kg/semana, para preservar seu peso magro (massa
fisiculturismo
livre de gordura). Isso deve ser alcançado mediante
MEDICINA DO ESPORTE 47

Tais modificações estão relacionadas aos seguintes prin- de resistência podem apresentar entre 28 e 40 bpm,
cípios: pelo aumento do volume sistólico, a partir de uma
hipertrofia ventricular esquerda de caráter fisiológico.
 Individualidade (incluindo herança genética)
 A FC normalmente diminui com a idade, tanto em
 Especificidade do treinamento (com predomínio
repouso como durante exercícios submáximos e má-
aeróbio, anaeróbio ou misto)
ximos (principalmente neste último, em conseqüên-
 Relação entre volume e intensidade
cia do processo biológico do envelhecimento).
 Progressão da carga
 Fatores como aumento de temperatura e altitude
 Manutenção (a perda é reversível)
aumentam a FC de repouso.
 Antes do exercício, a FC costuma aumentar acima
dos valores normais, o que se denomina resposta
AJUSTES CARDIOVASCULARES AO ESFORÇO antecipatória. Devido a isso, as verificações de FC
A realização de qualquer exercício físico pressupõe o estabe- de repouso prévias ao exercício devem ser desconsi-
lecimento de uma situação de sobrecarga para o sistema deradas. A verdadeira FC de repouso deve ser verifi-
cardiovascular. A atividade física traduz-se na existência cada nas primeiras horas da manhã, quando a pessoa
de um aumento de substâncias nutritivas e no aumento levanta.
do aporte de oxigênio necessário para os músculos ativos.  Se quando estivermos deitados nossa FC de repou-
Secundariamente, aumentam também os níveis de anidri- so for de 50 bpm, quando estivermos sentados au-
do carbônico e de metabólitos, os quais precisam ser eli- mentará para 55 bpm e, quando estivermos de pé,
minados. Para responder a isso, é necessária uma série de para 60 bpm. A FC de repouso aumenta porque,
ajustes no sistema cardiovascular e em sua inter-relação quando nosso corpo passa de uma posição, deitado,
com os diferentes órgãos e sistemas do corpo. para outra, de pé, o volume sistólico cai imediata-
mente. Isso se deve sobretudo ao efeito da gravidade,
que faz com que o sangue se acumule nas pernas,
Freqüência cardíaca reduzindo o volume de sangue que retorna para o
O controle da freqüência cardíaca (FC) durante o repouso coração. Isso, ao mesmo tempo, produz um aumento
e o exercício é um bom indicador do nível de intensidade da FC de repouso, para manter o débito cardíaco de
em que o coração está trabalhando e é uma informação repouso.
importante do estado de saúde de uma pessoa. O músculo  Por fim, determinadas doenças e medicamentos po-
cardíaco responderá diretamente à necessidade de oxigênio dem aumentar ou diminuir a FC de repouso.
e de fluxo sangüíneo do organismo em diferentes momen-
tos da vida, tanto para realizar um exercício de determinado Freqüência cardíaca durante o exercício
nível de intensidade como durante períodos de doença ou
Algumas considerações que devemos lembrar:
de necessidade externa, em que o organismo responde en-
viando fluxo sangüíneo aos músculos e/ou órgãos que ne-  Quando se inicia um exercício, a FC aumenta propor-
cessitem do aporte de sangue e de O2. A freqüência cardíaca cionalmente à sua intensidade (de acordo com a ca-
é parte importante de diferentes variáveis fisiológicas. Por pacidade física atual).
exemplo, junto ao volume sistólico forma o débito cardíaco.  Existe uma correlação direta entre a intensidade da
A freqüência cardíaca é também parte do duplo produto. FCmáx e o VO2máx durante o exercício, embora pró-
Existe uma correlação linear entre o aumento do consumo ximo do VO2máx se perca a linearidade.
máximo de O2 (VO2máx) durante o exercício e o aumento  A freqüência cardíaca máxima é muito importante
da freqüência cardíaca. Nesse caso, com respeito ao per- para o planejamento do treinamento e seu controle,
centual da FC máxima. A seguir, abordaremos a importân- assim como para determinados testes de laboratório
cia do controle da freqüência cardíaca. e de campo, tanto para esportistas como para a po-
pulação em geral.
Freqüência cardíaca de repouso  Segundo a fórmula da OMS-Karvonen, a FCmáx é
220 – idade (fórmula aplicada pela Organização
Considerações importantes:
Mundial de Saúde [OMS]). No entanto, isso é uma
 A freqüência cardíaca de repouso (FCR) é de 60 a estimativa, e os valores individuais variam conside-
80 batimentos por minuto (bpm) em média. Em in- ravelmente em relação a esses valores médios. Por
divíduos sedentários e de meia-idade, ela pode supe- exemplo, em uma pessoa com 40 anos de idade, a
rar 100 bpm. Esportistas em forma e de modalidades FCmáx seria estimada em 180 bpm. No entanto, se-
48 INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

gundo estudos realizados, dentre pessoas de 40 anos, Tabela 2.2 Variações na resposta da FC a uma velocidade
68% apresentam uma FCmáx entre 168 e 192 bpm de 14 km/h na esteira ergométrica com alterações
e 95% entre 156 e 204 bpm. O próprio Karvonen ambientais
possui outra fórmula para avaliar o VO2máx ou a FC
de reserva: FCmáx – FCR. Ambas as fórmulas são Freqüência cardíaca

importantes para conhecer o potencial cardiovascular, Fatores ambientais Repouso Exercício


mas as duas possuem margem de erro. A partir des-
Temperatura com 50% de umidade
ses resultados planeja-se o pulso de treinamento.
21oC 60 165
 A fórmula da OMS é a mais utilizada na população 35oC 70 170
(FCmáx = 220 – idade).
 Perde-se 1 bpm por ano de vida. Umidade com 21oC
 Quando o ritmo de esforço se mantém constante, 50% umidade 60 165
90% umidade 65 175
em níveis submáximos de exercício, a FC aumenta
muito rapidamente, até estabilizar-se. O ponto de Nível de ruído (21oC e 0% de umidade)
estabilização é conhecido como estável da FC e é o Baixo 60 165
Alto 70 165
ritmo ideal do coração para satisfazer as exigências
circulatórias a esse ritmo específico de esforço. Para Ingestão de comida (21oC e 50% de umidade)
cada incremento posterior de intensidade, a FC al- Uma pequena refeição 3 horas antes
cançará um novo valor dentro de um ou dois minu- do exercício 60 165
Uma grande refeição 3 horas antes
tos. Apesar disso, quanto mais intenso é o exercício,
do exercício 70 175
mais se demora para alcançar o estado estável.
 Nesse princípio de cargas crescentes, utiliza-se um Fonte: Wilmore e Costill, 2000.
teste de laboratório para o diagnóstico da capacidade
funcional.
 Após seis meses de treinamento moderado a mode-
a corrida –, ou sentado – como ocorre no ciclismo e
rado-intenso, a FC durante o exercício submáximo
durante a natação) afetam a freqüência cardíaca em
costuma diminuir cerca de 20 a 40 bpm. A FC sub-
uma intensidade similar de trabalho (ver Tabela 2.7).
máxima de uma pessoa reduz-se proporcionalmente
à quantidade de treinamento realizado.
 O período de recuperação da FC diminui aumentan- Como podemos determinar a freqüência cardíaca
do-se o treinamento de resistência; é uma variável máxima prevista de uma pessoa e o pulso de
considerada para avaliar o progresso do treinamento. treinamento?
 Wilmore e Costill (2000) referem que quando se pas- Tanto no esporte de rendimento como nos programas de
sa da posição de pé, em relativo repouso, a caminhar, saúde direcionados à população utilizamos diferentes fór-
a FC pode aumentar de 60 para 90 bpm aproximada- mulas, como as seguintes:
mente. Fazendo jogging (trote) a um ritmo modera-
 FCmáx = 220 – idade (OMS-Karvonen)
do de 140 bpm, pode-se chegar a 180 bpm ou mais
 FCmáx de reserva ou VO2máx = FCmáx – FC de
se passamos a correr a uma grande velocidade. O
repouso (Karvonen)
débito cardíaco (DC) aumentará por duas causas:
 FCmáx = 208 – (0,7 × idade) (fórmula da Universi-
maior volume sistólico e maior FC durante o exercí-
dade do Colorado, EUA)
cio, em virtude da demanda de fluxo sangüíneo e
O2 dos músculos que estão trabalhando. A aplicação dessas fórmulas é abordada em outros ca-
 Vários fatores afetam a FC durante o repouso e du- pítulos, principalmente nos Capítulos 4 e 13.
rante o exercício, como temperatura, umidade, horá- De posse dessa informação, o médico com conhecimen-
rio do exercício, modificação de posição, ingestão tos de fisiologia do exercício, o professor de educação física
de alimentos, etc. O uso de determinados medica- ou o técnico do esporte, entre outros profissionais da área,
mentos pode alterar a FC durante a prática de exercí- podem planejar de forma simples em que faixa do percen-
cios; por exemplo, os beta-bloqueadores diminuem tual de intensidade da FCmáx devem treinar seu atleta,
a FC. Situações parecidas também ocorrem durante cliente ou paciente para obter os resultados esperados,
o repouso (ver Tabelas 2.2 e 2.3). criando um nível inferior e outro superior de intensidade,
 Fatores como as modificações de posição durante o controlado, nesse caso, pelos bpm, o que constitui, então,
exercício (posição ortostática – como ocorre durante a banda ou faixa de pulso de treinamento.
MEDICINA DO ESPORTE 49

Tabela 2.3 Variações, durante o dia, da FC de um mesmo indivíduo em repouso e durante o exercício

Horas do dia. Freqüência cardíaca (bpm)


Condição 2h 6h 10 h 14 h 18 h 22 h

Repouso 65 69 73 74 72 69
Exercício leve 100 103 109 109 105 104
Exercício moderado 130 131 138 139 135 134
Exercício intenso 179 179 183 184 181 181
Recuperação, 3 min 118 122 129 128 128 125

Fonte: Reilly e Brooks, in Wilmore e Costill, 2000.

Em casos de doença, trabalha-se a partir da freqüência energético, e a diferença arteriovenosa durante esse tem-
de trabalho submáximo, e a fórmula que se utiliza para po é de 5 mL de O2 por 100 mL de sangue. Assim, confor-
obtê-la é: me a fórmula de Fick, teríamos um DC de 5.000 mL/min
de sangue, ou seja, de 5 L/min.
FC submáxima= FC máxima × 0,85

Em cardiologia e em medicina do esporte, utilizam-se Débito cardíaco em condições de repouso


as fórmulas de Vivacqua e Spagna para a reserva cronotró- e durante o exercício
pica (RC) e o déficit cronotrópico (DF). O DC aumenta proporcionalmente à intensidade do exer-
RC = FCmáx – FC de repouso (também conhecida como cício, desde 5 L em condições de repouso a um máximo de
FCmáx de reserva ou percentual de VO2máx, utilizado por 20 a 25 L/min em homens jovens e que realizam atividade
Karnoven) física; em esportistas de elite o DC é maior, sendo mais
FCmáx prevista – FCmáx alcançada
________________________________ evidente nos esportistas de resistência, que podem ter entre
DC = 35 e 40 L/min de sangue de DC. Essas diferenças devem-se
FCmáx prevista
inteiramente ao grande volume sistólico de indivíduos trei-
nados, já que o exercício físico contínuo de características
Débito cardíaco: a capacidade aeróbias produz hipertrofia fisiológica do ventrículo esquer-
funcional do sistema cardiovascular do, com aumento do volume sistólico, gerando um bati-
mento mais forte.
O débito cardíaco é o primeiro indicador da capacidade fun-
Em conseqüência disso, aqueles que realizam exercícios
cional da circulação para satisfazer as demandas da ativi-
aeróbios possuem um DC de repouso mais econômico, com
dade física. Os dois fatores que determinam a capacidade
menor FC do que pessoas sedentárias, uma vez que seu VS
do débito cardíaco são a freqüência cardíaca e o volume
é maior (de 70 a 71 mL em indivíduos sedentários e de
sistólico (VS). A relação é:
aproximadamente 100 mL em indivíduos treinados). Os
DC = FC × VS valores médios do DC em condições de repouso são resumi-
dos a seguir:
Dispõe-se de vários métodos, invasivos (como o método
 Repouso
de Fick) e não-invasivos (como o método de reinalação),
– Débito cardíaco =
para medir o débito cardíaco. Cada um tem suas vantagens
freqüência cardíaca × volume sistólico
e desvantagens, sobretudo quando utilizados durante a prá-
tica de exercícios. – Indivíduos sedentários:
A fórmula do método de Fick é esta: 4.970 mL/min = 70 bpm × 71 mL/batimento
– Indivíduos treinados:
VO2máx × 100 = mL/min
__________________________ 5.000 mL/min = 50 bpm × 100 mL/batimento
DC =
Diferença a-vO2
Durante o exercício máximo, a diferença não é só de
Em condições de repouso, o organismo dispõe de aproxi- economia, mas também de quantidade e qualidade do DC.
madamente 250 mL de VO2máx, os quais são utilizados Ao possuir um VS maior, a pessoa treinada tem um DC
durante um minuto em repouso para responder ao gasto maior diante de um esforço máximo. Em homens sedentá-
50 INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

rios, o VS médio fica entre 103 e 113 mL de sangue por Tabela 2.4 Volumes sistólicos típicos para diferentes esta-
batimento, enquanto em pessoas treinadas pode ser entre dos de treinamento
150 e 210 mL/batimento. Como exemplo, consideremos
duas pessoas que realizam um esforço máximo de 195 bpm: VS em VS
Indivíduos repouso (mL) máximo (mL)
 Esforço máximo
– Débito cardíaco = Sedentários 55-75 80-110
freqüência cardíaca × volume sistólico Ativos 80-90 130-150
– Indivíduos sedentários: Esportistas de resistência 100-120 160-220 ou >220
21.450 mL/min = 195 bpm × 110 mL/batimento
– Indivíduos treinados:
34.950 mL/min = 195 bpm × 179 mL/batimento
igual ou superior ao volume sistólico dos sedentários du-
Devemos salientar que a eficiência do trabalho é muito rante o exercício. Se a pessoa tiver uma maior atividade de
diferente entre os exemplos que podemos apresentar, já resistência aeróbia, terá um maior volume sistólico de re-
que o que é um esforço máximo para um sedentário (por pouso e durante o exercício.
exemplo, correr 2 km em 13 minutos e 30 segundos) pode Após um treinamento de resistência cardiorrespiratória,
ser um esforço submáximo ou moderado (correr esses 2 o volume sistólico aumenta em repouso, assim como ao
km em 12 minutos e 45 segundos) para uma pessoa que realizar exercícios de nível submáximo ou máximo de in-
realiza atividade física aeróbia de forma sistemática e pode tensidade. Durante o treinamento aeróbio, ocorre um au-
ser um esforço leve para um esportista de alto rendimento mento do volume diastólico final, causado principalmente
(que percorra 2 km em 11 minutos e 20 segundos). Os pelo aumento do volume plasmático.
mecanismos de recuperação da FC, do VS e, por conseguin- O ventrículo esquerdo é a câmara do coração mais modi-
te, do DC são mais rápidos em indivíduos treinados. ficada em resposta ao treinamento de resistência. As di-
Durante exercícios realizados em pé, o volume sistólico mensões internas do ventrículo esquerdo aumentam sobre-
aumenta durante a transição do repouso ao exercício leve, tudo como resposta a um aumento no enchimento ventri-
com valores máximos que chegam a 45% do VO2máx. De- cular. Durante o treinamento de resistência cardiorrespi-
pois desse ponto, o débito cardíaco intensifica-se conforme ratória, a espessura da parede ventricular esquerda também
aumenta a freqüência cardíaca. Os aumentos no volume aumenta, intensificando o potencial de força das contrações
sistólico em exercícios realizados em pé devem-se geral- do ventrículo esquerdo.
mente a um esvaziamento sistólico mais completo, em lu- A lei de Frank Starling descreve que o fator principal
gar de um maior enchimento dos ventrículos durante a no controle e no desenvolvimento do volume sistólico é o
diástole. A ejeção sistólica aumenta por meio dos hormô- grau de estiramento dos ventrículos. Quando os ventrículos
nios simpáticos. O treinamento de fundo melhora a força se estiram mais, eles se contraem com mais força. Por exem-
miocárdica, que também contribui consideravelmente para plo, se um grande volume de sangue entra na câmara quan-
a potência do batimento durante a sístole. do os ventrículos se enchem durante a diástole, as paredes
A freqüência cardíaca e o consumo de O2 estão relacio- dos ventrículos se distenderão mais do que quando entra
nados de maneira linear, tanto em indivíduos treinados um volume menor de sangue. Com o objetivo de expulsar
como em não-treinados, durante a maior parte do exercício. essa quantidade maior de sangue, os ventrículos devem
Com o treinamento de resistência, essa relação desloca-se reagir ao estiramento, contraindo-se com mais força.
significativamente para a direita, devido à melhora no vo- O trabalho sistemático de treinamento de resistência
lume sistólico cardíaco. Por conseguinte, a freqüência car- aeróbia ou de condicionamento cardiorrespiratório produz
díaca reduz-se consideravelmente, em nível de trabalho uma hipertrofia cardíaca esquerda com predomínio do ven-
submáximo, nos indivíduos treinados em exercícios de re- trículo esquerdo, o que garante um coração mais forte e
sistência aeróbia. eficiente em condições de repouso e durante o exercício
Na Tabela 2.4, observa-se o comportamento do volume submáximo e máximo.
sistólico em condições de repouso e durante o exercício O volume ou débito sistólico previsto pode ser calculado
em pessoas sedentárias, em pessoas ativas que treinam para (Ellestad) por meio da seguinte fórmula indireta:
melhorar o condicionamento cardiorrespiratório e em es-
 Volume sistólico previsto em homens:
portistas de alto rendimento de modalidades de resistência.
VSp = 112 – (0,363 × idade) mL/min
Vê-se que o volume sistólico de repouso das pessoas ativas
que treinam o condicionamento aeróbio ou cardiorrespi-  Volume sistólico previsto em mulheres:
ratório e o dos esportistas de resistência é praticamente VSp = 74 – (0,172 × idade) mL/min
MEDICINA DO ESPORTE 51

O volume sistólico avaliado durante um teste de esforço Tabela 2.6 Distribuição do débito cardíaco durante
é obtido, para ambos os sexos: exercícios leves, moderados e vigorosos

1.000 × DC Fluxo sangüíneo do exercício (mL/min e porcentagem)


VS = _________ = mL/bpm
FCmáx Órgão-tecido Leve Moderado Intenso

Esplâncnico 1.100 (12%) 600 (3%) 300 (1%)


Distribuição do débito cardíaco Renal 900 (10%) 600 (3%) 250 (1%)
O sangue que flui para os diferentes tecidos do organismo Cerebral 750 (8%) 750 (4%) 750 (3%)
é geralmente proporcional à atividade metabólica realizada Coronário 350 (4%) 750 (4%) 1.000 (4%)
em estado de repouso ou em atividade física. Problemas Muscular 4.500 (47%) 12.500 (71%) 22.000 (88%)
Epitelial 1.500 (15%) 1.900 (12%) 600 (2%)
de saúde podem alterar o fluxo sangüíneo, em condições
Outros 400 (4%) 400 (3%) 100 (1%)
de repouso, para diferentes órgãos. O exercício físico mo-
difica o volume de fluxo sangüíneo no organismo, deslo- Total 9.500 mL/min 17.500 mL/min 25.000 mL/min
cando uma quantidade significativa de sangue para os mús-
culos que trabalham.
O fluxo sangüíneo de 5 L, em condições de repouso, distri-
bui-se em proporções aproximadas às ilustradas na Tabela Observamos como órgãos importantes, como o coração,
2.5. Cerca de um quinto do débito cardíaco dirige-se ao tecido aumentam gradualmente a quantidade de fluxo sangüíneo
muscular, ao passo que a maior parte do sangue irriga o que necessitam e, ao mesmo tempo, mantêm constante o
baço, o fígado, o intestino, o trato gastrintestinal e o cérebro. percentual (4%) durante os diferentes níveis de intensida-
O fluxo sangüíneo durante o exercício possui uma distri- de de exercício. Mesmo durante o repouso, podem aumen-
buição diferente, dependendo de o exercício ser leve, mo- tar de 4 a 5 vezes de condições de repouso ao exercício
derado, intenso ou máximo (Tabela 2.6). Embora a irrigação vigoroso. Já o cérebro aumenta apenas 50 mL de condições
sangüínea durante a atividade física varie consideravel- de repouso ao exercício leve, mantendo-se constante nos
mente segundo o tipo de exercício, sua intensidade e du- exercícios moderados e máximos.
ração, o nível de condicionamento físico, o estado de saúde O débito cardíaco, ou volume cardíaco por minuto, pode
e a idade do indivíduo e as condições ambientais, a maior ser previsto pelas seguintes fórmulas indiretas de Hossack:
parte do débito cardíaco desvia-se para os músculos ativos.  DC previsto (homens) =
Em repouso, em torno de 4 a 7 mL de sangue são fornecidos 26,5 – (0,17 × idade) L/min
a cada minuto para cada 100 g de músculo. Esse débito
aumenta constantemente; com esforço máximo, o fluxo  DC previsto (mulheres) =
sangüíneo muscular pode ser tão alto quanto 50 a 75 mL 15 – (0,071 × idade) L/min
por 100 g de tecido. Isso representa em torno de 85% do
O débito cardíaco durante um teste de esforço cardior-
débito cardíaco total. Na Tabela 2.6, observamos as diferen-
respiratório é avaliado de forma indireta por meio da se-
ças marcadas no fornecimento de sangue aos vários órgãos
guinte fórmula de Hossack e colaboradores:
e o percentual que representam do débito cardíaco total
nos diversos níveis de intensidade do exercício.  DC previsto (homens) =
(VO2máx/kg × peso kg × 0,0046) + 5,31 = L/min
 DC previsto (mulheres) =
Tabela 2.5 Distribuição relativa do débito cardíaco em (VO2máx/kg × peso kg × 0,00407) + 4,72 = L/min
condições de repouso
 DC cardiopatas =
Órgão Porcentagem Volume por minuto (mL) (VO2máx/kg × peso kg × 0,0046) + 3,10 = L/min

Hepático-esplênico 27 1.350 O débito cardíaco informa quanto sangue abandona o


Rins 22 1.100
Músculos 20 1.000 coração a cada minuto, enquanto a diferença arteriovenosa
Cérebro 14 700 de oxigênio (dif a-vO2) indica quanto oxigênio é extraído
Pele 6 300 do sangue pelos tecidos. O produto desses dois fatores indi-
Coração 4 200
Outros 7 350
ca o ritmo de consumo de oxigênio (VO2), expresso na se-
guinte fórmula:
Total 100 5.000
VO2 = VS × FC × dif a-vO2
52 INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Existe uma relação direta entre o exercício e o aumento freqüência cardíaca máxima durante um teste de esforço,
do DC, porque este assegura o aumento de O2 durante o pode produzir uma resposta hipertensiva tanto sistólica
exercício. como diastólica, como ilustra a Tabela 2.8.
Na Tabela 2.7, observam-se, durante a prática de exercí- Em pessoas treinadas em exercícios aeróbios com a fina-
cios intensos, as alterações na FC, no VS e no DC de uma lidade de prevenir doenças ou recuperar a saúde, e sobretu-
pessoa ativa, saudável e com bons indicadores de condicio- do em esportistas de competição, principalmente nas mo-
namento cardiorrespiratório (não-esportista de rendimen- dalidades de resistência, durante exercícios de grande in-
to). Tais alterações dependem da posição anatômica e do tensidade, aumenta consideravelmente a pressão arterial
percentual de músculos usados na corrida, no ciclismo e diferencial, elevando a sistólica e diminuindo a diastólica
na natação. e produzindo uma diminuição da resistência periférica geral
com o propósito de levar um maior fluxo sangüíneo e de
O2 aos tecidos que trabalham (em especial aos músculos)
Fluxo sangüíneo e exercício de uma forma econômica e efetiva.
O fluxo sangüíneo aumenta durante o esforço, principal- Durante o exercício isométrico (estático), com pesos e
mente pelo exercício que desenvolve o condicionamento com máquinas hidráulicas, as pressões sistólica e diastólica
cardiorrespiratório, com um aumento do volume sistólico aumentam o estado hipertensivo, o que constitui um risco
e do débito cardíaco. Esse aumento é devido a três fatores: para o indivíduo hipertenso ou com outra doença cardio-
vascular.
 Maior capilarização
Como se sabe, a hipertensão arterial sistêmica (HAS)
 Maior abertura dos capilares existentes
impõe uma carga crônica sobre a função cardíaca. O treina-
 Redistribuição mais efetiva do sangue
mento aeróbio (caminhada, trote, natação, ciclismo, etc.)
Nas Tabelas 2.5 e 2.6, podem-se observar a distribuição regular, de forma individualizada e conservadora para cada
e a redistribuição do fluxo sangüíneo durante repouso e paciente, produz melhora da hipertensão arterial, tanto em
durante exercícios de intensidades leve, moderada e intensa. condições de repouso como no exercício submáximo. De-
vemos ser cuidadosos com os estágios graves e muito graves
da HAS; apenas com acompanhamento médico a prática
Pressão arterial e exercício de exercícios físicos é indicada para esses indivíduos.
Pacientes com hipertensão arterial leve podem realizar,
A pressão sistólica (PAS) aumenta em proporção ao consu-
sem exageros, exercícios de força, de caráter isotônico ou
mo de O2, ao débito cardíaco e à progressão do exercício,
dinâmico (ver Capítulo 4), sempre sob prescrição médica e
enquanto a pressão diastólica (PAD) permanece relativa-
com pressão arterial normal.
mente igual ou aumenta apenas levemente. Com a mes-
Devem-se observar as seguintes considerações:
ma carga relativa de trabalho, as pressões sistólicas são
maiores quando o trabalho se realiza mais com os braços  Antes de mais nada, deve-se recordar que a pressão
do que com as pernas, devido à menor massa muscular e à sistólica de repouso oscila entre 135 e 100 mmHg e
menor vascularização que existe nos membros superiores. que a diastólica ou mínima, entre 85 e 60 mmHg.
Em pacientes hipertensos ou com predisposição, o estí- Podem-se observar valores tensionais normais, prin-
mulo do exercício escalonado, com o objetivo de levar à cipalmente no sexo feminino, entre 100 e 90 mmHg
de sistólica e 60 mmHg de diastólica. Uma pressão
normal típica é de 120/80 ou 110/70 mmHg, o que
Tabela 2.7 Modificações na FC, no VS e no DC assegura uma pressão diferencial de 40 mmHg.

Tipo de FC VS DC
exercício Condição (bpm) (mL/bat) (L/min)
Tabela 2.8 Resposta hipertensiva ao esforço durante o
Corrida Repouso 60 70 4,2
teste ergométrico funcional (Instituto de Cardiologia de
Exercício máximo 190 130 24,7
Cuba)
Ciclismo Repouso 60 70 4,2
Exercício máximo 185 120 22,2 Resposta hipertensiva Sistólica Diastólica

Natação Repouso* 55 95 5,2 Leve 190-210 110-119


Exercício máximo 170 135 22,0
Moderada 220-249 120-129
*Medição realizada em posição supina. Adaptada de Wilmore, 2000. Grave ≥ 250 ≥ 130
MEDICINA DO ESPORTE 53

 A pressão (ou tensão) arterial sistólica aumenta, du- por exemplo: se a PA de repouso for 120/80 mmHg,
rante o exercício, proporcionalmente ao consumo a pressão diferencial será 40; para uma PA de 220/30
de O2 e ao débito cardíaco, que aumenta durante o durante o exercício de um atleta de esporte de resis-
exercício progressivo. A pressão diastólica permane- tência, em um teste de esforço máximo progressivo,
ce relativamente igual, aumenta levemente ou dimi- a tensão ou pressão diferencial será de 190 mmHg.
nui, dependendo do grau de atividade da pessoa, do  A pressão ou tensão arterial média (PAM ou TAM;
estado de saúde e do tipo de exercício realizado. ver Capítulo 6) é obtida por meio da seguinte fórmula:
 Em esportistas submetidos a esforços máximos, po-
PAS + (2 × PAD)
de-se obter 200 a 250 mmHg de PAS. Relataram-se PAM = _______________
240 a 250 mmHg em esportistas de alto nível e sau- 3
dáveis.
 Vivacqua e Spagna (Lamb, 1985) propuseram uma
 A atividade física sistemática melhora a qualidade
avaliação de parâmetros da pressão arterial com res-
da resposta da PAS e da PAD durante o exercício,
peito à pressão arterial durante repouso (basal) e
elevando a pressão arterial diferencial.
esforço, relacionada aos equivalentes metabólicos de
 Durante um exercício máximo progressivo, podemos
tarefa (METs) alcançados durante o esforço, que se
encontrar em esportistas, sobretudo de modalidades
expressam em mmHg/MET. Essa avaliação é usada
de resistência, valores de 250 mmHg na sistólica e
principalmente em cardiologia, mas também em me-
de 30 ou menos na diastólica, garantindo uma pres-
dicina do esporte. As fórmulas são as seguintes:
são arterial diferencial grande, para obter a eficiência
do aumento do débito cardíaco com um maior fluxo – Variação da pressão arterial sistólica (VAR PAS):
de sangue e de oxigenação para os músculos. PAS máxima – PAS repouso
 Indivíduos sedentários e/ou com hipertensão arterial VAR PAS = _________________________
METs
não respondem de forma fisiológica ao exercício ae-
róbio, com dificuldades na pressão arterial diastólica, – Variação da pressão arterial diastólica (VAR PAD):
que geralmente aumenta, diminuindo a pressão arte-
rial diferencial, que torna o trabalho menos econômico. PAD máxima – PAD repouso
_________________________
VAR PAD =
 Na hipertensão arterial leve ou moderada, a ativi- METs
dade física aeróbia sistemática diminui, em condi-
ções de repouso, uma média de 11 mmHg da PAS e Lembrar que 1 MET equivale ao consumo metabólico
de 8 mm da PAD, reduzindo, assim, a pressão média de uma pessoa sentada e em condições de repouso (1 MET=
(ver Capítulo 6). 3,5 mL O2/kg/min).
 Um aumento de 15 mm na pressão arterial diastólica Para garantir que uma pessoa possa caminhar a um passo
durante o exercício é considerado uma resposta anor- normal, necessita-se de 5 METs (17,5 mL de O2/kg/min).
mal ao exercício, sobretudo em pessoas “aparente- Esse tema é abordado nos Capítulos 4 e 6.
mente saudáveis”.
 A resposta ao trabalho de halterofilismo de grande Duplo produto
intensidade e volume pode chegar até o valor pato- O consumo de O2 pelo miocárdio e o fluxo miocárdico de
lógico de PAS de 480 e de PAD 350 mm (480/350 sangue são diretamente proporcionais ao produto da fre-
mmHg), segundo refere Wilmore (2000), em pessoas qüência cardíaca e da pressão arterial sistólica, o que é defi-
hipertensas e que praticam halterofilismo ou fisicul- nido como duplo produto (DP).
turismo de forma intensa e perigosa.
DP = FC × PAS
 O treinamento de força isotônico bem-realizado não
gera problemas de saúde em pessoas saudáveis. É O DP é uma estimativa do trabalho do miocárdio e do
um método importante de exercícios para melhorar VO2máx.
de forma notável o condicionamento musculoesque- Em cardiologia, utiliza-se o duplo produto para avaliar
lético e também colabora com o condicionamento o risco cardiovascular ao esforço físico, tanto por aumento
cardiorrespiratório (ver Capítulos 4 e 6). da FC quanto da PAS.
 Veja no Capítulo 6 a classificação da pressão arterial O DP é utilizado para análise comparativa em um mes-
e da hipertensão arterial segundo a Organização mo indivíduo, para avaliar a ação terapêutica de um medi-
Mundial de Saúde. camento e sua utilização ou não e para a prescrição de exer-
 A pressão diferencial é obtida subtraindo-se a pres- cícios físicos e de procedimentos clínicos de cardiologia,
são arterial diastólica da pressão arterial sistólica; como a evolução da revascularização miocárdica.
54 INTRODUÇÃO À FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Durante exercícios contínuos, a FC e a PAS aumentam tensidade, da temperatura ambiental, do grau de treina-
paralelamente com a intensidade do esfoço, como ocorre mento, do nível de hidratação, da postura, etc. Tais altera-
nos testes máximos de ergonomia funcional. ções podem modificar esses parâmetros.
Nos esportistas, sobretudo das modalidades de resis- O treinamento bem-planejado permite modificações ne-
tência, e em pessoas ativas e saudáveis que realizam exercí- cessárias nas variações hematológicas, tanto com fins de
cio de forma sistemática para melhorar o condicionamento alto rendimento como nos programas de saúde dirigidos à
cardiorrespiratório, o duplo produto diminui em condições população. Essas modificações são menos bruscas pela
de repouso. O DP é utilizado pelos cardiologistas e pelos adaptação ao exercício, como se verá a seguir.
médicos do esporte.
Segundo Ellestad, obtemos o duplo produto (mmHg/ Hemoconcentração e hemodiluição
bpm) por meio das seguintes fórmulas:
A hemoconcentração refere-se ao aumento progressivo dos
DPmáx previsto = 360 – (0,54 × idade) × 100 componentes intravasculares devido à perda contínua de
DPmáx avaliado = PAS × FCmáx líquido plasmático da corrente sangüínea. A hemodiluição
é o contrário, o conteúdo vascular aumenta graças a um
A partir da obtenção do DP, podemos saber de forma ganho resultante de líquido proveniente do espaço inters-
indireta o VO2máx do miocárdio (Hellesterns et al., in ticial. Os elementos figurados e os solutos diluem-se.
Lamb, 1985), que se expressa em unidade de mL × 100 g O trânsito de líquidos pelos tecidos depende do equilí-
de ventrículo esquerdo, e o déficit funcional do ventrículo brio entre pressões hidrostáticas e coloidosmóticas capilares
esquerdo (DFVE), que se expressa em porcentagem; ambos e teciduais. Assim, a tendência à hemodiluição ou à he-
são muito utilizados em cardiologia, mediante as seguintes moconcentração depende de vários fatores específicos:
fórmulas:
 Quanto maior a temperatura ambiental maior será
VO2máx do miocárdio = (DP × 0,0014) – 6,3 mL a tendência à hemoconcentração, devido, logica-
mente, à eliminação de suor.
100 × DPmáx previsto – DPmáx alcançado
DFVE = _____________________________________  Gravidade e duração: a magnitude da hemoconcen-
DPmáx previsto tração costuma ser propocional ao exercício intenso
e prolongado. Durante trabalho intenso e curto, tam-
bém a observamos.
Utilização de oxigênio pelo miocárdio  A postura de execução pode condicionar a resposta.
Em repouso, cerca de 80% do oxigênio que flui pelas artérias Um exercício em posição ortostática facilita a hemo-
coronárias é extraído pelo miocárdio. Essa extração de alto concentração, porque predomina a filtração no leito
nível significa que as demandas elevadas de O2 para o mio- capilar da parte inferior do corpo.
cárdio, durante o exercício, só podem ser atendidas com  O estado de hidratação pode influir qualitativa e
um aumento proporcional da irrigação sangüínea corona- quantitativamente nas respostas do volume intra-
riana. Durante esforço intenso, a quantidade de fluxo san- vascular ao exercício. Comprovou-se que reposições
güíneo coronariano aumenta cinco vezes para atender a líquidas durante o esforço podem atenuar a hemo-
demanda de O2 acima do nível de repouso. concentração gerada no treinamento e na compe-
Como o miocárdio é um tecido essencialmente aeróbio, tição.
deve ter uma provisão contínua de O2. O impedimento do
fluxo sangüíneo coronariano causa dor anginosa e pode Capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue
provocar um dano irreversível ao músculo cardíaco, como
É um fator determinante da capacidade física e tem como
no infarto do miocárdio.
base a concentração de hemoglobinas (Hb), o número de
Os principais substratos que geram energia no miocár-
hemácias circulantes e a eficácia de suas funções. O exer-
dio são a glicose, os ácidos graxos e o ácido láctico. O per-
cício físico gera aumentos na concentração de hemoglobi-
centual de utilização desses substratos dependerá da inten-
na, no hematócrito e na contagem de eritrócitos no sangue
sidade e da duração do exercício.
periférico, por:
 Desidratação.
Algumas considerações sobre  Catecolaminas, que provocam contrações de reserva-
variações hematológicas no exercício tórios sangüíneos como o baço ou o fígado, capazes
Durante a atividade física, ocorrem alterações hematoló- de liberar certa quantidade de eritrócitos para a cir-
gicas, dependendo do tipo de exercício, da duração, da in- culação.

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